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TEREZINHA FÁTIMA ANDRADE MONTEIRO DOS SANTOS
CONVERSAS IMPENITENTES SOBRE A GESTÃO NA EDUCAÇÃO
2007
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INTRODUÇÃO
Este livro reúne um conjunto de textos sobre políticas educacionais, mais especificamente
sobre gestão educacional, apresentados em diferentes eventos nacionais, internacionais e regionais
no período de 2001 a 2005. Os textos são resultantes de pesquisas realizadas na linha de políticas
públicas educacionais no Mestrado em Educação.
O trabalho surgiu da insistência e cobrança de minhas bolsistas de iniciação científica,
Bárbara Piedade e Silva, Denise Souza Nascimento, Heloisa Helena Meireles Bahia e das hoje
mestrandas Cristiane Almeida e Fabíola Bouth Grelo Kato, a quem agradeço pelo incentivo, porque
só assim condensarei numa única publicação todo o meu material distribuído em diferentes meios
de divulgação, nem sempre acessíveis aos alunos ou a outras pessoas interessadas na temática que
exploro.
Ao longo dos textos fica visível minha preocupação com as relações de poder na escola
pública, meu foco de análise prioritário, defendendo a educação gratuita e de qualidade como
direito de todo cidadão. Não houve a intenção em dar uma sequência aos diversos trabalhos, que
foram agrupados aleatoriamente,
nem a reocupação com prováveis repetições de idéias ou
posicionamentos, que certamente existirão. Fiz pequenas correções, atualizei dados e reduzi alguns
textos, para o livro não ficar muito extenso.
Espero que possa contribuir com as pessoas que militam na área e se interessam em fazer
uma interlocução sempre salutar e necessária para que continuemos na luta por uma escola pública,
gratuita e de boa qualidade em todos os níveis e modalidades de ensino para todos.
Belém, agosto de 2006.
Terezinha Fátima Andrade Monteiro dos Santos.
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PREFÁCIO
Não obstante a investigação sobre as escolas, na sua dimensão organizacional e de gestão,
ter estado afastada da centralidade que outras temáticas (tais como o aluno, a turma ou o sistema
educativo) usufruíram durante o século passado nas agendas educacionais, acontece que, nas
últimas décadas, essa situação inverteu-se e a análise organizacional escolar e o estudo dos
correspondentes processos de gestão têm vindo a assumir um protagonismo sem precedentes.
Este interesse crescente que a comunidade educacional em geral tem vindo a atribuir à
escola-organização manifesta-se, não só ao nível do alinhamento da investigação educacional em
redor deste novo objecto de estudo, mas, também, no que diz respeito às decisões políticoeducativas e às preocupações dos actores educativos contextualmente situados. Neste sentido, a
constatação de que as organizações escolares se encontram progressivamente dotadas de maiores
margens de autonomia significa reconhecer também que estamos perante contextos educacionais
onde educadores e educandos querem assumir uma postura criativa e interventora, traduzida na
definição e implementação de actividades que lhes interessem e sejam localmente significativas.
Reportamo-nos, assim, a um modelo pedagógico que concebe o aluno como co-construtor do seu
processo de aprendizagem, a uma concepção do professor que, enquanto profissional, se assume
como agente de inovação e mudança, e a escolas entendidas como unidades organizacionais de
decisão que procuram tomar o futuro nas suas próprias mãos através de decisões estratégicas e de
projectos próprios de actuação.
Esta questão da centralidade da escola enquanto organização constitui, por isso, um
fenómeno cuja explicação deve ser equacionada tendo em conta duas vertentes:

Por um lado, em termos do tipo de orientações e de decisões políticas anunciadas que, com
graus diferentes de execução, têm vindo a ser postas em prática em diversos países em
matéria de educação: referimo-nos aos movimentos de descentralização dos sistemas
educativos, de territorialização das políticas educativas, de valorização da autonomia dos
estabelecimentos de ensino como unidades de decisão, de participação social nas
instituições educativas locais, de criação dos conselhos escolares, de investimento nos
processos de liderança e na figura do director das escolas, de pressão sobre a avaliação
institucional e a prestação de contas, entre outros;

Por outro lado, a centralidade da escola surge também na sequência dos significativos
desenvolvimentos ocorridos no âmbito das investigações da especialidade, no que à análise
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organizacional e administrativa diz respeito. Neste aspecto, foram profundas as mudanças
ocorridas a partir de meados dos anos setenta do século XX no âmbito da construção teórica
da
administração
educacional,
traduzidas
em
profundas
alterações
do
quadro
epistemológico, conceptual e metodológico tradicional desta área disciplinar. A ideia de que
as organizações escolares são estruturas homogéneas e estáveis, devidamente estruturadas e
hierarquizadas, sujeitas a processos de planificação pormenorizados e sequenciais, com
objectivos e tecnologias bem definidos, numa adequação mecânica entre meios e fins,
dirigidas e controladas segundo uma lógica de coerência e racionalidade começou
progressivamente a ser substituída pela concepção de que as organizações são complexas,
flexíveis, instáveis, dependentes dos estados de turbulência do mundo exterior, marcadas
por níveis elevados de incerteza, de desarticulação interna e de desordem, sujeitas a
processos de reestruturação e de redefinição frequentes das suas estratégias e a cujos actores
se reconhece disporem de um papel estratégico no seu desenvolvimento que é marcado por
conflitos, poderes e processos de influência dificilmente conciliáveis com a ordem que
tradicionalmente lhes era atribuída.
Significa isto que o conhecimento e a análise daquilo que se passa no interior dos
estabelecimentos de educação e de ensino necessitam do suporte e do enquadramento teórico quer
do ponto de vista dos modelos de organização e de gestão em causa, quer das políticas educativas
que lhes subjazem. A gestão das escolas não pode ser encarada, como por vezes alguns querem
fazer crer, como uma mera questão tecnocrática, de procedimentos operatórios pré-definidos ou de
receituários “prontos-a-usar” mais ou menos bem conseguidos noutras situações. Certamente que a
preparação técnica e pedagógica dos gestores é fundamental e que a liderança das organizações
escolares deve ser potenciada, contudo as decisões educacionais precisam de conciliar eficiência
com participação, eficácia com justiça, qualidade com democracia e cidadania. As decisões dos
responsáveis pela gestão das escolas não constituem actos axiologicamente neutros de gestão
corrente, mas estão sistematicamente dependentes quer das lógicas e das tendências sócioeconómicas globalizantes do mundo actual, quer das políticas educativas e das indicações
específicas que o poder administrativo externo às escolas lhes impõe, quer ainda das próprias
lógicas de acção, poderes, interesses e estratégias dos actores que integram e interagem em
determinada comunidade educativa.
Os pressupostos que acabámos de enunciar encontram-se presentes no conjunto de textos
publicados, por Terezinha Fátima Andrade Monteiro dos Santos, no livro intitulado Conversas
Impenitentes sobre a Gestão da Educação. Trata-se de um acervo de investigação pertinente e
actual no que concerne a diversas situações, inovações e reformas respeitantes à gestão das escolas,
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tendo em conta a realidade educacional brasileira e, em particular, o que tem vindo a ocorrer no
Estado do Pará. A sistemática leitura política com que a autora enforma os dados das suas
investigações não deixa o leitor indiferente, questionando-o e contribuindo, deste modo, para uma
repolitização da gestão da educação.
Jorge Adelino Costa
Professor da Universidade de Aveiro, Portugal
Setembro de 2006
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POR UMA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA QUALIDADE SOCIAL DA EDUCAÇÃO
Este trabalho escrito em 2001, é fruto de pesquisas que vimos desenvolvendo desde 1996 e
sintetiza uma análise crítica da gestão de escolas públicas, particularmente em Belém, por ser o
local onde fazemos a investigação, mas que não se diferencia tanto de outras realidades que já
contactamos, por meio de outros estudos. A metodologia utilizada foi de cunho eminentemente
qualitativa, privilegiando a análise do discurso, de forma crítica. Foram aplicados questionários e
entrevistas semi-estruturadas a sujeitos representantes das diversas categorias nos Conselhos
Escolares.
Na primeira pesquisa, trabalhamos com um universo de 25 escolas médias públicas e,
atualmente, estamos investigando 5 escolas do ensino fundamental da rede estadual e 5 da rede
municipal, da cidade de Belém, no estado do Pará, com vistas à comparação dos resultados.
Hoje, no Brasil a questão do ineficiente gerenciamento está posta no topo das agendas
governamentais, nos discursos oficiais, como causa central das mazelas históricas da educação, que
geram a má qualidade do ensino. Por que isto acontece?
A nova ordem mundial impõe outros referenciais para a compreensão dos problemas
sócioeconômicos e até políticos. Nessa direção, inclui-se a reforma do Estado, orientada por
princípios da eficiência, da eficácia, da produtividade, enfim, da qualidade total na prestação dos
serviços e pelo desenvolvimento de uma nova cultura, a gerencial, na ótica mercadológica.
Segundo Costa (1995, p. 71), “O deslocamento da discussão público/privado, para a questão
do padrão de gerência e da avaliação de qualidade, é a versão educacional da máxima do estado
mínimo.” Em nome de uma modernização exigida pelo desenvolvimento científico-tecnológico e
pelos avanços do processo de globalização, foi elaborado no e pelo Governo de Fernando Henrique
Cardoso 1994-2002 e está sendo implementado o Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado.
Essas reformas estão rebatendo de modo incisivo no campo educacional e sobretudo na
escola, onde se materializam as políticas reformistas do Estado, que são produto das orientações e
receitas dos organismos de financiamento mundial, compactuados pelas elites dirigentes brasileiras,
em sintonia com o novo momento vivido pelo capitalismo, de hegemonia do modelo neoliberal,
entendido como conjunto particular de prescrições econômicas e programas advindos dos centros
mais avançados (SANTOS, 1999, p. 69).
Para Silva Jr e Sguissardi (apud SANTOS, 1999, p. 114), as reformas do Estado brasileiro
têm-se orientado pelo eixo administrativista-racionalizador, em consonância com os referenciais
dos países cêntricos, onde a modernização das instituições sociais são receitadas como
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indispensáveis para superação da crise do Estado, buscando colocá-las como espaço social
mediador entre as necessidades administrativas do Estado e a subjetividade do indivíduo.
A esse respeito, o Prof. Dr. Stephen J. Ball do King’s College (Inglaterra)1, por ocasião do
II Congresso Luso-Brasileiro de Política e Administração da Educação, na cidade Braga em
Portugal, quando abordou o tema “Reformar escolas – reformar professores e os terrores da
performatividade”, na sessão de abertura do evento no dia 18.01.2001, enfatizou em sua explanação
que “a reforma da Educação está se alastrando por todo o mundo, como se fosse uma epidemia
política”, uma reforma que está para além da esquerda e da direita.
Tais reformas, segundo o mesmo autor, são estabelecidas a partir de um trabalho intensivo
sobre o Eu, na verdade, reformas das relações e subjetividades, em que se exige uma
performatividade permanente dos gestores e professores, num competente jogo de marketing. É a
exacerbação do emprego de julgamentos, comparações, cumprimento de metas e demonstrações
como meios de controle, conflitos, mudanças, geradores de uma cultura da insegurança.
As reformas propostas e algumas já implementadas no Brasil, a partir de 1990, caminham
na direção do encolhimento do Estado em sua função social, em favor da empresa privada, ou
mesmo do denominado público não-estatal, que não se encontra no mercado nem no Estado:
... a reforma do estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do
papel do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento
econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na
função de promotor e regulador desse movimento (NETO et ALMEIDA, 1999, p.
37)
Ainda que se concorde com o posicionamento acima, impõe-se investigarmos as nuances e
as exigências desse novo momento do capitalismo
ou, como diz Mészaros (2002) no
sociometabolismo do capital (sua determinação mais profunda, em seu funcionamento), na revisão
de referenciais de sustentação de nossas práticas, dos mecanismos de controle social, compreendido
como a efetivação de mecanismos, estratégias., movimentos e instrumentos capazes de assegurar
uma nova sociedade, que tem, como principal foco, o homem (MÉSZAROS, 1993).
A crise estrutural do capitalismo, para Mészáros (op.cit), é a crise do capital que, por afetar
todas as instituições, obrigou os Estados a se reposicionarem diante de seus problemas, sobretudo
na parte mais econômica, na qual os capitalistas são forçados a buscar novos mercados, num
processo de competição nunca antes experimentado, impulsionando a criação e implementação de
novos setores de produção e serviços, estabelecendo outras relações de trabalho e inovações em
todos os campos. No nosso entender, o capitalismo se renova para manter suas permanências.
1
É professor do Center for Educational Studies, King’s College, de Londres-.
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Esse reposicionamento tem gerado muitos problemas para as economias periféricas,
principalmente de ordem social, além de ajudar no agravamento dos já existentes (SANTOS, 1998,
p. 33-34), impondo-nos um grande dilema, pois, ao mesmo tempo em que sofremos o impacto do
processo de globalização, em que as fronteiras econômicas e até culturais tendem a se diluir ou
ofuscar-se, sobretudo a partir de um avanço significativo na área das comunicações, com tendência
a influenciar as culturas, os estilos de vida e a própria visão de mundo, lutamos pela implementação
de uma educação inclusiva, democrática e de qualidade, com respeito à diversidade e às diferenças
num contexto de extrema exclusão e individualismo, próprio do atual estágio do sistema produtivo.
Segundo Hobsbawm, se o único ideal dos homens é a busca da felicidade pessoal, por
meio do acúmulo de bens materiais, a humanidade é uma espécie diminuída (2000, p. 191).
A globalização como internacionalização da economia, se estende desde a produção de
bens e serviços até o consumo, tem na sua base princípios que encaminham para a exclusão, porque
impõe um modelo de desenvolvimento, no qual a competição é um dos pilares, a partir de valores
do livre-mercado. Força o redirecionamento dos países para
se capacitarem a fim de poder
incorporar-se ao mundo desenvolvido, em sintonia com a doutrina hegemônica do neoliberalismo.
Isso representa uma falácia, porque nesse universo da competição e da excludência, ainda que
numa democracia, só os mais fortes vencerão, conforme se pode ilustrar com a manifestação de
Noam Chomsky, em palestra no dia 19/11/96 na Universidade Federal do Rio de Janeiro, na qual
revela que o livre-mercado protege os países mais ricos, que o dominam, apresentando como
exemplo os blocos econômicos e, particularmente, o NAFTA (Acordo de Livre Comércio da
América do Norte, composto pelos Estados Unidos, Canadá e México), criado para fragilizar os
concorrentes europeus e asiáticos.(SANTOS, 1999,
p. 70). Além disso, a modernização
preconizado pelos neoliberais significa diminuição de postos de trabalho humano e intensificação
de tecnologias, o que só faz aumentar o desemprego crônico, dilapidar a natureza e excluir quem
não consegue se enquadrar.
A procura incessante por qualificação individual provavelmente não dará as chances
ideologicamente geradas e defendidas pelos arautos da sociedade do mercado, porque o próprio
desenvolvimento capitalista obedece a uma lógica que poupa força de trabalho, como já dissemos,
na busca desenfreada de novos mercados e consumidores. Nesta perspectiva, ainda que todos se
preparem mais, só alguns conseguirão se incorporar ao mercado.
Ainda para reforçar o posicionamento sobre o livre-mercado, valemos-nos de reportagem do
dia 04.03.2001, do jornal “A Província do Pará”, quando da visita do Presidente FHC aos Estados
Unidos. No encontro com o novo Presidente americano George W. Bush, ao tratar do ALCA (Área
de Livre Comércio das Américas), FHC demonstra, com dados objetivos, que tal acordo poderá
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servir para acabar de vez com o setor produtivo brasileiro, ao liberar a entrada dos produtos
americanos sem o pagamento de tarifas aduaneiras, o que poderá ocasionar a redução dos preços
desses produtos no mercado e, inviabilizará o comércio da produção local, porque nessas condições
não haverá competição.
O texto de Milton Santos é esclarecedor e incisivo a esse respeito:
A globalização atual é perversa, fundada na tirania da informação e do
dinheiro, na competitividade, na confusão dos espíritos e na violência
estrutural, acarretando o desfalecimento da política feita pelo estado e a
imposição de uma política comandada pelas empresas. (2000, p. 15)
Desse modo, compete aos profissionais da educação, em suas práticas sociais, atuarem na
direção da superação do dilema entre a doutrina hegemônica do neoliberalismo e a ideologia dela
decorrente, na qual a competitividade, um dos seus principais pilares, é geradora de exclusão,
porque não há espaço para todos e nem a qualificação da escola para enfrentá-la e construir a
inclusão, a solidariedade, a cooperação, a democracia cidadã, enfim uma outra qualidade.
Em pesquisas realizadas nas escolas públicas de Belém, geradoras deste texto, ficou patente
o tipo de administração praticada tanto em nível de sistema de ensino como da unidade escolar, em
que os dirigentes aparecem como a figura máxima, de quem dependem as decisões essenciais sobre
a vida escolar, numa forma centralizadora, burocrática e antidemocrática de exercer o poder, ainda
que os próprios gestores compreendam seu pouco espaço de governabilidade, já que as
determinações superiores tendem a engessar suas administrações, como se pode observar nas
palavras de diretores:
...cumprimos todas as normas que são estabelecidas, porque somos
representantes do governo na escola.
... algumas coisas tenho de decidir, mas no geral, ouço a SEDUC...
Aliás esse fantasma ditatorial ainda não se afastou dos profissionais da educação, desde o
Sistema até a sala de aula, passando até pelas organizações corporativas da categoria: Na realidade,
todos os dirigentes de processos educacionais revelam em suas práticas esse espírito ditatorial.
(RODRIGUES, 1992, p. 72).
Apesar da avalanche de ordens, normas, portarias, regulamentos, legislação, há algum
espaço de autonomia para o gestor, na exata razão de sua capacidade administrativa, técnica,
política e social e capacidade de inovar, da liderança exercida, da participação efetiva dos atores
educacionais, porque na pesquisa observou-se que, dentro das mesmas condições estruturais e
dificuldades existentes, algumas escolas se destacaram apresentando resultados bem mais
favoráveis em termos de ensino-aprendizagem e até de organização. Por que isso acontece?
Não se tem resposta pronta, mas há fortes indícios de que, apesar de a gestão não ser
determinante do quadro acima, por certo exerce uma grande influência. Com as mesmas condições
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“macro” tem havido mudanças significativas na escola, ainda que em número reduzido, mas
alentadoras, na medida em que seus gestores assumem um compromisso com as transformações do
cotidiano escolar, o que tende a
reforçar a esperança de construção do novo. Não estamos
querendo dizer que os gestores são os grandes responsáveis pelos resultados escolares, mas apenas
reforçar suas funções dentro da Escola, que, ao lado de condições mais favoráveis, poderão trazer
melhorias para a educação.
A partir das experiências vividas, da participação em eventos e revisão da literatura sobre a
gestão democrática, visando à qualidade efetiva, com relevância social, em favor dos usuários da
escola pública, ousamos apresentar algumas pistas que poderão servir para iluminar o percurso na
perseguição de um sonho plausível e, quiçá, poder compartilhar com outros educadores irmanados
nessa luta que é um grande desafio para todos nós, sobretudo para aqueles que estão na academia
pública ministrando aulas e realizando pesquisa.
Sabe-se que a realidade escolar é social e historicamente determinada, construída por
homens em seu trabalho diário e poderá assim ser modificada também por sujeitos coletivos, a
partir de um projeto comum na direção de romper com estruturas, comportamentos e atitudes
cristalizadas, o que só poderá se dar na luta organizada, a começar a partir de mudanças.
Algumas pistas, ao lado de um conjunto de condições propícias, poderão servir de
balizamento ao novo momento da gestão para uma outra qualidade que possa reverter o quadro de
exclusão das populações menos favorecidas, usuários predominantes da escola pública. Sem querer
aumentar o peso das imensas atribuições do gestor escolar, enumeramos qualidades essenciais e
imprescindíveis a essa gestão de qualidade, que não se restringe à figura do diretor escolar, mas
também se estende a professores e técnicos que atuam na Escola:
a) Ter compromisso e vontade de mudar;
b)Ter liderança e sinceridade na condução do grupo sob sua direção;
c) Manter o processo de comunicabilidade permanente;
d) Saber diferenciar grupo e equipe de trabalho;
e) Lutar para construir equipes;
f) Valorizar as capacidades individuais e coletivas enaltecendo processos e resultados;
g) Ter amplo e profundo conhecimento dos problemas internos e externos que afetam a
instituição;
h) Manter um processo permanente, transparente e democrático de avaliação;
i) Disseminar a convicção de que todos têm alguma contribuição a dar para o sucesso da
escola, criando um ambiente propício à produção de ações/resultados satisfatórios,
dentro do processo escolar, sempre evitando incentivar a competição.
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Concordamos com Gandin (1999, p. 22) quando se manifesta a respeito da falta de um
projeto coletivo de transformação da escola brasileira:
....os profissionais das escolas perderam quase por completo a noção da
relação ação/resultado (provavelmente isto é só consequência); com isso as
ações escolares passaram a ser realizadas como fins em si mesmas e todo
fracasso, além de não compreendido, transferiu-se para a responsabilidade
dos alunos, de seus pais ou da sociedade.
Historicamente, o Estado brasileiro tem sido competente em ressignificar as propostas mais
progressistas advindas dos movimentos sociais, para a educação, de modo a incorporá-las as suas
políticas públicas, em nome do benefício comum da população. como: a incorporação da gestão
democrática, com concretude, a partir dos fóruns coletivos de decisão, autonomia e avaliação,
projeto político-pedagógico, objetivando a melhoria da qualidade da educação.
No tocante à autonomia da escola especificamente, observamods que a margem de
autonomia circunscreve-se mais no uso dos recursos que no estabelecimento de necessidades, em
que a participação dos atores educacionais é desigual: os professores pouco participam da vida
escolar e os pais, em geral, só vêm à escola, quando há um problema com seu filho:
Essa tendência para
a escola se fechar em si mesma reduz o campo de participação dos diversos
elementos da comunidade escolar a uma simples presença passiva nas
instâncias consultivas e tende a reforçar o papel e a função de direção...
(VALERIEN, op. cit. p. 80).
Está na hora de reverter-se o quadro histórico de carências educacionais, ressignificando
muitas das políticas já implementadas na escola pública, dando-lhe uma nova direção, ou mesmo
utilizando-se referenciais de modernização hoje bastante difundidos no mundo, baseados nos
avanços científico-tecnológicos, sobretudo na área da administração e de relações humanas, na
busca da qualidade social sempre negada aos históricos usuários da escola pública.
Ao lado disso, continuar-se-á na luta, pressionando o Estado para o estabelecimento de
políticas capazes de assegurar a efetiva qualidade da educação, valorizando verdadeiramente o
profissional da educação, com salários dignos e justos, condições adequadas de trabalho, políticas
de educação continuada, criação de bibliotecas, apoio aos alunos, dentre outros.
Sabe-se ser esta uma questão bastante polêmica dadas as dificuldades que os educadores
temos em tratá-las, sem que isso signifique a adesão aos princípios empresariais hoje hegemônicos
no mundo. Nessa perspectiva, pode-se aproveitar as medidas adotadas em prol da democracia na
escola, até outras advindas das reformas, como os novos parâmetros curriculares, o sistema de
avaliação, a informatização, o controle do livro didático, a descentralizada financeira, para dar um
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novo significado em prol de nossos interesses de requalificar a escola, para poder formar cidadãos
técnico, politico e socialmente competentes. Não basta só efetivar a crítica dessas reformas, mas
avançar em sua ressignificação, em favor do que defendemos.
Para tanto, é necessário que o gestor possua algumas habilidades e competências
específicas, com a percepção de que no ato pedagógico se dá a reconstrução do conhecimento;
precisa manter interlocução comunicativa com sua equipe e usuários da escola. São condições que
vão para além de ser um gerente profissional, porque a escola forma, constrói cidadãos, a partir de
valores, princípios, sentimentos e não bens palpáveis, mercadorias, restringindo-se ao nível da
riqueza imaterial. Nesse cenário diferenciado, não há espaço para qualidade total, pois o homem, o
sujeito-objeto da escola, jamais poderá ser infalível e perfeito na direção do defeito zero, conforme
acontece hoje nas empresas ditas flexíveis.
Assim, está posto o desafio para os educadores brasileiros: como transformar a realidade
educacional, a partir de princípios inclusivos, coletivos e democráticos, num mundo dominado pela
exclusão? A escola tem um papel importante nesse contexto, por ser um locus ímpar na formação
de valores, na celebração da vida, do diálogo, do encontro com o outro, de construção da autonomia
coletiva e individual: enfim, espaço onde mais sistemática e organizadamente os indivíduos
interagem na construção e reconstrução de suas identidades sociais.
Segundo Hobsbawm (op. cit, p. 78), precisamos fazer a distinção entre a globalização, que é
processo irreversível, e a ideologia baseada na globalização, a neoliberal do livre-mercado, que se
baseia no pressuposto de que a liberalização do mercado propicia o crescimento da riqueza e, por
consequência, a melhor distribuição desse incremento.
Afirmar a globalização como processo não significa aceitar a forma atual em que se dá,
como se fosse a única possível, a que nenhum Estado possa resistir e a que todos tenham de
submeter-se.
Nas reformas praticadas pelo Estado (MARE), percebe-se uma profunda contradição,
porque ao mesmo tempo em que prescreve a construção de valores democráticos, humanizantes,
solidários e coletivos na formação dos cidadãos, a partir da escola democrática de qualidade, tem
na essência de suas diretrizes o modelo neoliberal, onde a competição, o individualismo e o
egoísmo pela busca de excelência são fatores preponderante para se tornar um vencedor no
mercado de trabalho, hoje muito mais exigente.
Tal contradição é uma característica dos novos paradigmas da qualidade total assumidos
pelas empresas modernas, em que a personalidade requerida pelas novas políticas de recursos
humanos deve adotar comportamentos contraditórios e até incompatíveis entre si, conforme análise
de Lima (1995, p. 44-45), que lista uma série de qualificativos importantes ao indivíduo: altamente
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competitivo e cooperativo; individualista e capaz de trabalhar em equipe; saber tomar iniciativa e
saber se adaptar às regras da empresa; justo, sensível e impedioso, quando necessário, dentre outros
tantos.
Concordamos com Silva (1996, p179), ao dizer que há uma substituição do discurso
pedagógico e educacional por outro de cunho administrativo econômico. As inovações gerenciais já
estão invadindo a escola.
As mudanças na educação São dinamizadas pelos “expertises” em gerência da qualidade
total, reengenharia e padronização, na lógica do mercado. O gerente, nesse enfoque, passa a ser um
técnico/profissional, que vai garantir o cumprimento dos objetivos da qualidade da escola, na lógica
da racionalização de recursos do mercado. Já existem experiências brasileiras de parcerias entre
escolas e bancos, para que esses repassem suas experiências bem-sucedidas para melhorar os
serviços escolares.
Entretanto, a empresa capitalista é um território conflituoso, onde proliferam relações
competitivas, próprias do sistema capitalista e onde, embora haja cooperação, esta é compulsória,
pois está a serviço de um proprietário ou de um grupo que dita suas normas e os níveis de
produtividade desejados, a serem alcançados, num determinado espaço de tempo, ainda que com
um discurso humanístico de solidariedade, respeito ao outro, valorização pessoal e coletiva...É a
invasão da vida psíquica do indivíduo, que pode ser mais poderoso do que o padrão anterior
centrada mais no esforço físico, do corpo, no tipo taylorista-fayolista-fordista.
Não queremos desqualificar a necessidade de a escola se modernizar, pelo contrário, é
imperiosa a transformação na perspectiva de um novo projeto de homem e sociedade, em que se
incluem novas formas de organizar e estruturar o processo administrativo e educativo; ou ela estará
fadada à superação e ao isolamento ante outros espaços aculturadores.
REFLEXÕES À GUISA DE CONCLUSÃO
Os gestores da escola, em sentido amplo (envolve desde a direção até os professores e
técnicos), precisam saber transitar com desenvoltura, liderança e competência comprometida nesse
universo educativo do conhecimento, da comunicabilidade e da historicidade. Entretanto, a busca
da excelência, de melhores condições de aproveitamento, não pode obscurecer o caráter educativo
de sua prática e sua importância na formação de cidadãos críticos, criativos, reflexivos e políticos.
Tampouco os dirigentes devem aderir incondicionalmente aos valores e princípios de
mercado, adequando-os ao seu trabalho, inserindo-se na falácia de que o mercado é a solução
universal; é o melhor, e que a competição é salutar para mover os indivíduos na busca de sua
própria superação.
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Já existem estudos mostrando as consequências dessa adesão ao mágico mercado, em
termos mundiais, como bem se posiciona Costa (1995, p. 65) quando afirma que: “Alguns anos
após a euforia do boom liberal, o quadro em nada fornece tranquilidade.”
A escola deve buscar com todo entusiasmo e rigor a qualidade, mas numa perspectiva de
construção de novas relações, a partir de mudanças graduais, por meio de ações pró-ativas, atuando
a partir de aproximações sucessivas coletivizadas e solidárias, para alcançar seus objetivos de dar
um cunho social afinado com os interesses dos menos favorecidos, sinalizando para uma escola de
excelência para todos. O gestor tem uma função importante nesse empreitada, pois de sua liderança
depende a eficiente e competente organização e acompanhamento do processo.
A pesquisa revelou que o modelo de gestão hegemônico nas escolas públicas estaduais de
Belém ainda é o do diretor preposto do Estado, sem cor própria, gerente da ordem e da disciplina,
que se esconde num emaranhado de normas, diretrizes, portarias e rotinas escolares, ainda que em
seu estabelecimento seja considerado a figura máxima, de quem dependem as decisões substantivas
na escola – é a própria reprodução da relação com o Sistema de Ensino.
A grande senha para a justificação da impossibilidade da realização de um trabalho
consequente, construtivo, proveitoso e relevante na escola pública, ainda continua sendo a
precariedade de recursos. É claro que as carências são enormes, mas a burocratização dos
processos, a fragmentação das ações e sua individualização, a que os gestores se submetem, geram
a falta de responsabilidade das pessoas para com os resultados finais pouco favoráveis do processo
educativo escolar – é a cultura do determinismo e dependência.
Novas relações de poder, de práticas e da própria organização escolar são necessárias para
atender às exigências da realidade contemporânea, na qual as organizações sociais têm maior
complexidade e comportam uma pluralidade de interesses em jogo.
Conforme já se evidenciou, o diretor escolar não é determinante na melhoria da qualidade
do processo pedagógico, mas “... torna-se um verdadeiro “ponto de referência” e constitui o
desencadeador privilegiado de qualquer ação específica que vise à melhoria da qualidade do
ensino” (VALERIEN, 2000, p. 16).
A realidade é global, dinâmica, histórica, construída socialmente; os atores pensam, agem e
interagem. O próprio ambiente social é dinâmico, não podendo ser plenamente controlado, mas
orientado.
A orientação impulsiona, enquanto o controle cerceia. O administrador precisa ter clareza e
consciência das incertezas, ameaças, contradições, tensões, conflitos e, sobretudo, das
oportunidades presentes em qualquer processo social.
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O processo de direção é entendido como trabalho em equipe, que envolve todos os atores
com interesse e atuação concreta na ação educativa: professores, assessores, alunos, pessoal
administrativo, pais. A tomada de decisão precisa ser coletivizada.
Para que essa nova configuração se concretize, há necessidade de que os espaços escolares
gozem de autonomia; da criação de órgãos colegiados (como instrumento permanente de educação
política); de que os processos de provimento dos dirigentes seja o mais democrático; de que a
descentralização aconteça realmente (como redistribuição de poder) e, sobretudo, de que o corpo
escolar construa coletivamente seu projeto político-pedagógico e dele faça brotar novos projetos
setoriais, capazes de dar vida ao que lá foi proposto, sintonizados com as necessidades de mudança.
Todas essas medidas não significam que esteja assegurada a democracia, embora favoreçam
consideravelmente relações mais humanas e solidárias, que podem contribuir para o
aperfeiçoamento do homem.
Urge, também, a compreensão de que esses instrumentos de democracia não vão evitar que
apareçam os conflitos, as tensões, as ameaças, as contradições. Muito pelo contrário, eles até
propiciam que aflorem com maior visibilidade.
Um ponto a não ser esquecido é que não há modelos aplicáveis a qualquer realidade, além
do que as instituições são constituídas por pessoas com visões de mundo, valores e interesses
diferentes, que, eventualmente, em determinada conjuntura, têm algumas coisas em comum, que as
une naquele espaço.
No novo processo produtivo, em que a flexibilização (a possibilidade de mudança sem
comprometimento de produtividade e qualidade do produto) é a principal marca, a qualificação
humana precisa ser muito mais completa. Além da aquisição de conhecimentos intelectuais, outros
requisitos se impõem, daí esta precisar reformular-se, mas não apenas para atender às demandas do
mercado, porque se assim o fosse ficaria reduzida sua missão a uma dimensão utilitária e
imediatista. Para ela queremos muito mais, como formadora do cidadão e não do consumidor
competente, porque para isso outras instâncias poderão fazer satisfatoriamente.
Não se trata de formar o cidadão que possui direitos e que tenha condições de garanti-los
mas, sobretudo, aquele que ajuda a criar outros direitos.
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de classe. In GENTILI, Pablo. (org.) Pedagogia da exclusão. Petrópolis - RJ: Vozes, 1995.
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18
A DESCENTRALIZAÇÃO DA GESTÃO E A AUTONOMIA
FINANCEIRA NA EDUCAÇÃO, COMO ESTRATÉGIAS
ADMINISTRATIVAS E POLÍTICAS PARA REDEFINIÇÃO DO
ESTADO BRASILEIRO
Falar em qualquer política educacional no Brasil de hoje é invadir caminhos obscuros que
fatalmente nos levam a alongar o percurso para tentar estabelecer nexos concretos com nossa prática
social, não apenas no plano teórico, mas na realidade vivida no nosso dia-a-dia de professor/educador e
pesquisador. Por isso, apesar de fazermos um recorte com base em pesquisas realizadas e em acúmulos
teóricos sobre o “Observe” Observatório de Gstão Escolar Democrática e, particularmente o Programa
Dinheiro Direto na Escola (PDDE)2 em Belém, priorizamos um caminho mais longo para situar
historicamente nosso objeto de análise e buscar socializar interativamente os resultados dos estudos
desenvolvidos a partir de 2003, que estão sendo concluídos, com relatório final enviado ao CNPq, que
financiou parcialmente a 2ª pesquisa.
A descentralização da gestão e autonomia financeira nos remete a identificar a origem da
priorização da gestão, como elemento importante para a modernização do Estado brasileiro, em sua crise
desde o final dos anos 1980. Ao justificar a crise brasileira, o MARE (1995) alude sua gênese à forma
burocrática de administrar o Estado, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, considerada
por muitos dos que participaram da formulação do Plano Diretor da Reforma do Estado como um
retrocesso, o que avaliamos como resultante de um
conjunto de direitos sociais prescritos e que
deveriam ser garantidos, podendo gerar o aumento dos gastos públicos, num momento em que no mundo
inteiro o Estado social estava se esfacelando, ainda que, segundo Hobsbawm (2000):
Até nos regimes mais radicalmente neoliberais, os sistemas de saúde,
serviços públicos e previdência são em geral quase todos proporcionados
pelo Estado..(...) os governos precisam satisfazer as demandas sociais de
suas populações (p. 94).
Em decorrência dos anos autoritários (1964-85) vividos no Brasil, as elites políticas
necessitavam dar respostas à sociedade, em termos de ações afirmativas, devido mais à pressão dos
movimentos organizados e ao próprio descontentamento geral com a situação do país. Muitas
reivindicações represadas foram consagradas na Constituição Federal como direito social e
regulamentadas, menos como compromisso e mais por esperteza, por parte da classe política, daí a
2
Pesquisa realizada nas cinco regiões brasileiras, no período de junho de 2003 a dezembro de 2005, coordenada por
Vera Peroni da UFRGS, parcialmente financiada pelo CNPq, na qual coordeno o Pará, contando com as pesquisadoras
Dalva Valente Gutierres e Luizete Cordovil da Silva, além de auxiliares de pesquisa.
19
contradição manifestada logo nos anos subseqüentes: o governo do Presidente Sarney (85-90) expressou
discussões em torno da necessidade de pensar-se na “governabilidade”, entendida como condições
adequadas de exercício do poder de governar, ou mesmo crise de governança, como também a chamam,
que é a incapacidade financeira e administrativa de um governo para realizar suas decisões e
implementar políticas públicas. Tal situação decorre das garantias sociais constitucionais pactuadas, com
o argumento de que o Estado não teria condições financeiras de garantir, o que foi intensificado no
governo Collor de Mello e consolidado com FHC e Lula, com a invasão da ideologia neoliberal de
estreitamento concreto do espaço público. Daí Sader (2001) afirmar que se trata de “um neoliberalismo
tardio”, com a proposta de corte dos gastos públicos, privatização das empresas estatais e abertura da
economia ao exterior, dentre outras, num processo de modernização liberal, em que o Estado deixa de
ser responsável pelo desenvolvimento econômico e social para ser apenas um regulador, um articulador.
Nessa direção, o Plano de reforma propõe mudanças na estrutura organizacional do aparelho
estatal, a partir da criação de mecanismos de descentralização, de redução da hierarquia, da avaliação de
resultados, o que são elementos importantes para a gestão democrática, com base em um discurso
participacionista convincentemente estruturado, utilizado como fortes estratégias administrativas e
políticas, para introduzir um novo padrão de gestão, adequado e compatível com a proposta das agências
multilaterais de financiamento, como Banco o Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento,
embasadas em diagnóstico da crise do Estado brasileiro em suas condicionalidades dos acordos de
assistência técnico-financeira, compactuadas com os elaboradores de nossas políticas públicas, a classe
dirigente.
É uma nova concepção de administração pública centrada nos resultados, que o PDRAE
denomina de “gerencial”, nos moldes empresariais do tipo Toyotista, de qualidade total para a satisfação
dos clientes-consumidores dos serviços públicos. Tal padrão tem a ver com a minimização dos
desperdícios; melhor aproveitamento do tempo, do espaço dos recursos materiais e humanos; maior
produtividade, o que significa a busca da excelência no atendimento desse cliente.
Há autores que defendem a idéia de que esta exacerbação dos processos gerenciais tem a ver com
as teses do americano James Burnham em seu livro “The Managerial Revolution”, considerado como
precursor das modernas teorias de administração gerencial:
A preocupação com o gerenciamento das ações, a política de propaganda
dessas ações é de mostrar sempre que há um comando gerencial, como nas
grandes empresas...no exercício do poder de gerir [... ](PARÉS, 2005 p. 59).
Boron (2003) argumenta que as reformas na América Latina deveriam ser denominadas
processos de contra-reformas, porque funcionaram na direção oposta a que se deveria esperar, pois a
palavra Reforma, na tradição ocidental, se articula com igualdade e liberdade, uma vez que deve se
20
dirigir para algo mais positivo, para melhorar dada realidade. No caso específico da educação, [ ...]
comienza a ser convertida em um servicio y termina siendo um bien como automóvil cualquiera... la
conclusión inexorable es que bienes se compran y se venden em um ámbito institucional que es mercado
y que no tiene nada que ver com la democracia. (p. 34). Concordamos com o autor, porque se pode
considerar o próprio significado da palavra reformar, que quer dizer mexer, arrumar para ficar melhor e
não para destruir, mas também há um outro lado, qual seja o de ajeitar, ajustar para levar noutra direção,
conferindo-lhe uma aparência de melhoria geral, o que significa para Mészáros (2005),
... corrigir algum detalhe defeituoso da ordem estabelecida, de forma que
sejam mantidas intactas as determinações estruturais fundamentais da
sociedade como um todo, em conformidade com as exigências inalteráveis
da lógica global de um determinado sistema de reprodução. (p. 25)
As medidas ou políticas educacionais para a nova qualificação da escola têm sido justificadas por
meio de razões técnicas, em nome da modernização, da eficiência, da eficácia, da produtividde,
apregoados pela administração do tipo empresarial, em que se otimizam os meios para o alcance dos fins
desejados, enquanto modelo único e universal de gestão. Daí a larga divulgação do programa de
qualidade total nas escolas, porque as elites dirigentes da Educação do país, debitam, preferencialmente,
os problemas históricos da educação à má gestão das escolas, em sintonia com os diagnósticos
apresentados na Conferência de Jomtien de 1999 e de Dakar em 2000, patrocinadas pela UNESCO,
Organização dos Estados Americanos. É incontestável que há má gestão no aparelho estatal, mas o que
discordamos é considerar-se isto como causa maior dos atrasos e problemas do Sistema Educacional
brasileiro.
Tais configurações advêm das orientações de políticas do FMI e Banco Mundial, com a criação
do Fundescola, que é um programa do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação desenvolvido
com a Secretaria de Educação Básica do MEC e pelas Secretarias estaduais e municipais de educação da
região Norte, Nordeste Centro-Oeste que congrega um conjunto de políticas de melhoria de gestão, em
direção da qualidade, como: Progestão, Progestar, Plano de Desenvolvimento da Escola, Programa
Dinheiro Direto na Escola, Prêmio Nacional de referência em gestão escolar dentre outros. Lembrando
que tais políticas são estabelecidas, com base em diagnósticos construídos no Brasil para os organismos
internacionais.
Sua missão é promover, em regime de parceria e responsabilidade social, a
eficácia, eficiência e eqüidade3 no ensino fundamental público das regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste, por meio da oferta de serviços, produtos e assistência
técnico-financeira inovadores e de qualidade, que focalizam o ensino-
3
O princípio da igualdade como direito de todos os cidadãos foi substituído por eqüidade, que significa a cada um, de acordo
com seus méritos.
21
aprendizagem e as práticas gerenciais das escolas e secretarias de educação.(o
grifo é a nota são nossos) (FNDE, 2005 p. 1).
O financiamento desse programa (Fundescola) vem do governo federal e de empréstimos do
Banco Mundial e está atendendo atualmente 384 municípios e 19 Estados, atingindo cerca de 8 mil
escolas públicas, dentre aqueles municípios mais populosos, segundo IBGE. O montante de recursos
envolvidos está em torno de US$ l,3 bilhão. Na primeira fase incentivou programas ligados à gestão
escolar e do processo ensino-aprendizagem. Na segunda, atuou mais com o planejamento estratégico das
secretarias (FNDE, 2005), na qual a Secretaria Estadual de Educação do Pará implantou e implementou
a gestão estratégica, em 2003, por meio de um processo de planejamento estratégico situacional (PES)
desencadeando mudanças da estrutura organizativa, visando à descentralização da administração, tanto
internamente como em termos do Sistema Estadual de Educação, organizando e agrupando as escolas
da rede em pólos, que congregam determinado número de escolas, nos quais deverão ser resolvidos os
problemas, sem necessidade de ir à SEDUC.
Na análise de Bresser Pereira (1997, p. 42), as novas orientações sinalizam para um novo padrão
de gestão da coisa pública, cujas características principais são: 1- a orientação da ação do Estado para o
cidadão-usuário, ou cidadão-cliente; 2- ênfase no controle dos resultados por meio dos contratos de
gestão; 3- fortalecimento e aumento da autonomia da burocracia estatal; 4- separação entre as secretarias
formuladoras de políticas públicas, de caráter centralizado, e as unidades descentralizadas executoras
dessas políticas; 5- distinção de dois tipos de unidades descentralizadas: as agências executivas, que
realizam atividades exclusivas de Estado, e as organizações sociais, que realizam atividades
competitivas [como é o caso da educação]; 6- transferência para o setor público não-estatal dos serviços
sociais e científicos competitivos (no caso da educação básica, do MEC para as UExs); 7- adoção
cumulativa, para controlar as unidades descentralizadas por meio de três mecanismos: controle social
direto, contrato de gestão e formação de quase-mercados; e 8- terceirização das atividades auxiliares ou
de apoio.
De acordo com este modelo de gestão, a formulação das políticas sociais permanece centralizada
no que se denominou de “núcleo estratégico”, que envolve o executivo, o legislativo, o judiciário e o
Ministério Público, enquanto a execução e os recursos financeiros para a oferta dos serviços são
descentralizados para as Organizações Sociais – OS.
No caso específico da educação, este núcleo é o MEC, a quem cabem as decisões centrais
referentes à gestão e ao controle da política de gestão financeira da escola. A execução destas decisões,
porém, é transferida para as escolas por meios das UEXs que, para receberem e administrarem os
22
recursos descentralizados do programa, precisam criar seus colegiados (como Conselhos Escolares, aqui
no Pará) transformados num tipo similar às OS4 que, de acordo com a MP nº 1.591, de 9-10-1997, são:
[...] pessoas jurídicas de direito privado, constituídas sob a forma de associações
civis sem fins lucrativos, que se habilitam à administração de recursos humanos,
instalações e equipamentos pertencentes ao Poder Público e ao recebimento de
recursos orçamentários para a prestação de serviços sociais. Para ter direito à
dotação orçamentária, essas entidades deverão obter autorização legislativa para
celebrar contratos de gestão com o poder executivo.
Os ideólogos da emergência do Terceiro Setor5, entendido como remédio poderoso para
superação da crise do Estado, utilizam-se de argumentos convincentes a fim de demonstrar que a
participação solidária é a única chance para que todos se unam em benefício do bem comum, onde cada
um fazendo sua parte, a partir da recontextualização de conceitos como participação, controle social,
autonomia, descentralização, há muito buscados pelas esquerdas brasileiras, capturando assim até alguns
intelectuais antes altamente críticos, o que faz a discordância, hoje, ser um desafio ou algo ultrapassado.
Os termos autonomia e descentralização são associados à idéia de gerenciamento de recursos,
racionalização e desburocratização do aparelho estatal.
Importa destacar que a política de descentralização das ações executivas propostas pelo governo
de Fernando Henrique na década de 1990 que tem na escola o seu lócus privilegiado, como se pode
constatar:
São os Estados e Municípios que efetivamente atuam no nível estratégicogerencial do sistema educacional, pois acompanham, avaliam, coordenam e
integram o planejamento e os resultados alcançados pala escola. Aqui reside o
ponto mais importante do sistema educacional, pois é exclusivamente na escola
que os resultados podem ser alcançados. A escola, portanto, sintetiza o nível
gerencial-operacional do sistema (BRASIL, MEC, 1995, p.4, grifo nosso).
As reformas propostas e implementadas no Brasil apontam para o enfraquecimento do Estado em
sua função social, num processo de racionalização mercantil, em favor da empresa privada:
[.. ] a reforma do estado deve ser entendida dentro do contexto da
redefinição do papel do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo
desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para
4
Chauí (1999, p. 218-9), ao diferenciar uma organização social de uma instituição social, analisando, especificamente o caso
das universidades no contexto da reforma do Estado dos anos 1990, afirma que a organização social tem a instrumentalidade
como prática social reguladora, que “está referida ao conjunto de meios (administrativos) particulares para obtenção de um
objetivo particular”. Seu alvo principal é, neste sentido, vencer esta competição. Uma instituição social, ao contrário, tem a
democracia como idéia reguladora e aspira ao princípio da universalidade, tendo a sociedade como seu princípio e sua
referência básica. A instituição social, ao contrário da organização social, “[...] se percebe inserida na divisão social e política
e busca definir uma universalidade (ou imaginária ou desejável) que lhe permite responder às contradições impostas pela
divisão.”
5
O 1° setor é o Estado, considerado pelo MARE como burocrático, ineficiente e corrupto; o 2° Setor é o Mercado, que se
orienta pela busca do lucro e o 3° é a Sociedade Civil, identificada com o público não-estatal.
23
fortalecer-se na função de promotor e regulador desse movimento (NETO ET
ALMEIDA, 2000, p. 37).
Aqui, entra o público não-estatal como a possibilidade de realização das políticas públicas com
maior eficiência e produtividade, em que as melhorias podem ser concretizadas porque deve se dar fora
do espaço público, que é um local de política, de luta, de baixa realização, de desperdício de toda
natureza, enfim, de toda irracionalidade. Tal discurso já virou senso-comum, porque todos têm em
alguma medida algo para embasar tais justificativas de inoperância, em termos de atendimento nos
serviços públicos, como se os problemas só acontecessem em instituições de natureza pública estatal. È
uma forma de escamotear a questão, sem examinar a essência do problema.
Na tentativa de conectar a discussão, buscaremos enveredar pela história recente do Brasil para
compreendermos as origens dessa nova pauta em que se inclui necessariamente o papel das ONGs como
uma alternativa de mitigação da crise estrutural vivida pelo capitalismo moderno hegemônico no mundo,
na sua fase de reestruturação produtiva.
Com a emergência das OS, estabelece-se uma nova relação entre Estado e Sociedade no que tange
à oferta dos serviços sociais, especialmente. Nesta relação, institui-se uma parceria “[...] baseada em
resultados, que conjuga autonomia, flexibilidade e responsabilidade na gestão.” (Ibid., p. 121). Nessa
parceria, o Estado assume o compromisso de financiar, total ou parcialmente, os serviços e as OS
assumem a prestação destes, sendo as responsáveis pelos resultados definidos no contrato de gestão
assumido na parceria (Ibid.).
Para Gentili (1998b, p. 85-6),
[...] a delegação do fornecimento de determinadas funções educacionais para o setor
privado com a manutenção do financiamento público,” que ocorre por meio de parcerias
entre o Estado e entidades privadas, tem-se constituído numa das formas mais complexas e
originais de privatização da educação pública, pois, ao contrário de outros processos de
privatização,6 na descentralização de funções com repasse de recursos públicos o Estado é
fraco, enquanto mecanismo institucional orientado a garantir condições de justiça social à
grande maioria da população, mas é, ao mesmo tempo, forte, [...] com capacidade de
controle e poder decisório quase sempre discricionário e autoritário,” o que significa que
“privatizar não significa ‘afastamento’ do Estado” (Ibid., p. 87).
No caso específico dos serviços de educação ofertados pela escola, esta também passa a ser a
lógica que orienta a oferta dos serviços educacionais (delegação de funções, do MEC às UEx, com
recursos públicos) por meio de uma parceria estabelecida entre Estado e Sociedade. Nessa direção,
A operacionalização do programa [PDDE] tem por base o princípio da parceria,
envolvendo as três esferas de governo (federal, municipal e estadual) e, sobretudo, a
participação ativa da comunidade escolar, por meio de organizações representativas,
chamadas Unidades Executoras (UExs) (BRASIL, 2004e, p. 1, grifo nosso).
6
A exemplo da privatização do financiamento, no qual o Estado retira-se como agente central na alocação dos recursos e
transfere essa responsabilidade aos próprios usuários do serviço, por meio do pagamento de mensalidades (Ibid., p. 77).
24
Nessa parceria, ao FNDE cabe, dentre outras atribuições, “[...] prover os recursos para execução
do PDDE”, e às Unidades Executoras,
a)- empregar os recursos em favor das escolas que representam, de conformidade
com os critérios e as normas estabelecidas [e elaboradas pelo FNDE, como vimos]
para execução do PDDE; b)- prestar contas à Secretaria de Educação do Estado
ou do Distrito Federal ou do município a que a escola pertença, da utilização dos
recursos recebidos (BRASIL, 2003a, p. 2, grifo nosso).
Da transferência da responsabilidade pela execução dos serviços ofertados pela escola, ocorrida
com esta parceria, decorrem duas grandes atribuições às UExs: aplicar os recursos, transferidos e
captados, em ações que incidam, efetivamente, na melhoria da oferta dos serviços e prestar contas desta
aplicação. Às UEXs compete, portanto, não apenas exercer direitos sobre os recursos da escola (recebêlos e administrá-los), mas cumprir com compromissos assumidos na parceria com o MEC. Neste sentido,
a autonomia proposta no PDDE não existe apenas para garantir direitos às UEXs sobre os recursos da
escola, mas também para que esta assuma novas obrigações.
A Unidade Executora é uma entidade jurídica de direito privado sendo um órgão de
representação de pais, professores, funcionários da escola e da comunidade em
geral. Como pessoa jurídica, ela possui autonomia para exercer direitos e
contrair obrigações com os recursos recebidos de órgãos governamentais, de
entidades públicas e privadas, doações e outros (BRASIL, 1995 ou 1996a, p. 9, grifo
nosso).
No caso específico do financiamento dos serviços de educação, esta medida foi apontada pela
Comissão Econômica Para América Latina e Caribe como estratégia de redução dos investimentos
públicos no setor. Como vimos anteriormente, a CEPAL propunha que quanto maior for o volume de
recursos privados, captados pela escola a partir da participação financeira dos pais, dos empresários, etc.,
em ações desenvolvidas pela unidade de ensino, menor deve ser o aporte de recursos públicos para ela
(CEPAL, 1992).
Analisando esta questão na Resolução Nº 10 de 2004, o que fica evidente é que o Estado não
garante, incondicionalmente, a transferência de recursos federais para as UEx, como podemos constatar
no trecho abaixo:
Concluídos os procedimentos de adesão e de habilitação, ao PDDE, das secretarias de
educação dos Estados e do Distrito Federal, das prefeituras municipais, das UEXs e das EM
e ultimados os preparativos de abertura de contas correntes, o FNDE providenciará os
correspondentes repasses, desde que haja disponibilidades orçamentária e financeira e
as entidades adeptas e habilitadas estejam com as prestações de contas de exercícios
anteriores ao do repasse aprovadas ou estejam enquadradas na situação prevista no Art. 18
desta Resolução (BRASIL, 2004a, p. 8, grifo nosso).
25
Isto significa que às UExs é imposto um compromisso de parceria com o MEC (executar os
serviços antes sob a incumbência deste) sem que as condições financeiras sejam efetivamente asseguradas
pela outra parte (Estado), o que põe em jogo a oferta pública dos serviços da escola, uma vez que a
Unidade Executora é regida, de acordo com o Programa de Publicização, como transferência de ações
públicas de responsabilidade do Estado para a esfera privada, pelo modelo de organizações sociais, no
qual não existe nenhum instrumento jurídico ou institucional que garanta a manutenção do aporte dos
recursos necessários à sua sobrevivência, mesmo quando atingidos todos os resultados determinados no
contrato de gestão (BARRETO, 1999, p. 129).
Porém, no nosso modo de entender, o problema central não é o Estado garantir a descentralização
dos recursos, mas a nova concepção do público, como algo que necessariamente deva ser feito pelo
particular, porque é mais competente do que o estatal, que tem isso como uma característica imanente.
A execução das atividades a serem realizadas por meio do programa, como a contratação de
serviços que garantam a manutenção da escola, já foi descentralizada e assumida pelas UEXs na medida
em que elas aderiram ao programa.7
Se esta possibilidade de falta de recursos ocorrer ou se eles tornarem-se insuficientes a cada ano
(dadas as demandas da escola pública), as unidades de ensino ver-se-ão obrigadas a captar recursos
privados, a partir de diferentes formas que lhe são asseguradas no PDDE, pois estas demandas da
comunidade persistem e exigem soluções, muitas imediatas. Esta possibilidade de captação de recursos
privados é legalmente assegurada às UEx no programa pelo MEC, já que
[...] Os meios e recursos para atender os objetivos da UEx serão obtidos mediante: a)
contribuição voluntária dos sócios; b) convênios; c) subvenções diversas; d) doações; e)
promoções escolares; f) outras fontes (BRASIL, 1995 ou 1996a, p. 27, grifo nosso).
O Estado ao conceder autonomia às escolas (transferindo não apenas recursos mas também
funções e atribuições) e não garantir recursos financeiros suficientes para que as unidades de ensino
realizem os serviços de educação, estas são obrigadas a resolverem, por si mesmas, seus problemas de
falta de recursos.
Para isso, as escolas beneficiárias do PDDE são regidas pelo sistema privado, flexível, que lhe
assegura condições legais de captar recursos de formas variadas. Para isso, elas também dispõem de
autonomia financeira, enquanto estratégia de gestão, bastando que sejam criativas na forma de buscar
soluções para o problema da falta e/ou insuficiência dos recursos e assim atender rapidamente às demandas
da comunidade que atende.
7
Na verdade, não se trata de uma adesão das escolas, mas do ministério responsável pela oferta do serviço de educação
que aquelas realizam, neste caso o MEC. Assim sendo, as escolas públicas tomam a conformação de uma organização
social de direito privado responsáveis pela oferta dos serviços de educação porque o MEC optou pelo Programa de
Publicização proposto pelo governo brasileiro para o setor de serviços sociais e científicos.
26
No caso específico desses programas descentralizados como o PDDE, o que são as UEXs de que
tanto estamos falando: São os Conselhos Escolares, como poderia ser Associações de Pais e Mestres,
Caixa Escolar ou outras, enquanto organizações coletivas de representação de segmentos escolares.
Neste processo, a participação e a contribuição de todo e qualquer cidadão é fundamental, já
que, para o MEC, todos são co-responsáveis pela oferta da educação.
A participação e a contribuição dos cidadãos na escola de seus filhos justifica-se,
segundo da Paz (2002), por duas razões fundamentais: 1- a CF (Art. 205), que
torna todo cidadão co-responsável pela promoção da educação; e 2- a estreita
relação entre a participação dos pais no Conselho Escolar e os resultados dos
alunos.
Ser cidadão, neste espaço, não pressupõe o direito a ter os direitos de educação pública
assegurados, mantidos e regulamentados pelo Estado a partir dos interesses e reivindicações da
população, mas o de assumir o compromisso de contribuir para que este serviço seja ofertado, ou seja,
responsabilizar-se por parte de sua manutenção. É o cidadão “mais participativo” e “menos espectador”
de que nos fala Pereira (1998a). É uma nova concepção de cidadania, que tem a ver com clienteconsumidor, que pode fazer suas escolhas no mercado, daí ter direito de consumidor, hoje tão propalado
na mídia.
Fica evidente que, se de um lado, o Estado descentraliza recursos públicos para as escolas
executarem ações voltadas à Manutenção e ao Desenvolvimento do Ensino - MDE, e assim criarem
espaços de decisão, de autonomia, ainda que limitados, acerca do emprego dos recursos públicos, de
outro, ele coloca à disposição das UEXs um conjunto de estratégias de substituição da manutenção
pública da escola pela privada no momento em que diversifica as fontes de recursos da escola por meio
do PDDE.
É importante ressaltar que o PDDE não traz, como novidade, a prática de captação de recursos
privados pela escola pública. Esta prática tem-se dado muito comumente por meio, de festas (como a
junina, de misses escolares) e feiras escolares (como a da pechincha) com o objetivo de angariar fundos,
ao lado de aquisição de papel para avaliações, de apostilas vendidas por alguns professores para a
realização de pequenas ações na escola, dadas as condições de precariedade historicamente vividas pelas
escolas públicas. Isto compromete esta manutenção pela substituição do aporte público pelo privado na
medida em que as fontes para a manutenção das unidades de ensino tornam-se, concorrentemente,
públicas e privadas e também porque tais iniciativas acabam se transformando em cobranças indiretas
permanentes dos pais e alunos, o que representa uma contradição, por ser legalmente proibido nas
escolas públicas de Belém, ao mesmo tempo em que o próprio MEC as incentiva e as legitima.
Esta tendência é justificada por dois fatores interdependentes. Primeiro: os recursos públicos
transferidos às escolas com o PDDE são irrisórios diante das necessidades de despesas de custeio e
27
capital, o que pode forçosamente, conduzir as unidades de ensino à necessidade de ampliá-los, captando
outros de fontes privadas por meio de parcerias ou diretamente com a realização de eventos de toda
natureza, obrigando muitas vezes os pais a arcarem com rifas, bingos ou outras promoções similares,
para assim dar conta das suas demandas. Segundo: não encontramos nenhuma norma nos documentos do
PDDE analisados que limite os valores dos recursos a serem captados pela escola, nem tampouco formas
de controle o que significa que as unidades de ensino podem buscar ilimitadamente recursos para dar
conta das ações planejadas no seu projeto pedagógico, além do agravante de poder dos dirigentes
escolares para usar os recursos angariados, sem regulação, ainda que os colegiados escolares existam.
Este segundo fator abre brechas para, pelo menos, duas possibilidades: 1- os montantes de
recursos privados podem tornar-se superiores aos recursos públicos, o que reduz ainda mais estes,
tornando o Estado menos mantenedor da educação pública; e 2- as escolas podem tornar-se cada vez
mais diversificadas, em termos de disponibilidades financeiras, possibilitando atendimentos
diversificados, em termos qualitativos, independente do número de alunos que tiverem, uma vez que a
autonomia financeira pode configurar-se de diferentes formas em cada unidade ou em cada município ou
região do país, como prevê o próprio MEC.
A participação está fortemente vinculada ao princípio constitucional
da gestão democrática expressa na CF e na LDB em seus artigos 14 e
15. Assim, é esse princípio democrático que deve ser o orientador
maior das diversas formas que a autonomia financeira pode vir a
tomar nas diferentes escolas e nos diferentes municípios. Desse
princípio não se pode fugir, e é dele que deve vir a inspiração para
tornar todos os atos relacionados com o planejamento e o uso dos
recursos financeiros em atos de aprendizagem e de exercício da
cidadania (BRASIL, 2001, p. 283, grifo nosso).
Ainda que o programa tenha sido criado a partir de uma política de descentralização de recursos
financeiros federais (o que em tese significa que a autonomia proposta pelo programa impunha apenas
uma autonomia de gestão financeira, e não autonomia financeira), cabendo às UEx a administração dos
recursos públicos transferidos, o governo brasileiro, ao diversificar as fontes de recursos da educação
no PDDE, institui a lógica da participação financeira privada na escola pública. A partir da Resolução n°
17 de 09.05.05 os colegiados das escolas não são mais denominadas de unidades executoras, passando a
chamar-se entidades sem fins lucrativos
Referindo-se ao papel do Conselho Escolar na implementação dessa autonomia, o MEC afirma
que
O Conselho Escolar, instrumento de participação da comunidade,
deve ser o maior aliado do gestor na construção da autonomia
financeira da escola. O repasse de recursos financeiros para a
escola, se for bem trabalhado, pode se transformar em ponto de
28
partida para a própria formação e o fortalecimento dos conselhos
(BRASIL, op. cit. p. 283).
Santos (2004), ao analisar a configuração destes Conselhos no PDDE (como uma organização
social, no padrão de ONGs), afirma que “poderão servir de mantenedores da unidade escolar” uma vez
que, ao fomentar as ações em parceria na escola, o MEC institui a lógica da captação de recursos
privados na escola pública, o que, para a autora, pode estimular a competição na escola, “por meio de
diferentes estratégias, como a criação de ranking, prêmios de gestão, etc., obrigando as escolas a
funcionarem como organizações sociais e buscarem qualquer tipo de parceria [...] em nome da melhoria
das suas condições materiais.” (id. ibid., p. 7).
Com esta medida, afirma Santos (Ibid.),
[...] o Estado poderá ter espaços objetivos para se desobrigar de sua
responsabilidade com a educação. O Programa Dinheiro Direto na Escola é
um exemplo emblemático dessa ideologia de abertura e fomento às ações
em parceria, na busca pela captação de novos recursos capazes de viabilizar
a autonomia das unidades escolares para se auto-financiarem (SANTOS,
2004, p. 7).
Nesse contexto, o papel do Estado de mantenedor dos serviços oferecidos pela escola cede
espaço para outros atores (em especial os membros das UExs) que, se desejosos de uma educação de
qualidade, devem também “fazer a sua parte” na educação, contribuindo e cooperando, de toda forma,
para o que a conjugação de esforços coletivos é uma condição básica.
Art. 3º- Constituem finalidades específicas das UEx a conjugação de
esforços, a articulação de objetivos e a harmonia de procedimentos, o que a
caracteriza por: [...] b) promover a aproximação e a cooperação dos
membros da comunidade pelas atividades escolares; [...] d) cooperar na
conservação dos equipamentos e prédios da unidade escolar; [...] (BRASIL,
1995 ou 1996a, p. 20, grifo nosso)
A concepção de participação defendida pelo MEC assume caráter compulsório e normativo e,
como afirma Lima (2000, p. 71):
(...) Deste ponto de vista, a passividade e a não-participação representam
uma ruptura preocupante, assumindo num primeiro momento e por
referência àquele princípio normativo, contornos considerados negativos...
Nesta medida residem três graves problemas: 1- o Estado transfere, explicitamente, a
responsabilidade pela manutenção da escola para a comunidade com a criação deste fundo financeiro; e
2- trabalha a idéia da cooperação financeira da comunidade como um dever, uma obrigação dos
29
membros da Uex; 3° a imposição de participação dos pais, não considerando a vontade de nãoparticipação, baseada numa concepção imanentista de participação, de que nos fala Lima (2001)8
Mas, para ser bem sucedido, o MEC constrói um discurso assentado na importância da
participação dos pais na escola de seus filhos, argumentando a necessidade de se desenvolver uma nova
lógica de funcionamento baseada na conscientização da importância de se “participar.” Assim afirma
que
Não há lei que obrigue a sociedade a participar [...] razão pela qual é
preciso desenvolver um trabalho de conscientização capaz de levar as
pessoas à descoberta da importância de colaborar, de sugerir, de
fiscalizar (BRASIL, 2002, p. 14, grifo nosso).
Neste trecho, o MEC deixa explícito que a mudança da escola pública em direção à melhoria da
sua qualidade está na introdução e aceitação, pela sociedade em geral, de uma nova lógica de
funcionamento e esta nova lógica está assentada na colaboração, de toda ordem, das comunidades
escolar e local nas questões da escola. Por isto, o “segredo” está na mobilização da comunidade, na
garantia do seu apoio e da sua cooperação na manutenção e na execução das atividades planejadas pela
escola, como se tal participação fosse algo dado, como princípio irreversível, pelo fato de ter sido
consagrada na Constituição Federal de 1988
Para se conquistar o apoio da família e da comunidade, é preciso
oferecer-lhes condições de influir no processo de decisão, sendo,
portanto, necessária a descentralização financeira para a comunidade
participar da gestão da escola (BRASIL, 1995 ou 1996, p. 9, grifo nosso).
Por isto, os membros da UEXs e a comunidade atendida pela escola precisam estar conscientes
de que a sua “participação,” a sua colaboração são fundamentais no sucesso da escola. Neste sentido, o
MEC assegurou, como direitos, que os sócios da UEx podem
votar e ser votado; participar de atividades sociais e culturais;
apresentar sugestões e oferecer colaboração à Unidade
Executora; solicitar, em assembléia geral, esclarecimentos sobre as
atividades da UEx e sobre atos da Diretoria e do Conselho Fiscal
(BRASIL, 1995 ou 1996a, p. 17, grifo nosso).
Ou seja, de dever do Estado, o financiamento das ações da escola é trabalhado, no PDDE, como
um “direito” de participação da comunidade usuária dos serviços da escola, legalmente assegurado no
programa.
8
Para Lima, a não-participação é uma forma de dizer algo. De uma opção racional, como forma de garantir espaços de
autonomia, de proteger interesses e evitar novas formas de controle, além do que uma coisa é o plano das orientações e
outro das ações que se efetivam no interior da escola. Malcom Werner (apud Lima) considera que a participação não
deve ser considerada como um valor em si mesma, não é necessariamente uma coisa boa. Tudo vai depender de quem
participa, de suas condições, de onde e quando isto se dá.
30
A colaboração financeira da comunidade na manutenção da escola pública foi prevista na
reforma do Estado por Bresser Pereira (2001), que já definia que a sociedade assumiria parte dos
compromissos financeiros dos serviços sociais executados pelas Organizações Sociais.
A desresponsabilização do Estado com a oferta pública dos serviços executados pela escola por
meio da UEx não está apenas na questão do financiamento, mas também na prestação dos serviços a
serem realizados nas unidades de ensino. Neste caso, o que o MEC propõe é a substituição da prestação
estatal dos serviços pelo serviço voluntário, que pode ser realizado por todo e qualquer membro da
UEx, desde que interessado em “colaborar” com a escola.
Esta colaboração voluntária na realização de ações e/ou serviços na escola pode se dar a partir
das especificidades de cada unidade de ensino e será determinada pela conjugação de diversos fatores.
Porém, acreditamos que, ao determinar que a UEx seja constituída por um número ilimitado de
membros9 ou “sócios,” o MEC contribui para uma maior divulgação e incentivo a este tipo de prática na
escola.
A Unidade Executora será constituída com número ilimitado de
sócios pertencentes às categorias: efetivos – serão sócios efetivos os
pais de alunos, o diretor e o vice-diretor do estabelecimento de
ensino, os professores e os alunos; colaboradores – serão sócios
colaboradores o pessoal técnico-administrativo, os pais de exalunos, os ex-diretores do estabelecimento de ensino, os exprofessores, os ex-alunos e os demais membros da comunidade,
desde que interessados em prestar serviços ao estabelecimento de
ensino e aceitos pela Diretoria (BRASIL, 1995 ou 1996a, p. 16-7,
grifo nosso).
Antes do PDDE, o critério das escolas para a composição dos membros da sua entidade
representativa variava de acordo com o tipo de entidade escolhida. No caso das escolas cuja entidade
representativa era o CE, o critério básico para esta composição era a paridade entre as categorias da
unidade de ensino e o número de alunos matriculados.
Aqui no Estado do Pará, as unidades executoras das escolas públicas são os CE, que precisam ser
resgatados historicamente para identificar-se sua origem e reconfigurações assumidas, já que suas
criações datam de antes da CF, ainda em 1983 e 1984 definiram-se no plano de lutas dos trabalhadores
da educação no Pará, a partir da bandeira da gestão escolar democrática, o que só logrou êxito com a
Portaria n° 201/87 da SEDUC, que regulamentava a sua constituição nas escolas públicas estaduais.
Assim, algumas escolas implantaram seus Colegiados, mas com poucas condições para que
funcionassem, efetivamente e as próprias estruturas organizativas do Sistema Estadual e daquelas
9
Antes da implementação do PDDE, o Conselho Escolar das escolas públicas da Rede Estadual de Educação do Pará, por
exemplo, era uma entidade representativa da escola composta apenas por membros das seguintes categorias: Especialistas em
Educação (diretor, vice-diretor, e técnicos); professores; funcionários; alunos acima de 12 anos; pais e responsáveis por
alunos e representantes da comunidade onde a escola está inserida (SINTEPP, s.d.).
31
unidades davam pouco espaço para que ocorresse uma gestão colegiada, sobretudo após a greve da
categoria de professores, ocorrida no 2° semestre de 1988. Nessa ocasião, a SEDUC investiu no controle
centralizado da gestão escolar, desconhecendo o poder dos CEs já instalados, além de não incentivar que
outras unidades os criassem, em contraposição ao movimento de luta dos trabalhadores da educação. Isto
só foi mudar, a partir de 1991, quando a Assembléia Legislativa do Estado aprovou a Lei complementar
n° 06/91, atribuindo aos CEs o caráter de órgão consultivo, deliberativo, fiscalizador e avaliador do
sistema de ensino, o que permite que se transformem em unidades executoras.
A Portaria n° 225/96 – SEDUC revoga a Portaria n° 201/87 de 27 de novembro de 1996 e
estabelece normas complementares de instituição e funcionamento dos CEs em todas as escolas do
Estado, fixando o dia 22 de novembro como o Dia “C”, dia das eleições dos CE. Esta regulamentação
estipula as funções, deveres e constituição desses colegiados. Nesse momento, a história foi outra,
porque a própria SEDUC decretou a necessidade de todas as unidades terem seus CE, estabelecendo um
Regimento único modelo para as escolas da rede pública. A publicação, objeto de ação judicial por parte
do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Pará junto ao Tribunal de Justiça do Estado, que a
considerou ilegal, por interferir na constituição e estruturação dos CEs, ferindo o art. 278 da
Constituição Estadual e a Lei complementar n° 06/91 (SINTEPP, 1996). Apesar de tanto esforço e luta,
o Sindicato não logrou êxito nesta investida e os CEs foram implantados em todas as escolas paraenses,
às pressas para que se habilitassem a receber recursos federais, como o PDE, PDDE dentre outros.
Com o PDDE, todas as entidades representativas da escola têm como critério máximo, de acordo
com o que vimos nas análises já realizadas, o interesse do cidadão em prestar serviço voluntário à
comunidade escolar, desde que este apoio seja aceito pela Diretoria da UEx, sendo este o critério básico
para consecução do trabalho.
Ao introduzir a lógica do voluntariado na prestação dos serviços na escola, o Estado não apenas
se exime da responsabilidade em arcar com as despesas financeiras destes serviços (transformando, por
exemplo, os pais de alunos nos responsáveis pela realização voluntária dos serviços de marcenaria, pelos
problemas hidráulicos e elétricos da escola), mas também dispensa um serviço especializado na
realização das ações a serem executadas nas unidades de ensino, já que qualquer um pode executá-las,
desde que tenha disposição, boa vontade e tempo para isto. Além disso, restringe ainda mais a
possibilidade de inserção de um trabalho remunerado, num quadro avassalador de desemprego estrutural
e pobreza da população, como é o caso do Pará, onde 51% do contingente de habitantes das cidades
ganham até dois salários mínimos.
Como o MEC não faz referências a critérios avaliativos para a aceitação destes serviços, pela
Diretoria, e como as escolas têm um número muito grande de problemas a solucionar, não é difícil
32
imaginar que as unidades de ensino não dispensarão os serviços daqueles que se dispõem a colaborar
voluntariamente com a escola, por meio de parcerias ou organizadas em contrato de gestão.
Por todas estas questões aqui analisadas acerca da reconfiguração do Estado no financiamento e
na prestação estatal dos serviços das unidades de ensino é que podemos dizer que a autonomia financeira
da escola instituída com o PDDE aponta para a desresponsabilização progressiva do Estado com a escola
pública, é uma autonomia como gerenciamento de recursos financeiros.
Montaño (2003), ao analisar o “terceiro setor,”10 afirma que o conceito apresenta uma série de
debilidades, entre elas, o caráter “não-governamental,” “autogovernado” e “não lucrativo” das entidades
que o ncompõem. Especificamente sobre o caráter não-governamental, o autor nos leva a concluir que o
Estado só transfere a execução de um serviço social para uma determinada ONG ou financia
determinado projeto, por meio de parcerias, quando se assegura de que esta ONG ou este projeto estão,
tendencialmente, integrados à política governamental. Por esta razão,
Efetivamente, o Estado, ao estabelecer “parceria” com determinada ONG e não
com outra, ao financiar uma, e não outra, ou ao destinar recursos a um projeto, e
não a outro, está certamente desenvolvendo uma tarefa seletiva, dentro e a partir
da política governamental, o que leva tendencialmente à presença e permanência
de certas ONGs e não outras, e determinados projetos e não outros - aqueles
selecionados pelo(s) governos(s). [...] Querendo ou não (e sabendo ou não) estão
fortemente condicionadas - sua sobrevivência, seus projetos, seus recursos, sua
abrangência e até suas prioridades - pela política governamental (MONTAÑO,
2003, p. 57-8).
Este fato nega, segundo o autor, o caráter não-governamental das ONGs, já que as ações
desenvolvidas por estas, financiadas por meio de parcerias com o Estado, tendem a implementar os
objetivos da política governamental no setor das políticas públicas. Por isto, o autor afirma que “a dita
não-governamentabilidade” dessas organizações apenas encobre o caráter governamental das políticas
públicas descentralizadas para estas entidades (Ibid.).
A questão da (in)dependência da UEx ao Estado impõe-nos uma análise mais detalhada acerca da
controle social na política de gestão financeira da escola (PDDE). Aliás, para Mészáros (1987), até as
formas de controle social exercidas pelos trabalhadores, são institucionalizadas, porque precisam
obedecer a todas as regras existentes, para que sejam permitidas, consideradas legais, como as greves.
Para justificar sua afirmação quanto ao dilema do controle social, ele dá como exemplo a universidade:
Quanto mais a universidade liberal é pressionada, tanto menos ela é capaz
de ser compreensiva, mais rigorosamente ela terá que fixar seus limites e
maior será a probabilidade da exclusão de pontos de vista intolerantes...
(p. 47).
10
Como política, o terceiro setor constitui, para a autora, a mais nova estratégia de desobrigação do Estado pelos problemas
sociais do país.
33
Segundo Barreto (1999), a opção do governo brasileiro em descentralizar a execução dos
serviços sociais para as supostas ONGs teve duas justificativas: 1- a possibilidade de conciliar a
eficiência das empresas privadas com a finalidade social dos serviços públicos; e 2- a ampliação da
representação social e de abertura para a democratização do processo decisório das políticas públicas.
Para o MEC, a participação dos membros da comunidade escolar na gestão do programa
tem garantido mudanças substanciais na gestão da coisa pública, pois com o PDDE a sociedade tem
participação garantida no controle dos recursos públicos.
Com relação ao controle social, as Unidades Executoras têm
mostrado resultados positivos. Na comunidade escolar, estão o pai do
aluno, o professor, o diretor, todos ajudando na boa utilização do
dinheiro público e exercendo controle sobre o emprego da verba
(BRASIL, 2002b, p. 14, grifo nosso).
No caso da rede municipal de Belém, a implantação dos Conselhos Escolares como
instância de gestão foi regulamentada pela Lei Municipal 7.722/94 e em 1997 passam a
constituirem-se em unidades executoras, com personalidade jurídica, nos moldes exigidos pelo
MEC, embora já existissem alguns em funcionamento, bem antes da formalização.
Nossas pesquisas11 têm revelado que 90% destes colegiados ainda não estão cumprindo sua
função precípua do ponto de vista dos educadores, que é servir de fórum permanente de discussão
política e de decisão das políticas da escola, pelo seguinte: a) suas ações têm-se resumido a
operacionalizar os recursos que chegam diretamente à escola, como PDDE, PDE, fundo rotativo; b)
não tem havido uma regularidade nas reuniões dos Conselhos; c) nas poucas reuniões, o
absenteísmo é grande, sobretudo por parte dos funcionários, alunos e pais de alunos; d) os próprios
sujeitos escolares não reconhecem os Conselhos como seus órgãos representativos; e) as decisões
dos Conselhos não são conhecidas pelos sujeitos escolares; f) disputa de poder entre o Presidente
dos Conselhos e os diretores, dentre outros problemas.
Se considerarmos a vinculação institucional de todos os membros do Conselho Deliberativo
da UEX,12 podemos dizer que este conselho é mais social que estatal, apesar da proximidade do
número de membros representantes do Estado (3) e da Sociedade (4). O Estado tem, então, apenas
três representações (1 Presidente - diretor da escola; 1 Secretário - secretário da escola ou professor
e 1 Conselheiro - professor), enquanto que a Sociedade tem quatro representantes, sendo todos pais
de alunos.
11
Pesquisas realizadas de 1993 até 2002, com um universo de 35 escolas públicas de Belém, coordenadas pela autora.
Esta observação é pertinente, pois não é, necessariamente, a vinculação institucional que define a posição destes
membros na gestão do programa, apesar de ela exercer grande influência. Se considerarmos, por outro lado, a
vinculação político-ideológica e/ou partidária destas pessoas, então a representação pode ser bem diferente.
12
34
Seja como for, o fato é que o Estado tem representação em todos os grupos que compõem o
Conselho Deliberativo da UEx (Presidência, Secretaria e Conselheiros). Com esta constatação,
podemos dizer que a UEx é uma organização governamental não apenas porque seu papel na gestão
do programa é orientado pelas diretrizes governamentais e pelas normas estabelecidas pelo MEC,
mas também porque o Estado tem representação assegurada no seu órgão de maior poder de
deliberação.
Por esta razão, não há, nem deve haver, independência da UEx frente ao Estado, pois isto
significaria abrirmos mão de uma entidade representativa dos interesses populares por educação
pública e do Estado como instituição a quem aquela entidade levaria as reivindicações da
população, que deveriam ser asseguradas por meio de políticas públicas.
Em pesquisa realizada em Belém, no período de 2003 a 2005, numa amostra de duas escolas
públicas do ensino fundamental, verificou-se que a descentralização da gestão é associada ao
discurso da eficiência administrativa em função da economia de recursos.
Um dado a ser enfatizado é que em ambas as escolas da amostra o Conselho Escolar
representa uma instância importante de participação da comunidade escolar na tomada de decisões
sobre as políticas internas, o PDDE representou a possibilidade concreta de melhorias nas
condições infra-estruturais das escolas, embora avaliem os recursos como reduzidos, porque não
sofrem reajuste desde que começou e tenham demonstrado o receio de que eles não tenham
continuidade. Esse receio é verificado sobretudo na Escola Estadual que está sendo municipalizada,
pois nela há apenas uma turma do ensino fundamental e a redução dos recursos provocou um
impacto na Escola, o que foi considerado uma perda marcante, porque ainda não foram
compensados pelo governo do Estado.
Na Escola Municipal, o PDDE é muito bem avaliado pelos componentes do Conselho
Escolar, ainda que ressaltem as exigências e o trabalho despendido na pesquisa de preços e na
prestação de contas e as orientações de gastos só em determinadas despesas. Os resultados têm sido
altamente positivos, para os entrevistados de um modo geral, que consideram o Programa uma
conquista importante a ser fortalecida pelos profissionais da educação.
As análises por nós efetuadas indicam que, ao mesmo tempo em que o FNDE/MEC
descentraliza a gestão financeira dos recursos repassados às Unidades Executoras dos Sistemas
Estaduais ou Municipais dos Estados brasileiros, centralizam no nível federal as políticas
educacionais de financiamento da educação fundamental, com a extinção das Delegacias do MEC
em quase todos os entes federados do Brasil e a normatização das regras e princípios pertinentes
àquelas políticas. Daí considerarmos que tal descentralização (desconcentração) e a gestão
35
democrática funcionam muito mais como estratégias administrativas e políticas para a consecução
dos objetivos de redefinição do Estado, na direção de seu estreitamento na oferta de serviços
públicos, como uma tendência mundial de regulação do capital.
Com base nos dados coletados, sintetizamos nossas análises destacando alguns pontos
importantes no estudo de caso realizado, para situar o processo de democratização da gestão
escolar, um dos pilares centrais da criação do PDDE, a partir dos seguintes eixos fundamentais ao
processo de tomada de decisão sobre a aplicação dos recursos do PDDE, aglutinando-se, portanto,
um conjunto de informações que podem nos oferecer pistas sobre o papel do PDDE na
configuração de um padrão de gestão, afinado com a redefinição do papel do Estado brasileiro, para
articulador e regulador das políticas públicas:
De um modo geral, prevaleceu o posicionamento por parte do Sistema Estadual de que há
pouca participação dos sujeitos escolares, enquanto os sujeitos escolares entrevistados afirmam
haver alguma participação nas UEXs, sobretudo dos diretores e técnicos. Embora os dados tenham
revelado que, quando há participação, prepondera o papel do diretor e às vezes do tesoureiro(a) das
UEXs. Na rede municipal do Pará, as decisões são da UEX, com o apoio do Conselho Municipal de
Educação, resguardada a autonomia do colegiado escolar. Contraditoriamente, a implantação do
PDDE ajudou a diminuir a participação mais regular dos conselheiros pelo excesso de atribuições a
eles confiadas;
Na rede estadual do Pará, o PDDE induziu a participação dos conselheiros escolares na
gestão de recursos financeiros de outras fontes; melhorou as condições de equipamentos de uso
coletivo; enquanto na rede municipal, boa parte dos entrevistados evidenciaram a pouca autonomia
dos sujeitos escolares para definição das prioridades de aplicação dos recursos.
Ainda que haja algumas críticas, a imagem do Programa para os Sistemas e para as Escolas
e/ou UEXs é positiva de um modo geral. Grande parte dos sujeitos entrevistados demonstraram
temer sua extinção, embora haja quem critique a necessidade imposta pelo Programa de criação de
UEXs, como ente privado dentro das Escolas Públicas.
De modo geral, prevaleceu a idéia, tanto por parte dos Sistemas estaduais,
como
municipais, de que há autonomia das UEXs nas decisões de priorização do uso dos recursos do
PDDE, ainda que alguns conselheiros das UEXs julguem o contrário.
Na rede estadual, as eleições se dão por meio de uma lista tríplice, que é enviada à SEDUC
para posterior escolha e nomeação do indicado(a) pelo governador, enquanto no município o
provimento do cargo de diretor se efetiva por eleições diretas, realizadas pelo Conselho Escolar.
Pode-se afirmar que na rede municipal tal processo eletivo está quase universalizado, porque
encontramos poucas unidades de Educação Infantil que ainda não passaram por eleições diretas.
36
Os depoimentos e estudos realizados revelam que o grau de informação dos segmentos
envolvidos com o PDDE ainda é incipiente, especialmente nas amostras, com exceção da direção
escolar e dos professores, que detêm algum conhecimento sobre a operacionalização do Programa.
À GUISA DE CONCLUSÃO
A análise dos documentos do PDDE e de outros similares indicam uam tendência à
descentralização da gestão e à mercantilização da educação pública, porque os ensinamentos
repassados por tais programas sinalizam para a auto-sustentação financeira das escolas, retirando a
autonomia dessas pela ingerência dos parceiros e estimulando a desobrigação do Estado em
garantir a educação pública como prescreve o art. 3º da Constituição Federal do Brasil. Há de
considerar-se também que os recursos repassados são reduzidos e insuficientes para a manutenção
das unidades, que para sobreviverem, precisam recorrer a todo tipo de “empreendedorismo”, como
eventos para arrecadação de fundos, parcerias e ações de solidariedade de voluntarismo, conforme
já frisamos.
Do conjunto das informações e estudos também pode-se inferir que a dita gestão
democrática e a autonomia funcionam muito mais como estratégias administrativas e políticas, para
nova conformação do Estado brasileiro, em consonância com as lições dos organismos
internacionais, tão bem acatadas pelas elites dirigentes do país.
O PDDE, apesar de ser considerado pelos sujeitos escolares como fonte de dinheiro
importantes para a escola, representa cerca de 40% do total dos recursos que chegam à unidade,
incluindo até resultado de eventos realizados, Isso significa que a situação das Escolas não tende a
melhorar com o Programa, porque continuarão dependentes de outras fontes para complementar
suas manutenções, obrigadas, portanto, a captar investimentos para sua sobrevivência formalizando
parcerias, nem sempre apropriadas, e obrigando os pais e outros agentes a realizarem trabalhos
voluntários para ajudar a escola a sobreviver.
Para complementar seus orçamentos, as escolas promovem festas, feiras e/ou formas de
angariar fundos, o que poderá deixar a direção e o Conselho em situação de insustentabilidade ou
estimular práticas não recomendáveis a uma entidade de formação educacional. Consideramos, no
mínimo, preocupante a presença de uma organização privada dentro de uma instituição pública,
com livre poderes para captar recursos de qualquer fonte, e movimentar seus serviços na direção
desejada e possível, o que provavelmente gerará uma competição entre as escolas, porque,
dependendo da criatividade e do empreendedorismo de seus dirigentes, uma delas poderá se
destacar das demais e até ser premiada pelo Estado.
37
Sabemos que há problemas de gestão em nossas unidades educacionais, mas isso não se
configura como causa determinante das precariedasdes históricas da educação que as elites
dirigentes apregoam, são apenas um dentre um conjunto amplo de problemas, a começar pela não
priorização da educação por parte do Estado brasileiro, embora o discurso oficial a defenda em
praticamentre todos os governos há pelo menos, vinte anos.
Temos consciência de que os problemas da educação e, sobretudo, da escola precisam ser
atacados em suas raízes, de forma global, o que envolve a situação interna e a estrutura da
sociedade brasileira, mas não precisamos esperar por tais mudanças para iniciarmos nossa atuação
noutra perspectiva para a educação. Ao Estado cabe estabelecer políticas públicas educacionais, em
cumprimento a sua obrigação constitucional, de forma global e não focalizada, episódica e,
eventualmente, a partir de demandas que vão sendo disseminadas na “mídia” ou pressionados pelos
movimentos sociais. As políticas precisam ser antecipatórias e competentes para combater as
causas dos problemas.
De pouco adianta a gestão da autonomia financeira, sem que se tenha condições de exercitar
a cidadania em busca da democratização da gestão, dos processos organizativos, da avaliação e da
estrutura como um todo. É preciso esclarecer que não nos colocamos contra as parcerias, o
voluntariado, as ações de solidariedade, de responsabilidade social, mas contra a substituição da
função social do Estado, do seu papel de provedor, garantidor responsável pelo de articulador e
regulador dos serviços sociais prestados.
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38
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IMPLICAÇÕES DO PÚBLICO NÃO ESTATAL PARA A
DEMOCRÁTICA, por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola13
GESTÃO
ESCOLAR
O principal papel do intelectual é o de desconstruir evidências
(pelo desvelamento dos mecanismos ideológicos que as produzem),
implodir a unanimidade (pela exposição das fissuras existentes em
construções que se pretendem sólidas) e apelar à mudança (que, no fundo,
é apelar ao exercício da liberdade humana). Nada disso é fácil.
(César Benjamin, 2000)
Concordamos com as palavras de Benjamin e acrescentaríamos que além de apelar à
mudança, precisamos participar dessa mudança ativamente, não só nas práticas sociais como na
dinâmica de nossas vidas privadas, fazendo uma autocrítica de nosso papel como professor
universitário, pesquisador, cidadão e partícipe da luta, sobretudo para impedir que a lei do mais
forte e da competitividade nos aprisione e nos distancie uns dos outros, na busca da transformação
da sociedade brasileira.
13
Texto já publicado em Série Estudos, periódico do Mestrado em Educação da UCDB nº 18 (dezembro de 2004)
Campo Grande: UCDB, 1995. p. 97-112.
40
Uma das questões que hoje se transformou em unanimidade tanto para o governo FHC
(PDRE, MARE, 1995) como para os empresários e até para alguns teóricos14 da educação e da
economia, é a importância atribuída ao público não-estatal como saída para a situação de crise do
Estado e de suas instituições, incluindo-se a escola pública.
Já virou até senso comum que as soluções se encaminham na direção não mais do mercado
ou do Estado, mas da sociedade civil organizada, que engloba ações variadas, atores diversificados
e organizações, identificadas como Terceiro Setor, que têm como ponto em comum não
pertencerem ao mercado ou ao Estado. Este Terceiro Setor aparece como novo representante do
interesse público, conforme análises de Gandini e Riscal (2002).
O título deste texto sugere uma pergunta, que permita indicar o nexo existente entre o
público não-estatal e a gestão escolar democrática: qual a relação entre esses pólos? Para construir
uma resposta, comecemos pela tentativa de decifrar tal relação, a partir da conceituação do público
estatal, recortando-o pelo Programa Dinheiro na Escola, como foco do trabalho. Isto nos leva a
identificar no Estado a chave principal para desvelar tal embate.
Pautamo-nos pelo conceito de Estado ampliado de Gramsci, que envolve a sociedade
política (aparelhos de dominação e coerção para manutenção da ordem) e a sociedade civil
(aparelhos de ideologia15, privados de hegemonia). Sociedade civil, portanto, é compreendida como
o conjunto de aparelhos “privados”, por meio dos quais um bloco de classe luta pela hegemonia
(domínio e direção).
Sobre o conceito de Estado ampliado de Gramsci, Coutinho (1988) faz uma discussão
coerente e bem articulada defendendo sua aplicação à realidade brasileira com base em seis pontos,
principalmente:
1) se no Brasil a sociedade permanecesse subalterna, tal conceito se aproximaria mais das
sociedades orientais, nas quais o Estado é mais forte;
2) se a compreensão enviesar pela consideração de que a distinção realizada por Gramsci é
estática, a conclusão seria de que a formação social brasileira se ajustaria aos moldes “orientais” e
não se poderia utilizar tal conceito de Estado ampliado.
3) Gramsci não faz a análise estática, porque entende que a “ocidentalidade” de uma
formação social é para ele o resultado de um processo histórico, e daí uma sociedade oriental pode
14
15
CASTRO, Cláudio Moura (1995).
Gramsci entende a ideologia como “o significado mais alto de uma concepção de mundo, que se manifesta
implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações de vida individuais e coletivas”
(GRAMSCI, 1981, p. 16).
41
se tornar ocidental, passando a ser um Estado ampliado, em que há uma justa relação entre Estado e
sociedade civil;
4) as diferenças existentes entre sociedades ocidentais e orientais, de igual modo pelas
diferenças entre as consideradas ocidentais, que também passaram por períodos de fragilidade dos
movimentos populares e outros por terem vivido uma intensa socialização da política;
5) o processo vivido nas sociedades ocidentais da Europa pode verificar-se em outros
lugares do mundo e
6) se aceita “a idéia de que a ocidentalização é fenômeno potencialmente universal”, no
Brasil ora se viveu a orientalização, ora a ocidentalização, sendo que esta prevaleceu, em 1945,
com a queda da ditadura Vargas, apesar de alguns retrocessos, houve um predomínio, intensificado
no período de 1955-64. Em outras palavras, há uma relação mais equilibrada entre Estado e
sociedade civil.
Nos anos de chumbo (1964-1985) a sociedade civil foi solapada e ao mesmo tempo
fortalecida, com a forte intervenção e centralização do Estado, em todos os setores da vida nacional
por meio de aparelhos repressivos e de uma tecnocracia organizada, arrogante e pragmática. O
Estado precisava de um mínimo de consenso, porque não dispunha de organismos capazes de obter
a hegemonia real na sociedade civil, daí a tolerância dos militares à existência do Parlamento. O
Movimento Democrático Brasileiro - MDB representava o celeiro de todas as forças organizadas
descontentes com a situação de exceção vivida pelo Brasil, um “bloco democrático” de oposição,
que envolvia desde políticos conservadores, liberais e até de esquerda, que se uniram em torno da
bandeira das eleições diretas e da democracia (COUTINHO 1988).
Segundo Coutinho (op. cit. p.124), o consenso às vezes conseguido pelos militares foi
passivo:
O regime, em suma, era “desmobilizador”. Sua legitimidade ideológica não era do
tipo fascista. Tratava-se, antes, de uma espécie de “ideologia da antiideologia”, ou
seja, de um pragmatismo tecnocrático que contrapunha a “eficiência” às ideologias
em geral, aos conflitos políticos, acusados de “dividir a nação” e, portanto, de pôr
em risco a “segurança” requerida pelos militares como condição para o
desenvolvimento econômico.
Com a crise do “Milagre Econômico” de 1974 e as eleições parlamentares de 1974, 1978 e
1982, a legitimação da ditadura começou a naufragar, com a grande vitória das forças de oposição,
perdendo assim o apoio das classes média e da própria burguesia.
Segundo Francisco de Oliveira (2002), os movimentos sociais atingiam o Estado em sua
maior debilidade, que eram as políticas sociais e políticas públicas. Era o movimento contra o custo
42
de vida, contra a falta de transportes, pela habitação, dentre outros, travados numa “guerra de
guerrilha”, desgastando a capacidade do Estado autoritário.
A sociedade civil volta, portanto, à tona se organizando e se ampliando, por meio de
operários, mulheres, estudantes, segmentos da classe média e setores empresariais. A
maior
expressão disso foi o movimento “Pelas diretas Já”, que chegou a reunir num grande comício em
São Paulo, em 16 de abril de 1984, cerca de 1.700 milhões de pessoas. Tais eventos se
disseminaram pelo Brasil de Norte a Sul. A Emenda Dante de Oliveira, que reestabelecia eleições
diretas, não foi aprovada no Congresso Nacional e em 1985 foi eleito pelo Colégio Eleitoral o
Presidente Tancredo Neves, tendo como Vice-Presidente José Sarney: Então, pelas vias
transversais da “revolução passiva”, o Brasil tornou-se uma sociedade “ocidental” (COUTINHO,
id. p.125).
Logo, o conceito de Estado ampliado é uma possibilidade importante de análise da realidade
brasileira, guardando suas especificidades.
Na atualidade, as discussões sobre o Estado, de um modo geral giram em torno de, pelo
menos, duas posições: A primeira, uma vertente defendida pelos segmentos mais progressistas,
onde se incluem Francisco de Oliveira, Emir Sader, Gaudêncio Frigotto e alguns movimentos
organizados como o MST, que considera o Estado como essencial porque representa a
possibilidade do asseguramento e garantia dos direitos de cidadania e por isso há necessidade de
alargamento de suas fronteiras e se direciona para a necessidade do Estado servir ao bem-comum,
via planejamento de políticas públicas sinalizadas para as demandas da sociedade no exercício de
sua função social pública. (Estado social).
Uma outra vertente que defende a diminuição do tamanho do Estado, representada por
Bresser Pereira (1998), Reis Velloso (1988), prescrições objetivadas no Consenso de Washington,
porque a sociedade civil organizada têm maiores condições de propiciar e estimular o atendimento
às necessidades sociais, considerando as expectativas e iniciativas individuais, com uma nova
alternativa (Estado Mínimo). Aliás, esta discussão sobre Estado mínimo é estéril, porque ele será
mínimo para algum(s) segmento(s) e máximo para outro(s).
A primeira vertente reserva ao Estado, além de outras funções, um caráter público efetivo,
porque nem tudo que é estatal tem sido público no Brasil e vice-versa, porque há outros espaços
públicos construídos na luta por melhores condições de vida, dentre outros. Tome-se como
exemplo do estatal não público, as escolas de educação básica mantidas pelo Estado, que não
exercem seu papel, ao não oferecer um ensino de qualidade a todos que a ela procurem.
Há, por outro lado, organizações privadas que desenvolvem ações públicas como o
Movimento Rural dos Trabalhadores Sem Terra -MST, Central Única de Trabalhadores - CUT e
43
Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos - DIEESE por exemplo, e
alguns outros movimentos sociais que, na luta, vem contribuindo para a conquista de alguns
direitos dos trabalhadores brasileiros. Nesse momento se incorpora uma outra discussão essencial
para o estabelecimento de nexos entre o público não estatal e a gestão escolar, que se refere à
sociedade civil (entendida como o Terceiro Setor) na orientação neoliberal.
Uma outra questão nos inquieta, o que efetivamente é este “público” ? No sentido
dicionarizado pode ser usado como adjetivo, qualificando algo, aí seu significado é de relativo à
governança de um país; que serve para o uso de todos, dentre outros. Como substantivo refere-se ao
povo em geral. Verifica-se que em todas as acepções se refere a todos, indistintamente. O termo
“privado” significa particular, de uso restrito, em contraposição ao público (BUENO, 1972).
Já as categorias “público e privado” possuem significados diferentes, dependendo da época,
expressando concepções de mundo distintas. Na Grécia Antiga, o privado era relativo à família e o
público se referia à política, o ambiente da vida social, onde não existia a liberdade:
... em que a força e a violência eram justificadas em termos de luta para
vencer a necessidade. Assim, subjugar escravos, reinar sobre eles e a família
era algo inteiramente aceitável como condição para libertar-se da
necessidade e alcançar a liberdade (BRUNO, 2002. p. 20).
O público, na Grécia, entendido como o comum, é o mundo criado pelos homens em interrelação, onde só podiam se incorporar os homem livres, porque só estes eram iguais, por terem
condições de comandar, eram constituídos pelos senhores, os gregos homens,
excluindo as
mulheres, os bárbaros - os estrangeiros. Só participavam da polis das cidades-Estado, os cidadãos.
Nas sociedades modernas, por exemplo, o público está relacionado à governança de um
país, ao poder público, ao Estado, portanto. A categoria “privado” significa particular, que se
distingue do público. Na sociedade capitalista, o público é contraditoriamente privado. Há uma
relação de promiscuidade entre tais esferas. Trata-se de organizar o poder privado (de uma classe)
na forma de poder público.(Estado). O Estado brasileiro, historicamente, tem sido privatizado,
porque representa os interesse de uma classe hegemônica. As políticas públicas têm surgido a
reboque do econômico e em geral visam a corrigir distorções causadas pelas políticas anti-sociais
de desenvolvimento capitalista.
O padrão de financiamento público brasileiro, por meio de políticas de intervenção para
reprodução do capital e da força de trabalho tem se expressado, por diferentes mecanismos:
renúncias de impostos e taxas, os incentivos fiscais, creditícios, alfandegários, subsídios para
ciência e tecnologia, programas destinadas a necessidades básicas da população, como educação,
saúde, habitação, transporte, seguro desemprego, dentre outros. Hoje, em menores proporções este
44
padrão perdura, com tendência a ser ampliado com o denominado público não-estatal. O
empresariado brasileiro sempre se valeu do Estado para resolver suas crises e aumentar suas
lucratividades: veja-se o socorro aos usineiros do Nordeste, aos bancos, dentre outros. Na verdade,
a apropriação dos lucros é privada e a socialização do financiamento é pública, com os recursos da
nossa riqueza social, que é pública, num cenário em que tudo é transformado em mercadoria,
adquirível no mercado.
Para Oliveira (1981), a conversão do Tesouro Público em pressuposto da atividade
econômica, com uma profunda imbricação do Estado com as grandes corporações transnacionais
que é a característica mais saliente do capitalismo atual e do Estado moderno, confundindo as
fronteiras entre o público e o privado, daí a crise do capital significar a crise do Estado.
Provavelmente sem a “mão amiga” do Estado, o Brasil não teria chegado a ser a 8ª economia
mundial. Foi durante a ditadura que o País mais cresceu economicamente.
A sociedade civil transformada ideologicamente em Terceiro Setor passou a fazer parte das
agendas de discussões a partir dos anos noventa, com a reestruturação capitalista no Brasil,
ingressando neste, por meio das prescrições do Consenso de Washington i, para publicização,
enquanto transferência de questões públicas de responsabilidade do estado para a esfera privada.
(Montaño, 2002). Observa-se que a sociedade civil é compreendida no terreno das abstrações, e
enquanto tal, opõe-se ao Estado, defendendo que ela poderá e deverá, por conta própria, tomar
iniciativas e desenvolver ações de interesse comum, sem esperar pelo paternalismo desse aparelho
de poder, que é o Estado (BRUNO, op. cit. p. 27).
Em decorrência da situação de carências acentuadas vividas pelos segmentos menos
favorecidos, ao lado da elevação dos níveis de violência, da depredação da natureza e dos valores
humanizantes, como a ética, a responsabilidade, a justiça e a solidariedade, esta última hoje
entendida muito mais como uma disposição altruísta, voluntarista, da boa vontade do indivíduo, de
uma organização ou empresa, já virou senso comum a necessidade se buscar as parcerias da
empresa privada, das ONGs para desenvolver ações de mitigação ou resolução das questões
sociais.. Houve, portanto, um deslocamento de uma solidariedade social politizada para outra
representada pelas Organizações Não Governamentais, que são formuladas sem a participação da
sociedade, com formatos diferentes entre si gerando conflitos (PAOLI, 2002).
Os ideólogos da emergência do Terceiro Setor como remédio poderoso para superação da
crise do Estado utilizam-se de argumentos convincentes para demonstrar que a participação
solidária é a única chance para que todos se unam em benefício do bem comum, onde cada um
deve fazer sua parte, a partir da recontextualização de conceitos como participação, controle social,
autonomia, descentralização, há muito buscados pelas esquerdas brasileiras, capturando assim até
45
alguns intelectuais antes altamente críticos, que a discordância hoje, chega a ser um desafio ou algo
ultrapassado.
Tais orientações se materializaram em reformas, que no Brasil a partir dos anos 94 foram
direcionadas pelo Ministro Bresser Pereira, que defende vigorosamente o projeto do governo. Para
operacionalizar a denominada publicização, foram definidas centralmente três medidas,
consideradas por ele como indispensáveis para seus objetivos: a descentralização, a organização
social e a parceria. ( Pereira, 1998).
Podemos dizer, que as reformas propostas e quase todas já implementadas até agora no
Brasil, encaminham na direção do encolhimento do Estado em sua função social, em favor da
empresa privada, ou seja, é o Estado mínimo para atender os direitos de cidadania e máximo para
apoiar e/ou beneficiar o capital:
... a reforma do estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do papel
do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e
social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de
promotor e regulador desse movimento (NETO ET ALMEIDA, 2000, p. 37).
Para Montaño (op. cit p. 205), o Terceiro Setor envolve muitas instituições e organizações,
como ONGs sem fins lucrativos, instituições filantrópicas, empresas cidadãs e outras. Já havendo
no Brasil registradas 400 mil ONGs, 4 mil fundações e 220 mil entidades ditas “sem fins
lucrativos”. Portanto, não é algo a subestimar, mas tentar desvendar seus meandros e trilhas.
Hoje, é certo que a sociedade civil mudou estando mais organizada e em condições de
desenvolver com eficiência/eficácia políticas públicas e tem condições de exercitar o controle
público do Estado, embora contraditoriamente algumas relacionadas aos movimentos de
trabalhadores, vêm sendo refreadas, sistematicamente, minando seus espaços públicos de ação
política. Nesse particular, precisamos intermediar a discussão enfatizando que há diferenças
significativas entre as próprias organizações da sociedade civil, cujos perfis são muitas vezes
radicalmente divergentes, distanciando-se uma das outras, sendo bastante heterogêneas política e
socialmente. Por exemplo, não se pode comparar instituições como o Instituto Brasileiro de
Análises Sociais e Econômicas (Rio de Janeiro), o DIEESE, as diversas fundações de empresas
privadas, os movimentos ecológicos, os Movimentos dos Sem-Teto ou Sem Terra e a União
Democrática Ruralista. O único ponto em comum dentre todas é pertencerem à esfera privada,
enquanto organizações não governamentais.
Para tentar costurar a discussão, buscaremos enveredar pela história recente do Brasil para
compreendermos as origens dessa nova pauta em que se inclui necessariamente o papel das ONGs
46
como uma alternativa de mitigação da crise estrutural vivida pelo capitalismo moderno hegemônico
no mundo, na sua fase de reestruturação produtiva.
Nos anos oitenta, a atmosfera democrática que invadiu o Brasil trouxe ao cenário de luta a
incorporação de novas pautas de discussão das forças de oposição ao regime autoritário instalado
desde 1964, como a questão da importância da sociedade civil para superação da ordem vigente. A
concepção de sociedade civil era bastante abrangente, englobando tudo que não era do Estado,
considerando desde forças políticas, movimentos eclesiais de base, passando pelos organizações
sindicais combativas até instituições de empresários mais progressistas que se opunham ao regime
autoritário.Todos como atores essenciais na volta à democracia. Na verdade, a sociedade civil
significava resistência à ditadura e ainda não se incorporava no conceito de Terceiro Setor, este
hoje associado à idéia de “sem fins lucrativos e não governamental” o que, para Fernandes (1994,
p. 32):
São palavras articuladoras, mais do que conceitos objetivos. Dizer
“sociedade civil” supõe uma cultura democrática que ainda está por ser estabelecida.
Pensar o “terceiro setor” significa reunir sob uma mesma classe conceitual
atividades tão distintas que, no passado, costumavam ser vistas como contraditórias
ou mesmo antagônicas.
Consideramos uma articulação frágil e frouxa para dar conta da complexidade da questão do
Terceiro Setor, porque envolve instituições e organizações variadas que diretamente podem não
visar lucros, mas no limite, o essencial para algumas é justamente a expansão de seus
consumidores, como é o caso, por exemplo, dos programas de responsabilidade social
desenvolvidos por grandes empresas. Além do que contribuem para redução da idéia de público a
duas categorias apenas, a dos consumidores e dos empregados de suas empresas.
Para Marx (1982), a expressão sociedade civil surgiu no século XVIII e é ao um mesmo
tempo, fonte e expressão do domínio da classe burguesa e que depois a organização que resulta do
intercâmbio e relações e que constitui em qualquer época as bases do Estado foi também designada
pela mesma terminologia. Portanto, Gramsci (op. cit.) aponta noutra direção afirmando que a
sociedade civil, contraditoriamente, nas suas formas de organização, pode participar da construção
da hegemonia para as classes subalternas. É neste sentido que estamos tentando desvelar a relação
entre o público não estatal e gestão escolar democrática, começando por fazer um recorte histórico.
A luta pela democracia no Brasil dos anos de exceção se pautava nas formas clássicas de
exercício da cidadania política, por meio de partidos políticos e eleições diretas, como se isso
bastasse para se ter uma sociedade democrática, onde os sujeitos pudessem participar do processo
de decisão sobre seus destinos, sobretudo aqueles que sempre estiveram excluídos da participação
e, conseqüentemente pudessem ver atendidas as demandas por políticas públicas. Além disso, as
47
esquerdas entraram despreparadas na luta política dos anos oitenta, sem possuir um projeto
nacional, em contraposição ao processo hegemônico neoliberal, sem se dar conta de que a
democracia de mercado não distribui riquezas e nem garante os direitos de cidadania.
Conforme já analisamos anteriormente, os partidos políticos tinham no Movimento
Democrático Brasileiro – MDB, o celeiro de todas as forças de oposição ao regime vigente no
Brasil, à época, que envolvia desde políticos conservadores, liberais e intelectuais de esquerda, que
se uniram em torno da bandeira das eleições diretas e democracia. (Coutinho 1984).
Com a ampliação da abertura democrática, via eleições de prefeitos e governadores
supostamente comprometidos com o projeto democrático, as contradições e ambigüidades dessas
forças eclodiram, dada a variedade de interesses, agora mais visíveis entre atores de diversas
matizes político-ideológicas. As respostas que a sociedade desejava não tinham condições de ser
dadas. As demandas sociais expressas pelo conjunto dos trabalhadores e da classe empresarial se
chocaram por representarem interesses opostos, até então não revelados no movimento de oposição
ao regime ditatorial, de vez que todas as correntes de oposição se uniam em um mesmo bloco.
(Coutinho, op. cit.).
Os diferentes atores aliados na luta pela democratização brasileira, até meados dos anos
oitenta, com a volta das eleições diretas, garantia dos direitos civis se distanciam e se expressam
pelos seus interesses: os “empresários progressistas” não vêm razões para qualquer cooperação; o
“sindicalismo autêntico” passa a se ocupar de suas questões corporativas diante à precarização
crescente do trabalho (Costa, 2002) e ao desemprego estrutural.
Até mesmo dentro da própria sociedade civil mais ampla, seus diversos segmentos
demonstram interesses diferenciados nem sempre compatíveis ou quase sempre incompatíveis entre
si, como o movimento ecológico, o movimento dos negros, das mulheres, dos trabalhadores rurais e
dos ruralistas. Cada vez mais se visibilizando as disputas de projetos que se contrapõem, ainda que
com discursos similares, porque não se deve perder de vista que se vive numa sociedade capitalista
cindida em classes sociais e, portanto, a sociedade civil engloba classes diferenciadas. Mesmo
dentro de alguns movimentos, como o das mulheres, o ecológico há posições antagônicas, a ligação
se dá apenas pela questão do gênero, de etnia, da preocupação com a natureza. É um terreno
pantanoso e ambíguo, para demarcar as ações de intervenção em direção da substituição do espaço
público, representado pelo Estado.
Costa (2002) em seus estudos sobre o público não estatal destaca alguns pontos importantes
sobre as organizações da sociedade civil, como esfera diferente do Estado e do mercado, cujo
48
campo de ação é multifacetado e complexo, com ênfase em suas diferenças e formas múltiplas com
que estabelecem relações com outros agentes sociais, assim resumidos:
- a crítica neoliberal contra o Estado intervencionista;
- a criação de inúmeras ONGs, muitas vezes até em substituição do Estado, disputando
poder para ser aquinhoado com recursos públicos, gerando a competição com outras instituições,
obrigando estas últimas a barganharem parcerias muitas vezes nocivas à sociedade civil;
- as parcerias de responsabilidade social das empresas, que servem, de modo geral, como
instrumento para a elevação das vendas, com o aumento dos consumidores;
- a atuação do governo federal na regulamentação do Terceiro Setor, criando critérios e
condições específicas para que instituições possam ser consideradas de interesse público, com
vistas a aproveitar os recursos mobilizatórios da sociedade civil, transferindo a responsabilidade
estatal para as instituições privadas, com seus problemas criados pela carências financeiras e coresponsabilizando-as pelos insucessos;
- a internacionalização de muitas ONGs que passam a ser orientadas de fora para dentro do
País.
Como se pode observar, a questão do Terceiro Setor está envolvida num emaranhado de
cenários, atores sociais e movimentos, que nos remetem ao nosso ponto de partida destas reflexões,
que é a relação entre o público não estatal e a gestão democrática da escola, para tentar visibilizar
os nexos existentes, que aparentemente inexistem.
Veja-se, portanto, a partir de 1988, por conta das prescrições Constitucionais e orientações
de descentralização, autonomia e parcerias, algumas medidas de democratização da gestão foram
incorporadas nas escolas públicas, dentre as quais se destacam: as eleições diretas para diretor
escolar, a criação de colegiados escolares em cada escola, a indicação de formulação coletiva do
projeto político-pedagógico; maior autonomia com a liberação de recursos financeiros diretamente
para as unidades educacionais, dentre outras.
Há diversos problemas em tais orientações às Escolas: Primeiro, a obrigatoriedade de
implementação de tais medidas acaba por invalidar suas finalidades de democratização da gestão,
porque não se impõe democracia, constrói-se, conquista-se. Nesse particular, nossas pesquisas
revelam que efetivamente tais medidas passam a ser meras formalidades legais, mas, ao mesmo
tempo parecem estar servindo para a consecução de um novo modelo de escola, na direção de se
transformar numa instituição empreendedora e competitiva, tal qual as empresas de sucesso.
O estado brasileiro juntamente com a iniciativa privada e instituições como Undime,
Consed e Unesco têm impulsionado citada direção, com a criação de diferentes mecanismos, como,
49
por exemplo o Prêmio nacional de referência em gestão escolar, cujo objetivo precípuo oficial é
melhorar a gestão e qualidade do ensino, para que as escolas incorporem uma cultura da autoavaliação e práticas bem-sucedidas de gestão e especialmente uma cultura gerencial. No Sistema
Estadual de Ensino,por intermédio da Secretaria Executiva de Educação - SEDUC hoje, no Pará
muito vem se falando e se defendendo e até implementando ações nas escolas de
“empreendedorismo” (criar caminhos para o sucesso)ii, como saída para a escassez de postos de
trabalho e melhoria das condições de vida, sobretudo das populações menos favorecidas,
tradicionais usuários das escolas públicas. Já foram realizadas palestras e reuniões para os gestores
escolares estaduais estimularem em suas unidades, tais princípios.
Os Conselhos Escolares ou qualquer outra Unidade Executoraiii com personalidade jurídica,
como uma espécie de organização no padrão de ONGs devem se responsabilizar pela decisão e
execução das ações escolares e, sobretudo pela captação de recursos que lhes assegure a
manutenção das unidades escolares e na medida em que conseguem ter sucesso em tal meta, são
colocados pelo Estado, como vitrines para as outras unidades, no estímulo à competição, por meio
de diferentes estratégias, como a criação de ranking, prêmios de gestão, etc, obrigando as escolas a
funcionarem como organizações sociais e buscarem qualquer tipo de parcerias, que muitas vezes
chegam a ferir suas autonomias, em nome da melhoria de suas condições materiais.
Os argumentos embasadores da criação desses colegiados são, dentre outros, pela
emergência de tornar a gestão mais ágil, flexível e eficiente, bem como para aumentar a
participação dos cidadãos e propiciar o controle social do público. (Brasil/FNDE, 2003).
As Unidades Executoras, no caso do Pará, os Conselhos Escolares além de serem
responsáveis pela gestão administrativa, financeira e pedagógica dos recursos advindos dos cofres
públicos e da comunidade escolar, de entidades privadas e de campanhas escolares poderão buscar
a captação de recursos para suas unidades, em complementaridade e/ou substituição do Estado
(Brasil, 1997).
Na verdade, tais Conselhos Escolares poderão servir de mantenedores da unidade escolar,
no melhor exemplo de ONGs, do Terceiro Setor. Isto poderá gerar o serviço público não estatal e o
Estado poderá ter espaços objetivos para se desobrigar de sua responsabilidade com a educação. O
Programa Dinheiro Direto na Escola é um exemplo emblemático dessa ideologia de abertura e
fomento às ações em parcerias, criado em 1995, como programa de assistência financeira do Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE aos Sistemas Públicos de Ensino, para o
atendimento à escolaridade obrigatória pela Constituição (o fundamental). É destinado às escolas
públicas, além das escolas de educação especial, mantidas por Organizações Não-Governamentais,
50
desde que registradas no Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS. Varia de R$600,00 até
R$-19.000,00 divididos entre despesas de custeio e capital.
Seus recursos provêm do salário educação, como principal fonte e são distribuídos nas
unidades escolares anualmente, em única parcela, segundo o número de alunos matriculados. Em
pesquisa realizadaiv, os dados revelaram que os sujeitos escolares consideram o financiamento
escolar muito importante para a manutenção, desenvolvimento e melhoria das condições de
instalações e de trabalho das escolas, em seu cotidiano.
O PDDE é um exemplo, como já nos reportamos anteriormente, de descentralização
estímulo às parcerias, sobretudo por dois motivos: primeiro, porque os recursos repassados são
reduzidos, não cobrindo as necessidades da escola e, segundo, porque a autonomia concedida aos
colegiados impulsiona-os para a busca pela captação de novos recursos capazes de viabilizar a
manutenção das unidades escolares para se autofinanciarem, num processo de descentralização da
operacionalização das ações da Escola, numa nova forma de administração pública, calcada no
modelo gerencial da empresa privada, que tem como princípios a eficiência, a eficácia e a
produtividade. Tal direcionamento poderá trazer sérias implicações para o processo de
democratização da gestão escolar.
Por outro lado, contraditoriamente, se esses colegiados escolares funcionarem efetivamente
como espaço de decisões coletivas na Escola podem enfrentar tais relações com organização capaz
de pressionar o Estado para o atendimento de suas demandas e garantia de um ensino público de
qualidade para todos, além de desempenharem um papel educativo político da mais alta relevância,
na luta pelas transformações sociais. Pode ser um importante espaço de controle social.
Tais medidas implantadas (Conselhos Escolares com personalidade jurídica, as parcerias)
podem representar uma forma de retirada das condições para que os sujeitos escolares possam
decidir efetivamente seus destinos, num processo de construção democrática participativa, porque
quem financia determina suas condicionalidades e regras, que deverão ser obedecidas, sob pena de
sofrerem sanções, por descumprimentos dos contratos, similar à relação entre entes comerciais.
Isto, entretanto, não significa ser contrário às parcerias, a discordância se dá quando essas servem
para substituir a presença do Estado e assim dificultarem a gestão escolar democrática, porque
quem financia define suas prioridades, o que é diferente quando os recursos são públicos, advindos
de nossa riqueza social, ainda que também definam suas orientações. Mas, o ponto principal é a
despolitização dos espaços de participação existentes na escola.
A nosso ver, o mais preocupante da transformação dos direitos em serviços, de interesse
comum, que podem ser realizados pelos parceiros privados é o empobrecimento político, porque a
51
benfeitores só se agradece pelas regras civilizadas de bem viver na sociedade, sem necessidade de
embate, da luta, podendo gerar uma figura passiva e não um cidadão participativo, como sinaliza
Paoli (op. cit. p. 386):
... as ações que se movem longe do amplo debate político que costuma
aparecer, em qualquer teoria política moderna, como a fonte de criatividades
antagônicas e dialogantes que formam o centro de uma decisão pública e
democrática sobre a alocação dos recursos materiais e simbólicos de uma
sociedade.
Sai-se, portanto, do campo da luta política pela cidadania efetiva e justiça social para um
ativismo civil voltado para a solidariedade social, com tempo e espaço marcado, despolitizada, bem
diferente da luta por direitos sociais, porque estes se exigem e aqueles se agradece, com gratidão.
A solidariedade passa a ser sinônimo de cidadania. Está havendo no Brasil, uma substituição da
ações do Estado pela atuação das ONGs, sobretudo nas áreas de saúde pública e da educação, que
devem ser responsabilidade do Estado, prescritas em Lei. A sociedade civil organizada, em suas
diferentes frentes, está atuando no campo da solidariedade social.
Para Sader (2000, p.83), “reafirmar a importância do Estado não se confunde com uma
nostalgia do Estado tradicional...”, porque efetivamente há nuances diferentes hoje, mas as
condições perversas, violentas e contraditórias das instituições capitalistas permanecem.
O
capitalismo vive em processo de inovação, exatamente para se manter, daí defender-se a
importância do Estado para minimizar seus impactos.
Aliás, considera-se a sociedade civil,por meio de suas formas de organização, com
possibilidades de participação no controle do Estado e na construção de condições para as
transformações sociais, enquanto espaço de lutas.
As associações da sociedade civil constituem apenas uma força propulsora
de transformações no arcabouço institucional democrático, o qual deve
sofrer permanentemente aperfeiçoamentos e adaptações, se se pretende
atenuar as tensões inevitáveis entre lei e a ordem, as instituições
democráticas e reivindicações sociais em mutação (MONTAÑO, op. cit.
p.205).
Para Coutinho, citando Gramsci (2002), o movimento social é espaço de alternativas como
uma luta de tendências, cujo fim não se encontra definido por nenhum determinismo econômico,
mas resulta da luta entre vontades coletivas e organizadas.
Portanto, as organizações não governamentais são instituições importantes para a sociedade
e para as mudanças requeridas pelo conjunto dos trabalhadores, mas não são as identificadas com
as relações de mercado, como as fundações empresariais ou outras similares, com seus programas
de responsabilidade social, focalizados no aumento de consumidores, com suas belas campanhas
52
solidárias veiculadas na mídia hegemônica, ao mesmo tempo que sonegam impostos, pagam
salários indignos e exploram seus trabalhadores.
Refere-se a um outro tipo de organizações não governamentais ou outra forma de
organização da esquerda social, como se refere Stédile (líder do MST), em entrevista recente,
concedida à Revista Crítica Social, onde as identifica como pertencentes a setores pastorais da
Igreja, a movimentos populares, a agrupamentos políticos até aos intelectuais, dentre outros, desde
que participem do processo de luta para as mudanças da sociedade vigente, mantendo assim seu
caráter público, em direção a um projeto comum. Tais organizações podem atuar no reforço a
políticas públicas na área social, com sua capacidade de auto-organização com a criação de espaços
públicos próprios onde desenvolvem suas ações públicas.
Esse movimento de luta encampado pelo denominado “Terceiro Setor”, numa outra
perspectiva e circunstâncias, poderá contribuir para o controle social do Estado, o que:
...irá requerer igualmente o consciente cultivar – não em indivíduos
isolados, mas em toda a comunidade de produtores, qualquer que seja sua
ocupação – de uma incomprometível consciência crítica, associada a um
intenso compromisso com os valores de uma humanidade socialista [...]
(MÉSZÁROS, 1987 p. 72).
Precisamos continuar na luta, pelo fortalecimento de espaços públicos, nos quais os
Conselhos Escolares poderão ser incluídos como um locus importante, para estimular o controle
democrático da escola, com vistas nas transformações requeridas por amplos segmentos da
sociedade, para que possamos re-construir o público em novas bases democráticas:
Ao se tornar “obra de todos e de cada um”, o público deixa de ser
confundido simplesmente com os aparelhos do Estado e da burocracia. Na
óptica da democracia popular, ser público é diferente de agir “em público”,
de entrar na esfera pública, não se limita a ser interlocutor de uma “razão
comunicativa” lingüisticamente correta. Além das demonstrações verbais e
administrativas, o público popular é o conjunto das práticas sociais que
criam uma comunidade ético-política onde se superam concretamente as
injustiças, a exploração, a exclusão e se reparte o trabalho, a produção, a
distribuição de bens do planeta, o acesso igualitário ao conhecimento mais
avançado (SEMERARO, 2002, p. 222).
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54
OS CONSELHOS ESCOLARES COMO POLÍTICA DE DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO: do
proclamado ao concretizado nas escolas públicas
Este trabalho resulta de pesquisas sobre gestão escolar, realizadas no iperíodo de 1996 a 2005,
das discussões e debates travados ao longo das apresentações em eventos científicos e dos acúmulos teóricos
de um modo geral. Objetiva socializar experiências e dialogar com aqueles que se interessam pela temática e
acreditam na possibilidade concreta de mudança das condições perversas que insistem em continuar
presentes na educação brasileira e, em particular, em Belém, talvez com agravantes próprios de região
periférica.
Em um primeiro momento trabalhamos com vinte e cinco escolas públicas do ensino médio de
Belém. Em um segundo, com dez escolas públicas do ensino fundamental, sendo cinco da rede municipal e
cinco da estadual de Belém. A metodologia utilizada foi quali-quantitativa por meio de um Sistema de
entrevistas semi-estruturadas, questionários, fichas de registro e observação não participante. Os sujeitos
investigados foram: trinta e cinco diretores escolares; trinta e cinco alunos representantes dos Conselhos
Escolares, na faixa etária de 13 a 19 anos; dez técnicos; dez pais de alunos; trinta e cinco professores, e
trinta e cinco funcionários.
Na primeira parte da pesquisa, investigamos diretores, para analisar a percepção deles sobre
suas práticas administrativas e pedagógicas e, na segunda fase, ampliamos o universo e os objetivos da
pesquisa, para avaliar a gestão numa perspectiva mais ampla, incluindo todos os atores participantes dos
Conselhos Escolares, que é a unidade executora das escolas públicas de Belém, criados como exigência para
habilitação delas a fim desenvolverem suas atividades com autonomia, a partir do recebimento dos recursos
liberados diretamente para as escolas, das quais trataremos à frente com mais profundidade, desde sua
origem no movimento de luta dos trabalhadores da educação, em prol da sua gestão democrática.
Os principais indicadores da pesquisa referentes aos sujeitos representantes nos Conselhos Escolares
foram: grau de satisfação; importância atribuída ao CE; tipo de liderança; imagem da escola; percepção sobre
o processo pedagógico, percepção sobre as mudanças ocorridas na escola, na construção da democracia.
Procurou-se avaliar as conseqüências, as potencialidades da participação dos sujeitos escolares e suas reações
55
como partícipes do processo decisório da escola. As categorias utilizadas como pano de fundo para a análise
foram: democracia, participação, descentralização, autonomia, tomada de decisão, autoridade, dentre outras.
Antes de começar a relatar e analisar os resultados das pesquisas, considero necessário realizar uma
incursão histórica para delimitarmos as noções de democracia assumidas neste trabalho, por entendermos que
a categoria é polissêmica, ao permitir diferentes significados e muitas são as formas assumidas em diferentes
espaços, além do que ser democrata virou uma virtude, uma qualidade importante nas sociedades modernas.
Daí grande parte dos dirigentes fazerem questão de se intitularem democratas, e isso se verificou em nosso
pequeno espaço de pesquisa, nas escolas públicas de Belém, em que as falas dos diretores escolares
comprovam tal afirmativa.
A palavra democracia é polissêmica, podendo pois possuir vários significados, dependendo dos
interesses particulares de quem a encampa, moldando o discurso democrático a diferentes situações e pode
ser utilizada até para designar coisas antagônicas. Os políticos brasileiros, por exemplo, só consideram antidemocráticos os outros. Mas uma coisa é comum: falar em democracia envolve sempre algo de positividade,
de liberdade.
Neste sentido, apropriamos-nos da discussão apresentada por Coutinho (2002), que faz uma análise
histórica sobre o conceito de democracia desde o século XVII, no liberalismo, destacando Rousseau como o
primeiro a elaborar uma proposta de sociedade democrática e popular, por meio de um movimento que se
espraiou na Revolução Francesa, com evidência para os Jacobinos, rebatendo nos primeiros pensadores
comunistas, no movimento socialista já do século XIX.
O mesmo autor destaca no século XIX o liberal francês Aléxis de Tocqueville, que considera a
democracia como irreversível, mostrando sua fragilidade e periculosidade para o poder da maioria, daí
necessitar ser controlada para não descambar em tirania. Mosca, pensador italiano, diz que as maiorias
inexistem como sujeitos políticos, sendo a política coisa de minorias, daí não temê-la por considerá-la como
algo utilizado pelas elites para governar e se legitimar.
Para Coutinho (op.cit.) até o início do século XX, o liberalismo se confrontava com a democracia e se
apresentava como uma alternativa a ela.
O autor chama-nos a atenção para o fato de que no liberalismo havia o sufrágio do voto, mas nos
primeiros modelos de inspiração inglesa só alguns tinham o direito a votar, os “cidadãos ativos”, que eram os
proprietários, e as mulheres só passaram a ter tal prerrogativa no início do século XX. O sufrágio universal é
uma conquista da democracia, por meio da luta dos trabalhadores, desde o século XIX na Inglaterra,
particularmente do “movimento cartista” que possuíam duas principais bandeiras de lutas: fixação legal da
56
jornada de trabalho e sufrágio universal. A primeira conseguida por volta de 1860 na Inglaterra e a segunda
somente em 1918.
Desse modo, os regimes liberais que surgiram para contrapor-se aos regimes absolutistas e aos
impedimentos para a expansão do capital foram obrigados a encampar direitos democráticos ao longo de sua
história, sobretudo após a criação dos sistemas socialistas, daí a denominação de regimes liberaisdemocráticos que temos hoje no mundo inteiro, como produto originário de lutas democráticas. Nas análises
de Sader (2002), tivemos três modelos alternativos ao liberalismo, constituídos a partir da crise de 1929, que
são: socialismo soviético, fascismo e keynesianismo e do fracasso desses três, surgiu o neoliberalismo. A
grande questão então é como conciliar direitos de cidadania com a lógica e a ferocidade do mercado?
Martins (1994) aborda dois modelos de democracia. O primeiro é aquele legimitado pelo voto em
eleições livres, próprio dos Estados Unidos e outro da Inglaterra, a democracia participativa, dos anos
sessenta, surgida nos movimentos sociais organizados e incorporados pela “New Left”, com a crise do
socialismo real do Leste Europeu, que se fundamenta em princípios de participação direta nas bases e
representativa noutros níveis.
No Brasil, a exemplo do que aconteceu noutros países latino-americanos e na Europa, as esquerdas, os
progressistas, assumiram a bandeira da democracia como valor universal, sem pensar na transformação
social, por conta da derrocada do Leste Europeu e, mais particularmente, da longa ditadura vivida. Portanto, é
a democracia liberal representativa é hoje hegemônica no mundo ocidental. A maior crítica que se faz a este
modelo é a de que, na ordem capitalista, constitui e difunde a ideologia do Estado neutro, a serviço do bem
comum, o que se constitui numa falácia.
A democracia não deve ser vista apenas como um valor universal, em que bastam as eleições diretas
livres, para que automaticamente, as relações se transformem. Para Coutinho (op. cit. p. 17) ... o que tem
valor universal é esse processo de democratização que se expressa, essencialmente, numa crescente
socialização da participação política.
Os neoliberais acreditam que estamos vivendo um momento de ampliação da democracia, nestes
tempos de globalização, porque as pessoas têm mais condições de buscarem desenvolver suas capacidades e
conseguirem participar do mercado dada a ampliação dos meios e canais de comunicações. Os considerados
mais de esquerda proclamam a necessidade de a democracia ser defendida como um valor universal para
evitar recaídas autoritárias (SILVA, 2003).
As experiências surgidas sobretudo nos países do Sul, como alternativas ao modelo de democracia
liberal representativa, são o modelo de democracia participativa, popular, expressas nas propostas de alguns
57
governos progressistas do Brasil: que Santos (2002)
diz ser um misto de democracia representativa e
democracia participativa.
Trazendo a questão para o Brasil, observou-se que todos os segmentos organizados que se
contrapunham desejávam as eleições diretas, como se isso bastasse para se ter democracia, esta entendida
como oposição à ditadura, hoje a situação é outra e precisamos efetivamente lutar por uma democracia
qualificada, a qual já apresenta experiências que vêm sendo construídas por governos progressistas em Porto
Alegre, Belém e Belo Horizonte, que apontam para a democracia participativa (SANTOS E AVRITZER, op.
cit. p.65-68 ).
Então, a democratização só se realiza plenamente na medida em que combina a
socialização da participação política com a socialização do poder, o que significa
que a plena realização da democracia implica a superação da ordem social capitalista,
da apropriação privada não só dos meios de produção mas também do poder de
Estado [...] (COUTINHO, op. cit. p. 17).
Na democracia direta, a participação é compreendida como relação política, que implica em
tensões, conflitos e contradições. É conquista, a partir de um aprendizado que pode começar na escola, daí a
importância atribuída à abertura de espaços organizados de participação no seu interior, para que os sujeitos
escolares possam interferir no processo de tomada de decisão.
Tais experiências foram importantes porque possibilitaram exercitarem-se, ainda que precária e
incipientemente, outras relações de poder, que não tiveram continuidade, devido a inúmeros fatores, como:
i) a derrota dos governos mais progressistas nas últimas eleições; ii) os segmentos organizados da educação
ainda não estão preparados e com força suficiente para garantir as políticas já implementadas e por último
iii) o desmantelamento das equipes gestoras da construção do processo de democratização da gestão da
educação.
Na escola brasileira, construir a democracia participativa é uma árdua e complexa tarefa, haja
vista toda sua estrutura, organização e funcionamento encontrarem-se assentados em bases autoritárias,
centralizadoras, patrimonialistas e personalísticas, que criam barreiras quase intransponíveis para educandos
e educadores dialogarem, interagirem e avançarem em direção ao novo. Tal perfil não é uma particularidade
das instituições escolares, mas resultante de tradição com fortes raízes na sociedade política e nos interesses
hegemônicos no país, embora possamos identificar alguns pequenos avanços com o advento das eleições
diretas para gestores escolares, criação de colegiados representativos das categorias profissionais e da
comunidade, construção de projetos político-pedagógicos pelas próprias unidades escolares.
Moacir Gadotti (1992) afirma que a participação e a democratização são essenciais para
construção da cidadania, que se dá no próprio processo de tomada de decisão, no exercício da participação:
58
... A criação dos conselhos de escola representa uma parte desse processo.
Mas eles fracassam quando instituídos como uma medida isolada e
burocrática. Eles só são eficazes em um conjunto de medidas políticas, em
um plano estratégico de participação que vise a democratização das decisões
(p. 27).
O que dizem os professores
Nas pesquisas realizadas, quando perguntamos se os professores participavam da vida da escola,
além das reuniões dos CEs suas falas são reveladoras de indícios de uma incipiente compreensão, por parte
deles, sobre a necessidade da participação mais sistemática e organizada na vida escolar, porque continuam
com a idéia formada de que a função de gestão pertence ao diretor e seus técnicos, embora alguns defendam
tal participação.
essas manifestações podem nos oferecer uma pequena demonstração das dificuldades da escola
realizar momentos coletivos de discussão, por ser uma verdadeira odisséia conseguir reunir os professores e
técnicos num mesmo horário, sobretudo porque cada docente possui seus interesses e necessidades
profissionais e não dá para conciliar os horários.
Não só isso, mas também porque pelas condições de trabalho e a existência de uma cultura
instalada da não-participação no processo de tomada de decisão.
Quanto aos professores não participantes dos colegiados, quando perguntados sobre a imagem que
tinham do CE, a maioria mostrou-se pouco crente no papel exercido pelos Conselhos Escolares em suas
unidades, porque afirmaram saber de que modo foram criados, nem sempre como necessidade das escolas,
mas por imposição do Sistema de Ensino, obrigando-as portanto as escolas a se adequarem às normas,
formando os colegiados, escolhendo pessoas até para fazer figuração, muitas vezes, como alguns
depoimentos mais contundentes de professores revelaram.
São muitas as causas determinantes da baixa participação dos sujeitos nas escolas que vão desde
problemas materiais, institucionais, político-sociais e até econômicos. Do ponto de vista material e
institucional pode-se dizer que as condições de funcionamento, de cerca de 80% de nossas unidades
escolares, ainda não oferecem condições adequadas para um trabalho coletivo: a própria organização
hierárquica, a estrutura curricular, as formas de gestão ainda centralizada, a precariedade das instalações
físicas, a ausência de bibliotecas equipadas, os colegiados escolares ainda não estão atuando na direção de
fórum de discussão, tomada de decisão coletiva e capacitação política permanente, ainda é um órgão
burocrático que junta algumas pessoas, que até dão opiniões, mas não realizam um trabalho coletivo,
produtivo e conseqüente no sentido de nortear as ações escolares, em direção ao crescimento coletivo.
59
Do ponto de vista político-social, destaca-se a disputa de poder de grupos da escola, nem sempre
tão visíveis, mas que conseguimos observar na investigação. Há o grupo de aliados dos diretores e os
adversários, estes estão sempre contra as decisões tomadas pela direção.
No último processo eleitoral para escolha de diretor, realizado em 2003 em algumas escolas,
assistimos fatos lamentáveis, com todo tipo de comportamentos até anti-sociais, já comuns nas disputas do
executivo e legislativo brasileiros, que se reproduzem no espaço educacional. São atitudes de professores,
diretores, técnicos e funcionários nem um pouco educativos para os alunos e demais atores escolares, na
construção da democratização. As discussões descambam em geral para questões particulares dos
candidatos e seus aliados, com retaliações de toda ordem, não havendo assim debates sobre projetos para as
escolas, restringindo ao campo pessoal. Não ocorre o processo da humanização tão requerida em nossas
relações sociais. Humanizar, no sentido preconizado por Paulo Freire (1992), de dar conteúdo crítico à
relação, na construção de conhecimentos que permitam desencadear a mudança do educando e de seu
entorno.
Quanto aos condicionantes econômicos já nos reportamos acima, quando evidenciamos as vozes
dos professores criticando os baixos rendimentos e a necessidade da busca de outras fontes de renda para
conseguir uma vida melhor, pois a maioria atua em mais de duas escolas, percebendo-se uma visão negativa
dos professores sobre as possibilidades de mudanças, a partir de suas participações mais qualificadas nas
decisões escolares.
É toda uma concepção de participação que perpassa tais discursos, entendida como colaboração,
como contribuição na operacionalização das políticas, ou seja, não há distribuição de poder, mas uma
participação apenas operacional, de tarefeiro, de parceiro-ocasional, porque talvez os professores já estejam
descrentes, pela experiência de verificarem que os problemas da educação são renitentes e, pelo menos, do
conhecimento público, há mais de trinta anos, com mudanças ínfimas e inexpressivas diante do quadro.
A esse respeito, o que se observa é que o discurso da participação, quer
entre políticos e administradores da cúpula do sistema de ensino, quer entre o
pessoal escolar e a direção, está muito marcado por uma concepção de
participação fortemente atrelada ao momento da execução (PARO, 1997, p.
50).
Um dado recorrente nas falas de diretores, professores, técnicos e funcionários foi sobre a questão do
papel dos representantes da comunidade nos Conselhos Escolares, alegando eles que tais atores não têm como
ser cobrados pelas escolas sobre suas atividades nesses fóruns coletivos, exatamente por não terem vínculo
formal com as escolas. Diziam eles: se nós que temos vínculo fica difícil, imaginem quem não o tem.
60
Os diretores, muitas vezes, ficam em situações difíceis e até constrangedoras, segundo eles, porque,
embora os Conselhos Escolares sejam entidades jurídicas, quem responde por tudo que ocorre nas escolas são
seus diretores. E isso sabemos ser uma realidade nas escolas públicas de Belém.
Uma alternativa talvez fosse ter-se uma gestão colegiada, formada por três membros da própria
escola para administrar seu dia-a-dia: um para o administrativo, um para o pedagógico e outro para o
financeiro. O Conselho ficaria responsável pela definição das grandes linhas, da política da escola, de seu
planejamento, enfim, das grandes decisões. Porque se forem jogar as atribuições, pela co-gestão escolar, para
os Conselhos, o cotidiano escolar ficaria atropelado, pois são tantas atribuições diárias que precisam ser
resolvidas com celeridade, que não daria tempo para reunir os conselheiros para decidir, inviabilizando a
dinâmica interna. Pensar numa gestão colegiada, em que os conselheiros gerissem a escola, seria, no mínimo,
uma utopia inatingível e, na prática, uma demagogia. Há necessidade de uma equipe mínima que fique na
linha de frente, direcionando a Escola com a contribuição de todos os segmentos nela existentes.
Sabe-se da importância da participação dos atores educacionais na escola, mas é um problema
bastante complexo para qualquer pesquisador tentar examinar tal participação, porque esta é uma categoria
polissêmica, já que diferentes podem ser seus significados. Além disso, é vista por muitos educadores e pelo
próprio Estado como a grande redenção da escola pública. Aliás, isso é bem antigo, porque até na ditadura se
falava em participação comunitária, entendida como consulta individual, o que não garante a participação.
Pessoas presentes numa reunião não significa que poderão participar das decisões.
Apesar dessas questões serem reais, pensamos não haver necessidade de medir o grau de
participação, mas a qualidade dessa participação e foi isso que buscamos analisar nas falas dos diversos
sujeitos-representantes, e, no caso específico dos alunos, abordaremos seguidamente.
Participação dos alunos nos colegiados: vozes que silenciam
Os depoimentos dos alunos são reveladores de que eles assumem e reproduzem posturas similares à
dos diretores, como autoridades detentoras de poder, que fazem valer seus poderes, com severidade e
autoritarismo. Sentem-se aliados dos demais membros do Conselho Escolar, voltando-se contra seus pares e
silenciando suas vozes.
Alunos, antes até combativos, questionadores, depois que ingressaram nos Colegiados escolares não
mais lutam por seus direitos. Isto foi percebido um pouco nas falas desses sujeitos, nas observações diárias e
nos depoimentos dos outros colegas por nós entrevistados, ao longo da pesquisa, que serviram para ratificar
nossas suspeitas.
Sabe-se que os Conselhos, dentre outras medidas democratizantes foram criados a partir da
Constituição de 1988 e a Lei n. 9694/96
de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira foram.
61
Compreendemos os Conselhos Escolares como colegiados políticos de permanente aprendizado de
democracia, instrumentos importantes de exercício e de formação para a emancipação, para a conquista de
autonomia, sem a qual não se constrói a democracia participativa, plena. Além disso, os Conselhos podem
funcionar como instrumento de gestão da escola.
No Pará foram criados pela Lei Complementar 06/91 de 27.02.1991 com fins consultivos e
deliberativos com o objetivo de aconselhar, controlar, fiscalizar e avaliar o sistema de ensino. Antes mesmo
dessa regulamentação já existiam alguns Conselhos Escolares funcionando em Belém, desde 1988, mesmo
sem a configuração atual.
Um ponto a destacar é que na Constituição Estadual de 1989, tais colegiados são definidos como
órgãos de aconselhamento, controle e fiscalização. Suas finalidades foram ampliadas, como conquista do
movimento organizado dos trabalhadores da educação para a função de deliberativos, o que representou um
avanço significativo... é o que melhor pode contribuir ativa e efetivamente para a democratização e
autonomia da escola (ANTUNES, 2002, p. 24 ).
A autonomia para construção do projeto pedagógico faz parte de um projeto maior de
descentralização das ações do Estado.
Os alunos, ao serem perguntados como ingressaram no CE, cerca de 80% deles revelaram ser
apontados pela diretora, por algum professor e/ou técnicos e que a partir daí procederam à eleição, sem que
eles soubessem exatamente o que significava a escolha e as funções que iriam exercer nos Conselhos. Mas,
todos disseram que já participam de algum modo na sala de aula ou em outras atividades na escola.
Os alunos-sujeitos da pesquisa se manifestaram de forma variada sobre a possibilidade de ter havido
mudanças nas escolas a partir da criação dos CE, trazendo para si os avanços ocorridos, porque já informam
mais seus colegas do que está acontecendo na escola, mas que esses não têm demonstrado interesse em
participar nem tampouco nas questões tratadas, porque, segundo os entrevistados, “não terem consciência de
seus papéis na escola...”
Buscamos analisar a qualidade dessa participação e foi isso nas falas dos alunos-representantes,
reveladoras de que eles assumem e reproduzem posturas similares a dos diretores como autoridades
detentoras de poder, que fazem valer seus poderes, com severidade e autoritarismo. Sentem-se aliados dos
demais membros do Conselho Escolar, voltando-se contra seus pares e silenciando suas vozes.
Observe-se que existem experiências de escolas, com fortes indícios democráticas, encontradas em
nossas pesquisas, porque nelas seus atores trabalham em cooperação, em função de um novo projeto de
inclusão daqueles tradicionais excluídos dos benefícios do progresso e das políticas públicas, ainda que com
conflitos, tensões e contradições e nelas também os alunos reproduzem posturas tradicionais, considerando-se
como autoridades e que merecem respeito de seus colegas. Um depoimento de um aluno é significativo nesse
62
sentido: “Hoje já não posso mais fazer bagunça, preciso ser sério, pois não posso dar maus exemplos...” São
discursos reveladores da percepção desses alunos sobre as relações de poder e processo pedagógico vividos.
Um fato interessante a esse respeito é que alguns diretores entrevistados revelaram suas posições de
que os alunos-representantes nos CE são mais ousados e até abusam, porque se consideram autoridades
como os diretores:
.. os alunos do Conselho Escolar se comportam como autoridades e abusam, vão
entrando na nossa sala cheios de moral...(Depoimento de diretor).
A descentralização passou a ser palavra de ordem na área política e administrativa, estimulando
participação da sociedade civil na formulação e no controle das políticas públicas, em função da centralização
do Estado, da crise econômica, dentre outros:O discurso pela descentralização está, portanto, intimamente ligado à
reforma do Estado brasileiro (ABRANCHES, 2003, p.12).
No caso particular deste trabalho, interessa-nos analisar a atuação dos Conselhos Escolares que,
segundo a pesquisa realizada, ainda não estão atuando numa direção de mudança de relações de poder, de
construção da democracia efetiva, participativa como princípio educativo, capaz de educar para
emancipação. Desde sua constituição até as ações desenvolvidas nas escolas não sinalizam para o exercício
democrático, como fóruns permanentes de capacitação política de seus representantes.
Os discursos e a observação dos alunos representantes nos Conselhos Escolares das escolas
investigadas, revelaram que, em 70% das unidades escolares, a escolha dos membros se deu por amizade, os
que são mais presentes, os que gostam de falar, que participaram do processo eletivo e se transformaram em
representantes de seus pares.
Grande parte desses atores tem clareza sobre as carências e deficiências da escola, entretanto os
problemas mais ressaltado por eles, foi: apatia dos colegas, deficiência da maior parte dos professores, falta
de funcionário para cuidar da escola, ausência de recursos didáticos, métodos de ensino inadequados,
sobretudo de Matemática, Física, Ciências e Geografia, faltas constantes dos professores, a violência dentro
e fora da escola, muros que a cercam.
Apesar das críticas que os alunos fazem sobre a escola, todos reconhecem as mudanças ocorridas a
partir da constituição dos CE, mas cerca de 60% acham que as decisões decorrem das posições dos diretores
e professores, conforme se ilustra com depoimento de uma representante da comunidade local:
Muitas vezes eu não me sinto bem, porque eles preferem uma coisa e os alunos querem
outra, eles não fazem o que os alunos querem, só a vontade deles vale.
Quando indagamos sobre os principais problemas da escola: a maioria dos entrevistados disse que
os colegas não os respeitam como deveriam porque são representantes no CE:
63
Os colegas não nos levam a sério, porque não têm consciência, não tiveram boa
educação familiar, porque na escola só aprende a cultura letrada. Precisam respeitar
os mais velhos e as autoridades. Não querem estudar. (Depoimento de aluno)
Quanto à relação com diretores, técnicos e professores, os alunos revelaram ter melhorado, porque
não gostavam da maioria deles, não eram ouvidos e agora estão bem próximos e podem conversar com
todos de igual para igual e até mudaram de opinião sobre os diretores:
.. nós temos uma proximidade com os professores e com a direção da escola.
Somos mais conhecidos, quando precisamos vamos procurá-los e eles dizem,
ah, tu és do Conselho, entra o que queres, fala. Falamos tudo, é como se
fôssemos neutros,... normais ficaria mais difícil de sermos ouvidos, tal porque
aí não tem, temos força, certa potência.
Antes eu não gostava da diretora, achava ela autoritária, agora vejo que
está certa, porque põe moral, disciplina ,para caramba. É justa, senão abusam.
Enquanto eu era só aluno, não gostava da diretora...
Meus colegas só querem bagunça e aí não respeitam a gente, porisso
têm que ser áspero, botar moral. Afinal somos do Conselho Escolar.
Verifica-se que os alunos assumem e reproduzem o discurso da autoridade e começam a não
representar os interesses dos colegas. Calam-se diante dos problemas da escola, acatando as posições de seus
superiores. Isto é compreensível, porque participar se aprende no exercício da participação e o que se aprende
na sociedade não encaminha para a atuação crítica, construtiva e democrática.
Perguntados sobre o que seus colegas acham de sua representação no CE, eles dizem que a maior
parte não gosta, porque não os entendem, porque querem continuar do jeito que são, sem querer ter
responsabilidade e valorizar a escola, conforme depoimentos abaixo:
... a maioria não quer nada, eles acham que tenho que comunicar tudo o que
acontece nas reuniões do CE. Muitas coisas têm de ficar lá.
Quanto indagados sobre sua atuação no CE e sobre as solicitações de seus colegas ao Conselho, os
dados indicam que não há mudanças, porque não há indicativos de que encaminham posições tiradas nas
salas de aula, já que afirmam não haver um bom canal de comunicaçã
... eu levo minha posição porque sou aluno e conheço
problemas da escola e tenho encaminhado alguns...
São poucos que se interessam pelas questões da escola, só querem pedir
besteira...
os
A importância do CE, os alunos apresentam diversos motivos para justificar: Cerca de 80% disseram
que a escola ficou mais democrática, mas que falta a maior participação dos alunos e dos professores. Eles
fazem uma crítica muito grande aos docentes, sobretudo das disciplinas Matemática, Física e Ciências.
64
Um ponto a destacar é que a totalidade dos alunos investigados demonstrou preocupação com o bom
funcionamento da escola, pois atentaram para questões como: a grande quantidade de faltas de alguns
professores, as metodologias de ensino, as instalações, a violência, as grades e portões fechados
permanentemente, a falta de obrigação das provas, parecendo que aguardam mudanças a partir de suas
participações no CE, conforme depoimentos abaixo
Apesar de a
gente já ter conseguido algumas coisas, como quadra, bebedouro, a escola está cheia de
problemas... mas o que me chateia é o portão fechado, que não adianta porque a
violência dentro e fora da escola não diminuiu..
Os professores faltam muito, principalmente os melhores....A gente pouco
estuda, sem as provas a situação só piorou. Eu preferia antes que a gente tinha
de batalhar para tirar boas notas (Alunos).
Alguns diretores entrevistados revelaram suas posições preconceituosas, evidenciando
que os
alunos-representantes nos Conselhos Escolares são mais ousados e até abusam, porque se consideram
autoridades como eles, aliás, isto foi comum nas falas dos dirigentes de escolas estaduais, à época da
pesquisa:
... os alunos do Conselho Escolar se comportam como autoridades e
abusam, vão entrando na nossa sala cheios de moral...(Depoimento de
diretor).
O conceito de autoridade desses gestores tem a ver com uma concepção tradicional de relações de
poder, daí a necessidade de revermos essa temática tão complexa, começando por delimitar-se a questão da
autoridade. Em sentido amplo, entende-se como autoridade alguém que tem poder legítimo, instituído pelo
credenciamento intelectual ou por delegação de poder concedido, portanto suas ordens e prescrições devem
ser obedecidas por aqueles que estão sob seus domínios. Isto implica ainda em pontuar-se alguns campos.
A obediência não se dá só quando a autoridade é considerada legítima, porque há obediência que
decorre de correlação de forças, como no caso de regimes ditatoriais, em que há necessidade de se obedecer,
porque não há outra opção, mas não respeitamos. Alguém que nos ameaça com armas, obedecemos-o e nem
por isso considera-se como autoridade. São relações baseadas no exercício da força. No caso de um governo
ditador:
há hierarquia, certamente legitimada por parte de quem detém o poder, mas não
legitimada por parte de quem é obrigado a obedecer: tais relações não são, portanto,
relações de autoridade (cabe a palavra autoritarismo: uso abusivo do poder (TAILLE,
1999 p. 11) .
65
Há o caso contrário,: em que obedecemos sem que haja hierarquia ou necessidade dessa obediência,
mas por uma admiração ou respeito diante de alguém em quem acreditamos e consideramos como autoridade
legítima, ainda que não esteja investida legalmente desse poder.
Pensa-se que, na democracia participativa, obedecemos porque escolhemos a autoridade, que é
legítima e representativa e daí a respeitarmos.
Como se pode observar, é uma discussão complexa, que exige um bom aprofundamento, mas como o
espaço deste trabalho não permite tal incursão, vamos sintetizar em linhas gerais dizendo que:
Obedecemos porque legitimamos o lugar de onde vêm as leis que nos obrigam.
Todavia, com exceção da autoridade instituída democraticamente, a grande maioria das
relações de autoridade provém da falta, real ou pressuposta, de autonomia por parte de
quem a ela se submete (TAILLE, op. cit p. 13).
Trazendo a questão para dentro da escola, sabe-se que é um espaço organizado de forma hierárquica,
de relações assimétricas, em que os alunos ingressam na busca de formação, do acesso a conhecimentos que
lhes propiciem a emancipação e autonomia, porque ela deve existir para tal conquista. Isto é outro campo não
tão preciso, primeiro porque as crianças, ao ingressarem nessa instituição, ainda não têm poder de decisão
para fazer as escolhas, mas vão para a escola por força de uma obrigação imposta pela sociedade aos pais.
A escola como instituição tem papel importante na formação dessas crianças e seus atores exercem
uma função educativa, desde os diretores, professores, técnicos até os porteiros e merendeiras. As relações
que se estabelecem nas unidades escolares são, na maioria das vezes, pouco educativas, no sentido
humanizador e cultural da palavra, como relação mais crítica.
No caso específico dos dirigentes escolares, os resultados das pesquisas indicam que eles, em sua
maioria, ainda se encontram presos a formas de administração mais tradicionais e burocráticas, com alguns
invólucros democráticos, como se observará nas análises seguintes:
Vozes dos gestores escolares
O gestor escolar, em geral, tende a isolar-se, até mesmo pelo excesso de atribuições que lhes são
conferidas pela rotina de seu trabalho. Ainda que se autoproclame democrata, pode estar professando uma
prática autoritária.
Nas entrevistas realizadas, um dado importante é que 100% dos respondentes se consideraram
democratas. Ao serem indagados sobre o que determina o seu processo de tomada de decisão, eles
responderam, de
forma geral, que se guiam por suas vivências,
sensibilidades, pelo senso de
responsabilidade e criatividade, no que diz respeito aos problemas cotidianos da escola:
Eu me sinto criativo e com responsabilidade, talvez pela minha experiência,
organização e competência. Fui convidada para assumir a vice-direção do
66
Colégio e, em apenas 05 dias, através de Portaria, sem consulta prévia,
passei a diretora.”
Somos bastante criativas, porque só com essa qualidade podemos
administrar, temos tentado estabelecer parâmetros democráticos de atuação
para todos... (formas de participar iguais).
Se eu não fosse criativo e democrata não ficaria um dia na escola.
Sinto-me bastante criativo, por tudo que inovei na minha administração.
Hoje já há um respeito no geral. Ninguém faz o que quer. Mas é preciso ter
jogo de cintura para administrar
Sou democrático, mas nem sempre nós podemos discutir as decisões. Nem
tempo dispomos para isso.
A gente procura ser o mas democrático possível, mas na hora de decidirmos
nem sempre podemos contar com o corpo escolar.
Os problemas essenciaisi, mais importantes para a unidade escolar, eles procuram atender com base
nas deliberações emanadas pelas instâncias superiores, porque são obrigados pela força do cargo que
exercem. Algumas vezes buscam os Conselhos Escolares para respaldar suas decisões.
No geral, eles aparecem para a comunidade interna e externa como prepostos do Estado, do qual se
reconhecem como legítimos representantes, como mediadores entre o Estado e a sociedade, mas não se
sentem satisfeitos, nem realizados na função, de vez que, conforme afirmaram, o sistema não lhes dá
condições para desenvolverem melhor seus trabalhos, conforme depoimentos abaixo:
... se eu não me envolver diretamente com tudo, a escola não funciona.
Bom, se for esperar pela SEDUC, fico parada...
... como não temos metas estabelecidas, me envolvo com tudo para que a escola
funcione...
... as atribuições são grandes, as decisões administrativas exigem muito de você,
com seu pouco tempo, tem de decidir logo as coisas, não podendo esperar por
discussões...
Não se percebem, na análise dos discursos, claras intenções por parte dos diretores na consecução
de determinado projeto educativo, ressaltando sempre os aspectos administrativos e burocráticos do
cotidiano. Parece que as convicções pessoais cedem lugar a questões de cumprimento do dever. Quando
tratam da parte pedagógica, referem-se, em geral, ao controle da força de trabalho, do calendário de
provas, do ingresso dos alunos na escola, dos problemas disciplinares, dentre outros:
... faço reuniões com todos, faço cobranças com as faltas... organizo o ponto, todos
os documentos que entram e saem da escola. Faço todos os ofícios possíveis, para
buscar tudo para dentro da escola: reformas, ampliação, armários, arquivos, estantes,
máquinas. Organizo escala para todos os serviços, quadro de avisos, mensagens...
Tudo isso tem a ver com a parte pedagógica...
67
Sempre tento organizar a vida da escola da melhor forma, faço o possível para que
todos possam trabalhar com harmonia e cumpram suas obrigações...
Os depoimentos de cerca de 75% dos atores investigados indicam que há problema de
representatividade dos membros dos Conselhos Escolares, pois alegaram dificuldades para conseguir
compor os colegiados, segundo eles, porque há um forte desinteresse da comunidade, especialmente da
externa, pela vida da escola.
No decorrer deste trabalho procuramos demonstrar um pouco da compreensão dos alunos sobre
os Conselhos Escolares e das relações de poder no cotidiano escolar. Observou-se que, apesar desses
sujeitos reconhecerem a importância do Colegiado para a democracia e para a melhoria das condições
escolares, eles se contradizem nas falas, com atitudes autoritárias assumidas e consideradas como
necessárias para o bom andamento da escola.
Sintetizam-se a seguir, os principais problemas revelados nas falas:
a) a questão da representatividade dos alunos, dado o processo de escolha verificado nas escolas;
b) o reconhecimento do grande número de faltas dos professores às aulas, como um entrave a
melhor aprendizagem;
c) o discurso dos alunos é similar ao dos diretores escolares em relação à questão da
autoridade. O autoritarismo substitui a força participativa dos alunos;
d) o silêncio das vozes desses representantes, que mudaram a partir da função ocupada,
não na direção da maior combatitividade e apresentação de reivindicações, por meio de
propostas da categoria, mas da manutenção do que as autoridades decidem,
reproduzindo a democracia representativa, em que se elegem nossos representantes,
que na maioria das vezes, nem nos representam;
e) crítica à não-realização da avaliação tradicional, representada pelas provas com data e
matéria marcadas, o que combina com o discurso dos pais e de muitos professores já
investigados.
Acredita-se, entretanto, que o fato de a participação dos alunos ainda não ser consciente e
não estar servindo aos interesses da categoria, não pode ser visto como obstáculo
intransponível, mas como um desafio à nossa capacidade, seja como professor, técnico ou
gestor de ajudar na formação desses sujeitos, discutindo temas que ampliem a compreensão
deles sobre as causas que interferem na construção de uma escola pública democrática de
qualidade.
68
Ainda que os Conselhos Escolares não estejam servindo de fórum permanente de educação
política, onde se formulam as políticas escolares e se acompanham as ações das unidades, eles
podem ser reconfigurados numa outra direção, em que se caracterize:
como um órgão coletivo de decisões, capaz de superar a prática do
individualismo e do grupismo, instalando-se como uma instituição
eminentemente política, na medida em que agrega de cada um dos setores
(escola e comunidade) os seus interesses específicos, que devem ser unificados
em prol do projeto da escola (ABRANCHES, op. cit. p. 56).
É um exercício de e para a cidadania, que vai propiciar aos sujeitos envolvidos um aprendizado que,
progressivamente, vai capacitando para novas formas de participação mais qualitativa e estimulando para
inserção em outras instâncias da sociedade.
Até hoje, ano de 2004, ainda estamos vivendo uma realidade similar sobre a representatividade,
pois encontramos escolas onde os CEs efetivamente são meras formalidades burocráticas, que estão mais
no papel, com personalidade jurídica, sem efetivamente funcionar. Não há reuniões periódicas, os
componentes muitas vezes nem se conhecem, existindo um membro que assume as prestações de contas
junto com o diretor; não há regularidade de reuniões, nem atas existem nas poucas realizadas, em cerca de
70% das escolas.
Em nossas observações, que atualmente estamos aprofundando em novo projeto denominado
“Observatório de gestão escolar democrática – Observe”, suspeitamos que os Conselhos Escolares que
melhor funcionam resultam de atuação de algum professor mais disponível, mais interessado,
comprometido, com boa relação com a direção, que vive a escola e a apóia e se responsabiliza pelo
andamento do Conselho, sobretudo no tocante aos recursos que vêm para a escola.
Isto vem reforçar o que afirmamos sobre o modelo de gestão personalística, centrada numa figura,
o que é comum ainda no Brasil, nas instituições públicas. De toda a amostra, apenas três escolas têm
representações de funcionários atuantes nos Conselhos Escolares, ainda que não seja a participação
desejada. A presença da comunidade externa à escola é incipiente, e as poucas vezes que comparece às
reuniões não tem uma boa participação, apresentando propostas por exemplo, mas apenas legitimando o
que os diretores e professores decidem. Ainda com todas as dificuldades relatadas para efetivação dos
colegiados escolares, enfatizamos sua necessidade e importância para a democratização.
As transformações não acontecem do dia para noite, como num passo de mágica. Elas fermentam
por muito tempo, sobretudo na área educacional. Concretamente, precisamos buscar com radicalidade a
compreensão de como são formuladas as políticas educacionais no Brasil, que critérios são utilizados em
tal formulação, qual a relação dessas políticas com as exigências do mundo e do mercado e em que
69
medidas estão acontecendo mudanças nas relações de poder nas escolas, a partir da criação dos
Conselhos Escolares.
É inquestionável que vivemos num mundo diferente, o que não quer dizer melhor ou pior. As
inovações científico-tecnológicas e a expectativa ou promessa de uma sociedade mais democrática, mais
justa, e ao mesmo tempo mais consumista, mais seletiva causou mudanças profundas nas práticas
culturais e na disseminação de novas contradições, entre o capital e o trabalho e nas relações sociais, em
sentido mais amplo Parece-nos que o estágio atual do capitalismo está derrubando a esperança de
equidade, de justiça social, além do parece que os intelectuais de esquerda, a classe política mais
progressista não estão mais na luta pela busca de uma outra opção de sociedade, mas sobretudo, lutando
para a domesticação do regime capitalista, como única possibilidade civilizatória.
Considere-se ainda, que não basta apenas abstratamente ter liberdade e direito de escolha, sem
acesso a outros valores fundamentais que precisam ser discutidos, sobretudo entendendo-se o tipo de
sociedade em que vivemos, de profundas desigualdades e injustiças de toda ordem, onde nem todos
podem fazer escolhas, por não terem alternativas, de vez que ainda nem foram incluídos numa
perspectiva de vida plena.
O Estado brasileiro historicamente tem sido competente em reconfigurar as propostas
mais progressistas advindas dos movimentos sociais, para a educação, de modo a incorporálas as suas políticas públicas, em nome do benefício da população, esvaziando-as no que tem
de maior avanço para as populações menos favorecidas. Tomem-se como exemplos
significativos: a incorporação da gestão democrática, com concretude, a partir dos fóruns
coletivos de decisão, autonomia e avaliação, projeto político-pedagógico, na LDBN,
objetivando a melhoria da qualidade da educação.
No tocante à autonomia da escola, especificamente, circunscreve-se mais ao uso dos
recursos que no estabelecimento de necessidades, bem como para assumir a responsabilidade
pelas deficiências históricas, não garantidas pelo Estado que acabam sendo transferidas para a
comunidade escolar, com o que discordamos frontalmente, embora reconhecendo que a
participação dos atores educacionais é indispensável mas desigual: os professores pouco
participam da vida escolar e os pais, em geral, só vêm à escola, quando há um problema com
seu filho.
70
No âmbito desse contexto, é que foram criados os Conselhos Escolares na rede pública
de Belém, porque a Constituição Federal de 1988 limitou a democratização às unidades
escolares públicas.
Compreendemos os Conselhos Escolares como colegiados políticos de permanente
aprendizado de democracia, instrumentos importantes de exercício e de formação para a
emancipação, para a conquista de autonomia, sem a qual não se constrói a democracia
participativa, plena. Além disso, os Conselhos podem funcionar como instrumento de gestão
da escola, como canal importante de articulação da escola com a comunidade, servindo para a
explicitação de alguns conflitos, na sua superação e no encaminhamento de medidas
negociadas que atendam ao coletivo, considerando o papel da escola como agência
prestadora de serviços que precisa levar em conta os interesses dos usuários, a quem ela
deve servir e para os quais foi criada (PARO, 2001, p. 81).
No Pará foram criados pela Lei Complementar 06/91 de 27.02.1991 com fins
consultivos e deliberativos com o objetivo de aconselhar, controlar, fiscalizar e avaliar o
sistema de ensino. Antes mesmo dessa regulamentação já existiam alguns Conselhos
Escolares funcionando em Belém, desde 1988, mesmo sem a configuração atual.
Um ponto a destacar é que na Constituição Estadual de 1989, tais colegiados são
definidos como órgãos de aconselhamento, controle e fiscalização. Suas finalidades foram
ampliadas, como conquista do movimento organizado dos trabalhadores da educação para a
função de deliberativos, o que representou um avanço significativo, aliás os avanços
democráticos incorporados às sociedades têm sido resultantes de lutas de trabalhadores.... é o
que melhor pode contribuir ativa e efetivamente para a democratização e autonomia da
escola (ANTUNES, 2002, p. 24 ).
Para que a gestão colegiada democrática se concretize, há necessidade de que os
espaços escolares gozem de autonomia; da criação de órgãos colegiados (como instrumento
permanente de educação política); de que os processos de provimento dos cargos de
dirigentes seja o mais democrático; que
a descentralização aconteça realmente (como
redistribuição de poder) e, sobretudo, que o corpo escolar construa coletivamente seu projeto
71
político-pedagógico e dele faça brotar novos projetos setoriais, capazes de dar vida ao que foi
lá proposto, sintonizados com as necessidades de mudança.
ANOTAÇÕES À GUISA DE CONCLUSÃO
Todas essas medidas implementadas nas unidades escolares não significam que esteja
assegurada a democracia, embora favoreçam consideravelmente relações mais humanas e
solidárias, que podem contribuir para o aperfeiçoamento do homem, no sentido de sua
formação e elevação.
Tem-se a compreensão de que esses instrumentos de democracia não vão evitar que
apareçam os conflitos, as tensões, as ameaças, as contradições. Muito pelo contrário, eles até
propiciam que aflorem com maior visibilidade, pois esses são próprios da vivência
democrática.
Nesse contexto, estabelece-se uma contradição do projeto reformista, porque preconiza
a indispensabilidade da participação e do trabalho coletivo e no ideário neoliberal dos
apologistas da supremacia do mercado, o individualismo e a competição aparecem como
qualidades indispensáveis à consecução do sucesso pessoal do cidadão-cliente, que necessita
se apropriar de um bom estoque de habilidades e competências para se inserir em tal
mercado.
É necessário pensar-se em reverter o quadro acima, ressignificando muitas das políticas
já implementadas na escola pública, dando-lhe uma nova direção, ou mesmo, utilizando-se
referenciais de modernização hoje bastante difundidos no mundo, baseados nos avanços
científico-tecnológicos, na busca da qualidade social sempre negada aos históricos usuários
da escola pública, sem contudo cair na armadilha de adesão às formas de gerência da
qualidade total. Isso exige sobretudo disponibilidade e receptividade à mudança, para que se
criem condições de ações de intervenção competentes para mitigação das desigualdades.
A escola exerce um papel importante na formação para a cidadania, para participação,
mas ela não é a única nem a principal. Existem outros espaços políticos tão importantes
quanto a escola, como os movimentos organizados, os partidos políticos, etc.
72
Ao lado disso, continuar-se-á na luta, pressionando o Estado para o estabelecimento de
políticas capazes de assegurar a efetiva qualidade da educação, valorizando verdadeiramente
o profissional da educação, com salários dignos e justos, condições adequadas de trabalho,
políticas de educação continuada permanente, criação de bibliotecas, apoio aos alunos, dentre
outros, numa perspectiva democrática, em que as decisões sejam discutidas com os atores que
irão ser afetados direta e indiretamente por elas.
Nessa direção, pode-se aproveitar as medidas adotadas em prol da democracia na
escola, até outras advindas das reformas, como os novos parâmetros curriculares, o sistema
de avaliação, a informatização, o controle do livro didático, para dar um novo significado em
prol de nossos interesses de requalificar a escola, no sentido de poder formar cidadãos
técnico, politico e socialmente competentes. Porque, embora discordemos da concepção e da
forma como foram, implementadas, aquelas políticas já fazem parte do cotidiano da escola,
impostas que foram de cima para baixo e cabe-nos, portanto, ser inteligentes para neutralizálas e (re) construí-las noutra perspectiva, segundo nossos referenciais de mudança. Não dá
para ficar extinguindo as coisas já iniciadas e criando outras, porque em educação precisa-se
de continuidade.
Deste modo queremos reafirmar a importância dos Colegiados Escolares no processo
de democratização de nossas relações, o que exige, dentro de outras coisas, uma gestão
democrática, que se dirija à promoção humana, à formação da cidadania efetiva.
REFERÊNCIAS
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Paulo: Cortez Editora, 2003.
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Diário Oficial da União, Ano CXXXXXIV, n.248, 23.12.1996.
___________. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: DF: Horizonte
Editora Ltda, 1988.
73
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SADER, Emir. Democracia liberal: triunfo e crise. In SANTOS, Boaventura de Sousa.
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escolas médias públicas de Belém-PA. Revista Ver a Educação, Belém: Centro de
Educação/UFPA, v. 6 no. 2 julho/dez 2000.
SILVA, Ilse Gomes da. Democracia e participação na “reforma” do Estado. São Paulo:
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TAILLE, Yves de La. Autoridade na escola. AQUINO, Julio Groppa (org.) Autoridade e
Autonomia na escola: Alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1999.
O PLANEJAMENTO ESCOLAR DEMOCRÁTICO
Este trabalho é fruto de estudos e de pesquisas por mim realizadas de acúmulos teóricos na
área de gestão escolar seu objetivo é demonstrar que o planejamento escolar pode se transformar
em importante ferramenta no processo de construção de novas relações de poder, aqui entendido
como algo que emerge entre sujeitos em relação, a serviço de seus interesses e necessidades, para
um ensino-aprendizagem efetivo e de qualidade, para o desenvolvimento de todos, tendo como
parâmetro a emancipação e liberdade humana.
A concepção hegemônica de planejamento no Brasil, utilizada pelo Governo à época do
sucesso desse como uma técnica ou instrumento neutro de ajuda no processo de tomada de
decisões, ainda hoje é seguida. A conceituação que se contrapõe àquela compreende o
Planejamento como um processo político contínuo de mobilização, articulação, negociação, para
74
intervenção na realidade a fim de mudá-la ou mantê-la, o que permite estabelecer objetivos e meios
para alcançá-los em determinado espaço de tempo.
O processo de planejar no sentido de organizar-se a ação, indica uma mudança de modo de
pensar, e uma salutar forma de pensar envolve indagações, questionamentos sobre o que fazer, por
que, como, por quem e onde fazer. Manifesta as implicações futuras de decisões presentes.
O planejamento é um verdadeiro cálculo que precede a ação e uma sociedade como a atual,
em que as mudanças ocorrem de modo veloz, precisa estar em consonância com tais mudanças.
Ainda que o planejamento tenha origem na teoria funcionalista como base de sustentação teórica,
se entendido como instrumento de ampliação e manutenção da realidade, como poderá servir para
transformar?, alguns indagam. Pode-se afirmar que é caminho de mão dupla, pois tanto serve para
aprisionar como para libertar, dependendo da concepção, metodologia e direção política de sua
gestão.
O planejamento sempre orientou as ações do homem, mas no seu sentido científico pode
transformar-se em processo construtor de democracia, de humanização do homem, por meio de
uma prática organizada, coletiva, participativa e reflexiva, propiciando condições de ajudar na
construção de uma outra escola.
Na primeira pesquisa de campo, trabalhamos apenas com 25 diretores escolares do ensino
médio estadual de Belém, e na segunda, com diretores, professores, técnicos, pessoal de apoio, pais
e alunos, que representam sessenta sujeitos membros dos Conselhos Escolares de 10 escolas
públicas do ensino fundamental de Belém, sendo cinco estaduais e cinco municipais, perfazendo
um total de oitenta pessoas, por meio de uma metodologia qualitativa, na qual utilizamos
entrevistas semi-estruturadas, questionários e observação não participante, além das fichas de
registro dos equipamentos e instalações escolares.
Tais pesquisas não se limitaram a analisar o processo de planejamento, mas a gestão escolar,
num primeiro momento vista pela percepção do diretor escolar e na ampliação pela comunidade
escolar representante das categorias nos Conselhos Escolares sobre o impacto das medidas
democráticas adotadas em tais unidades. O planejamento é um indicador importante na avaliação
das políticas educacionais implementadas. A utilização de alguns resultados das investigações aqui
registrados, serve apenas de mote para a defesa da necessidade do planejamento na escola.
Quando entrevistamos os diretores escolares, procuramos identificar a concepção de
planejamento que eles possuíam, que era de momento de definição das atividades a serem
executadas para atender a uma exigência legal. Percebe-se com insistência nos discursos desses
75
sujeitos um quase total descrédito com o processo de planejamento escolar, por compreendê-lo
como uma obrigação formal, burocrática que só serve para cumprir determinações e engavetar,
porque, na prática, eles não o seguem, nem há como fazê-lo. Um dado a ressaltar é que tal situação
não é uma particularidade das escolas paraenses, a considerar as análises com os resultados de
diversas pesquisas de Paro (1997) em que afirma que as escolas não possuem um
acompanhamento, uma avaliação organizada sobre suas atividades, agem para cumprir
determinações. Sem diálogo não se constrói democracia. A autonomia é um princípio e condição
essencial para que isso se concretize.
Na escola brasileira, construir a democracia participativa é uma tarefa muito complexa, haja
vista toda sua estrutura, organização e funcionamento assentados em bases autoritárias,
centralizadoras e personalísticas, que criam barreiras quase intransponíveis para educandos e
educadores dialogarem, interagirem e avançarem em direção do novo.
Segundo Gadotti (1994, p. 27),
A participação e a democratização num sistema público de ensino são um
meio prático de formação para a cidadania. Essa formação se adquire na
participação do processo de tomada de decisões. A criação dos conselhos de
escola representa uma parte desse processo. Mas eles fracassam quando
instituídos como uma medida isolada e burocrática. Eles só são eficazes em
um conjunto de medidas políticas, em um plano estratégico de participação
que vise a democratização das decisões.
Freire (1967) já analisava com competência crítica tal situação, quando afirmava que a
escola autoritária impunha regras, conhecimentos, normas sem diálogo, sem espaço para reflexão
crítica, para a dúvida, para o questionamento consequente e dinamizador de potencialidades
individuais e coletivas. Ainda é este o retrato de muitas de nossas escolas, que não educam para a
autonomia, nem sabem aproveitar seus espaços para seu exercício, a partir do projeto políticopedagógico democrático.
Por outro lado, faz-se importante enfatizar que a autonomia aqui é compreendida como
princípio balizador das práticas escolares, numa dimensão mais ampla, na qual se faça uma
educação para autonomia, para que os alunos se eduquem para questionar, para emancipar-se, em
que se valorize e estimule a cultura indagativa, curiosa do o quê, por quê, como e para quê?
(FREIRE, 2001).
Um ensino de qualidade só poderá ser possível com organização, com metas definidas, com
objetivos determinados sobre o homem que se quer formar e para que tipo de sociedade. Isso exige
muito trabalho, estudo, vontade política, paciência e capacidade de articular as diferentes instâncias
76
escolares, a partir de objetivos comuns, o que não significa harmonia entre eles, algo inteiramente
impossível num espaço plural.
Neste sentido, o projeto político-pedagógico é um fundamental instrumento para direcionar
a vida da escola, embora sua elaboração pura e simplesmente não garanta mudanças significativas
de comportamentos e práticas, com vistas à melhoria da qualidade do processo educativo escolar,
uma vez que o resultado mais importante de seu advento é a transformação das pessoas e das
instituições, justamente se realizado coletivamente.
Por outro lado, é importante evidenciar que já existem reflexões sobre as consequências
práticas do projeto político-pedagógico no cotidiano das unidades escolares, caracterizando-se até
como uma “armadilha” para os sujeitos escolares, notadamente se considerar-se a forma como vem
sendo elaborado nas escolas de Belém, com pouca ou nenhuma participação coletiva, sem
comprometimento efetivo dos sujeitos escolares com as mudanças geradas pelas propostas
formuladas, o que exige “transformação individual e coletiva” para a melhoria da qualidade
pedagógica (ROSSA, 2000, p. 80-83).
Nas pesquisas realizadas, quando indagávamos como se deu a construção do projeto
político-pedagógico da escola, os respondentes afirmavam em sua maioria, cerca de 90%, que
ocorreu por iniciativa da direção da escola e que ainda não estava sendo seguido. Considerando a
importância do Projeto pedagógico para definir os destinos das escolas, tal fato é um fator
agravante no processo de planejamento escolar.
É preciso que o planejamento escolar seja entendido como uma ferramenta permanente de
organização do trabalho da escola. É importante abolir, superar a prática costumeira tradicional na
escola de fazer-se planejamento anual ou mesmo só num determinado período, ou ainda, quando
há necessidade de resolver-se uma crise, que se esgota na elaboração de um plano ou projeto que se
esterilizam nos arquivos ou nas cabeças iluminadas dos gestores.
O descrédito a que nos reportamos no início do texto talvez aconteça por razões
historicamente determinadas, em que o planejamento no Brasil em geral se dicotomizou na retórica
oficial e na vida concreta. Na primeira, aparece muitas vezes bem estruturado, bem organizado,
com bons Planos, do ponto de vista técnico-científico e até político, mas que não se materializam
na prática cotidiana. Ainda quando se implantam algumas propostas, não têm continuidade, em
conseqüência, dentre outros fatores, da falta de organicidade, dos Planos de um modo geral serem
formulados para dar uma satisfação à sociedade, por um determinado governo, seja em qualquer
nível, sem um diálogo com os interessados em suas ações.
77
O planejamento é processo dinâmico, é projeção, cálculo, um acompanhamento de todas as
atividades da unidade, a partir de uma direção determinada, o que não exclui a possibilidade de
mudança de algumas decisões já tomadas, porque não pode transformar-se numa “camisa de força”.
O monitoramento das ações de implementação dos Planos, Programas ou Projetos é
imprescindível para a consecução dos objetivos determinados, de forma intencional. Tais objetivos
são percebidos, valorizados e analisados de forma diversa pelos diferentes atores que convivem no
mesmo espaço.
Segundo Falkembach (1995, p. 132), o planejamento participativo na escola é um
“instrumento teórico-prático capaz de facilitar a convergência entre o refletir e o agir, no espaço
escolar... capaz de respaldar a construção, com democracia do projeto político-pedagógico da
escola.”
Como se pode observar, defendemos a necessidade do planejamento escolar, a partir de sua
gestão democrática, sem o apego exacerbado à racionalidade científica, legal, legítima, implícita
naquele processo, exatamente em função de que, mesmo o planejamento possuindo tal base de
sustentação teórica, pode ser trabalhado no espaço escolar considerando-se outras racionalidades
não visíveis, porque
na escola
fluem
relações, inovações que transcendem à organização
institucional.
Há um espaço de autonomia que precisa ser considerado, não apenas como mais uma
reivindicação profissional para melhorar o processo de tomada de decisão, como comumente vem
acontecendo. Ainda que não seja a autonomia desejada, como condição primordial para permitir a
elaboração de critérios próprios de ação, porque existem outras coisas além do aprisionamento
burocrático.
Com isso não se pretende negar a rigidez da estrutura do poder real, que é muito forte e os
espaços internos de governabilidade das instituições educacionais são restritos, em função da
forma como vem se dando o processo de descentralização das responsabilidades no ambiente
escolar. Não apenas, nem principalmente em sua gestão, mas devido à concepção de autonomia que
perpassa a política educacional das reformas educacionais brasileiras: uma desresponsabilização do
Estado para com a educação.
Ratificamos a importância do princípio e método democrático que é a participação da
comunidade interna e externa na escola, como integrantes do processo educativo (redes de suporte
mútuo, intercâmbio de experiências, aproveitamento de recursos de toda natureza); uma atuação na
perspectiva de formação para humanização, para elevação da auto-estima dos alunos e do corpo
78
escolar como um todo, como educadores e cidadãos, comprometendo-nos efetivamente com todo o
processo educativo, na construção efetiva de uma democracia participativa.
Segundo Lima (2001), o controle burocrático não castra totalmente a organização escolar,
pois há regras circunstanciais, em função dos sujeitos, como atores sociais: São regras atribuidoras
de significados sociais e simbólicos, emergentes das interações dos indivíduos, grupos e
subgrupos. (p.53-54)... porque as regras formais não conseguem contemplar tudo nem tudo prever,
e porque, provavelmente, nenhuma organização opera exclusivamente com base nelas.
É necessário considerar que os sujeitos escolares são fruto de suas trajetórias de vida, com
visão de mundo e valores diferenciados, aí incluindo o cotidiano vivido naquela determinado
tempo e espaço e condições de trabalho específicas que na relação produzem efeitos que, mesmo
sob determinações superiores, geram comportamentos não estabelecidos pela via administrativa,
legal, formal. Tais sujeitos se organizam em grupos informais, os quais mantêm relações
espontâneas e obrigatórias que exercem influência significativa no funcionamento da organização
escolar. Senão como explicar por que escolas públicas sob as mesmas determinações produzem
resultados tão diferentes, conforme pesquisas realizadas, em que identificamos alguns exemplos de
escolas até num mesmo bairro com desempenhos antagônicos.
Isto vem reforçar a necessidade do planejamento escolar, desde que seja produto do diálogo
com os sujeitos escolares, da satisfação das necessidades, dos interesses comuns do grupo e que se
considerem outras racionalidades. O registro disso deve ser expresso num Plano, porém este não
pode ser uma relação de objetivos, metas e estratégias, sem que se pense nos meios para sua
concretização. As ações executadas na escola têm uma finalidade determinada, o que a difere de
outros espaços. Até as rotinas se realizam com intencionalidade de construir dada idéia, ainda que
alguns sujeitos não tenham a consciência disso. Tome-se como exemplos a hora da chamada dos
alunos, a duração das aulas, a distribuição da merenda, que são todos atos pedagógicos.
Na indústria, as rotinas se esgotam nelas mesmas. Na escola, há necessidade de organizar-se
tais atos, para ajudarem a construir consequências imateriais: valores, comportamentos, atitudes,
idéias. Para Gandin (1991, p. 52), São as políticas e as estratégias fixadas na programação, que
mais esclarecem diretamente as rotinas...
Tais políticas devem surgir, o que é salutar e democrático, a partir de um planejamento
como processo coletivo, organizado, de intervenção para o alcance dos objetivos perseguidos pelo
conjunto dos sujeitos escolares. E isso na escola se traduz na elaboração do projeto político-
79
pedagógico, que se constitui num direcionamento que se prolonga continuamente, com capacidade
de provocar e desencadear outras ações.
Por outro lado, é importante ressaltar que planejar coletivamente dentro das perspectivas
assumidas neste trabalho é uma tarefa complexa, haja vista a pluralidade de fatores que interferem,
sobretudo porque envolve mudanças. Partir para o novo, desconhecido, sempre será um desafio
que gera inseguranças e a escola é, na essência, uma instituição conservadora. Por isso, falar da
importância do planejamento participativo democrático pode levar a pensar-se que professamos
uma abstração, uma teorização, um discurso vazio.
Não se pode negar que partimos de uma utopia mobilizadora, mas a empiria faz parte de
nosso referencial, pois, além de participarmos de um processo de construção do planejamento
participativo na universidade, nós o observamos de perto também nas pesquisas que realizamos
nas escolas públicas de Belém, nas observações de seus cotidianos.
Portanto, conhecemos um pouco do prazer e das dificuldades enfrentadas na trajetória do
planejamento democrático. Nas escolas da rede municipal de Belém, temos observado como está
sendo deslanchado o planejamento participativo, a partir da orientação dada pela Secretaria
Municipal de Educação, que tem uma referência de projeto político-pedagógico para suas escolas,
que o estão gradativamente incorporando. O processo é lento e difícil e envolve muitos problemas,
que vão desde relações interpessoais, indisciplina, má vontade, contestação até os de ordem
estrutural, em que os avanços são tímidos.
Já participamos de uma experiência, na qual as decisões eram colegiadas e sabemos o
quanto são demoradas, conflituosas, desgastantes e sofridas e, ao mesmo tempo, produtivas e
consequentes e algumas vezes mal-sucedidas. Fazia-se o planejamento anual com base no Plano de
Governo da direção eleita e em consonância com o Projeto Político-Pedagógico do setor, vai-se
desdobrando em projetos e ações práticas previstas no Plano de Ação Anual. Não há uma
participação massiva de seus atores em todos os momentos, mas já há uma prática do diálogo, por
meio de seus Conselhos, ainda a partir dos representantes das diversas categorias que compõem o
Centro e, mais amplamente nos seus encontros interdepartamentais.
REFERÊNCIAS
FALKEMBACH, Elza Maria Fonseca. Planejamento participativo: uma maneira de pensá-lo e
encaminhá-lo com base na escola. In VEIGA, Ilma Passos (org.) Projeto político-pedagógico da
escola: uma construção possível. São Paulo: Papirus, 1995, p. 131-142.
80
FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1967.
____________. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e
Terra, 2001.
GADOTTI, Moacir. Escola Cidadã, São Paulo: Cortez, 1994.
GANDIN, Danilo. Planejamento como prática educativa. São Paulo: Edições Loyola, 1991.
LIMA, Licínio C. A escola como organização educativa: uma abordagem sociológica. São Paulo:
Cortez editora, 2001.
____________. Organização escolar e democracia radical: Paulo Freire e a governação democrática
da escola pública. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2000.
LUCKESI, Cipriano C. Avaliação da aprendizagem escolar. São Paulo: Cortez, 1996.
PARO, Vitor. Gestão democrática da escola pública. São Paulo: Editora Ática, 1997.
ROSSA, Leandro. Armadilhas do projeto político-pedagógico. In Revista de Educação AEC.
Cotidiano e Escola: razões para fazer e para sonhar. v. 29, n. 117, out/dez 2000, Brasília: AEC,
2000.
SANTOS, Terezinha F. Andrade Monteiro dos. Planejamento estratégico e prática pedagógica.
Revista Ver a Educação, vol. 1 nº 1, Belém EDUFPA, 1995.
A GESTÃO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PÚBLICAS NA
AMAZÔNIA: o Pará no foco da questão
Este texto, escrito em 2002, é fruto de estudos e pesquisas de que temos participado e busca
dialogar com aqueles que se interessam pelas políticas sociais e, em especial, pela educação
brasileira, a partir da discussão de algumas questões da região amazônica, focada no estado do
Pará. Para tanto, começamos conceituando políticas sociais como princípios ou propostas de ação
de intervenção, com vistas à mudança ou à manutenção da realidade, podendo ser públicas ou
privadas. Em geral, as políticas públicas se referem às formuladas pelo Estado e as consideradas
privadas, advindas da sociedade civil, o que é uma forma reducionista de ver a questão, porque
podem existir políticas públicas originadas da sociedade civil. O objeto desta reflexão, entretanto,
são as políticas públicas desenvolvidas pelo Estado, sobretudo porque segundo o Art. 3
81
3º da Constituição Federal de 1988 é dever deste o estabelecê-las. As políticas públicas tendem a
expressar a capacidade administrativa e gerencial do governo para implementar decisões.
O Estado, apesar de não se constituir no único provedor e/ou indutor de políticas públicas, a
meu ver, deve ser o garantidor delas, como direitos sociais básicos de todos seus cidadãos
Para analisarmos a questão das políticas públicas sociais é necessário compreender como
surgiram, o que se inscreve na totalidade contraditória das relações capitalistas de produção. Como
o espaço deste trabalho não permite uma incursão maior, recortaremos o movimento conhecido
como Fordismo (1945/73) para situar a gênese da regulação organizada do Estado e que tem como
base de sustentação teórica as idéias de John Maynard Keynes (1883-1946), a partir do estudo “A
Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro”, em que defendia a intervenção do Estado para
harmonizar e apoiar o sistema econômico, a partir da formulação e desenvolvimento de políticas
públicas. O Fordismo-Keynesiano propiciou um avanço inigualável de crescimento do capitalismo,
com a expansão acelerada e ascendente de mercados de massa global, de abertura internacional, na
globalização produtiva, com o apoio do Estado para tal expansão, em seu processo de regulação
capitalista (HARVEY, 1989).
Procuraremos chegar, nesta análise, até o processo de desregulamentação da economia, em
tempos de contemporâneos de globalização, da crise do capital e do Estado, em sua forma atual – o
Neoliberalismo.
Como uma característica intrínseca desse modelo de desenvolvimento capitalista, o
processo de expansão foi desigual nos diversos países, em função da correlação de forças políticas,
econômicas e sociais internas e externas. Os mais fortes sempre ficam em melhores condições e as
desigualdades se elevam nos países periféricos do sistema, como o Brasil, onde os
descontentamentos das classes menos favorecidas aumentaram, sobretudo porque o progresso, por
meio da modernização, se incorpora a nossa realidade acobertado por um manto de promessas de
desenvolvimento, associado à melhoria das condições de vida, irrealizáveis, ainda que se tenha
implementado políticas públicas (SANTOS, 1998).
Instalou-se, em nível mundial, o Estado do Bem-estar Social ou Welfare State ou ainda
Estado Providência, sem o que, provavelmente, o capitalismo não teria se expandido tanto, porque,
a partir da intervenção, o Estado passou a financiar a acumulação de capital e a reprodução da força
de trabalho, por intermédio de diversos benefícios. Isso se consolidou após a Segunda Guerra
Mundial, especialmente na Europa.
O Estado intervém para regular as relações, porque o processo de produção capitalista
percorre uma trajetória de constantes flutuações, denominadas de crises ou ciclos conjunturais, as
82
quais não conseguem ser evitadas pelos padrões de racionalidade, que fazem parte do movimento
do capital, em que há momentos de relativa prosperidade, máxima prosperidade, crise e estagnação.
É a própria dinâmica desse processo que exige a ajuda estatal, cujo concurso o capitalismo ainda
não pôde dispensar para sua expansão, ainda hoje, mesmo com a disseminação do fundamentalismo
do Estado-mínimo.
É nesse momento do pós-guerra (a partir dos anos cinqüenta até 1973), que podemos
localizar o estabelecimento de políticas sociais públicas como fator de desenvolvimento. Esse
movimento, entretanto, não acontece de forma linear, mas em função de um conjunto de fatores,
dentre os quais emerge a pressão do movimento operário nas primeiras revoluções industriais e,
sobretudo, a necessidade do próprio capitalismo, como resposta a suas frequentes crises. Aliás, esse
regime de acumulação, por intermédio de seus sujeitos determinantes nas relações de produção,
tem sido competente na criação de inovações para assegurar suas permanências (expansão
constante de acumulação do capital) que se configura no processo de globalização econômica.
O Estado foi levado a intervir de forma ostensiva, a ponto de tornar-se um produtor
particular de mercadorias e serviços. Não só isso, mas principalmente converteu o tesouro público
em pressuposto da atividade econômica.
Para Hobsbawm (1995) no final dos anos setenta, todos os Estados de capitalismo
avançado tornaram-se “Estados do Bem-Estar”. Ainda que o Brasil não tenha vivido um Estado do
Bem-Estar Social, a partir de 1964, pode-se afirmar que o planejamento caminhou mais ou menos
na mesma direção – na formulação das políticas que buscavam a consecução de um “modelo de
desenvolvimento brasileiro”, cujo significado, em sentido amplo, aponta para uma nova maneira de
organizar o Estado, objetivando transformar a economia do país em moderna, competitiva e
dinâmica, com apoio da iniciativa privada. Isso tudo para atingir uma democracia econômica, social
e política sob a bandeira do nacional-desenvolvimentismo, amparado em três pilares fundamentais;
controle do processo inflacionário, aumento de diversificação das exportações e estímulo à
concentração do capital. Nessa linha, foram formulados e implementados os Planos de
Desenvolvimento até os anos oitenta. Acrescente-se a isso que o período (1964-85) do regime
militar foi um dos de maior crescimento econômico vivido pelo Brasil, sem que se fizesse a
distribuição de renda (SADER, 2002).
Nesses Planos, a educação aparece como parte do projeto econômico do Governo, o que, na
época, representou uma novidade, entendida como “capital humano”. O capital humano
compreendido como instrução, saúde, treinamento prático, nutrição, seria capaz de provocar um
83
maior desenvolvimento econômico, por ser considerado investimento importante para dar um
retorno e proporcionar a democracia social.
Segundo essa lógica, formar capital humano significa investir nas áreas sociais. Nessa
direção, a escola passou a ser encarada como a principal formadora de mão-de-obra para o mercado
de trabalho (SANTOS, 1999a). Nem por isso o Estado brasileiro fez investimentos de vulto na área
educacional, a partir da formulação de políticas educacionais sérias, competentes e consequentes,
capazes de minimizar o triste cenário nacional de perversas condições da educação.
Os defensores da Teoria do Capital Humano acreditavam no poder da educação para
propiciar mobilidade social, como fator preponderante de superação das desigualdades econômicosociais, daí haver necessidade do ajuste entre as demandas do setor produtivo e a formação escolar.
Segundo Vicenzi (1983, p. 22): O Capital Humano é o conjunto de habilidades e conhecimentos
que elevam a produtividade do trabalhador individual...
Nos anos oitenta houve um revigoramento dessa Teoria, a partir dos acordos com os
organismos de financiamento internacional (Banco Mundial - BIRD Banco Interamericano de
Desenvolvimento BID e outros) ainda que as condições sejam totalmente diferentes daquelas
existentes na origem dessa Teoria, sobretudo no que se refere à questão do desemprego estrutural,
hoje tão sofisticado, a ponto de desprezar até intelectuais com ampla formação. A Constituição
Federal de 1988 trouxe alguns pequenos avanços no campo da gestão das políticas públicas, com a
disposição para abertura de novos espaços institucionais que passaram a mediar as relações entre
Estado e sociedade civil: os conselhos gestores de educação, saúde, habitação, direitos humanos e
outros.
Estes colegiados são instalados pelo Estado em um período influenciado por uma atmosfera
internacional de (des)regulamentação econômica, num momento em que o Estado passa por uma
nova conformação, num definhamento na implantação de políticas sociais públicas, o que
representou um avanço para o controle social das políticas públicas, como espaços importantes de
educação política permanente, de união de vozes, de reclamos, lutas e de proclamos, indispensáveis
numa sociedade democrática.
No caso particular da Amazônia, região que ocupa cerca de 2/3 do território brasileiro, o órgão
gestor da política regional, a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM teve
papel importante nesse processo de desenvolvimento brasileiro, sobretudo porque ajudou a
transformar o Brasil em oitava economia mundial, daí não acatarmos a argumentação disseminada
na sociedade de que ela não foi eficiente. A ação planejada e coordenada por esse organismo serviu
à acumulação capitalista, ao beneficiar o grande empresariado nacional, associado ao internacional,
84
embora se colocasse como a serviço da Amazônia. Na realidade, implementou políticas setoriais de
nível nacional, em nome da região.
Ainda nos anos noventa, em plena democracia, parece que o cenário amazônico em
pouca coisa mudou. A esse respeito, Buarque (1997) assim se manifesta:
Praticamente não foi implementada uma política regional, apesar da formulação pela
SUDAM, do Plano de Desenvolvimento da Amazônia, estratégia consistente e coerente com
as expectativas dos atores regionais. O Brasil não tem um projeto para a Amazônia, o que
decorre, sobretudo, da prioridade conferida à política de estabilização e à reforma do estado,
com o predomínio da orientação liberal no poder (p. XXI).
Por isso há de se compreender que a riqueza social fora transformada em capital geral e não
se distribuiu igual ou equitativamente entre os diversos grupos sociais ou espaços; aliás, tende a
beneficiar sempre os que têm mais condições de expandir-se e oferecer um retorno, gerando em
consequência as desigualdades, como algo inerente ao modo de produção capitalista. A crença no
modelo de desenvolvimento em que o “trickle down effect” (efeito respingo, gotejamento) do
crescimento econômico se derramaria sobre a sociedade, expresso em melhorias sociais, não se
concretizou.
O Estado, ao mesmo tempo em que interfere para o aumento das desigualdades, tenta
minimizar seus impactos, a partir do estabelecimento de políticas compensatórias, que quase
sempre não surtem o efeito desejado; fazendo o contrário, ou seja, a elevação dessas disparidades,
obedecendo a uma lógica perversa.
No período de hegemonia do executivo, nos governos militares (1964/85) observa-se uma
intensa intervenção estatal (sem a qual, provavelmente, não se teria desenvolvido a
industrialização), sobretudo por meio de suas políticas sociais (na verdade, econômicas), que
serviram e foram utilizadas, ao que parece, para escamotear a realidade, de vez que a população
“beneficiária” (de baixa renda) se volta cada vez mais para o Estado, como seu principal alvo de
luta, deixando intocada a questão maior, que dizia respeito ao baixo ganho da classe trabalhadora,
na relação perversa entre o capital e o trabalho e nos tempos atuais pelo desemprego estrutural, que
é até mais grave, porque já não se luta pelo salário, mas pelo emprego.
Isto, a nosso ver, não decorre de uma deliberada ação de destruição, ma de uma perversão
do próprio sistema de produção, que se debate com essas contradições. As políticas públicas
estabelecidas, pelo planejamento governamental, que é o instrumento utilizado pelo poder para
aceleração do desenvolvimento econômico, ainda são apenas medidas paliativas, compensatórias,
para corrigir distorções. Assim, todo processo de desenvolvimento capitalista tem sido desumano,
excludente e desigual, como parte de sua essência fundante.
85
Segundo Hobsbawm (2000), Plano e Planejamento tornaram-se palavras de ordem, como
grande lição da URSS ao mundo capitalista, Os partidos social-democratas (Bélgica e Noruega)
adotaram Planos e os Ingleses começaram a defender, chegando até mesmo aos conservadores e
nazistas.
A retórica oficial dos Planos no Brasil, entendidos como instrumentos de planejamento, que
regem o desenvolvimento econômico distancia-se da prática das ações concretas e encerra uma
contradição em seu corpo: o Estado, implicitamente, reconhece o caráter anti-social de seus planos
de desenvolvimento, com a elitização dos benefícios dele resultantes, ao invocar a necessidade de
formular medidas corretivas na área social. Mas, ao mesmo tempo, coloca o homem como alvo
prioritário do crescimento econômico, em termos de discurso oficial, e sua elaboração e execução
se efetivam em nome do bem comum, próprio da tradição liberal democrática.
As políticas educacionais públicas, enquanto políticas sociais implementadas na Amazônia,
até os anos noventa têm obedecido a uma direção mais geral do Ministério da Educação - MEC e
não se diferenciam daquelas implementadas em nível nacional, sem nenhuma especificidade para
uma região onde deveriam ocorrer profundas mudanças resultantes do impacto dos grandes projetos
ali implantados nos anos setenta. Não aparecem políticas adequadas, por exemplo, para a educação
ambiental; para os grupos remanescentes dos quilombos; para atendimento às populações
indígenas, cujo contingente maior está na área regional, e ribeirinhos, cujas tradições, costumes e
culturas precisavam ser consideradas, sobretudo para enfrentar as mudanças advindas das novas
relações. Enfim, políticas para atender a exigências decorrentes das enormes diversidades étnicas,
culturais e ambientais da Amazônia.
Algumas políticas educacionais relativas ao meio-ambiente e às populações indígenas foram
implementadas, timidamente, a partir da Eco-92, e incorporadas ao Plano de Desenvolvimento da
Amazônia – 1992-95, no qual aparecem como diretrizes, dentre outras,
adequar o ensino, os currículos e as metodologias pedagógicas à realidade e
às necessidades regionais; assegurar a educação bilingüe dos povos indígenas com o
respeito e preservação de suas culturas; incluir nos currículos da educação atividades
e/ou disciplinas que estimulem o desenvolvimento da criatividade científica e
valorização da ecologia regional (SUDAM, 1992).
Porém já existiam em alguns estados amazônicos experiências localizadas de políticas
específicas, como no Amazonas, conforme Plano Estadual de Cultura 1987-1990, por meio de seu
Instituto de Educação Rural do Amazonas – IERAM, que, segundo esse Plano, atuava com
currículos adequados às necessidades do meio rural. No Pará alguma coisa já aparece no Plano
Estadual de Educação, período de 1987-1990, com a priorização, dentre outras, da formação da
86
cidadania, do desenvolvimento da consciência ecológica. Apesar disso, concretamente, não houve
medida importante na área, restando algumas ações esporádicas, por meio de campanhas ou outras
atividades episódicas em unidades escolares.
À tão propalada “integração nacional” se deu em termos de infra-estrutura necessária e
indispensável para o desenvolvimento regional, na verdade desenvolvimento nacional, com
eficiência e relativo sucesso, do ponto de vista do capitalismo. Mas, para a população regional, os
problemas de desigualdade e iniquidades até se elevaram ou ficaram mais complexos.
Sonhamos em ser verdadeiras as promessas integradoras e nacionalistas de progresso, de
modernização e sofremos os impactos
das disparidades agravadas, haja vista a situação
assimétrica, de precariedades que ainda hoje enfrentamos, em particular no estado do Pará, que
ainda persiste em manter indicadores sociais pouco animadores, reconhecidos até pelas agências de
financiamento internacional, no seu último relatório, nos índices de desenvolvimento humano, algo
em torno de 0,49, abaixo da média brasileira que é de 0,74. A considerar-se a situação da PEA
(População Economicamente Ativa) temos uma população extremamente pobre, a considerar-se a
situação da PEA e desempregada, girando em torno de 18% e os níveis de rendimento nominal,
onde a maioria (53,86%) vive com até dois salários mínimos (Diário do Pará, 16.01.05).
Uma outra questão a ser evidenciada na região, sobretudo no Pará é a existência do trabalho
escravo e degradante, que, além de ser um crime contra o ser humano e cidadão, previsto na
Constituição Federal de 1988, tem um rebatimento profundo no setor educacional.
Hoje, a
sociedade já tem conhecimento porque há mais divulgação por parte da imprensa e o Estado tem
feito algumas incursões punitivas e exemplares, mas ainda falta muito para a superação de tais
práticas.
Nossas pesquisas têm revelado os efeitos perversos do trabalho degradante nas zonas
urbanas das cidades amazônicas, não só na zona rural, como alguns ainda pensam. No caso da
cidade de Belém, por exemplo, constatamos que o trabalho de empregadas domésticas-alunas,
muitos casos se enquadra, na categoria de degradante. Só não é considerado escravo porque não há
cerceamento da liberdade, mas muitas vezes as pessoas trabalham em troca de comida, de teto e da
falácia de estudar, especialmente as crianças e jovens do sexo feminino. Essa realidade é muito
mais comum do que se imagina, já faz parte da tradição de muitas famílias abastadas, de classe
média e até baixa, que trazem crianças, adolescentes ou jovens do interior do Estado para
supostamente estudarem na capital e os obrigam
horas/diárias, sem dia de folga.
a trabalhar muitas vezes até mais de 16
87
A vida escolar dos estudantes empregados domésticos é afetada diretamente, porque
trabalham e moram no emprego, a maioria das vezes sem salário, tendo uma jornada de trabalho
diária intensa, extensa e extenuante. Isto se reflete no processo ensino-aprendizagem dos alunos,
notadamente dos cursos noturnos, onde quase sempre chegam atrasados à Escola. Não têm
condições de desenvolver as tarefas escolares porque, quando retornam para as residências onde
moram, ainda vão concluir suas atividades domésticas, paralisadas no tempo em que passaram na
Escola. Os indicadores educacionais referentes à evasão escolar no ensino médio (acima de 50%)
colocam o estado do Pará como recordista nesse item, na região amazônica, o que evidencia a
matéria publicada no Diário do Pará (ARAGÃO, 21.06.04).
Esse triste cenário vem sendo tímida e vagarosamente mudado na década de noventa, mas
não equitativamente pela região, permanecendo, indicadores como o acima apresentado, no último
relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD. Tem-se o aumento
significativo do número de vagas no ensino fundamental; a criação de mais escolas de ensino
médio, hoje, os 143 municípios do Pará estão cobertos por este nível escolar; a incorporação de
medidas de democratização da gestão nas escolas, como a implantação dos conselhos escolares, em
cada escola. Políticas de descentralização da gestão escolar, por meio de programas de
desenvolvimento da Escola – PDE, Dinheiro Direto na Escola – PDDE, como medidas de insumo,
cujos recursos são alocados, de acordo com as necessidades das escolas.
O FUNDEF, criado em 1997, (o Pará foi o 1° estado a aderir ao fundo em 1998), teve papel
significativo para o aumento de vagas no ensino fundamental e na formação inicial de nível
superior dos professores, mas, ao que parece, seu maior feito até agora foi tornar realidade a
municipalização do ensino fundamental em 96 municípios do Pará.
O enfoque dos objetivos pretendidos pelo governo, nos anos noventa mudou para a
questão da qualidade do ensino ministrado, em sintonia com as recomendações do Banco
Mundial e da nova configuração econômica mundial, só que é uma qualidade centrada em
resultados mensuráveis, decorrentes dos diagnósticos apresentados em eventos nacionais e
internacionais como nas Conferências para a América Latina e Caribe
O Plano Decenal de Educação Para Todos (1993/2003) demontra a ineficiência das
reformas implementadas, ressaltando como causas principais: a descontinuidade, a inconsistência, a
ausência de conexão entre estratégias e ações de direção e de administração de sistemas, gerando
uma precária orientação das equipes responsáveis pelas unidades educacionais (MEC, 1993, p. 30).
88
Esse Plano objetiva “eliminar o analfabetismo e universalizar o ensino fundamental...”, no tempo
de sua duração, e não se trata de um plano nacional global para a educação.
Um ponto relevante a ser destacado é que esse Plano decenal significou a primeira
experiência de planejamento a longo prazo para a educação brasileira, visando evitar a
descontinuidade a que já nos reportamos, comum na administração pública brasileira, porque, em
geral, cada governante que assume elabora seu Plano, mais para dar satisfação à sociedade e menos
para orientar suas ações, e ainda assim muito pouco dele executa. Além do mais, com as
frequentestes mudanças desses dirigentes, as políticas variam constantemente de direção. Já é uma
prática consagrada no Brasil não se ter estratégias sociais para o futuro.
O Plano Decenal introduz diretrizes de políticas educacionais específicas para segmentos
populacionais e espaços não considerados no planejamento do desenvolvimento regional. Portanto,
a partir desse Plano, já se tem alguma política sintonizada com a realidade amazônica, como
prescreve, no caso particular dos povos indígenas: ... os indígenas devem receber atenção diferenciada,
levando-se em conta os aspectos linguísticos e culturais, além dos métodos de aprendizagem próprios de
suas comunidades (MEC, 1993, p. 33).
Vale ressaltar, entretanto, que há pouco nexo entre o discurso oficial contido nos Planos e as
ações concretas desenvolvidas, guardando distâncias entre o nível das orientações e da execução.
Ainda se têm poucos resultados visíveis para a sociedade e até mesmo para quem milita na área.
A partir da crise estrutural do capitalismo, do final dos anos setenta forçou as economias a
reposionarem-se lutando por novos mercados, numa competição desenfreada, na qual só os
vencedores se incorporam e os Estados precisaram se reconfigurar diante de tal contexto. Esse novo
momento do capitalismo, que se estende até nossos dias, denominado de globalização, como
processo de internacionalizaçãoiv, que se estende desde a produção até o consumo de bens e
serviços, impõe novas exigências em todos os campos da vida social e econômica.
Por conta dessas exigências, vem sendo implementada uma série de medidas, objetivando
atender às prescrições dos organismos de financiamento internacionais, que ditam as regras a serem
seguidas pelos países periféricos, como o Brasil, dentro das condicionalidades estabelecidas nas
assistências técnicas e nos empréstimos concedidos, para dar sustentação às reformas. Para a
educação, sugerem mudanças importantes até em sua concepção, enfatizando sua importância no
processo de desenvolvimento, capaz de efetivar a democracia social e o “capital humano”.
O “Capital Humano” exigido pelo mercado
As orientações dos organismos internacionais se transformam em políticas, que se
materializam em reformas: fiscal, educacional, administrativa, econômica, racionalização e
89
controle do gasto público, com o encolhimento do Estado; liberação das importações, debilitando o
mercado produtivo interno; incentivo a culturas para exportação; redução das tarifas alfandegárias,
beneficiando
o
capital
externo;
incentivo
a
indústrias
competitivas,
privatizações,
desregulamentação, dentre outras.
Hoje, como já enfatizamos, revigora-se a Teoria do Capital Humano - TCH e os ideais
liberais de que o mercado tem capacidade para regular todas as relações, deixando o processo de
acumulação ao sabor de suas leis, com o mínimo de interferência do Estado. Toda racionalidade ou
irrracionalidade hoje é decidida no mercado. Neste contexto uma indagação se nos impõe: Por que
esta volta? O investimento em capital humano tem como função precípua o aumento da
produtividade econômica do ser humano. Um dos princípios fundamentais da TCH é a relação de
causalidade mecânica entre escolaridade e renda, em que o conhecimento é considerado fator de
produção. Daí a necessidade de acoplarem-se as políticas educacionais aos interesses do mercado
ou mesmo deixá-las sob a responsabilidade de outros atores, que pertencem à sociedade civil ou ao
mercado. O desemprego estrutural de agora deixa de fora até pessoas com uma formação superior,
com cursos de pós-graduação e tudo que é propagado pela mídia, em termos de habilidade, em
nome da empregabilidade.
Para alguns autores, como Santos (2004), não se trata de retomada da Teoria do Capital
Humano dos anos sessenta, mas da Teoria do Capital Intelectual, porque nesta última a empresa
tem o controle sobre a força de trabalho qualificada, por meio das universidades corporativas, por
exemplo, que capacitam para suas próprias atividades e de uma forma mais geral, sendo um
investimento mais certo, mais direto. Aos que buscam uma vaga, cabe agregarem valor às suas
formações, fazendo todo tipo de treinamento ou cursos ´para se integrarem ao mercado seletivo e
disputadíssimo.
No campo específico da educação, desde o início dos anos noventa está sendo
implementado pelo Estado um conjunto articulado de reformas: universalização do ensino
fundamental; combate à evasão e repetência; parâmetros curriculares nacionais; novo sistema de
avaliação de desempenho de egressos da educação básica e da superior; novo controle de prestação
de contas; novas formas de gestão educacional;
reconfiguração dos cursos de formação de
professores; programas de insumos para financiamento do funcionamento das unidades escolares, a
reforma universitária em processo, a Universidade para todos (cotas para negros e índios), dentre
outras.
Tais políticas, segundo Coraggio (1996), estão fundamentadas numa metodologia
econômica, em que sobressaem os padrões de concorrência nos sistemas educativos, estimulando
90
um ranking de escolas, no qual os processos educativos são considerados insumos (mercado
educativo), em uma avaliação com base no custo x benefício, para que possam funcionar como
empresas, com objetivos e produtos bem definidos a serem alcançados. Em nossa avaliação, o mais
grave é a concepção sobre a qual se assentam as reformas educativas, postas em prática no Brasil e
particularmente na Amazônia, cujos princípios e valores são próprios das relações mercantis. O
Programa Dinheiro Direto na Escola, por exemplo, inscreve-se no rol das medidas de
descentralização da gestão, de abertura e fomento às ações em parcerias, na busca pela captação de
novos recursos capazes de viabilizar a autonomia das escolas para se auto-financiarem e assim
poderem desobrigar o Estado de suas responsabilidades sociais, o que é uma tendência dos tempos
atuais. Na verdade, as reformas até agora executadas não conseguiram acenar com melhorias na
educação, porque os ganhos têm sido tímidos.
Vale enfatizar que as políticas de descentralização por meio da autonomia das escolas
resultam de novas orientações advindas dos organismos internacionais compactuadas pelas elites
dirigentes em nome da eficiência, eficácia e qualidade dos resultados educacionais, afinados com
uma nova concepção de cidadania, que se confunde com consumidor-cliente.
O Estado, como gestor e articulador das políticas sociais, não tem reestruturado suas
relações com a sociedade e, especialmente, com as populações locais, menos favorecidas, de forma
a construir espaços de participação coletiva (espaços públicos) na formulação e implementação de
uma política educacional, afinada com os interesses dessas populações e adequada à região, ainda
que no discurso essa participação seja contemplada. É certo que o Estado vem estimulando a
criação de órgãos de participação, como já se indicou acima, mas tais organismos não têm
funcionado de acordo com o discurso embasador de suas constituições.
Ressalte-se que essas reformas executadas pelo Estado são de caráter nacional, sem
nenhuma especificidade para a região Norte, que dada sua diversidade étnica e cultural, exigiria um
tratamento próprio, especialmente uma educação para grupos que ainda não conquistaram um lugar
digno na educação, em que se incluem, prioritariamente, os índios, os caboclos-ribeirinhos, os
quilombos-remanescentes, dentre outros. Ainda que já existam algumas políticas focalizadas e
eventuais para tais segmentos, como um programa de alfabetização bilíngüe para os índios, que se
desenvolve no Pará, são medidas incipientes.
As políticas educacionais diferenciadas ficam por conta dos governos democráticos
estaduais ou municipais, que, por meio de múltiplas tentativas de mudanças, implantaram algumas
medidas, como o Orçamento Participativo, uma experiência exitosa de planejamento popular
democrático que evoluiu para o Congresso da Cidade; A Bolsa-Escola, programa assistencialista,
91
mas muito importante num cenário de miséria vivido por grande parte da população; Escola
Cabana; Ciclos básicos; Educação continuada do corpo docente; Eleições diretas para provimento
de cargo de diretor escolar; todas essas medidas apontam na direção da construção de um projeto de
democracia direta.
Tais experiências significam a construção de uma nova configuração de cidadania, na qual o
povo como sujeito, e o Governo definem compartilhadamente as políticas públicas prioritárias para
suas realidades. Esse processo rompe e se contrapõe ao planejamento tradicional, centralizado e
autoritário, que ainda hoje é realizado pelo poder dominante, a despeito deste ter incorporado novas
atitudes e outras molduras, por meio de algumas consultas e audiências públicas com a sociedade,
como o caso recente dos novos parâmetros curriculares e diretrizes para formação inicial de
professores de educação básica em cursos de nível superior. Entretanto, as decisões finais ainda
tendem a se restringir ao Estado, conforme se verificou como o Plano Nacional de Educação –
PNE., que foi o resultado possível de um amplo processo de discussão com a sociedade, por
intermédio do movimento organizado dos educadores brasileiros, em seus diferentes fóruns.
Aprovado no Congresso Nacional, o PNE foi mutilado, na sanção, no que havia de mais avançado
(recursos de sustentação financeira), rumo às mudanças requeridas
no perverso cenário
educacional, por conta, segundo o Presidente Fernando Henrique Cardoso, da Lei de
Responsabilidade Fiscal, que obrigou a equipe econômica a fazer os vetos, assim sintetizados:
-
elevação do gasto em educação para 10% do PIB, em dez anos;
-
elevação do gasto total em educação com a subvinculação de 75% das verbas da União
para o ensino superior;
-
aumento dos recursos para pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico;
-
garantia de implementação do programa de renda mínima na educação infantil;
-
implantação de plano de carreira para os servidores administrativos e técnicos de
educação básica (VALENTE E ROMANO, 2001).
No estado do Pará, o quadro ainda é pouco animador, apesar de algumas conquistas, como:
aumento considerável da inserção de alunos no ensino fundamental e médio, no período de
1996/2002, com elevação das matrículas em 18,6% e 88,5%, respectivamente, melhorias dos
equipamentos coletivos escolares; mudanças no sistema de avaliação da aprendizagem,
especialmente na rede municipal de Belém e outras cidades; distribuição de material escolar e livro
didático, dentre outras.
A análise das matrículas por tipo de ensino evidenciou que, no Pará, de 1996 a 2002, houve:
redução em 16,9% na Educação Infantil; aumento de 18,5%, no ensino fundamental e de 88,5%, no
92
ensino médio. A comparação deste resultado com o apresentado pela região Norte e pelo país
mostra que, em relação à Educação Infantil, a situação do Pará diferenciou-se da do país, pois,
enquanto no primeiro as matrículas foram reduzidas, no segundo foram ampliadas em 17,9%. Na
região Norte, as matrículas na Educação Infantil também foram reduzidas (5,6%), mas em menor
proporção que no Pará (UFPA/INEP, 2004).
Quanto ao Ensino Fundamental, observou-se que o crescimento apresentado pelo Pará
equivaleu-se ao da região Norte (17,7%) e foi superior ao do país (6,1%). Sobre o Ensino Médio, o
crescimento das matrículas no Pará foi superior ao da região Norte (78,7%) e ao do país (51,8%).
(UFPA/INEP, op. cit.). Apesar disso, mantêm-se as classes multisseriadas, os turnos intermediários
e os índices elevados de desistência e evasão de alunos, especialmente na zona rural, conforme já
anunciamos.
A análise dos dados de matrícula revela que a Política Educacional implementada nos
últimos anos pelo Governo Estadual vem adequando o atendimento da Educação Básica às
determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (nº 9.394/96), no que concerne à
responsabilidade por esfera de governo: a educação infantil e o ensino fundamental ofertados pela
rede municipal e o ensino fundamental e médio pela rede estadual. Porém, é importante destacar
que a ampliação das matrículas pela rede estadual, no ensino médio, não está ocorrendo na mesma
proporção das matrículas do Ensino Fundamental e da Educação Infantil, que estão sendo
transferidas para as redes municipais, que já atingiu 96 municípios do Pará, sem que as redes
municipais tenham as mínimas condições para assumir essas reponsabilidades.
Quanto às formas de gestão, estão sendo incorporadas medidas mobilizadoras de construção
de relações democráticas, como: a) eleições diretas para dirigentes escolares, ainda não
consolidadas na rede estadual; por meio de um sistema de lista tríplice, após as escolhas realizadas
pelos Conselhos Escolares; b) criação de Conselhos Escolares ou outros espaços formais de
participação; c) autonomia na gestão de recursos financeiros diretos e d) elaboração de projetos
pedagógicos, pelas próprias unidades escolares.
Sem dúvida, as medidas acima são instrumentos importantes, mas não garantem a
democratização das relações de poder nas escolas, sobretudo porque não se implanta democracia,
constrói-se na dinâmica das relações, a partir de condições subjetivas, objetivas e coletivas, além do
que, tais medidas, ao tornarem-se compulsórias, perdem seu objetivo de democratização, embora
saibamos da necessidade da regulamentação pelo Estado, para que as políticas sejam
implementadas, institucionalmente. Porém, a implantação de determinadas políticas necessita de
93
um amplo processo de discussão por parte dos seus prováveis envolvidos: o corpo escolar e a
comunidade.
Outro ponto a destacar é a existência de escolas públicas em condições de oferta de ensino
de qualidade no estado Pará, considerando indicadores como decisões coletivas, divisão de
responsabilidade, desempenho escolar, gestão democrática, transparência no uso dos recursos
financeiros, projeto pedagógico elaborado e executado colegiadamente, como se identificou em
recente pesquisa amostral realizada em 2004 patrocinada pelo INEP, e da qual participamos.
São escolas até bem melhores, muitas vezes, do que algumas particulares, embora seus
usuários ainda não saibam valorizá-las adequadamente, sobretudo pela massificação amplamente
disseminada na sociedade por meio da mídia hegemônica, da qualidade só existente na esfera
privada, além de os resultados não se refletirem na diminuição das desigualdades. Ainda são
poucas, mas já revigoram a disposição dos educadores comprometidos com políticas públicas que
venham em benefícios da população e não apenas em seu nome ou para corrigir distorções,
problemas ou atender a demandas por pressões de movimentos populares ou mesmo objetivando
mitigar crises.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observou-se, ao longo desta análise, que as políticas educacionais públicas implementadas
pelo Estado, além de serem tímidas são concebidas a partir de fundamentos neoliberais, que
centram seu foco na competitividade, na equidade e nos resultados mensuráveis economicamente e
não têm dado conta de diminuir as desigualdades sociais e regionais, além serem centradas em
determinados segmentos ou setores. Ao mesmo tempo em que tais políticas geram tais
desigualdades, conseguem trazer alguns ganhos, como já se evidenciou, mas o essencial permanece
intocável, que se inscreve no projeto de desenvolvimento e de sociedade hegemônicos no Brasil.
Como resultado dos estudos realizados e dessas reflexões,
percebemos que o Estado
continua a ser indispensável para coordenar o processo de desenvolvimento em benefício do
homem, por meio da criação e gestão de políticas sociais competentes, inclusivas, solidárias, e
compartilhadas e, acima de tudo, antecipatórias. Um Estado-Cidadão, que não seria mínimo nem
máximo.
Essa questão de Estado mínimo e de máximo depende muito da ótica de quem está fazendo
a análise, porque, pelas experiências históricas do desenvolvimento capitalista, ficaram demarcados
94
dois tipos de Estado: um interventor, sem o qual provavelmente o capitalismo não teria atingido
esse grau de extensão a que chegou, e o outro, Estado mínimo, resultante das já famosas receitas
dos organismos de financiamento internacional, como o FMI, o BIRD e o BID, que já demonstram
fortes indícios de sua iniquidade para a melhoria das condições de vida da população, conforme
análise realizada pelo próprio Presidente do Banco Mundial, demonstrando a necessidade de maior
preocupação com o social:
a distribuição dos benefícios do crescimento representa um dos maiores
desafios para a estabilidade do mundo. As injustiças sociais podem destruir
os avanços econômicos e político... Sem desenvolvimento social, não haverá
desenvolvimento econômico satisfatório. Em termos mundiais, observa-se
um agravamento da situação social, num cenário de exclusão crescente e
iniquidade, em que as distâncias se duplicaram (1960/90) (WOLFENSOHN,
JAMES APUD KLIKSBERG, op, cit. p. 17 e 34, respectivamente).
Dentro do próprio berço do neoliberalismo, nos Estados Unidos, o Secretário de Trabalho
do governo de Bill Clinton, Robert Reich, defendeu a necessidade e a importância da educação
pública, quando afirma: que é preciso investir na educação pública e capacitação de nossa gente;
boas escolas públicas no sentido mais verdadeiro da palavra: acessíveis a todos, sustentadas por
todos (KLIKSBERG, op. cit. p. 25).
O Relatório sobre o Desenvolvimento Humano produzido pela Organização das Nações
Unidas apresenta um farto material para as reflexões sobre os efeitos perversos do processo de
desenvolvimento capitalista neoliberal, em que o modelo americano que serve de referencial
para o resto do mundo globalizado já está demonstrando uma outra faceta, haja vista as
manifestações ocorridas nos últimos anos na Europa e até nos Estados Unidos:
O relatório da ONU levanta dúvidas consistentes sobre a força dos EUA:
mostra que a maior economia do planeta é também a que, entre os países
ricos, tem a maior porcentagem de pobres (16,5%). Para a ONU, a pobreza é
medida não apenas pela renda individual, mas também pela porcentagem da
população que tenha expectativa de vida inferior a 60 anos, pelo número de
analfabetos funcionais (alfabetizados que mal conseguem ler um texto
primário), pela proporção da população que ganha menos da metade da
renda média e, finalmente, pelo número de desempregados há 12 meses ou
mais. (Folha de S.Paulo, 09.09.1998).
O Brasil ocupa o 79º lugar no ranking do desenvolvimento humano e isso é um indicador
da perversidade das políticas públicas implementadas pelo Estado nos últimos trinta anos. A dívida
social é grande e para ser paga não há como dispensar a ajuda do Estado na gestão de um projeto
maior de sociedade, cuja construção passa pela participação do conjunto dos atores sociais,
tradicionais excluídos no processo de tomada de decisão sobre seus destinos, condição necessária
95
para que os sujeitos se encontrem como tal, ao se engajarem no compromisso de construir e
transformar a realidade que os envolvem. Mas essa precisa ser efetivamente uma participação
democrática, diferente de outras comuns hoje no discurso neoliberal, segundo o qual a participação
solidária pode resolver ou ajudar a mitigar os graves problemas sociais, ou seja uma forma de
participar dos prejuízos impulsionados pelo próprio Estado, para retirar deste a responsabilidade
pelas políticas públicas, transferindo todo o ônus para a sociedade.
Aliás, a grande discussão hoje se dá pelo Terceiro setor (o Estado é o 1º setor, o mercado o
2º e a sociedade civil o 3º, considerado por esferas hegemônicas da sociedade brasileira e até por
intelectuais bem conceituados como a panacéia para minimizar a perversidade do fundamentalismo
do mercado.
No caso da Amazônia, seus IDHs permanecem muito baixos e a população fica a esperar os
benefícios do desenvolvimento regional, coordenado pelo Estado,
sentindo e
sofrendo
os
impactos da falsa promessa integradora do progresso e distribuição de seus resultados. Além disso,
ela detém junto com o Nordeste os menores IDHs do Brasil, o que ressalta a grande exclusão
social, com alguns locais em melhores condições, formando verdadeiros “enclaves sociais”,
especialmente no Acre, no Amazonas e em Roraima. O Pará o Amapá e o Tocantins apresentam
índices superiores ainda que contenham também fortes exclusões. Os 5 estados mais incluídos por
ordem decrescente são: Tocantins, Pará, Rondônia, Amazonas e Acre (POCHMANN, Márcio,
AMORIM, Ricardo et al , 2003).
Segundo o diagnóstico da Amazônia Legal:
a grande maioria dos estados e municípios da região não consegue assegurar
aos seus cidadãos uma provisão eficiente dos serviços sociais básicos que garantam
níveis adequados de desenvolvimento humano. Tal negligência contribui, em muito,
para agravar os níveis de pobreza e de desigualdades, nessa região (SUDAM, op.
cit. p. 32).
Defendemos que não existe justificativa convincente para o crescimento da pobreza, em
uma região com amplas potencialidades e riquezas humanas, minerais, agropecuárias, ambientais,
energéticas e de matérias-primas estratégicas até para o mundo. As desigualdades precisam ser
atacadas com políticas diferenciadas e específicas para a Amazônia e não em seu nome apenas. Na
área educacional, apesar de já haver alguns pequenos avanços no acesso à educação, ainda persiste
um cenário não sinalizador da diminuição das desigualdades socio-econômicas, condição sine qua
non para que se possa pensar em garantia do direito constitucional de educação pública, de
qualidade para todos.
96
Sabe-se que já existem muitas discussões e análises sobre os efeitos do processo de
desenvolvimento econômico e que os organismos internacionais incluíram como prioridade em
suas pautas a questão do desenvolvimento social, com a criação, por parte do Banco Interamericano
de Desenvolvimento – BID, do Instituto Interamericano para o Desenvolvimento Social, cuja área
central é a formação de gerentes sociais. O Governo brasileiro começa a implementar ações
pontuais na Educação, como a Bolsa-Escola, de largo alcance, mas elas precisam vir combinadas
com outras políticas sociais e econômicas que propiciem as mudanças do quadro, com programas
de geração de renda e criação de empregos, com o incremento do sistema produtivo e melhores
salários aos trabalhadores, para que não precisem de medidas assistencialistas episódicas e
casuísticas.
No que diz respeito à escola, urge a mudança de nossas práticas, das concepções
cristalizadas de transmissora e reprodutora de conhecimento; das relações de poder; da organização
e estrutura, das formas de gestão institucional e do processo pedagógico, numa perspectiva de
construção de um projeto novo de homem e sociedade. Tais mudanças não devem ser realizadas
para resolver problemas conjunturais, mas precisam estar vinculadas a um projeto maior de
sociedade. Não estamos com isso defendendo que a Educação tem o poder de propiciar essa
transformação social, econômica e política, porém sem ela também não atingiremos tais objetivos.
Sabe-se que políticas sociais não acabam com a pobreza, mas essas precisam ser resultantes
de um modelo de desenvolvimento inclusivo, direcionado para o bem-estar da população como um
todo, e isso não apenas na retórica dos planos, como historicamente vem acontecendo ao longo dos
últimos quarenta anos. O ataque às questões sociais é importante para minimizar a enorme dívida
com os menos favorecidos, mas um Estado-cidadão deve estar a serviço de toda a sociedade,
incluindo ricos e pobres. A priorização de atendimento preferencial aos menos favorecidos se
impõe pelas históricas carências, que em algum momento deverão ser superadas, pois todos
necessitam de uma boa qualidade de vida.
As organizações não-governamentais da esquerda social, aqui entendidas como aquelas da
sociedade civil comprometidas com a luta pela transformação da sociedade capitalista, poderão ter
papel relevante na luta pelas mudanças requeridas. Tais organizações envolvem setores pastorais
da igreja, movimentos populares, movimentos sociais do campo (MST, por exemplo),
agrupamentos políticos, intelectuais, dentre outros (STÉDILE, 2003).
É importante que as políticas sociais públicas deixem de ser compensatórias para se
transformarem em antecipatórias, a partir de um planejamento coletivo consciente, competente e
conseqüente e que o Estado possa recuperar os nexos entre o público e os direitos de cidadania, os
97
benefícios sociais em sintonia com as necessidades e exigências do processo de desenvolvimento
social e econômico. Deseja-se que tais políticas sejam formuladas com a participação da sociedade
local, no processo de tomada de decisão, considerando-se as especificidades regionais, sem
esquecer-se do universal. O ponto de partida deve ser o local, para que as regiões periféricas não
continuem a ser usadaa apenas como marca, como símbolo atrativo de uma realidade diferente e até
muitas vezes exuberante e/ou exótica e as desigualdades continuem a se elevar.
No campo das políticas educacionais públicas, nos anos noventa tivemos reformas, que
mexeram com o sistema educacional brasileiro, ocorridas a partir do governo Fernando Henrique
Cardoso, nas quais se destacam: 1. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) em todos os níveis e
modalidades de ensino; 2) programas de profissionalização da gerência do sistema escolar, com o
incentivo a novas formas de gestão escolar; 3) incorporação de medidas democráticas nas escolas
públicas: eleições diretas, criação de colegiados escolares, elaboração de projeto políticopedagógico em cada escola; 4) iniciativas para correçâo dos fluxos escolares do fundamental das
escolas públicas; 5) reavaliação dos livros didáticos; 6) projetos de educação a distância: vídeoescola, telecurso 2000 tv escola; 7) criação de um sistema nacional de avaliação (SAEB,
ENEM/SINAES); 8) criação e implementação de diversos fundos: FUNDESCOLA, projeto
nordeste FUNDEF/FUNDEB; 9) realização de pesquisas oficiais de avaliaçâo de programas
PNDE/PDE/PDDE. 10) criaçâo do bolsa-escola e de outros programas que propiciaram um forte
rebatimento na educação.
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