XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 O BRINCAR NO PRIMEIRO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA DISCUSSÃO SOBRE O CURRÍCULO Maísa Malta- Centro Universitário Moura Lacerda Natalina Aparecida Laguna Sicca- Centro Universitário Moura Lacerda Resumo: A ampliação do ensino fundamental de oito para nove anos vem sendo discutida no Brasil nos meios acadêmicos e tornou-se parte das políticas educacionais a partir da publicação da lei 11.274/2006, que determinou o prazo para a inclusão de todas as crianças de seis anos no ensino fundamental. Este estudo faz parte de uma pesquisa voltada para a elaboração de dissertação de mestrado sobre a ampliação do ensino fundamental e tem como objetivo analisar o espaço do brincar e da brincadeira no currículo prescrito, planejado e em ação do primeiro ano do ensino fundamental em uma rede municipal do interior de São Paulo. É uma pesquisa de campo com abordagem qualitativa, cujos dados foram obtidos por meio de entrevistas semi-estruturadas a professores do primeiro ano e por meio de análise da legislação e de documentos oficiais voltados para a implementação de políticas curriculares. A pesquisa está pautada em autores da perspectiva crítica. No âmbito deste trabalho, será apresentada a análise documental de dois documentos oficiais: Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade (de âmbito nacional) e Referencial Curricular Municipal para a Educação Básica (de âmbito municipal) procedendo a comparação dos mesmos no tocante a questão do brincar no currículo do primeiro ano. Serão apresentados indícios da concepção dos professores entrevistados acerca de tal questão. Os dados preliminares indicam que o brincar e sua importância para a criança de seis anos, apesar de estar presente nos documentos de orientações para a ampliação do ensino, não se efetiva no currículo prescrito em âmbito municipal, assim como no currículo em ação. Os professores apesar de considerarem a importância do brincar para as crianças, reconhecem que ainda não é uma prática prioritária no primeiro ano. Palavras-chave: Ensino Fundamental de Nove Anos; Currículo; Brincar 1. Introdução Desde a mudança do ensino fundamental de oito para nove anos, por meio da lei 11.274/2006, diversos estudos têm sido realizados, no sentido de discutir a implementação desta política de ampliação do ensino nas escolas. A presente pesquisa tem como objetivo analisar como o brincar e a brincadeira tem sido tratados pelo currículo prescrito e planejado do primeiro ano do ensino fundamental de nove anos, bem como no currículo em ação de um município do interior paulista, visto que, as crianças de seis de idade, antes da alteração da lei em 2006, freqüentavam a educação infantil. Este estudo faz parte de uma dissertação de mestrado, cuja temática trata da ampliação do ensino fundamental para nove anos. É relevante considerarmos, que concebemos currículo prescrito, planejado e em ação, conforme Gimeno Sacristan (1998) e Pacheco (2005 ). O prescrito é o currículo Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002241 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 2 oficial, formulado pelos sistemas de ensino, no Brasil, formulados em nível federal, estadual e municipal. O currículo planejado ou apresentado aos professores corresponde aos materiais e guias didáticos diversos como: livros textos, manuais, entre outros a serem utilizados pelos professores, ou seja, materiais feitos a partir do currículo prescrito. O currículo em ação se refere à experiência educativa real, correspondendo à interação da sala de aula, que são em parte reguladas pelos planos ou programações dos professores. 2. Metodologia Analisamos inicialmente como o brincar é tratado nos documentos da educação infantil que subsidiavam o atendimento às crianças de seis anos até 2006, o Referencial Curricular para a Educação Infantil (RCNEI) e as Diretrizes e Bases da Educação Infantil (DBEI). Em seguida, investigamos como a questão do brincar vem sendo abordada nos documentos atuais, publicados a partir de 2006, que tratam do ensino de nove anos, especificamente aqueles que se referem ao currículo do primeiro ano. Para tanto, realizamos análise documental (Bogdan; Biklen, 1994) das orientações de âmbito federal previstas no livro, “Ensino fundamental de nove anos: orientações para inclusão da criança de seis anos de idade”,publicado pelo Ministério da Educação ( MEC) e do documento de âmbito municipal, “Referencial Curricular Municipal de Educação Básica”(REC) do município em estudo, localizado numa cidade de aproximadamente 320 mil habitantes, no interior do estado de São Paulo. Em seguida analisamos a concepção dos professores que atuam em classes de primeiro ano, quanto à importância do brincar e como este se dá na prática e na rotina das crianças. Para isso foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com seis professoras de duas escolas da rede municipal, as quais denominaremos por letra e número (P1,P2, P3, P4 P5 e P6). A análise do conteúdo das entrevistas feita por meio da transcrição destas e da fundamentação teórica, nos possibilitou definir o brincar como categoria e algumas modalidades do brincar elencadas pelos professores e recorrentes em suas falas como subcategorias, no entanto, neste artigo abordaremos a importância e o espaço que o brincar ocupa nas classes de primeiro ano. 3. O direito de brincar Nas Diretrizes e Bases para Educação Infantil expostas no Parecer CNE/CEB 022/98, no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002242 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 3 publicado em 1998 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) publicada em 1996, a criança é considerada um ser de direitos e o brincar configura-se como um deles. O RCNEI (Brasil, 1998) concebe o brincar como fundamental para o desenvolvimento do ser humano, pois, através dele a imaginação, socialização, imitação, atenção, memória, regras e papéis sociais são estimulados. Nos objetivos destinados a faixa etária de seis anos, bem como nos conteúdos descritos para a educação infantil, o brincar aparece especificamente. De acordo com o referencial: A brincadeira favorece a auto-estima das crianças, auxiliando-as a superar progressivamente suas aquisições de forma criativa. Brincar contribui, assim, para a interiorização de determinados modelos de adulto, no âmbito de grupos sociais diversos. Essas significações atribuídas aos brincar transformam-no em um espaço singular de constituição infantil (BRASIL, 1998, p.27) Portanto, as brincadeiras e os momentos de brincar devem ser atividades permanentes nas rotinas, ou seja, elas devem acontecer com freqüência regular no cotidiano escolar. A partir da análise dos documentos constatamos que, enquanto a criança de seis anos estava sendo atendida pela educação infantil, brincar estava previsto em seu currículo e era um direito garantido pelos documentos oficiais, no entanto, sabendo que esta criança agora já não freqüenta a educação infantil e sim o ensino fundamental, este direito de brincar continua existindo? Os documentos, voltados para a escola de 9 anos, que constituem o atual currículo prescrito, em âmbito federal e em âmbito municipal consideram o brincar com a mesma importância e espaço que a educação infantil? Martinati e Rocha (2011) defendem que a transição da educação infantil para o ensino fundamental deveria garantir a continuidade do processo educativo que está em curso, no entanto conforme afirmam as autoras, o que ocorre é uma brusca mudança, onde o brincar presente na educação infantil dá lugar ao estudar, foco do ensino fundamental. Um estudo realizado por Correa (2008) discute os direitos da criança de seis anos, no mesmo a autora ressalta entre outros, o direito à brincadeira e questiona sua viabilização no ensino fundamental, afirmando que os espaços das escolas não colaboram para o brincar, faltam parques, materiais, as salas são apertadas, além disso o fato da organização do ensino fundamental apresentar quatro ou cinco horas de aula com quinze minutos de intervalo revela como a organização da educação infantil e do ensino fundamental se diferem. Neste sentido a autora considera necessário que a infra- Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002243 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 4 estrutura, os espaços e tempos das escolas sejam modificados e repensados para o atendimento do ensino fundamental de nove anos, pois, se quando as crianças de seis anos estavam nas instituições de educação infantil este direito era a elas garantidos, agora , que estão no ensino fundamental não precisam mais ter acesso a brincadeira , o que mudou? Se tomarmos como parâmetro a criança de seis anos – mas não apenas ela, já que as crianças não “amadurecem” com sete – devemos ter em vista algumas de suas características peculiares: a importância do brinquedo e da brincadeira para elas, bem como as condições de aprendizagem em face de seu desenvolvimento, seu vínculo familiar e, como decorrência disso tudo, a necessidade de estratégias de ensino que se coadunem com tais características. (CORREA, 2008, p. 13) Nos documentos divulgados pelo MEC sobre o ensino de nove anos, observa-se uma forte preocupação em “orientar” os sistemas escolares que ao implementarem a ampliação, revejam, reformulem os currículos e as propostas pedagógicas, a fim de que as peculiaridades da criança de seis anos sejam consideradas,uma delas é o brincar. Partindo do princípio de que o brincar é da natureza de ser criança, não poderíamos deixar de assegurar um espaço privilegiado para o diálogo sobre tal temática [...] o brincar como uma das prioridades de estudo nos espaços de debates pedagógicos, nos programas de formação continuada, nos tempos de planejamento; o brincar com uma expressão legítima e única da infância; o lúdico como um dos princípios para a prática pedagógica; a brincadeira nos tempos e espaços da escola e das salas de aula; a brincadeira como possibilidade para conhecer mais as crianças e as infâncias que constituem os anos/ séries inicias do EF de nove anos. (BRASIL, 2007, p.10) Para tanto, no documento de orientação do MEC sobre implementação do ensino de nove anos, há um estudo realizado por Borba (2007) que trata tanto da importância da atividade do brincar, como de seu espaço na escola. De acordo com a autora o brincar é marcado pela continuidade e pela mudança. Com relação à continuidade, Borba (2007) ressalta que a criança está inserida em um contexto cultural e social e ao brincar ela reproduz esta realidade. Do ponto de vista da mudança, a autora afirma que a experiência do brincar é também inovadora, pois a criança não somente reproduz sua realidade, mas imprime nesta o seu olhar, a sua criatividade, o seu reinventar. Portanto, nas brincadeiras e nas diversas situações do brincar estão presentes o conhecimento cultural, através do contexto em que se vive e também a individualidade do ser, expressa em sua singularidade e nas formas próprias de vivenciar e relacionar-se com o mundo. A autora questiona o significado das brincadeiras e as situações de brincar na nossa realidade com nossas crianças e adolescentes. Assim se expressa: Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002244 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 5 O espaço do brincar nas nossas escolas é apenas passatempo e liberação reposição de energias para alimentar o trabalho? Ou é uma forma de interpretar, agir e nos relacionar com o mundo e com os outros, vivenciada como experiência que nos humaniza, levando-nos à apropriação de conhecimentos, valores e significados, com imaginação, humor, criatividade, paixão e prazer?(BORBA, 2007, p. 41) Borba (2007, p.42) ainda ressalta que brincar como experiência cultural e humana não é importante apenas no início da infância e sim durante toda a vida, “portanto deve ser garantida em todos os anos do ensino fundamental e etapas subseqüentes da nossa formação”, pois possibilita a construção da identidade do sujeito enquanto ser social pertencente a um grupo e como homem com suas individualidades. Estas reflexões estão presentes no documento de orientações do MEC (2007), portanto, refletem e reforçam a intenção de que os sistemas de ensino se preocupem em reformular seus currículos do primeiro ano contemplando o brincar. No entanto, Correa (2008) traz uma importante crítica a este documento elaborado pelo MEC, onde diz que estas discussões e debates a fim de rever o currículo, de fato não ocorreram e não ocorrem nos sistemas de ensino: Aliás, deve-se lembrar que esta parece ser uma regra em nosso sistema educacional: primeiro sanciona-se a lei, depois se corre atrás de sua viabilização e, enquanto isso, alunos e professores são, em geral, os que mais sofrem durante os períodos de transição (CORREA, 2008, p.7) Conforme Correa (2008) o documento de orientações, apesar de demonstrar preocupações importantes, são orientações, ou seja, o MEC não faz um trabalho de formação e de investimento financeiro direto aos sistemas, sendo assim as alterações em curto prazo são poucas ou nenhuma. São nos municípios, com seus respectivos sistemas de ensino, que o ensino fundamental de nove anos tem sido implementado, portanto, são neles que estão os professores e os alunos que de fato concretizam o currículo. Para confirmar ou não a crítica feita por Correa (2008) analisamos o Referencial Curricular de Educação Básica Municipal (REC) a fim de verificarmos o currículo do primeiro ano do ensino fundamental no que diz respeito ao brincar e a brincadeira. 4. Referencial Curricular Municipal do município em estudo Este documento ao qual nos referenciaremos como REC, formulado em meados de 2006 e revisto em 2007, chegou aos professores em 2008, portanto, nesta ocasião todos os documentos do MEC citados neste estudo já haviam sido publicados, inclusive o estudo realizado por Borba (2007) que faz parte dos documentos voltados para a Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002245 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 6 implementação do currículo prescrito. No entanto encontramos nas referências do REC apenas um documento do MEC relativo ao ensino de nove anos que trata das orientações gerais, publicado em 2004, anterior a lei de 2006. A questão do brincar aparece timidamente em alguns pontos do REC .O primeiro deles é no item que fala sobre a ampliação do ensino fundamental de nove anos, para tanto, o documento utiliza as Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil (CNE/CEB, Parecer nº 22/98), justificando a necessidade de se rever a proposta pedagógica do ensino fundamental : Propostas pedagógicas que considerem a criança como ser completo e indivisível promovendo práticas e cuidados à integração entre os aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivo-linguístico e sociais. Brincar, sentir, expressar-se, relacionar-se, mover-se organizar-se, cuidar-se, agir e responsabilizar-se são partes do todo de cada indivíduo (...) tudo isso deve acontecer num contexto em que cuidados e educação realizem-se de modo prazeroso e lúdico. Nesta perspectiva, as brincadeiras espontâneas, o uso de materiais, os jogos, as danças e os cantos, as comidas e as roupas, as múltiplas formas de comunicação, de expressão, de criação e de movimento, o exercício de tarefas rotineiras do cotidiano e as experiências dirigidas que exigem que o conhecimento dos limites e alcance das ações das crianças e dos adultos devem ser contemplados (SME, 2007, p.27) O próximo tópico que contempla a questão do brincar, é a importância do trabalho pedagógico com a criança de 0 a 6 anos, tratando da educação infantil, o que parece-nos um tanto incoerente pois se o documento foi formulado prevendo o ensino de nove anos, as crianças de seis anos deveriam ser contempladas no ensino fundamental. No entanto, neste item são expostos vários objetivos e metas da educação infantil entre os mesmos o brincar. Inclusive na rotina diária da educação infantil existe ou está prevista a “hora da brincadeira”( SME, 2007, p.87). Ainda neste mesmo tópico há um subitem relacionando os tipos de brincadeiras e sua importância como: jogos de ficção ou faz de conta, jogos de exploração e jogos de movimento, todos baseados no RCNEI. No currículo do primeiro ano propriamente dito, que está disposto no documento em formato de um quadro com competências, habilidades e procedimentos que devem ser desenvolvidas em cada ano, observamos pouquíssimas referências ao brincar. Especificamente nenhuma competência, habilidade ou procedimento, apenas algumas citações utilizadas em habilidades de outras áreas. O REC estabelece como uma das competências expressar-se com autonomia, para que esta seja alcançada, o documento define como habilidade: “Ampliar as possibilidades expressivas do próprio movimento utilizando gestos diversos e o ritmo Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002246 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 7 corporal nos jogos/brincadeiras e jogos/dança e demais situações de interação" (SME, 2007, p.146.).E como procedimento: “Conviver com situações competitivas, por meio de jogos com e sem regras , gincanas educativas, olimpíadas, etc [...] participando de jogos” (SME, 2007, p.145.) Outra competência é compreender as relações de convivência cuja habilidade pretendida é “conhecer as regras e suas implicações em jogos e brincadeiras” (SME, 2007, p.133 - 152). Estas citações nos revelam que o brincar e a brincadeira estão presentes no REC apenas como recurso de ensino para atender a outras áreas e de maneira bastante restrita, sem especificações sobre o espaço e demais condições necessárias para que a atividade aconteça. Ao falar sobre as práticas que envolvem a brincadeira, Borba (2007) discute que muitas propostas pedagógicas trazem o brincar como instrumento para o ensino de conteúdos, como por exemplo, canções e músicas que ajudam a memorizar informações ou idéias matemáticas. A autora afirma que tais estratégias são importantes e contribuem para o ensino e aprendizagem, propiciando interações das crianças com os conhecimentos de maneira prazerosa, no entanto, “quando tais atividades são compreendidas apenas como recursos, perdem o sentido da brincadeira e, muitas vezes, até mesmo seu caráter lúdico, assumindo muito mais a função de treinar e sistematizar conhecimentos” (BORBA, 2007, p.43). Para ser brincadeira, na concepção de experiência cultural, é preciso “ser livre, espontâneo, não ter hora marcada, nem resultados prévios e determinados, permitindo a fantasia, a criatividade, as escolhas, as descobertas e até os conflitos”(BORBA, 2007, p.43). No tópico seguinte, apresentamos como os professores articulam o currículo prescrito no REC, com sua prática, e que importância dão ao brincar em turmas do primeiro ano. Para tanto analisamos as entrevistas realizadas com professores. 5. A concepção dos professores quanto a importância do brincar no primeiro ano do ensino fundamental. Todas as professoras entrevistadas reconheceram a importância do espaço do brincar, inclusive uma delas, a P6 salientou que a brincadeira é parte da aprendizagem e, portanto contribui para o desenvolvimento da criança: Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002247 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 8 A criança precisa muito brincar, é fundamental porque na verdade brinca-se mais se aprende, é o aprender brincando, até na minha forma de interagir com eles, nas intervenções, às vezes eu estou trabalhando os portadores textuais eu dramatizo, brinco, fora o recreio que é o momento livre e tem também as brincadeiras dirigidas (P6) No entanto das seis entrevistadas, duas disseram ter o brincar enquanto parte da rotina ainda que com dificuldades, as outras afirmaram ser uma área que precisa de maior atenção, pois não vem ocupando o espaço que deveria. As duas professoras que afirmaram terem em suas rotinas o momento de brincar, pertencem à mesma escola , lecionam no mesmo período e relataram não serem cobradas para realizarem as brincadeiras assim como são para promoverem a alfabetização, mas também não encontram empecilhos tão difíceis de superar, portanto com um esforço individual e a concepção clara de que a brincadeira é importante, realizam várias atividades onde o brincar é imprescindível: Eu gostei do brincar [...] É um espaço na nossa rotina que a gente tem e faz [...]. Este ano eu estou mais tranqüila, agora temos o tempo de brincar e eu achei que as crianças estão melhores que as do segundo ano, no ano passado. (P2) Borba (2007, p.36), apoiada em Vygotsky, afirma que diversas aprendizagens ocorrem com o brincar, a brincadeira cria “uma zona de desenvolvimento proximal, permitindo que as ações da criança ultrapassem o desenvolvimento já alcançado (desenvolvimento real) impulsionando-a a conquistar novas possibilidades”. Através do distanciamento da realidade que a brincadeira proporciona, ou seja, apesar da criança referenciar a realidade nas situações de brincadeira, ela sabe que é “brincadeira” e não realidade. “As brincadeiras de imaginação/fantasia, por exemplo, exigem que seus participantes compreendam que o que está se fazendo não é o que aparenta ser” elas “fingem” imitam a vida real e os comportamentos existentes nela. Podemos observar este aspecto nos momentos de faz de conta. Apesar de também criticarem a falta de espaço, de mais materiais e a inexistência de um parque adequado para as crianças, dentro de suas possibilidades estas professoras P2 e P3 procuram garantir que o brincar aconteça com alguma qualidade. Inclusive a P3 ressaltou a sua resistência ao brincar quando iniciou como professora do primeiro ano, pois sua experiência era como alfabetizadora no segundo ano, onde o brincar não tinha espaço, no entanto conforme as trocas com a colega e o desenvolvimento dos alunos foram acontecendo ela resolveu investir e planejar o brincar assim como planeja a alfabetização, a matemática e as demais áreas e tem obtido avanços positivos com os alunos. Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002248 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 9 Além disso, conforme nos relatou a P3, é importante considerar o brincar como parte do currículo, ou seja, é uma atividade que deve ser planejada e observada pelo professor, ainda que as crianças tenham momentos de brincadeiras livres e espontâneas. Borba (2007, p.38) afirma que ao observarmos as crianças brincando devemos nos atentar ao planejamento e organização das brincadeiras, aos papéis, regras, expressões, gestos, ações, significados e conflitos, pois isso nos leva a “perceber que a brincadeira requer o aprendizado de uma forma específica de comunicação que estabelece e controla esse universo simbólico e o espaço interativo em que novos significados estão sendo partilhados” . Ao realizarmos tais observações podemos interagir e dialogar com as crianças, compreendendo como pensam, quais são suas hipóteses, e como está ocorrendo seu processo de construção de identidade. No entanto, esta realidade onde o brincar de fato faça parte da rotina assim como áreas do conhecimento, não se confirmou com as demais professoras entrevistadas que relataram problemas e críticas com relação as brincadeiras e ao espaço de brincar. Para a P1, o brincar precisa ser olhado com mais atenção pelo currículo do primeiro ano, pois tanto no planejamento quanto na prática diária não se privilegia esta atividade: Acho que precisa melhorar essa parte do brincar livre principalmente, mas tem que ter suporte porque as crianças sentem necessidade de correr, brincar, pular é da idade e se cobra uma disciplina é só fila o tempo todo é aquela coisa rígida, é uma visão de ensino fundamental, mas um fundamental de quarto e quinto ano, terceiro, não é? [...](P1) Conforme esta professora o principal obstáculo está na falta de espaço físico e estrutura adequada para que se possa sair com as crianças da sala de aula e propiciar a brincadeira livre e / ou dirigida de maneira planejada e com qualidade, onde as crianças possam brincar com segurança. De acordo com Borba (2007) é papel da escola enquanto espaço coletivo, de encontro e interação de crianças, propiciar que o brincar aconteça, especialmente porque nos dias atuais, cada vez mais se observa a diminuição dos espaços coletivos públicos, que proporcionam estas experiências, “falta tempo para lazer, pelo isolamento”(BORBA, 2007, p.42), faltam condições adequadas e prioridade para o brincar . Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002249 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 10 Concordando com esta crítica as professoras P4, P5 e P6, confirmaram a falta de espaço e de materiais adequados como os maiores empecilhos para a atividade do brincar, além do foco excessivo em alfabetização e matemática por parte dos órgãos oficiais, o que faz com a brincadeira fique restrita a sobra de tempo, ou a poucos momentos durante a semana. De acordo com Borba (2007) apesar dos avanços nas discussões com relação a importância do brincar, ainda existe a idéia de que esta atividade é “tempo perdido” e isto faz com que os espaços e tempos do brincar sejam diminuídos nas escolas conforme a criança avança nos anos do ensino fundamental: Seu lugar e seu tempo vão se restringindo à hora do recreio, assumindo contornos cada vez mais definidos e restritos em termos de horários, espaços e disciplina: não pode correr, pular, jogar bola etc [...]. Mas a brincadeira também é séria! E no trabalho muitas vezes brincamos e na brincadeira também trabalhamos. (BORBA, 2007, p.35) Das seis professoras entrevistadas, duas afirmaram ter de fato em suas classes o momento de brincar ainda que com falhas, as demais teceram críticas e reconheceram que brincar não é prioridade do currículo. Conforme nos relatou as professoras isso ocorre devido a alguns obstáculos, dentre estes a falta de espaço físico, de materiais, da infra-estrutura e da própria organização da matriz curricular. Ainda que existam algumas práticas interessantes de brincadeiras ressaltadas pelas professoras, que as realizam por iniciativa própria e por considerarem importante, o direito de brincar não é evidenciado pelo currículo municipal nem ocorre com regularidade. 6. Considerações finais Vimos a partir do que foi exposto, que a questão do brincar é enfatizada nos documentos do MEC analisados. O estudo realizado por Borba (2007) apresenta a importância desta ação humana e sua influência no desenvolvimento do indivíduo, no entanto, no currículo oficial proposto pelo município em estudo, não observamos a mesma preocupação. As indicações feitas no REC sobre o brincar resumem-se aos tópicos da educação infantil e também em alguns procedimentos de outras áreas. Nossos dados apresentam a mesma direção da pesquisa de Correa (2008), que em seu estudo salientou o papel pouco efetivo do MEC quanto à alteração e mudança do currículo para o ensino fundamental de nove anos. As orientações previstas em seus documentos, com relação ao brincar, apesar de serem pertinentes e trazerem discussões importantes para a reformulação do ensino, não se concretizam no currículo prescrito do Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002250 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 11 município em estudo, assim como há indícios de que não se concretizam no currículo em ação. No município e nas escolas estudadas do mesmo, constatamos por meio das falas das professoras, que a criança de seis anos do primeiro ano do ensino fundamental, em sua maioria está sendo lesada quanto ao direito de brincar, tendo sido antecipada a vivência da organização escolar própria do ensino fundamental. Os professores reconhecem a importância do brincar e sua necessidade para o desenvolvimento infantil, porém, por diversos fatores fornecem indícios de que esta prática ainda não se concretizou de forma plena. A criança de seis anos continua a ser um indivíduo criativo, curioso e que precisa aprender e brincar, em qualquer nível de ensino, inclusive no fundamental. Referências BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação. Porto: Porto Editora, 1994. BORBA, Ângela. O brincar como um modo de ser e estar no mundo. In: BRASIL, Ministério da Educação (org). Ensino Fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. Brasília: MEC/ SEB, 2007. p 33-44. BRASIL. Ministério da Educação. Legislação. Lei de diretrizes e bases da Educação Nacional. Lei nº 9394 de 20 de dezembro de 1996. http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf. Acesso em 01/05/2011 ______. Conselho Nacional de Educação. Parecer CEB nº 22 de 1998. ______. Ministério da Educação. 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Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002251 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 12 MARTINATI, A.Z; ROCHA, M. S. P. M. L. Do outro lado: a voz da criança na transição da educação infantil para o ensino fundamental de nove anos. In: 10º Encontro de Pesquisa em Educação da região Sudeste. Rio de Janeiro: Anais Anpedinha, 2011. http://www.fe.ufrj.br/anpedinha2011/trabalhos/POSEDUC_PUCCAMPINAS_197.041. 588-66_trabalho.pdf. Acesso em 20/02/2012 PACHECO, José Augusto. Escritos curriculares. São Paulo: Cortez, 2005 Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002252