2 TEREZINHA FÁTIMA ANDRADE MONTEIRO DOS SANTOS CONVERSAS IMPENITENTES SOBRE A GESTÃO NA EDUCAÇÃO 2007 3 INTRODUÇÃO Este livro reúne um conjunto de textos sobre políticas educacionais, mais especificamente sobre gestão educacional, apresentados em diferentes eventos nacionais, internacionais e regionais no período de 2001 a 2005. Os textos são resultantes de pesquisas realizadas na linha de políticas públicas educacionais no Mestrado em Educação. O trabalho surgiu da insistência e cobrança de minhas bolsistas de iniciação científica, Bárbara Piedade e Silva, Denise Souza Nascimento, Heloisa Helena Meireles Bahia e das hoje mestrandas Cristiane Almeida e Fabíola Bouth Grelo Kato, a quem agradeço pelo incentivo, porque só assim condensarei numa única publicação todo o meu material distribuído em diferentes meios de divulgação, nem sempre acessíveis aos alunos ou a outras pessoas interessadas na temática que exploro. Ao longo dos textos fica visível minha preocupação com as relações de poder na escola pública, meu foco de análise prioritário, defendendo a educação gratuita e de qualidade como direito de todo cidadão. Não houve a intenção em dar uma sequência aos diversos trabalhos, que foram agrupados aleatoriamente, nem a reocupação com prováveis repetições de idéias ou posicionamentos, que certamente existirão. Fiz pequenas correções, atualizei dados e reduzi alguns textos, para o livro não ficar muito extenso. Espero que possa contribuir com as pessoas que militam na área e se interessam em fazer uma interlocução sempre salutar e necessária para que continuemos na luta por uma escola pública, gratuita e de boa qualidade em todos os níveis e modalidades de ensino para todos. Belém, agosto de 2006. Terezinha Fátima Andrade Monteiro dos Santos. 4 PREFÁCIO Não obstante a investigação sobre as escolas, na sua dimensão organizacional e de gestão, ter estado afastada da centralidade que outras temáticas (tais como o aluno, a turma ou o sistema educativo) usufruíram durante o século passado nas agendas educacionais, acontece que, nas últimas décadas, essa situação inverteu-se e a análise organizacional escolar e o estudo dos correspondentes processos de gestão têm vindo a assumir um protagonismo sem precedentes. Este interesse crescente que a comunidade educacional em geral tem vindo a atribuir à escola-organização manifesta-se, não só ao nível do alinhamento da investigação educacional em redor deste novo objecto de estudo, mas, também, no que diz respeito às decisões políticoeducativas e às preocupações dos actores educativos contextualmente situados. Neste sentido, a constatação de que as organizações escolares se encontram progressivamente dotadas de maiores margens de autonomia significa reconhecer também que estamos perante contextos educacionais onde educadores e educandos querem assumir uma postura criativa e interventora, traduzida na definição e implementação de actividades que lhes interessem e sejam localmente significativas. Reportamo-nos, assim, a um modelo pedagógico que concebe o aluno como co-construtor do seu processo de aprendizagem, a uma concepção do professor que, enquanto profissional, se assume como agente de inovação e mudança, e a escolas entendidas como unidades organizacionais de decisão que procuram tomar o futuro nas suas próprias mãos através de decisões estratégicas e de projectos próprios de actuação. Esta questão da centralidade da escola enquanto organização constitui, por isso, um fenómeno cuja explicação deve ser equacionada tendo em conta duas vertentes: Por um lado, em termos do tipo de orientações e de decisões políticas anunciadas que, com graus diferentes de execução, têm vindo a ser postas em prática em diversos países em matéria de educação: referimo-nos aos movimentos de descentralização dos sistemas educativos, de territorialização das políticas educativas, de valorização da autonomia dos estabelecimentos de ensino como unidades de decisão, de participação social nas instituições educativas locais, de criação dos conselhos escolares, de investimento nos processos de liderança e na figura do director das escolas, de pressão sobre a avaliação institucional e a prestação de contas, entre outros; Por outro lado, a centralidade da escola surge também na sequência dos significativos desenvolvimentos ocorridos no âmbito das investigações da especialidade, no que à análise 5 organizacional e administrativa diz respeito. Neste aspecto, foram profundas as mudanças ocorridas a partir de meados dos anos setenta do século XX no âmbito da construção teórica da administração educacional, traduzidas em profundas alterações do quadro epistemológico, conceptual e metodológico tradicional desta área disciplinar. A ideia de que as organizações escolares são estruturas homogéneas e estáveis, devidamente estruturadas e hierarquizadas, sujeitas a processos de planificação pormenorizados e sequenciais, com objectivos e tecnologias bem definidos, numa adequação mecânica entre meios e fins, dirigidas e controladas segundo uma lógica de coerência e racionalidade começou progressivamente a ser substituída pela concepção de que as organizações são complexas, flexíveis, instáveis, dependentes dos estados de turbulência do mundo exterior, marcadas por níveis elevados de incerteza, de desarticulação interna e de desordem, sujeitas a processos de reestruturação e de redefinição frequentes das suas estratégias e a cujos actores se reconhece disporem de um papel estratégico no seu desenvolvimento que é marcado por conflitos, poderes e processos de influência dificilmente conciliáveis com a ordem que tradicionalmente lhes era atribuída. Significa isto que o conhecimento e a análise daquilo que se passa no interior dos estabelecimentos de educação e de ensino necessitam do suporte e do enquadramento teórico quer do ponto de vista dos modelos de organização e de gestão em causa, quer das políticas educativas que lhes subjazem. A gestão das escolas não pode ser encarada, como por vezes alguns querem fazer crer, como uma mera questão tecnocrática, de procedimentos operatórios pré-definidos ou de receituários “prontos-a-usar” mais ou menos bem conseguidos noutras situações. Certamente que a preparação técnica e pedagógica dos gestores é fundamental e que a liderança das organizações escolares deve ser potenciada, contudo as decisões educacionais precisam de conciliar eficiência com participação, eficácia com justiça, qualidade com democracia e cidadania. As decisões dos responsáveis pela gestão das escolas não constituem actos axiologicamente neutros de gestão corrente, mas estão sistematicamente dependentes quer das lógicas e das tendências sócioeconómicas globalizantes do mundo actual, quer das políticas educativas e das indicações específicas que o poder administrativo externo às escolas lhes impõe, quer ainda das próprias lógicas de acção, poderes, interesses e estratégias dos actores que integram e interagem em determinada comunidade educativa. Os pressupostos que acabámos de enunciar encontram-se presentes no conjunto de textos publicados, por Terezinha Fátima Andrade Monteiro dos Santos, no livro intitulado Conversas Impenitentes sobre a Gestão da Educação. Trata-se de um acervo de investigação pertinente e actual no que concerne a diversas situações, inovações e reformas respeitantes à gestão das escolas, 6 tendo em conta a realidade educacional brasileira e, em particular, o que tem vindo a ocorrer no Estado do Pará. A sistemática leitura política com que a autora enforma os dados das suas investigações não deixa o leitor indiferente, questionando-o e contribuindo, deste modo, para uma repolitização da gestão da educação. Jorge Adelino Costa Professor da Universidade de Aveiro, Portugal Setembro de 2006 7 POR UMA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA QUALIDADE SOCIAL DA EDUCAÇÃO Este trabalho escrito em 2001, é fruto de pesquisas que vimos desenvolvendo desde 1996 e sintetiza uma análise crítica da gestão de escolas públicas, particularmente em Belém, por ser o local onde fazemos a investigação, mas que não se diferencia tanto de outras realidades que já contactamos, por meio de outros estudos. A metodologia utilizada foi de cunho eminentemente qualitativa, privilegiando a análise do discurso, de forma crítica. Foram aplicados questionários e entrevistas semi-estruturadas a sujeitos representantes das diversas categorias nos Conselhos Escolares. Na primeira pesquisa, trabalhamos com um universo de 25 escolas médias públicas e, atualmente, estamos investigando 5 escolas do ensino fundamental da rede estadual e 5 da rede municipal, da cidade de Belém, no estado do Pará, com vistas à comparação dos resultados. Hoje, no Brasil a questão do ineficiente gerenciamento está posta no topo das agendas governamentais, nos discursos oficiais, como causa central das mazelas históricas da educação, que geram a má qualidade do ensino. Por que isto acontece? A nova ordem mundial impõe outros referenciais para a compreensão dos problemas sócioeconômicos e até políticos. Nessa direção, inclui-se a reforma do Estado, orientada por princípios da eficiência, da eficácia, da produtividade, enfim, da qualidade total na prestação dos serviços e pelo desenvolvimento de uma nova cultura, a gerencial, na ótica mercadológica. Segundo Costa (1995, p. 71), “O deslocamento da discussão público/privado, para a questão do padrão de gerência e da avaliação de qualidade, é a versão educacional da máxima do estado mínimo.” Em nome de uma modernização exigida pelo desenvolvimento científico-tecnológico e pelos avanços do processo de globalização, foi elaborado no e pelo Governo de Fernando Henrique Cardoso 1994-2002 e está sendo implementado o Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado. Essas reformas estão rebatendo de modo incisivo no campo educacional e sobretudo na escola, onde se materializam as políticas reformistas do Estado, que são produto das orientações e receitas dos organismos de financiamento mundial, compactuados pelas elites dirigentes brasileiras, em sintonia com o novo momento vivido pelo capitalismo, de hegemonia do modelo neoliberal, entendido como conjunto particular de prescrições econômicas e programas advindos dos centros mais avançados (SANTOS, 1999, p. 69). Para Silva Jr e Sguissardi (apud SANTOS, 1999, p. 114), as reformas do Estado brasileiro têm-se orientado pelo eixo administrativista-racionalizador, em consonância com os referenciais dos países cêntricos, onde a modernização das instituições sociais são receitadas como 8 indispensáveis para superação da crise do Estado, buscando colocá-las como espaço social mediador entre as necessidades administrativas do Estado e a subjetividade do indivíduo. A esse respeito, o Prof. Dr. Stephen J. Ball do King’s College (Inglaterra)1, por ocasião do II Congresso Luso-Brasileiro de Política e Administração da Educação, na cidade Braga em Portugal, quando abordou o tema “Reformar escolas – reformar professores e os terrores da performatividade”, na sessão de abertura do evento no dia 18.01.2001, enfatizou em sua explanação que “a reforma da Educação está se alastrando por todo o mundo, como se fosse uma epidemia política”, uma reforma que está para além da esquerda e da direita. Tais reformas, segundo o mesmo autor, são estabelecidas a partir de um trabalho intensivo sobre o Eu, na verdade, reformas das relações e subjetividades, em que se exige uma performatividade permanente dos gestores e professores, num competente jogo de marketing. É a exacerbação do emprego de julgamentos, comparações, cumprimento de metas e demonstrações como meios de controle, conflitos, mudanças, geradores de uma cultura da insegurança. As reformas propostas e algumas já implementadas no Brasil, a partir de 1990, caminham na direção do encolhimento do Estado em sua função social, em favor da empresa privada, ou mesmo do denominado público não-estatal, que não se encontra no mercado nem no Estado: ... a reforma do estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do papel do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse movimento (NETO et ALMEIDA, 1999, p. 37) Ainda que se concorde com o posicionamento acima, impõe-se investigarmos as nuances e as exigências desse novo momento do capitalismo ou, como diz Mészaros (2002) no sociometabolismo do capital (sua determinação mais profunda, em seu funcionamento), na revisão de referenciais de sustentação de nossas práticas, dos mecanismos de controle social, compreendido como a efetivação de mecanismos, estratégias., movimentos e instrumentos capazes de assegurar uma nova sociedade, que tem, como principal foco, o homem (MÉSZAROS, 1993). A crise estrutural do capitalismo, para Mészáros (op.cit), é a crise do capital que, por afetar todas as instituições, obrigou os Estados a se reposicionarem diante de seus problemas, sobretudo na parte mais econômica, na qual os capitalistas são forçados a buscar novos mercados, num processo de competição nunca antes experimentado, impulsionando a criação e implementação de novos setores de produção e serviços, estabelecendo outras relações de trabalho e inovações em todos os campos. No nosso entender, o capitalismo se renova para manter suas permanências. 1 É professor do Center for Educational Studies, King’s College, de Londres-. 9 Esse reposicionamento tem gerado muitos problemas para as economias periféricas, principalmente de ordem social, além de ajudar no agravamento dos já existentes (SANTOS, 1998, p. 33-34), impondo-nos um grande dilema, pois, ao mesmo tempo em que sofremos o impacto do processo de globalização, em que as fronteiras econômicas e até culturais tendem a se diluir ou ofuscar-se, sobretudo a partir de um avanço significativo na área das comunicações, com tendência a influenciar as culturas, os estilos de vida e a própria visão de mundo, lutamos pela implementação de uma educação inclusiva, democrática e de qualidade, com respeito à diversidade e às diferenças num contexto de extrema exclusão e individualismo, próprio do atual estágio do sistema produtivo. Segundo Hobsbawm, se o único ideal dos homens é a busca da felicidade pessoal, por meio do acúmulo de bens materiais, a humanidade é uma espécie diminuída (2000, p. 191). A globalização como internacionalização da economia, se estende desde a produção de bens e serviços até o consumo, tem na sua base princípios que encaminham para a exclusão, porque impõe um modelo de desenvolvimento, no qual a competição é um dos pilares, a partir de valores do livre-mercado. Força o redirecionamento dos países para se capacitarem a fim de poder incorporar-se ao mundo desenvolvido, em sintonia com a doutrina hegemônica do neoliberalismo. Isso representa uma falácia, porque nesse universo da competição e da excludência, ainda que numa democracia, só os mais fortes vencerão, conforme se pode ilustrar com a manifestação de Noam Chomsky, em palestra no dia 19/11/96 na Universidade Federal do Rio de Janeiro, na qual revela que o livre-mercado protege os países mais ricos, que o dominam, apresentando como exemplo os blocos econômicos e, particularmente, o NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do Norte, composto pelos Estados Unidos, Canadá e México), criado para fragilizar os concorrentes europeus e asiáticos.(SANTOS, 1999, p. 70). Além disso, a modernização preconizado pelos neoliberais significa diminuição de postos de trabalho humano e intensificação de tecnologias, o que só faz aumentar o desemprego crônico, dilapidar a natureza e excluir quem não consegue se enquadrar. A procura incessante por qualificação individual provavelmente não dará as chances ideologicamente geradas e defendidas pelos arautos da sociedade do mercado, porque o próprio desenvolvimento capitalista obedece a uma lógica que poupa força de trabalho, como já dissemos, na busca desenfreada de novos mercados e consumidores. Nesta perspectiva, ainda que todos se preparem mais, só alguns conseguirão se incorporar ao mercado. Ainda para reforçar o posicionamento sobre o livre-mercado, valemos-nos de reportagem do dia 04.03.2001, do jornal “A Província do Pará”, quando da visita do Presidente FHC aos Estados Unidos. No encontro com o novo Presidente americano George W. Bush, ao tratar do ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), FHC demonstra, com dados objetivos, que tal acordo poderá 10 servir para acabar de vez com o setor produtivo brasileiro, ao liberar a entrada dos produtos americanos sem o pagamento de tarifas aduaneiras, o que poderá ocasionar a redução dos preços desses produtos no mercado e, inviabilizará o comércio da produção local, porque nessas condições não haverá competição. O texto de Milton Santos é esclarecedor e incisivo a esse respeito: A globalização atual é perversa, fundada na tirania da informação e do dinheiro, na competitividade, na confusão dos espíritos e na violência estrutural, acarretando o desfalecimento da política feita pelo estado e a imposição de uma política comandada pelas empresas. (2000, p. 15) Desse modo, compete aos profissionais da educação, em suas práticas sociais, atuarem na direção da superação do dilema entre a doutrina hegemônica do neoliberalismo e a ideologia dela decorrente, na qual a competitividade, um dos seus principais pilares, é geradora de exclusão, porque não há espaço para todos e nem a qualificação da escola para enfrentá-la e construir a inclusão, a solidariedade, a cooperação, a democracia cidadã, enfim uma outra qualidade. Em pesquisas realizadas nas escolas públicas de Belém, geradoras deste texto, ficou patente o tipo de administração praticada tanto em nível de sistema de ensino como da unidade escolar, em que os dirigentes aparecem como a figura máxima, de quem dependem as decisões essenciais sobre a vida escolar, numa forma centralizadora, burocrática e antidemocrática de exercer o poder, ainda que os próprios gestores compreendam seu pouco espaço de governabilidade, já que as determinações superiores tendem a engessar suas administrações, como se pode observar nas palavras de diretores: ...cumprimos todas as normas que são estabelecidas, porque somos representantes do governo na escola. ... algumas coisas tenho de decidir, mas no geral, ouço a SEDUC... Aliás esse fantasma ditatorial ainda não se afastou dos profissionais da educação, desde o Sistema até a sala de aula, passando até pelas organizações corporativas da categoria: Na realidade, todos os dirigentes de processos educacionais revelam em suas práticas esse espírito ditatorial. (RODRIGUES, 1992, p. 72). Apesar da avalanche de ordens, normas, portarias, regulamentos, legislação, há algum espaço de autonomia para o gestor, na exata razão de sua capacidade administrativa, técnica, política e social e capacidade de inovar, da liderança exercida, da participação efetiva dos atores educacionais, porque na pesquisa observou-se que, dentro das mesmas condições estruturais e dificuldades existentes, algumas escolas se destacaram apresentando resultados bem mais favoráveis em termos de ensino-aprendizagem e até de organização. Por que isso acontece? Não se tem resposta pronta, mas há fortes indícios de que, apesar de a gestão não ser determinante do quadro acima, por certo exerce uma grande influência. Com as mesmas condições 11 “macro” tem havido mudanças significativas na escola, ainda que em número reduzido, mas alentadoras, na medida em que seus gestores assumem um compromisso com as transformações do cotidiano escolar, o que tende a reforçar a esperança de construção do novo. Não estamos querendo dizer que os gestores são os grandes responsáveis pelos resultados escolares, mas apenas reforçar suas funções dentro da Escola, que, ao lado de condições mais favoráveis, poderão trazer melhorias para a educação. A partir das experiências vividas, da participação em eventos e revisão da literatura sobre a gestão democrática, visando à qualidade efetiva, com relevância social, em favor dos usuários da escola pública, ousamos apresentar algumas pistas que poderão servir para iluminar o percurso na perseguição de um sonho plausível e, quiçá, poder compartilhar com outros educadores irmanados nessa luta que é um grande desafio para todos nós, sobretudo para aqueles que estão na academia pública ministrando aulas e realizando pesquisa. Sabe-se que a realidade escolar é social e historicamente determinada, construída por homens em seu trabalho diário e poderá assim ser modificada também por sujeitos coletivos, a partir de um projeto comum na direção de romper com estruturas, comportamentos e atitudes cristalizadas, o que só poderá se dar na luta organizada, a começar a partir de mudanças. Algumas pistas, ao lado de um conjunto de condições propícias, poderão servir de balizamento ao novo momento da gestão para uma outra qualidade que possa reverter o quadro de exclusão das populações menos favorecidas, usuários predominantes da escola pública. Sem querer aumentar o peso das imensas atribuições do gestor escolar, enumeramos qualidades essenciais e imprescindíveis a essa gestão de qualidade, que não se restringe à figura do diretor escolar, mas também se estende a professores e técnicos que atuam na Escola: a) Ter compromisso e vontade de mudar; b)Ter liderança e sinceridade na condução do grupo sob sua direção; c) Manter o processo de comunicabilidade permanente; d) Saber diferenciar grupo e equipe de trabalho; e) Lutar para construir equipes; f) Valorizar as capacidades individuais e coletivas enaltecendo processos e resultados; g) Ter amplo e profundo conhecimento dos problemas internos e externos que afetam a instituição; h) Manter um processo permanente, transparente e democrático de avaliação; i) Disseminar a convicção de que todos têm alguma contribuição a dar para o sucesso da escola, criando um ambiente propício à produção de ações/resultados satisfatórios, dentro do processo escolar, sempre evitando incentivar a competição. 12 Concordamos com Gandin (1999, p. 22) quando se manifesta a respeito da falta de um projeto coletivo de transformação da escola brasileira: ....os profissionais das escolas perderam quase por completo a noção da relação ação/resultado (provavelmente isto é só consequência); com isso as ações escolares passaram a ser realizadas como fins em si mesmas e todo fracasso, além de não compreendido, transferiu-se para a responsabilidade dos alunos, de seus pais ou da sociedade. Historicamente, o Estado brasileiro tem sido competente em ressignificar as propostas mais progressistas advindas dos movimentos sociais, para a educação, de modo a incorporá-las as suas políticas públicas, em nome do benefício comum da população. como: a incorporação da gestão democrática, com concretude, a partir dos fóruns coletivos de decisão, autonomia e avaliação, projeto político-pedagógico, objetivando a melhoria da qualidade da educação. No tocante à autonomia da escola especificamente, observamods que a margem de autonomia circunscreve-se mais no uso dos recursos que no estabelecimento de necessidades, em que a participação dos atores educacionais é desigual: os professores pouco participam da vida escolar e os pais, em geral, só vêm à escola, quando há um problema com seu filho: Essa tendência para a escola se fechar em si mesma reduz o campo de participação dos diversos elementos da comunidade escolar a uma simples presença passiva nas instâncias consultivas e tende a reforçar o papel e a função de direção... (VALERIEN, op. cit. p. 80). Está na hora de reverter-se o quadro histórico de carências educacionais, ressignificando muitas das políticas já implementadas na escola pública, dando-lhe uma nova direção, ou mesmo utilizando-se referenciais de modernização hoje bastante difundidos no mundo, baseados nos avanços científico-tecnológicos, sobretudo na área da administração e de relações humanas, na busca da qualidade social sempre negada aos históricos usuários da escola pública. Ao lado disso, continuar-se-á na luta, pressionando o Estado para o estabelecimento de políticas capazes de assegurar a efetiva qualidade da educação, valorizando verdadeiramente o profissional da educação, com salários dignos e justos, condições adequadas de trabalho, políticas de educação continuada, criação de bibliotecas, apoio aos alunos, dentre outros. Sabe-se ser esta uma questão bastante polêmica dadas as dificuldades que os educadores temos em tratá-las, sem que isso signifique a adesão aos princípios empresariais hoje hegemônicos no mundo. Nessa perspectiva, pode-se aproveitar as medidas adotadas em prol da democracia na escola, até outras advindas das reformas, como os novos parâmetros curriculares, o sistema de avaliação, a informatização, o controle do livro didático, a descentralizada financeira, para dar um 13 novo significado em prol de nossos interesses de requalificar a escola, para poder formar cidadãos técnico, politico e socialmente competentes. Não basta só efetivar a crítica dessas reformas, mas avançar em sua ressignificação, em favor do que defendemos. Para tanto, é necessário que o gestor possua algumas habilidades e competências específicas, com a percepção de que no ato pedagógico se dá a reconstrução do conhecimento; precisa manter interlocução comunicativa com sua equipe e usuários da escola. São condições que vão para além de ser um gerente profissional, porque a escola forma, constrói cidadãos, a partir de valores, princípios, sentimentos e não bens palpáveis, mercadorias, restringindo-se ao nível da riqueza imaterial. Nesse cenário diferenciado, não há espaço para qualidade total, pois o homem, o sujeito-objeto da escola, jamais poderá ser infalível e perfeito na direção do defeito zero, conforme acontece hoje nas empresas ditas flexíveis. Assim, está posto o desafio para os educadores brasileiros: como transformar a realidade educacional, a partir de princípios inclusivos, coletivos e democráticos, num mundo dominado pela exclusão? A escola tem um papel importante nesse contexto, por ser um locus ímpar na formação de valores, na celebração da vida, do diálogo, do encontro com o outro, de construção da autonomia coletiva e individual: enfim, espaço onde mais sistemática e organizadamente os indivíduos interagem na construção e reconstrução de suas identidades sociais. Segundo Hobsbawm (op. cit, p. 78), precisamos fazer a distinção entre a globalização, que é processo irreversível, e a ideologia baseada na globalização, a neoliberal do livre-mercado, que se baseia no pressuposto de que a liberalização do mercado propicia o crescimento da riqueza e, por consequência, a melhor distribuição desse incremento. Afirmar a globalização como processo não significa aceitar a forma atual em que se dá, como se fosse a única possível, a que nenhum Estado possa resistir e a que todos tenham de submeter-se. Nas reformas praticadas pelo Estado (MARE), percebe-se uma profunda contradição, porque ao mesmo tempo em que prescreve a construção de valores democráticos, humanizantes, solidários e coletivos na formação dos cidadãos, a partir da escola democrática de qualidade, tem na essência de suas diretrizes o modelo neoliberal, onde a competição, o individualismo e o egoísmo pela busca de excelência são fatores preponderante para se tornar um vencedor no mercado de trabalho, hoje muito mais exigente. Tal contradição é uma característica dos novos paradigmas da qualidade total assumidos pelas empresas modernas, em que a personalidade requerida pelas novas políticas de recursos humanos deve adotar comportamentos contraditórios e até incompatíveis entre si, conforme análise de Lima (1995, p. 44-45), que lista uma série de qualificativos importantes ao indivíduo: altamente 14 competitivo e cooperativo; individualista e capaz de trabalhar em equipe; saber tomar iniciativa e saber se adaptar às regras da empresa; justo, sensível e impedioso, quando necessário, dentre outros tantos. Concordamos com Silva (1996, p179), ao dizer que há uma substituição do discurso pedagógico e educacional por outro de cunho administrativo econômico. As inovações gerenciais já estão invadindo a escola. As mudanças na educação São dinamizadas pelos “expertises” em gerência da qualidade total, reengenharia e padronização, na lógica do mercado. O gerente, nesse enfoque, passa a ser um técnico/profissional, que vai garantir o cumprimento dos objetivos da qualidade da escola, na lógica da racionalização de recursos do mercado. Já existem experiências brasileiras de parcerias entre escolas e bancos, para que esses repassem suas experiências bem-sucedidas para melhorar os serviços escolares. Entretanto, a empresa capitalista é um território conflituoso, onde proliferam relações competitivas, próprias do sistema capitalista e onde, embora haja cooperação, esta é compulsória, pois está a serviço de um proprietário ou de um grupo que dita suas normas e os níveis de produtividade desejados, a serem alcançados, num determinado espaço de tempo, ainda que com um discurso humanístico de solidariedade, respeito ao outro, valorização pessoal e coletiva...É a invasão da vida psíquica do indivíduo, que pode ser mais poderoso do que o padrão anterior centrada mais no esforço físico, do corpo, no tipo taylorista-fayolista-fordista. Não queremos desqualificar a necessidade de a escola se modernizar, pelo contrário, é imperiosa a transformação na perspectiva de um novo projeto de homem e sociedade, em que se incluem novas formas de organizar e estruturar o processo administrativo e educativo; ou ela estará fadada à superação e ao isolamento ante outros espaços aculturadores. REFLEXÕES À GUISA DE CONCLUSÃO Os gestores da escola, em sentido amplo (envolve desde a direção até os professores e técnicos), precisam saber transitar com desenvoltura, liderança e competência comprometida nesse universo educativo do conhecimento, da comunicabilidade e da historicidade. Entretanto, a busca da excelência, de melhores condições de aproveitamento, não pode obscurecer o caráter educativo de sua prática e sua importância na formação de cidadãos críticos, criativos, reflexivos e políticos. Tampouco os dirigentes devem aderir incondicionalmente aos valores e princípios de mercado, adequando-os ao seu trabalho, inserindo-se na falácia de que o mercado é a solução universal; é o melhor, e que a competição é salutar para mover os indivíduos na busca de sua própria superação. 15 Já existem estudos mostrando as consequências dessa adesão ao mágico mercado, em termos mundiais, como bem se posiciona Costa (1995, p. 65) quando afirma que: “Alguns anos após a euforia do boom liberal, o quadro em nada fornece tranquilidade.” A escola deve buscar com todo entusiasmo e rigor a qualidade, mas numa perspectiva de construção de novas relações, a partir de mudanças graduais, por meio de ações pró-ativas, atuando a partir de aproximações sucessivas coletivizadas e solidárias, para alcançar seus objetivos de dar um cunho social afinado com os interesses dos menos favorecidos, sinalizando para uma escola de excelência para todos. O gestor tem uma função importante nesse empreitada, pois de sua liderança depende a eficiente e competente organização e acompanhamento do processo. A pesquisa revelou que o modelo de gestão hegemônico nas escolas públicas estaduais de Belém ainda é o do diretor preposto do Estado, sem cor própria, gerente da ordem e da disciplina, que se esconde num emaranhado de normas, diretrizes, portarias e rotinas escolares, ainda que em seu estabelecimento seja considerado a figura máxima, de quem dependem as decisões substantivas na escola – é a própria reprodução da relação com o Sistema de Ensino. A grande senha para a justificação da impossibilidade da realização de um trabalho consequente, construtivo, proveitoso e relevante na escola pública, ainda continua sendo a precariedade de recursos. É claro que as carências são enormes, mas a burocratização dos processos, a fragmentação das ações e sua individualização, a que os gestores se submetem, geram a falta de responsabilidade das pessoas para com os resultados finais pouco favoráveis do processo educativo escolar – é a cultura do determinismo e dependência. Novas relações de poder, de práticas e da própria organização escolar são necessárias para atender às exigências da realidade contemporânea, na qual as organizações sociais têm maior complexidade e comportam uma pluralidade de interesses em jogo. Conforme já se evidenciou, o diretor escolar não é determinante na melhoria da qualidade do processo pedagógico, mas “... torna-se um verdadeiro “ponto de referência” e constitui o desencadeador privilegiado de qualquer ação específica que vise à melhoria da qualidade do ensino” (VALERIEN, 2000, p. 16). A realidade é global, dinâmica, histórica, construída socialmente; os atores pensam, agem e interagem. O próprio ambiente social é dinâmico, não podendo ser plenamente controlado, mas orientado. A orientação impulsiona, enquanto o controle cerceia. O administrador precisa ter clareza e consciência das incertezas, ameaças, contradições, tensões, conflitos e, sobretudo, das oportunidades presentes em qualquer processo social. 16 O processo de direção é entendido como trabalho em equipe, que envolve todos os atores com interesse e atuação concreta na ação educativa: professores, assessores, alunos, pessoal administrativo, pais. A tomada de decisão precisa ser coletivizada. Para que essa nova configuração se concretize, há necessidade de que os espaços escolares gozem de autonomia; da criação de órgãos colegiados (como instrumento permanente de educação política); de que os processos de provimento dos dirigentes seja o mais democrático; de que a descentralização aconteça realmente (como redistribuição de poder) e, sobretudo, de que o corpo escolar construa coletivamente seu projeto político-pedagógico e dele faça brotar novos projetos setoriais, capazes de dar vida ao que lá foi proposto, sintonizados com as necessidades de mudança. Todas essas medidas não significam que esteja assegurada a democracia, embora favoreçam consideravelmente relações mais humanas e solidárias, que podem contribuir para o aperfeiçoamento do homem. Urge, também, a compreensão de que esses instrumentos de democracia não vão evitar que apareçam os conflitos, as tensões, as ameaças, as contradições. Muito pelo contrário, eles até propiciam que aflorem com maior visibilidade. Um ponto a não ser esquecido é que não há modelos aplicáveis a qualquer realidade, além do que as instituições são constituídas por pessoas com visões de mundo, valores e interesses diferentes, que, eventualmente, em determinada conjuntura, têm algumas coisas em comum, que as une naquele espaço. No novo processo produtivo, em que a flexibilização (a possibilidade de mudança sem comprometimento de produtividade e qualidade do produto) é a principal marca, a qualificação humana precisa ser muito mais completa. Além da aquisição de conhecimentos intelectuais, outros requisitos se impõem, daí esta precisar reformular-se, mas não apenas para atender às demandas do mercado, porque se assim o fosse ficaria reduzida sua missão a uma dimensão utilitária e imediatista. Para ela queremos muito mais, como formadora do cidadão e não do consumidor competente, porque para isso outras instâncias poderão fazer satisfatoriamente. Não se trata de formar o cidadão que possui direitos e que tenha condições de garanti-los mas, sobretudo, aquele que ajuda a criar outros direitos. REFERÊNCIAS BALL, Stephen J. Mercados educacionais, escolha e classe social: o mercado como uma estratégia de classe. In GENTILI, Pablo. (org.) Pedagogia da exclusão. Petrópolis - RJ: Vozes, 1995. COSTA, Márcio. A educação em tempos de conservadorismo. In GENTILI, Pablo (org.) Pedagogia da exclusão. Petrópolis - RJ: Vozes, 1995. 17 CHAGAS, Carlos. O Senado declara guerra aos EUA. A Província do Pará. Belém, 04 março 2001. Caderno 2, p. 4. GANDIN, Danilo e GANDIN, Luís Armando. Temas para um projeto político-pedagógico. Petrópolis – RJ: Vozes, 1999. HOBSBAWM, Eric. O novo século. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. LIMA, Maria Elizabeth Antunes. Os equívocos da excelência: as novas formas de sedução na empresa. Petrópolis - RJ: Vozes, 1995. MÉSZÁROS, István. Para além do capital. Tradução de Paulo César Castanheira e Sérgio Lessa. 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São Paulo: Cortez: Paris: UNESCO; Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 2000. 18 A DESCENTRALIZAÇÃO DA GESTÃO E A AUTONOMIA FINANCEIRA NA EDUCAÇÃO, COMO ESTRATÉGIAS ADMINISTRATIVAS E POLÍTICAS PARA REDEFINIÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO Falar em qualquer política educacional no Brasil de hoje é invadir caminhos obscuros que fatalmente nos levam a alongar o percurso para tentar estabelecer nexos concretos com nossa prática social, não apenas no plano teórico, mas na realidade vivida no nosso dia-a-dia de professor/educador e pesquisador. Por isso, apesar de fazermos um recorte com base em pesquisas realizadas e em acúmulos teóricos sobre o “Observe” Observatório de Gstão Escolar Democrática e, particularmente o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE)2 em Belém, priorizamos um caminho mais longo para situar historicamente nosso objeto de análise e buscar socializar interativamente os resultados dos estudos desenvolvidos a partir de 2003, que estão sendo concluídos, com relatório final enviado ao CNPq, que financiou parcialmente a 2ª pesquisa. A descentralização da gestão e autonomia financeira nos remete a identificar a origem da priorização da gestão, como elemento importante para a modernização do Estado brasileiro, em sua crise desde o final dos anos 1980. Ao justificar a crise brasileira, o MARE (1995) alude sua gênese à forma burocrática de administrar o Estado, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, considerada por muitos dos que participaram da formulação do Plano Diretor da Reforma do Estado como um retrocesso, o que avaliamos como resultante de um conjunto de direitos sociais prescritos e que deveriam ser garantidos, podendo gerar o aumento dos gastos públicos, num momento em que no mundo inteiro o Estado social estava se esfacelando, ainda que, segundo Hobsbawm (2000): Até nos regimes mais radicalmente neoliberais, os sistemas de saúde, serviços públicos e previdência são em geral quase todos proporcionados pelo Estado..(...) os governos precisam satisfazer as demandas sociais de suas populações (p. 94). Em decorrência dos anos autoritários (1964-85) vividos no Brasil, as elites políticas necessitavam dar respostas à sociedade, em termos de ações afirmativas, devido mais à pressão dos movimentos organizados e ao próprio descontentamento geral com a situação do país. Muitas reivindicações represadas foram consagradas na Constituição Federal como direito social e regulamentadas, menos como compromisso e mais por esperteza, por parte da classe política, daí a 2 Pesquisa realizada nas cinco regiões brasileiras, no período de junho de 2003 a dezembro de 2005, coordenada por Vera Peroni da UFRGS, parcialmente financiada pelo CNPq, na qual coordeno o Pará, contando com as pesquisadoras Dalva Valente Gutierres e Luizete Cordovil da Silva, além de auxiliares de pesquisa. 19 contradição manifestada logo nos anos subseqüentes: o governo do Presidente Sarney (85-90) expressou discussões em torno da necessidade de pensar-se na “governabilidade”, entendida como condições adequadas de exercício do poder de governar, ou mesmo crise de governança, como também a chamam, que é a incapacidade financeira e administrativa de um governo para realizar suas decisões e implementar políticas públicas. Tal situação decorre das garantias sociais constitucionais pactuadas, com o argumento de que o Estado não teria condições financeiras de garantir, o que foi intensificado no governo Collor de Mello e consolidado com FHC e Lula, com a invasão da ideologia neoliberal de estreitamento concreto do espaço público. Daí Sader (2001) afirmar que se trata de “um neoliberalismo tardio”, com a proposta de corte dos gastos públicos, privatização das empresas estatais e abertura da economia ao exterior, dentre outras, num processo de modernização liberal, em que o Estado deixa de ser responsável pelo desenvolvimento econômico e social para ser apenas um regulador, um articulador. Nessa direção, o Plano de reforma propõe mudanças na estrutura organizacional do aparelho estatal, a partir da criação de mecanismos de descentralização, de redução da hierarquia, da avaliação de resultados, o que são elementos importantes para a gestão democrática, com base em um discurso participacionista convincentemente estruturado, utilizado como fortes estratégias administrativas e políticas, para introduzir um novo padrão de gestão, adequado e compatível com a proposta das agências multilaterais de financiamento, como Banco o Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, embasadas em diagnóstico da crise do Estado brasileiro em suas condicionalidades dos acordos de assistência técnico-financeira, compactuadas com os elaboradores de nossas políticas públicas, a classe dirigente. É uma nova concepção de administração pública centrada nos resultados, que o PDRAE denomina de “gerencial”, nos moldes empresariais do tipo Toyotista, de qualidade total para a satisfação dos clientes-consumidores dos serviços públicos. Tal padrão tem a ver com a minimização dos desperdícios; melhor aproveitamento do tempo, do espaço dos recursos materiais e humanos; maior produtividade, o que significa a busca da excelência no atendimento desse cliente. Há autores que defendem a idéia de que esta exacerbação dos processos gerenciais tem a ver com as teses do americano James Burnham em seu livro “The Managerial Revolution”, considerado como precursor das modernas teorias de administração gerencial: A preocupação com o gerenciamento das ações, a política de propaganda dessas ações é de mostrar sempre que há um comando gerencial, como nas grandes empresas...no exercício do poder de gerir [... ](PARÉS, 2005 p. 59). Boron (2003) argumenta que as reformas na América Latina deveriam ser denominadas processos de contra-reformas, porque funcionaram na direção oposta a que se deveria esperar, pois a palavra Reforma, na tradição ocidental, se articula com igualdade e liberdade, uma vez que deve se 20 dirigir para algo mais positivo, para melhorar dada realidade. No caso específico da educação, [ ...] comienza a ser convertida em um servicio y termina siendo um bien como automóvil cualquiera... la conclusión inexorable es que bienes se compran y se venden em um ámbito institucional que es mercado y que no tiene nada que ver com la democracia. (p. 34). Concordamos com o autor, porque se pode considerar o próprio significado da palavra reformar, que quer dizer mexer, arrumar para ficar melhor e não para destruir, mas também há um outro lado, qual seja o de ajeitar, ajustar para levar noutra direção, conferindo-lhe uma aparência de melhoria geral, o que significa para Mészáros (2005), ... corrigir algum detalhe defeituoso da ordem estabelecida, de forma que sejam mantidas intactas as determinações estruturais fundamentais da sociedade como um todo, em conformidade com as exigências inalteráveis da lógica global de um determinado sistema de reprodução. (p. 25) As medidas ou políticas educacionais para a nova qualificação da escola têm sido justificadas por meio de razões técnicas, em nome da modernização, da eficiência, da eficácia, da produtividde, apregoados pela administração do tipo empresarial, em que se otimizam os meios para o alcance dos fins desejados, enquanto modelo único e universal de gestão. Daí a larga divulgação do programa de qualidade total nas escolas, porque as elites dirigentes da Educação do país, debitam, preferencialmente, os problemas históricos da educação à má gestão das escolas, em sintonia com os diagnósticos apresentados na Conferência de Jomtien de 1999 e de Dakar em 2000, patrocinadas pela UNESCO, Organização dos Estados Americanos. É incontestável que há má gestão no aparelho estatal, mas o que discordamos é considerar-se isto como causa maior dos atrasos e problemas do Sistema Educacional brasileiro. Tais configurações advêm das orientações de políticas do FMI e Banco Mundial, com a criação do Fundescola, que é um programa do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação desenvolvido com a Secretaria de Educação Básica do MEC e pelas Secretarias estaduais e municipais de educação da região Norte, Nordeste Centro-Oeste que congrega um conjunto de políticas de melhoria de gestão, em direção da qualidade, como: Progestão, Progestar, Plano de Desenvolvimento da Escola, Programa Dinheiro Direto na Escola, Prêmio Nacional de referência em gestão escolar dentre outros. Lembrando que tais políticas são estabelecidas, com base em diagnósticos construídos no Brasil para os organismos internacionais. Sua missão é promover, em regime de parceria e responsabilidade social, a eficácia, eficiência e eqüidade3 no ensino fundamental público das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, por meio da oferta de serviços, produtos e assistência técnico-financeira inovadores e de qualidade, que focalizam o ensino- 3 O princípio da igualdade como direito de todos os cidadãos foi substituído por eqüidade, que significa a cada um, de acordo com seus méritos. 21 aprendizagem e as práticas gerenciais das escolas e secretarias de educação.(o grifo é a nota são nossos) (FNDE, 2005 p. 1). O financiamento desse programa (Fundescola) vem do governo federal e de empréstimos do Banco Mundial e está atendendo atualmente 384 municípios e 19 Estados, atingindo cerca de 8 mil escolas públicas, dentre aqueles municípios mais populosos, segundo IBGE. O montante de recursos envolvidos está em torno de US$ l,3 bilhão. Na primeira fase incentivou programas ligados à gestão escolar e do processo ensino-aprendizagem. Na segunda, atuou mais com o planejamento estratégico das secretarias (FNDE, 2005), na qual a Secretaria Estadual de Educação do Pará implantou e implementou a gestão estratégica, em 2003, por meio de um processo de planejamento estratégico situacional (PES) desencadeando mudanças da estrutura organizativa, visando à descentralização da administração, tanto internamente como em termos do Sistema Estadual de Educação, organizando e agrupando as escolas da rede em pólos, que congregam determinado número de escolas, nos quais deverão ser resolvidos os problemas, sem necessidade de ir à SEDUC. Na análise de Bresser Pereira (1997, p. 42), as novas orientações sinalizam para um novo padrão de gestão da coisa pública, cujas características principais são: 1- a orientação da ação do Estado para o cidadão-usuário, ou cidadão-cliente; 2- ênfase no controle dos resultados por meio dos contratos de gestão; 3- fortalecimento e aumento da autonomia da burocracia estatal; 4- separação entre as secretarias formuladoras de políticas públicas, de caráter centralizado, e as unidades descentralizadas executoras dessas políticas; 5- distinção de dois tipos de unidades descentralizadas: as agências executivas, que realizam atividades exclusivas de Estado, e as organizações sociais, que realizam atividades competitivas [como é o caso da educação]; 6- transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais e científicos competitivos (no caso da educação básica, do MEC para as UExs); 7- adoção cumulativa, para controlar as unidades descentralizadas por meio de três mecanismos: controle social direto, contrato de gestão e formação de quase-mercados; e 8- terceirização das atividades auxiliares ou de apoio. De acordo com este modelo de gestão, a formulação das políticas sociais permanece centralizada no que se denominou de “núcleo estratégico”, que envolve o executivo, o legislativo, o judiciário e o Ministério Público, enquanto a execução e os recursos financeiros para a oferta dos serviços são descentralizados para as Organizações Sociais – OS. No caso específico da educação, este núcleo é o MEC, a quem cabem as decisões centrais referentes à gestão e ao controle da política de gestão financeira da escola. A execução destas decisões, porém, é transferida para as escolas por meios das UEXs que, para receberem e administrarem os 22 recursos descentralizados do programa, precisam criar seus colegiados (como Conselhos Escolares, aqui no Pará) transformados num tipo similar às OS4 que, de acordo com a MP nº 1.591, de 9-10-1997, são: [...] pessoas jurídicas de direito privado, constituídas sob a forma de associações civis sem fins lucrativos, que se habilitam à administração de recursos humanos, instalações e equipamentos pertencentes ao Poder Público e ao recebimento de recursos orçamentários para a prestação de serviços sociais. Para ter direito à dotação orçamentária, essas entidades deverão obter autorização legislativa para celebrar contratos de gestão com o poder executivo. Os ideólogos da emergência do Terceiro Setor5, entendido como remédio poderoso para superação da crise do Estado, utilizam-se de argumentos convincentes a fim de demonstrar que a participação solidária é a única chance para que todos se unam em benefício do bem comum, onde cada um fazendo sua parte, a partir da recontextualização de conceitos como participação, controle social, autonomia, descentralização, há muito buscados pelas esquerdas brasileiras, capturando assim até alguns intelectuais antes altamente críticos, o que faz a discordância, hoje, ser um desafio ou algo ultrapassado. Os termos autonomia e descentralização são associados à idéia de gerenciamento de recursos, racionalização e desburocratização do aparelho estatal. Importa destacar que a política de descentralização das ações executivas propostas pelo governo de Fernando Henrique na década de 1990 que tem na escola o seu lócus privilegiado, como se pode constatar: São os Estados e Municípios que efetivamente atuam no nível estratégicogerencial do sistema educacional, pois acompanham, avaliam, coordenam e integram o planejamento e os resultados alcançados pala escola. Aqui reside o ponto mais importante do sistema educacional, pois é exclusivamente na escola que os resultados podem ser alcançados. A escola, portanto, sintetiza o nível gerencial-operacional do sistema (BRASIL, MEC, 1995, p.4, grifo nosso). As reformas propostas e implementadas no Brasil apontam para o enfraquecimento do Estado em sua função social, num processo de racionalização mercantil, em favor da empresa privada: [.. ] a reforma do estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do papel do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para 4 Chauí (1999, p. 218-9), ao diferenciar uma organização social de uma instituição social, analisando, especificamente o caso das universidades no contexto da reforma do Estado dos anos 1990, afirma que a organização social tem a instrumentalidade como prática social reguladora, que “está referida ao conjunto de meios (administrativos) particulares para obtenção de um objetivo particular”. Seu alvo principal é, neste sentido, vencer esta competição. Uma instituição social, ao contrário, tem a democracia como idéia reguladora e aspira ao princípio da universalidade, tendo a sociedade como seu princípio e sua referência básica. A instituição social, ao contrário da organização social, “[...] se percebe inserida na divisão social e política e busca definir uma universalidade (ou imaginária ou desejável) que lhe permite responder às contradições impostas pela divisão.” 5 O 1° setor é o Estado, considerado pelo MARE como burocrático, ineficiente e corrupto; o 2° Setor é o Mercado, que se orienta pela busca do lucro e o 3° é a Sociedade Civil, identificada com o público não-estatal. 23 fortalecer-se na função de promotor e regulador desse movimento (NETO ET ALMEIDA, 2000, p. 37). Aqui, entra o público não-estatal como a possibilidade de realização das políticas públicas com maior eficiência e produtividade, em que as melhorias podem ser concretizadas porque deve se dar fora do espaço público, que é um local de política, de luta, de baixa realização, de desperdício de toda natureza, enfim, de toda irracionalidade. Tal discurso já virou senso-comum, porque todos têm em alguma medida algo para embasar tais justificativas de inoperância, em termos de atendimento nos serviços públicos, como se os problemas só acontecessem em instituições de natureza pública estatal. È uma forma de escamotear a questão, sem examinar a essência do problema. Na tentativa de conectar a discussão, buscaremos enveredar pela história recente do Brasil para compreendermos as origens dessa nova pauta em que se inclui necessariamente o papel das ONGs como uma alternativa de mitigação da crise estrutural vivida pelo capitalismo moderno hegemônico no mundo, na sua fase de reestruturação produtiva. Com a emergência das OS, estabelece-se uma nova relação entre Estado e Sociedade no que tange à oferta dos serviços sociais, especialmente. Nesta relação, institui-se uma parceria “[...] baseada em resultados, que conjuga autonomia, flexibilidade e responsabilidade na gestão.” (Ibid., p. 121). Nessa parceria, o Estado assume o compromisso de financiar, total ou parcialmente, os serviços e as OS assumem a prestação destes, sendo as responsáveis pelos resultados definidos no contrato de gestão assumido na parceria (Ibid.). Para Gentili (1998b, p. 85-6), [...] a delegação do fornecimento de determinadas funções educacionais para o setor privado com a manutenção do financiamento público,” que ocorre por meio de parcerias entre o Estado e entidades privadas, tem-se constituído numa das formas mais complexas e originais de privatização da educação pública, pois, ao contrário de outros processos de privatização,6 na descentralização de funções com repasse de recursos públicos o Estado é fraco, enquanto mecanismo institucional orientado a garantir condições de justiça social à grande maioria da população, mas é, ao mesmo tempo, forte, [...] com capacidade de controle e poder decisório quase sempre discricionário e autoritário,” o que significa que “privatizar não significa ‘afastamento’ do Estado” (Ibid., p. 87). No caso específico dos serviços de educação ofertados pela escola, esta também passa a ser a lógica que orienta a oferta dos serviços educacionais (delegação de funções, do MEC às UEx, com recursos públicos) por meio de uma parceria estabelecida entre Estado e Sociedade. Nessa direção, A operacionalização do programa [PDDE] tem por base o princípio da parceria, envolvendo as três esferas de governo (federal, municipal e estadual) e, sobretudo, a participação ativa da comunidade escolar, por meio de organizações representativas, chamadas Unidades Executoras (UExs) (BRASIL, 2004e, p. 1, grifo nosso). 6 A exemplo da privatização do financiamento, no qual o Estado retira-se como agente central na alocação dos recursos e transfere essa responsabilidade aos próprios usuários do serviço, por meio do pagamento de mensalidades (Ibid., p. 77). 24 Nessa parceria, ao FNDE cabe, dentre outras atribuições, “[...] prover os recursos para execução do PDDE”, e às Unidades Executoras, a)- empregar os recursos em favor das escolas que representam, de conformidade com os critérios e as normas estabelecidas [e elaboradas pelo FNDE, como vimos] para execução do PDDE; b)- prestar contas à Secretaria de Educação do Estado ou do Distrito Federal ou do município a que a escola pertença, da utilização dos recursos recebidos (BRASIL, 2003a, p. 2, grifo nosso). Da transferência da responsabilidade pela execução dos serviços ofertados pela escola, ocorrida com esta parceria, decorrem duas grandes atribuições às UExs: aplicar os recursos, transferidos e captados, em ações que incidam, efetivamente, na melhoria da oferta dos serviços e prestar contas desta aplicação. Às UEXs compete, portanto, não apenas exercer direitos sobre os recursos da escola (recebêlos e administrá-los), mas cumprir com compromissos assumidos na parceria com o MEC. Neste sentido, a autonomia proposta no PDDE não existe apenas para garantir direitos às UEXs sobre os recursos da escola, mas também para que esta assuma novas obrigações. A Unidade Executora é uma entidade jurídica de direito privado sendo um órgão de representação de pais, professores, funcionários da escola e da comunidade em geral. Como pessoa jurídica, ela possui autonomia para exercer direitos e contrair obrigações com os recursos recebidos de órgãos governamentais, de entidades públicas e privadas, doações e outros (BRASIL, 1995 ou 1996a, p. 9, grifo nosso). No caso específico do financiamento dos serviços de educação, esta medida foi apontada pela Comissão Econômica Para América Latina e Caribe como estratégia de redução dos investimentos públicos no setor. Como vimos anteriormente, a CEPAL propunha que quanto maior for o volume de recursos privados, captados pela escola a partir da participação financeira dos pais, dos empresários, etc., em ações desenvolvidas pela unidade de ensino, menor deve ser o aporte de recursos públicos para ela (CEPAL, 1992). Analisando esta questão na Resolução Nº 10 de 2004, o que fica evidente é que o Estado não garante, incondicionalmente, a transferência de recursos federais para as UEx, como podemos constatar no trecho abaixo: Concluídos os procedimentos de adesão e de habilitação, ao PDDE, das secretarias de educação dos Estados e do Distrito Federal, das prefeituras municipais, das UEXs e das EM e ultimados os preparativos de abertura de contas correntes, o FNDE providenciará os correspondentes repasses, desde que haja disponibilidades orçamentária e financeira e as entidades adeptas e habilitadas estejam com as prestações de contas de exercícios anteriores ao do repasse aprovadas ou estejam enquadradas na situação prevista no Art. 18 desta Resolução (BRASIL, 2004a, p. 8, grifo nosso). 25 Isto significa que às UExs é imposto um compromisso de parceria com o MEC (executar os serviços antes sob a incumbência deste) sem que as condições financeiras sejam efetivamente asseguradas pela outra parte (Estado), o que põe em jogo a oferta pública dos serviços da escola, uma vez que a Unidade Executora é regida, de acordo com o Programa de Publicização, como transferência de ações públicas de responsabilidade do Estado para a esfera privada, pelo modelo de organizações sociais, no qual não existe nenhum instrumento jurídico ou institucional que garanta a manutenção do aporte dos recursos necessários à sua sobrevivência, mesmo quando atingidos todos os resultados determinados no contrato de gestão (BARRETO, 1999, p. 129). Porém, no nosso modo de entender, o problema central não é o Estado garantir a descentralização dos recursos, mas a nova concepção do público, como algo que necessariamente deva ser feito pelo particular, porque é mais competente do que o estatal, que tem isso como uma característica imanente. A execução das atividades a serem realizadas por meio do programa, como a contratação de serviços que garantam a manutenção da escola, já foi descentralizada e assumida pelas UEXs na medida em que elas aderiram ao programa.7 Se esta possibilidade de falta de recursos ocorrer ou se eles tornarem-se insuficientes a cada ano (dadas as demandas da escola pública), as unidades de ensino ver-se-ão obrigadas a captar recursos privados, a partir de diferentes formas que lhe são asseguradas no PDDE, pois estas demandas da comunidade persistem e exigem soluções, muitas imediatas. Esta possibilidade de captação de recursos privados é legalmente assegurada às UEx no programa pelo MEC, já que [...] Os meios e recursos para atender os objetivos da UEx serão obtidos mediante: a) contribuição voluntária dos sócios; b) convênios; c) subvenções diversas; d) doações; e) promoções escolares; f) outras fontes (BRASIL, 1995 ou 1996a, p. 27, grifo nosso). O Estado ao conceder autonomia às escolas (transferindo não apenas recursos mas também funções e atribuições) e não garantir recursos financeiros suficientes para que as unidades de ensino realizem os serviços de educação, estas são obrigadas a resolverem, por si mesmas, seus problemas de falta de recursos. Para isso, as escolas beneficiárias do PDDE são regidas pelo sistema privado, flexível, que lhe assegura condições legais de captar recursos de formas variadas. Para isso, elas também dispõem de autonomia financeira, enquanto estratégia de gestão, bastando que sejam criativas na forma de buscar soluções para o problema da falta e/ou insuficiência dos recursos e assim atender rapidamente às demandas da comunidade que atende. 7 Na verdade, não se trata de uma adesão das escolas, mas do ministério responsável pela oferta do serviço de educação que aquelas realizam, neste caso o MEC. Assim sendo, as escolas públicas tomam a conformação de uma organização social de direito privado responsáveis pela oferta dos serviços de educação porque o MEC optou pelo Programa de Publicização proposto pelo governo brasileiro para o setor de serviços sociais e científicos. 26 No caso específico desses programas descentralizados como o PDDE, o que são as UEXs de que tanto estamos falando: São os Conselhos Escolares, como poderia ser Associações de Pais e Mestres, Caixa Escolar ou outras, enquanto organizações coletivas de representação de segmentos escolares. Neste processo, a participação e a contribuição de todo e qualquer cidadão é fundamental, já que, para o MEC, todos são co-responsáveis pela oferta da educação. A participação e a contribuição dos cidadãos na escola de seus filhos justifica-se, segundo da Paz (2002), por duas razões fundamentais: 1- a CF (Art. 205), que torna todo cidadão co-responsável pela promoção da educação; e 2- a estreita relação entre a participação dos pais no Conselho Escolar e os resultados dos alunos. Ser cidadão, neste espaço, não pressupõe o direito a ter os direitos de educação pública assegurados, mantidos e regulamentados pelo Estado a partir dos interesses e reivindicações da população, mas o de assumir o compromisso de contribuir para que este serviço seja ofertado, ou seja, responsabilizar-se por parte de sua manutenção. É o cidadão “mais participativo” e “menos espectador” de que nos fala Pereira (1998a). É uma nova concepção de cidadania, que tem a ver com clienteconsumidor, que pode fazer suas escolhas no mercado, daí ter direito de consumidor, hoje tão propalado na mídia. Fica evidente que, se de um lado, o Estado descentraliza recursos públicos para as escolas executarem ações voltadas à Manutenção e ao Desenvolvimento do Ensino - MDE, e assim criarem espaços de decisão, de autonomia, ainda que limitados, acerca do emprego dos recursos públicos, de outro, ele coloca à disposição das UEXs um conjunto de estratégias de substituição da manutenção pública da escola pela privada no momento em que diversifica as fontes de recursos da escola por meio do PDDE. É importante ressaltar que o PDDE não traz, como novidade, a prática de captação de recursos privados pela escola pública. Esta prática tem-se dado muito comumente por meio, de festas (como a junina, de misses escolares) e feiras escolares (como a da pechincha) com o objetivo de angariar fundos, ao lado de aquisição de papel para avaliações, de apostilas vendidas por alguns professores para a realização de pequenas ações na escola, dadas as condições de precariedade historicamente vividas pelas escolas públicas. Isto compromete esta manutenção pela substituição do aporte público pelo privado na medida em que as fontes para a manutenção das unidades de ensino tornam-se, concorrentemente, públicas e privadas e também porque tais iniciativas acabam se transformando em cobranças indiretas permanentes dos pais e alunos, o que representa uma contradição, por ser legalmente proibido nas escolas públicas de Belém, ao mesmo tempo em que o próprio MEC as incentiva e as legitima. Esta tendência é justificada por dois fatores interdependentes. Primeiro: os recursos públicos transferidos às escolas com o PDDE são irrisórios diante das necessidades de despesas de custeio e 27 capital, o que pode forçosamente, conduzir as unidades de ensino à necessidade de ampliá-los, captando outros de fontes privadas por meio de parcerias ou diretamente com a realização de eventos de toda natureza, obrigando muitas vezes os pais a arcarem com rifas, bingos ou outras promoções similares, para assim dar conta das suas demandas. Segundo: não encontramos nenhuma norma nos documentos do PDDE analisados que limite os valores dos recursos a serem captados pela escola, nem tampouco formas de controle o que significa que as unidades de ensino podem buscar ilimitadamente recursos para dar conta das ações planejadas no seu projeto pedagógico, além do agravante de poder dos dirigentes escolares para usar os recursos angariados, sem regulação, ainda que os colegiados escolares existam. Este segundo fator abre brechas para, pelo menos, duas possibilidades: 1- os montantes de recursos privados podem tornar-se superiores aos recursos públicos, o que reduz ainda mais estes, tornando o Estado menos mantenedor da educação pública; e 2- as escolas podem tornar-se cada vez mais diversificadas, em termos de disponibilidades financeiras, possibilitando atendimentos diversificados, em termos qualitativos, independente do número de alunos que tiverem, uma vez que a autonomia financeira pode configurar-se de diferentes formas em cada unidade ou em cada município ou região do país, como prevê o próprio MEC. A participação está fortemente vinculada ao princípio constitucional da gestão democrática expressa na CF e na LDB em seus artigos 14 e 15. Assim, é esse princípio democrático que deve ser o orientador maior das diversas formas que a autonomia financeira pode vir a tomar nas diferentes escolas e nos diferentes municípios. Desse princípio não se pode fugir, e é dele que deve vir a inspiração para tornar todos os atos relacionados com o planejamento e o uso dos recursos financeiros em atos de aprendizagem e de exercício da cidadania (BRASIL, 2001, p. 283, grifo nosso). Ainda que o programa tenha sido criado a partir de uma política de descentralização de recursos financeiros federais (o que em tese significa que a autonomia proposta pelo programa impunha apenas uma autonomia de gestão financeira, e não autonomia financeira), cabendo às UEx a administração dos recursos públicos transferidos, o governo brasileiro, ao diversificar as fontes de recursos da educação no PDDE, institui a lógica da participação financeira privada na escola pública. A partir da Resolução n° 17 de 09.05.05 os colegiados das escolas não são mais denominadas de unidades executoras, passando a chamar-se entidades sem fins lucrativos Referindo-se ao papel do Conselho Escolar na implementação dessa autonomia, o MEC afirma que O Conselho Escolar, instrumento de participação da comunidade, deve ser o maior aliado do gestor na construção da autonomia financeira da escola. O repasse de recursos financeiros para a escola, se for bem trabalhado, pode se transformar em ponto de 28 partida para a própria formação e o fortalecimento dos conselhos (BRASIL, op. cit. p. 283). Santos (2004), ao analisar a configuração destes Conselhos no PDDE (como uma organização social, no padrão de ONGs), afirma que “poderão servir de mantenedores da unidade escolar” uma vez que, ao fomentar as ações em parceria na escola, o MEC institui a lógica da captação de recursos privados na escola pública, o que, para a autora, pode estimular a competição na escola, “por meio de diferentes estratégias, como a criação de ranking, prêmios de gestão, etc., obrigando as escolas a funcionarem como organizações sociais e buscarem qualquer tipo de parceria [...] em nome da melhoria das suas condições materiais.” (id. ibid., p. 7). Com esta medida, afirma Santos (Ibid.), [...] o Estado poderá ter espaços objetivos para se desobrigar de sua responsabilidade com a educação. O Programa Dinheiro Direto na Escola é um exemplo emblemático dessa ideologia de abertura e fomento às ações em parceria, na busca pela captação de novos recursos capazes de viabilizar a autonomia das unidades escolares para se auto-financiarem (SANTOS, 2004, p. 7). Nesse contexto, o papel do Estado de mantenedor dos serviços oferecidos pela escola cede espaço para outros atores (em especial os membros das UExs) que, se desejosos de uma educação de qualidade, devem também “fazer a sua parte” na educação, contribuindo e cooperando, de toda forma, para o que a conjugação de esforços coletivos é uma condição básica. Art. 3º- Constituem finalidades específicas das UEx a conjugação de esforços, a articulação de objetivos e a harmonia de procedimentos, o que a caracteriza por: [...] b) promover a aproximação e a cooperação dos membros da comunidade pelas atividades escolares; [...] d) cooperar na conservação dos equipamentos e prédios da unidade escolar; [...] (BRASIL, 1995 ou 1996a, p. 20, grifo nosso) A concepção de participação defendida pelo MEC assume caráter compulsório e normativo e, como afirma Lima (2000, p. 71): (...) Deste ponto de vista, a passividade e a não-participação representam uma ruptura preocupante, assumindo num primeiro momento e por referência àquele princípio normativo, contornos considerados negativos... Nesta medida residem três graves problemas: 1- o Estado transfere, explicitamente, a responsabilidade pela manutenção da escola para a comunidade com a criação deste fundo financeiro; e 2- trabalha a idéia da cooperação financeira da comunidade como um dever, uma obrigação dos 29 membros da Uex; 3° a imposição de participação dos pais, não considerando a vontade de nãoparticipação, baseada numa concepção imanentista de participação, de que nos fala Lima (2001)8 Mas, para ser bem sucedido, o MEC constrói um discurso assentado na importância da participação dos pais na escola de seus filhos, argumentando a necessidade de se desenvolver uma nova lógica de funcionamento baseada na conscientização da importância de se “participar.” Assim afirma que Não há lei que obrigue a sociedade a participar [...] razão pela qual é preciso desenvolver um trabalho de conscientização capaz de levar as pessoas à descoberta da importância de colaborar, de sugerir, de fiscalizar (BRASIL, 2002, p. 14, grifo nosso). Neste trecho, o MEC deixa explícito que a mudança da escola pública em direção à melhoria da sua qualidade está na introdução e aceitação, pela sociedade em geral, de uma nova lógica de funcionamento e esta nova lógica está assentada na colaboração, de toda ordem, das comunidades escolar e local nas questões da escola. Por isto, o “segredo” está na mobilização da comunidade, na garantia do seu apoio e da sua cooperação na manutenção e na execução das atividades planejadas pela escola, como se tal participação fosse algo dado, como princípio irreversível, pelo fato de ter sido consagrada na Constituição Federal de 1988 Para se conquistar o apoio da família e da comunidade, é preciso oferecer-lhes condições de influir no processo de decisão, sendo, portanto, necessária a descentralização financeira para a comunidade participar da gestão da escola (BRASIL, 1995 ou 1996, p. 9, grifo nosso). Por isto, os membros da UEXs e a comunidade atendida pela escola precisam estar conscientes de que a sua “participação,” a sua colaboração são fundamentais no sucesso da escola. Neste sentido, o MEC assegurou, como direitos, que os sócios da UEx podem votar e ser votado; participar de atividades sociais e culturais; apresentar sugestões e oferecer colaboração à Unidade Executora; solicitar, em assembléia geral, esclarecimentos sobre as atividades da UEx e sobre atos da Diretoria e do Conselho Fiscal (BRASIL, 1995 ou 1996a, p. 17, grifo nosso). Ou seja, de dever do Estado, o financiamento das ações da escola é trabalhado, no PDDE, como um “direito” de participação da comunidade usuária dos serviços da escola, legalmente assegurado no programa. 8 Para Lima, a não-participação é uma forma de dizer algo. De uma opção racional, como forma de garantir espaços de autonomia, de proteger interesses e evitar novas formas de controle, além do que uma coisa é o plano das orientações e outro das ações que se efetivam no interior da escola. Malcom Werner (apud Lima) considera que a participação não deve ser considerada como um valor em si mesma, não é necessariamente uma coisa boa. Tudo vai depender de quem participa, de suas condições, de onde e quando isto se dá. 30 A colaboração financeira da comunidade na manutenção da escola pública foi prevista na reforma do Estado por Bresser Pereira (2001), que já definia que a sociedade assumiria parte dos compromissos financeiros dos serviços sociais executados pelas Organizações Sociais. A desresponsabilização do Estado com a oferta pública dos serviços executados pela escola por meio da UEx não está apenas na questão do financiamento, mas também na prestação dos serviços a serem realizados nas unidades de ensino. Neste caso, o que o MEC propõe é a substituição da prestação estatal dos serviços pelo serviço voluntário, que pode ser realizado por todo e qualquer membro da UEx, desde que interessado em “colaborar” com a escola. Esta colaboração voluntária na realização de ações e/ou serviços na escola pode se dar a partir das especificidades de cada unidade de ensino e será determinada pela conjugação de diversos fatores. Porém, acreditamos que, ao determinar que a UEx seja constituída por um número ilimitado de membros9 ou “sócios,” o MEC contribui para uma maior divulgação e incentivo a este tipo de prática na escola. A Unidade Executora será constituída com número ilimitado de sócios pertencentes às categorias: efetivos – serão sócios efetivos os pais de alunos, o diretor e o vice-diretor do estabelecimento de ensino, os professores e os alunos; colaboradores – serão sócios colaboradores o pessoal técnico-administrativo, os pais de exalunos, os ex-diretores do estabelecimento de ensino, os exprofessores, os ex-alunos e os demais membros da comunidade, desde que interessados em prestar serviços ao estabelecimento de ensino e aceitos pela Diretoria (BRASIL, 1995 ou 1996a, p. 16-7, grifo nosso). Antes do PDDE, o critério das escolas para a composição dos membros da sua entidade representativa variava de acordo com o tipo de entidade escolhida. No caso das escolas cuja entidade representativa era o CE, o critério básico para esta composição era a paridade entre as categorias da unidade de ensino e o número de alunos matriculados. Aqui no Estado do Pará, as unidades executoras das escolas públicas são os CE, que precisam ser resgatados historicamente para identificar-se sua origem e reconfigurações assumidas, já que suas criações datam de antes da CF, ainda em 1983 e 1984 definiram-se no plano de lutas dos trabalhadores da educação no Pará, a partir da bandeira da gestão escolar democrática, o que só logrou êxito com a Portaria n° 201/87 da SEDUC, que regulamentava a sua constituição nas escolas públicas estaduais. Assim, algumas escolas implantaram seus Colegiados, mas com poucas condições para que funcionassem, efetivamente e as próprias estruturas organizativas do Sistema Estadual e daquelas 9 Antes da implementação do PDDE, o Conselho Escolar das escolas públicas da Rede Estadual de Educação do Pará, por exemplo, era uma entidade representativa da escola composta apenas por membros das seguintes categorias: Especialistas em Educação (diretor, vice-diretor, e técnicos); professores; funcionários; alunos acima de 12 anos; pais e responsáveis por alunos e representantes da comunidade onde a escola está inserida (SINTEPP, s.d.). 31 unidades davam pouco espaço para que ocorresse uma gestão colegiada, sobretudo após a greve da categoria de professores, ocorrida no 2° semestre de 1988. Nessa ocasião, a SEDUC investiu no controle centralizado da gestão escolar, desconhecendo o poder dos CEs já instalados, além de não incentivar que outras unidades os criassem, em contraposição ao movimento de luta dos trabalhadores da educação. Isto só foi mudar, a partir de 1991, quando a Assembléia Legislativa do Estado aprovou a Lei complementar n° 06/91, atribuindo aos CEs o caráter de órgão consultivo, deliberativo, fiscalizador e avaliador do sistema de ensino, o que permite que se transformem em unidades executoras. A Portaria n° 225/96 – SEDUC revoga a Portaria n° 201/87 de 27 de novembro de 1996 e estabelece normas complementares de instituição e funcionamento dos CEs em todas as escolas do Estado, fixando o dia 22 de novembro como o Dia “C”, dia das eleições dos CE. Esta regulamentação estipula as funções, deveres e constituição desses colegiados. Nesse momento, a história foi outra, porque a própria SEDUC decretou a necessidade de todas as unidades terem seus CE, estabelecendo um Regimento único modelo para as escolas da rede pública. A publicação, objeto de ação judicial por parte do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Pará junto ao Tribunal de Justiça do Estado, que a considerou ilegal, por interferir na constituição e estruturação dos CEs, ferindo o art. 278 da Constituição Estadual e a Lei complementar n° 06/91 (SINTEPP, 1996). Apesar de tanto esforço e luta, o Sindicato não logrou êxito nesta investida e os CEs foram implantados em todas as escolas paraenses, às pressas para que se habilitassem a receber recursos federais, como o PDE, PDDE dentre outros. Com o PDDE, todas as entidades representativas da escola têm como critério máximo, de acordo com o que vimos nas análises já realizadas, o interesse do cidadão em prestar serviço voluntário à comunidade escolar, desde que este apoio seja aceito pela Diretoria da UEx, sendo este o critério básico para consecução do trabalho. Ao introduzir a lógica do voluntariado na prestação dos serviços na escola, o Estado não apenas se exime da responsabilidade em arcar com as despesas financeiras destes serviços (transformando, por exemplo, os pais de alunos nos responsáveis pela realização voluntária dos serviços de marcenaria, pelos problemas hidráulicos e elétricos da escola), mas também dispensa um serviço especializado na realização das ações a serem executadas nas unidades de ensino, já que qualquer um pode executá-las, desde que tenha disposição, boa vontade e tempo para isto. Além disso, restringe ainda mais a possibilidade de inserção de um trabalho remunerado, num quadro avassalador de desemprego estrutural e pobreza da população, como é o caso do Pará, onde 51% do contingente de habitantes das cidades ganham até dois salários mínimos. Como o MEC não faz referências a critérios avaliativos para a aceitação destes serviços, pela Diretoria, e como as escolas têm um número muito grande de problemas a solucionar, não é difícil 32 imaginar que as unidades de ensino não dispensarão os serviços daqueles que se dispõem a colaborar voluntariamente com a escola, por meio de parcerias ou organizadas em contrato de gestão. Por todas estas questões aqui analisadas acerca da reconfiguração do Estado no financiamento e na prestação estatal dos serviços das unidades de ensino é que podemos dizer que a autonomia financeira da escola instituída com o PDDE aponta para a desresponsabilização progressiva do Estado com a escola pública, é uma autonomia como gerenciamento de recursos financeiros. Montaño (2003), ao analisar o “terceiro setor,”10 afirma que o conceito apresenta uma série de debilidades, entre elas, o caráter “não-governamental,” “autogovernado” e “não lucrativo” das entidades que o ncompõem. Especificamente sobre o caráter não-governamental, o autor nos leva a concluir que o Estado só transfere a execução de um serviço social para uma determinada ONG ou financia determinado projeto, por meio de parcerias, quando se assegura de que esta ONG ou este projeto estão, tendencialmente, integrados à política governamental. Por esta razão, Efetivamente, o Estado, ao estabelecer “parceria” com determinada ONG e não com outra, ao financiar uma, e não outra, ou ao destinar recursos a um projeto, e não a outro, está certamente desenvolvendo uma tarefa seletiva, dentro e a partir da política governamental, o que leva tendencialmente à presença e permanência de certas ONGs e não outras, e determinados projetos e não outros - aqueles selecionados pelo(s) governos(s). [...] Querendo ou não (e sabendo ou não) estão fortemente condicionadas - sua sobrevivência, seus projetos, seus recursos, sua abrangência e até suas prioridades - pela política governamental (MONTAÑO, 2003, p. 57-8). Este fato nega, segundo o autor, o caráter não-governamental das ONGs, já que as ações desenvolvidas por estas, financiadas por meio de parcerias com o Estado, tendem a implementar os objetivos da política governamental no setor das políticas públicas. Por isto, o autor afirma que “a dita não-governamentabilidade” dessas organizações apenas encobre o caráter governamental das políticas públicas descentralizadas para estas entidades (Ibid.). A questão da (in)dependência da UEx ao Estado impõe-nos uma análise mais detalhada acerca da controle social na política de gestão financeira da escola (PDDE). Aliás, para Mészáros (1987), até as formas de controle social exercidas pelos trabalhadores, são institucionalizadas, porque precisam obedecer a todas as regras existentes, para que sejam permitidas, consideradas legais, como as greves. Para justificar sua afirmação quanto ao dilema do controle social, ele dá como exemplo a universidade: Quanto mais a universidade liberal é pressionada, tanto menos ela é capaz de ser compreensiva, mais rigorosamente ela terá que fixar seus limites e maior será a probabilidade da exclusão de pontos de vista intolerantes... (p. 47). 10 Como política, o terceiro setor constitui, para a autora, a mais nova estratégia de desobrigação do Estado pelos problemas sociais do país. 33 Segundo Barreto (1999), a opção do governo brasileiro em descentralizar a execução dos serviços sociais para as supostas ONGs teve duas justificativas: 1- a possibilidade de conciliar a eficiência das empresas privadas com a finalidade social dos serviços públicos; e 2- a ampliação da representação social e de abertura para a democratização do processo decisório das políticas públicas. Para o MEC, a participação dos membros da comunidade escolar na gestão do programa tem garantido mudanças substanciais na gestão da coisa pública, pois com o PDDE a sociedade tem participação garantida no controle dos recursos públicos. Com relação ao controle social, as Unidades Executoras têm mostrado resultados positivos. Na comunidade escolar, estão o pai do aluno, o professor, o diretor, todos ajudando na boa utilização do dinheiro público e exercendo controle sobre o emprego da verba (BRASIL, 2002b, p. 14, grifo nosso). No caso da rede municipal de Belém, a implantação dos Conselhos Escolares como instância de gestão foi regulamentada pela Lei Municipal 7.722/94 e em 1997 passam a constituirem-se em unidades executoras, com personalidade jurídica, nos moldes exigidos pelo MEC, embora já existissem alguns em funcionamento, bem antes da formalização. Nossas pesquisas11 têm revelado que 90% destes colegiados ainda não estão cumprindo sua função precípua do ponto de vista dos educadores, que é servir de fórum permanente de discussão política e de decisão das políticas da escola, pelo seguinte: a) suas ações têm-se resumido a operacionalizar os recursos que chegam diretamente à escola, como PDDE, PDE, fundo rotativo; b) não tem havido uma regularidade nas reuniões dos Conselhos; c) nas poucas reuniões, o absenteísmo é grande, sobretudo por parte dos funcionários, alunos e pais de alunos; d) os próprios sujeitos escolares não reconhecem os Conselhos como seus órgãos representativos; e) as decisões dos Conselhos não são conhecidas pelos sujeitos escolares; f) disputa de poder entre o Presidente dos Conselhos e os diretores, dentre outros problemas. Se considerarmos a vinculação institucional de todos os membros do Conselho Deliberativo da UEX,12 podemos dizer que este conselho é mais social que estatal, apesar da proximidade do número de membros representantes do Estado (3) e da Sociedade (4). O Estado tem, então, apenas três representações (1 Presidente - diretor da escola; 1 Secretário - secretário da escola ou professor e 1 Conselheiro - professor), enquanto que a Sociedade tem quatro representantes, sendo todos pais de alunos. 11 Pesquisas realizadas de 1993 até 2002, com um universo de 35 escolas públicas de Belém, coordenadas pela autora. Esta observação é pertinente, pois não é, necessariamente, a vinculação institucional que define a posição destes membros na gestão do programa, apesar de ela exercer grande influência. Se considerarmos, por outro lado, a vinculação político-ideológica e/ou partidária destas pessoas, então a representação pode ser bem diferente. 12 34 Seja como for, o fato é que o Estado tem representação em todos os grupos que compõem o Conselho Deliberativo da UEx (Presidência, Secretaria e Conselheiros). Com esta constatação, podemos dizer que a UEx é uma organização governamental não apenas porque seu papel na gestão do programa é orientado pelas diretrizes governamentais e pelas normas estabelecidas pelo MEC, mas também porque o Estado tem representação assegurada no seu órgão de maior poder de deliberação. Por esta razão, não há, nem deve haver, independência da UEx frente ao Estado, pois isto significaria abrirmos mão de uma entidade representativa dos interesses populares por educação pública e do Estado como instituição a quem aquela entidade levaria as reivindicações da população, que deveriam ser asseguradas por meio de políticas públicas. Em pesquisa realizada em Belém, no período de 2003 a 2005, numa amostra de duas escolas públicas do ensino fundamental, verificou-se que a descentralização da gestão é associada ao discurso da eficiência administrativa em função da economia de recursos. Um dado a ser enfatizado é que em ambas as escolas da amostra o Conselho Escolar representa uma instância importante de participação da comunidade escolar na tomada de decisões sobre as políticas internas, o PDDE representou a possibilidade concreta de melhorias nas condições infra-estruturais das escolas, embora avaliem os recursos como reduzidos, porque não sofrem reajuste desde que começou e tenham demonstrado o receio de que eles não tenham continuidade. Esse receio é verificado sobretudo na Escola Estadual que está sendo municipalizada, pois nela há apenas uma turma do ensino fundamental e a redução dos recursos provocou um impacto na Escola, o que foi considerado uma perda marcante, porque ainda não foram compensados pelo governo do Estado. Na Escola Municipal, o PDDE é muito bem avaliado pelos componentes do Conselho Escolar, ainda que ressaltem as exigências e o trabalho despendido na pesquisa de preços e na prestação de contas e as orientações de gastos só em determinadas despesas. Os resultados têm sido altamente positivos, para os entrevistados de um modo geral, que consideram o Programa uma conquista importante a ser fortalecida pelos profissionais da educação. As análises por nós efetuadas indicam que, ao mesmo tempo em que o FNDE/MEC descentraliza a gestão financeira dos recursos repassados às Unidades Executoras dos Sistemas Estaduais ou Municipais dos Estados brasileiros, centralizam no nível federal as políticas educacionais de financiamento da educação fundamental, com a extinção das Delegacias do MEC em quase todos os entes federados do Brasil e a normatização das regras e princípios pertinentes àquelas políticas. Daí considerarmos que tal descentralização (desconcentração) e a gestão 35 democrática funcionam muito mais como estratégias administrativas e políticas para a consecução dos objetivos de redefinição do Estado, na direção de seu estreitamento na oferta de serviços públicos, como uma tendência mundial de regulação do capital. Com base nos dados coletados, sintetizamos nossas análises destacando alguns pontos importantes no estudo de caso realizado, para situar o processo de democratização da gestão escolar, um dos pilares centrais da criação do PDDE, a partir dos seguintes eixos fundamentais ao processo de tomada de decisão sobre a aplicação dos recursos do PDDE, aglutinando-se, portanto, um conjunto de informações que podem nos oferecer pistas sobre o papel do PDDE na configuração de um padrão de gestão, afinado com a redefinição do papel do Estado brasileiro, para articulador e regulador das políticas públicas: De um modo geral, prevaleceu o posicionamento por parte do Sistema Estadual de que há pouca participação dos sujeitos escolares, enquanto os sujeitos escolares entrevistados afirmam haver alguma participação nas UEXs, sobretudo dos diretores e técnicos. Embora os dados tenham revelado que, quando há participação, prepondera o papel do diretor e às vezes do tesoureiro(a) das UEXs. Na rede municipal do Pará, as decisões são da UEX, com o apoio do Conselho Municipal de Educação, resguardada a autonomia do colegiado escolar. Contraditoriamente, a implantação do PDDE ajudou a diminuir a participação mais regular dos conselheiros pelo excesso de atribuições a eles confiadas; Na rede estadual do Pará, o PDDE induziu a participação dos conselheiros escolares na gestão de recursos financeiros de outras fontes; melhorou as condições de equipamentos de uso coletivo; enquanto na rede municipal, boa parte dos entrevistados evidenciaram a pouca autonomia dos sujeitos escolares para definição das prioridades de aplicação dos recursos. Ainda que haja algumas críticas, a imagem do Programa para os Sistemas e para as Escolas e/ou UEXs é positiva de um modo geral. Grande parte dos sujeitos entrevistados demonstraram temer sua extinção, embora haja quem critique a necessidade imposta pelo Programa de criação de UEXs, como ente privado dentro das Escolas Públicas. De modo geral, prevaleceu a idéia, tanto por parte dos Sistemas estaduais, como municipais, de que há autonomia das UEXs nas decisões de priorização do uso dos recursos do PDDE, ainda que alguns conselheiros das UEXs julguem o contrário. Na rede estadual, as eleições se dão por meio de uma lista tríplice, que é enviada à SEDUC para posterior escolha e nomeação do indicado(a) pelo governador, enquanto no município o provimento do cargo de diretor se efetiva por eleições diretas, realizadas pelo Conselho Escolar. Pode-se afirmar que na rede municipal tal processo eletivo está quase universalizado, porque encontramos poucas unidades de Educação Infantil que ainda não passaram por eleições diretas. 36 Os depoimentos e estudos realizados revelam que o grau de informação dos segmentos envolvidos com o PDDE ainda é incipiente, especialmente nas amostras, com exceção da direção escolar e dos professores, que detêm algum conhecimento sobre a operacionalização do Programa. À GUISA DE CONCLUSÃO A análise dos documentos do PDDE e de outros similares indicam uam tendência à descentralização da gestão e à mercantilização da educação pública, porque os ensinamentos repassados por tais programas sinalizam para a auto-sustentação financeira das escolas, retirando a autonomia dessas pela ingerência dos parceiros e estimulando a desobrigação do Estado em garantir a educação pública como prescreve o art. 3º da Constituição Federal do Brasil. Há de considerar-se também que os recursos repassados são reduzidos e insuficientes para a manutenção das unidades, que para sobreviverem, precisam recorrer a todo tipo de “empreendedorismo”, como eventos para arrecadação de fundos, parcerias e ações de solidariedade de voluntarismo, conforme já frisamos. Do conjunto das informações e estudos também pode-se inferir que a dita gestão democrática e a autonomia funcionam muito mais como estratégias administrativas e políticas, para nova conformação do Estado brasileiro, em consonância com as lições dos organismos internacionais, tão bem acatadas pelas elites dirigentes do país. O PDDE, apesar de ser considerado pelos sujeitos escolares como fonte de dinheiro importantes para a escola, representa cerca de 40% do total dos recursos que chegam à unidade, incluindo até resultado de eventos realizados, Isso significa que a situação das Escolas não tende a melhorar com o Programa, porque continuarão dependentes de outras fontes para complementar suas manutenções, obrigadas, portanto, a captar investimentos para sua sobrevivência formalizando parcerias, nem sempre apropriadas, e obrigando os pais e outros agentes a realizarem trabalhos voluntários para ajudar a escola a sobreviver. Para complementar seus orçamentos, as escolas promovem festas, feiras e/ou formas de angariar fundos, o que poderá deixar a direção e o Conselho em situação de insustentabilidade ou estimular práticas não recomendáveis a uma entidade de formação educacional. Consideramos, no mínimo, preocupante a presença de uma organização privada dentro de uma instituição pública, com livre poderes para captar recursos de qualquer fonte, e movimentar seus serviços na direção desejada e possível, o que provavelmente gerará uma competição entre as escolas, porque, dependendo da criatividade e do empreendedorismo de seus dirigentes, uma delas poderá se destacar das demais e até ser premiada pelo Estado. 37 Sabemos que há problemas de gestão em nossas unidades educacionais, mas isso não se configura como causa determinante das precariedasdes históricas da educação que as elites dirigentes apregoam, são apenas um dentre um conjunto amplo de problemas, a começar pela não priorização da educação por parte do Estado brasileiro, embora o discurso oficial a defenda em praticamentre todos os governos há pelo menos, vinte anos. Temos consciência de que os problemas da educação e, sobretudo, da escola precisam ser atacados em suas raízes, de forma global, o que envolve a situação interna e a estrutura da sociedade brasileira, mas não precisamos esperar por tais mudanças para iniciarmos nossa atuação noutra perspectiva para a educação. Ao Estado cabe estabelecer políticas públicas educacionais, em cumprimento a sua obrigação constitucional, de forma global e não focalizada, episódica e, eventualmente, a partir de demandas que vão sendo disseminadas na “mídia” ou pressionados pelos movimentos sociais. As políticas precisam ser antecipatórias e competentes para combater as causas dos problemas. De pouco adianta a gestão da autonomia financeira, sem que se tenha condições de exercitar a cidadania em busca da democratização da gestão, dos processos organizativos, da avaliação e da estrutura como um todo. É preciso esclarecer que não nos colocamos contra as parcerias, o voluntariado, as ações de solidariedade, de responsabilidade social, mas contra a substituição da função social do Estado, do seu papel de provedor, garantidor responsável pelo de articulador e regulador dos serviços sociais prestados. REFERÊNCIAS BARRETO, Maria Inês. As organizações sociais na reforma do Estado brasileiro. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos & CUNIL GRAU, Nuria. (Org.) O público não estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro, Clad/FGV, 1999, p. 106 – 147. BORON, Atílio. El Estado y las “reformas del Estado orientadas al mercado”. Los “desempeños” de la democracia en América Latina. América Latina: Estado e reformas numa perspectiva comparada. São Paulo: Cortez Editora, 2003. p. 19-67. BRASIL, Ministério da Educação. Planejamento Político-estratégico. 1995/1998, DF, 1995. BRASIL, Ministério da Educação. FNDE – Fundescola. Acessado em 17.06.2005, www.fnde.gov.br. BRASIL, Ministério da Educação. 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(César Benjamin, 2000) Concordamos com as palavras de Benjamin e acrescentaríamos que além de apelar à mudança, precisamos participar dessa mudança ativamente, não só nas práticas sociais como na dinâmica de nossas vidas privadas, fazendo uma autocrítica de nosso papel como professor universitário, pesquisador, cidadão e partícipe da luta, sobretudo para impedir que a lei do mais forte e da competitividade nos aprisione e nos distancie uns dos outros, na busca da transformação da sociedade brasileira. 13 Texto já publicado em Série Estudos, periódico do Mestrado em Educação da UCDB nº 18 (dezembro de 2004) Campo Grande: UCDB, 1995. p. 97-112. 40 Uma das questões que hoje se transformou em unanimidade tanto para o governo FHC (PDRE, MARE, 1995) como para os empresários e até para alguns teóricos14 da educação e da economia, é a importância atribuída ao público não-estatal como saída para a situação de crise do Estado e de suas instituições, incluindo-se a escola pública. Já virou até senso comum que as soluções se encaminham na direção não mais do mercado ou do Estado, mas da sociedade civil organizada, que engloba ações variadas, atores diversificados e organizações, identificadas como Terceiro Setor, que têm como ponto em comum não pertencerem ao mercado ou ao Estado. Este Terceiro Setor aparece como novo representante do interesse público, conforme análises de Gandini e Riscal (2002). O título deste texto sugere uma pergunta, que permita indicar o nexo existente entre o público não-estatal e a gestão escolar democrática: qual a relação entre esses pólos? Para construir uma resposta, comecemos pela tentativa de decifrar tal relação, a partir da conceituação do público estatal, recortando-o pelo Programa Dinheiro na Escola, como foco do trabalho. Isto nos leva a identificar no Estado a chave principal para desvelar tal embate. Pautamo-nos pelo conceito de Estado ampliado de Gramsci, que envolve a sociedade política (aparelhos de dominação e coerção para manutenção da ordem) e a sociedade civil (aparelhos de ideologia15, privados de hegemonia). Sociedade civil, portanto, é compreendida como o conjunto de aparelhos “privados”, por meio dos quais um bloco de classe luta pela hegemonia (domínio e direção). Sobre o conceito de Estado ampliado de Gramsci, Coutinho (1988) faz uma discussão coerente e bem articulada defendendo sua aplicação à realidade brasileira com base em seis pontos, principalmente: 1) se no Brasil a sociedade permanecesse subalterna, tal conceito se aproximaria mais das sociedades orientais, nas quais o Estado é mais forte; 2) se a compreensão enviesar pela consideração de que a distinção realizada por Gramsci é estática, a conclusão seria de que a formação social brasileira se ajustaria aos moldes “orientais” e não se poderia utilizar tal conceito de Estado ampliado. 3) Gramsci não faz a análise estática, porque entende que a “ocidentalidade” de uma formação social é para ele o resultado de um processo histórico, e daí uma sociedade oriental pode 14 15 CASTRO, Cláudio Moura (1995). Gramsci entende a ideologia como “o significado mais alto de uma concepção de mundo, que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações de vida individuais e coletivas” (GRAMSCI, 1981, p. 16). 41 se tornar ocidental, passando a ser um Estado ampliado, em que há uma justa relação entre Estado e sociedade civil; 4) as diferenças existentes entre sociedades ocidentais e orientais, de igual modo pelas diferenças entre as consideradas ocidentais, que também passaram por períodos de fragilidade dos movimentos populares e outros por terem vivido uma intensa socialização da política; 5) o processo vivido nas sociedades ocidentais da Europa pode verificar-se em outros lugares do mundo e 6) se aceita “a idéia de que a ocidentalização é fenômeno potencialmente universal”, no Brasil ora se viveu a orientalização, ora a ocidentalização, sendo que esta prevaleceu, em 1945, com a queda da ditadura Vargas, apesar de alguns retrocessos, houve um predomínio, intensificado no período de 1955-64. Em outras palavras, há uma relação mais equilibrada entre Estado e sociedade civil. Nos anos de chumbo (1964-1985) a sociedade civil foi solapada e ao mesmo tempo fortalecida, com a forte intervenção e centralização do Estado, em todos os setores da vida nacional por meio de aparelhos repressivos e de uma tecnocracia organizada, arrogante e pragmática. O Estado precisava de um mínimo de consenso, porque não dispunha de organismos capazes de obter a hegemonia real na sociedade civil, daí a tolerância dos militares à existência do Parlamento. O Movimento Democrático Brasileiro - MDB representava o celeiro de todas as forças organizadas descontentes com a situação de exceção vivida pelo Brasil, um “bloco democrático” de oposição, que envolvia desde políticos conservadores, liberais e até de esquerda, que se uniram em torno da bandeira das eleições diretas e da democracia (COUTINHO 1988). Segundo Coutinho (op. cit. p.124), o consenso às vezes conseguido pelos militares foi passivo: O regime, em suma, era “desmobilizador”. Sua legitimidade ideológica não era do tipo fascista. Tratava-se, antes, de uma espécie de “ideologia da antiideologia”, ou seja, de um pragmatismo tecnocrático que contrapunha a “eficiência” às ideologias em geral, aos conflitos políticos, acusados de “dividir a nação” e, portanto, de pôr em risco a “segurança” requerida pelos militares como condição para o desenvolvimento econômico. Com a crise do “Milagre Econômico” de 1974 e as eleições parlamentares de 1974, 1978 e 1982, a legitimação da ditadura começou a naufragar, com a grande vitória das forças de oposição, perdendo assim o apoio das classes média e da própria burguesia. Segundo Francisco de Oliveira (2002), os movimentos sociais atingiam o Estado em sua maior debilidade, que eram as políticas sociais e políticas públicas. Era o movimento contra o custo 42 de vida, contra a falta de transportes, pela habitação, dentre outros, travados numa “guerra de guerrilha”, desgastando a capacidade do Estado autoritário. A sociedade civil volta, portanto, à tona se organizando e se ampliando, por meio de operários, mulheres, estudantes, segmentos da classe média e setores empresariais. A maior expressão disso foi o movimento “Pelas diretas Já”, que chegou a reunir num grande comício em São Paulo, em 16 de abril de 1984, cerca de 1.700 milhões de pessoas. Tais eventos se disseminaram pelo Brasil de Norte a Sul. A Emenda Dante de Oliveira, que reestabelecia eleições diretas, não foi aprovada no Congresso Nacional e em 1985 foi eleito pelo Colégio Eleitoral o Presidente Tancredo Neves, tendo como Vice-Presidente José Sarney: Então, pelas vias transversais da “revolução passiva”, o Brasil tornou-se uma sociedade “ocidental” (COUTINHO, id. p.125). Logo, o conceito de Estado ampliado é uma possibilidade importante de análise da realidade brasileira, guardando suas especificidades. Na atualidade, as discussões sobre o Estado, de um modo geral giram em torno de, pelo menos, duas posições: A primeira, uma vertente defendida pelos segmentos mais progressistas, onde se incluem Francisco de Oliveira, Emir Sader, Gaudêncio Frigotto e alguns movimentos organizados como o MST, que considera o Estado como essencial porque representa a possibilidade do asseguramento e garantia dos direitos de cidadania e por isso há necessidade de alargamento de suas fronteiras e se direciona para a necessidade do Estado servir ao bem-comum, via planejamento de políticas públicas sinalizadas para as demandas da sociedade no exercício de sua função social pública. (Estado social). Uma outra vertente que defende a diminuição do tamanho do Estado, representada por Bresser Pereira (1998), Reis Velloso (1988), prescrições objetivadas no Consenso de Washington, porque a sociedade civil organizada têm maiores condições de propiciar e estimular o atendimento às necessidades sociais, considerando as expectativas e iniciativas individuais, com uma nova alternativa (Estado Mínimo). Aliás, esta discussão sobre Estado mínimo é estéril, porque ele será mínimo para algum(s) segmento(s) e máximo para outro(s). A primeira vertente reserva ao Estado, além de outras funções, um caráter público efetivo, porque nem tudo que é estatal tem sido público no Brasil e vice-versa, porque há outros espaços públicos construídos na luta por melhores condições de vida, dentre outros. Tome-se como exemplo do estatal não público, as escolas de educação básica mantidas pelo Estado, que não exercem seu papel, ao não oferecer um ensino de qualidade a todos que a ela procurem. Há, por outro lado, organizações privadas que desenvolvem ações públicas como o Movimento Rural dos Trabalhadores Sem Terra -MST, Central Única de Trabalhadores - CUT e 43 Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos - DIEESE por exemplo, e alguns outros movimentos sociais que, na luta, vem contribuindo para a conquista de alguns direitos dos trabalhadores brasileiros. Nesse momento se incorpora uma outra discussão essencial para o estabelecimento de nexos entre o público não estatal e a gestão escolar, que se refere à sociedade civil (entendida como o Terceiro Setor) na orientação neoliberal. Uma outra questão nos inquieta, o que efetivamente é este “público” ? No sentido dicionarizado pode ser usado como adjetivo, qualificando algo, aí seu significado é de relativo à governança de um país; que serve para o uso de todos, dentre outros. Como substantivo refere-se ao povo em geral. Verifica-se que em todas as acepções se refere a todos, indistintamente. O termo “privado” significa particular, de uso restrito, em contraposição ao público (BUENO, 1972). Já as categorias “público e privado” possuem significados diferentes, dependendo da época, expressando concepções de mundo distintas. Na Grécia Antiga, o privado era relativo à família e o público se referia à política, o ambiente da vida social, onde não existia a liberdade: ... em que a força e a violência eram justificadas em termos de luta para vencer a necessidade. Assim, subjugar escravos, reinar sobre eles e a família era algo inteiramente aceitável como condição para libertar-se da necessidade e alcançar a liberdade (BRUNO, 2002. p. 20). O público, na Grécia, entendido como o comum, é o mundo criado pelos homens em interrelação, onde só podiam se incorporar os homem livres, porque só estes eram iguais, por terem condições de comandar, eram constituídos pelos senhores, os gregos homens, excluindo as mulheres, os bárbaros - os estrangeiros. Só participavam da polis das cidades-Estado, os cidadãos. Nas sociedades modernas, por exemplo, o público está relacionado à governança de um país, ao poder público, ao Estado, portanto. A categoria “privado” significa particular, que se distingue do público. Na sociedade capitalista, o público é contraditoriamente privado. Há uma relação de promiscuidade entre tais esferas. Trata-se de organizar o poder privado (de uma classe) na forma de poder público.(Estado). O Estado brasileiro, historicamente, tem sido privatizado, porque representa os interesse de uma classe hegemônica. As políticas públicas têm surgido a reboque do econômico e em geral visam a corrigir distorções causadas pelas políticas anti-sociais de desenvolvimento capitalista. O padrão de financiamento público brasileiro, por meio de políticas de intervenção para reprodução do capital e da força de trabalho tem se expressado, por diferentes mecanismos: renúncias de impostos e taxas, os incentivos fiscais, creditícios, alfandegários, subsídios para ciência e tecnologia, programas destinadas a necessidades básicas da população, como educação, saúde, habitação, transporte, seguro desemprego, dentre outros. Hoje, em menores proporções este 44 padrão perdura, com tendência a ser ampliado com o denominado público não-estatal. O empresariado brasileiro sempre se valeu do Estado para resolver suas crises e aumentar suas lucratividades: veja-se o socorro aos usineiros do Nordeste, aos bancos, dentre outros. Na verdade, a apropriação dos lucros é privada e a socialização do financiamento é pública, com os recursos da nossa riqueza social, que é pública, num cenário em que tudo é transformado em mercadoria, adquirível no mercado. Para Oliveira (1981), a conversão do Tesouro Público em pressuposto da atividade econômica, com uma profunda imbricação do Estado com as grandes corporações transnacionais que é a característica mais saliente do capitalismo atual e do Estado moderno, confundindo as fronteiras entre o público e o privado, daí a crise do capital significar a crise do Estado. Provavelmente sem a “mão amiga” do Estado, o Brasil não teria chegado a ser a 8ª economia mundial. Foi durante a ditadura que o País mais cresceu economicamente. A sociedade civil transformada ideologicamente em Terceiro Setor passou a fazer parte das agendas de discussões a partir dos anos noventa, com a reestruturação capitalista no Brasil, ingressando neste, por meio das prescrições do Consenso de Washington i, para publicização, enquanto transferência de questões públicas de responsabilidade do estado para a esfera privada. (Montaño, 2002). Observa-se que a sociedade civil é compreendida no terreno das abstrações, e enquanto tal, opõe-se ao Estado, defendendo que ela poderá e deverá, por conta própria, tomar iniciativas e desenvolver ações de interesse comum, sem esperar pelo paternalismo desse aparelho de poder, que é o Estado (BRUNO, op. cit. p. 27). Em decorrência da situação de carências acentuadas vividas pelos segmentos menos favorecidos, ao lado da elevação dos níveis de violência, da depredação da natureza e dos valores humanizantes, como a ética, a responsabilidade, a justiça e a solidariedade, esta última hoje entendida muito mais como uma disposição altruísta, voluntarista, da boa vontade do indivíduo, de uma organização ou empresa, já virou senso comum a necessidade se buscar as parcerias da empresa privada, das ONGs para desenvolver ações de mitigação ou resolução das questões sociais.. Houve, portanto, um deslocamento de uma solidariedade social politizada para outra representada pelas Organizações Não Governamentais, que são formuladas sem a participação da sociedade, com formatos diferentes entre si gerando conflitos (PAOLI, 2002). Os ideólogos da emergência do Terceiro Setor como remédio poderoso para superação da crise do Estado utilizam-se de argumentos convincentes para demonstrar que a participação solidária é a única chance para que todos se unam em benefício do bem comum, onde cada um deve fazer sua parte, a partir da recontextualização de conceitos como participação, controle social, autonomia, descentralização, há muito buscados pelas esquerdas brasileiras, capturando assim até 45 alguns intelectuais antes altamente críticos, que a discordância hoje, chega a ser um desafio ou algo ultrapassado. Tais orientações se materializaram em reformas, que no Brasil a partir dos anos 94 foram direcionadas pelo Ministro Bresser Pereira, que defende vigorosamente o projeto do governo. Para operacionalizar a denominada publicização, foram definidas centralmente três medidas, consideradas por ele como indispensáveis para seus objetivos: a descentralização, a organização social e a parceria. ( Pereira, 1998). Podemos dizer, que as reformas propostas e quase todas já implementadas até agora no Brasil, encaminham na direção do encolhimento do Estado em sua função social, em favor da empresa privada, ou seja, é o Estado mínimo para atender os direitos de cidadania e máximo para apoiar e/ou beneficiar o capital: ... a reforma do estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do papel do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse movimento (NETO ET ALMEIDA, 2000, p. 37). Para Montaño (op. cit p. 205), o Terceiro Setor envolve muitas instituições e organizações, como ONGs sem fins lucrativos, instituições filantrópicas, empresas cidadãs e outras. Já havendo no Brasil registradas 400 mil ONGs, 4 mil fundações e 220 mil entidades ditas “sem fins lucrativos”. Portanto, não é algo a subestimar, mas tentar desvendar seus meandros e trilhas. Hoje, é certo que a sociedade civil mudou estando mais organizada e em condições de desenvolver com eficiência/eficácia políticas públicas e tem condições de exercitar o controle público do Estado, embora contraditoriamente algumas relacionadas aos movimentos de trabalhadores, vêm sendo refreadas, sistematicamente, minando seus espaços públicos de ação política. Nesse particular, precisamos intermediar a discussão enfatizando que há diferenças significativas entre as próprias organizações da sociedade civil, cujos perfis são muitas vezes radicalmente divergentes, distanciando-se uma das outras, sendo bastante heterogêneas política e socialmente. Por exemplo, não se pode comparar instituições como o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Rio de Janeiro), o DIEESE, as diversas fundações de empresas privadas, os movimentos ecológicos, os Movimentos dos Sem-Teto ou Sem Terra e a União Democrática Ruralista. O único ponto em comum dentre todas é pertencerem à esfera privada, enquanto organizações não governamentais. Para tentar costurar a discussão, buscaremos enveredar pela história recente do Brasil para compreendermos as origens dessa nova pauta em que se inclui necessariamente o papel das ONGs 46 como uma alternativa de mitigação da crise estrutural vivida pelo capitalismo moderno hegemônico no mundo, na sua fase de reestruturação produtiva. Nos anos oitenta, a atmosfera democrática que invadiu o Brasil trouxe ao cenário de luta a incorporação de novas pautas de discussão das forças de oposição ao regime autoritário instalado desde 1964, como a questão da importância da sociedade civil para superação da ordem vigente. A concepção de sociedade civil era bastante abrangente, englobando tudo que não era do Estado, considerando desde forças políticas, movimentos eclesiais de base, passando pelos organizações sindicais combativas até instituições de empresários mais progressistas que se opunham ao regime autoritário.Todos como atores essenciais na volta à democracia. Na verdade, a sociedade civil significava resistência à ditadura e ainda não se incorporava no conceito de Terceiro Setor, este hoje associado à idéia de “sem fins lucrativos e não governamental” o que, para Fernandes (1994, p. 32): São palavras articuladoras, mais do que conceitos objetivos. Dizer “sociedade civil” supõe uma cultura democrática que ainda está por ser estabelecida. Pensar o “terceiro setor” significa reunir sob uma mesma classe conceitual atividades tão distintas que, no passado, costumavam ser vistas como contraditórias ou mesmo antagônicas. Consideramos uma articulação frágil e frouxa para dar conta da complexidade da questão do Terceiro Setor, porque envolve instituições e organizações variadas que diretamente podem não visar lucros, mas no limite, o essencial para algumas é justamente a expansão de seus consumidores, como é o caso, por exemplo, dos programas de responsabilidade social desenvolvidos por grandes empresas. Além do que contribuem para redução da idéia de público a duas categorias apenas, a dos consumidores e dos empregados de suas empresas. Para Marx (1982), a expressão sociedade civil surgiu no século XVIII e é ao um mesmo tempo, fonte e expressão do domínio da classe burguesa e que depois a organização que resulta do intercâmbio e relações e que constitui em qualquer época as bases do Estado foi também designada pela mesma terminologia. Portanto, Gramsci (op. cit.) aponta noutra direção afirmando que a sociedade civil, contraditoriamente, nas suas formas de organização, pode participar da construção da hegemonia para as classes subalternas. É neste sentido que estamos tentando desvelar a relação entre o público não estatal e gestão escolar democrática, começando por fazer um recorte histórico. A luta pela democracia no Brasil dos anos de exceção se pautava nas formas clássicas de exercício da cidadania política, por meio de partidos políticos e eleições diretas, como se isso bastasse para se ter uma sociedade democrática, onde os sujeitos pudessem participar do processo de decisão sobre seus destinos, sobretudo aqueles que sempre estiveram excluídos da participação e, conseqüentemente pudessem ver atendidas as demandas por políticas públicas. Além disso, as 47 esquerdas entraram despreparadas na luta política dos anos oitenta, sem possuir um projeto nacional, em contraposição ao processo hegemônico neoliberal, sem se dar conta de que a democracia de mercado não distribui riquezas e nem garante os direitos de cidadania. Conforme já analisamos anteriormente, os partidos políticos tinham no Movimento Democrático Brasileiro – MDB, o celeiro de todas as forças de oposição ao regime vigente no Brasil, à época, que envolvia desde políticos conservadores, liberais e intelectuais de esquerda, que se uniram em torno da bandeira das eleições diretas e democracia. (Coutinho 1984). Com a ampliação da abertura democrática, via eleições de prefeitos e governadores supostamente comprometidos com o projeto democrático, as contradições e ambigüidades dessas forças eclodiram, dada a variedade de interesses, agora mais visíveis entre atores de diversas matizes político-ideológicas. As respostas que a sociedade desejava não tinham condições de ser dadas. As demandas sociais expressas pelo conjunto dos trabalhadores e da classe empresarial se chocaram por representarem interesses opostos, até então não revelados no movimento de oposição ao regime ditatorial, de vez que todas as correntes de oposição se uniam em um mesmo bloco. (Coutinho, op. cit.). Os diferentes atores aliados na luta pela democratização brasileira, até meados dos anos oitenta, com a volta das eleições diretas, garantia dos direitos civis se distanciam e se expressam pelos seus interesses: os “empresários progressistas” não vêm razões para qualquer cooperação; o “sindicalismo autêntico” passa a se ocupar de suas questões corporativas diante à precarização crescente do trabalho (Costa, 2002) e ao desemprego estrutural. Até mesmo dentro da própria sociedade civil mais ampla, seus diversos segmentos demonstram interesses diferenciados nem sempre compatíveis ou quase sempre incompatíveis entre si, como o movimento ecológico, o movimento dos negros, das mulheres, dos trabalhadores rurais e dos ruralistas. Cada vez mais se visibilizando as disputas de projetos que se contrapõem, ainda que com discursos similares, porque não se deve perder de vista que se vive numa sociedade capitalista cindida em classes sociais e, portanto, a sociedade civil engloba classes diferenciadas. Mesmo dentro de alguns movimentos, como o das mulheres, o ecológico há posições antagônicas, a ligação se dá apenas pela questão do gênero, de etnia, da preocupação com a natureza. É um terreno pantanoso e ambíguo, para demarcar as ações de intervenção em direção da substituição do espaço público, representado pelo Estado. Costa (2002) em seus estudos sobre o público não estatal destaca alguns pontos importantes sobre as organizações da sociedade civil, como esfera diferente do Estado e do mercado, cujo 48 campo de ação é multifacetado e complexo, com ênfase em suas diferenças e formas múltiplas com que estabelecem relações com outros agentes sociais, assim resumidos: - a crítica neoliberal contra o Estado intervencionista; - a criação de inúmeras ONGs, muitas vezes até em substituição do Estado, disputando poder para ser aquinhoado com recursos públicos, gerando a competição com outras instituições, obrigando estas últimas a barganharem parcerias muitas vezes nocivas à sociedade civil; - as parcerias de responsabilidade social das empresas, que servem, de modo geral, como instrumento para a elevação das vendas, com o aumento dos consumidores; - a atuação do governo federal na regulamentação do Terceiro Setor, criando critérios e condições específicas para que instituições possam ser consideradas de interesse público, com vistas a aproveitar os recursos mobilizatórios da sociedade civil, transferindo a responsabilidade estatal para as instituições privadas, com seus problemas criados pela carências financeiras e coresponsabilizando-as pelos insucessos; - a internacionalização de muitas ONGs que passam a ser orientadas de fora para dentro do País. Como se pode observar, a questão do Terceiro Setor está envolvida num emaranhado de cenários, atores sociais e movimentos, que nos remetem ao nosso ponto de partida destas reflexões, que é a relação entre o público não estatal e a gestão democrática da escola, para tentar visibilizar os nexos existentes, que aparentemente inexistem. Veja-se, portanto, a partir de 1988, por conta das prescrições Constitucionais e orientações de descentralização, autonomia e parcerias, algumas medidas de democratização da gestão foram incorporadas nas escolas públicas, dentre as quais se destacam: as eleições diretas para diretor escolar, a criação de colegiados escolares em cada escola, a indicação de formulação coletiva do projeto político-pedagógico; maior autonomia com a liberação de recursos financeiros diretamente para as unidades educacionais, dentre outras. Há diversos problemas em tais orientações às Escolas: Primeiro, a obrigatoriedade de implementação de tais medidas acaba por invalidar suas finalidades de democratização da gestão, porque não se impõe democracia, constrói-se, conquista-se. Nesse particular, nossas pesquisas revelam que efetivamente tais medidas passam a ser meras formalidades legais, mas, ao mesmo tempo parecem estar servindo para a consecução de um novo modelo de escola, na direção de se transformar numa instituição empreendedora e competitiva, tal qual as empresas de sucesso. O estado brasileiro juntamente com a iniciativa privada e instituições como Undime, Consed e Unesco têm impulsionado citada direção, com a criação de diferentes mecanismos, como, 49 por exemplo o Prêmio nacional de referência em gestão escolar, cujo objetivo precípuo oficial é melhorar a gestão e qualidade do ensino, para que as escolas incorporem uma cultura da autoavaliação e práticas bem-sucedidas de gestão e especialmente uma cultura gerencial. No Sistema Estadual de Ensino,por intermédio da Secretaria Executiva de Educação - SEDUC hoje, no Pará muito vem se falando e se defendendo e até implementando ações nas escolas de “empreendedorismo” (criar caminhos para o sucesso)ii, como saída para a escassez de postos de trabalho e melhoria das condições de vida, sobretudo das populações menos favorecidas, tradicionais usuários das escolas públicas. Já foram realizadas palestras e reuniões para os gestores escolares estaduais estimularem em suas unidades, tais princípios. Os Conselhos Escolares ou qualquer outra Unidade Executoraiii com personalidade jurídica, como uma espécie de organização no padrão de ONGs devem se responsabilizar pela decisão e execução das ações escolares e, sobretudo pela captação de recursos que lhes assegure a manutenção das unidades escolares e na medida em que conseguem ter sucesso em tal meta, são colocados pelo Estado, como vitrines para as outras unidades, no estímulo à competição, por meio de diferentes estratégias, como a criação de ranking, prêmios de gestão, etc, obrigando as escolas a funcionarem como organizações sociais e buscarem qualquer tipo de parcerias, que muitas vezes chegam a ferir suas autonomias, em nome da melhoria de suas condições materiais. Os argumentos embasadores da criação desses colegiados são, dentre outros, pela emergência de tornar a gestão mais ágil, flexível e eficiente, bem como para aumentar a participação dos cidadãos e propiciar o controle social do público. (Brasil/FNDE, 2003). As Unidades Executoras, no caso do Pará, os Conselhos Escolares além de serem responsáveis pela gestão administrativa, financeira e pedagógica dos recursos advindos dos cofres públicos e da comunidade escolar, de entidades privadas e de campanhas escolares poderão buscar a captação de recursos para suas unidades, em complementaridade e/ou substituição do Estado (Brasil, 1997). Na verdade, tais Conselhos Escolares poderão servir de mantenedores da unidade escolar, no melhor exemplo de ONGs, do Terceiro Setor. Isto poderá gerar o serviço público não estatal e o Estado poderá ter espaços objetivos para se desobrigar de sua responsabilidade com a educação. O Programa Dinheiro Direto na Escola é um exemplo emblemático dessa ideologia de abertura e fomento às ações em parcerias, criado em 1995, como programa de assistência financeira do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE aos Sistemas Públicos de Ensino, para o atendimento à escolaridade obrigatória pela Constituição (o fundamental). É destinado às escolas públicas, além das escolas de educação especial, mantidas por Organizações Não-Governamentais, 50 desde que registradas no Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS. Varia de R$600,00 até R$-19.000,00 divididos entre despesas de custeio e capital. Seus recursos provêm do salário educação, como principal fonte e são distribuídos nas unidades escolares anualmente, em única parcela, segundo o número de alunos matriculados. Em pesquisa realizadaiv, os dados revelaram que os sujeitos escolares consideram o financiamento escolar muito importante para a manutenção, desenvolvimento e melhoria das condições de instalações e de trabalho das escolas, em seu cotidiano. O PDDE é um exemplo, como já nos reportamos anteriormente, de descentralização estímulo às parcerias, sobretudo por dois motivos: primeiro, porque os recursos repassados são reduzidos, não cobrindo as necessidades da escola e, segundo, porque a autonomia concedida aos colegiados impulsiona-os para a busca pela captação de novos recursos capazes de viabilizar a manutenção das unidades escolares para se autofinanciarem, num processo de descentralização da operacionalização das ações da Escola, numa nova forma de administração pública, calcada no modelo gerencial da empresa privada, que tem como princípios a eficiência, a eficácia e a produtividade. Tal direcionamento poderá trazer sérias implicações para o processo de democratização da gestão escolar. Por outro lado, contraditoriamente, se esses colegiados escolares funcionarem efetivamente como espaço de decisões coletivas na Escola podem enfrentar tais relações com organização capaz de pressionar o Estado para o atendimento de suas demandas e garantia de um ensino público de qualidade para todos, além de desempenharem um papel educativo político da mais alta relevância, na luta pelas transformações sociais. Pode ser um importante espaço de controle social. Tais medidas implantadas (Conselhos Escolares com personalidade jurídica, as parcerias) podem representar uma forma de retirada das condições para que os sujeitos escolares possam decidir efetivamente seus destinos, num processo de construção democrática participativa, porque quem financia determina suas condicionalidades e regras, que deverão ser obedecidas, sob pena de sofrerem sanções, por descumprimentos dos contratos, similar à relação entre entes comerciais. Isto, entretanto, não significa ser contrário às parcerias, a discordância se dá quando essas servem para substituir a presença do Estado e assim dificultarem a gestão escolar democrática, porque quem financia define suas prioridades, o que é diferente quando os recursos são públicos, advindos de nossa riqueza social, ainda que também definam suas orientações. Mas, o ponto principal é a despolitização dos espaços de participação existentes na escola. A nosso ver, o mais preocupante da transformação dos direitos em serviços, de interesse comum, que podem ser realizados pelos parceiros privados é o empobrecimento político, porque a 51 benfeitores só se agradece pelas regras civilizadas de bem viver na sociedade, sem necessidade de embate, da luta, podendo gerar uma figura passiva e não um cidadão participativo, como sinaliza Paoli (op. cit. p. 386): ... as ações que se movem longe do amplo debate político que costuma aparecer, em qualquer teoria política moderna, como a fonte de criatividades antagônicas e dialogantes que formam o centro de uma decisão pública e democrática sobre a alocação dos recursos materiais e simbólicos de uma sociedade. Sai-se, portanto, do campo da luta política pela cidadania efetiva e justiça social para um ativismo civil voltado para a solidariedade social, com tempo e espaço marcado, despolitizada, bem diferente da luta por direitos sociais, porque estes se exigem e aqueles se agradece, com gratidão. A solidariedade passa a ser sinônimo de cidadania. Está havendo no Brasil, uma substituição da ações do Estado pela atuação das ONGs, sobretudo nas áreas de saúde pública e da educação, que devem ser responsabilidade do Estado, prescritas em Lei. A sociedade civil organizada, em suas diferentes frentes, está atuando no campo da solidariedade social. Para Sader (2000, p.83), “reafirmar a importância do Estado não se confunde com uma nostalgia do Estado tradicional...”, porque efetivamente há nuances diferentes hoje, mas as condições perversas, violentas e contraditórias das instituições capitalistas permanecem. O capitalismo vive em processo de inovação, exatamente para se manter, daí defender-se a importância do Estado para minimizar seus impactos. Aliás, considera-se a sociedade civil,por meio de suas formas de organização, com possibilidades de participação no controle do Estado e na construção de condições para as transformações sociais, enquanto espaço de lutas. As associações da sociedade civil constituem apenas uma força propulsora de transformações no arcabouço institucional democrático, o qual deve sofrer permanentemente aperfeiçoamentos e adaptações, se se pretende atenuar as tensões inevitáveis entre lei e a ordem, as instituições democráticas e reivindicações sociais em mutação (MONTAÑO, op. cit. p.205). Para Coutinho, citando Gramsci (2002), o movimento social é espaço de alternativas como uma luta de tendências, cujo fim não se encontra definido por nenhum determinismo econômico, mas resulta da luta entre vontades coletivas e organizadas. Portanto, as organizações não governamentais são instituições importantes para a sociedade e para as mudanças requeridas pelo conjunto dos trabalhadores, mas não são as identificadas com as relações de mercado, como as fundações empresariais ou outras similares, com seus programas de responsabilidade social, focalizados no aumento de consumidores, com suas belas campanhas 52 solidárias veiculadas na mídia hegemônica, ao mesmo tempo que sonegam impostos, pagam salários indignos e exploram seus trabalhadores. Refere-se a um outro tipo de organizações não governamentais ou outra forma de organização da esquerda social, como se refere Stédile (líder do MST), em entrevista recente, concedida à Revista Crítica Social, onde as identifica como pertencentes a setores pastorais da Igreja, a movimentos populares, a agrupamentos políticos até aos intelectuais, dentre outros, desde que participem do processo de luta para as mudanças da sociedade vigente, mantendo assim seu caráter público, em direção a um projeto comum. Tais organizações podem atuar no reforço a políticas públicas na área social, com sua capacidade de auto-organização com a criação de espaços públicos próprios onde desenvolvem suas ações públicas. Esse movimento de luta encampado pelo denominado “Terceiro Setor”, numa outra perspectiva e circunstâncias, poderá contribuir para o controle social do Estado, o que: ...irá requerer igualmente o consciente cultivar – não em indivíduos isolados, mas em toda a comunidade de produtores, qualquer que seja sua ocupação – de uma incomprometível consciência crítica, associada a um intenso compromisso com os valores de uma humanidade socialista [...] (MÉSZÁROS, 1987 p. 72). Precisamos continuar na luta, pelo fortalecimento de espaços públicos, nos quais os Conselhos Escolares poderão ser incluídos como um locus importante, para estimular o controle democrático da escola, com vistas nas transformações requeridas por amplos segmentos da sociedade, para que possamos re-construir o público em novas bases democráticas: Ao se tornar “obra de todos e de cada um”, o público deixa de ser confundido simplesmente com os aparelhos do Estado e da burocracia. Na óptica da democracia popular, ser público é diferente de agir “em público”, de entrar na esfera pública, não se limita a ser interlocutor de uma “razão comunicativa” lingüisticamente correta. Além das demonstrações verbais e administrativas, o público popular é o conjunto das práticas sociais que criam uma comunidade ético-política onde se superam concretamente as injustiças, a exploração, a exclusão e se reparte o trabalho, a produção, a distribuição de bens do planeta, o acesso igualitário ao conhecimento mais avançado (SEMERARO, 2002, p. 222). REFERÊNCIAS BENJAMIN, César. Introdução. BENJAMIN, César & ELIAS, Luis Antonio. (orgs.) Brasil: Crisee destino (entrevistas com pensadores contemporâneos). São Paulo: Editora Expressão Popular, 2000. BUENO, Silveira. Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Fortaleza, 1972. 53 BRAGA, Ryon. O futuro profissional de nossos alunos, para onde caminha o mercado de trabalho? Linha Direta: educação por escrito. 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Entrevista concedida a Achille Lollo, Revista Crítica Social, nº 2, Rio de Janeiro: ADIA, julho/setembro 2003. 54 OS CONSELHOS ESCOLARES COMO POLÍTICA DE DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO: do proclamado ao concretizado nas escolas públicas Este trabalho resulta de pesquisas sobre gestão escolar, realizadas no iperíodo de 1996 a 2005, das discussões e debates travados ao longo das apresentações em eventos científicos e dos acúmulos teóricos de um modo geral. Objetiva socializar experiências e dialogar com aqueles que se interessam pela temática e acreditam na possibilidade concreta de mudança das condições perversas que insistem em continuar presentes na educação brasileira e, em particular, em Belém, talvez com agravantes próprios de região periférica. Em um primeiro momento trabalhamos com vinte e cinco escolas públicas do ensino médio de Belém. Em um segundo, com dez escolas públicas do ensino fundamental, sendo cinco da rede municipal e cinco da estadual de Belém. A metodologia utilizada foi quali-quantitativa por meio de um Sistema de entrevistas semi-estruturadas, questionários, fichas de registro e observação não participante. Os sujeitos investigados foram: trinta e cinco diretores escolares; trinta e cinco alunos representantes dos Conselhos Escolares, na faixa etária de 13 a 19 anos; dez técnicos; dez pais de alunos; trinta e cinco professores, e trinta e cinco funcionários. Na primeira parte da pesquisa, investigamos diretores, para analisar a percepção deles sobre suas práticas administrativas e pedagógicas e, na segunda fase, ampliamos o universo e os objetivos da pesquisa, para avaliar a gestão numa perspectiva mais ampla, incluindo todos os atores participantes dos Conselhos Escolares, que é a unidade executora das escolas públicas de Belém, criados como exigência para habilitação delas a fim desenvolverem suas atividades com autonomia, a partir do recebimento dos recursos liberados diretamente para as escolas, das quais trataremos à frente com mais profundidade, desde sua origem no movimento de luta dos trabalhadores da educação, em prol da sua gestão democrática. Os principais indicadores da pesquisa referentes aos sujeitos representantes nos Conselhos Escolares foram: grau de satisfação; importância atribuída ao CE; tipo de liderança; imagem da escola; percepção sobre o processo pedagógico, percepção sobre as mudanças ocorridas na escola, na construção da democracia. Procurou-se avaliar as conseqüências, as potencialidades da participação dos sujeitos escolares e suas reações 55 como partícipes do processo decisório da escola. As categorias utilizadas como pano de fundo para a análise foram: democracia, participação, descentralização, autonomia, tomada de decisão, autoridade, dentre outras. Antes de começar a relatar e analisar os resultados das pesquisas, considero necessário realizar uma incursão histórica para delimitarmos as noções de democracia assumidas neste trabalho, por entendermos que a categoria é polissêmica, ao permitir diferentes significados e muitas são as formas assumidas em diferentes espaços, além do que ser democrata virou uma virtude, uma qualidade importante nas sociedades modernas. Daí grande parte dos dirigentes fazerem questão de se intitularem democratas, e isso se verificou em nosso pequeno espaço de pesquisa, nas escolas públicas de Belém, em que as falas dos diretores escolares comprovam tal afirmativa. A palavra democracia é polissêmica, podendo pois possuir vários significados, dependendo dos interesses particulares de quem a encampa, moldando o discurso democrático a diferentes situações e pode ser utilizada até para designar coisas antagônicas. Os políticos brasileiros, por exemplo, só consideram antidemocráticos os outros. Mas uma coisa é comum: falar em democracia envolve sempre algo de positividade, de liberdade. Neste sentido, apropriamos-nos da discussão apresentada por Coutinho (2002), que faz uma análise histórica sobre o conceito de democracia desde o século XVII, no liberalismo, destacando Rousseau como o primeiro a elaborar uma proposta de sociedade democrática e popular, por meio de um movimento que se espraiou na Revolução Francesa, com evidência para os Jacobinos, rebatendo nos primeiros pensadores comunistas, no movimento socialista já do século XIX. O mesmo autor destaca no século XIX o liberal francês Aléxis de Tocqueville, que considera a democracia como irreversível, mostrando sua fragilidade e periculosidade para o poder da maioria, daí necessitar ser controlada para não descambar em tirania. Mosca, pensador italiano, diz que as maiorias inexistem como sujeitos políticos, sendo a política coisa de minorias, daí não temê-la por considerá-la como algo utilizado pelas elites para governar e se legitimar. Para Coutinho (op.cit.) até o início do século XX, o liberalismo se confrontava com a democracia e se apresentava como uma alternativa a ela. O autor chama-nos a atenção para o fato de que no liberalismo havia o sufrágio do voto, mas nos primeiros modelos de inspiração inglesa só alguns tinham o direito a votar, os “cidadãos ativos”, que eram os proprietários, e as mulheres só passaram a ter tal prerrogativa no início do século XX. O sufrágio universal é uma conquista da democracia, por meio da luta dos trabalhadores, desde o século XIX na Inglaterra, particularmente do “movimento cartista” que possuíam duas principais bandeiras de lutas: fixação legal da 56 jornada de trabalho e sufrágio universal. A primeira conseguida por volta de 1860 na Inglaterra e a segunda somente em 1918. Desse modo, os regimes liberais que surgiram para contrapor-se aos regimes absolutistas e aos impedimentos para a expansão do capital foram obrigados a encampar direitos democráticos ao longo de sua história, sobretudo após a criação dos sistemas socialistas, daí a denominação de regimes liberaisdemocráticos que temos hoje no mundo inteiro, como produto originário de lutas democráticas. Nas análises de Sader (2002), tivemos três modelos alternativos ao liberalismo, constituídos a partir da crise de 1929, que são: socialismo soviético, fascismo e keynesianismo e do fracasso desses três, surgiu o neoliberalismo. A grande questão então é como conciliar direitos de cidadania com a lógica e a ferocidade do mercado? Martins (1994) aborda dois modelos de democracia. O primeiro é aquele legimitado pelo voto em eleições livres, próprio dos Estados Unidos e outro da Inglaterra, a democracia participativa, dos anos sessenta, surgida nos movimentos sociais organizados e incorporados pela “New Left”, com a crise do socialismo real do Leste Europeu, que se fundamenta em princípios de participação direta nas bases e representativa noutros níveis. No Brasil, a exemplo do que aconteceu noutros países latino-americanos e na Europa, as esquerdas, os progressistas, assumiram a bandeira da democracia como valor universal, sem pensar na transformação social, por conta da derrocada do Leste Europeu e, mais particularmente, da longa ditadura vivida. Portanto, é a democracia liberal representativa é hoje hegemônica no mundo ocidental. A maior crítica que se faz a este modelo é a de que, na ordem capitalista, constitui e difunde a ideologia do Estado neutro, a serviço do bem comum, o que se constitui numa falácia. A democracia não deve ser vista apenas como um valor universal, em que bastam as eleições diretas livres, para que automaticamente, as relações se transformem. Para Coutinho (op. cit. p. 17) ... o que tem valor universal é esse processo de democratização que se expressa, essencialmente, numa crescente socialização da participação política. Os neoliberais acreditam que estamos vivendo um momento de ampliação da democracia, nestes tempos de globalização, porque as pessoas têm mais condições de buscarem desenvolver suas capacidades e conseguirem participar do mercado dada a ampliação dos meios e canais de comunicações. Os considerados mais de esquerda proclamam a necessidade de a democracia ser defendida como um valor universal para evitar recaídas autoritárias (SILVA, 2003). As experiências surgidas sobretudo nos países do Sul, como alternativas ao modelo de democracia liberal representativa, são o modelo de democracia participativa, popular, expressas nas propostas de alguns 57 governos progressistas do Brasil: que Santos (2002) diz ser um misto de democracia representativa e democracia participativa. Trazendo a questão para o Brasil, observou-se que todos os segmentos organizados que se contrapunham desejávam as eleições diretas, como se isso bastasse para se ter democracia, esta entendida como oposição à ditadura, hoje a situação é outra e precisamos efetivamente lutar por uma democracia qualificada, a qual já apresenta experiências que vêm sendo construídas por governos progressistas em Porto Alegre, Belém e Belo Horizonte, que apontam para a democracia participativa (SANTOS E AVRITZER, op. cit. p.65-68 ). Então, a democratização só se realiza plenamente na medida em que combina a socialização da participação política com a socialização do poder, o que significa que a plena realização da democracia implica a superação da ordem social capitalista, da apropriação privada não só dos meios de produção mas também do poder de Estado [...] (COUTINHO, op. cit. p. 17). Na democracia direta, a participação é compreendida como relação política, que implica em tensões, conflitos e contradições. É conquista, a partir de um aprendizado que pode começar na escola, daí a importância atribuída à abertura de espaços organizados de participação no seu interior, para que os sujeitos escolares possam interferir no processo de tomada de decisão. Tais experiências foram importantes porque possibilitaram exercitarem-se, ainda que precária e incipientemente, outras relações de poder, que não tiveram continuidade, devido a inúmeros fatores, como: i) a derrota dos governos mais progressistas nas últimas eleições; ii) os segmentos organizados da educação ainda não estão preparados e com força suficiente para garantir as políticas já implementadas e por último iii) o desmantelamento das equipes gestoras da construção do processo de democratização da gestão da educação. Na escola brasileira, construir a democracia participativa é uma árdua e complexa tarefa, haja vista toda sua estrutura, organização e funcionamento encontrarem-se assentados em bases autoritárias, centralizadoras, patrimonialistas e personalísticas, que criam barreiras quase intransponíveis para educandos e educadores dialogarem, interagirem e avançarem em direção ao novo. Tal perfil não é uma particularidade das instituições escolares, mas resultante de tradição com fortes raízes na sociedade política e nos interesses hegemônicos no país, embora possamos identificar alguns pequenos avanços com o advento das eleições diretas para gestores escolares, criação de colegiados representativos das categorias profissionais e da comunidade, construção de projetos político-pedagógicos pelas próprias unidades escolares. Moacir Gadotti (1992) afirma que a participação e a democratização são essenciais para construção da cidadania, que se dá no próprio processo de tomada de decisão, no exercício da participação: 58 ... A criação dos conselhos de escola representa uma parte desse processo. Mas eles fracassam quando instituídos como uma medida isolada e burocrática. Eles só são eficazes em um conjunto de medidas políticas, em um plano estratégico de participação que vise a democratização das decisões (p. 27). O que dizem os professores Nas pesquisas realizadas, quando perguntamos se os professores participavam da vida da escola, além das reuniões dos CEs suas falas são reveladoras de indícios de uma incipiente compreensão, por parte deles, sobre a necessidade da participação mais sistemática e organizada na vida escolar, porque continuam com a idéia formada de que a função de gestão pertence ao diretor e seus técnicos, embora alguns defendam tal participação. essas manifestações podem nos oferecer uma pequena demonstração das dificuldades da escola realizar momentos coletivos de discussão, por ser uma verdadeira odisséia conseguir reunir os professores e técnicos num mesmo horário, sobretudo porque cada docente possui seus interesses e necessidades profissionais e não dá para conciliar os horários. Não só isso, mas também porque pelas condições de trabalho e a existência de uma cultura instalada da não-participação no processo de tomada de decisão. Quanto aos professores não participantes dos colegiados, quando perguntados sobre a imagem que tinham do CE, a maioria mostrou-se pouco crente no papel exercido pelos Conselhos Escolares em suas unidades, porque afirmaram saber de que modo foram criados, nem sempre como necessidade das escolas, mas por imposição do Sistema de Ensino, obrigando-as portanto as escolas a se adequarem às normas, formando os colegiados, escolhendo pessoas até para fazer figuração, muitas vezes, como alguns depoimentos mais contundentes de professores revelaram. São muitas as causas determinantes da baixa participação dos sujeitos nas escolas que vão desde problemas materiais, institucionais, político-sociais e até econômicos. Do ponto de vista material e institucional pode-se dizer que as condições de funcionamento, de cerca de 80% de nossas unidades escolares, ainda não oferecem condições adequadas para um trabalho coletivo: a própria organização hierárquica, a estrutura curricular, as formas de gestão ainda centralizada, a precariedade das instalações físicas, a ausência de bibliotecas equipadas, os colegiados escolares ainda não estão atuando na direção de fórum de discussão, tomada de decisão coletiva e capacitação política permanente, ainda é um órgão burocrático que junta algumas pessoas, que até dão opiniões, mas não realizam um trabalho coletivo, produtivo e conseqüente no sentido de nortear as ações escolares, em direção ao crescimento coletivo. 59 Do ponto de vista político-social, destaca-se a disputa de poder de grupos da escola, nem sempre tão visíveis, mas que conseguimos observar na investigação. Há o grupo de aliados dos diretores e os adversários, estes estão sempre contra as decisões tomadas pela direção. No último processo eleitoral para escolha de diretor, realizado em 2003 em algumas escolas, assistimos fatos lamentáveis, com todo tipo de comportamentos até anti-sociais, já comuns nas disputas do executivo e legislativo brasileiros, que se reproduzem no espaço educacional. São atitudes de professores, diretores, técnicos e funcionários nem um pouco educativos para os alunos e demais atores escolares, na construção da democratização. As discussões descambam em geral para questões particulares dos candidatos e seus aliados, com retaliações de toda ordem, não havendo assim debates sobre projetos para as escolas, restringindo ao campo pessoal. Não ocorre o processo da humanização tão requerida em nossas relações sociais. Humanizar, no sentido preconizado por Paulo Freire (1992), de dar conteúdo crítico à relação, na construção de conhecimentos que permitam desencadear a mudança do educando e de seu entorno. Quanto aos condicionantes econômicos já nos reportamos acima, quando evidenciamos as vozes dos professores criticando os baixos rendimentos e a necessidade da busca de outras fontes de renda para conseguir uma vida melhor, pois a maioria atua em mais de duas escolas, percebendo-se uma visão negativa dos professores sobre as possibilidades de mudanças, a partir de suas participações mais qualificadas nas decisões escolares. É toda uma concepção de participação que perpassa tais discursos, entendida como colaboração, como contribuição na operacionalização das políticas, ou seja, não há distribuição de poder, mas uma participação apenas operacional, de tarefeiro, de parceiro-ocasional, porque talvez os professores já estejam descrentes, pela experiência de verificarem que os problemas da educação são renitentes e, pelo menos, do conhecimento público, há mais de trinta anos, com mudanças ínfimas e inexpressivas diante do quadro. A esse respeito, o que se observa é que o discurso da participação, quer entre políticos e administradores da cúpula do sistema de ensino, quer entre o pessoal escolar e a direção, está muito marcado por uma concepção de participação fortemente atrelada ao momento da execução (PARO, 1997, p. 50). Um dado recorrente nas falas de diretores, professores, técnicos e funcionários foi sobre a questão do papel dos representantes da comunidade nos Conselhos Escolares, alegando eles que tais atores não têm como ser cobrados pelas escolas sobre suas atividades nesses fóruns coletivos, exatamente por não terem vínculo formal com as escolas. Diziam eles: se nós que temos vínculo fica difícil, imaginem quem não o tem. 60 Os diretores, muitas vezes, ficam em situações difíceis e até constrangedoras, segundo eles, porque, embora os Conselhos Escolares sejam entidades jurídicas, quem responde por tudo que ocorre nas escolas são seus diretores. E isso sabemos ser uma realidade nas escolas públicas de Belém. Uma alternativa talvez fosse ter-se uma gestão colegiada, formada por três membros da própria escola para administrar seu dia-a-dia: um para o administrativo, um para o pedagógico e outro para o financeiro. O Conselho ficaria responsável pela definição das grandes linhas, da política da escola, de seu planejamento, enfim, das grandes decisões. Porque se forem jogar as atribuições, pela co-gestão escolar, para os Conselhos, o cotidiano escolar ficaria atropelado, pois são tantas atribuições diárias que precisam ser resolvidas com celeridade, que não daria tempo para reunir os conselheiros para decidir, inviabilizando a dinâmica interna. Pensar numa gestão colegiada, em que os conselheiros gerissem a escola, seria, no mínimo, uma utopia inatingível e, na prática, uma demagogia. Há necessidade de uma equipe mínima que fique na linha de frente, direcionando a Escola com a contribuição de todos os segmentos nela existentes. Sabe-se da importância da participação dos atores educacionais na escola, mas é um problema bastante complexo para qualquer pesquisador tentar examinar tal participação, porque esta é uma categoria polissêmica, já que diferentes podem ser seus significados. Além disso, é vista por muitos educadores e pelo próprio Estado como a grande redenção da escola pública. Aliás, isso é bem antigo, porque até na ditadura se falava em participação comunitária, entendida como consulta individual, o que não garante a participação. Pessoas presentes numa reunião não significa que poderão participar das decisões. Apesar dessas questões serem reais, pensamos não haver necessidade de medir o grau de participação, mas a qualidade dessa participação e foi isso que buscamos analisar nas falas dos diversos sujeitos-representantes, e, no caso específico dos alunos, abordaremos seguidamente. Participação dos alunos nos colegiados: vozes que silenciam Os depoimentos dos alunos são reveladores de que eles assumem e reproduzem posturas similares à dos diretores, como autoridades detentoras de poder, que fazem valer seus poderes, com severidade e autoritarismo. Sentem-se aliados dos demais membros do Conselho Escolar, voltando-se contra seus pares e silenciando suas vozes. Alunos, antes até combativos, questionadores, depois que ingressaram nos Colegiados escolares não mais lutam por seus direitos. Isto foi percebido um pouco nas falas desses sujeitos, nas observações diárias e nos depoimentos dos outros colegas por nós entrevistados, ao longo da pesquisa, que serviram para ratificar nossas suspeitas. Sabe-se que os Conselhos, dentre outras medidas democratizantes foram criados a partir da Constituição de 1988 e a Lei n. 9694/96 de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira foram. 61 Compreendemos os Conselhos Escolares como colegiados políticos de permanente aprendizado de democracia, instrumentos importantes de exercício e de formação para a emancipação, para a conquista de autonomia, sem a qual não se constrói a democracia participativa, plena. Além disso, os Conselhos podem funcionar como instrumento de gestão da escola. No Pará foram criados pela Lei Complementar 06/91 de 27.02.1991 com fins consultivos e deliberativos com o objetivo de aconselhar, controlar, fiscalizar e avaliar o sistema de ensino. Antes mesmo dessa regulamentação já existiam alguns Conselhos Escolares funcionando em Belém, desde 1988, mesmo sem a configuração atual. Um ponto a destacar é que na Constituição Estadual de 1989, tais colegiados são definidos como órgãos de aconselhamento, controle e fiscalização. Suas finalidades foram ampliadas, como conquista do movimento organizado dos trabalhadores da educação para a função de deliberativos, o que representou um avanço significativo... é o que melhor pode contribuir ativa e efetivamente para a democratização e autonomia da escola (ANTUNES, 2002, p. 24 ). A autonomia para construção do projeto pedagógico faz parte de um projeto maior de descentralização das ações do Estado. Os alunos, ao serem perguntados como ingressaram no CE, cerca de 80% deles revelaram ser apontados pela diretora, por algum professor e/ou técnicos e que a partir daí procederam à eleição, sem que eles soubessem exatamente o que significava a escolha e as funções que iriam exercer nos Conselhos. Mas, todos disseram que já participam de algum modo na sala de aula ou em outras atividades na escola. Os alunos-sujeitos da pesquisa se manifestaram de forma variada sobre a possibilidade de ter havido mudanças nas escolas a partir da criação dos CE, trazendo para si os avanços ocorridos, porque já informam mais seus colegas do que está acontecendo na escola, mas que esses não têm demonstrado interesse em participar nem tampouco nas questões tratadas, porque, segundo os entrevistados, “não terem consciência de seus papéis na escola...” Buscamos analisar a qualidade dessa participação e foi isso nas falas dos alunos-representantes, reveladoras de que eles assumem e reproduzem posturas similares a dos diretores como autoridades detentoras de poder, que fazem valer seus poderes, com severidade e autoritarismo. Sentem-se aliados dos demais membros do Conselho Escolar, voltando-se contra seus pares e silenciando suas vozes. Observe-se que existem experiências de escolas, com fortes indícios democráticas, encontradas em nossas pesquisas, porque nelas seus atores trabalham em cooperação, em função de um novo projeto de inclusão daqueles tradicionais excluídos dos benefícios do progresso e das políticas públicas, ainda que com conflitos, tensões e contradições e nelas também os alunos reproduzem posturas tradicionais, considerando-se como autoridades e que merecem respeito de seus colegas. Um depoimento de um aluno é significativo nesse 62 sentido: “Hoje já não posso mais fazer bagunça, preciso ser sério, pois não posso dar maus exemplos...” São discursos reveladores da percepção desses alunos sobre as relações de poder e processo pedagógico vividos. Um fato interessante a esse respeito é que alguns diretores entrevistados revelaram suas posições de que os alunos-representantes nos CE são mais ousados e até abusam, porque se consideram autoridades como os diretores: .. os alunos do Conselho Escolar se comportam como autoridades e abusam, vão entrando na nossa sala cheios de moral...(Depoimento de diretor). A descentralização passou a ser palavra de ordem na área política e administrativa, estimulando participação da sociedade civil na formulação e no controle das políticas públicas, em função da centralização do Estado, da crise econômica, dentre outros:O discurso pela descentralização está, portanto, intimamente ligado à reforma do Estado brasileiro (ABRANCHES, 2003, p.12). No caso particular deste trabalho, interessa-nos analisar a atuação dos Conselhos Escolares que, segundo a pesquisa realizada, ainda não estão atuando numa direção de mudança de relações de poder, de construção da democracia efetiva, participativa como princípio educativo, capaz de educar para emancipação. Desde sua constituição até as ações desenvolvidas nas escolas não sinalizam para o exercício democrático, como fóruns permanentes de capacitação política de seus representantes. Os discursos e a observação dos alunos representantes nos Conselhos Escolares das escolas investigadas, revelaram que, em 70% das unidades escolares, a escolha dos membros se deu por amizade, os que são mais presentes, os que gostam de falar, que participaram do processo eletivo e se transformaram em representantes de seus pares. Grande parte desses atores tem clareza sobre as carências e deficiências da escola, entretanto os problemas mais ressaltado por eles, foi: apatia dos colegas, deficiência da maior parte dos professores, falta de funcionário para cuidar da escola, ausência de recursos didáticos, métodos de ensino inadequados, sobretudo de Matemática, Física, Ciências e Geografia, faltas constantes dos professores, a violência dentro e fora da escola, muros que a cercam. Apesar das críticas que os alunos fazem sobre a escola, todos reconhecem as mudanças ocorridas a partir da constituição dos CE, mas cerca de 60% acham que as decisões decorrem das posições dos diretores e professores, conforme se ilustra com depoimento de uma representante da comunidade local: Muitas vezes eu não me sinto bem, porque eles preferem uma coisa e os alunos querem outra, eles não fazem o que os alunos querem, só a vontade deles vale. Quando indagamos sobre os principais problemas da escola: a maioria dos entrevistados disse que os colegas não os respeitam como deveriam porque são representantes no CE: 63 Os colegas não nos levam a sério, porque não têm consciência, não tiveram boa educação familiar, porque na escola só aprende a cultura letrada. Precisam respeitar os mais velhos e as autoridades. Não querem estudar. (Depoimento de aluno) Quanto à relação com diretores, técnicos e professores, os alunos revelaram ter melhorado, porque não gostavam da maioria deles, não eram ouvidos e agora estão bem próximos e podem conversar com todos de igual para igual e até mudaram de opinião sobre os diretores: .. nós temos uma proximidade com os professores e com a direção da escola. Somos mais conhecidos, quando precisamos vamos procurá-los e eles dizem, ah, tu és do Conselho, entra o que queres, fala. Falamos tudo, é como se fôssemos neutros,... normais ficaria mais difícil de sermos ouvidos, tal porque aí não tem, temos força, certa potência. Antes eu não gostava da diretora, achava ela autoritária, agora vejo que está certa, porque põe moral, disciplina ,para caramba. É justa, senão abusam. Enquanto eu era só aluno, não gostava da diretora... Meus colegas só querem bagunça e aí não respeitam a gente, porisso têm que ser áspero, botar moral. Afinal somos do Conselho Escolar. Verifica-se que os alunos assumem e reproduzem o discurso da autoridade e começam a não representar os interesses dos colegas. Calam-se diante dos problemas da escola, acatando as posições de seus superiores. Isto é compreensível, porque participar se aprende no exercício da participação e o que se aprende na sociedade não encaminha para a atuação crítica, construtiva e democrática. Perguntados sobre o que seus colegas acham de sua representação no CE, eles dizem que a maior parte não gosta, porque não os entendem, porque querem continuar do jeito que são, sem querer ter responsabilidade e valorizar a escola, conforme depoimentos abaixo: ... a maioria não quer nada, eles acham que tenho que comunicar tudo o que acontece nas reuniões do CE. Muitas coisas têm de ficar lá. Quanto indagados sobre sua atuação no CE e sobre as solicitações de seus colegas ao Conselho, os dados indicam que não há mudanças, porque não há indicativos de que encaminham posições tiradas nas salas de aula, já que afirmam não haver um bom canal de comunicaçã ... eu levo minha posição porque sou aluno e conheço problemas da escola e tenho encaminhado alguns... São poucos que se interessam pelas questões da escola, só querem pedir besteira... os A importância do CE, os alunos apresentam diversos motivos para justificar: Cerca de 80% disseram que a escola ficou mais democrática, mas que falta a maior participação dos alunos e dos professores. Eles fazem uma crítica muito grande aos docentes, sobretudo das disciplinas Matemática, Física e Ciências. 64 Um ponto a destacar é que a totalidade dos alunos investigados demonstrou preocupação com o bom funcionamento da escola, pois atentaram para questões como: a grande quantidade de faltas de alguns professores, as metodologias de ensino, as instalações, a violência, as grades e portões fechados permanentemente, a falta de obrigação das provas, parecendo que aguardam mudanças a partir de suas participações no CE, conforme depoimentos abaixo Apesar de a gente já ter conseguido algumas coisas, como quadra, bebedouro, a escola está cheia de problemas... mas o que me chateia é o portão fechado, que não adianta porque a violência dentro e fora da escola não diminuiu.. Os professores faltam muito, principalmente os melhores....A gente pouco estuda, sem as provas a situação só piorou. Eu preferia antes que a gente tinha de batalhar para tirar boas notas (Alunos). Alguns diretores entrevistados revelaram suas posições preconceituosas, evidenciando que os alunos-representantes nos Conselhos Escolares são mais ousados e até abusam, porque se consideram autoridades como eles, aliás, isto foi comum nas falas dos dirigentes de escolas estaduais, à época da pesquisa: ... os alunos do Conselho Escolar se comportam como autoridades e abusam, vão entrando na nossa sala cheios de moral...(Depoimento de diretor). O conceito de autoridade desses gestores tem a ver com uma concepção tradicional de relações de poder, daí a necessidade de revermos essa temática tão complexa, começando por delimitar-se a questão da autoridade. Em sentido amplo, entende-se como autoridade alguém que tem poder legítimo, instituído pelo credenciamento intelectual ou por delegação de poder concedido, portanto suas ordens e prescrições devem ser obedecidas por aqueles que estão sob seus domínios. Isto implica ainda em pontuar-se alguns campos. A obediência não se dá só quando a autoridade é considerada legítima, porque há obediência que decorre de correlação de forças, como no caso de regimes ditatoriais, em que há necessidade de se obedecer, porque não há outra opção, mas não respeitamos. Alguém que nos ameaça com armas, obedecemos-o e nem por isso considera-se como autoridade. São relações baseadas no exercício da força. No caso de um governo ditador: há hierarquia, certamente legitimada por parte de quem detém o poder, mas não legitimada por parte de quem é obrigado a obedecer: tais relações não são, portanto, relações de autoridade (cabe a palavra autoritarismo: uso abusivo do poder (TAILLE, 1999 p. 11) . 65 Há o caso contrário,: em que obedecemos sem que haja hierarquia ou necessidade dessa obediência, mas por uma admiração ou respeito diante de alguém em quem acreditamos e consideramos como autoridade legítima, ainda que não esteja investida legalmente desse poder. Pensa-se que, na democracia participativa, obedecemos porque escolhemos a autoridade, que é legítima e representativa e daí a respeitarmos. Como se pode observar, é uma discussão complexa, que exige um bom aprofundamento, mas como o espaço deste trabalho não permite tal incursão, vamos sintetizar em linhas gerais dizendo que: Obedecemos porque legitimamos o lugar de onde vêm as leis que nos obrigam. Todavia, com exceção da autoridade instituída democraticamente, a grande maioria das relações de autoridade provém da falta, real ou pressuposta, de autonomia por parte de quem a ela se submete (TAILLE, op. cit p. 13). Trazendo a questão para dentro da escola, sabe-se que é um espaço organizado de forma hierárquica, de relações assimétricas, em que os alunos ingressam na busca de formação, do acesso a conhecimentos que lhes propiciem a emancipação e autonomia, porque ela deve existir para tal conquista. Isto é outro campo não tão preciso, primeiro porque as crianças, ao ingressarem nessa instituição, ainda não têm poder de decisão para fazer as escolhas, mas vão para a escola por força de uma obrigação imposta pela sociedade aos pais. A escola como instituição tem papel importante na formação dessas crianças e seus atores exercem uma função educativa, desde os diretores, professores, técnicos até os porteiros e merendeiras. As relações que se estabelecem nas unidades escolares são, na maioria das vezes, pouco educativas, no sentido humanizador e cultural da palavra, como relação mais crítica. No caso específico dos dirigentes escolares, os resultados das pesquisas indicam que eles, em sua maioria, ainda se encontram presos a formas de administração mais tradicionais e burocráticas, com alguns invólucros democráticos, como se observará nas análises seguintes: Vozes dos gestores escolares O gestor escolar, em geral, tende a isolar-se, até mesmo pelo excesso de atribuições que lhes são conferidas pela rotina de seu trabalho. Ainda que se autoproclame democrata, pode estar professando uma prática autoritária. Nas entrevistas realizadas, um dado importante é que 100% dos respondentes se consideraram democratas. Ao serem indagados sobre o que determina o seu processo de tomada de decisão, eles responderam, de forma geral, que se guiam por suas vivências, sensibilidades, pelo senso de responsabilidade e criatividade, no que diz respeito aos problemas cotidianos da escola: Eu me sinto criativo e com responsabilidade, talvez pela minha experiência, organização e competência. Fui convidada para assumir a vice-direção do 66 Colégio e, em apenas 05 dias, através de Portaria, sem consulta prévia, passei a diretora.” Somos bastante criativas, porque só com essa qualidade podemos administrar, temos tentado estabelecer parâmetros democráticos de atuação para todos... (formas de participar iguais). Se eu não fosse criativo e democrata não ficaria um dia na escola. Sinto-me bastante criativo, por tudo que inovei na minha administração. Hoje já há um respeito no geral. Ninguém faz o que quer. Mas é preciso ter jogo de cintura para administrar Sou democrático, mas nem sempre nós podemos discutir as decisões. Nem tempo dispomos para isso. A gente procura ser o mas democrático possível, mas na hora de decidirmos nem sempre podemos contar com o corpo escolar. Os problemas essenciaisi, mais importantes para a unidade escolar, eles procuram atender com base nas deliberações emanadas pelas instâncias superiores, porque são obrigados pela força do cargo que exercem. Algumas vezes buscam os Conselhos Escolares para respaldar suas decisões. No geral, eles aparecem para a comunidade interna e externa como prepostos do Estado, do qual se reconhecem como legítimos representantes, como mediadores entre o Estado e a sociedade, mas não se sentem satisfeitos, nem realizados na função, de vez que, conforme afirmaram, o sistema não lhes dá condições para desenvolverem melhor seus trabalhos, conforme depoimentos abaixo: ... se eu não me envolver diretamente com tudo, a escola não funciona. Bom, se for esperar pela SEDUC, fico parada... ... como não temos metas estabelecidas, me envolvo com tudo para que a escola funcione... ... as atribuições são grandes, as decisões administrativas exigem muito de você, com seu pouco tempo, tem de decidir logo as coisas, não podendo esperar por discussões... Não se percebem, na análise dos discursos, claras intenções por parte dos diretores na consecução de determinado projeto educativo, ressaltando sempre os aspectos administrativos e burocráticos do cotidiano. Parece que as convicções pessoais cedem lugar a questões de cumprimento do dever. Quando tratam da parte pedagógica, referem-se, em geral, ao controle da força de trabalho, do calendário de provas, do ingresso dos alunos na escola, dos problemas disciplinares, dentre outros: ... faço reuniões com todos, faço cobranças com as faltas... organizo o ponto, todos os documentos que entram e saem da escola. Faço todos os ofícios possíveis, para buscar tudo para dentro da escola: reformas, ampliação, armários, arquivos, estantes, máquinas. Organizo escala para todos os serviços, quadro de avisos, mensagens... Tudo isso tem a ver com a parte pedagógica... 67 Sempre tento organizar a vida da escola da melhor forma, faço o possível para que todos possam trabalhar com harmonia e cumpram suas obrigações... Os depoimentos de cerca de 75% dos atores investigados indicam que há problema de representatividade dos membros dos Conselhos Escolares, pois alegaram dificuldades para conseguir compor os colegiados, segundo eles, porque há um forte desinteresse da comunidade, especialmente da externa, pela vida da escola. No decorrer deste trabalho procuramos demonstrar um pouco da compreensão dos alunos sobre os Conselhos Escolares e das relações de poder no cotidiano escolar. Observou-se que, apesar desses sujeitos reconhecerem a importância do Colegiado para a democracia e para a melhoria das condições escolares, eles se contradizem nas falas, com atitudes autoritárias assumidas e consideradas como necessárias para o bom andamento da escola. Sintetizam-se a seguir, os principais problemas revelados nas falas: a) a questão da representatividade dos alunos, dado o processo de escolha verificado nas escolas; b) o reconhecimento do grande número de faltas dos professores às aulas, como um entrave a melhor aprendizagem; c) o discurso dos alunos é similar ao dos diretores escolares em relação à questão da autoridade. O autoritarismo substitui a força participativa dos alunos; d) o silêncio das vozes desses representantes, que mudaram a partir da função ocupada, não na direção da maior combatitividade e apresentação de reivindicações, por meio de propostas da categoria, mas da manutenção do que as autoridades decidem, reproduzindo a democracia representativa, em que se elegem nossos representantes, que na maioria das vezes, nem nos representam; e) crítica à não-realização da avaliação tradicional, representada pelas provas com data e matéria marcadas, o que combina com o discurso dos pais e de muitos professores já investigados. Acredita-se, entretanto, que o fato de a participação dos alunos ainda não ser consciente e não estar servindo aos interesses da categoria, não pode ser visto como obstáculo intransponível, mas como um desafio à nossa capacidade, seja como professor, técnico ou gestor de ajudar na formação desses sujeitos, discutindo temas que ampliem a compreensão deles sobre as causas que interferem na construção de uma escola pública democrática de qualidade. 68 Ainda que os Conselhos Escolares não estejam servindo de fórum permanente de educação política, onde se formulam as políticas escolares e se acompanham as ações das unidades, eles podem ser reconfigurados numa outra direção, em que se caracterize: como um órgão coletivo de decisões, capaz de superar a prática do individualismo e do grupismo, instalando-se como uma instituição eminentemente política, na medida em que agrega de cada um dos setores (escola e comunidade) os seus interesses específicos, que devem ser unificados em prol do projeto da escola (ABRANCHES, op. cit. p. 56). É um exercício de e para a cidadania, que vai propiciar aos sujeitos envolvidos um aprendizado que, progressivamente, vai capacitando para novas formas de participação mais qualitativa e estimulando para inserção em outras instâncias da sociedade. Até hoje, ano de 2004, ainda estamos vivendo uma realidade similar sobre a representatividade, pois encontramos escolas onde os CEs efetivamente são meras formalidades burocráticas, que estão mais no papel, com personalidade jurídica, sem efetivamente funcionar. Não há reuniões periódicas, os componentes muitas vezes nem se conhecem, existindo um membro que assume as prestações de contas junto com o diretor; não há regularidade de reuniões, nem atas existem nas poucas realizadas, em cerca de 70% das escolas. Em nossas observações, que atualmente estamos aprofundando em novo projeto denominado “Observatório de gestão escolar democrática – Observe”, suspeitamos que os Conselhos Escolares que melhor funcionam resultam de atuação de algum professor mais disponível, mais interessado, comprometido, com boa relação com a direção, que vive a escola e a apóia e se responsabiliza pelo andamento do Conselho, sobretudo no tocante aos recursos que vêm para a escola. Isto vem reforçar o que afirmamos sobre o modelo de gestão personalística, centrada numa figura, o que é comum ainda no Brasil, nas instituições públicas. De toda a amostra, apenas três escolas têm representações de funcionários atuantes nos Conselhos Escolares, ainda que não seja a participação desejada. A presença da comunidade externa à escola é incipiente, e as poucas vezes que comparece às reuniões não tem uma boa participação, apresentando propostas por exemplo, mas apenas legitimando o que os diretores e professores decidem. Ainda com todas as dificuldades relatadas para efetivação dos colegiados escolares, enfatizamos sua necessidade e importância para a democratização. As transformações não acontecem do dia para noite, como num passo de mágica. Elas fermentam por muito tempo, sobretudo na área educacional. Concretamente, precisamos buscar com radicalidade a compreensão de como são formuladas as políticas educacionais no Brasil, que critérios são utilizados em tal formulação, qual a relação dessas políticas com as exigências do mundo e do mercado e em que 69 medidas estão acontecendo mudanças nas relações de poder nas escolas, a partir da criação dos Conselhos Escolares. É inquestionável que vivemos num mundo diferente, o que não quer dizer melhor ou pior. As inovações científico-tecnológicas e a expectativa ou promessa de uma sociedade mais democrática, mais justa, e ao mesmo tempo mais consumista, mais seletiva causou mudanças profundas nas práticas culturais e na disseminação de novas contradições, entre o capital e o trabalho e nas relações sociais, em sentido mais amplo Parece-nos que o estágio atual do capitalismo está derrubando a esperança de equidade, de justiça social, além do parece que os intelectuais de esquerda, a classe política mais progressista não estão mais na luta pela busca de uma outra opção de sociedade, mas sobretudo, lutando para a domesticação do regime capitalista, como única possibilidade civilizatória. Considere-se ainda, que não basta apenas abstratamente ter liberdade e direito de escolha, sem acesso a outros valores fundamentais que precisam ser discutidos, sobretudo entendendo-se o tipo de sociedade em que vivemos, de profundas desigualdades e injustiças de toda ordem, onde nem todos podem fazer escolhas, por não terem alternativas, de vez que ainda nem foram incluídos numa perspectiva de vida plena. O Estado brasileiro historicamente tem sido competente em reconfigurar as propostas mais progressistas advindas dos movimentos sociais, para a educação, de modo a incorporálas as suas políticas públicas, em nome do benefício da população, esvaziando-as no que tem de maior avanço para as populações menos favorecidas. Tomem-se como exemplos significativos: a incorporação da gestão democrática, com concretude, a partir dos fóruns coletivos de decisão, autonomia e avaliação, projeto político-pedagógico, na LDBN, objetivando a melhoria da qualidade da educação. No tocante à autonomia da escola, especificamente, circunscreve-se mais ao uso dos recursos que no estabelecimento de necessidades, bem como para assumir a responsabilidade pelas deficiências históricas, não garantidas pelo Estado que acabam sendo transferidas para a comunidade escolar, com o que discordamos frontalmente, embora reconhecendo que a participação dos atores educacionais é indispensável mas desigual: os professores pouco participam da vida escolar e os pais, em geral, só vêm à escola, quando há um problema com seu filho. 70 No âmbito desse contexto, é que foram criados os Conselhos Escolares na rede pública de Belém, porque a Constituição Federal de 1988 limitou a democratização às unidades escolares públicas. Compreendemos os Conselhos Escolares como colegiados políticos de permanente aprendizado de democracia, instrumentos importantes de exercício e de formação para a emancipação, para a conquista de autonomia, sem a qual não se constrói a democracia participativa, plena. Além disso, os Conselhos podem funcionar como instrumento de gestão da escola, como canal importante de articulação da escola com a comunidade, servindo para a explicitação de alguns conflitos, na sua superação e no encaminhamento de medidas negociadas que atendam ao coletivo, considerando o papel da escola como agência prestadora de serviços que precisa levar em conta os interesses dos usuários, a quem ela deve servir e para os quais foi criada (PARO, 2001, p. 81). No Pará foram criados pela Lei Complementar 06/91 de 27.02.1991 com fins consultivos e deliberativos com o objetivo de aconselhar, controlar, fiscalizar e avaliar o sistema de ensino. Antes mesmo dessa regulamentação já existiam alguns Conselhos Escolares funcionando em Belém, desde 1988, mesmo sem a configuração atual. Um ponto a destacar é que na Constituição Estadual de 1989, tais colegiados são definidos como órgãos de aconselhamento, controle e fiscalização. Suas finalidades foram ampliadas, como conquista do movimento organizado dos trabalhadores da educação para a função de deliberativos, o que representou um avanço significativo, aliás os avanços democráticos incorporados às sociedades têm sido resultantes de lutas de trabalhadores.... é o que melhor pode contribuir ativa e efetivamente para a democratização e autonomia da escola (ANTUNES, 2002, p. 24 ). Para que a gestão colegiada democrática se concretize, há necessidade de que os espaços escolares gozem de autonomia; da criação de órgãos colegiados (como instrumento permanente de educação política); de que os processos de provimento dos cargos de dirigentes seja o mais democrático; que a descentralização aconteça realmente (como redistribuição de poder) e, sobretudo, que o corpo escolar construa coletivamente seu projeto 71 político-pedagógico e dele faça brotar novos projetos setoriais, capazes de dar vida ao que foi lá proposto, sintonizados com as necessidades de mudança. ANOTAÇÕES À GUISA DE CONCLUSÃO Todas essas medidas implementadas nas unidades escolares não significam que esteja assegurada a democracia, embora favoreçam consideravelmente relações mais humanas e solidárias, que podem contribuir para o aperfeiçoamento do homem, no sentido de sua formação e elevação. Tem-se a compreensão de que esses instrumentos de democracia não vão evitar que apareçam os conflitos, as tensões, as ameaças, as contradições. Muito pelo contrário, eles até propiciam que aflorem com maior visibilidade, pois esses são próprios da vivência democrática. Nesse contexto, estabelece-se uma contradição do projeto reformista, porque preconiza a indispensabilidade da participação e do trabalho coletivo e no ideário neoliberal dos apologistas da supremacia do mercado, o individualismo e a competição aparecem como qualidades indispensáveis à consecução do sucesso pessoal do cidadão-cliente, que necessita se apropriar de um bom estoque de habilidades e competências para se inserir em tal mercado. É necessário pensar-se em reverter o quadro acima, ressignificando muitas das políticas já implementadas na escola pública, dando-lhe uma nova direção, ou mesmo, utilizando-se referenciais de modernização hoje bastante difundidos no mundo, baseados nos avanços científico-tecnológicos, na busca da qualidade social sempre negada aos históricos usuários da escola pública, sem contudo cair na armadilha de adesão às formas de gerência da qualidade total. Isso exige sobretudo disponibilidade e receptividade à mudança, para que se criem condições de ações de intervenção competentes para mitigação das desigualdades. A escola exerce um papel importante na formação para a cidadania, para participação, mas ela não é a única nem a principal. Existem outros espaços políticos tão importantes quanto a escola, como os movimentos organizados, os partidos políticos, etc. 72 Ao lado disso, continuar-se-á na luta, pressionando o Estado para o estabelecimento de políticas capazes de assegurar a efetiva qualidade da educação, valorizando verdadeiramente o profissional da educação, com salários dignos e justos, condições adequadas de trabalho, políticas de educação continuada permanente, criação de bibliotecas, apoio aos alunos, dentre outros, numa perspectiva democrática, em que as decisões sejam discutidas com os atores que irão ser afetados direta e indiretamente por elas. Nessa direção, pode-se aproveitar as medidas adotadas em prol da democracia na escola, até outras advindas das reformas, como os novos parâmetros curriculares, o sistema de avaliação, a informatização, o controle do livro didático, para dar um novo significado em prol de nossos interesses de requalificar a escola, no sentido de poder formar cidadãos técnico, politico e socialmente competentes. Porque, embora discordemos da concepção e da forma como foram, implementadas, aquelas políticas já fazem parte do cotidiano da escola, impostas que foram de cima para baixo e cabe-nos, portanto, ser inteligentes para neutralizálas e (re) construí-las noutra perspectiva, segundo nossos referenciais de mudança. Não dá para ficar extinguindo as coisas já iniciadas e criando outras, porque em educação precisa-se de continuidade. Deste modo queremos reafirmar a importância dos Colegiados Escolares no processo de democratização de nossas relações, o que exige, dentro de outras coisas, uma gestão democrática, que se dirija à promoção humana, à formação da cidadania efetiva. REFERÊNCIAS ABRANCHES, Mônica. Colegiado Escolar: espaço de participação da comunidade. São Paulo: Cortez Editora, 2003. ANTUNES, Ângela. Aceita um Conselho: como organizar o Colegiado Escolar. São Paulo: Cortez; Instituto Paulo Freire, 2002. BRASIL, Lei 9.324 de 20.12.1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional In Diário Oficial da União, Ano CXXXXXIV, n.248, 23.12.1996. ___________. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: DF: Horizonte Editora Ltda, 1988. 73 COUTINHO, Carlos Nelson. A democracia na batalha das idéias e nas lutas políticas do Brasil de hoje. FÁVERO, Osmar, SEMERARO, Giovanni. (orgs.) Democracia e construção do público no pensamento educacional brasileiro. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002, p. 11-39. FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra Editora, 1992. MARTINS, Carlos Estevam. O circuito do poder.São Paulo: Entrelinhas, 1994. PARO, Vitor. O Conselho de Escola na democratização da gestão escolar. Escritos sobre educação. São Paulo: Xamã, 2001. ___________. Gestão democrática da escola pública. SP: Editora Ática, 1997. SADER, Emir. Democracia liberal: triunfo e crise. In SANTOS, Boaventura de Sousa. Democratizando a democracia: os caminhos de democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 651-678. SANTOS, Terezinha F.Monteiro dos. Conselhos Escolares: um breve olhar dos diretores das escolas médias públicas de Belém-PA. Revista Ver a Educação, Belém: Centro de Educação/UFPA, v. 6 no. 2 julho/dez 2000. SILVA, Ilse Gomes da. Democracia e participação na “reforma” do Estado. São Paulo: Cortez Editora, 2003. TAILLE, Yves de La. Autoridade na escola. AQUINO, Julio Groppa (org.) Autoridade e Autonomia na escola: Alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1999. O PLANEJAMENTO ESCOLAR DEMOCRÁTICO Este trabalho é fruto de estudos e de pesquisas por mim realizadas de acúmulos teóricos na área de gestão escolar seu objetivo é demonstrar que o planejamento escolar pode se transformar em importante ferramenta no processo de construção de novas relações de poder, aqui entendido como algo que emerge entre sujeitos em relação, a serviço de seus interesses e necessidades, para um ensino-aprendizagem efetivo e de qualidade, para o desenvolvimento de todos, tendo como parâmetro a emancipação e liberdade humana. A concepção hegemônica de planejamento no Brasil, utilizada pelo Governo à época do sucesso desse como uma técnica ou instrumento neutro de ajuda no processo de tomada de decisões, ainda hoje é seguida. A conceituação que se contrapõe àquela compreende o Planejamento como um processo político contínuo de mobilização, articulação, negociação, para 74 intervenção na realidade a fim de mudá-la ou mantê-la, o que permite estabelecer objetivos e meios para alcançá-los em determinado espaço de tempo. O processo de planejar no sentido de organizar-se a ação, indica uma mudança de modo de pensar, e uma salutar forma de pensar envolve indagações, questionamentos sobre o que fazer, por que, como, por quem e onde fazer. Manifesta as implicações futuras de decisões presentes. O planejamento é um verdadeiro cálculo que precede a ação e uma sociedade como a atual, em que as mudanças ocorrem de modo veloz, precisa estar em consonância com tais mudanças. Ainda que o planejamento tenha origem na teoria funcionalista como base de sustentação teórica, se entendido como instrumento de ampliação e manutenção da realidade, como poderá servir para transformar?, alguns indagam. Pode-se afirmar que é caminho de mão dupla, pois tanto serve para aprisionar como para libertar, dependendo da concepção, metodologia e direção política de sua gestão. O planejamento sempre orientou as ações do homem, mas no seu sentido científico pode transformar-se em processo construtor de democracia, de humanização do homem, por meio de uma prática organizada, coletiva, participativa e reflexiva, propiciando condições de ajudar na construção de uma outra escola. Na primeira pesquisa de campo, trabalhamos apenas com 25 diretores escolares do ensino médio estadual de Belém, e na segunda, com diretores, professores, técnicos, pessoal de apoio, pais e alunos, que representam sessenta sujeitos membros dos Conselhos Escolares de 10 escolas públicas do ensino fundamental de Belém, sendo cinco estaduais e cinco municipais, perfazendo um total de oitenta pessoas, por meio de uma metodologia qualitativa, na qual utilizamos entrevistas semi-estruturadas, questionários e observação não participante, além das fichas de registro dos equipamentos e instalações escolares. Tais pesquisas não se limitaram a analisar o processo de planejamento, mas a gestão escolar, num primeiro momento vista pela percepção do diretor escolar e na ampliação pela comunidade escolar representante das categorias nos Conselhos Escolares sobre o impacto das medidas democráticas adotadas em tais unidades. O planejamento é um indicador importante na avaliação das políticas educacionais implementadas. A utilização de alguns resultados das investigações aqui registrados, serve apenas de mote para a defesa da necessidade do planejamento na escola. Quando entrevistamos os diretores escolares, procuramos identificar a concepção de planejamento que eles possuíam, que era de momento de definição das atividades a serem executadas para atender a uma exigência legal. Percebe-se com insistência nos discursos desses 75 sujeitos um quase total descrédito com o processo de planejamento escolar, por compreendê-lo como uma obrigação formal, burocrática que só serve para cumprir determinações e engavetar, porque, na prática, eles não o seguem, nem há como fazê-lo. Um dado a ressaltar é que tal situação não é uma particularidade das escolas paraenses, a considerar as análises com os resultados de diversas pesquisas de Paro (1997) em que afirma que as escolas não possuem um acompanhamento, uma avaliação organizada sobre suas atividades, agem para cumprir determinações. Sem diálogo não se constrói democracia. A autonomia é um princípio e condição essencial para que isso se concretize. Na escola brasileira, construir a democracia participativa é uma tarefa muito complexa, haja vista toda sua estrutura, organização e funcionamento assentados em bases autoritárias, centralizadoras e personalísticas, que criam barreiras quase intransponíveis para educandos e educadores dialogarem, interagirem e avançarem em direção do novo. Segundo Gadotti (1994, p. 27), A participação e a democratização num sistema público de ensino são um meio prático de formação para a cidadania. Essa formação se adquire na participação do processo de tomada de decisões. A criação dos conselhos de escola representa uma parte desse processo. Mas eles fracassam quando instituídos como uma medida isolada e burocrática. Eles só são eficazes em um conjunto de medidas políticas, em um plano estratégico de participação que vise a democratização das decisões. Freire (1967) já analisava com competência crítica tal situação, quando afirmava que a escola autoritária impunha regras, conhecimentos, normas sem diálogo, sem espaço para reflexão crítica, para a dúvida, para o questionamento consequente e dinamizador de potencialidades individuais e coletivas. Ainda é este o retrato de muitas de nossas escolas, que não educam para a autonomia, nem sabem aproveitar seus espaços para seu exercício, a partir do projeto políticopedagógico democrático. Por outro lado, faz-se importante enfatizar que a autonomia aqui é compreendida como princípio balizador das práticas escolares, numa dimensão mais ampla, na qual se faça uma educação para autonomia, para que os alunos se eduquem para questionar, para emancipar-se, em que se valorize e estimule a cultura indagativa, curiosa do o quê, por quê, como e para quê? (FREIRE, 2001). Um ensino de qualidade só poderá ser possível com organização, com metas definidas, com objetivos determinados sobre o homem que se quer formar e para que tipo de sociedade. Isso exige muito trabalho, estudo, vontade política, paciência e capacidade de articular as diferentes instâncias 76 escolares, a partir de objetivos comuns, o que não significa harmonia entre eles, algo inteiramente impossível num espaço plural. Neste sentido, o projeto político-pedagógico é um fundamental instrumento para direcionar a vida da escola, embora sua elaboração pura e simplesmente não garanta mudanças significativas de comportamentos e práticas, com vistas à melhoria da qualidade do processo educativo escolar, uma vez que o resultado mais importante de seu advento é a transformação das pessoas e das instituições, justamente se realizado coletivamente. Por outro lado, é importante evidenciar que já existem reflexões sobre as consequências práticas do projeto político-pedagógico no cotidiano das unidades escolares, caracterizando-se até como uma “armadilha” para os sujeitos escolares, notadamente se considerar-se a forma como vem sendo elaborado nas escolas de Belém, com pouca ou nenhuma participação coletiva, sem comprometimento efetivo dos sujeitos escolares com as mudanças geradas pelas propostas formuladas, o que exige “transformação individual e coletiva” para a melhoria da qualidade pedagógica (ROSSA, 2000, p. 80-83). Nas pesquisas realizadas, quando indagávamos como se deu a construção do projeto político-pedagógico da escola, os respondentes afirmavam em sua maioria, cerca de 90%, que ocorreu por iniciativa da direção da escola e que ainda não estava sendo seguido. Considerando a importância do Projeto pedagógico para definir os destinos das escolas, tal fato é um fator agravante no processo de planejamento escolar. É preciso que o planejamento escolar seja entendido como uma ferramenta permanente de organização do trabalho da escola. É importante abolir, superar a prática costumeira tradicional na escola de fazer-se planejamento anual ou mesmo só num determinado período, ou ainda, quando há necessidade de resolver-se uma crise, que se esgota na elaboração de um plano ou projeto que se esterilizam nos arquivos ou nas cabeças iluminadas dos gestores. O descrédito a que nos reportamos no início do texto talvez aconteça por razões historicamente determinadas, em que o planejamento no Brasil em geral se dicotomizou na retórica oficial e na vida concreta. Na primeira, aparece muitas vezes bem estruturado, bem organizado, com bons Planos, do ponto de vista técnico-científico e até político, mas que não se materializam na prática cotidiana. Ainda quando se implantam algumas propostas, não têm continuidade, em conseqüência, dentre outros fatores, da falta de organicidade, dos Planos de um modo geral serem formulados para dar uma satisfação à sociedade, por um determinado governo, seja em qualquer nível, sem um diálogo com os interessados em suas ações. 77 O planejamento é processo dinâmico, é projeção, cálculo, um acompanhamento de todas as atividades da unidade, a partir de uma direção determinada, o que não exclui a possibilidade de mudança de algumas decisões já tomadas, porque não pode transformar-se numa “camisa de força”. O monitoramento das ações de implementação dos Planos, Programas ou Projetos é imprescindível para a consecução dos objetivos determinados, de forma intencional. Tais objetivos são percebidos, valorizados e analisados de forma diversa pelos diferentes atores que convivem no mesmo espaço. Segundo Falkembach (1995, p. 132), o planejamento participativo na escola é um “instrumento teórico-prático capaz de facilitar a convergência entre o refletir e o agir, no espaço escolar... capaz de respaldar a construção, com democracia do projeto político-pedagógico da escola.” Como se pode observar, defendemos a necessidade do planejamento escolar, a partir de sua gestão democrática, sem o apego exacerbado à racionalidade científica, legal, legítima, implícita naquele processo, exatamente em função de que, mesmo o planejamento possuindo tal base de sustentação teórica, pode ser trabalhado no espaço escolar considerando-se outras racionalidades não visíveis, porque na escola fluem relações, inovações que transcendem à organização institucional. Há um espaço de autonomia que precisa ser considerado, não apenas como mais uma reivindicação profissional para melhorar o processo de tomada de decisão, como comumente vem acontecendo. Ainda que não seja a autonomia desejada, como condição primordial para permitir a elaboração de critérios próprios de ação, porque existem outras coisas além do aprisionamento burocrático. Com isso não se pretende negar a rigidez da estrutura do poder real, que é muito forte e os espaços internos de governabilidade das instituições educacionais são restritos, em função da forma como vem se dando o processo de descentralização das responsabilidades no ambiente escolar. Não apenas, nem principalmente em sua gestão, mas devido à concepção de autonomia que perpassa a política educacional das reformas educacionais brasileiras: uma desresponsabilização do Estado para com a educação. Ratificamos a importância do princípio e método democrático que é a participação da comunidade interna e externa na escola, como integrantes do processo educativo (redes de suporte mútuo, intercâmbio de experiências, aproveitamento de recursos de toda natureza); uma atuação na perspectiva de formação para humanização, para elevação da auto-estima dos alunos e do corpo 78 escolar como um todo, como educadores e cidadãos, comprometendo-nos efetivamente com todo o processo educativo, na construção efetiva de uma democracia participativa. Segundo Lima (2001), o controle burocrático não castra totalmente a organização escolar, pois há regras circunstanciais, em função dos sujeitos, como atores sociais: São regras atribuidoras de significados sociais e simbólicos, emergentes das interações dos indivíduos, grupos e subgrupos. (p.53-54)... porque as regras formais não conseguem contemplar tudo nem tudo prever, e porque, provavelmente, nenhuma organização opera exclusivamente com base nelas. É necessário considerar que os sujeitos escolares são fruto de suas trajetórias de vida, com visão de mundo e valores diferenciados, aí incluindo o cotidiano vivido naquela determinado tempo e espaço e condições de trabalho específicas que na relação produzem efeitos que, mesmo sob determinações superiores, geram comportamentos não estabelecidos pela via administrativa, legal, formal. Tais sujeitos se organizam em grupos informais, os quais mantêm relações espontâneas e obrigatórias que exercem influência significativa no funcionamento da organização escolar. Senão como explicar por que escolas públicas sob as mesmas determinações produzem resultados tão diferentes, conforme pesquisas realizadas, em que identificamos alguns exemplos de escolas até num mesmo bairro com desempenhos antagônicos. Isto vem reforçar a necessidade do planejamento escolar, desde que seja produto do diálogo com os sujeitos escolares, da satisfação das necessidades, dos interesses comuns do grupo e que se considerem outras racionalidades. O registro disso deve ser expresso num Plano, porém este não pode ser uma relação de objetivos, metas e estratégias, sem que se pense nos meios para sua concretização. As ações executadas na escola têm uma finalidade determinada, o que a difere de outros espaços. Até as rotinas se realizam com intencionalidade de construir dada idéia, ainda que alguns sujeitos não tenham a consciência disso. Tome-se como exemplos a hora da chamada dos alunos, a duração das aulas, a distribuição da merenda, que são todos atos pedagógicos. Na indústria, as rotinas se esgotam nelas mesmas. Na escola, há necessidade de organizar-se tais atos, para ajudarem a construir consequências imateriais: valores, comportamentos, atitudes, idéias. Para Gandin (1991, p. 52), São as políticas e as estratégias fixadas na programação, que mais esclarecem diretamente as rotinas... Tais políticas devem surgir, o que é salutar e democrático, a partir de um planejamento como processo coletivo, organizado, de intervenção para o alcance dos objetivos perseguidos pelo conjunto dos sujeitos escolares. E isso na escola se traduz na elaboração do projeto político- 79 pedagógico, que se constitui num direcionamento que se prolonga continuamente, com capacidade de provocar e desencadear outras ações. Por outro lado, é importante ressaltar que planejar coletivamente dentro das perspectivas assumidas neste trabalho é uma tarefa complexa, haja vista a pluralidade de fatores que interferem, sobretudo porque envolve mudanças. Partir para o novo, desconhecido, sempre será um desafio que gera inseguranças e a escola é, na essência, uma instituição conservadora. Por isso, falar da importância do planejamento participativo democrático pode levar a pensar-se que professamos uma abstração, uma teorização, um discurso vazio. Não se pode negar que partimos de uma utopia mobilizadora, mas a empiria faz parte de nosso referencial, pois, além de participarmos de um processo de construção do planejamento participativo na universidade, nós o observamos de perto também nas pesquisas que realizamos nas escolas públicas de Belém, nas observações de seus cotidianos. Portanto, conhecemos um pouco do prazer e das dificuldades enfrentadas na trajetória do planejamento democrático. Nas escolas da rede municipal de Belém, temos observado como está sendo deslanchado o planejamento participativo, a partir da orientação dada pela Secretaria Municipal de Educação, que tem uma referência de projeto político-pedagógico para suas escolas, que o estão gradativamente incorporando. O processo é lento e difícil e envolve muitos problemas, que vão desde relações interpessoais, indisciplina, má vontade, contestação até os de ordem estrutural, em que os avanços são tímidos. Já participamos de uma experiência, na qual as decisões eram colegiadas e sabemos o quanto são demoradas, conflituosas, desgastantes e sofridas e, ao mesmo tempo, produtivas e consequentes e algumas vezes mal-sucedidas. Fazia-se o planejamento anual com base no Plano de Governo da direção eleita e em consonância com o Projeto Político-Pedagógico do setor, vai-se desdobrando em projetos e ações práticas previstas no Plano de Ação Anual. Não há uma participação massiva de seus atores em todos os momentos, mas já há uma prática do diálogo, por meio de seus Conselhos, ainda a partir dos representantes das diversas categorias que compõem o Centro e, mais amplamente nos seus encontros interdepartamentais. REFERÊNCIAS FALKEMBACH, Elza Maria Fonseca. Planejamento participativo: uma maneira de pensá-lo e encaminhá-lo com base na escola. In VEIGA, Ilma Passos (org.) Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível. São Paulo: Papirus, 1995, p. 131-142. 80 FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1967. ____________. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2001. GADOTTI, Moacir. Escola Cidadã, São Paulo: Cortez, 1994. GANDIN, Danilo. Planejamento como prática educativa. São Paulo: Edições Loyola, 1991. LIMA, Licínio C. A escola como organização educativa: uma abordagem sociológica. São Paulo: Cortez editora, 2001. ____________. Organização escolar e democracia radical: Paulo Freire e a governação democrática da escola pública. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2000. LUCKESI, Cipriano C. Avaliação da aprendizagem escolar. São Paulo: Cortez, 1996. PARO, Vitor. Gestão democrática da escola pública. 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Em geral, as políticas públicas se referem às formuladas pelo Estado e as consideradas privadas, advindas da sociedade civil, o que é uma forma reducionista de ver a questão, porque podem existir políticas públicas originadas da sociedade civil. O objeto desta reflexão, entretanto, são as políticas públicas desenvolvidas pelo Estado, sobretudo porque segundo o Art. 3 81 3º da Constituição Federal de 1988 é dever deste o estabelecê-las. As políticas públicas tendem a expressar a capacidade administrativa e gerencial do governo para implementar decisões. O Estado, apesar de não se constituir no único provedor e/ou indutor de políticas públicas, a meu ver, deve ser o garantidor delas, como direitos sociais básicos de todos seus cidadãos Para analisarmos a questão das políticas públicas sociais é necessário compreender como surgiram, o que se inscreve na totalidade contraditória das relações capitalistas de produção. Como o espaço deste trabalho não permite uma incursão maior, recortaremos o movimento conhecido como Fordismo (1945/73) para situar a gênese da regulação organizada do Estado e que tem como base de sustentação teórica as idéias de John Maynard Keynes (1883-1946), a partir do estudo “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro”, em que defendia a intervenção do Estado para harmonizar e apoiar o sistema econômico, a partir da formulação e desenvolvimento de políticas públicas. O Fordismo-Keynesiano propiciou um avanço inigualável de crescimento do capitalismo, com a expansão acelerada e ascendente de mercados de massa global, de abertura internacional, na globalização produtiva, com o apoio do Estado para tal expansão, em seu processo de regulação capitalista (HARVEY, 1989). Procuraremos chegar, nesta análise, até o processo de desregulamentação da economia, em tempos de contemporâneos de globalização, da crise do capital e do Estado, em sua forma atual – o Neoliberalismo. Como uma característica intrínseca desse modelo de desenvolvimento capitalista, o processo de expansão foi desigual nos diversos países, em função da correlação de forças políticas, econômicas e sociais internas e externas. Os mais fortes sempre ficam em melhores condições e as desigualdades se elevam nos países periféricos do sistema, como o Brasil, onde os descontentamentos das classes menos favorecidas aumentaram, sobretudo porque o progresso, por meio da modernização, se incorpora a nossa realidade acobertado por um manto de promessas de desenvolvimento, associado à melhoria das condições de vida, irrealizáveis, ainda que se tenha implementado políticas públicas (SANTOS, 1998). Instalou-se, em nível mundial, o Estado do Bem-estar Social ou Welfare State ou ainda Estado Providência, sem o que, provavelmente, o capitalismo não teria se expandido tanto, porque, a partir da intervenção, o Estado passou a financiar a acumulação de capital e a reprodução da força de trabalho, por intermédio de diversos benefícios. Isso se consolidou após a Segunda Guerra Mundial, especialmente na Europa. O Estado intervém para regular as relações, porque o processo de produção capitalista percorre uma trajetória de constantes flutuações, denominadas de crises ou ciclos conjunturais, as 82 quais não conseguem ser evitadas pelos padrões de racionalidade, que fazem parte do movimento do capital, em que há momentos de relativa prosperidade, máxima prosperidade, crise e estagnação. É a própria dinâmica desse processo que exige a ajuda estatal, cujo concurso o capitalismo ainda não pôde dispensar para sua expansão, ainda hoje, mesmo com a disseminação do fundamentalismo do Estado-mínimo. É nesse momento do pós-guerra (a partir dos anos cinqüenta até 1973), que podemos localizar o estabelecimento de políticas sociais públicas como fator de desenvolvimento. Esse movimento, entretanto, não acontece de forma linear, mas em função de um conjunto de fatores, dentre os quais emerge a pressão do movimento operário nas primeiras revoluções industriais e, sobretudo, a necessidade do próprio capitalismo, como resposta a suas frequentes crises. Aliás, esse regime de acumulação, por intermédio de seus sujeitos determinantes nas relações de produção, tem sido competente na criação de inovações para assegurar suas permanências (expansão constante de acumulação do capital) que se configura no processo de globalização econômica. O Estado foi levado a intervir de forma ostensiva, a ponto de tornar-se um produtor particular de mercadorias e serviços. Não só isso, mas principalmente converteu o tesouro público em pressuposto da atividade econômica. Para Hobsbawm (1995) no final dos anos setenta, todos os Estados de capitalismo avançado tornaram-se “Estados do Bem-Estar”. Ainda que o Brasil não tenha vivido um Estado do Bem-Estar Social, a partir de 1964, pode-se afirmar que o planejamento caminhou mais ou menos na mesma direção – na formulação das políticas que buscavam a consecução de um “modelo de desenvolvimento brasileiro”, cujo significado, em sentido amplo, aponta para uma nova maneira de organizar o Estado, objetivando transformar a economia do país em moderna, competitiva e dinâmica, com apoio da iniciativa privada. Isso tudo para atingir uma democracia econômica, social e política sob a bandeira do nacional-desenvolvimentismo, amparado em três pilares fundamentais; controle do processo inflacionário, aumento de diversificação das exportações e estímulo à concentração do capital. Nessa linha, foram formulados e implementados os Planos de Desenvolvimento até os anos oitenta. Acrescente-se a isso que o período (1964-85) do regime militar foi um dos de maior crescimento econômico vivido pelo Brasil, sem que se fizesse a distribuição de renda (SADER, 2002). Nesses Planos, a educação aparece como parte do projeto econômico do Governo, o que, na época, representou uma novidade, entendida como “capital humano”. O capital humano compreendido como instrução, saúde, treinamento prático, nutrição, seria capaz de provocar um 83 maior desenvolvimento econômico, por ser considerado investimento importante para dar um retorno e proporcionar a democracia social. Segundo essa lógica, formar capital humano significa investir nas áreas sociais. Nessa direção, a escola passou a ser encarada como a principal formadora de mão-de-obra para o mercado de trabalho (SANTOS, 1999a). Nem por isso o Estado brasileiro fez investimentos de vulto na área educacional, a partir da formulação de políticas educacionais sérias, competentes e consequentes, capazes de minimizar o triste cenário nacional de perversas condições da educação. Os defensores da Teoria do Capital Humano acreditavam no poder da educação para propiciar mobilidade social, como fator preponderante de superação das desigualdades econômicosociais, daí haver necessidade do ajuste entre as demandas do setor produtivo e a formação escolar. Segundo Vicenzi (1983, p. 22): O Capital Humano é o conjunto de habilidades e conhecimentos que elevam a produtividade do trabalhador individual... Nos anos oitenta houve um revigoramento dessa Teoria, a partir dos acordos com os organismos de financiamento internacional (Banco Mundial - BIRD Banco Interamericano de Desenvolvimento BID e outros) ainda que as condições sejam totalmente diferentes daquelas existentes na origem dessa Teoria, sobretudo no que se refere à questão do desemprego estrutural, hoje tão sofisticado, a ponto de desprezar até intelectuais com ampla formação. A Constituição Federal de 1988 trouxe alguns pequenos avanços no campo da gestão das políticas públicas, com a disposição para abertura de novos espaços institucionais que passaram a mediar as relações entre Estado e sociedade civil: os conselhos gestores de educação, saúde, habitação, direitos humanos e outros. Estes colegiados são instalados pelo Estado em um período influenciado por uma atmosfera internacional de (des)regulamentação econômica, num momento em que o Estado passa por uma nova conformação, num definhamento na implantação de políticas sociais públicas, o que representou um avanço para o controle social das políticas públicas, como espaços importantes de educação política permanente, de união de vozes, de reclamos, lutas e de proclamos, indispensáveis numa sociedade democrática. No caso particular da Amazônia, região que ocupa cerca de 2/3 do território brasileiro, o órgão gestor da política regional, a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM teve papel importante nesse processo de desenvolvimento brasileiro, sobretudo porque ajudou a transformar o Brasil em oitava economia mundial, daí não acatarmos a argumentação disseminada na sociedade de que ela não foi eficiente. A ação planejada e coordenada por esse organismo serviu à acumulação capitalista, ao beneficiar o grande empresariado nacional, associado ao internacional, 84 embora se colocasse como a serviço da Amazônia. Na realidade, implementou políticas setoriais de nível nacional, em nome da região. Ainda nos anos noventa, em plena democracia, parece que o cenário amazônico em pouca coisa mudou. A esse respeito, Buarque (1997) assim se manifesta: Praticamente não foi implementada uma política regional, apesar da formulação pela SUDAM, do Plano de Desenvolvimento da Amazônia, estratégia consistente e coerente com as expectativas dos atores regionais. O Brasil não tem um projeto para a Amazônia, o que decorre, sobretudo, da prioridade conferida à política de estabilização e à reforma do estado, com o predomínio da orientação liberal no poder (p. XXI). Por isso há de se compreender que a riqueza social fora transformada em capital geral e não se distribuiu igual ou equitativamente entre os diversos grupos sociais ou espaços; aliás, tende a beneficiar sempre os que têm mais condições de expandir-se e oferecer um retorno, gerando em consequência as desigualdades, como algo inerente ao modo de produção capitalista. A crença no modelo de desenvolvimento em que o “trickle down effect” (efeito respingo, gotejamento) do crescimento econômico se derramaria sobre a sociedade, expresso em melhorias sociais, não se concretizou. O Estado, ao mesmo tempo em que interfere para o aumento das desigualdades, tenta minimizar seus impactos, a partir do estabelecimento de políticas compensatórias, que quase sempre não surtem o efeito desejado; fazendo o contrário, ou seja, a elevação dessas disparidades, obedecendo a uma lógica perversa. No período de hegemonia do executivo, nos governos militares (1964/85) observa-se uma intensa intervenção estatal (sem a qual, provavelmente, não se teria desenvolvido a industrialização), sobretudo por meio de suas políticas sociais (na verdade, econômicas), que serviram e foram utilizadas, ao que parece, para escamotear a realidade, de vez que a população “beneficiária” (de baixa renda) se volta cada vez mais para o Estado, como seu principal alvo de luta, deixando intocada a questão maior, que dizia respeito ao baixo ganho da classe trabalhadora, na relação perversa entre o capital e o trabalho e nos tempos atuais pelo desemprego estrutural, que é até mais grave, porque já não se luta pelo salário, mas pelo emprego. Isto, a nosso ver, não decorre de uma deliberada ação de destruição, ma de uma perversão do próprio sistema de produção, que se debate com essas contradições. As políticas públicas estabelecidas, pelo planejamento governamental, que é o instrumento utilizado pelo poder para aceleração do desenvolvimento econômico, ainda são apenas medidas paliativas, compensatórias, para corrigir distorções. Assim, todo processo de desenvolvimento capitalista tem sido desumano, excludente e desigual, como parte de sua essência fundante. 85 Segundo Hobsbawm (2000), Plano e Planejamento tornaram-se palavras de ordem, como grande lição da URSS ao mundo capitalista, Os partidos social-democratas (Bélgica e Noruega) adotaram Planos e os Ingleses começaram a defender, chegando até mesmo aos conservadores e nazistas. A retórica oficial dos Planos no Brasil, entendidos como instrumentos de planejamento, que regem o desenvolvimento econômico distancia-se da prática das ações concretas e encerra uma contradição em seu corpo: o Estado, implicitamente, reconhece o caráter anti-social de seus planos de desenvolvimento, com a elitização dos benefícios dele resultantes, ao invocar a necessidade de formular medidas corretivas na área social. Mas, ao mesmo tempo, coloca o homem como alvo prioritário do crescimento econômico, em termos de discurso oficial, e sua elaboração e execução se efetivam em nome do bem comum, próprio da tradição liberal democrática. As políticas educacionais públicas, enquanto políticas sociais implementadas na Amazônia, até os anos noventa têm obedecido a uma direção mais geral do Ministério da Educação - MEC e não se diferenciam daquelas implementadas em nível nacional, sem nenhuma especificidade para uma região onde deveriam ocorrer profundas mudanças resultantes do impacto dos grandes projetos ali implantados nos anos setenta. Não aparecem políticas adequadas, por exemplo, para a educação ambiental; para os grupos remanescentes dos quilombos; para atendimento às populações indígenas, cujo contingente maior está na área regional, e ribeirinhos, cujas tradições, costumes e culturas precisavam ser consideradas, sobretudo para enfrentar as mudanças advindas das novas relações. Enfim, políticas para atender a exigências decorrentes das enormes diversidades étnicas, culturais e ambientais da Amazônia. Algumas políticas educacionais relativas ao meio-ambiente e às populações indígenas foram implementadas, timidamente, a partir da Eco-92, e incorporadas ao Plano de Desenvolvimento da Amazônia – 1992-95, no qual aparecem como diretrizes, dentre outras, adequar o ensino, os currículos e as metodologias pedagógicas à realidade e às necessidades regionais; assegurar a educação bilingüe dos povos indígenas com o respeito e preservação de suas culturas; incluir nos currículos da educação atividades e/ou disciplinas que estimulem o desenvolvimento da criatividade científica e valorização da ecologia regional (SUDAM, 1992). Porém já existiam em alguns estados amazônicos experiências localizadas de políticas específicas, como no Amazonas, conforme Plano Estadual de Cultura 1987-1990, por meio de seu Instituto de Educação Rural do Amazonas – IERAM, que, segundo esse Plano, atuava com currículos adequados às necessidades do meio rural. No Pará alguma coisa já aparece no Plano Estadual de Educação, período de 1987-1990, com a priorização, dentre outras, da formação da 86 cidadania, do desenvolvimento da consciência ecológica. Apesar disso, concretamente, não houve medida importante na área, restando algumas ações esporádicas, por meio de campanhas ou outras atividades episódicas em unidades escolares. À tão propalada “integração nacional” se deu em termos de infra-estrutura necessária e indispensável para o desenvolvimento regional, na verdade desenvolvimento nacional, com eficiência e relativo sucesso, do ponto de vista do capitalismo. Mas, para a população regional, os problemas de desigualdade e iniquidades até se elevaram ou ficaram mais complexos. Sonhamos em ser verdadeiras as promessas integradoras e nacionalistas de progresso, de modernização e sofremos os impactos das disparidades agravadas, haja vista a situação assimétrica, de precariedades que ainda hoje enfrentamos, em particular no estado do Pará, que ainda persiste em manter indicadores sociais pouco animadores, reconhecidos até pelas agências de financiamento internacional, no seu último relatório, nos índices de desenvolvimento humano, algo em torno de 0,49, abaixo da média brasileira que é de 0,74. A considerar-se a situação da PEA (População Economicamente Ativa) temos uma população extremamente pobre, a considerar-se a situação da PEA e desempregada, girando em torno de 18% e os níveis de rendimento nominal, onde a maioria (53,86%) vive com até dois salários mínimos (Diário do Pará, 16.01.05). Uma outra questão a ser evidenciada na região, sobretudo no Pará é a existência do trabalho escravo e degradante, que, além de ser um crime contra o ser humano e cidadão, previsto na Constituição Federal de 1988, tem um rebatimento profundo no setor educacional. Hoje, a sociedade já tem conhecimento porque há mais divulgação por parte da imprensa e o Estado tem feito algumas incursões punitivas e exemplares, mas ainda falta muito para a superação de tais práticas. Nossas pesquisas têm revelado os efeitos perversos do trabalho degradante nas zonas urbanas das cidades amazônicas, não só na zona rural, como alguns ainda pensam. No caso da cidade de Belém, por exemplo, constatamos que o trabalho de empregadas domésticas-alunas, muitos casos se enquadra, na categoria de degradante. Só não é considerado escravo porque não há cerceamento da liberdade, mas muitas vezes as pessoas trabalham em troca de comida, de teto e da falácia de estudar, especialmente as crianças e jovens do sexo feminino. Essa realidade é muito mais comum do que se imagina, já faz parte da tradição de muitas famílias abastadas, de classe média e até baixa, que trazem crianças, adolescentes ou jovens do interior do Estado para supostamente estudarem na capital e os obrigam horas/diárias, sem dia de folga. a trabalhar muitas vezes até mais de 16 87 A vida escolar dos estudantes empregados domésticos é afetada diretamente, porque trabalham e moram no emprego, a maioria das vezes sem salário, tendo uma jornada de trabalho diária intensa, extensa e extenuante. Isto se reflete no processo ensino-aprendizagem dos alunos, notadamente dos cursos noturnos, onde quase sempre chegam atrasados à Escola. Não têm condições de desenvolver as tarefas escolares porque, quando retornam para as residências onde moram, ainda vão concluir suas atividades domésticas, paralisadas no tempo em que passaram na Escola. Os indicadores educacionais referentes à evasão escolar no ensino médio (acima de 50%) colocam o estado do Pará como recordista nesse item, na região amazônica, o que evidencia a matéria publicada no Diário do Pará (ARAGÃO, 21.06.04). Esse triste cenário vem sendo tímida e vagarosamente mudado na década de noventa, mas não equitativamente pela região, permanecendo, indicadores como o acima apresentado, no último relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD. Tem-se o aumento significativo do número de vagas no ensino fundamental; a criação de mais escolas de ensino médio, hoje, os 143 municípios do Pará estão cobertos por este nível escolar; a incorporação de medidas de democratização da gestão nas escolas, como a implantação dos conselhos escolares, em cada escola. Políticas de descentralização da gestão escolar, por meio de programas de desenvolvimento da Escola – PDE, Dinheiro Direto na Escola – PDDE, como medidas de insumo, cujos recursos são alocados, de acordo com as necessidades das escolas. O FUNDEF, criado em 1997, (o Pará foi o 1° estado a aderir ao fundo em 1998), teve papel significativo para o aumento de vagas no ensino fundamental e na formação inicial de nível superior dos professores, mas, ao que parece, seu maior feito até agora foi tornar realidade a municipalização do ensino fundamental em 96 municípios do Pará. O enfoque dos objetivos pretendidos pelo governo, nos anos noventa mudou para a questão da qualidade do ensino ministrado, em sintonia com as recomendações do Banco Mundial e da nova configuração econômica mundial, só que é uma qualidade centrada em resultados mensuráveis, decorrentes dos diagnósticos apresentados em eventos nacionais e internacionais como nas Conferências para a América Latina e Caribe O Plano Decenal de Educação Para Todos (1993/2003) demontra a ineficiência das reformas implementadas, ressaltando como causas principais: a descontinuidade, a inconsistência, a ausência de conexão entre estratégias e ações de direção e de administração de sistemas, gerando uma precária orientação das equipes responsáveis pelas unidades educacionais (MEC, 1993, p. 30). 88 Esse Plano objetiva “eliminar o analfabetismo e universalizar o ensino fundamental...”, no tempo de sua duração, e não se trata de um plano nacional global para a educação. Um ponto relevante a ser destacado é que esse Plano decenal significou a primeira experiência de planejamento a longo prazo para a educação brasileira, visando evitar a descontinuidade a que já nos reportamos, comum na administração pública brasileira, porque, em geral, cada governante que assume elabora seu Plano, mais para dar satisfação à sociedade e menos para orientar suas ações, e ainda assim muito pouco dele executa. Além do mais, com as frequentestes mudanças desses dirigentes, as políticas variam constantemente de direção. Já é uma prática consagrada no Brasil não se ter estratégias sociais para o futuro. O Plano Decenal introduz diretrizes de políticas educacionais específicas para segmentos populacionais e espaços não considerados no planejamento do desenvolvimento regional. Portanto, a partir desse Plano, já se tem alguma política sintonizada com a realidade amazônica, como prescreve, no caso particular dos povos indígenas: ... os indígenas devem receber atenção diferenciada, levando-se em conta os aspectos linguísticos e culturais, além dos métodos de aprendizagem próprios de suas comunidades (MEC, 1993, p. 33). Vale ressaltar, entretanto, que há pouco nexo entre o discurso oficial contido nos Planos e as ações concretas desenvolvidas, guardando distâncias entre o nível das orientações e da execução. Ainda se têm poucos resultados visíveis para a sociedade e até mesmo para quem milita na área. A partir da crise estrutural do capitalismo, do final dos anos setenta forçou as economias a reposionarem-se lutando por novos mercados, numa competição desenfreada, na qual só os vencedores se incorporam e os Estados precisaram se reconfigurar diante de tal contexto. Esse novo momento do capitalismo, que se estende até nossos dias, denominado de globalização, como processo de internacionalizaçãoiv, que se estende desde a produção até o consumo de bens e serviços, impõe novas exigências em todos os campos da vida social e econômica. Por conta dessas exigências, vem sendo implementada uma série de medidas, objetivando atender às prescrições dos organismos de financiamento internacionais, que ditam as regras a serem seguidas pelos países periféricos, como o Brasil, dentro das condicionalidades estabelecidas nas assistências técnicas e nos empréstimos concedidos, para dar sustentação às reformas. Para a educação, sugerem mudanças importantes até em sua concepção, enfatizando sua importância no processo de desenvolvimento, capaz de efetivar a democracia social e o “capital humano”. O “Capital Humano” exigido pelo mercado As orientações dos organismos internacionais se transformam em políticas, que se materializam em reformas: fiscal, educacional, administrativa, econômica, racionalização e 89 controle do gasto público, com o encolhimento do Estado; liberação das importações, debilitando o mercado produtivo interno; incentivo a culturas para exportação; redução das tarifas alfandegárias, beneficiando o capital externo; incentivo a indústrias competitivas, privatizações, desregulamentação, dentre outras. Hoje, como já enfatizamos, revigora-se a Teoria do Capital Humano - TCH e os ideais liberais de que o mercado tem capacidade para regular todas as relações, deixando o processo de acumulação ao sabor de suas leis, com o mínimo de interferência do Estado. Toda racionalidade ou irrracionalidade hoje é decidida no mercado. Neste contexto uma indagação se nos impõe: Por que esta volta? O investimento em capital humano tem como função precípua o aumento da produtividade econômica do ser humano. Um dos princípios fundamentais da TCH é a relação de causalidade mecânica entre escolaridade e renda, em que o conhecimento é considerado fator de produção. Daí a necessidade de acoplarem-se as políticas educacionais aos interesses do mercado ou mesmo deixá-las sob a responsabilidade de outros atores, que pertencem à sociedade civil ou ao mercado. O desemprego estrutural de agora deixa de fora até pessoas com uma formação superior, com cursos de pós-graduação e tudo que é propagado pela mídia, em termos de habilidade, em nome da empregabilidade. Para alguns autores, como Santos (2004), não se trata de retomada da Teoria do Capital Humano dos anos sessenta, mas da Teoria do Capital Intelectual, porque nesta última a empresa tem o controle sobre a força de trabalho qualificada, por meio das universidades corporativas, por exemplo, que capacitam para suas próprias atividades e de uma forma mais geral, sendo um investimento mais certo, mais direto. Aos que buscam uma vaga, cabe agregarem valor às suas formações, fazendo todo tipo de treinamento ou cursos ´para se integrarem ao mercado seletivo e disputadíssimo. No campo específico da educação, desde o início dos anos noventa está sendo implementado pelo Estado um conjunto articulado de reformas: universalização do ensino fundamental; combate à evasão e repetência; parâmetros curriculares nacionais; novo sistema de avaliação de desempenho de egressos da educação básica e da superior; novo controle de prestação de contas; novas formas de gestão educacional; reconfiguração dos cursos de formação de professores; programas de insumos para financiamento do funcionamento das unidades escolares, a reforma universitária em processo, a Universidade para todos (cotas para negros e índios), dentre outras. Tais políticas, segundo Coraggio (1996), estão fundamentadas numa metodologia econômica, em que sobressaem os padrões de concorrência nos sistemas educativos, estimulando 90 um ranking de escolas, no qual os processos educativos são considerados insumos (mercado educativo), em uma avaliação com base no custo x benefício, para que possam funcionar como empresas, com objetivos e produtos bem definidos a serem alcançados. Em nossa avaliação, o mais grave é a concepção sobre a qual se assentam as reformas educativas, postas em prática no Brasil e particularmente na Amazônia, cujos princípios e valores são próprios das relações mercantis. O Programa Dinheiro Direto na Escola, por exemplo, inscreve-se no rol das medidas de descentralização da gestão, de abertura e fomento às ações em parcerias, na busca pela captação de novos recursos capazes de viabilizar a autonomia das escolas para se auto-financiarem e assim poderem desobrigar o Estado de suas responsabilidades sociais, o que é uma tendência dos tempos atuais. Na verdade, as reformas até agora executadas não conseguiram acenar com melhorias na educação, porque os ganhos têm sido tímidos. Vale enfatizar que as políticas de descentralização por meio da autonomia das escolas resultam de novas orientações advindas dos organismos internacionais compactuadas pelas elites dirigentes em nome da eficiência, eficácia e qualidade dos resultados educacionais, afinados com uma nova concepção de cidadania, que se confunde com consumidor-cliente. O Estado, como gestor e articulador das políticas sociais, não tem reestruturado suas relações com a sociedade e, especialmente, com as populações locais, menos favorecidas, de forma a construir espaços de participação coletiva (espaços públicos) na formulação e implementação de uma política educacional, afinada com os interesses dessas populações e adequada à região, ainda que no discurso essa participação seja contemplada. É certo que o Estado vem estimulando a criação de órgãos de participação, como já se indicou acima, mas tais organismos não têm funcionado de acordo com o discurso embasador de suas constituições. Ressalte-se que essas reformas executadas pelo Estado são de caráter nacional, sem nenhuma especificidade para a região Norte, que dada sua diversidade étnica e cultural, exigiria um tratamento próprio, especialmente uma educação para grupos que ainda não conquistaram um lugar digno na educação, em que se incluem, prioritariamente, os índios, os caboclos-ribeirinhos, os quilombos-remanescentes, dentre outros. Ainda que já existam algumas políticas focalizadas e eventuais para tais segmentos, como um programa de alfabetização bilíngüe para os índios, que se desenvolve no Pará, são medidas incipientes. As políticas educacionais diferenciadas ficam por conta dos governos democráticos estaduais ou municipais, que, por meio de múltiplas tentativas de mudanças, implantaram algumas medidas, como o Orçamento Participativo, uma experiência exitosa de planejamento popular democrático que evoluiu para o Congresso da Cidade; A Bolsa-Escola, programa assistencialista, 91 mas muito importante num cenário de miséria vivido por grande parte da população; Escola Cabana; Ciclos básicos; Educação continuada do corpo docente; Eleições diretas para provimento de cargo de diretor escolar; todas essas medidas apontam na direção da construção de um projeto de democracia direta. Tais experiências significam a construção de uma nova configuração de cidadania, na qual o povo como sujeito, e o Governo definem compartilhadamente as políticas públicas prioritárias para suas realidades. Esse processo rompe e se contrapõe ao planejamento tradicional, centralizado e autoritário, que ainda hoje é realizado pelo poder dominante, a despeito deste ter incorporado novas atitudes e outras molduras, por meio de algumas consultas e audiências públicas com a sociedade, como o caso recente dos novos parâmetros curriculares e diretrizes para formação inicial de professores de educação básica em cursos de nível superior. Entretanto, as decisões finais ainda tendem a se restringir ao Estado, conforme se verificou como o Plano Nacional de Educação – PNE., que foi o resultado possível de um amplo processo de discussão com a sociedade, por intermédio do movimento organizado dos educadores brasileiros, em seus diferentes fóruns. Aprovado no Congresso Nacional, o PNE foi mutilado, na sanção, no que havia de mais avançado (recursos de sustentação financeira), rumo às mudanças requeridas no perverso cenário educacional, por conta, segundo o Presidente Fernando Henrique Cardoso, da Lei de Responsabilidade Fiscal, que obrigou a equipe econômica a fazer os vetos, assim sintetizados: - elevação do gasto em educação para 10% do PIB, em dez anos; - elevação do gasto total em educação com a subvinculação de 75% das verbas da União para o ensino superior; - aumento dos recursos para pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico; - garantia de implementação do programa de renda mínima na educação infantil; - implantação de plano de carreira para os servidores administrativos e técnicos de educação básica (VALENTE E ROMANO, 2001). No estado do Pará, o quadro ainda é pouco animador, apesar de algumas conquistas, como: aumento considerável da inserção de alunos no ensino fundamental e médio, no período de 1996/2002, com elevação das matrículas em 18,6% e 88,5%, respectivamente, melhorias dos equipamentos coletivos escolares; mudanças no sistema de avaliação da aprendizagem, especialmente na rede municipal de Belém e outras cidades; distribuição de material escolar e livro didático, dentre outras. A análise das matrículas por tipo de ensino evidenciou que, no Pará, de 1996 a 2002, houve: redução em 16,9% na Educação Infantil; aumento de 18,5%, no ensino fundamental e de 88,5%, no 92 ensino médio. A comparação deste resultado com o apresentado pela região Norte e pelo país mostra que, em relação à Educação Infantil, a situação do Pará diferenciou-se da do país, pois, enquanto no primeiro as matrículas foram reduzidas, no segundo foram ampliadas em 17,9%. Na região Norte, as matrículas na Educação Infantil também foram reduzidas (5,6%), mas em menor proporção que no Pará (UFPA/INEP, 2004). Quanto ao Ensino Fundamental, observou-se que o crescimento apresentado pelo Pará equivaleu-se ao da região Norte (17,7%) e foi superior ao do país (6,1%). Sobre o Ensino Médio, o crescimento das matrículas no Pará foi superior ao da região Norte (78,7%) e ao do país (51,8%). (UFPA/INEP, op. cit.). Apesar disso, mantêm-se as classes multisseriadas, os turnos intermediários e os índices elevados de desistência e evasão de alunos, especialmente na zona rural, conforme já anunciamos. A análise dos dados de matrícula revela que a Política Educacional implementada nos últimos anos pelo Governo Estadual vem adequando o atendimento da Educação Básica às determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (nº 9.394/96), no que concerne à responsabilidade por esfera de governo: a educação infantil e o ensino fundamental ofertados pela rede municipal e o ensino fundamental e médio pela rede estadual. Porém, é importante destacar que a ampliação das matrículas pela rede estadual, no ensino médio, não está ocorrendo na mesma proporção das matrículas do Ensino Fundamental e da Educação Infantil, que estão sendo transferidas para as redes municipais, que já atingiu 96 municípios do Pará, sem que as redes municipais tenham as mínimas condições para assumir essas reponsabilidades. Quanto às formas de gestão, estão sendo incorporadas medidas mobilizadoras de construção de relações democráticas, como: a) eleições diretas para dirigentes escolares, ainda não consolidadas na rede estadual; por meio de um sistema de lista tríplice, após as escolhas realizadas pelos Conselhos Escolares; b) criação de Conselhos Escolares ou outros espaços formais de participação; c) autonomia na gestão de recursos financeiros diretos e d) elaboração de projetos pedagógicos, pelas próprias unidades escolares. Sem dúvida, as medidas acima são instrumentos importantes, mas não garantem a democratização das relações de poder nas escolas, sobretudo porque não se implanta democracia, constrói-se na dinâmica das relações, a partir de condições subjetivas, objetivas e coletivas, além do que, tais medidas, ao tornarem-se compulsórias, perdem seu objetivo de democratização, embora saibamos da necessidade da regulamentação pelo Estado, para que as políticas sejam implementadas, institucionalmente. Porém, a implantação de determinadas políticas necessita de 93 um amplo processo de discussão por parte dos seus prováveis envolvidos: o corpo escolar e a comunidade. Outro ponto a destacar é a existência de escolas públicas em condições de oferta de ensino de qualidade no estado Pará, considerando indicadores como decisões coletivas, divisão de responsabilidade, desempenho escolar, gestão democrática, transparência no uso dos recursos financeiros, projeto pedagógico elaborado e executado colegiadamente, como se identificou em recente pesquisa amostral realizada em 2004 patrocinada pelo INEP, e da qual participamos. São escolas até bem melhores, muitas vezes, do que algumas particulares, embora seus usuários ainda não saibam valorizá-las adequadamente, sobretudo pela massificação amplamente disseminada na sociedade por meio da mídia hegemônica, da qualidade só existente na esfera privada, além de os resultados não se refletirem na diminuição das desigualdades. Ainda são poucas, mas já revigoram a disposição dos educadores comprometidos com políticas públicas que venham em benefícios da população e não apenas em seu nome ou para corrigir distorções, problemas ou atender a demandas por pressões de movimentos populares ou mesmo objetivando mitigar crises. CONSIDERAÇÕES FINAIS Observou-se, ao longo desta análise, que as políticas educacionais públicas implementadas pelo Estado, além de serem tímidas são concebidas a partir de fundamentos neoliberais, que centram seu foco na competitividade, na equidade e nos resultados mensuráveis economicamente e não têm dado conta de diminuir as desigualdades sociais e regionais, além serem centradas em determinados segmentos ou setores. Ao mesmo tempo em que tais políticas geram tais desigualdades, conseguem trazer alguns ganhos, como já se evidenciou, mas o essencial permanece intocável, que se inscreve no projeto de desenvolvimento e de sociedade hegemônicos no Brasil. Como resultado dos estudos realizados e dessas reflexões, percebemos que o Estado continua a ser indispensável para coordenar o processo de desenvolvimento em benefício do homem, por meio da criação e gestão de políticas sociais competentes, inclusivas, solidárias, e compartilhadas e, acima de tudo, antecipatórias. Um Estado-Cidadão, que não seria mínimo nem máximo. Essa questão de Estado mínimo e de máximo depende muito da ótica de quem está fazendo a análise, porque, pelas experiências históricas do desenvolvimento capitalista, ficaram demarcados 94 dois tipos de Estado: um interventor, sem o qual provavelmente o capitalismo não teria atingido esse grau de extensão a que chegou, e o outro, Estado mínimo, resultante das já famosas receitas dos organismos de financiamento internacional, como o FMI, o BIRD e o BID, que já demonstram fortes indícios de sua iniquidade para a melhoria das condições de vida da população, conforme análise realizada pelo próprio Presidente do Banco Mundial, demonstrando a necessidade de maior preocupação com o social: a distribuição dos benefícios do crescimento representa um dos maiores desafios para a estabilidade do mundo. As injustiças sociais podem destruir os avanços econômicos e político... Sem desenvolvimento social, não haverá desenvolvimento econômico satisfatório. Em termos mundiais, observa-se um agravamento da situação social, num cenário de exclusão crescente e iniquidade, em que as distâncias se duplicaram (1960/90) (WOLFENSOHN, JAMES APUD KLIKSBERG, op, cit. p. 17 e 34, respectivamente). Dentro do próprio berço do neoliberalismo, nos Estados Unidos, o Secretário de Trabalho do governo de Bill Clinton, Robert Reich, defendeu a necessidade e a importância da educação pública, quando afirma: que é preciso investir na educação pública e capacitação de nossa gente; boas escolas públicas no sentido mais verdadeiro da palavra: acessíveis a todos, sustentadas por todos (KLIKSBERG, op. cit. p. 25). O Relatório sobre o Desenvolvimento Humano produzido pela Organização das Nações Unidas apresenta um farto material para as reflexões sobre os efeitos perversos do processo de desenvolvimento capitalista neoliberal, em que o modelo americano que serve de referencial para o resto do mundo globalizado já está demonstrando uma outra faceta, haja vista as manifestações ocorridas nos últimos anos na Europa e até nos Estados Unidos: O relatório da ONU levanta dúvidas consistentes sobre a força dos EUA: mostra que a maior economia do planeta é também a que, entre os países ricos, tem a maior porcentagem de pobres (16,5%). Para a ONU, a pobreza é medida não apenas pela renda individual, mas também pela porcentagem da população que tenha expectativa de vida inferior a 60 anos, pelo número de analfabetos funcionais (alfabetizados que mal conseguem ler um texto primário), pela proporção da população que ganha menos da metade da renda média e, finalmente, pelo número de desempregados há 12 meses ou mais. (Folha de S.Paulo, 09.09.1998). O Brasil ocupa o 79º lugar no ranking do desenvolvimento humano e isso é um indicador da perversidade das políticas públicas implementadas pelo Estado nos últimos trinta anos. A dívida social é grande e para ser paga não há como dispensar a ajuda do Estado na gestão de um projeto maior de sociedade, cuja construção passa pela participação do conjunto dos atores sociais, tradicionais excluídos no processo de tomada de decisão sobre seus destinos, condição necessária 95 para que os sujeitos se encontrem como tal, ao se engajarem no compromisso de construir e transformar a realidade que os envolvem. Mas essa precisa ser efetivamente uma participação democrática, diferente de outras comuns hoje no discurso neoliberal, segundo o qual a participação solidária pode resolver ou ajudar a mitigar os graves problemas sociais, ou seja uma forma de participar dos prejuízos impulsionados pelo próprio Estado, para retirar deste a responsabilidade pelas políticas públicas, transferindo todo o ônus para a sociedade. Aliás, a grande discussão hoje se dá pelo Terceiro setor (o Estado é o 1º setor, o mercado o 2º e a sociedade civil o 3º, considerado por esferas hegemônicas da sociedade brasileira e até por intelectuais bem conceituados como a panacéia para minimizar a perversidade do fundamentalismo do mercado. No caso da Amazônia, seus IDHs permanecem muito baixos e a população fica a esperar os benefícios do desenvolvimento regional, coordenado pelo Estado, sentindo e sofrendo os impactos da falsa promessa integradora do progresso e distribuição de seus resultados. Além disso, ela detém junto com o Nordeste os menores IDHs do Brasil, o que ressalta a grande exclusão social, com alguns locais em melhores condições, formando verdadeiros “enclaves sociais”, especialmente no Acre, no Amazonas e em Roraima. O Pará o Amapá e o Tocantins apresentam índices superiores ainda que contenham também fortes exclusões. Os 5 estados mais incluídos por ordem decrescente são: Tocantins, Pará, Rondônia, Amazonas e Acre (POCHMANN, Márcio, AMORIM, Ricardo et al , 2003). Segundo o diagnóstico da Amazônia Legal: a grande maioria dos estados e municípios da região não consegue assegurar aos seus cidadãos uma provisão eficiente dos serviços sociais básicos que garantam níveis adequados de desenvolvimento humano. Tal negligência contribui, em muito, para agravar os níveis de pobreza e de desigualdades, nessa região (SUDAM, op. cit. p. 32). Defendemos que não existe justificativa convincente para o crescimento da pobreza, em uma região com amplas potencialidades e riquezas humanas, minerais, agropecuárias, ambientais, energéticas e de matérias-primas estratégicas até para o mundo. As desigualdades precisam ser atacadas com políticas diferenciadas e específicas para a Amazônia e não em seu nome apenas. Na área educacional, apesar de já haver alguns pequenos avanços no acesso à educação, ainda persiste um cenário não sinalizador da diminuição das desigualdades socio-econômicas, condição sine qua non para que se possa pensar em garantia do direito constitucional de educação pública, de qualidade para todos. 96 Sabe-se que já existem muitas discussões e análises sobre os efeitos do processo de desenvolvimento econômico e que os organismos internacionais incluíram como prioridade em suas pautas a questão do desenvolvimento social, com a criação, por parte do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, do Instituto Interamericano para o Desenvolvimento Social, cuja área central é a formação de gerentes sociais. O Governo brasileiro começa a implementar ações pontuais na Educação, como a Bolsa-Escola, de largo alcance, mas elas precisam vir combinadas com outras políticas sociais e econômicas que propiciem as mudanças do quadro, com programas de geração de renda e criação de empregos, com o incremento do sistema produtivo e melhores salários aos trabalhadores, para que não precisem de medidas assistencialistas episódicas e casuísticas. No que diz respeito à escola, urge a mudança de nossas práticas, das concepções cristalizadas de transmissora e reprodutora de conhecimento; das relações de poder; da organização e estrutura, das formas de gestão institucional e do processo pedagógico, numa perspectiva de construção de um projeto novo de homem e sociedade. Tais mudanças não devem ser realizadas para resolver problemas conjunturais, mas precisam estar vinculadas a um projeto maior de sociedade. Não estamos com isso defendendo que a Educação tem o poder de propiciar essa transformação social, econômica e política, porém sem ela também não atingiremos tais objetivos. Sabe-se que políticas sociais não acabam com a pobreza, mas essas precisam ser resultantes de um modelo de desenvolvimento inclusivo, direcionado para o bem-estar da população como um todo, e isso não apenas na retórica dos planos, como historicamente vem acontecendo ao longo dos últimos quarenta anos. O ataque às questões sociais é importante para minimizar a enorme dívida com os menos favorecidos, mas um Estado-cidadão deve estar a serviço de toda a sociedade, incluindo ricos e pobres. A priorização de atendimento preferencial aos menos favorecidos se impõe pelas históricas carências, que em algum momento deverão ser superadas, pois todos necessitam de uma boa qualidade de vida. As organizações não-governamentais da esquerda social, aqui entendidas como aquelas da sociedade civil comprometidas com a luta pela transformação da sociedade capitalista, poderão ter papel relevante na luta pelas mudanças requeridas. Tais organizações envolvem setores pastorais da igreja, movimentos populares, movimentos sociais do campo (MST, por exemplo), agrupamentos políticos, intelectuais, dentre outros (STÉDILE, 2003). É importante que as políticas sociais públicas deixem de ser compensatórias para se transformarem em antecipatórias, a partir de um planejamento coletivo consciente, competente e conseqüente e que o Estado possa recuperar os nexos entre o público e os direitos de cidadania, os 97 benefícios sociais em sintonia com as necessidades e exigências do processo de desenvolvimento social e econômico. Deseja-se que tais políticas sejam formuladas com a participação da sociedade local, no processo de tomada de decisão, considerando-se as especificidades regionais, sem esquecer-se do universal. O ponto de partida deve ser o local, para que as regiões periféricas não continuem a ser usadaa apenas como marca, como símbolo atrativo de uma realidade diferente e até muitas vezes exuberante e/ou exótica e as desigualdades continuem a se elevar. No campo das políticas educacionais públicas, nos anos noventa tivemos reformas, que mexeram com o sistema educacional brasileiro, ocorridas a partir do governo Fernando Henrique Cardoso, nas quais se destacam: 1. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) em todos os níveis e modalidades de ensino; 2) programas de profissionalização da gerência do sistema escolar, com o incentivo a novas formas de gestão escolar; 3) incorporação de medidas democráticas nas escolas públicas: eleições diretas, criação de colegiados escolares, elaboração de projeto políticopedagógico em cada escola; 4) iniciativas para correçâo dos fluxos escolares do fundamental das escolas públicas; 5) reavaliação dos livros didáticos; 6) projetos de educação a distância: vídeoescola, telecurso 2000 tv escola; 7) criação de um sistema nacional de avaliação (SAEB, ENEM/SINAES); 8) criação e implementação de diversos fundos: FUNDESCOLA, projeto nordeste FUNDEF/FUNDEB; 9) realização de pesquisas oficiais de avaliaçâo de programas PNDE/PDE/PDDE. 10) criaçâo do bolsa-escola e de outros programas que propiciaram um forte rebatimento na educação. REFERÊNCIAS ARAGÃO, Cláudia. Pará é recordista em evasão escolar. 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