Universidade Federal da Bahia Instituto de Letras Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística Rua Barão de Geremoabo, nº147 - CEP: 40170-290 - Campus Universitário Ondina Salvador-BA Tel.: (71) 263 - 6256 – Site: http://www.ppgll.ufba.br - E-mail: [email protected] O SAMPAULEIRO: ROMANCE DE JOÃO GUMES por MARIA DA CONCEIÇÃO SOUZA REIS Orientador: Profª. Drª. Célia Marques Telles SALVADOR 2004 2 Universidade Federal da Bahia Instituto de Letras Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística Rua Barão de Geremoabo, nº147 - CEP: 40170-290 - Campus Universitário Ondina Salvador-BA Tel.: (71) 263 - 6256 – Site: http://www.ppgll.ufba.br - E-mail: [email protected] O SAMPAULEIRO: ROMANCE DE JOÃO GUMES por MARIA DA CONCEIÇÃO SOUZA REIS Orientador: Profª. Drª. Célia Marques Telles Tese apresentada ao Programa de PósGraduação em Letras e Lingüística do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Letras. Área de concentração: Teorias e Crítica da Literária e da Cultura. SALVADOR 3 2004 UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGÜÍSTICA MARIA DA CONCEIÇAO SOUZA REIS O SAMPAULEIRO: ROMANCE DE JOÃO GUMES Tese para obtenção do grau de Doutor em Letras Salvador, 30 de março de 2004 Banca Examinadora ________________________________ Maria da Glória Bordini Doutora em Letras Universidade Pontifícia Católica do Rio Grande do Sul ________________________________ Sônia Maria Von Dijck Lima Doutora em Letras Universidade Federal da Paraíba ________________________________ João Santana Neto Doutor em Letras Universidade Católica de Salvador ________________________________ Albertina Ribeiro da Gama Doutora em Letras Universidade Federal da Bahia ________________________________ Célia Marques Teles 4 Doutora em Letras Universidade Federal da Bahia 5 A Miguel, responsável pela re-significância da vida. AGRADECIMENTOS A Deus, todo poderoso, pela minha existência. À minha orientadora, Profa Dra Célia Marques Telles pela amizade, solicitude, competente orientação e pelo despertar em mim o interesse pelos estudos filológicos. À Profa Dra Rita de Cássia Ribeiro Queiroz, pela amizade, companheirismo e pela tradução do resumo para a língua francesa. À Profa Dra Albertina Ribeiro da Gama, pela amizade e primeiras orientações deste trabalho. Ao Mestre Dr. Nilton Vasco da Gama, o nosso eterno mestre. Aos meus alunos da UNEB–Caetité por me fazerem conhecer João Gumes. À minha família pela compreensão, apoio e incentivo sempre e na execução deste trabalho. A José, por tudo: o companheirismo, as reflexões, a firmeza nas horas mais difíceis, a compreensão nas constantes ausências... 6 Às amigas Rosa Borges Santos Carvalho e Ana Júlia Tavares, pela amizade e incentivos. À Profa Maria Belma, pela gentileza e confiança ao emprestar o primeiro volume do romance O Sampauleiro. Aos colegas e amigos do Arquivo Municipal de Caetité pela constante troca de experiências. 7 RESUMO Trata-se da apresentação e edição do romance O Sampauleiro do caetiteense João Antônio dos Santos Gumes. Apresentam-se o escritor e sua representatividade literária, situando-o no regionalismo nacional e no panorama dos romancistas da literatura baiana. Mostra-se a obra de João Gumes, revelando o seu estado de conservação, a riqueza de materiais e as possibilidades de análise que poderão ser desenvolvidas na perspectiva dos estudos filológicos. Determina-se o comportamento do pesquisador e editor e expõe-se a estrutura da edição crítica, bem como os critérios que foram adotados na edição da obra de João Gumes e o texto criticamente estabelecido do segundo volume do romance O Sampauleiro. Palavras-chave: edição, literatura baiana, regionalismo, romance folhetim, resgate cultural. 8 RÉSUMÉ Ce travail a pour le bet l’édition du roman “O Sampauleiro” du caetiteense João Antônio dos Santos Gumes. On présente l’écrivain et sa représentativité littéraire dans le régionalisme national et dans le panorama des romanciers de la littérature baianaise. L’oeuvre de João Gumes est montrée a travers de son état de conservation, de la richesse des matériels et des possibilités d’analyse qui pourrant être develloppées dans la perspective des études philologiques. On determine le conduite de l’investigateur et de l’éditeur, on expose la structure de l’édition critique au delà des critères adoptés dans l’édition de l’oeuvre de João Gomes et le texte critiquement établi du deuxième volume du roman “O Sampauleiro”. MOTS–CLEF: édition, littérature baianaise, régionalisme, roman-feuilleton, rachat culturel. 9 SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS LISTA DE SIGLAS LISTA DE SINAIS UTILIZADOS RESUMO RÉSUMÉ CONSIDERAÇÕES INICIAIS 12 1 JOÃO GUMES: VIDA E OBRA 16 1.1 O HOMEM E O ESCRITOR 16 1.2 UM REGIONALISTA NO PANORAMA NACIONAL 23 1.3 UM ROMANCISTA NO MEIO BAIANO 26 2 O RESGATE DA OBRA 32 2.1 A OBRA 46 2.2 SOBRE O CONTEÚDO DE ALGUNS TEXTOS 53 2.2.1 O Sampauleiro 53 2.2.2 Os Analphabetos 53 2.2.3 Pelo Sertão 54 2.2.4 Vida Campestre 54 2.2.5 Abolição 55 2.2.6 Seraphina 56 2.2.7 Mourama 56 2.2.8 Sorte Grande e A Vida Doméstica 57 10 2.2.9 Outros trabalhos 57 2.2.9.1 A tradução 57 2.2.9.2 A partitura de música 58 3 A CONSTRUÇÃO DO TEXTO DE JOÃO GUMES 59 3.1 INTRODUÇÃO 59 3.2 PARA UMA EDIÇÃO CRITICA DE O SAMPAULEIRO 63 3.2.1 O Sampauleiro: do manuscrito ao texto definitivo 69 3.2.1.1 Descrição 69 3.2.1.2 Enredo 71 3.3 EDIÇÃO DOS TEXTOS: NOTAS FILOLÓGICAS 76 3.3.1 Estrutura da Edição 76 3.3.2 Metodologia 76 3.3.2.1 O texto de base 80 3.3.2.2 A ordenação dos textos 80 3.3.2.3 Os aparatos: variantes autorais e textuais 81 3.3.2. 4 As normas adotadas no estabelecimento dos textos 81 3.3.2.5 As siglas remissivas para as versões 83 3.3.2.6 Classificação estemática 84 3.3.3 O Sampauleiro: o texto crítico e o aparato de variantes autorais e da 86 tradição impressa 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 599 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 501 5.1 OBRAS DO AUTOR 501 5.1.1 LIVROS 501 5.1.2 MANUSCRITOS 501 5.1.3 CRÔNICAS 501 5.2 SOBRE O AUTOR E SUA OBRA 506 5.3 SOBRE LITERATURA BAIANA 507 5.4 TEORIA E CRÍTICA LITERÁRIAS 508 11 5.5 CRÍTICA TEXTUAL 511 5.5.1 ELEMENTOS DE CRÍTICA TEXTUAL 511 5.5.2 EDIÇÕES CRÍTICAS 516 5.5.3 ELEMENTOS DE CRÍTICA GENÉTICA 519 5.6 VOCABULÁRIO 520 ANEXO LISTA DE FIGURAS Fig. 1: Foto de João Antônio dos Santos Gumes. 15 Fig. 2: Foto do manuscrito do livro traduzido por João Gumes. 38 Fig. 3: Penúltimo fólio do manuscrito do drama Abolição. 39 Fig. 4: Recto do último fólio do manuscrito do drama Abolição. 40 Fig. 5: Verso do último fólio do manuscrito do drama Abolição. 40 Fig. 6: Folha de rosto do primeiro volume do romance O Sampauleiro. 41 Fig. 7: Contracapa do romance O Sampauleiro. 42 Fig. 8: Fólio do manuscrito do segundo volume do romance O Sampauleiro. 43 Fig. 9: Foto das partituras da música “À memória do Dr. Joaquim Manuel Rodrigues Lima”. 44 Fig. 10: Foto do manuscrito do romance Seraphina e do drama Abolição. 44 Fig. 11: Foto da coleção do jornal A Penna correspondente ao ano de 1898. 45 Fig. 12: Classificação estemática do segundo volume do romance O Sampauleiro. 85 Fig. 13: Classificação estemática da edição crítica do romance O Sampauleiro. 85 12 LISTA DE SIGLAS SP O Sampauleiro, manuscrito. SP1 O Sampauleiro, publicação textual de 1929. SPF O Sampauleiro, publicado no Jornal A Penna. 13 LISTA DE SINAIS UTILIZADOS < > segmento autógrafo riscado (?) leitura duvidosa † palavra ilegível [] acréscimo < >/ / substituição por sobreposição, na relação <substituído> /substituto/ < >[↑] substituição por riscado e acréscimo na entrelinha superior < >[↓] substituição por riscado e acréscimo na entrelinha inferior <>[] substituição à frente <†>[ ] substituição de um segmento apagado, riscado ou ilegível / mudança de linha // mudança de fólio ( ) itálico intervenções do editor (acréscimo e informações em itálico) 14 CONSIDERAÇÕES INICIAIS A necessidade de resgatar o patrimônio cultural de um povo não é uma preocupação da modernidade. Sua origem remonta aos gregos, aproximadamente entre os anos de 322 a 146 a.C., quando deram início à atividade de resgatar, de preservar e de divulgar o saber produzido pelos eruditos daquela época. Pode-se dizer que a Edição Crítica de Textos é uma das atividades mais antigas da filologia. Apropriando-se das palavras de Erich Auerbach1, é a atividade mais nobre, a mais clássica e a mais autêntica da filologia, que se ocupa da reconstrução do texto, com a finalidade de restabelecê-lo de acordo com a última vontade do autor. Segundo Heinrich Lausberg,2 a filologia tem de cumprir com os textos: “a tarefa tripla da crítica textual, interpretação de textos e a integração superior dos textos tanto na história literária como na fenomenologia literária.” 1 Cf. Erich AUERBACH. Intodução aos estudos literários. Trad. de José Paulo Paes. 2 ed. São Paulo: Cultrix, 1972. p.11. 2 Cf. Heinrich LAUSBERG. Lingüística românica. Trad. de Marion Ehrhardt e Maria Luísa Schemann. 2 ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1981. p. 22. 15 Reunir e editar a obra de um escritor que tem uma produção literária significativa como João Gumes, mas que, infelizmente, se encontrava sob uma camada espessa de poeira e não recebera o valor que lhe era devido, é buscar integrá-la na história e na fenomenologia literária, cumprindo com um dos deveres que a filologia tem com para o patrimônio espiritual produzido por uma comunidade. Firmou-se, então, como propósito desta pesquisa, a reunião de todos os testemunhos e materiais paratextuais do segundo volume do romance O Sampauleiro, para fixar-lhes os textos críticos. O resgate da produção literária e jornalística de João Gumes fazia-se necessário em Caetité. O trabalho desenvolvido resgata a memória cultural local e garante a sua permanência. Conforme se expõe mais adiante, tomando-se a produção literária e jornalística de João Gumes como objeto de estudo e desenvolvendo abordagens à luz da Filologia, poderse-iam apresentar três produtos distintos, a saber: preparação de edições críticas ou críticogenéticas, estudo do vocabulário e esboço da história de vida do escritor a fim de caracterizar histórico-socialmente o período em que ele viveu, registrando-se a sua atuação como jornalista, fazendo-se o inventário de sua produção intelectual, inserindo-o no meio literário baiano de seu tempo, e, principalmente, avaliando os seus escritos mais relevantes. Tornar transparente a produção de Gumes, desvelar as primeiras incursões literárias dos escritores baianos e detectar a importância documental desta produção, enfim, contribuir para que as lacunas da historiografia literária baiana possam ser preenchidas, constituem os fins últimos deste trabalho. A escolha do segundo volume do romance O Sampauleiro para constituição do corpus de estudo que culminou na elaboração da presente tese de doutorado justifica-se por quatro motivos: primeiro, porque o segundo volume do romance O Sampauleiro apresenta 16 três testemunhos: manuscrito autógrafo, edição em folhetim e testemunho em livro, situação textual ideal para a Ecdótica; segundo, porque é a principal obra responsável pela representatividade literária de João Gumes no panorama da literatura baiana e brasileira; terceiro, porque, conforme se pode depreender da leitura de algumas crônicas3 publicadas no jornal A Penna, a obra aborda o tema que foi objeto de uma das suas principais preocupações: o processo de migração instalado no Alto Sertão Baiano, que levou ao despovoamento da região e, conseqüentemente, ao seu empobrecimento; quarto, porque o romance é um testemunho vivo do pensamento de Gumes sobre questões políticos, sociais e culturais, e constitui memória cultural que deve ser disponibilizada à comunidade de modo geral. O presente trabalho está organizado em três capítulos, a saber: 1, João Gumes: vida e obra; 2, O resgate da obra; 3, A construção do texto de João Gumes. No primeiro capítulo, apresenta-se o escritor e sua representatividade literária, situando-o no regionalismo nacional e no panorama dos romancistas da literatura baiana. O segundo capítulo mostra a obra de João Gumes, revelando o seu estado de conservação, a riqueza de materiais e as possibilidades de análise que poderão ser desenvolvidas na perspectiva dos estudos filológicos. Em A construção do discurso de João Gumes, terceiro capítulo, determina-se o comportamento do pesquisador e editor; expõe-se a estrutura da edição crítica, bem como os critérios adotados na edição da obra de João Gumes e o texto criticamente estabelecido do segundo volume do romance O Sampauleiro. Por fim, no quarto capítulo, fazem-se as considerações finais. 3 Não constitui pretensão nossa classificar quanto ao gênero os textos de Gumes publicados no A Penna. Usamos, no presente trabalho, a designação "crônica" para seus textos de caráter jornalístico, porque ele assim os designava. 17 18 Fig. 1: Foto de João Antônio dos Santos Gumes. 1 JOÃO GUMES: VIDA E OBRA 1.1 O HOMEM E O ESCRITOR João Antônio dos Santos Gumes, filho do professor João Antônio dos Santos Gumes e de Ana Luiza da Veiga Neves, nasceu em Caetité4 em 1858 e morreu em 1930. Aos vinte e seis anos de idade casou-se com sua prima Antônia Dulcina Pinto Gumes, com quem teve 16 filhos: Maria Sofia, Júlia Adelaide, Laura Luiza, Ana Rufu, Sadi Rútilo, Luís Antônio, Huol, Carmen, Heloísa, Cândida Stela, Dulce Áurea, Eponina Zita, Célia, Celina, João Kardec e Antonio. Em 1922 fica viúvo. Homem de poucos recursos financeiros, mas admirado e respeitado por todos, participou ativamente da vida pública e cultural de sua terra natal. Foi, entre outras coisas, escrivão da Coletoria Geral, tesoureiro e secretário da Intendência, secretário da Câmara 4 A cidade natal de João Gumes fica localizada no sudoeste do Estado da Bahia, a 757km de Salvador. Hoje o seu prestígio cultural, político e econômico é menos relevante, mas, nos fins do século XIX e início do século XX, período em que viveu Gumes, era um dos principais centros difusores de cultura e importante pólo políticoeconômico do estado. Cidade berço cultural, destacava-se pelo alto nível de seus institutos educacionais de seus moradores. Forneceu vários governadores do Estado da Bahia, é local onde o educador Anísio Teixeira nasceu e desenvolveu suas idéias revolucionárias sobre Educação. 19 Municipal, advogado provisionado, professor, arquiteto, músico, tipógrafo, desenhista, dramaturgo, tradutor, escritor e jornalista. Como arquiteto idealizou e executou o projeto arquitetônico do Mercado Público e do Teatro Centenário, prédios hoje demolidos. Como músico, mesmo sem nunca ter estudado ou visto antes alguns instrumentos musicais, afinava-os e compôs diversas partituras que executava com maestria no violoncelo. Na pintura fez réplicas de obras clássicas. Todas foram destruídas, a única que sobreviveu é um retrato de Allan Kardec. Na arte dramática, além de ter fundado uma sociedade dramática que fomentava o desenvolvimento das representações cênicas na cidade, compôs dramas e comédias que foram e são até hoje encenados nas festividades religiosas e cívicas caetiteenses. Um apaixonado pela região sudoeste do estado da Bahia, desde muito jovem abraçou como uma de suas principais causas defender os direitos do homem nordestino, especialmente daqueles que habitavam o denominado Alto Sertão5. Um ser simples mas de alma elevada. Defendia veementemente a bandeira dos oprimidos homens do campo esquecidos e explorados pelos "engravatados da cidade grande", dos escravos maltratados, e combatia o analfabetismo reinante naquele período no nordeste brasileiro. Parece que escrevia com este propósito e deixava isto explícito, pois considerava seu romance Os analphabetos "uma propaganda em favor da alfabetização do nosso povo como meio seguro de melhorar a sua condição e torná-lo últil à prosperidade de sua terra."6 Assuntos estes abordados tanto na sua produção literária como na jornalística. 5 Define-se normalmente por Sertão baiano uma extensa região com particularidades nos seus aspectos físico, econômico, social e cultural. O Alto Sertão a que se refere este texto diz respeito às regiões da Chapada Diamantina e da Serra Geral, no século XIX. Erivaldo Fagundes Neves diz que: “Geralmente definem região de modo pouco preciso, física ou sócio-economicamente, como área que se pretende delimitar, (...); região do sertão, caracterizada pela morfologia da vegetação; região do Alto Sertão da Bahia, referenciada na posição relativa ao curso do rio São Francisco na Bahia e ao relevo baiano, que ali projeta as maiores altitudes”. Cf. NEVES, Erivaldo Fagundes. Uma comunidade sertaneja: da sesmaria ao minifúndio (um estudo de história regional e local). Salvador: EDUFBA / Feira de Santana:UEFS, 1998. p. 22. 6 Cf. João GUMES. Os analphabetos. Bahia: Escola Tipográfica Salesiana, 1928. 216 p. 20 Como ambicionava extinguir o analfabetismo em Caetité e em cidades vizinhas e acreditava que a melhor forma para alcançar este objetivo era o incentivo à leitura e à propagação de textos, não mediu esforços para fazer circular, em 25 de setembro de 1896, o primeiro periódico7 editado e impresso no sudoeste do estado da Bahia: O Caetiteense. Um ano depois implanta definitivamente a imprensa no Alto Sertão baiano, fazendo circular o jornal A Penna8. Segundo o próprio João Gumes, A Penna foi o principal órgão de imprensa daquela região e “um dos mais importantes fatores do progresso social.”9 O jornal fundado por Gumes também pode ser considerado patrimônio da memória da imprensa baiana, uma vez que toda publicação de relevo da região sudoeste do estado, naquele período, passou por sua oficina de artes gráficas, bem como a própria história da imprensa em Caetité confunde-se com a de sua tipografia. Gumes escreveu romances, comédias, dramas e crônicas. Publicou os romances: O Sampauleiro,10 Os Analphabetos,11 Pelo Sertão12 e Vida Campestre13. Deixou inéditas as seguintes obras: Seraphina,14 Abolição,15 Mourama16 e Sorte Grande17. A sua obra, além de possuir grande valor literário, é de fundamental importância histórica. O modo de pensar, viver e agir da época em que viveu o autor são registrados em seus textos, seja na pele do sertanejo que se desloca do nordeste para a região sul e sudeste do país em busca de melhores condições de vida, ou na figura do homem campestre, rude e analfabeto, que repudiava os livros e a leitura por 7 O Caetiteense, primeiro jornal editado por Gumes, teve vida efêmera: edição única. Cf. O CAETITEENSE, Caetité, 25 set. 1896. 8 Mesmo com poucos recursos financeiros e sua quase total reclusão à região Sudoeste, Gumes viajou 757km no lombo de um burro para adquirir na capital do Estado da Bahia um prelo para montar sua tipografia que, em 05 de março de 1897, fez circular o jornal A Penna, publicação quinzenal que, apesar das várias interrupções por questões financeiras, sobreviveu até 1942. 9 Cf. João GUMES. Os analphabetos, citado à n. 3, p.7. 10 Cf. João GUMES. O sampauleiro: romance de costumes sertanejoos. Caetité: A Penna, 1929. 2v. 11 Cf. João GUMES. Os analphabetos, citado à n. 3, p.7. 12 Cf. João GUMES. Pelo sertão. Caetité: A Penna. 11 jul. 1913 – 27 mar. 1914. 13 Cf. João GUMES. Vida campestre. Caetité: A Penna. 6 set. 1917. A data aqui apresentada refere-se ao último capítulo publicado em folhetim no jornal A Penna. 14 Cf. João GUMES. Seraphina. Caetité, [s.d.]. 15 Cf. João GUMES. Abolição. Caetité, [s.d.]. 16 Cf. João GUMES. Mourama. Caetité, [s.d.]. 17 João GUMES. Sorte grande. Caetité, [s.d.]. 21 serem prejudiciais à alma humana e “não colocarem panela no fogo”, ou ainda na figura da escrava maltratada mas subserviente ao seu amo. Em seus textos de caráter literário parece haver a intenção de representar, registrar, documentar, perpetuar e divulgar tudo o que, segundo seu ponto de vista, é característico de seu povo, de sua região. Isso é explicitamente revelado no prefácio do romance Os Analphabetos, onde se lê: Continuando o meu proposito de tornar conhecida esta região em tudo quanto concerne ao seu interesse e aproveitamento dos seus opulentos recursos, considerei que o melhor meio era escrever narrativas de factos verossimeis acompanhados de descrição do nosso territorio e costumes do povo sertanejo. É o que fiz na "Vida Campestre", no "O Sampauleiro", no "Pelo Sertão" e n'este livro. O fim collimado creio ser justo; mas não sei si alcancei. Convenço-me, e ninguem poderá contestar-me, que o romance, a novella, ou qualquer trabalho d'este genero, é o que melhor propaganda faz. 18 Como era muito exigente consigo mesmo, não atribuía valor literário aos seus romances. Considerava-os tãosomente o único meio possível de contribuir para o combate ao analfabetismo e para fazer sua região conhecida. No trecho a seguir podemos verificar qual era o seu ponto de vista a respeito de seus romances: Não se pense que este livro tenha merito litterario e que possa figurar entre tantos que lustram e enriquecem a litteratura brasileira, que põem em evidencia o crescente progresso das lettras no nosso paiz, quanto têm ellas se aprimorado e enriquecido n'estes ultimos tempos. É tão opulenta de alguns annos a esta parte a litteratura a que me refiro, que pode ser arguido de ousadia, mesmo temeridade dirigida, apresentar-se em publico com um trabalho mal burilado, sem expressão, de modo que não fique bem esclarecido o pensamento; sem os lavores de estylistica que attrahem, encantam e prendem o espirito do leitor. (...) ousei escrever neste gênero embora me falhe competencia para figurar entre os escriptores que têm produzido livros d'essa natureza, que attrahem a attenção do leitor instruindo-o de muitas cousas que lhe são desconhecidas.19 18 Cf. João GUMES. Os analphabetos, citado à n. 3, p.8. 22 Como jornalista de A Penna, escreveu centenas de crônicas e foi redator de diversas colunas. Essas crônicas constituem um manancial inesgotável de informações que podem servir de fonte de pesquisa sobre os mais variados assuntos, como por exemplo: a) a seca e a emigração na região: Há cerca de um mez já reclamamos, e voltamos agora á carga porque, dia a dia, a nossa situação torna-se mais afflictiva.// Já não é a secca que nos incommoda o espirito; é a sahida de quasi todo o povo em abalada, como que impulsionado por uma fatalidade. O commercio paralysa-se, as situações agricolas são abandonadas. Não é agora somente o jornaleiro que emigra: são familias inteiras, são povoações20. b) questões da economia local e regional: Com muito interesse acompanhamos os movimentos de alta e baixa do café, pois é sabido que muito influe na situação economica e financeira de todo o paiz a valorisação da preciosa rubiacea. As ultimas noticias são alarmantes e dão o lugar a mil conjecturas sobre as causas da baixa d’esse genero de commercio.21 Não lemos a lei orçamentaria do Estado porque nem sempre vemos a folha official, e os jornaes da Capital, não sabemos porque, não lhe dão como deveram, a publicidade e diffusão que tanto nos interessam. Entretanto consta-nos que uma taxa, ultimamente creada incide sobre as engenhocas productoras do assucar e rapaduras entre nós.22 c) localização e descrição de recursos naturais dos povoados, vilas e cidades vizinhas, como no trecho da crônica Monte Alto, publicada em 12 de setembro de 1913: Quem transpõe a serra Geral, indo dos municipios de Umburanas ou Caeteté, em busca do valle do S. Francisco, avista largos trechos da região a que os naturaes do sertão denominam baixio. Da estrada de Caeteté a Bella Flor, porem, quer da ladeira “Isabel” quer da “Belem” melhor aprehende-se em synthese a forma e disposição d’aquelle vasto territorio. A paizagem é 19 Cf. João GUMES. Os analphabetos, citado à n. 3, p. 8. (Grifos nossos.) Cf. João GUMES. Despovoamento do sertão: o povo emigra á falta de trabalho. A Penna, Caetité, n. 33, p.1, 11 abr. 1913. 21 João GUMES. A baixa do café. A Penna, Caetité, n. 41, p. 1, 01 ago. 1913. 22 Cf. João GUMES. As engenhocas. A Penna, Caetité, n. 27, p.1, 17 jan. 1913. 20 23 soberba e empolgante. Ao fundo, no ultimo plano, a serra do Monte Alto, esgalho do principal systema ortographico, encantadora, semelhando uma muralha a prumo, colorida de róseo e azul em extensos lanços perpendiculares, estriada por desfiladeiros e contrafortes, e recortando caprichosa e bellissimamente no azul de bobadas achatadas e cippos gigantescos. Essa admiravel construcção natural tem por assento o Baixio, que é um extenso talude, de declividade quasi imperceptivel á commum apreciação, levemente abaulado, orlado pelo sulco dos ribeirões que formam o rio das Rans, eriçado de morros, pequenas cadeias, collinas, extensos largados de formação primitiva e bacias onde se reunem as aguas meteóricas. O solo em geral é esbranquiçado, argiloso e impregnado de saes diversos, e a vegetação natural é de caatingas altas onde se encontram boas madeiras de lei e extensos prados onde vicejam optimas forragens. Nas encostas e proximidades dos morros a terra é carregada de oxido de ferro assim como nos contrafortes da serra: esse elemento chimico é um auxiliar valiosissimo para que ahi a vegetação seja a mais desenvolvida. Em geral o terreno é algodoeiro, mas é feracissimo para diversas culturas. As uvas, laranjas e muitos outros fructos de pomar dão-se alli perfeitamente bem, são dulcissimos e de surprehendente desenvolvimento. As aguas saturadas de saes inoffensivos, o ar quente e quasi permanente em uma boa temperatura e o constante varrer dos ventos alisios, tornam essa região saluberrima, propria á criação de toda a sorte de gados, que alli proliferam e se desenvolvem admiravelmente, e procurada como reconhecido Sanatorium que é para diversas enfermidades do homem.23 A riqueza de informações históricas sobre a região constantes tanto na sua produção literária como na não-literária é tão significativa que se torna praticamente impossível, ao pesquisador de várias áreas do saber, realizar qualquer estudo sobre o Alto Sertão Baiano sem tomar a obra de Gumes como uma das principais fontes de pesquisa. Um bom exemplo é a dissertação de mestrado desenvolvida por Estrela24, na área de geografia, intitulada Os sampauleiros do alto sertão da Bahia: cotidiano e representações, que teve, como uma das principais fontes, para a realização da investigação sobre as representações do cotidiano dos chamados sampauleiros, a obra publicada de Gumes. Um outro aspecto importante que ainda deve ser observado a respeito dos textos do autor é a sua riqueza vocabular. Uma leitura, mesmo que superficial, da sua produção 23 Cf. João GUMES. Monte Alto. A Penna, Caetité, n. 44, p.1, 12 set. 1913. A dissertação de Mestrado, intitulada Os sampauleiros: cotidiano e representações, defendida no Departamento de Geografia Humana da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, 24 24 literária, revela-nos que os textos de temática regional, como O Sampauleiro, Os Analphabetos, Pelo Sertão, Vida Campestre e Sorte Grande, em que são documentados os hábitos e os costumes da região sudoeste do estado da Bahia, apresentam um vocabulário regional riquíssimo. Estes vocábulos são, na sua maioria, nomes de objetos, animais, utensílios, atividades, ações, qualidades e comportamentos e/ou atitudes. Arrancador, babugem, bitu, bruaca, bolsava, cabaz, cacôca, caramanche, caxerengue, croá, desabusado, deslindar, embasbocado, embuchar, grenha, jornaleiro, latagão, mazarrol, sopitado, sovelão e pandarana são apenas alguns exemplos de itens lexicais utilizados intencionalmente por Gumes para documentar e, ao mesmo tempo, revitalizar o seu uso. Isso porque, conforme se pode depreender da leitura de alguns de seus textos, acreditava que eram usados apenas na sua região e estavam entrando em desuso na língua corrente de seus contemporâneos. Todo esse manancial histórico, literário e lingüístico encontrava-se disperso e na eminência de desaparecer por completo. Fazia-se necessário reuni-lo, preservá-lo em caráter permanente e colocá-lo ao alcance de pesquisadores e da comunidade de modo geral. O resgate da memória cultural desse período da história de Caetité permite não só reconstruir a vida cultural local mas contribuir para a (re)escritura de um capítulo da historiografia literária baiana, inserindo o nome de um escritor com uma produção expressiva e significativa como a do caetiteense João Antônio dos Santos Gumes. em agosto de 1999, sofreu algumas alterações e foi publicada em 2003. Cf. Ely Souza ESTRELA. Os Sampauleiros: cotidiano e representações. São Paulo: Humanitas FFCH/USP; Fapesp; Educ, 2003. 256 p. 25 1.2 UM REGIONALISTA NO PANORAMA NACIONAL Nas três primeiras décadas do século XIX, inicia-se no Brasil um movimento cultural em busca de uma literatura própria, de cor local, sem influências externas, exposta com recursos estilísticos autônomos. Os intelectuais desejavam alcançar a independência literária, contrapartida da liberdade política. Evidentemente que, no romantismo brasileiro, os nossos escritores exploraram alguns elementos nacionais, objetivando alcançar uma literatura livre das influências advindas de outras terras. Bem que tentaram, mas a exploração do indianismo esgotou-se rapidamente, decretando sua substituição pelo regionalismo. O indígena estaria, portanto, sendo substituído por um símbolo mais adequado, vaga ocupada pelo tipo regional: o sertanejo, o cangaceiro, o gaúcho, que protagonizava as obras de alguns nomes de nossa literatura, como, por exemplo, o Visconde de Taunay, Bernardo Guimarães, Franklin Távola, José de Alencar, entre outros. As conseqüências imediatas da exploração desses novos elementos regionais foram o maior acercamento à realidade e à valorização do cenário local. Este fato, por seu turno, tem um outro efeito que confere ao regionalismo importância superior às circunstâncias que regeram o seu nascimento. Proveio daí um maior interesse pelas questões da terra e seus ocupantes; e a glorificação do herói cedeu lugar às reflexões em torno à miséria econômica e alijamento do poder das camadas campesinas. É neste cenário cultural, marcado por uma ruptura estilística e temática, que João Antônio dos Santos Gumes se lança como um homem das letras baianas, escrevendo 26 romances que denunciam e apresentam as riquezas naturais e humanas existentes em sua província. O caetiteense poderia geograficamente encontrar-se afastado dos grandes centros de efervescência dos ideais libertadores, mas espiritual e intelectualmente estava muito próximo. Gumes vivencia de perto essas transformações, deixando-se contaminar por todos os ideais "libertadores". É natural que isso acontecesse, pois, autodidata e curioso, ainda muito criança desvendou os mistérios do ler e do escrever, o que lhe permitiu ter acesso às idéias revolucionárias veiculadas nos livros, nos jornais e nas revistas circuladas nos grandes centros urbanos, mas que, com muitas dificuldades, tardiamente chegavam às pequenas cidades e aos vilarejos do Alto Sertão baiano. Talvez Marcolino, protagonista do seu romance Os Analphabetos25, tenha razão: "a leitura não põe fogo à panela mas traz perturbações à alma humana". As leituras mexeram com "as idéias" do jovem Gumes e o fizeram um abolicionista convicto, defensor das classes menos favorecidas de nossa sociedade, um revoltado com as diferentes formas de tratamento dispensadas a cada região do país, em que umas, as privilegiadas, Sul e Sudeste, recebiam todos os incentivos e as outras, o Nordeste pobre e seco, especialmente o Sertão, eram esquecidas. É natural também que a inclinação ao regional alimentasse o seu fazer literário. Os romances Os Analphabetos, O Sampauleiro, Vida Campestre e Pelo Sertão apresentam os aspectos singulares da "cor local". Nessas obras, situadas nos limites das Serras Gerais, ele trata das relações do homem com a seca e com a miséria. Denuncia as relações de favor e a política do coronelismo, prevalecendo o interesse pelo social e coletivo. O romance funciona, para Gumes, como um instrumento precioso de denúncia e de revelação de "tudo que for concernente à sua região"26. Dedica-se a um realismo documental, revelador tanto de 25 26 Cf. João GUMES, Os Analphabetos. p. 8, citado à n.5. Cf. João GUMES, Os Analphabetos. p. 7, citado à n.3. 27 indivíduos mal inseridos numa coletividade, como de estruturas familiares e de compadrio. E daí decorrem as demais peculiaridades de seus textos, como, por exemplo, o vocabulário empregado e os costumes apresentados, que se destacam por se diferenciarem, se contrapostos a um certo modelo convencionado como universal. Os críticos literários, tantos os que tratavam da produção de âmbito nacional como os de âmbito local, praticamente não fazem menção à prosa ficcional de João Gumes. Os raros comentários encontrados são fragmentados, mesmo porque os primeiros obstáculos para executar tal tarefa estavam em recuperar as obras das quais apenas se tinham notícias. MiguelPereira, ao tratar dos grupos de escritores brasileiros que participaram do chamado movimento regionalista, aponta Gumes como um dos baianos que escreveu romances dentro desse gênero: No Norte, porque com Oliveira Paiva e Domingos Olímpio, no Ceará, e Lindolfo Rocha, na Bahia, empreendeu o romance, fez-se o regionalismo menos rígido, permeável a concepções mais gerais do homem, ganhando em humanidade o que perdia em pitoresco. A este grupo se poderá prender João Gumes, que, em O Sampauleiro, estuda a emigração dos baianos das lavras para as lavouras paulistas, embora seja o seu livro de menor valor do que os dos acima citados. E também Luís Araújo Filho cujas Recordações Gaúchas, menos novela que crônica romanceada, reconstituem com grande interesse os costumes locais. 27 Pedro Calmom, em História da literatura bahiana,28 ao tratar da prosa na Bahia, limita-se a incluir o nome de Gumes no rol dos que aqui, no início do século passado, produziram romances. A Enciclopédia de Literatura Brasileira29 cita João Gumes como teatrólogo e romancista, apontando o drama Abolição e as comédias A Intriga Doméstica e A Sorte 27 Cf. Lúcia MIGUEL-PEREIRA. História da literatura brasileira: prosa de ficção - de 1870 a 1920. 3 ed. Rio de Janeiro: José Olympio/Brasília/INL, 1973. p. 184. (grifos nossos). 28 Cf. Pedro CALMON. História da literatura bahiana. Rio de Janeiro: José Olympio, 1949. p.218. 28 Grande como sendo sua produção literária. Interessante observar que se trata de textos inéditos e que suas obras éditas, O Sampauleiro e Os Analphabetos, não constam nessa lista. 1.3 UM ROMANCISTA NO MEIO BAIANO É sabido que quase todos os grandes romancistas da literatura brasileira divulgaram as suas primeiras obras em capítulos publicados semanalmente em folhetim, que alguns jornais faziam circular, inicialmente, nas grandes cidades e, depois, nas pequenas e longínquas províncias. Isso se dava porque, naquele período da nossa história literária, praticamente inexistiam editoras interessadas em publicar livros e o índice de analfabetismo era desanimador. Somando-se a isso, as próprias limitações da tecnologia e a falta de público leitor contribuíram para que isso acontecesse. Esse estado de coisas não se restringia apenas aos limites das fronteiras brasileiras. Ocorreu também na França no último quartel do século XVIII. Hohlfeldt30, ao tratar da evolução do gênero, diz que, naquele país, toda a ficção da segunda metade do século XIX foi essencialmente difundida através do romance-folhetim. E diz ainda que a democratização educacional, mediante o acesso à leitura, e o significativo desenvolvimento tecnológico e o conseqüente barateamento dos produtos advindos das tipografias, refletiam sobre a produção jornalística e livresca. Ele aponta o nome de Émile de Girardin como iniciador desse tipo de expediente, quando, em 1836, idealizou La Presse, publicação que revolucionou o jornalismo, mediante a ampliação da publicidade e o aumento significativo da tiragem, o que levou ao barateamento dos custos. Essa nova tendência de publicar os romances em folhetim ultrapassa as fronteiras francesas e, com o passar dos anos, se generaliza por vários países da Europa e, felizmente, chega ao Brasil, em 1838, quando o Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, acompanhando as novidades literárias da época, divulga o romance-folhetim de Alexandre Dumas, Capitão Paulo. Hohlfeldt31 afirma que, no Brasil, a divulgação de romances em folhetim inicia-se com o Romantismo e se estende até o Naturalismo. Vejamos o que diz: 29 Cf. Afrânio COUTINHO, J. Galante de SOUSA (Dir.). Enciclopédia de literatura brasileira. 2 ed., ver., amp., atual., il. São Paulo: Global; Fundação Nacional; Academia Brasileira de Letras, 2001. v.1. 30 Cf. Antonio HOHLFELDT. Deus escreve direito por linhas tortas: o romance-folhetim dos jornais de Porto Alegre entre 1850 a 1900. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. p.20. 31 Cf. id., ibid, p.20. 29 (...) os escritores surgidos na maré do Romantismo brasileiro utilizariam o mesmo princípio para a divulgação de suas obras, e a circulação dos romances, no Brasil, através dos jornais, permaneceria até meados do século XIX, fazendo com que não apenas os textos românticos quanto os autores das tendências que se seguiriam, especialmente o Realismo e o Naturalismo, adotassem o mesmo tipo de veiculação. Também os textos de peças teatrais consagradas chegaram a ser veiculados no espaço do folhetim. Tânia Rebelo Costa Serra32 aponta 1839 como o ano em que chegaram aos jornais brasileiros o romance-folhetim e o romance em folhetim.33 Sua pesquisa sobre o tema, resultando na Antologia do romance-folhetim, tem esse ano como ponto de partida e o de 1870 como término. José Ramos Tinhorão34 diz que O romance-folhetim antecedeu O Filho do Pescador, o primeiro romance brasileiro, de Teixeira e Souza, de 1843. Desde os inícios da década de 30 do século XIX publicava-se novelas e romances em capítulos nos jornais brasileiros. Hohlfeldt35 é categórico ao afirmar que o primeiro romance-folhetim de autor nacional, divulgado nas páginas do Jornal do Comércio, foi um texto anônimo, denominado A Ressurreição de Amor, subintitulado Crônica Rio-grandense, editado nos dias 23, 24 e 25 de fevereiro de 1839. Como acontecera além-mar, entre nós essa prática gradativamente foi generalizando-se em diversos jornais que circulavam em várias cidades, principalmente nos grandes centros. Os nossos periódicos se encarregavam tanto de publicar traduções de romances estrangeiros como de divulgar textos nacionais. 32 Cf. Tânia Rebelo Costa SERRA. Antologia do romance-folhetim: (1839 a 1870). Brasília: Universidade de Brasília, 1997. p. 20. 33 A autora estabelece diferenças entre o romance-folhetim e romance em folhetim. O primeiro é voltado para o grande público, que recorre ao romance em busca de diversão, e como, muitas vezes, era construido dia a dia até o total esgotamento da curiosidade do público, apresentava freqüentemente fallhas na unidade. O segundo, como existe uma preocupação com a organização interna em busca de uma unidade de estrutura para alcançar o valor estético, tem preocupações estruturais e temáticas que diferem das do romance-folhetim. Cf. Tânia Rebelo Costa SERRA. Antologia do romance-folhetim (1839 a 1870). Brasília: Universidade de Brasília, 1997. Para mais informações sobre o assunto Cf. Marlyse MEYER. Folhetim: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 34 Cf. José Ramos TINHORÃO. Os romances em folhetins no Brasil. São Paulo: Duas Cidades, 1994. P. 9 e 13. 35 Cf. Antonio HOHLFELDT, citado à n. 27. 30 Não podemos esquecer também que as primeiras manifestações literárias no Brasil foram em verso. Acreditamos não ser nenhum exagero afirmar que até o início do século XX o verso, em relação à prosa, gozou de mais prestígio entre os nossos escritores. As razões desta preferência devem-se à maior facilidade de sua divulgação. Como vimos anteriormente, era uma época em que inexistiam as editoras de livros, e um poema poderia se tornar público por meio da declamação ou aparecer num rodapé de jornal: os escritores privilegiavam o gênero, adaptando-o às modalidades disponíveis de comunicação. Além disso, a poesia se alimentou da contribuição oral, pela familiaridade com o cancioneiro popular, que estaria muito mais próximo do gosto cultivado da época, fato que levou muitos críticos do período a afirmar que o Brasil era a terra dos poetas. As cidades eram pequenas, como também eram reduzidos os instrumentos de difusão. A solução encontrada pelos intelectuais para resolver essa questão foi uma espécie de aliança sob a égide de um jornal literário. Fundaram-se vários periódicos, com a finalidade de abrigar os escritores. Pode-se afirmar que o primeiro fenômeno de industria cultural no Brasil foi a produção ficcional para a publicação na imprensa periódica brasileira no século XIX. Esses periódicos eram, para os intelectuais da época, o único meio de difundir seus romances, contos e novelas. Esse meio de divulgação dos textos em prosa terminou por levar os escritores a desenvolver uma técnica de narração adequada ao padrão folhetinesco, que era a de apresentar características de romance impressionantes e sensacionalistas. A descrição pormenorizada certamente provocava muito interesse nos leitores do folhetim do período, que era basicamente constituído de estudantes e senhoras da sociedade, conforme se lê no artigo do Visconde de Taunay36 sobre os consumidores de ficção no periódico. 36 Cf. Visconde de TAUNAY. Reminiscências. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1908. p. 86-7. Mais informações sobre o assunto consultar: Sainte BEUVE. De la littérature industriale. Revue des Deux Mondes, Paris, p. 685, ler. sep. 1839. 31 Fato é que, apesar de o país ainda ser analfabeto, foi através do jornalismo que a literatura popularizou-se, multiplicando os leitores. Talvez a motivação desses leitores decorresse da evasão de problemas mais imediatos, sobretudo os de sua vida estreita. Quanto à situação do estado da Bahia em relação à publicação de romances em folhetim, Lizir Arcanjo Araújo Alves37 diz que desde os primeiros decênios do século XIX novelas e romances na Bahia não têm a mesma relevância encontrada nas demais regiões do país. Esta falta de prestígio do texto em prosa levou Carvalho Filho38 a se perguntar se teriam os baianos fracassado no romance. É claro que desde os primeiros anos do século XIX as novelas e os romances são produzidos. David Salles, ao tratar das primeiras manifestações da ficção na Bahia, diz que ...existiram causas influentes conduzindo a argumentos de natureza sociológico-literária para explicar a conseqüência, ou seja, a quase ausência ou pobreza indigente da manifestação ficcional na Bahia do século passado. E arrumadas a modo de esquema, seriam: a) neoclassicismo baiano retardatário; b) prestígio literário e popular da retórica oratória, na tribuna e no púlpito; c) preferência e predomínio da manifestação poética, favorável à conquista rápida de notariedade social no meio provinciano; d) culto da erudição em decorrência da projeção da Faculdade de Medicina como núcleo 39 da vida cultural baiana; e) ausência de autores. Pedro Calmon afirma que a Bahia teve um número expressivo de romancistas: Romancistas, é preciso dizer, os teve em bom número a província, alguns com desenganada vocação para o gênero, porém todos – antes de Xavier Marques e Afrânio Peixoto - estranhamente limitados à sua área de produção, quer pela modestia das tentativas, quer pelo desfavor ou incúria dos editores que as não encorajava. Numa relação de escritores de romances, contos e novelas têm de figurar Manuel Carijé, Sérgio Cardoso, Cirilo Eloi, 37 Cf. Lizir Arcanjo ALVES. Poesia e vida literária na Bahia de 1890 a 1915. São Paulo, 1986. Dissertação de Mestrado, USP, 1986, p.199. 38 Cf. Aloysio de CARVALHO FILHO. A Bahia no romance brasileiro. Diário Official do Estado da Bahia,. Salvador, jul. 1923, p. 99-101. Edição especial do centenário da Independência. 39 Cf. David SALLES. Primeiras manifestações da ficção na Bahia. Salvador: UFBA, 1973. p.12 (Estudos Baianos, 7). (grifos nossos). 32 Ana Ribeiro de Góis Bittencourt, Amélia Rodrigues, o sertanejo João Gumes. 40 O estado da Bahia apresenta uma produção de narrativas ficcionais expressiva, mas o que lhe faltava eram as editoras que estivessem interessadas em publicar a produção local. Certamente não será exagero afirmar que Gumes, mesmo sendo um homem simples e pacato, limitado pela longa distância que o separava dos grandes centros, e, praticamente, pela inexistência dos meios de comunicação de massa, esteve ao longo de sua vida “conectado” com o processo de desenvolvimento cultural, intelectual, sobretudo o que se refere à divulgação de conhecimentos através do texto escrito, que se processava nas grandes urbes brasileiras e, porque não, mundiais. Apesar de o romance-folhetim não ter sido tão bem acolhido pelos periódicos da Bahia como nas demais regiões do país, e da província onde vivia estar a uma distância de 757 quilômetros da capital baiana, esses fatos não impediram que Gumes se colocasse como sujeito agente de uma tendência iniciada na França e que estava se propagando no Brasil: divulgação de romances em folhetim. Ele não só divulgou como também escreveu seus romances seguindo, em linhas gerais, as mesmas características de seus contemporâneos. Suas principais preocupações eram contribuir para combater o analfabetismo que reinava no Brasil, mas principalmente nas províncias mais distantes dos grandes centros urbanos, porque, segundo Gumes, somente através do conhecimento adquirido nos livros as pessoas poderiam lutar e conquistar a libertação de todos os tipos de opressão e injustiça social. Desejava contribuir para o progresso social e cultural de sua região. E, como bom cidadão, é natural que desejasse compartilhar seu conhecimento com os demais. Talvez essas preocupações o tenham motivado, mesmo conhecendo suas limitações enquanto escritor, a criar um jornal e publicar capítulo a capítulo os seus romances, inscrevendo seu nome no rol daqueles pioneiros na produção e divulgação de textos desse gênero. As suas obras Pelo Sertão e Vida Campestre são os primeiros exemplos de romance folhetinesco na região sudoeste do estado da Bahia. O jornal de Gumes desempenhou um papel central não apenas em Caetité, mas em toda a província, pois contava com a participação de sócios de várias cidades do interior. 40 Cf. Pedro CALMON. História da literatura bahiana. Rio de Janeiro: José Olympio, 1949. v.2, p.218. (Grifos nossos.) 33 Facultou a constituição de um sistema complexo de intercâmbio de idéias e produções literárias, bem como a consolidação de uma cultura com características próprias. A iniciativa de Gumes, de criar o jornal A Penna e de escrever prosa para ser veiculada nesse periódico, provavelmente não foi a única nas províncias pertencentes ao nosso estado, principalmente aquelas mais prósperas e próximas da capital. Essa possibilidade leva a crer que algo no sentido de levantar e resgatar esta produção deva ser realizado com uma certa urgência. 2 O RESGATE DA OBRA O material de Gumes, tão rico em quantidade de informações e diverso em qualidade, estava prestes a desaparecer por completo. Poucos tinham conhecimento de sua existência. E os que o tinham, utilizavam-no da pior forma possível: ou era mero objeto de curiosidade, ou só servia para os estudantes do ensino médio cumprirem tarefas41 nas tradicionais gincanas escolares. Após tomar conhecimento da existência do jornal A Penna na cidade de Caetité, procuramos obter mais informações a respeito do autor, do local e/ou locais onde poderiam ser encontrados os exemplares do jornal, os manuscritos, os textos impressos, as partituras, os dados pessoais, enfim, tudo que fora produzido e que pertencesse ao escritor João Antônio dos Santos Gumes. O primeiro passo tomado no intuito de reunir a produção foi procurar os familiares de João Gumes que ainda residiam em Caetité. D. Heloísa Gumes, uma das filhas do escritor, em entrevista, revelou-nos que seu pai tinha o hábito de arquivar um exemplar de cada número do jornal A Penna e todos os manuscritos dos romances que havia produzido ao 34 logo de sua vida. Entretanto, após a sua morte, os filhos, quando se casaram, levaram consigo caixas contendo documentos e livros, dispersando dessa forma a obra. No entanto, no porão da casa onde vivera o escritor, ainda existiam vários exemplares do jornal A Penna e alguns manuscritos referentes a sua produção literária. Ainda segundo D. Heloísa, parte destes documentos que sobraram no porão da sua casa e que estavam sob seus cuidados, tinha sido emprestada a alguns professores da faculdade42 para fazerem estudos. Os mesmos nunca haviam retornado para lhe devolver o referido material. Existia ainda uma parte no porão mas, infelizmente, ela não permitiria a mais ninguém vê-la ou pegá-la. Nada sairia daquele local. Explicamos a D. Heloísa o nosso interesse em criar o Acervo do escritor, a fim de colecionar, classificar, preservar e tornar acessível à pesquisa os escritos e os jornais de João Gumes. Informamo-la da importância de se reunir esse material que estava disperso e susceptível de ser destruído por completo, privando, assim, a comunidade científica e a sociedade de modo geral de a ele terem acesso ou, pelo menos, de saberem da sua existência. Muitas foram as tentativas de convencê-la a fazer-nos a doação. Informamo-la também da criação do Arquivo Público Municipal de Caetité pelos professores Maria de Fátima Pires e Paulo Henrique Duque e garantimos que o acervo de João Gumes ficaria em uma sala especial do Arquivo Público e, lá, ele seria organizado e protegido. Os documentos não poderiam ficar espalhados como estavam, mas deveriam estar em poder de uma instituição séria e responsável que se comprometesse a conservá-los e disponibilizá-los, de forma segura, ao alcance de todos. 41 Muitos exemplares do jornal A Penna circulavam com uma certa freqüência entre os estudantes de Caetité nas tradicionais gincanas escolares. Normalmente, os exemplares emprestados nestas ocasiões não retornavam e, quando isso raramente acontecia, sempre estavam multilados: recortados, riscados, rasgados. 42 A faculdade a que nos referimos é a Universidade do Estado da Bahia, especialmente o atual Departamento de Ciências Humanas – Campus VI de Caetité. 35 D. Heloísa se mostrou muito preocupada em nos fazer a doação. Hesitava porque não mais confiava em ninguém. Temia que fizéssemos o mesmo que os outros professores haviam feito quando a procuraram anteriormente: desaparecer com os documentos. Levamola ao Arquivo Público para mostrar o estatuto do mesmo e o local onde os documentos seriam acomodados e acondicionados. Um mês após a visita ao Arquivo Público, ela resolveu nos procurar e fazer a doação, meio tímida, de alguns exemplares avulsos do jornal A Penna. De posse dessa primeira doação, procuramos um dos professores mencionados por D. Heloísa na entrevista. O professor, depois de negar que possuisse material pertencente a Gumes, revelou-nos que realmente tinha em suas mãos uma tradução feita pelo escritor de um livro do francês para o português e os exemplares do A Penna correspondentes ao período de 20 de maio de 1898 a 12 de maio de 1905. Acrescentou, porém, que, infelizmente, não poderia devolvê-los porque ainda não concluíra a pesquisa iniciada a uns seis anos atrás. Com muita insistência conseguimos ver esse material e fotografar a coleção do jornal que estava em seu poder (cf. figura 11). A devolução da coleção de A Penna foi impossível porque o professor pretendia concluir suas pesquisas sobre a história da Educação em Caetité e as crônicas de Gumes publicadas no jornal eram sua fonte principal. Os jornais estão em estágio avançado de decomposição: o papel desintegra-se com o simples toque dos dedos. Mas, felizmente, depois de uma série de investidas, a tradução retornou às mãos D. Heloísa para que ela pudesse nos fazer sua doação. Diante da atitude do professor, D. Heloísa resolveu nos doar os manuscritos que estavam em seu poder, de um exemplar do romance Os Analphabetos e do segundo volume do romance O Sampauleiro e da tradução de um livro descritivo do interior do Brasil escrito pelo francês Ferdinand Denis. 36 Outro passo tomado para concretização de nossa missão foi proceder a buscas nas bibliotecas mas, infelizmente, nada foi localizado. Apesar de por ora sermos obrigados a apresentar um primeiro produto, a tese de doutoramento, a recensio dos documentos pertencentes ao escritor caetiteense continua. A dificuldade consiste no fato de os parentes que possuem algo do escritor não mais se encontrarem na terra natal de Gumes. E de as pessoas negarem possuir material que havia pertencido ao escritor. Buscamos localizar nas bibliotecas particulares e públicas e nos arquivos públicos textos completos ou fragmentos de obras publicados em periódicos: revistas e jornais. Dessa busca, até o momento, só foi localizado um fragmento do romance Os Analphabetos, publicado em 14 de agosto de 1928, no jornal A Tarde. Tentamos localizar o Sr. Silvio Gumes, que atualmente reside em São Paulo, e o Sr. Marcelo Gumes, que mora na cidade de Vitória da Conquista, na expectativa de conseguirmos o restante da obra do escritor, em especial os manuscritos dos romances Pelo Sertão, Vida Campestre, Os Analphabetos e o primeiro volume de O Sampauleiro, que acreditamos estar no poder do Sr. Silvio Gumes. À medida que íamos recebendo esse material, procedíamos à higienização, à leitura superficial para uma primeira organização, à organização dos manuscritos em conjuntos, ao arquivamento dos manuscritos em pastas e à organização cronológica dos jornais. No momento do nosso encontro e início do envolvimento com a obra do autor, acreditávamos que a catalogação dos documentos seria o grande problema a ser resolvido quanto ao projeto que pretendíamos desenvolver. No entanto, ao darmos início às pesquisas, verificamos que a reunião da obra do escritor João Gumes para a constituição do Acervo seria uma tarefa muito árdua e difícil de ser executada. Ainda hoje parece-nos quase impossível 37 reunir a sua produção intelectual e aquilo que o fez um intelectual: a sua biblioteca. Onde estão os livros que Gumes manuseou e leu? Não mediremos esforços para um dia, obviamente não muito distante, conseguir localizar a sua produção e o seu acervo bibliográfico. No desenvolvimento de nossa pesquisa, resgatar os textos de Gumes não foi o único problema com que nos deparamos. Outro tão grave, ou até mais, a depender do ponto de vista de que se encare o problema, é a impossibilidade de seu manuseio. O material recenseado também apresenta problemas sérios de conservação. A leitura de alguns exemplares do jornal A Penna, conforme atesta a figura 11, é impossível, devido às péssimas condições físicas do suporte. Muitos exemplares estão total ou parcialmente destruídos e os que aparentemente se encontram em boas condições de conservação não podem ser manuseados em decorrência do avançado estado de desidratação e do alto nível de acidez; o papel rompe-se ao simples leve toque da mão ao serem abertos. A situação é tão grave que quase não nos restam alternativas. Se abrirmos os jornais para fazermos microfilmagem, escaneá-los ou fotografá-los, corremos o risco de destruí-los por completo. Em contrapartida, se não os abrirmos, não teremos acesso nem a uma parte significativa da produção literária de João Gumes, que foi publicada em forma de folhetim no jornal A Penna como, por exemplo, os romances Pelo Sertão e Vida Campestre, nem às centenas de crônicas que fazem parte de sua produção como jornalista. Se escolhermos esta ou aquela opção estaremos, da mesma forma, cometendo um crime contra a preservação do patrimônio cultural baiano, uma vez que inviabilizaríamos, é claro que de formas distintas, a manutenção e a veiculação do saber produzido pelo intelectual caetiteense. Em relação a outros exemplares do jornal, a situação é um pouco diferente, mas não menos grave: foram recortados e apresentam partes faltantes, justamente nas colunas em que se encontrava um texto de Gumes. A título de ilustração, o exemplar de no 163, página 2, traz publicado um capítulo do romance O Sampaleiro. 38 Justamente nessa coluna, falta metade da página que corresponde à coluna onde iniciava o capítulo do romance. O estado de conservação dos impressos em forma de livro e dos manuscritos não é muito diferente da situação dos periódicos. Dos impressos, o romance Os Analphabetos é o que apresenta piores condições de conservação: papel está amarelado, nota-se a ação de insetos em quase todas as páginas, as margens superior e inferior apresentam rasgos e a parte superior das últimas 5 páginas foi totalmente destruída. O segundo volume do romance O Sampauleiro, quanto aos aspectos físicos do suporte, encontra-se em boas condições de conservação, mas, quanto à mancha escrita, a tinta de péssima qualidade esvaeceu e, em muitas páginas, o conteúdo do texto é praticamente ilegível. Os manuscritos apresentam, na sua grande maioria, um quadro melhor: o suporte revela ação do tempo, está amarelado, em estágio inicial de desidratação, com manchas de tinta, de água e de fungos; o descuido levou ao desaparecimento de fólios de alguns conjuntos. A título de exemplificação, o drama Abolição tem seus últimos fólios rasgados ao meio e a parte inferior, correspondente à 11a cena do último ato, desapareceu. A outra parte desse fólio foi localizada em meio a outros manuscritos. O manuscrito da tradução do livro escrito pelo francês Ferdinad Denis encontrase em ótimas condições de conservação (cf. figura 2), excetuando-se os primeiros fólios. Estes, devido ao fato do volume ser encadernado e à falta de cuidados em seu manuseio, foram colados à capa do livro manuscrito montado pelo próprio João Gumes, impossibilitando, portanto, identificar o título, nome do autor, editora e data de publicação do original em francês. 39 40 Fig. 2: Foto do manuscrito do livro traduzido por João Gumes. Os primeiros fólios encontram-se colados à capa, impedindo a sua leitura. Observa-se o cuidado do autor ao costurar os cadernos de papel almaço e o seu estado de conservação. 41 Fig. 3: Penúltimo fólio do manuscrito do drama Abolição. 42 Fig. 4: Recto do último fólio do manuscrito do drama Abolição. Fig. 5: Verso do último fólio do manuscrito do drama Abolição. 43 Fig. 6: Capa do segundo volume do romance O Sampauleiro. 44 Fig. 7: Contracapa do romance O Sampauleiro. 45 Fig. 8: Fólio do manuscrito do segundo volume do romance O Sampauleiro. 46 Fig. 9: Foto das partituras da música “À memória do Dr. Joaquim Manuel Rodrigues Lima”. Fig. 10: Foto do manuscrito do romance Seraphina e do drama Abolição. 47 Fig. 11: Foto da coleção do jornal A Penna correspondente ao ano de 1898. Observa-se o estado de conservação e a impossibilidade de sua consulta. 48 2.1 A OBRA Visando a realizar uma das propostas apresentadas no item anterior, realizou-se o levantamento preliminar de todos os dados e testemunhos existentes sobre a obra de Gumes, para a conseqüente análise de sua tradição. Até o presente momento foram reunidos: a) dos éditos: • O Sampauleiro: romance de costumes sertanejos Os dois volumes da publicação textual, sendo uma cópia xerox do primeiro volume, gentilmente cedido pela sobrinha do escritor Maria Belma Gumes, e um exemplar do primeiro; parte do manuscrito autógrafo correspondente aos últimos capítulos do segundo volume; e os capítulos do segundo volume publicados no jornal A Penna. • Os Analphabetos • Do romance Os Analphabetos, publicado, em 1927, pela Escola Tipográfica Salesiana, temos um exemplar do impresso bastante danificado devido à ação de insetos e uma cópia xerox de outro exemplar em perfeito estado de conservação. Vida Campestre Do romance Vida Campestre localizaram-se o primeiro e o último capítulo que circularam em 25 de junho de 1914 e em 6 de setembro de 1917, respectivamente, e os folhetins correspondentes aos capítulos XXIV, XXV, XXVI e XXVII, dos quais, infelizmente, não foi possível identificar a data de publicação devido ao estado de conservação dos jornais, faltando justamente a parte superior das folhas, local onde se encontra a datação. • Sorte Grande e A Vida Doméstica • Apesar de Gumes, em O Sampauleiro, ter feito referência aos textos Sorte Grande e A Vida Doméstica como sendo duas comédias, até o momento, nada de concreto pode ser localizado que comprovasse a existência das mesmas. Pelo Sertão 49 Do romance Pelo Sertão localizou-se o primeiro capítulo e a conclusão que circularam em A Penna, em 4 de abril de 1913 e em 27 de março de 1914, respectivamente. b) dos inéditos: • Mourama Do Mourama localizou-se o manuscrito autógrafo do qual fizemos uma leitura paleográfica. • Abolição Do drama Abolição localizou-se o manuscrito autógrafo completo, com emendas autorais e uma cópia do prólogo feita pelo próprio autor. Uma vez que os textos apresentam um número expressivo de emendas autorais, dentre elas, supressões e acréscimos nas entrelinhas superior e inferior, procedeu-se uma leitura paleográfica da versão completa e do prólogo, utilizando uma bateria de sinais, para que as emendas ficassem manifestas ao leitor, principalmente o leitor especialista, que se deparará com um material revelador do processo de construção do texto de Gumes.43 Seraphina Do projeto de romance filosófico, segundo o próprio autor, localizou-se o manuscrito autógrafo dos capítulos que já tinham sido escritos quando da sua morte. c) da produção jornalística: As crônicas publicadas no jornal A Penna correspondem ao período de 19 de dezembro de 1911 a 01 de setembro de 1916, que somam um total de 99 textos e que já foram transcritas.44 Vale dizer que nem todos os exemplares do jornal desse período tiveram condições de manuseio, o que significa que a reunião da produção jornalística ainda não pôde ser concluída. As crônicas, que puderam ser lidas e transcritas, vão relacionadas a seguir: 43 A leitura paleográfica do drama Abolição não faz parte desta tese, porque, em trabalho deste gênero, necessário se faz realizar recortes possíveis de ser, efetivamente, concretizados dentro dos prazos legais. 50 TÍTULO NOTA DE IMPRENTA Programma 19 dez. 1911, n. 1, p.1-2. Êxodo 09 jan. 1912, n . 2, p.1. Ainda o Êxodo 26 jan. 1912, n. 3, p. 1. Micro-Chronica 26 jan. 1912, n. 3, p. 2-3. Educação 09 fev. 1912, n. 4, p. 1. 24 de fevereiro 28 fev. 1912, n. 5, p. 1. Rio Branco 28 fev. 1912, n. 5, p. 2. Rio Branco 15 mar. 1912, n. 6, p.1-2. Açudes 29 mar. 1912, n. 7, p.1. Max Leuret 12 abr. 1912, n. 8, p.1-2. Açudes 26 abr. 1912, n. 9, p.1. O Cobre 10 maio 1912, n. 10, p.1. A ferro-via 24 maio 1912, n. 11, p. 1. Theatro 07 jun. 1912, n. 12, p. 1. Theatro 21 jun. 1912, n. 13, p. 1. Theatro 05 jul. 1912, n. 14, p. 1. Theatro 19 jul. 1912, n. 15, p.1. TÍTULO NOTA DE IMPRENTA Theatro 02 ago. 1912, n. 16, p.1. Theatro 23 ago. 1912, n. 17, p.1. Theatro 06 set. 1912, n. 18, p. 1. Açudes 20 set. 1912, n.19, p. 1. A canna de assucar 08 out. 1912, n. 20, p. 1. Paiz ignoto 18 out. 1912, n. 21, p.1. Paiz ignoto [continuação] 01 nov. 1912, n .22, p. 1. A proposito de K. Martello 15 nov. 1912, n. 23, p. 1. 44 As noventa e nove crônicas recolhidas do A Penna não constituirão corpus do presente trabalho. Serão objeto de outra investigação que em breve concluiremos. 51 19 de dezembro 19 dez. 1912, n. 25, p.1. Renovação 03 jan. 1913, n. 26, p. 1. As engenhocas 17 Jan. 1913, n. 27, p.1. A lavoura: seu estado actual 31 jan. 1913n. 28, p.1,. A lavoura: causas do seu atrazo 19 fev. 1913, n. 29, p.1. A lavoura 28 fev. 1913, n. 30, p.1. Nossa situação 09 mar. 1913, n. 35, p.1. A lavoura: há probabilidade de um futuro prospero 14 mar. 1913, n. 31, p. 1. entre nós? Instituto de Butantan 14 mar. 1913 n. 31, p. 1. Despovoamento do sertão - 11 abr. 1913, n. 33, p.1. Emigração: recrudesce o mal 25 abr. 1913, n. 34, p.1. Emigração: o alpha. Correspondecia de bebedouro 23 maio 1913, n. 36, p.1. n’elle publicada. Hookworm: verme do amarellão. 23 maio 1913, n. 36, p. 4. O emigrante : como se creou o typo entre nós 06 jun. 1913, n. 37, p.1. A victoria do civilismo 20 jun. 1913, n. 38, p.1. Dous de Julho 04 jul. 1913, n. 39, p.1. Açudes: trabalhos da commissão de obras contra as 18 jul. 1913, n. 40, p.1. seccas. A baixa do café: opiniões sobre as causas d’ella. 01 ago. 1913, n. 41, p. 1. Engenhocas: o orçamento deve ser melhor estudado no 15 ago. 1913, n. 42, p.1. art. 30 da tabella n.2 TÍTULO NOTA DE IMPRENTA Pelles: uma riqueza 29 ago. 1913, n. 42, p. 1. Monte Alto: riqueza do município. Optima situação da 12 set. 1913, n. 44, p.1. villa. Monte Alto: riqueza do município. Optima situação da 26 set. 1913, n. 45, p.1. villa. [Continuação] Retorno 10 out. 1913, n. 46, p.1. Repatriamento 05 dez. 1913, n. 50, p.1. Rememorando 19 dez. 1913, n. 51, p.1. 52 Invasão 02 jan. 1914, n. 52, p.1. Contra as seccas 30 jan. 1914, n. 54, p.1. Clama: ne cesses 13 fev. 1914, n. 55, p. 1. A eleição 27 fev. 1914, n. 56, p. 1. A catastrophe 27 mar. 1911, n.58, p. 1. Meios de transporte 10 abr. 1914, n. 59, p.1. As festas ao 2 de julho 9 jun. 1914, n. 64, p.1-2. Achamo-nos 25 jun. 1914, n. 62, p.1. As estradas: são ellas o elemento do qual depende em 25 jun. 1914, n. 63, p.1. Situação angustiosa: falta-nos tudo. assediados. Habeas corpus primeiro lugar o nosso progresso. Cemiterios: ruinas e abandono. 23 jul. 1914, n. 65, p.1. Pelo commercio: um problema a resolver 06 ago. 1914, n. 66, p.1. A emissão do papel 03 set. 1914, n 68, p.1. Imprevidência 12 nov. 1914, n. 71, p.1. O fogo: como meio de amanho da terra 26 nov. 1914, n 72, p.1. Conciliação 19 dez. 1914, n. 73, p.1. [Não vimos, por estas linhas, assignalar grandes 19 dez. 1914, n. 73, p.1. conquistas...] O anno que vae-se 31 dez. 1914, n. 75, p. 1. Conciliação 28 jan. 1915, n. 76, p. 1. O correio 11 fev. 1915, n. 77, p.1. Ainda o correio 25 fev. 1915, n.78, p.1. TÍTULO NOTA DE IMPRENTA Exploração 11 mar. 1915, n. 79, p.1. O correio 25 mar. 1915, n. 80, p. 1. Tivemos correio !! 08 abr. 1915, n. 81, p. 1. 14 de abril 22 abr. 1915, n. 82, p.1. Exodo 03 jun. 1915, n. 86, p.1. A secca: este alto sertão da Bahia tambem norte e acha- 17 jun. 1915, n. 87, p.1. se Associado pela secca 01 jul. 1915, n. 88, p.1. 53 A epidemia 15 jul. 1915, n. 89, p. 1. Epidemia? 29 jul. 1915, n. 90, p. 1. Ainda a epidemia 26 ago. 1915, n. 92, p.1. Rainha do sertão? 21 out. 1915, n. 96, p. 1. Choveu 04 nov. 1915, n. 97, p. 1. 15 de novembro 18 nov. 1915, n 98, p. 1. Mendicancia 02 dez. 1915, n. 99, p. 1. Um quatriennio 19 dez. 1915, n. 100, p. 1. Os nossos males 12 fev. 1916, n. 104, p.1. As searas 24 fev.1916, n. 105, p. 1. Exprobrações 10 mar. 1916, n. 106, p. 1. O café 23 mar. 1916, n. 107, p. 1. O mercado 06 abr. 1916, n 108, p. 1. O açude da cachoeirinha 20 abr. 1916, n. 109, p. 1. Triste 04 maio 1916, n. 110, p. 1. Riacho de S. Anna versus Caeteté 18 maio 1916, n. 111, p. 2. Os nossos productos 01 jul. 1916, n. 112, p. 1. Theatro 15 jun. 1916, n. 113, p. 1. Do presente ao futuro 29 jun. 1916, n. 114, p. 1. Em abandono 20 jul. 1916, n. 116, p. 1. Os mercados públicos 04 ago. 1916, n. 117, p. 1. Unamo-nos 01 set. 1916, n. 119, p. 1. d) se outros trabalhos: Da obra dispersa de João Gumes localizou-se ainda uma tradução de um livro de história do Brasil cujo original é em língua francesa; a partitura de uma música intitulada À memória do Dr. Joaquim Manuel Rodrigues Lima; a certidão para inscrição do jornal A Penna, datada de 20 de fevereiro de 1924 e assinada pelos membros da sociedade: João Antônio dos Santos Gumes e seus dois filhos Saadi Rutilho dos Santos Gumes e Luiz Antônio dos Santos Gumes; o contrato de constituição de uma sociedade mercantil e industrial da 54 "Empreza Typografica d'A Penna estabelecida no prédio no. 17, à rua 2 de Julho", datado de 1º de janeiro de 1921, constando ainda as assinaturas dos três sócios; e o livro de Registro de Assignantes d' A Penna entre 1924 a 1927. O livro de assinaturas, organizadas em ordem alfabética,traz uma lista com 442 nomes de assinantes com a indicação da cidade onde residem. As buscas das obras foram (e continuam sendo) realizadas nos acervos públicos e particulares, bem como nas bibliotecas públicas e particulares da cidade e da região sudoeste do estado da Bahia e em vários outros lugares. Após a conclusão da recencio, o acervo da obra de João Gumes deverá ser constituído de manuscritos e das edições em livros e em periódicos em vida e post mortem do autor. 2.2 SOBRE O CONTEÚDO DE ALGUNS TEXTOS 2.2.1 O Sampauleiro O Sampauleiro, romance escrito entre 1917 e 1929, quando se intensificava a emigração do homem simples do campo para São Paulo, publicado primeiramente em folhetins quinzenais no jornal A Penna durante um longo período que não pode ser 55 determinado com precisão, porque a coleção de que dispomos ainda se encontra incompleta, sendo possível apenas consultar os folhetins que correspondem ao segundo volume. Em 1929, toma fomato de livro na própria gráfica do jornal. Trata do movimento dos sertanejos em direção aos estados do Sul à procura do eldorado. Nele o autor descreve o sofrimento do homem do campo com as freqüentes e duradouras secas que o obriga a deixar suas propriedades e seus familiares em estado de flagelo para partir em busca de soldos que possam lhes garantir a sobrevivência. Característico dos romances que se prestavam à divulgação em folhetim45, apresenta quatro personagens principais: o herói, João Lopes, a heroína, Maria da Conceição, o vilão, Abílio, e o amigo e protetor, Professor Serafim. 2.2.2 Os Analphabetos Os Analphabetos, romance escrito em 1927 e publicado em 1928 pela Escola Tipográfica Salesiana em Salvador, é, segundo o próprio autor, uma obra de propaganda contra o analfabetismo na região. Descreve os costumes e crenças do homem simples e rude do campo. Marcolino, o pai do protagonista do romance, é a representação do homem simples do sertão baiano, desprovido de instrução, limitado a reproduzir e a perpetuar os valores herdados de seus antepassados. Por esta razão, considera o conhecimento adquirido através dos livros algo maléfico ao ser humano, porque o transforma em ser pensante e revolucionário. 45 Cf. Marlyse MEYER. Folhetim: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 472p. Consulte ainda Antônio HOHLFELDT. Deus escreve direio por linhas tortas: o romance-folhetim dos jornais de Porto Alegre entre 1850 1 1900. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. 321p. 56 2.2.3 Pelo Sertão Apesar de a contracapa do romance O Sampauleiro trazer a informação de que é um texto inédito, Pelo Sertão circulou em A Penna, no período de 4 de julho de 1913 a 27 de março de 1914. Segundo o próprio autor, descreve os costumes da zona alto-sertaneja. 2.2.4 Vida Campestre Vida Campestre provavelmente circulou em A Penna entre 25 de junho de 1914 e 6 de setembro de 1917 (a primeira data refere-se ao início e a última à conclusão). Sobre o seu conteúdo pouco se pode dizer porque os capítulos localizados oferecem apenas algumas pistas. Entretanto, dois fatos autorizam a inferir que trata dos costumes do homem sertanejo e do folclore da região. O primeiro é que, conforme Gumes, no segundo volume d'O Sampauleiro, ao tratar das "queimadas", diz: "Na “Vida Campestre”, nosso trabalho ainda infelizmente inédito, já fizemos uma demorada descrição desses incêndios." O segundo é que a contracapa do romance O Sampauleiro traz: "VIDA CAMPESTRE – (Interessante romance de folklorismo desta zona). Inédito". Viu-se que no capítulo X, às linhas 103-110, e na contracapa do romance O Sampauleiro, Gumes faz referência a sua obra Vida Campestre como sendo um texto ainda inédito. Interessante observar que, em 1929, quando a obra que traz essas informações foi publicada, Vida Campestre já havia circulado em folhetim, como atestam os exemplares do A Penna que circularam em 25 de junho de 1914 e em 6 de setembro de 1917. Ao chamá-la de 57 "obra inédita" Gumes poderia ter se equivocado ou, simplesmente, não considerava a veiculação de um texto em periódico como uma forma de publicação que o tornaria um édito. 2.2.5 Abolição Gumes classifica a obra como comédia drama. É um texto inédito que trata da permanência da escravidão na região das Serras Gerais após a abolição, ou seja, depois de assinada a Lei Áurea que proibia essa prática no Brasil. O drama, composto de um prólogo e três atos, apresenta onze interlocutores, a saber: Alferes Bonifácio, o solteirão Rocha, o negociante de escravos Antenor de Sá, Dr. Francisco de Oliveira, o escravo Domingos, Conselheiro Santos, o protagonista Capitão Sescuando, Antônio, Emília e Ussina. Apesar de não ter sido publicado, provavelmente, esta é a obra de João Gumes mais conhecida na atualidade, talvez, seja porque, em vida do autor, foi encenada repetidas vezes e ainda costuma ser encenada nas comemorações cívicas. 2.2.6 Seraphina Seraphina é um projeto de romance moralizador e filosófico. O manuscrito doado ao Arquivo Municipal de Caetité está incompleto. Gumes apenas escreveu os cinco primeiros capítulos, a saber: A velha Margarida, O aprisco e o pastor, A recém chegada, Contrariedades, Nunca estamos isolados. Do sexto capítulo Gumes deixou apenas o seu título: O club. 58 A contracapa do romance O Sampauleiro traz a seguinte informação a respeito dessa obra: "SERAPHINA - romance moralisador e philosophico. Inédito." Diante desta informação, pergunta-se: Na contracapa de um livro, onde estão listadas as "OBRAS DO MESMO AUTOR" ,Gumes incluiria o título de um texto que apenas era projeto? Ele já teria concluído o seu texto e, por uma razão qualquer, resolveu passar a limpo o que escevera, não dispondo mais de tempo suficiente para concluí-lo e o deixando incompleto? Se o romance foi concluído, onde estão os seus originais? 2.2.7 Mourama Mourama, texto inédito, trata dos costumes sertanejos. Manuscrito autógrafo completo, classificado por Gumes em auto comédia. 2.2.8 Sorte Grande e A Vida Doméstica As obras Sorte Grande e A vida doméstica também aparecem, na contracapa do romance O Sampauleiro, no rol das "OBRAS DO MESMO AUTOR", somente com a indicação de serem comédias. Como ainda não foram localizadas, inferências a respeito do seu conteúdo não podem ser feitas. Pelas mesmas razões que expusemos no item 2.2.6, não sabemos se as duas comédias de fato foram escritas, apesar da segunda ter sido citada, na Enciclopédia de literatura brasileira46, com o título A intriga doméstica, como uma das produções de Gumes. Estas e outras dúvidas somente serão solucionadas quando os manuscritos forem localizados ou, quem sabe, quando a coleção de A Penna estiver completa e for possível consultá-la. 2.2.9 Outros trabalhos 46 Cf. Afrânio COUTINHO, J. Galante de SOUSA, citado à n. 26. 59 2.2.9.1 A tradução Gumes também se dedicou à tradução de um livro de história do Brasil escrito em francês. A obra descreve com riqueza de detalhes vários aspectos da flora, da fauna, da vida e dos costumes do povo brasileiro. O manuscrito doado por dona Heloisa ao Arquivo Municiopal de Caetité, pela letra cuidada, pela falta de emendas e pelas gravuras ilustrativas que foram cuidadosamente coladas, compondo uma unidade significativa, tem características de um texto passado a limpo. Os cadernos de papel almaço foram costurados formando um grosso volume que recebeu uma capa dura. Infelizmente, apesar da dedicação e do zelo de Gumes, os seus primeiros fólios foram colados à capa, impedindo que as informações sobre autoria da obra original e título fossem identificados. A identificação só se concretizará quando for viável a sua restauração para separar os dois primeiros fólios da capa. 2.2.9.2 A partitura de música A partitura da canção À memória do Dr. Joaquim Manuel Rodrigues Lima consta de 12 folhas, com a mancha escrita apenas no recto, não numeradas. No ângulo superior esquerdo de cada folha lê-se: Canção/ Rodrigues Lima. É uma composição de Ernesto Dantas Barbosa sendo Gumes encarregado de elaborar a partitura. Conforme sugere o próprio título, trata-se de uma homenagem post mortem a seu ilustre conterrâneo: primeiro governador do Estado da Bahia eleito pelo voto direto. 60 3 A CONSTRUÇÃO DO TEXTO DE JOÃO GUMES 3.1 INTRODUÇÃO Do exposto até o momento dá para se ter uma idéia da diversidade de possibilidades de estudos que podem ser desenvolvidos com a obra de João Gumes. Resumidamente, elencam-se três recortes viáveis. A primeira seria submeter os textos ao tratamento da Critica Textual Moderna, preparando edições críticas para os textos impressos e edições crítico-genéticas ou genéticocríticas para os textos que apresentam testemunhos manuscritos, esclarecendo o processo de criação do Autor, que deixa marcas de manipulação no texto. Essas marcas são correções autógrafas, estilísticas e lingüísticas, que determinam a seleção realizada pelo escritor entre as diversas possibilidades que o sistema lingüístico lhe oferece ao construir o texto. Desse modo, faz-se um estudo genético da prosa de Gumes, visando depreender como o autor constrói o seu texto, quais os instrumentos que utiliza e quais são os seus hábitos. Estar-se-ia, portanto, buscando caracterizar o seu usus scribendi e o seu modus faciendi. A segunda seria traçar a história de vida do escritor a fim de caracterizar históricosocialmente o período em que ele viveu, registrando a sua atuação como jornalista, fazendo-se o inventário de sua produção intelectual, inserindo-o no meio literário baiano de seu tempo, e, principalmente, avaliando os seus escritos mais relevantes. Seja qual for o caminho que se trilhe, o trabalho a ser desenvolvido deverá registrar a memória cultural e garantir a sua permanência porque, tornando transparente a produção de Gumes, desvelando as primeiras incursões literárias dos escritores baianos e detectando a importância documental dessa 61 produção através de uma leitura ancorada na metodologia do gênero, haverá uma contribuição sobremaneira válida para que as lacunas da historiografia literária baiana possam ser preenchidas. Enfim, com esse resgate, utilizando-se do periódico fundado por João Gumes, pode-se reconstruir a vida cultural da região sudoeste do estado da Bahia naquele período porque, apropriando-se das idéias de Di Decca47, é através da vida guardada pelos grupos vivos e, em seu nome, que ela está permanentemente aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, vulnerável a todas as utilizações e manipulações, susceptíveis a longas latências e a súbitas revitalizações. A história é reconstrução sempre problemática e incompleta daquilo que já não é mais. A memória é um fenômeno sempre atual, uma ligação do vivido com o eterno presente. A terceira seria estudar o léxico da obra do autor a fim de caracterizar tanto os seus usos lingüísticos específicos como a língua utilizada por seus contemporâneos daquela região. Assim também se estaria resgatando os aspectos sócio-culturais do Sudoeste baiano, pois, como é sabido, o léxico de uma língua é constituído por um conjunto de vocábulos que representa a herança sócio-cultural de uma comunidade. Apropriando-se de Matoré48, poderse-ia dizer que a palavra analisa e objetiva o pensamento individual, tendo um valor coletivo, pois a sociabilidade é própria da língua. E, por essa razão, torna-se testemunha da própria história dessa comunidade, assim como de todas as normas sociais que a regem. O estudo sobre o léxico permite compreender os conceitos e as ocorrências da vida cotidiana, por ser modelo e modelador de uma cultura. Um outro aspecto que também deve ser considerado importante é que no estudo da formação de uma dada língua faz-se necessário levar em consideração a influência 47 Cf. Edgard Salvadori DI DECCA. A memória e a cidadania. In: DI DECCA, Edgard Salvadori. Direito à memória: patrimônio histórico e a cidadania. São Paulo: DPH, 1992.p. 129-135. 48 Cf. George MATORÉ. La méthode en léxicologie. Paris: Didier, 1953. p.37. 62 exercida pelo ambiente através da experiência social. Esse contato entre língua e realidade irá determinar a linguagem como reflexo da realidade e, sobretudo, como força geradora da imagem do mundo que o indivíduo possui. Genericamente, pode-se considerar como princípio o fato de que um vocábulo é aceito como elemento da língua, a partir do momento em que ele passa a exprimir todos os valores de um determinado grupo social e, sobretudo, satisfazer suas necessidades. A língua concebida como um organismo vivo e dinâmico encontra-se em contínuo processo de transformação, e essas transformações são explicadas pelo próprio funcionamento da língua. Elas são motivadas por vários fatores, como por exemplo, geográficos, sócioculturais e históricos. E, por mais reduzido que seja um espaço geográfico, o estado natural de uma língua nele inserida é o estado da mutabilidade. Toda essa dinamicidade da língua evidencia-se, sobremaneira, no seu léxico, nível lingüístico que melhor documenta o modo como um povo vê e representa a realidade em que vive. O vocabulário de um determinado grupo social atesta seus valores, suas crenças, suas formas de nomear os referentes do mundo físico e do universo cultural nas diferentes épocas da história. Ou seja, o vocabulário de uma língua expressa a mutabilidade das estruturas sociais e a maneira como uma dada sociedade vê e representa a realidade. Daí acreditar que o vocabulário da obra regional de João Gumes mereça ser objeto de estudo. Estudar o léxico da obra de um escritor regionalista e realista como Gumes é de fundamental importância para a caracterização de seus usos lingüísticos específicos e da língua utilizada por seus contemporâneos em uma dada região. Uma leitura, mesmo que superficial, da obra de João Gumes aponta algo bem particular em relação à escolha dos itens lexicais. Os seus textos literários de caráter regional revelam certa predileção pelo uso de um vocabulário de “cor local”. Nessas obras, percebe-se 63 que o autor tem duas intenções: 1) documentar todos os hábitos e costumes da região sudoeste do estado da Bahia, especialmente os da cidade de Caetité e de cidades circunvizinhas; 2) documentar/registrar os vocábulos utilizados por seus contemporâneos. Essa intencionalidade é explicitada pelo próprio autor no prefácio do romance Os Anaphabetos: “Continuando o meu propósito de tornar conhecida esta região em tudo quanto concerne ao seu interesse e aproveitamento dos seus opulentos recursos, considerei que o melhor meio era escrever narrativas de fatos verossímeis acompanhados de descrição do nosso território e costumes do povo sertanejo. (...) o romance, a novella, ou qualquer trabalho d'este genero, é o que melhor propaganda faz.” 49 Os textos literários que tratam de outra temática e as crônicas publicadas no jornal A Penna não apresentam a mesma característica. Nesses textos, diferentemente daqueles, talvez movido por outras razões, principalmente com o objetivo de disseminar conhecimento e de contribuir para “combater o analfabetismo reinante na região”, Gumes parece ter dado preferência a termos mais “eruditos”, sobretudo de origem latina. Nesse caso também se percebe a presença de palavras, expressões e frases em latim, italiano e francês. Conforme foi demonstrado anteriormente, podem-se enfocar aspectos diferentes da obra de João Gumes, mas, infelizmente, os prazos que devem ser obedecidos para o bom andamento de um programa de pós-graduação, durante o processo de elaboração de uma tese de doutoramento, são relativamente curtos, fato que obriga a escolher a primeira opção apresentada, ou seja, submeter os textos ao tratamento da Crítica Textual Moderna. Mesmo optando por este recorte, faz-se ainda necessário delimitar o objeto de estudo. O material já reunido de Gumes consta de alguns textos que merecem e devem receber o tratamento científico da Crítica Textual Moderna. Editar todo o conjunto demanda muito tempo, por isso, elegeu-se o romance O sampauleiro porque esse texto, na perspectiva da Crítica Textual, é o 64 que apresenta as melhores condições para serem aplicados os procedimentos metodológicos concernentes à preparação de uma edição crítica. 3.2 PARA UMA EDIÇÃO CRITICA DE O SAMPAULEIRO A Crítica Textual Moderna procura editar a última versão de um texto. O seu material de trabalho são os textos de autores modernos, cuja tradição é marcada pela variação dos originais manuscritos ou das edições avaliadas pelo autor. A possibilidade de estudar estes novos objetos levou os editores de textos modernos a rever alguns comportamentos, reformular alguns instrumentos teóricos e metodológicos e criar outros. E, conseqüentemente, abriu também novas possibilidades de estudo: fazer a edição crítica com texto-base autógrafo ou autorizado pelo autor (Critica Textual Moderna), e estabelecer a dinâmica do processo criativo a partir das marcas de correções de vários tipos deixadas pelo autor nos seus manuscritos (Crítica Genética). A Crítica Textual Moderna tem procurado estabelecer parâmetros científicos em conformidade com o texto moderno, definido por sua organização interna e pelas determinações contextuais. Impõe-se como questão relevante observar o modo de proceder em relação à organização da produção regionalista de um escritor cuja obra foi produzida ao longo de algumas décadas. Conforme já se disse, a necessidade de resgatar o patrimônio cultural de um povo não é uma preocupação da modernidade, sua origem remonta aos gregos. Nesse sentido as duas disciplinas, a Crítica Textual e a Crítica Genética, atuariam conjuntamente em favor do texto editado, analisando-se tanto os procedimentos da 49 Cf. João GUMES. Os analphabetos, citado à n. 3, p.8. 65 organização textual como a recepção do texto, apresentando-os como traços que devem fornecer subsídios para uma teoria geral do processo de criação. A filologia textual tem revelado o quanto é importante estudar o processo de criação do texto artístico, partindo-se dos resquícios que sobrevivem no trabalho de construção do discurso. Um estudo desta natureza reverte, sem dúvida, em benefício para o estabelecimento crítico do texto. Almulh Grésillon,50 por exemplo, defende que os editores e os geneticistas devem trabalhar juntos. Estes ocupando-se do processo de criação, aqueles estabelecendo o texto definitivo, mas ambos comungando do objetivo de dar relevo à textualidade literária. Tavani também compartilha de tal idéia. Segundo ele,51 a colaboração da Crítica Genética para a Crítica Textual pode ser muito mais preciosa do que a tradicional colaboração entre editores e historiadores. Em outro trabalho,52 aponta a Crítica Genética e a Manuscriptologia como duas disciplinas que muito contribuem para o estabelecimento do texto. Tavani ainda aponta a necessidade de definir princípios teóricos gerais e critérios básicos rigorosamente científicos, mas flexíveis e adaptáveis às particularidades de cada situação textual, para que a subjetividade exerça influência. Diz que, numa edição crítica, o objetivo deve estar na fixação do texto e que, quando se leva em consideração o processo de criação literária, se está buscando atender à exigência de fixar um texto, de restituí-lo em sua integridade, de estabelecer a realidade planejada e realizada pelo autor. 50 Cf. Almuth GRÉSILLON. Eléments de critique génetique: lire les manuscrits modernes. Paris: PUF, 1994. p.202 51 Cf. G. TAVANI. Los textos del siglo XX. In: LITTERATURE LATINO-AMERICAINE ET DES CARAÏBES DU XX SIÈCLE: THÉORIE ET PRATIQUE D’ EDITION CRITIQUE. Roma: Bulzoni, 1988. p.55-56. 52 Cf. G. TAVANI. Le Texte: son importance, son intangibilité. In: LITTERATURE LATINO-AMERICAINE ET DES CARAÏBES DU XX SIÈCLE: THÉORIE ET PRATIQUE D’ EDITION CRITIQUE. Roma: Bulzoni, 1988. p. 34. 66 Luiz Fagundes Duarte, em Prática de edição: onde está o autor?,53 diz que, dependendo do material de que o filólogo dispõe, uma edição crítica de textos modernos deve ser crítico-genética. Enquanto crítica, procura estabelecer o texto mais próximo da intenção final do autor; enquanto genética, busca documentar o percurso seguido pelo escritor na construção de seu texto. Aquele que recebe o tratamento critico-genético terá, portanto, a sua fixação mais autorizada e um aparato crítico-genético ou genético- crítico. O aparato crítico registra as variantes da tradição impressa e o aparato genético reconstitui de modo codificado a evolução da escrita de uma determinada passagem do texto. Duarte apresenta algumas situações com as quais o editor pode se deparar. Enquanto o editor crítico deve trazer à tona o texto que contém a última vontade do autor e limpá-lo das adulterações introduzidas pela tradição, partindo-se do postulado de que a obra, quando foi elaborada por seu autor, tinha como objetivo primeiro ser lida por outra pessoa; o geneticista deve lidar com o manuscrito autógrafo trabalhando com as obras publicadas sob as vistas do autor ou com as obras não terminadas ou deixadas inéditas. As informações genéticas são preciosas porque permitirão ao geneticista identificar o modus faciendi característico do autor e deduzir uma matriz estilística. Diz ainda que cabe ao editor crítico genético a tarefa de apresentar ao leitor um texto legível, não como o texto final, mas como o nível máximo a que conduziu o processo. Entretanto, não sendo possível estabelecer a vontade derradeira do autor, deve-se considerar a pluralidade de vontades que se manifesta entre o primeiro jato de escrita e o nível terminal do manuscrito. Telê Porto Ancona Lopez54 assinala a impossibilidade de se relacionarem manuscritos a uma edição crítica sem recorrer ao auxílio da Crítica Genética. O manuscrito 53 Cf. Luiz Fagundes DUARTE. Prática de edição: onde está o autor? In: ENCONTRO INTERNACIONAL DE PESQUISADORES DO MANUSCRITO E EDIÇÕES, 4. GÊNESE E MEMÓRIA. Org. Philippe Willemart. Anais... São Paulo: ANNABLUME, 1995. p. 335-376. 54 Cf. Telê Porto Ancona LOPEZ. Manuscrito: dimensões. Manuscrítica, 7. São Paulo, p. 39, mar. 1998. 67 moderno caracteriza-se por ser um texto marcado por alterações de toda ordem, substituições, deslocamentos, acréscimos e supressões que expressam vontades do autor. O texto artístico, resultado de uma cultura, dita o comportamento a ser adotado pelo editor, podendo ser analisado em diferentes ângulos: narratologia, psicanálise, semiótica, poética etc. As reflexões que aqui foram expostas definem os procedimentos que poderão ser adotados também na edição dos textos do escritor baiano João Antônio dos Santos Gumes. Desse modo far-se-á o uso de estratégias metodológicas que procurem englobar a elaboração de edições críticas de textos modernos, orientando-se pelos princípios teóricos preconizados pela Crítica Textual Moderna, considerando que editar criticamente um texto de autor moderno leva, na medida do possível, a um tratamento genético de seus manuscritos. O nosso objeto – o texto de João Gumes – tem-se apresentado sob formas diferentes, completo, incompleto, inacabado, em prosa, com muitas ou poucas correções lingüísticas e estilísticas, consubstanciadas em supressões, substituições e acréscimos. Os autógrafos apresentam uma quantidade razoável de dados materiais, contabilizáveis e comparáveis, reveladores de manipulação do texto pelo autor. A leitura dos autógrafos de João Gumes oferece elementos que nos permitem inferir: o escritor deixa marcas lingüísticas que revelam o seu usus scribendi, fato que particulariza o seu modus faciendi diante de outros escritores. É através dessas marcas deixadas nos manuscritos e da escolha vocabular que o autor expressa sua visão de mundo e sua intenção poética, além disso, dialoga com as obras que o precedem, ao tempo que elabora seu texto pressionado pela tradição literária. A partir do estudo dos manuscritos do escritor que tenham versões diferentes de um mesmo testemunho, poder-se-ia apresentar a gramática estilística de João Gumes. Para 68 tanto, procura-se seguir o método lingüístico aplicado por Luiz Fagundes Duarte55 aos autógrafos de Eça de Queiroz, fazendo-lhes, é claro, os ajustes necessários de acordo com os manuscritos de Gumes. O método demonstrado por Luiz Fagundes Duarte tem como objetivo definir a peculiar estrutura gramatical que está subjacente a cada um dos momentos de escrita, reescrita, correção, e correção a correção. Constitui-se de seis etapas, a saber: 1) constituição de uma amostra representativa do corpus, abarcando todos os testemunhos disponíveis; 2) marcação dos níveis e momentos de todas as transformações textuais; 3) classificação por classe gramatical, 4) elaboração de cálculos estatísticos acerca da distribuição de cada classe em termos tipográficos; 5) elaboração de probabilidade; 6) matriz de probabilidade de ocorrências.56 É possível encontrar no espólio de João Gumes textos em que se podem notar as marcas que se registram ao longo da produção textual. O autor põe em confronto diversos materiais lingüísticos, que vai testando, pondo em prática mecanismos de recusa, substituição, acréscimos, até encontrar ou não aqueles que melhor servem para as suas representações da realidade. Nesses documentos autógrafos, pode-se observar que, na tentativa de alcançar o texto "perfeito", mais elaborado, procede a leituras, releituras e reformulações da linguagem. Essas reformulações consistem em reorganizações locais limitadas ao texto, manifestadas na pontuação, na ordem das palavras, nas construções sintáticas, nas escolhas de termos gramaticais e lexicais. 55 Cf. Luiz Fagundes DUARTE. A fábrica dos textos: ensaios de crítica textual acerca de Eça de Queiroz. Lisboa: Cosmos, 1993. 56 A professora Dra Rosa Borges Santos Carvalho, em sua tese de doutorado defendida em 2001, na Universidade Federal da Bahia, analisou exaustivamente os textos relativos ao mar que compõem a Coletânea poemas do mar do poeta baiano Arthur de Sales, aplicando-lhes o método demonstrado por Fagundes Duarte. O seu trabalho é excelente modelo de aplicação desse método a autores brasileiros. Cf. CARVALHO, Rosa Borges Santos. 69 Mas o editor da obra de Gumes não poderá perder de vista o que se subentende da leitura de sua obra: seu desejo em tornar público os seus romances, único meio, segundo ele, de contribuir para divulgação da cultura local e da dissiminação do conhecimento livresco na região onde vivera. Tendo isso como ponto de referência, o editor crítico deve, antes de realizar qualquer outro trabalho com a obra do escritor baiano João Gumes, trazer à tona o texto que contém a última vontade do autor e limpá-lo das adulterações introduzidas pela tradição, partindo do postulado de que a obra, quando fora elaborada, tinha como objetivo primeiro ser lida. Por isso, não consistirá meta desta tese identificar e interpretar, sistemática e estatisticamente, as marcas reveladoras do processo de construção do discurso de João Gumes, nem se terá como propósito último traçar o matrizamento da sua gramática estilística, como fizera Fagundes Duarte em A fábrica dos textos57. Aqui, pelo contrário, oferecerá elementos para que os geneticistas e/outros especialistas, que têm como objeto de trabalho os manuscritos literários, sobre eles se debrucem e realizem as suas análises e conclusões. Constitui como pretensão propor apenas a elaboração de uma edição crítica para o segundo volume do romance O Sampauleiro, pelas razões acima apresentadas. Edição crítico-genética dos "Poemas do mar" de Arthur de Salles. 2001. 901f. Tese de Doutorado orientada por Dr. Nilton Vasco da Gama, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1999. Cf. Luiz Fagundes DUARTE. A fábrica dos textos: ensaios de crítica textual acerca de Eça de Queiroz. Lisboa: Cosmos, 1993. 70 3.2.1 O Sampauleiro: do manuscrito ao texto definitivo 3.2.1.1 Descrição O Sampauleiro, romance em dois volumes, concluído em 8 de dezembro de 1929, apresenta três testemunhos: um manuscrito autógrafo contendo apenas os últimos capítulos do segundo volume; e dois éditos: uma publicação em folhetim em A Penna e outra em livro, sendo uma cópia xerox do primeiro volume e um exemplar do segundo. (Cf. item 2.1 A OBRA) GUMES, João Antonio dos Santos. O Sampauleiro. Caetité, 1929. O manuscrito, autógrafo, de texto não definitivo, apresenta um número significativo de emendas autorais. Mancha escrita lançada no recto e no verso do papel almaço amarelado, desidratado, pautado, em tinta azul. Letra regular, bem traçada. Encontrase incompleto, desordenado, assinado e datado. Agentes químicos externos, cola e tinta, prejudicam a leitura de algumas partes. Números arábicos no ângulo superior direito indicam a numeração dos fólios. GUMES, João Antonio dos Santos. O Sampauleiro. A Penna, Caetité, 1918- 1929. 71 Testemunho publicado em edições quinzenais no jornal A Penna. Alguns exemplares não podem ser manuseados devido ao estado físico do suporte: papel desidratado, decompondo-se ao simples toque das mãos. Os números que se acham em condições de manuseio apresentam dificuldade de leitura ora pela impressão de má qualidade ora pelas condições materiais do papel: rasgões nas bordas, furos provocados pela ação de insetos e produtos químicos, e pela ação do homem que recorta, rasga, risca. Os capítulos do romance estão distribuídos em 3 ou 4 colunas das páginas do jornal A Penna, com a indicação do título da obra: O SAMPAULEIRO, do capítulo em algarismos romanos: XX, seguida da expressão Continuação, quando for o caso. Após o texto, vem a indicação da autoria de João Gumes. GUMES, João Antonio dos Santos. O sampauleiro: romance de costumes sertanejoos. Caetité: A Penna, 1929. 2v. Primeira publicação textual completa, editada pela Tipografia D’A Penna- Gumes & Filhos, Caetité, Bahia. Composta em dois volumes, formato 10 cm x 14 cm, com capa dura, vermelha. O primeiro e o segundo volumes trazem na folha de rosto: o nome do autor, JOÃO GUMES, em tipo de letra diferente e maior, o título e subtítulo, O SAMPAULEIRO. Romance de costumes sertanejos, a indicação da casa publicadora e local, TYP. D’A PENNA – Gumes & Filhos – CAETITÉ – BAHIA. Volume 1: contém um A Modo de Prefácio e três partes, a saber, O Sampauleiro, subdividido em capítulos I e II; SEGUNDA PARTE, Sr. Seraphim, sem subdivisão em capítulos; TERCEIRA PARTE, Maria da Conceição, subdividida em 29 capítulos, perfazem um total de 292 páginas. Volume 2: dividido em duas grandes partes, a saber, QUARTA PARTE, Migração, subdividido em 11 capítulos; QUINTA PARTE, Abilio em acção, subdividido em 23 capítulos; e uma conclusão intitulada PARA FINALIZAR, totaliza 384 páginas. 72 3.2.1.2 Enredo Gumes, no primeiro volume do romance O Sampauleiro, trata do funcionamento dos garimpos em Diamantina das Lavras, do abandono das atividades agrícolas em busca de fortuna rápida, através da extração de pedras preciosas e do ciclo econômico, social e cultural na região do Alto Sertão Baiano. Descreve as atividades agrícolas e vegetação da região. No segundo volume, estuda a migração no Alto Sertão Baiano, apontando os principais fatores e as conseqüências do fenômeno. A seguir, apresenta-se o enredo dos dois volumes do romance. V. 1 A história é narrada pelo amigo do Sr. M. que, depois de dias cavalgando pela região do Alto Sertão Baiano, com o amigo param em uma modesta e asseada casa a que pedem pouso. São gentilmente recebidos, têm sua refeição preparada e se encantam com o tratamento que lhe foi dispensado e com a beleza da respeitosa dona da casa. Após a refeição e o merecido descanso, continuam a viagem, mas, como não conhecem as estradas, tomam uma direção errada que os leva à casa do Senhor Serafim. Este dá abrigo aos dois. Durante a estadia, os viajantes, através do professor Serafim, descobrem que aquela generosa senhora era mais uma vítima do processo de emigração instalado naquela região que obrigava muitos bons pais de famílias a abandonarem seus lares em busca do Eldorado em São Paulo. 73 O amigo do Sr. M., após ouvir o professor Serafim, narra a história de vida do mestre-escola, como ele chegou a Caetité e como conheceu os personagens principais: a sua comadre Maria da Conceição, o esposo João Lopes e o malvado Abílio que, fazendo-se de amigo, praticava muitas crueldades contra o jovem casal. Serafim, filho de uma mulata e de um português, nasce em São Felix do Paraguaçu e ainda criança perde os pais e tudo que possui em uma enchente. Revoltado com o infortuito que a vida lhe reservou, parte sem destino. Anda vários dias sem rumo até que chega a Diamantina das Lavras, cidade para onde todos corriam em busca de diamantes. Não lhe restando outra opção e motivado pela esperança de encontrar uma boa e grande pedra preciosa, resolve também se dedicar à atividade de extração de pedras preciosas. O esforço de seu arduo trabalho no garimpo rende-lhe poucos frutos. Certo dia, o seu bom e fiel escravo, após seguir seu rastro por todos os lugares por onde passara, o encontra. Movido pelo dever de ajudar o amo a obter riquezas, lança-se ao ofício de garimpar em regiões muito perigosas. Durante uma gananciosa e perigosa tentativa de encontrar uma “boa pedra” sofre um acidente e tem uma de suas pernas amputada. Não agüenta o sofrimento da perda da perna e a infecção que se alastra em seu corpo e morre. O jovem novamente sozinho, abalado, isolado e passando fome, conhece um caixeiro-viajante que, penalizado pela situação em que o encontra, o convida para acompanhá-lo em sua viagem de regresso a Caetité, prometendo trazê-lo de volta a Diamantina das Lavras, caso não se adapte na sua propriedade. Serafim, já nas propriedades do novo amigo, se encanta com as belezas naturais da região, faz novas amizades, trabalha na lavoura, torna-se mestre-escola, economiza algum pecúlio, compra pequena fazendola e constitui família. Conhece João, Maria da Conceição e Abílio ainda crianças e, como mestre dos mesmos, tem 74 oportunidade de estudar o comportamento, o caráter e os sentimentos de seus discípulos: Abílio é rico, mas de mau caráter, mesquinho e capaz de praticar a mais vil e baixa ação para alcançar os seus objetivos (contrair matrimônio com Maria); João, ao contrário, é um rapaz pobre, honesto, puro, ingênuo e trabalhador; e Maria, uma mulher virtuosa, pura, honesta, formosa, que amava João. O mestre-escola acompanha o crescimento de seus discípulos e os sentimentos que os jovens nutrem pela bela Maria. Certo dia, Abílio resolve pedir a mão de Maria em casamento a seu pai. Mas este, mesmo desejando proceder conforme os costumes da época – casar a filha por conveniência social e interesses financeiros –, quando conhece os sentimentos da filha, permite que ela escolha o seu pretendente. Ao receber a recusa do pedido de casamento, Abílio sente-se ofendido e desprestigiado, sentimentos que lhe despertam a vontade de vingança e atiçam ainda mais a paixão que nutre e o desejo de conquistar a sua amada. Abílio, na tentativa de denegrir a imagem de Maria para que a família de seu escolhido não permita a união, falsifica cartas em que a jovem declara seu amor por ele. Com a ajuda de sua mãe dona Úrsula, as cartas falsificadas chegam ao conhecimento de Dona Senhorina, a mãe de João Lopez. A notícia deixa dona Senhorinha muito triste, chegando a adoecer, mas, mesmo assim, a bondosa mãe nada revela ao filho. A empregada da casa, Umberlina, ouve a conversa a respeito da carta e comenta com a empregada de Serafim. O esperto Serafim descobre e desfaz as armações de Abílio e de sua mãe. Maria finalmente se casa com João Lopez e vai morar na casa da sogra. Após o casamento, o pai de Maria “arrebanha” um bom número de sertanejos e emigra para São Paulo, levando consigo a comitiva de sampauleiros. O perverso Abílio desconfia que a mexeriqueira Umberlina tenha roubado a carta falsificada e a tenha entregue ao professor Serafim e, por isso, ele espanca a velha praticamente até à morte. 75 O professor Serafim, na tentativa de neutralizar novas investidas de Abílio, o procura e lhe revela ter conhecimento das crueldades que praticara contra o jovem casal e do espancamento de Umberlina para que ela confessasse ter roubado a carta. Abílio revela ao professor ser ainda apaixonado por Maria, mas promete esquecê-la, uma vez que irá para São Paulo. V. 2 Abílio chega a São Paulo, faz amizade com pessoas de caráter duvidoso, arquiteta novo plano para denegrir a imagem de Maria e separá-la de João e retorna para sua fazenda em Caetité a fim de pôr em prática o seu plano. Fingindo-se de amigo do casal, aproxima-se, oferece ajuda financeira. Com a colaboração de sua mãe, envenena a sogra de Maria, deixando João vulnerável. Sem que ninguém saiba, faz com que João perca quase tudo que herdara, inclusive a casa em que mora, em despesas de contendas judiciais. Compra algumas letras promissórias na mão de alguns credores de João para que este lhe fique devedor e, conseqüentemente, ele possa colocar em prática a segunda parte do seu plano. João, pobre e sem condições de saldar sua dívida com o amigo e sentindo-se humilhado resolve migrar para São Paulo e lá permanecer somente o tempo necessário de obter o pecúlio suficiente para quitar sua divida, recuperar sua dignidade e tocar sua pequena propriedade. Durante a longa viagem até São Paulo, João conhece Calisto, homem simples, honesto e trabalhador, por quem desenvolve longa e fiel amizade. Os dois amigos trabalham juntos, economizam tudo quanto podem e, à medida que João obtém pecúlio suficiente para ir saldando as letras, envia-as a Maria. Enquanto isso, Abílio faz investidas no intuito de lograr 76 o afeto de Maria, mesmo que para isso manche a reputação da esposa fiel e virtuosa. Como não consegue alcançar seus propósitos, intercepta todas as correspondências enviadas por João a sua esposa. Descobre o paradeiro de João. Falsifica as letras promissárias e aumenta o valor para que João continue seu devedor, o que tornará mais fácil obter o objeto do seu desejo. O Professor Serafim desfaz o mal-entendido e quita o débito de João. Incorformado com a situação, Abílio insufla um meeiro de João a cometer um atentado contra Serafim, porque, sem o “anjo protetor” no seu caminho o vigiando e guardando o casal, poderá atuar com mais liberdade. Mas seu plano de tirar a vida do professor falha. Viaja novamente a São Paulo, assume outra identidade, envia cartas ao pai de Maria, denegrindo a imagem da filha, contrata um homem para manchar a imagem de João na fazenda onde trabalha e insuflar um irmão de Maria a pronunciar-se contra a dignidade de sua irmã, de João e do professor Serafim. As informações que abalam a honra e fidelidade de Maria chegam ao conhecimento de João. Este regressa a Caetité para apurar os fatos, mas, durante a longa viagem, é vítima de emboscada encomendada por Abílio. O Professor Serafim, como conhecia a fundo o caráter de Abílio e tinha artes de detetive, associa todos os acontecimentos ocorridos na Bahia e em São Paulo que apontam Abílio como o responsável por tudo. 77 3.3 EDIÇÃO DOS TEXTOS: NOTAS FILOLÓGICAS 3.3.1 Estrutura da Edição A obra de João Antônio dos Santos Gumes é composta de textos éditos e inéditos. Os éditos dividem-se em edição textual, isto é, publicação completa em livro, e pré-textual, publicação em jornal. A inédita é composta de manuscritos autógrafos. Toda a sua produção, seja literária ou não-literária, conforme dito anteriormente, encontrava-se dispersa, na eminência de ser destruída definitivamente. Daí ter-se apontado como uma das possibilidades de estudo a preparação de edições críticas, quando for o caso de textos literários e jornalísticos de versão única e édita. As edições crítico-genéticas incidem sobre os inéditos (o drama Abolição, Mourama e o romance inacabado Seraphina) ou a parte do romance O Sampauleiro na qual se encontram autógrafos. O corte atual inclui apenas a edição crítica do segundo volume do romance O Sampauleiro, aplicando-lhes os critérios da Crítica Textual. 3.3.2 Metodologia No estabelecimento crítico dos textos de João Gumes serão seguidos os princípios que fundamentam a Crítica Textual Moderna preconizados tanto no Brasil como em Portugal, respeitando-se, todavia, as particularidades de cada um deles, pois, como se sabe, cada texto 78 tem sua problemática específica e, em Crítica Textual, não há uma fórmula que possa ser universalmente aplicada a todos os textos. As normas estabelecidas para a edição crítica da Obra de João Gumes seguirão as aquelas que vêm sendo preconizadas para as edições de textos modernos tanto no Brasil58, principalmente aquelas que vêm sendo praticadas pelo Grupo de Crítica Textual da Universidade Federal da Bahia,59 como em Portugal, especialmente os da Obra de Eça de Queirós60 e da Equipa Pessoa61. 58 Vejam-se, entre outras, as edições de Memórias de um sargento de milícias (Cf. Cecília de LARA Introdução. In: Manuel Antonio de ALMEIDA. Memórias de um sargento de milícias. Ed. crítica por Cecília de Lara. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1979. 368p.), As Três Marias (Cf. Marlene Gomes MENDES. Edição crítica em uma perspectiva genética de As Três Marias, de Raquel de Queiroz. Niterói: EDUFF, 1998. 325 p.), de Macunaíma (Cf. Telê Porto Ancona LOPEZ. Introdução. In: Mario de ANDRADE. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Ed. crítica coord. por Telê Porto Ancona Lopez. São Paulo: CNPq, 1988. LII + 480 p. il. (Arquivos, 6)) e Poesias completas de Mario de Andrade (Cf. Mário de ANDRADE. Poesias completas. Ed. crítica de Diléa Zanotto Manfio. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: EDUSP, 1987.). Vejam-se também Célia Marques TELLES. No caminho de uma edição crítico-genética. Qvinto Império, Salvador, n. 11, p.29-37, agost. 1999; Célia Marques TELLES. A crítica textual no Brasil. Estudos Lingüísticos e Literários, Salvador, n. 21-22, 39-58, jun. – dez. 1998. 59 Os trabalhos desenvolvidos pelo Grupo tiveram início em 1977, sob orientação do prof. Dr. Nilton Vasco da Gama, que preparou a edição crítica do Prólogo e da primeira parte do poema regional Sangue- mau. Neste mesmo ano, criou-se, no Instituto de Letras da UFBA, o Grupo de Edição Crítica de Textos. A seguir, estabeleceram-se os critérios a serem adotados na edição crítica da obra do poeta baiano, e iniciou-se a preparação da edição do poema Sangue- mau que teve sua publicação em 1981. Veja-se a propósito: Arthur de SALLES. Sangue- mau. Edição crítica sob a direção de Nilton Vasco da Gama. Salvador: UFBA, 1981. xiii + 332p. il. Alguns dos resultados obtidos representam trabalhos desenvolvidos pelos estudantes do Programa de Pós-graduação em Letras e Lingüística. Célia Goulart de Freitas TAVARES, Hilda Maria de Melo FERREIRA, Silvia Rita OLINDA. Edição crítica do poema Sub-Umbra. Estudos Lingüísticos e Literários, Salvador, n. 3, p.57-68, jul. 1985. Apresentação de Albertina Ribeiro da Gama; Rosa Borges Santos CARVALHO. O poema “Anchieta” de Arthur de Salles: tentativa de edição. Hyperion Letras, Salvador, n. 4, p. 53-66, jul. 1992; Rita de Cássia Ribeiro QUEIROZ. Sonetos de Arthur de Salles: tentativa de edição crítica. Dissertação de Mestrado, orient. por Nilton Vasco da Gama- Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, 1995 239 f. ; Rosa Borges Santos CARVALHO. Poemas do Mar de Arthur de Salles: tentativa de edição crítica. Dissertação de Mestrado, orient. por Nilton Vasco da Gama- Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, 1995. 226f.; Maria da Conceição S. REIS. O Ramo da fogueira obra regional de Arthur de Salles: proposta de edição crítica: Dissertação de Mestrado, orient. por Albertina Ribeiro da Gama - Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, 1996.150f; CARVALHO, Rosa Borges Santos. Edição crítico-genética dos "Poemas do mar" de Arthur de Salles. 2001. 901f. Tese de Doutorado orient. por Dr. Nilton Vasco da Gama, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2001. 60 Cf. QUEIRÓS, Eça de. Alves e Ca. Ed. crítica de Luiz Fagundes Duarte e Irene Fialho. Lisboa: Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1994.; QUEIRÓS, Eça de. Textos de Imprensa. VI (da Revista de Portugal). Ed. crítica de Maria Helena Santana. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1995. 147p. (Edição crítica das Obras de Eça de Queirós); QUEIRÓS, Eça de. A Capital!:começos duma carreira. Ed. crítica de Luiz Fagundes Duarte. Lisboa: Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1992. (Edição crítica das Obras de Eça de Queirós) 61 Entre outros trabalhos, Cf. Ivo CASTRO. Edição crítica de Pessoa: o modelo editorial adoptado. In: UM SÉCULO DE PESSOA; ENCONTRO INTERNACIONAL DO CENTENÁRIO DE FERNANDO PESSOA, 1988. p. 30-39.; Ivo CASTRO. Editar Pessoa. Lisboa: Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1990. 116 p. (Edição crítica de Fernando Pessoa, Estudos, 1); PESSOA, Fernando. Poemas de Álvaro de Campos. Ed. de Cleonice 79 Os critérios norteadores de uma edição de textos impressos de versão única, publicada em vida do autor e aos próprios cuidados do escritor requer do filólogo uma postura diferente daquela que deveria ser adotada ao editar textos marcados por uma tradição complexa: a presença de testemunhos diversos e de versões diferentes. O primeiro volume do romance O sampauleiro é versão única, publicado em vida e em um periódico fundado e administrado pelo próprio autor. Essa situação textual em que inexistem tanto as variantes autorais como as textuais resultantes de sua tradição desautoriza o editor a preparar uma edição com o rótulo de crítica. Em seu lugar seria mais coerente a elaboração de uma edição fac-similar, via fotografia digital. Embora a situação textual do primeiro volume conduza a uma edição fac-similar, o mesmo será submetido a uma leitura para eliminar do texto as gralhas, os erros óbvios e sofrerá atualização ortográfica, para que possa ser lido pelo leitor moderno não especialista. Essa decisão de editá-lo aplicando as normas já preconizadas para a fixação de textos críticos foi motivada, principalmente, pelas condições materiais internas e externas do texto, pelos custos altíssimos que a operação de uma edição fac-similar acarretaria, e pelo fato de ser imperioso a sua divulgação, dada a riqueza de informações históricas, culturais e lingüísticas que a obra armazena e que é urgente “o seu tornar público” não só para o leitor especialista, mas, sobretudo, para o leitor comum, pois a finalidade de um trabalho de resgate do patrimônio espiritual produzido por uma comunidade, em uma dada época, é trazê-lo a lume, disponibilizando-o às gerações futuras. Adverte-se que, devido à exigüidade do tempo e ao fato de não ser facultado ao editor crítico o direito de cometer deslizes na preparação de uma edição com o rótulo de crítica, porque, apenas, lhe resta o acerto ou o erro, optou-se, para o momento, apresentar Berardinelli. Lisboa: Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1990. 573 p.il. (Edição Crítica de Fernando Pessoa, 80 uma edição via reprodução xerocopiada do primeiro volume, pois seria muito temerário, no afã de concluir os trabalhos, apresentar um produto com falhas. O segundo volume apresenta três testemunhos: manuscrito, pré-textual, textual. O manuscrito está incompleto, o pré-textual é o texto publicado em forma de folhetim no jornal A Penna, e o textual teve como editor-tipográfico o próprio João Gumes. Os três testemunhos representam, portanto, versões autorais, atropeladas pelas reduzidas possibilidades oferecidas pela linotipia, ou pela montagem tipo a tipo, que leva a inúmeras gralhas no texto impresso. O segundo volume do romance O Sampauleiro, objeto de estudo da presente tese de doutoramento, terá seu texto depurado dos erros de imprensa mais visíveis e das incongruências microtextuais seguramente não atribuíveis a particularidades do estilo do autor, e será acompanhado de aparato crítico onde serão registradas as variantes autorais, textuais e as observações crítico-filológicas feitas pelo pesquisador-editor, conforme as espeficidades do texto. Apesar de se comungar com aqueles que defendem que as características lingüísticas e estilísticas do texto objeto de uma edição crítica sejam respeitadas conforme o usus scribendi do escritor e da época que foi escrito, adota-se aqui uma postura modernizadora porque acredita-se que se o objetivo fim do trabalho de resgate é divulgar a obra de João Gumes, conforme dito anteriormente, e, ao lado do texto crítico, apresenta-se o aparato de variantes, no qual são registradas as interferências do editor, não se justificaria oferecer um texto que apresente ao leitor moderno dificuldades de leitura. O modelo de edição adotado permite ao leitor ter, à esquerda, acesso ao texto que se quer crítico, à direita, ao aparato de variantes que lhe possibilita fazer as suas próprias análises sobre a tradição e as particularidades ortográficas da obra, abaixo, às notas de rodapé Série Maior, 2); PESSOA, Fernando. Poemas de Ricardo Reis. Ed. crítica de Luiz Fagundes Duarte Lisboa: 81 contendo esclarecimentos do vocabulário e, quando for o caso, informações sobre divergências entre o testemunho manuscrito e os testemunhos impressos. 3.3.2.1 O texto de base A preparação de um texto que represente o ânimo autoral exige o cumprimento de determinadas etapas preliminares, como, por exemplo, a recensio, a collatio, a eliminatio, para que se escolha o texto de base. Alguns critérios definem a escolha do texto de base. Para um texto de testemunho único, este será o texto de base, pois não há possibilidade de escolha. Para o texto com mais de um testemunho, conforme as normas já utilizadas pelos especialistas em crítica textual, tanto brasileiros como estrangeiros, faz-se a opção pelo testemunho mais recente. No caso específico do romance O Sampauleiro, o texto de base é a publicação textual, porque os demais testemunhos, além de serem anteriores, estão incompletos; o manuscrito não tem características de texto "acabado", e o pré-textual foi publicado em folhetim em A Penna, tipo de publicação passível de sofrer enganos advindos as limitações do espaço, da linotipia ou da montagem tipo a tipo. 3.3.2.2 A ordenação dos textos Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1994. 481 p.il.. 82 Na descrição, as versões serão apresentadas na seguinte seqüência: o manuscrito autógrafo, a versão pré-textual e a versão textual, obedecendo à cronologia. No aparato crítico e /ou crítico-genético, as versões também se encontram organizadas de acordo com a sua cronologia de publicação ou de momento textual, conforme for o caso. Oferece-se a edição crítica e o aparato crítico do segundo volume de O Sampauleiro e, em anexo, a edição via reprodução xerocopiada do primeiro. 3.3.2.3 Os aparatos: variantes autorais e textuais O aparato crítico figura ao lado direito do texto criticamente estabelecido, em fonte menor. Nele se encontram registradas as variantes autorais/textuais.62 As alterações realizadas relativamente ao texto-base, assim como quaisquer esclarecimentos do editor figurarão em itálico, entre parêntesis ( ) . 3.3.2. 4 As normas adotadas no estabelecimento dos textos Na edição crítica do segundo volume do romance O Sampauleiro buscam-se manter as particularidades do texto de base, mas atualiza-se63 a ortografia segundo as normas 62 Como o romance O Sampauleiro e as crônicas tiveram sua composição gráfica na oficina tipográfica de propriedade de João Gumes, provavelmente, foi executada pelo próprio Gumes ou sob sua supervisão. Sendo autor-editor de seus textos, as variantes textuais são também de sua responsabilidade. 63 O editor tem uma postura conservadora, só intervém no texto quando os procedimentos metodológicos lhe permitem: corrigir os erros óbvios de gralha, proceder à atualização e à normatização ortográfica, segundo as normas vigentes, resolver alguns problemas de pontuação para diminuir as peturbações provocadas pela falta de uma vírgula. 83 vigentes, uniformizam-se a grafia de algumas palavras em conformidade com o percentual de ocorrências. Casos de oscilação. Respeitam-se as variantes gráficas. As formas grafadas com apóstrofe são, sempre que possível, atualizadas por contração (d’um > dum, n’um> num). As consoantes duplas. Simplificam-se todos os casos de grafia dupla: tanto nomes comuns como os próprios (bella> bela, Anna > Ana). Maiúsculas. Aplica-se, como critério geral, a norma vigente. Formas variantes. Utilizam-se as formas empregadas pelo Autor, mesmo quando essas não se encontram registradas nos dicionários. Pontuação. Mantém-se a pontuação original, mesmo quando esta não obedece às normas atuais. Apenas altera-se em situações de manifesto lapsus calami ou gralha tipográfica, em que a omissão ou troca de sinais perturba a construção do texto. A emenda do editor é indicada no aparato. Palavras estrangeiras. Mesmo nos casos em que foram adaptadas à fonética e à ortografia portuguesa, conserva-se a grafia original, pondo-as em itálico para uniformizá-las conforme comportamento normal do autor e indicando a grafia “correta” em notas de rodapé. Acentuação. Introduzem-se os acentos de acordo com as normas vigentes. 84 Erros. Salvo em casos duvidosos, os erros explicáveis por lapsus calami ou gralha tipográfica simplesmente são corrigidos, com indicação no aparato crítico. Opções tipográficas. Respeita-se o seccionamento dos textos (parágrafos), bem como as opções tipográficas do autor no que diz respeito à utilização de aspas e sublinhado, salvo nos casos de palavras estrangeiras ou que representem formas da língua oral. Registradas no texto-base em maiúsculas e sublinhadas no manuscrito autógrafo, serão apresentadas no texto crítico em itálico, como era intenção do autor ao pô-las em destaque, em maiúsculas, o que se deve aos parcos recursos tipográficos da época. Numera-se o texto, linha por linha, indicando a numeração de cinco em cinco, desde a primeira linha do texto e reiniciando em cada capítulo. 3.3.2.5 As siglas remissivas para as versões Na descrição, no aparato crítico e nos estemas, as versões estão representadas por siglas referentes ao documento, isto é, livro e jornal onde foram publicadas ou manuscrito original. Seguem-se as siglas para as versões dos textos do romance O Sampauleiro: SP O Sampauleiro, manuscrito. SP1 O Sampauleiro, publicação textual de 1929. SPF O Sampauleiro, publicado no Jornal A Penna. 85 3.3.2.6 Classificação estemática A leitura e transcrição de SP revelam que entre ele e SP1 e SPF deve ter existido outro manuscrito contendo a redação final que originou as versões impressas. A hipótese da existência de outro testemunho manuscrito deve-se a cinco razões, a saber: 1) SP apresenta um número expressivo de emendas autorais. O primeiro jato de tinta, em algumas passagens é interrompido à medida que vai se materializando conforme é concebido virtualmente na mente do seu autor. Outras vezes, Gumes revisita seu texto procedendo a acréscimos e supressões. 2) Localizou-se em alguns capítulos a construção de uma narrativa divergente da dos impressos. 3) O número de emendas de SP é significativo, deixando a leitura de algumas passagens confusa. Seria pouco provável que o tipógrafo utilizasse para a composição dos folhetins uma cópia com muitas emendas e borrões, mesmo que este fosse o próprio Gumes. 4) Outro fato importante é que, quando da elaboração de seus textos, Gumes organizava os cadernos de papel almaço que julgava serem necessários para o seu projeto de texto, consturando-os em pequenos blocos e/ou livros. O próprio SP tem os cadernos organizados e costurados antes da mancha escrita ter sido lançada sobre o papel. Sobram muitas folhas sem mancha escrita, evidenciando esse tipo de comportamento. 5) Gumes, ao elaborar, por exemplo, o drama Abolição, submete-o a pelo menos a três intervenções: uma campanha de escrita e duas de correção,64 e, mesmo não sendo um texto passado a limpo, tem os cadernos de papel almaço costurados. Em Seraphina, romance inacabado, muitos cadernos de papel estão em branco, revelando a forma de proceder do escrito. 64 A1 - texto-base, com correções feitas em curso de redação, algumas supressões e substituições, tanto por sobreposição como por substituição na entrelinha superior, com um x ou não nos lugares emendados. A2 correções por supressões, substituições, acrescentamento, quase sempre localizados na entrelinha superior do texto-base. A3 - correções por supressões realizadas em uma terceira releitura do texto. Cf. Maria da Conceição Souza REIS. Características lingüísticas na obra de Gumes. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DA ABRALIN, n.2, Anais... Fortaleza: Imprensa Universitária, 2003, p. 467-71 86 Daí, na classificação estemática para o segundo volume do romance O Sampauleiro, incluir X, testemunho manuscrito do qual SP1 e SPF são cópias. O stemma codicum representativo da árvore genealógica do texto em questão é o seguinte: SP ↓ X ↓ SPF ↓ SP1 Fig. 12: Classificação estemática do segundo volume do romance O sampauleiro. A edição crítica do segundo volume de O Sampauleiro tem o seguinte stemma codicum: SP1 → Texto Crítico Fig. 13: Classificação estemática da edição crítica do romance O sampauleiro. 87 3.3.3 O Sampauleiro: o texto crítico e aparato de variantes autorais e da tradição impressa QUARTA PARTE MIGRAÇÃO I João e sua esposa eram felizes, tanto quanto 5 podem desejar criaturas modestas, simples em suas SPF, SP1: creaturas aspirações, tendo por base da sua felicidade a paz e a 10 tranqüilidade de espírito. As suas almas singelas e boas SPF, SP1: tranquillidade; espirito viam realizada a ventura que sonhavam, e haviam criado SPF, SP1: realisado para si um paraíso na residência de dona Senhorinha, SPF, porque esta boa senhora não quis por forma alguma que SPF, SP1: quiz o jovem casal dela se separasse. SPF, SP1: joven; della SP1: creado; residencia; d. Senhorinha A fortuna que o senhor Oliveira aspirava para sua filha com um casamento rico não coadunava com as modestas aspirações de Maria, cuja alma simples tinha 15 20 horror ao luxo estardalhante e ostentativo que se procura impor pelo prestígio e que não conquista corações, mas SPF, SP1: prestigio cria um ambiente de lisonja e adulação. As conquistas SPF, SP1: crea que realizam a bondade, a ternura e o carinho são SPF, SP1: realisam firmadas sobre alicerces indestrutíveis; têm como SPF, SP1: indescuctiveis fulero65 a virtude. Assim não pensava o senhor Oliveira que, embora bom, tinha saudades do aparatoso trato em SPF, SP1: apparatoso; paes que fora criado por seus afortunados pais, e desejava-o 65 Fulero: sem valor, insignificante. Palavra espanhola da qual originou fuleiro em português. paraiso; 88 para sua filha. 25 O pobre homem, como sucede a todos os ricos SPF, SP1: succede que caíram em pobreza, mesmo por muito desejar o bem SPF, SP1: cahiram de sua querida filha, só no seu casamento com Abílio SPF, SP1: Abilio antevia o ressurgimento do esplendor que circundaria a SPF, SP1: resurgimento; circumda sua família tornando-a uma das mais conceituadas e SPF, SP1: familia veneradas desde os seus antepassados. Mesmo por ser 30 bom, mas dessa bondade irrefletida e, podemos dizer, SPF, SP1: d’essa; irreflectida inocente e infantil, que julga os outros por si próprio, SPF, SP1: innocente; proprio Oliveira não fazia acepção entre bons e maus, não SPF, SP1: accepção estudava a fundo os caracteres e, deixando-se explorar, decaíra do antigo conceito que gozava, porque ficou 35 SPF, SP1: dechaira; gosava pobre. Entre João e Abílio, aquele o tabaréu grosseiro SPF, SP1: Abilio; aquelle; tabareo que outra aspiração não tinha a não ser a labuta rural, 40 este fidalgote, ativo, inteligente, de maneiras corteses e SPF, SP1: activo; delicadas, não havia que escolher; o último nada SPF, SP1: ultimo intelligente; cortezes deixava a desejar aos planos e aspirações de Oliveira. Em um dos seus momentos de fraqueza, maior do que a que lhe era ordinária, não pôde resistir ao visível SPF, SP1: ordinaria; visivel sofrimento de sua filha, e cedeu. SPF, SP1: soffrimento Cedeu para logo depois se arrepender, mas sem 45 SPF, SP1: arrepender-se coragem de revogar a concessão feita a Maria. Só lhe restava depois disso mudar-se para o Estado de São SPF, SP1: d’isso; S. Paulo 89 50 Paulo, pelas razões que o leitor já conhece e, além delas, SPF, SP1: ja; alem; d’ellas por sentir-se atraído pelo esplendor, riqueza e SPF, SP1: attrahido magnificência que lhe constava ali encontrar, com a SPF, SP1: magnificencia; alli possibilidade de tornar-se rico e adquirir a posição SPF, SP1: adequerir social que havia perdido. Entretanto, Maria sentia-se feliz com o seu eleito SPF, SP1: Entretanto ( , ) e satisfeita no ambiente modesto que escolhera, e que lhe era preferido aos meios faustosos e brilhantes para 55 os quais acorrem os vícios, os enganos, a lisonja e a SPF, SP1: quaes; accorrem; vicios hipocrisia, atraídos pelo pingue pábulo66 que neles SPF, SP1: hypocrisia; attrahidos; n’elles encontram. Sabia a criteriosa filha de Oliveira que Abílio, o 60 SPF, SP1: Abilio fidalgote pretensioso, cujo gênio conhecia desde o seu SPF, SP1: pretencioso; genio condiscipulado, procuraria agradá-la cercando-a de todo SPF, SP1: agradal-a o luxo e grandeza que a sua fortuna poderia facultar-lhe 65 sem que fosse abalada; mas, avessa por índole às SPF, SP1: indole; ás pampas pompas e suntuosidades, preferiu a simplicidade de SPF, SP1: sumptuosidades João, os hábitos de dona Senhorinha, a quem conhecia e SPF, SP1: habitos; d. Senhorinha venerava desde a sua infância pela sua bondade sem SPF, SP1: infancia estardalhaços, pela sua modesta e sincera amizade. Os hábitos simples e honestos desta boa senhora e seu filho SPF, SP1: habitos; d’esta atraíam-na em flagrante contraste com a tolice SPF, SP1: attrahiam-n-a pretensiosa de dona Úrsula e a dissimulação de Abílio SPF, SP1: d. Ursula; Abilio que, embora inteligente, não podia, debalde tentando-o, 66 Pingue pábulo: algo ou local fértil que serve de motivo ou assunto à maledicência. 90 70 que, embora inteligente, não podia, debalde tentando-o, SPF, SP1: intelligente ocultar aos olhos da bela menina o seu orgulho mau SPF, SP1: occultar; bella; máu como o seu caráter ardente e apaixonado que muitas SPF, SP1: caracter vezes explodira, quando ele em criança ainda não 75 dispunha dos meios de contê-los como logo que a razão SPF, SP1: elle; creança SPF, SP1: contel-os se lhe desenvolveu. A afinidade, essa lei suprema que tudo rege no 80 SPF, SP1: Affinidade universo físico, também é um elemento de suma SPF, SP1: physico; tambem; summa preponderância no mundo dos espíritos. É ela que faz a SPF, SP1: preponderancia; espiritos; felicidade dos seres pensantes, religando-os pela SPF, SP1: presentes ( , ) cordialidade. É também ela que congrega os maus, os SPF, SP1: tambem; elle; máus ella pertubadores da harmonia que devera imperar absoluta 85 na humanidade. Por ela atraímos as “forças ocultas” – SPF, SP1: ella; attrahimos; occultas que não são mais que seres inteligentes que pululam67 SPF, SP1: intelligentes; pullulam nos espaços em torno do planeta, invisíveis e SPF, SP1:invisiveis imponderáveis, numa constante permuta entre os de lá e SPF, SP1: imponderaveis; n’uma os desta vida de relação. O mal ainda predomina lá e cá 90 assombrosamente. Conforme as nossas tendências e SPF, SP1: tendencias pensamentos, atraímos de lá bons ou maus elementos SPF, SP1: attrahimos; la que sejam afins com os nossos. SPF, SP1: affins Entretanto, há entre nós espíritos de eleição – posto que raros em faces de maldosos, – os quais, pelas SPF, SP1: quaes virtudes e inquebrantabilidade, conseguem resistir à SPF, SP1: á tentação tentação, tornando-a ineficiente. 67 SPF, SP1: Entretanto ( , ); espiritos Pululam: multiplicam. 91 tentação, tornando-a ineficiente. Maria era um desses espíritos privilegiados. Por 95 100 SPF, SP1: inefficiente SPF, SP1: d’esses; espiritos cada dia que se passava, dona Senhorinha descobria SPF, SP1: d. Senhorinha mais uma preciosa qualidade no tesouro inexaurível que SPF, SP1: thesouro; inexhaurivel era o coração de Maria, repositório dos mais nobres e SPF, SP1: repositorio apreciáveis dotes de sentimento, e mais se sentia atraída SPF, SP1: apreciaveis; attrahida por aquele belo espírito. Maria, a esposa ideal, dava a SPF, SP1: aquelle; bello; espirito; dona Senhorinha o doce nome de mãe e esta, encantada, SPF, SP1: d. Senhorinha Maria ( , ); idéal; tinha-a como sua filha estremecida e não deixava um momento sequer de render graças a Deus pela mercê SPF, SP1: siquer que lhe concedeu e a seu filho. Maria era laboriosa e, apesar das constantes 105 110 SPF, SP1: apezar reclamações de Pulquéria, que também fazia parte SPF, SP1: Pulcheria; tambem daquele pequeno e aprazível mundo e assumira a função SPF, SP1: d’aquelle; aprazivel de cozinheira, auxiliada pela filha de Umbelina, atirava- SPF, SP1: funcções; Umbellina se a todo e qualquer serviço doméstico, às vezes SPF, SP1:domestico; ás vezes invadindo as atribuições da velha crioula. Inteligente, SPF, SP1: attribuições; creoula metódica e arrumadeira, a jovem esposa tudo punha em SPF, SP1: methodica; joven ordem e asseio, não se esquecendo das coisas as mais SPF, SP1: cousas insignificantes. Como era apaixonada pelas flores, tomou a seu cargo tratar do jardim de João, aumentou-o, SPF, SP1: augmentou-o melhorou-o, dando às flores uma certa disposição e SPF, SP1: m elhorou-o ( , ); ás flores harmonia, pelas cores, forma e dimensões das plantas, que revelam seu gênio artístico e paciência. Cultivava e 92 115 que revelam seu gênio artístico e paciência. Cultivava e SPF, SP1: genio; artistico; paciencia tratava o jardim com esmero e não se esquecia de colher 120 todas as manhãs as flores suas prediletas, que dispunha SPF, SP1: predilectas em dois vasos de porcelana conservados desde o lar SPF, SP1: dous paterno. Tudo isso era um encanto para dona SPF, SP1: d. Senhorinha Senhorinha, que se rejubilava, considerando aquelas SPF, SP1: aquellas flores a imagem da candura e virtudes trescalantes68 de sua querida filha. Serafim, o amigo sincero e constante de todos os 125 130 SPF, SP1: Seraphim tempos, estimado e acatado por todos, freqüentava a casa de dona Senhorinha quase todos os domingos, ora SPF, SP1: d. Senhorinha; quasi só, ora acompanhado de sua senhora. Então a alegria SP1: aiegria (Erro óbvio.) redobrava naquela feliz vivenda. O velho amigo sempre SPF, SP1: n’aquella alegre, SPF, SP1: communicativo comunicativo sempre, enchia com sua jovialidade o dia. A sua agradável conversação nunca SPF, SP1: agradavel deixava de ser condimentada com o tique sentencioso e a gargalhada peculiar do nosso velho conhecido. À SPF, SP1: Á tarde; sentiam-se tarde, quando se retirava, todos se sentiam saudosos e pediam-lhe com insistência que voltasse no seguinte 135 domingo trazendo sua “dona.” Voltando de São Paulo, Abílio insistiu com sua SPF, SP1: S. Paulo; Abilio mãe para que freqüentasse a família de dona SPF, SP1: por que (Emendou-se.); Senhorinha, reprovando que não o tivesse feito durante SPF, SP1: não tivesse (Emendou- a sua ausência. A velha mostrou-se avessa a isso, não só 68 SPF, SP1: insistencia Trescalante: exalando cheiro forte. familia; d. Senhorinha, se.) 93 140 a sua ausência. A velha mostrou-se avessa a isso, não só SPF, SP1: ausencia por despeitada pela taboca69 pregada por Maria, bem 145 como por considerar indigna das suas relações aquela SPF, SP1: aquella gente forreca70. Conseguiu, porém, convencê-la Abílio SPF, dizendo-lhe que, afastando-se de lá, tê-la-iam por SPF, SP1: la; tel-a-iam despeitada e a ele também, o que seria ridículo para os SPF, SP1: elle; tambem; ridiculo dois. Que o teriam por “de cabeça inchada” pela perda SPF, SP1: dous SP1: porem; convencel-a; Abilio de um partido tão vantajoso, carregando com ironia SPF, SP1: tres; ultimas estas três últimas palavras. Dona Úrsula, a fidalga orgulhosa e toleirona, 150 155 aceitou a imposição de seu filho e, lá uma vez por SPF, SP1:acceitou; la semestre, aparecia em casa de dona Senhorinha. Embora SPF, SP1: apparencia; d. Senhorinha afetando em suas visitas um ar bondoso e certa SPF, SP1: affectando cordialidade, a hipócrita velhota não inspirava confiança SPF, SP1: hypocrita à boa família. Levava a sua mentida generosidade a SPF, SP1: á boa familia ponto de desculpar a dona Senhorinha o não pagar71 as SPF, SP1: ao ponto de (Emendouse); d. Senhorinha; PAGAR suas visitas, o que não arrefeceria por forma alguma a sua 69 SPF, SP1: D. Ursula velha amizade. Entretanto, apesar das SPF, SP1: apezar recomendações do filho, levava o tempo a conversar SPF, SP1: recommendações sobre riquezas, prosápias72 e quejandas73 grandezas SPF, SP1: prosapias entremeadas de tolices que, aos espíritos perspicazes, SPF, SP1: epiritos Taboca: negativa, recusa. O mais usual é a expressão “passar taboca”, que significa romper noivado para casar com outrem. 70 Forreca: indivíduo insignificante, sem importância. 71 Pagar: retribuir visitas. 72 Prosápia: linhagem. 73 Quejandas: semelhantes; que tem a mesma natureza ou qualidade de outrem. 94 160 deixavam perceber o seu gênio frívolo e jactancioso, e, aos simples, antipatia e enfado. SPF, SP1: antipahtia Dirigindo-se a Maria com ares maternais, dizia- 165 SPF, SP1: genio; frivolo SPF, SP1: matternaes lhe dona Úrsula toda risonha que não lhe perdoava ser SPF, SP1: d. Ursula tão esquiva a ponto de não ir à sua casa; mas isso não a SPF, SP1: ao ponto (Emendou-se.); inibia de continuar sua amiga dedicada e admiradora de SPF, SP1: inhibia á sua sua formosura. Nesse dia a modesta família de dona Senhorinha 74 via-se numa dobadoura porque, 170 175 pelos modos e sentia-se constrangida, de dona Úrsula, SPF, SP1: N’esse; familia; d. Senhorinha SPF, SP1: n’uma; dobadôra pelas autogabações, pelo referir-se aos seus gostos refinados e SPF, SP1: d. Ursula; auto-gabações hábitos de fidalga, exigia um trato especial. Não SPF, SP1: habitos diremos que a gabolas75 isso fizesse como exigência; SPF, SP1: exigencia mas involuntariamente assim deixava compreender. Era SPF, SP1: comprehender então preciso que saíssem à luz os mais preciosos SPF, SP1: sahisse; á luz aparelhos, as toalhas da mais fina lençaria e tudo quanto SPF, SP1: apparelhos as nossas famílias sertanejas de certo trato conservam SPF, SP1: familias guardado cuidadosamente para ocasiões solenes. Além SPF, SP1: occasiões disso os acepipes76 deviam ser escolhidos e preparados a SPF, SP1: solemne; Alem; d’isso capricho para que a visita não se desagradasse. 180 Em ocasiões tais Pulquéria via-se em uma roda viva. Maria e dona Senhorinha, obrigadas a fazer sala à velha pretenciosa, não podiam ir a cozinha para ao 74 Dobadoura: variante de dobadoira; roda-viva. Gabolas: quem se gaba a si mesmo. 76 Acepipes: petiscos. 75 SPF, SP1: occasiões; taes; Pulcheria SPF, SP1: d. Senhorinha; á velha 95 velha pretenciosa, não podiam ir a cozinha para ao 185 menos determinarem qual devia ser o cardápio, ficando SPF, SP1: cardápio; á velha à velha crioula a incumbência de arranjar o almoço e o SPF, SP1: creoula; incumbencia mais de um modo que dona Úrsula não tivesse ocasião SPF, SP1: d. Ursula; occasião de fazer reparo. Pulquéria nada deixava a desejar à visita SPF, SP1: Pulcheria; á visitar pois era emérita na arte de preparar os pitéus77 e SPF, guloseimas. Se já não soubéssemos que dona Úrsula, SPF, SP1: soubessemos; d. Ursula SP1: emerita; pitéos; gulozeimas; Si nos seus modos de agradar grosseiramente, fazia as suas 190 apreciações da boca para fora, diríamos que tudo aquilo SPF, SP1: bocca; diriamos; aquillo; excedia à sua expectativa e causava-lhe muita SPF, SP1: satisfacção satisfação, tão rasgados elogios fazia à família e à SPF, SP1: á familia; á cozinheira cozinheira pelo arranjo que notava, repetindo os gabos a SPF, SP1: boccado á sua cada bocado que tragava, ao mesmo tempo que 195 Pulquéria, que a espiava, esconjurava o “diabo da velha SPF, SP1: Pulcheria prosa” ardendo por vê-la pelas costas. SPF, SP1: vel-a Abílio vinha também à casa visitar o casal SPF, SP1: Abilio; tambem; á casa mostrando-se muito amigo de João, a quem fazia 200 protesto de sincera afeição e oferecimentos; mas nunca SPF, SP1: affeição com sua mãe. Tendo voltado de São Paulo, não pense o SPF, SP1: S. Paulo leitor que a sua longa ausência houvesse apagado a sua SPF, SP1: ausencia ardente paixão que lhe conhecemos e que prometera a SPF, SP1: prometteu (Emendou-se.) Serafim esquecer. Pelo contrário, essa ausência como SPF, que aumentou o incêndio passional que lavrava o seu SPF, SP1: augmentou; incendio peito e o ardente desejo de possuir Maria, – aquele ente 77 Pitéus: petiscos. SP1: Seraphim; contrario; ausencia 96 205 peito e o ardente desejo de possuir Maria, – aquele ente SPF, SP1: aquelle singular, – mesmo que, para alcançá-la, lhe fosse preciso SPF, SP1: alcançal-a lançar mão dos meios os mais reprováveis e ominosos.78 SPF, SP1: reprovaveis No seu jeito já conhecido pelo leitor, o astuto SPF, SP1: geito; ja mancebo aparentava uma calma que bem longe estava 210 do seu espírito. Até com sua mãe Abílio aguardava uma SPF, SP1: espirito; Abilio absoluta reserva sobre seus sentimentos e projetos em SPF, SP1: projectos relação à Maria e seu esposo. Leviana como era dona SPF, SP1: a Maria; d. Ursula Úrsula, sabia que tudo transtornaria e, quando a velha 215 220 tocava em tão melindroso assunto, referia-se à má SPF, SP1: assumpto escolha feita pela filha do Senhor Oliveira, procurando SPF, SP1: á má deprimir o feliz pretendente, pondo-o em contraste com seu filho e, com isso, acordando despeitos nascidos da SPF, SP1: accordando embófia79 e pretensões que a animavam, Abílio SPF, SP1: embofia; pretenções; repreendia-a e enaltecia o caráter de João e as virtudes SPF, SP1: reprehendia-a; caracter de SPF, SP1: Maria ( , ) Maria, confessando-se amigo dedicado e intransigente de ambos. Afinal convenceu-se dona Úrsula de que seu 225 78 79 Abilio SPF, SP1: d. Ursula filho havia varrido de sua idéia toda e qualquer SPF, SP1: idéa pretensão sobre Maria, e que era amigo sincero de seus SPF, SP1: pretenção antigos condiscípulos. Isso a desgostava, é certo, porque SPF, suas idéias baixas e infames julgavam possível ainda SPF, SP1: idéas; possivel uma conquista mesmo com prejuízo da honra e boa SPF, SP1: prejuizo Ominoso: execrável; detestável. Embófia: orgulho vão, soberbo. SP1: condiscipulos; desgostava-a 97 fama da virtuosa esposa. Essa conquista seria a 230 revelação da superioridade da sua estirpe sobre aquela SPF, SP1: aquelle; familia família reles que, se conseguisse uma lícita ligação com SPF, SP1: licita a sua, viria enxovalhá-la. SPF, SP1: enxovalhal-a O leitor deve lembrar-se que dona Úrsula, quando malograda a pretensão de seu filho, sentia-se 235 SPF, SP1: d. Ursula SPF, SP1: mallograda; pretenção despeitada e prazerosa. Despeitada pelo desaforo daquela gente, que refugou80 um partido como Abílio, e SPF, SP1: d’aquella; Abilio prazerosa porque lhe repugnava vincular o seu nome ao de Oliveira e sua gente. Então, desejando que seu filho fosse satisfeito em sua paixão, somente achava em seu 240 bestunto81 um meio conciliatório: Abílio tomar a jovem SPF, SP1: conciliatorio; Abilio; joven por amante. Afagada a vaidade da velha fidalga caricata por 245 seu filho, que bem a conhecia, dispôs-se ela a reatar SPF, SP1: ella; dispoz-se relações com dona Senhorinha e sua família; não só pelo SPF, SP1: d. Senhorinha; familia desejo de satisfazer a Abílio, como também para dar SPF, SP1: Abilio; tambem pasto à sua bisbilhotice. SPF, SP1: á sua Dois anos depois do casamento de João, o jovem SPF, SP1: Dous; annos; joven casal havia sido abençoado com dois filhinhos, que o 250 80 81 leitor já conhece: – Corina e João, este de meses. SPF, SP1: mezes Sobreveio então um ano crítico no qual os gados foram SPF, SP1: anno; critico Refugar: rejeitar; desprezar. Bestunto: cabeça de curto alcance, ou estúpida. 98 atacados de uma terrível epizootia82 que o dizimou em SPF, SP1: terrivel grande porcentagem. Como é geralmente sabido entre 255 nós, os nossos criadores, em sua maioria, atribuem a SPF, SP1: maioria ( ,.); attribuem mortandade do gado vacum a causas que não são SPF, SP1: vaccum verdadeiras. A peste, como é geralmente denominada toda e qualquer doença dos irracionais, por coincidir as SPF, SP1: irraccionaes mais das vezes com as maiores secas, tem por causa SPF, SP1: SECCAS exclusiva, como supõem, a escassez de pastagens, SPF, SP1: suppõem quando é certo que isso apenas concorre para a 260 SPF, SP1: recrudescencia recrudescência do mal. João lançou mão de todos os meios e recursos 265 em uso nos nossos sertões, os quais consistem na SPF, SP1: quaes retirada dos armentos para os campos gerais, onde SPF, SP1: GERAES existem fontes perenes e pastagens naturais. Essa SPF, SP1: perennes; naturaes medida muito concorre para a propagação do mal, pois as levas de gado em grande número põem em contato os SPF, SP1: numero; contacto animais sãos com os atacados do mal e, além disso, dão SPF, SP1: animaes; alem; d’isso lugar a grandes prejuízos pelo extravio dos gados e SPF, SP1: prejuizos outros inconvenientes. Ademais os agricultores mais pobres, 270 82 ocupados com isso, descuidam-se das SPF, SP1: occupados plantações, ou não podem fazê-las e tratá-las em tempo. SPF, SP1: fazel-a; tratal-as Entre nós não existem veterinários competentes, e os SPF, SP1: veterinarios Epizootia: doença que ataca numerosos animais ao mesmo tempo e no mesmo lugar. 99 nossos alveitares83, quase todos de uma crassa84 SPF, SP1: quasi; ignorancia ignorância, não acertam com a verdadeira causa do mal. 275 280 Dos poucos animais que João possuía escapou SPF, SP1: animaes; possuia um número resumidíssimo, a sua lavoura pouco SPF, SP1: numero; resumidissimo produziu, e o pobre mancebo viu-se a braços com sérias SPF, SP1: serias dificuldades porque, tendo contraído compromissos que SPF, SP1: difficuldades; contrahido esperava solver com os produtos da agricultura, não SPF, SP1: productos poderia satisfazer em tempo aos seus credores. Para SPF, SP1: creadores cúmulo de males dona Senhorinha adoeceu rapidamente SPF, SP1: cumulo; d. Senhorinha e faleceu de um dia para outro, sem que se pudesse SPF, SP1: falleceu saber qual a causa nem tomar providências que a SPF, SP1: podesse; providencias salvassem. 285 A dor que experimentaram os jovens esposos SPF, SP1: esposos, (Emendou-se a pontuação.) pode ser avaliada pelo leitor. Aquela perda irreparável, SPF, SP1: Aquella; irreparavel além do que o vinha afligindo, muito desanimou a João. SPF, SP1: alem; afflingindo Maria, a heroína que conhecemos na prosperidade como SPF, SP1: heroina na desventura, procurando consolar e reanimar a seu 290 295 83 84 esposo, apenas conseguia que este aparentasse SPF, SP1: tranquillidade; apparentasse; consolal-a; tranqüilidade para consolá-la. O pobre rapaz chorava às occultas ocultas a perda de um ente que lhe era tão caro. Apesar SPF, SP1: Apezar; d’isso disso, Maria, que era perspicaz, sentia-se aflita e SPF, SP1: afflicta; intranquilla intranqüila, notando o retraimento de João, o seu SPF, SP1: retrahimento forçado sorrir quando lhe procurava despertar a antiga Alveitares: curandeiro de doenças de animais. Figurativamente usado como médico inábil. Crassa: intensa, grande. ás 100 alegria, ameigando-o e desviando habilmente a sua SPF, SP1: alegria ( , ) atenção do quadro desolador que a ambos se afigurava. SPF, SP1: attenção Serafim, o amigo de sempre, acompanhou-os na 300 amarga conjuntura que lhes sobreveio, não cessando de SPF, SP1: conjunctura vir ao sítio, e procurando animar o mancebo, SPF, SP1: sitio; mancebo ( , ) lembrando-lhe sobrevinham 305 as como responsabilidades pai, ainda que maiores lhe naquela 315 SPF, SP1: pae emergência. Consolava-o com a certeza de que sua mãe, SPF, SP1: n’aquella; emergencia mesmo de lá onde estava, não deixaria de vir acalentá-lo SPF, SP1: acalental-o com o mesmo carinho e desvelo. Lembrava-lhe as virtudes da boa senhora e o prêmio a que fizera jus pelos SPF, SP1: premio; jús; especiaes seus dotes especiais e pelo que sofreu. SPF, SP1: soffreu Dona Úrsula e Abílio vieram apresentar as suas 310 SPF, SP1: Seraphim SPF, SP1: D. Ursula; Abilio condolências ao jovem casal, previamente tendo sido SPF, SP1: condolencia; joven recomendada a velha de como devia proceder. A visita SPF, SP1: recommendada dos dois, para não incomodar a família, não foi SPF, demorada; mas dona Úrsula teve tempo para chorar SPF, SP1: d. Ursula abraçada a Maria, memorando as singulares virtudes da SPF, SP1: Maria ( , ) morta. Abílio mostrou-se amigo carinhoso, afligiu-se SPF, SP1: Abilio; affligiu-se SP1: dous; incommodar; familia muito com os revezes que sobrevieram aos seus antigos condiscípulos e, em particular, fez oferecimentos a João SPF, SP1: exigindo bondosamente que não procurasse outro SP: ontro (Erro óbvio.) offerecimentos quando necessitasse de dinheiro ou outro qualquer 320 auxílio. condiscipulos; SPF, SP1: auxilio 101 João, o homem bom e de boa fé, sentiu-se enternecido e, agradecendo a espontaneidade dos SPF, SP1: expontaneidade generosos oferecimentos, comprometeu-se a procurá-lo SPF, SP1: offerecimentos; comprometteu-se; procural-o quando se sentisse em aperturas. O pobre João ignorava 325 330 335 os precedentes de Abílio no que tocava às suas SPF, SP1: Abilio; ás suas pertensões sobre Maria e os fatos que se deram entre ele SPF, SP1: pretenções; factos; elle e Serafim, porque este julgou de bom aviso guardar SPF, SP1: Seraphim reserva sobre a má e repreensível conduta do SPF, SP1: reprehensivel; conducta pretendente malogrado, e Maria, também discreta, SPF, SP1: mallogrado; tambem considerou que tal revelação enublaria a paz do lar sem SPF, SP1: ennublaria que disso adviesse proveito a seu esposo. Seria isso SPF, SP1: d’isso fomentar dissídios entre os dois mancebos, impróprio do SPF, SP1: dissidios; dous; improprio caráter honesto da esposa carinhosa, e muito mal a SPF, SP1: caracter recomendaria. Seria a sua indiscrição uma leviandade e SPF, desmentido caráter, rebaixando-a às proporções de SPF, SP1: caracter (,) enredadora e intrigante; um elemento de perturbações e SPF, SP1: ás proporções SP1: recomendaria; indiscreção desordem. Por isso a criteriosa esposa chegou a recomendar insistentemente a Pulquéria que, nem de SPF, SP1: recommendar; Pulcheria leve, deixasse escapar a quem quer que fosse o que 340 sabia respeito às pretensões de Abílio. SPF, SP1: ás pretenções; Abilio Diz-se que muitas vezes se perde por falar e outras por não falar. No caso de João e Abílio eram SPF, SP1: Abilio; applicaveis aplicáveis a negativa e a afirmativa deste adágio. SPF, SP1: adágio Serafim considerava que “abrir os olhos” a João seria SPF, SP1: Seraphim 102 345 afligi-lo e pôr em dúvida o caráter de Maria à apreciação SPF, SP1: affligil-o; duvida; caracter; á apreciação de seu esposo, que, cego como todos os que amam em extremos, nem ao menos consentiria que o objeto de sua 350 afeição fosse desejado por outro. João bem poderia, SPF, SP1: objecto; affeição desde que soubesse da pretensão de Abílio, conhecendo- SPF, SP1: pretenção; Abilio lhe o gênio ardente e pertinaz, tomar-se de ciúmes ao SPF, SP1: genio pensar que algum dia sua esposa dedicou o seu afeto a SPF, SP1: ciumes outro que não ele e que das cinzas desse amor SPF, SP1: affecto; elle resurgisse, como a fênix, um amor reprovável. SPF, SP1: phenix; reprovavel O ciúme é a carcoma85 do amor. Trabalhando 355 SPF, SP1: ciume insidiosamente, aquela paixão desagrega as mais íntimas SPF, afeições, envenena os sentimentos os mais puros, SPF, SP1: affeições dissocia SPF, SP1: atrahindo-se os bons elementos que, atraíndo-se SP1: aquella; desaggrega; intimas irresistivelmente, constituem o fundamento da paz, da 360 tranqüilidade, da harmonia, que fazem a felicidade da SPF, SP1: tranquillidade família ou da sociedade. SPF, SP1: familia A confiança que João tinha na sua eleita, que bem a merecia pelas suas virtudes, era calma como a 365 superfície serena de águas tranqüilas, que nem a mais SPF, leve bafagem enrugasse. Bastava, porém, que os zelos SPF, SP1: porem assoprassem aquele espelho onde se refletiam a paz, o SPF, SP1: aquelle; reflectiam sossego e a ventura, para que ele se agitasse oscilando SPF, SP1: socego; elle; oscillando entre a luz fugace da confiança, e as sombras dos receios, das dúvidas e das inquietações. 85 Carcoma: corrosão, destruição lenta. SP1: superficie; aguas; tranquillas 103 receios, das dúvidas e das inquietações. Entre os dois alvitres que lhe sugeria um caso tão 370 melindroso conforme o adágio, Serafim preferiu o de calar-se e vigiar sem descanso, porque, por mais sincera que fosse a promessa que lhe fez Abílio de esquecer Maria, o sagaz mestre-escola considerou que aquele movimento generoso da sua alma era momentâneo; que 375 a raiz daquela violenta paixão não estava extirpada e SPF, SP1: duvidas SPF, SP1: dous; suggeria SPF, SP1: adagio; Seraphim SPF, SP1: descanço SPF, SP1: Abilio SPF, SP1: aquelle SPF, SP1: momentaneo SPF, SP1: d’aquella que a reflexão posterior dar-lhe-ia novo alento auxiliada pelo despeito e pelo orgulho. Entretanto, o arguto espírito de Abílio, depois de 380 86 Abilio um demorado exame de todas essas circunstâncias e SPF, SP1: circunstancias conveniências, como que adivinhando o que pensava SPF, SP1: conveniencias Serafim, sentia-se seguro pela sua discrição e de Maria SPF, SP1: Seraphim; discreção e, com receio da vigilância de seu velho mestre, SPF, SP1: vigilancia procurava levar-lhe as lampas,86 trabalhando com mais SPF, SP1: lampas (,) cuidado e dissimulação no sentido de conseguir os seus 385 SPF, SP1: Entretanto (,); espirito; maldosos intentos. Levar as lampas: levar vantagem a. 104 II Morta dona Senhorinha, João, não só pelo SPF, SP1: d. Senhorinha abatimento e tristeza que este inopinado acontecimento lhe causou, como porque não se lembrou dessa 5 10 imposição legal, não tratou de requerer em juízo, dentro SPF, SP1: Juizo dos trinta dias da lei, fosse feito o inventário dos bens do SPF, SP1: inventario casal. Além disso, alheio às coisas de foro, com o qual SPF, SP1: Alem; d’isso; ás causas nunca esteve em contato, mesmo que cogitasse de tal SPF, SP1: contacto coisa, não suporia que, sendo ele o único sucessor de SPF, SP1: cousa; supporia; elle; sua mãe, fosse indispensável essa formalidade judicial SPF, SP1: successor; indispensavel unico para que entrasse na posse dos bens. Entretanto, alguém, como que de espreita, 15 20 SPF, SP1: alguem despertou os funcionários do foro, logo decorrido o SPF, SP1: funccionarios prazo, e João foi citado ex-offício. Embora contrariado, SPF, SP1: ex-officio não quis desobedecer, e compareceu perante o Juízo no SPF, SP1: quiz; Juizo dia assinado. Por esse tempo os processos desse gênero SPF, SP1: assignado eram muito SPF, SP1: d’esse; genero simplificados e não se impunham formalidades que exigem advogado para acusar citações SPF, SP1: accusar e falar em juízo; mas aconselharam-lhe que convinha SPF, SP1: Juizo constituir procurador para tratar do feito em seu lugar, pois assim poderia voltar tranqüilo para o sítio a cuidar SPF, SP1: tramquillo; sitio dos seus afazeres, e não lhe seria preciso perder na SPF, SP1: affazeres cidade dias e dias à espera da terminação do feito. SPF, SP1: á espera O conselho pareceu razoável a João e aceitou-o, SPF, SP1: razoavel 105 25 tanto mais que nada sabia daquilo. Contratou um SPF, SP1: acceitou-o; d’aquillo procurador, deu-lhe os necessários poderes e instruções SPF, SP1: Contractou; necessarios; que lhe exigiram e voltou tranqüilo para sua residência, SPF, SP1: tranquillo; residencia instrucções onde aguardaria o resultado de tamanha maçada que amedronta o pobre roceiro e muita vez fá-lo passar por 30 SPF, SP1: fal-o desgostos, vexames e contrariedades. Passados muitos dias, recebeu João uma carta do procurador na qual era informado de que todo o trabalho 35 fora perdido, tendo o mandatário o cuidado de dizer-lhe SPF, SP1: mandatario que o culpado fora o próprio João que, nas instruções, SPF, SP1: proprio; instrucções não informara que, por morte de seu pai e, até, de seus SPF, SP1: pae avós, não se fez inventário nem se partilhou os bens, SPF, SP1: inventario como foi provado em juízo por outros interessados. SPF, SP1: Juizo Lá foi João de novo à cidade, onde pintaram-lhe SPF, SP1: La; á Cidade o caso como muito intrincado, e, aproveitando-se da sua 40 ingenuidade e boa fé, enleiaram-no nas malhas da SPF, SP1: enleiaram-n-o tarrafa87 judiciária. Os interessados eram herdeiros de SPF, SP1: judiciario seus avós, que já se achavam na posse das suas 45 legítimas desde muitos anos sem que se processe às SPF, SP1: legitimas; annos; diligências ou formalidades judiciais. João protestou, SPF, SP1: judiciaes mas esses sucessores adventícios provaram com SPF, SP1: successores; adventicios deligencias certidões negativas que se não fizeram as partilhas, e ameaçaram levantar litígio no qual provariam que se 87 SPF, SP1: litigio Tarrafa: armadilha para pegar algo ou alguém. Normalmente, o instrumento é muito utilizado na prática de pescaria amadora. ás 106 achavam prejudicados. Estabeleceu-se uma balbúrdia, os tais herdeiros 50 55 SPF, SP1: balburdia; taes apresentaram listas de bens semoventes em cópia, que alegaram não terem recebido; atribularam o pobre João SPF, SP1: copia; dizendo-o responsável por esses bens, por terem ficado SPF, SP1: responsavel com seus pais, apresentando escrituras antigas, e SPF, SP1: paes; escripturas estavam prontos ao que desse e viesse. Foi então que SPF, SP1: promptos; désse Abílio, todo maneiroso e delicado, mostrou-se amigo SPF, SP1: Abilio dedicado de João e interessado por ele, aconselhou-lhe SPF, SP1: elle que melhor lhe seria em avença pacífica entre ele e os SPF, SP1: pacifica; elle allegaram; attribularam outros herdeiros, porque as demandas são ruinosas. Convenceu-o de que a sua conhecida honradez corria 60 65 perigo naquela contenda, porque os herdeiros SPF, SP1: n’aquella adventícios tinham provas documentais e testemunhais SPF, SP1: adventicios; documentaes esmagadoras. Não havia dúvida que venceria no pleito SPF, SP1: testemunhaes; duvida e, afinal, teriam dúvidas sobre sua honestidade, dando-o SPF, SP1: duvidas como sonegador de bens do casal. Abílio mostrou-se tão SPF, SP1: Abilio amigo de João, usou de tais argumentos, e tanto SPF, SP1: taes; animos procurou conciliar os ânimos exaltados daquela malta de SPF, SP1: d’aquella; porgim herdeiros, que, por fim, o filho de dona Senhorinha SPF, SP1: d. Senhorinha esteve por tudo quanto quiseram. SPF, SP1: quizeram Findo o processo e homologado pelo juiz, 70 achava-se o pobre João reduzido à extremidade, porque teve que despender muito. Foi-lhe preciso vender as SPF, SP1: á extremidade 107 terras e a parte que lhe tocou na casa onde nasceu e 75 passou a sua infância e mocidade. Restava-lhe, depois SPF, SP1: infancia de tudo concluído, um trato de terra vestido de capoeiras SPF, SP1: concluido; tracto e uma pequena faixa de mato virgem, da legítima que SPF, SP1: matto; legitima coube a Maria por morte de sua mãe, e poucos animais. SPF, SP1: animaes João entristeceu-se porque nem ao menos tinha 80 um casebre onde se abrigar com a família daí a dois SPF, SP1: familia; d’ahi; dous meses, prazo que lhe foi concedido para desocupar a SPF, SP1: desoccupar casa de seus pais; mas Serafim, o amigo de todos os SPF, SP1: paes; Seraphim tempos, animou-o aconselhando-o a construir uma casa 85 modesta nas terras que lhe ficaram, prontificando-se a SPF, SP1: promtificando-o ajudá-lo com seus filhos. Maria mostrou-se animada até SPF, SP1: ajudal-o o heroísmo, sempre disposta e risonha, comprometendo- SPF, se a prestar o seu concurso nos traballhos projetados, SPF, SP1: projectados tanto quanto lhe fosse possível. Assim, João não gastaria SPF, SP1: possivel o restante pecúlio de sua reserva. SPF, SP1: peculio Antes dos dois meses a casa estava construída, embora 90 não estivesse toda aparelhada. Todos trabalharam com afã e boa vontade, sendo Serafim o SP1: heroismo; compromenttendo-se SPF, SP1: dous; construida SPF, SP1: apparelhada SPF, SP1: afan; Seraphim pedreiro e carpinteiro. Eram poucos os compartimentos, 95 os estritamente necessários; mas de futuro podiam ser SPF, SP1: estrictamente; necessarios aumentados em número. João para ela mudou-se e SPF, SP1: augmentada; numero; ella preparou cômodos para os seus animais, antes mesmo SPF, SP1: commodos; animaes de concluir o aparelhamento interior e exterior, que foi SPF, SP1: apparerelhamento 108 realizado depois. SPF, SP1: realisado O que é certo é que, antes da estação das chuvas, estava acomodado com todos os seus e já havia SPF, SP1: accomodado preparado terreno para fazer as suas plantações. Na parte posterior da casinha, uma larga baixa era cortada 100 pelo ribeiro, que se prestava a irrigá-la em toda a sua SPF, SP1: irrigal-a extensão. Nela seriam cultivados o arroz e a cana de SPF, SP1: N’ella; canna açúcar. Como a baixada fosse extensa e João SPF, SP1: assucar considerasse que ele só não poderia cultivá-la, deu-a em SPF, SP1: elle; cultival-a grande parte a meeiros, reservando para si a parte que era mais próxima da casa. 105 Entretanto, via-se João embaraçado porque não SPF, SP1: proxima SPF, SP1: Entretanto (,) lhe foi possível solver alguns compromissos, e isso SPF, SP1: possivel muito intraqüilizava o seu espírito de homem honesto, SPF, SP1: intranquilizava; espirito que sempre foi pontual no cumprimento da sua palavra. Trabalhando muito e economizando a rigor, calculava 110 que, mesmo em um ano, não poderia libertar-se dos seus SPF, SP1: anno credores. Como era muito conhecida a sua probidade, poderia conseguir uma mora. Isso, porém, muito o SPF, SP1: porem afligia e envergonhava. SPF, SP1: Abílio veio visitar o seu antigo condiscípulo logo 115 affligia SPF, SP1: Abilio; condiscipulo depois da sua mudança para a nova morada. Preferiu um domingo para não interrompê-lo nas suas ocupações SPF, SP1: interrompel-o; occupações rurais. Era a primeira vez que ia encontrá-lo na sua nova SPF, SP1: ruraes; encontral-o 109 residência. João não estava em casa, e Maria veio SPF, SP1: residencia recebê-lo. SPF, SP1: recebel-o 120 125 A esposa, na aparência, era a mesma formosa SPF, SP1: apparencia donzela, de uma beleza cativante que justificava o nome SPF, SP1: donzella; que Serafim lhe escolheu quando menina. O leitor pode SPF, SP1: Seraphim bem calcular que impressão causou a Abílio aquela SPF, SP1: Abilio mulher a quem ainda adorava apaixonadamente. De pé SPF, SP1: aquella em frente de Maria, enleiado pelo olhar daquela visão SPF, SP1: d’aquella empolgante, o mancebo, coato88, como fascinado, SPF, SP1: coacto; assemelhava-se a um tímido colegial em frente do SPF, SP1: timido; collegial captivante severo pedagogo. Foi preciso que Maria, contra todas as regras da 130 etiqueta, o saudasse em primeiro lugar com a maior naturalidade estendendo-lhe a mão, convidasse-o a assentar-se e tomasse-lhe o chapéu, que ele, indeciso, SPF, SP1: chapeu; elle conservava na mão, para que Abílio fosse readquirindo SPF, SP1: Abilio uma calma relativa e, pouco a pouco, tomasse posse de si. 135 –Está um calor sufocante, minha senhora! – disse Abílio por fim, enxugando o rosto com o lenço. SPF, SP1: suffocante SPF, SP1: Abilio; porfim –O senhor quer banhar o rosto? – perguntou Maria delicadamente, sem denunciar que conhecia a causa daquela perturbação. 88 Coato: coagido. SPF, SP1: d’aquella belleza; 110 140 –Não senhora, dona Maria. Graças a Deus aqui SPF, SP1: d. Maria está mais fresco. Eu desejava ver a João. –Ele saiu, mas está perto e volta já. Posso mandar chamá-lo. –Não o incomode; eu o aguardarei. Só hoje pude 145 sair de casa, tantas atrapalhações me apareceram. Vim SPF, SP1: Elle; sahiu SPF, SP1: chamal-o SPF, SP1: incommode SPF, SP1: sahir; appareceram fazer-lhes uma visita um pouco tardia em sua nova morada, e peço desculparem-me. –Não há de que desculpar. Sabemos que a vida 150 do campo quase não nos dá tempo para cumprirmos as SPF, SP1: quasi nossas obrigações sociais. SPF, SP1: sociaes –Ainda bem que o sabe. Hoje, principalmente, que escasseiam entre nós os recursos e os abraços, 155 160 lutamos com sérias dificuldades. E o pobre João, SPF, SP1: luctamos; coitado! Calculo como não se viu embaraçado com SPF, SP1: Calcúlo difficuldades tantas atrapalhações que lhe sobrevieram! Como sabe, minha senhora, João é o meu mais íntimo amigo desde a SPF, SP1: intimo; infancia infância e muito me interesso por ele. Por isso, vendo-o SPF, SP1: elle em apuros e explorado miseravelmente na cidade, tomei SPF, SP1: era explorado a peito defender os seus interesses e consegui salvá-lo SPF, SP1: salval-o; peores de piores consequências. SPF, SP1: consequencias. –Somos-lhe muito gratos – agradeceu Maria, SPF, SP1:Maria ( , ) conhecendo a intenção do visitante. –Entretanto, João não me procurou quando teve SPF, SP1: Entretanto ( , ) serias; 111 165 que construir a sua nova instalação apesar de oferecer- SPF, lhe com insistência o meu auxílio em tudo que lhe fosse SPF, SP1: insistencia; auxilio prestável! SPF, SP1: prestavel! –Guardam-se os amigos para as ocasiões de SP1: installação; apezar; offerecer-lhe SPF, SP1: occasião maior aperto. –Podia haver ocasião mais apertada do que esta 170 que felizmente ele venceu? –O compadre Serafim veio oferecer-se para SPF, SP1: occasião SPF, SP1: elle SPF, SP1: Seraphim; offerecer-se ajudar-nos no trabalho das construções e, como sabe, SPF, SP1: construcções ele trabalha de pedreiro e carpinteiro. Só ele poderia SPF, SP1: elle; elle prestar-nos esse concurso. 175 Estas palavras de Maria pareceram a Abílio um SPF, SP1: Abilio remoque ou leve censura ao seu procedimento. Nelas SPF, SP1: N’ellas eram postos em confronto o espontâneo oferecimento do SPF, SP1: expontaneo; oferecimento velho mestre-escola e o modo de proceder do mancebo 180 quando a família se achava abarbada dia e noite para SPF, SP1: familia que tivesse um abrigo. Abílio sentiu doer-lhe o espinho SPF, SP1: Abilio da sutil arguição que lhe fazia a jovem, porque era justo SPF, SP1: subtil; joven o que delicadamente lhe censurava. Se era o amigo SPF, SP1: Si dedicado de João, como não lhe apareceu quando este se SPF, SP1: appareceu via a braços com a maior das dificuldades? É que Abílio 185 era desses que acodem os amigos quando o seu auxílio SPF, SP1: difficuldades; já se tornou dispensável. “Largas salas e estreitas SPF, SP1: auxilio; dispensavel camarinhas” como diz o vulgo. Entretanto, o mancebo SPF, SP1: Entretanto ( , ) d’esses Abilio; 112 não se desconcertou e disse calmamente: –Sabe, 190 minha senhora, que eu, na impossibilidade de prestar os meus serviços do oficial SPF, SP1: official obreiro, pois de ofícios não entendo, somente poderia SPF, SP1: officios; sómente auxiliar a João com algum pecúlio. E, por mais de uma SPF, SP1: peculio vez, pus a minha bolsa à sua disposição. SPF, SP1:puz; á sua –João é muito escrupuloso como o senhor sabe; 195 por isso tem receio de contrair dívidas que não possa SPF, SP1: contrahir; dividas solver com pontualidade. Mesmo que lhe restava algum dinheiro escapo89 das grandes despesas. Estavam nesse ponto da conversação quando SPF, SP1: despezas SPF, SP1: n’esse João chegou. 200 –Estávamos aqui conversando a seu respeito, SPF, SP1: Estavamos João – disse Abílio todo carinhoso e risonho, depois de SPF, SP1: Abilio cumprimentarem-se cordialmente. SPF, SP1: cordealmente –De que se trata? –Pois você vê-se em dificuldades e não me 205 procura, a mim, seu amigo da infância, seu vizinho? –Procurá-lo, Abílio, quando, mesmo por causa SPF, SP1: difficuldades SPF, SP1: mim(,); infancia; visinho? SPF, SP1: Procural-o; Abilio (,) do aperto em que me achava, vi-me forçado a trabalhar 210 89 dia e noite para que não esgotasse o prazo que me deram SPF, SP1: exgottasse para entregar a minha casa – a casa onde nasci e fui casa, Emendou-se.) criado – ,sem que tivesse um abrigo para minha família? Escapo: livre de obrigações. SPF, SP1: familia 113 –Podia escrever-me. Sei que se acha em sérias dificuldades, e por mais de uma vez franqueei-lhe o SPF, SP1: difficuldades meu auxílio. SPF, SP1: auxilio. –Quais essas dificuldades? 215 –Soube há bem poucos dias; mas deixemos isso porque, graças à minha intervenção, pode você ficar SPF, SP1: á minha tranqüilo. Tudo, como amigo, irei remediando. SPF, SP1: tranquillo –Sou-lhe muito grato, Abílio, pelo interesse que liga à minha situação presente... 220 SPF, SP1: Quaes; difficuldades SPF, SP1: Abilio (,) SPF, SP1: á minha –Como liguei quando o perseguiam há pouco. SP1: ha –É certo, e não pense que esqueço disso. Mas... SPF, SP1: d’isso graças a Deus já consegui aplainar os maiores embaraços que me sobrevieram. –Não tanto, pois sei que ainda não se extinguiu 225 por completo a perseguição que moveram contra você. –Que! Pois ainda se lembram de fazer-me mal? –Acalme-se, amigo! Não estou eu aqui para defendê-lo dos seus vis perseguidores? SPF, SP1: defendel-o –Mas que novos males inventam contra mim? 230 –Não se aflija, nem é preciso que você saiba do que há, porque logo me pus a campo em sua defesa e SPF, SP1: afflija SPF, SP1: puz-me mais uma vez fui feliz. –É preciso, porém, que eu, o verdadeiro interessado, saiba de tudo. SPF, SP1: porem 114 235 –Já me arrependo de ter-lhe falado nisso! Pois já SPF, SP1: n’isso não lhe disse que fui feliz? Não crê no seu amigo? –Creio muito: mas tenho o direito incontestável SPF, SP1: incontestavel de saber que nova ordem de perseguições movem contra mim. Vivo aqui a laborar sem descanso, não 240 incomodo a quem quer que seja, nem ao menos vou à SPF, SP1: incommodo; á Cidade cidade desde que de lá saí enojado... SPF, SP1: sahi –É mesmo por isso, pelo seu retraimento, que se dão certas coisas ignoradas por você. –Mas quais são elas? Insisto por saber e estou certo que Maria também. 245 250 SPF, SP1: retrahimento SPF, SP1: cousas SPF, SP1: quaes; ellas SPF, SP1: tambem –Já que insiste, meu amigo, direi, com a condição de não se agastarem comigo por ter me SPF, SP1: commigo intrometido nisso sem primeiro consultá-los. Não havia SPF, tempo para isso; você não aparece em Caetité há meses SPF, SP1: Caitete; apparece para que fosse informado diretamente a tempo de se SPF, SP1: directamente defender e eu, que me interesso por sua honra e créditos SPF, SP1: creditos SP1: intromettido; consultal-os firmados, como de sobejo tenho provado, só agindo logo poderia afastar o perigo, e não poderia entrar com o meu bom amigo em confabulação a respeito antes de se realizar o negócio. SPF, SP1: realisar; negocio –Deixe de parte tudo isso que já sei de sobra, 255 Abílio, e vamos ao caso, que estou em brasas. –Pois bem. Você não tem compromissos a SPF, SP1: Abilio; brazas n’isso; 115 solver? –Tenho, mas por vencerem. –Embora seja assim, a insídia propalou entre os 260 SPF, SP1: insidia seus credores que você está insolvente. Como me viram SPF, SP1: viram-me (Emendou-se à frente de seus interesses combatendo os seus SPF, SP1: a frente (Emendou-se.) ênclise para próclise.) perseguidores, vieram a mim os seus credores 265 desanimados queixando-se de prejuízos possíveis e SPF, SP1: prejuizos; possiveis fazendo péssima idéia dos seus créditos. Não houve SPF, SP1: pessima; idéa; creditos argumentos que os convencessem, e o único meio que SPF, SP1: unico achei de acreditarem no que eu asseverava, foi resgatar as letras. Esse meio era o único que aceitavam, como SPF, SP1: lettras; unico; acceitavam declararam positivamente. 270 –Nesse caso é você afinal o meu único credor? SPF, SP1: N’esse; unico –Não há dúvida; mas você sabe que comigo não SPF, SP1: duvida; commigo tem que se incomodar. Dar-lhe-ei fogo morto; pagar- SPF, SP1: incommodar me-á quando lhe for possível e sem embaraço de outro SPF, SP1: possivel qualquer interesse. João, entretanto, sentiu-se de alguma sorte 275 desgostoso com o procedimento de Abílio, embora não SPF, SP1: Abilio denunciasse o pesar que lhe ia pelo ânimo de ver-se SPF, SP1: pezar; animo colocado em plano inferior. O seu orgulho bom de SPF, SP1: collocado homem honesto não admitia que alguém duvidasse das SPF, SP1: admittia; alguem suas intenções de homem honrado, e acudiu-lhe à mente SPF, SP1: á mente que, por mais bem intencionado que fosse o amigo que 116 280 285 tão generosamente corria em defesa do seu crédito e SPF, SP1: credito; dignidade, isso o feria profundamente. Pelo menos esse SPF, amigo tê-lo-ia em conta de insolvente senão naquela SPF, SP1: tel-o-ia; sinão; n’aquella; ocasião, pelo menos de futuro e era testemunha, embora SPF, SP1: occasião; testemunha (,) única, do estado precário em que se achava. Como fugaz SPF, SP1: unica; precario relâmpago passou pelo seu pensamento a idéia de ir a SPF, SP1: relampago São Paulo como outros que ali somente encontraram SPF, SP1: idéa; S. Paulo fáceis meios de ganhar quanto lhes bastasse para SPF, SP1: alli; faceis restabelecerem o seu crédito e melhorarem a sua SPF, SP1: credito SP1: feria-o (Emendou-se ênclise para próclise.) situação. Todos esses pensamentos desfilaram diante da 290 SPF, SP1:deante mente do mancebo em poucos momentos. Depois, erguendo a fronte que havia curvado, disse a Abílio: –Agradeço-lhe, Abílio, o que fez por mim, e sei SPF, SP1: Abilio SPF, SP1: Abilio que assim praticou em boa intenção e como amigo sincero; mas observo-lhe que foi um tanto leviano, 295 desculpe-me a franqueza de amigo. As minhas letras SPF, SP1: lettras não estavam vencidas e só uma vencer-se-á em poucos dias. Para o resgate dessa já tenho o pecúlio com alguma SPF, SP1: d’essa; peculio sobra e quanto às outras três, espero em Deus que as SPF, SP1: ás outras; tres resgatarei. Que poderiam fazer esses meus credores 300 contra mim antes de vencido o prazo! –Não fui leviano, João. Se é certo que você em tempo coseguirá solver as suas dívidas nos prazos SPF, SP1: Si 117 tempo coseguirá solver as suas dívidas nos prazos SPF, SP1: dividas estipulados, não pode contestar que isso levará a efeito SPF, SP1: effeito mediante um moirejar90 mortificante. Os recursos do 305 nosso meio são por demais escassos e problemáticos SPF, SP1: problematicos para que consigamos vencer as grandes dificuldades que SPF, SP1: difficuldades vêm inesperadamente. As que lhe vieram há bem pouco SP1: ha tempo não são prova disso? SPF, SP1: d’isso? –Já sei que você abunda nas idéias que correm a 310 respeito do meu crédito. –Não pense isso, João, que você me ofende. SP1: Ja; SPF: idéas SPF, SP1: credito SPF, SP1: offende –Desculpe-me; mas ouça. Não seria melhor que 315 você aguardasse o desenrolar dos fatos? Você não sabia SPF, SP1: factos se eu estava ou não em estado de pagar, pelo menos a SPF, SP1: si letra que se vencerá em primeiro lugar. Não seria mais SPF, SP1: lettra vantajoso que eu fizesse o pagamento diretamente ao SPF, SP1: directamente credor? Assim não conseguiria eu demonstrar que eu não estou insolvente como pensam? Diante de uma lógica tão apertada Abílio sentiu320 SPF, SP1: Deante; logica; Abilio se embaraçado; mas não era homem que se desse por SPF, SP1: désse vencido e não achasse uma saida airosa.91 SPF, SP1: sahida –Confesso que, realmente, fui um pouco afobado, meu amigo; mas que quer? Não havia tempo para consultá-lo, fiquei nervoso e indignado e procedi 90 91 Moirejar: variante de mourejar. Trabalhar incessantemente. Airosa: elegante. SPF, SP1: consultal-o 118 325 assim quase inconsideradamente, em vista da urgência SPF, SP1: quasi; urgencia do caso. Se o desagradei, João se lhe não é agradável SPF, SP1: Si; si dever a mim, peço-lhe mil desculpas e a dona Maria. SPF, SP1: agradavel; d. Maria Sabe que o que vale é a intenção. –Não já lhe disse que creio firmemente ser boa a 330 sua intenção? Não se zangue comigo. O que está feito SPF, SP1: commigo não está por se fazer. Somos e seremos sempre amigos leais. Ainda mais, se eu precisar de dinheiro, já sei que o SPF, SP1: leaes; si encontrarei em sua mão. –E, procurando-me, causar-me-á muito prazer. 335 Desejo ser-lhe prestável em tudo quanto estiver no meu SPF, SP1: prestavel alcance. SPF, SP1: Abilio –Reconheço, Abílio. surgiu SPF, SP1: negocios incidentemente em nossa conversação. Vim apenas SPF, SP1: visital-o visitá-lo, que há muito tempo não o vejo. SPF, SP1: ha –Deixemos 340 isso de negócios que –Como já sabe, as minhas ocupações nem me deixam tempo para cumprir os meus deveres sociais. SPF, SP1: occupações SPF, SP1: sociaes Você bem avalia e por certo me desculpará. –Que dúvida, meu amigo! Entre nós não deve 345 SPF, SP1: duvida haver etiquetas. Sou mesmo refratário a exagerados e SPF, SP1: refractario meticulosos cerimoniais entre amigos. SPF, SP1: ceremoniaes A conversação dos dois derivou para este e outros assuntos sem importância, tomando Maria parte SPF, SP1: dous SPF, SP1: assumptos; importancia 119 350 nela. Abílio, sempre delicado ao extremo, mesmo SPF, SP1: n’ella; Abilio cativante no seu modo de expor, mostrando-se o amigo SPF, SP1: captivante dedicado da família, pondo em prática uma estudada SPF, SP1: familia; pratica delicadeza e habilidade que mal encobriam à jovem SPF, SP1: a joven esposa a afetação tendenciosa que tinham por SPF, SP1: affectação fundamento. Pulquéria espiava-o esconjurando-o; mas teve 355 SPF, SP1: Pulcheria que deixar o seu ponto de observação para servir o café. Horas depois se retirou a visita pedindo a João que SPF, SP1: retirou-se (Emendou-se frequentasse sua casa com dona Maria, que isso seria SPF, SP1: d. Maria ênclise para próclise.) muito do agrado de sua mãe. III João, apesar de dar crédito às reiteradas 5 SPF, SP1: apezar; creditos; retiradas afirmações de Abílio e de tê-lo como amigo sincero e SPF, SP1: affirmações; Abilio; tel-o dedicado, não só por seu gênio bondoso e boa fé, como SPF, SP1: genio por ignorar os precedentes de que o leitor está inteirado SPF, SP1: inteirado; (Emendou-se.) desde o dia daquela visita tornou-se SPF, SP1: d’aquella triste e meditabundo.92 Sentia-se como depreciado aos olhos da 10 92 às sociedade e, como obsedado por uma idéia fixa, muitas SPF, SP1: idéa vezes, quando não o distraía o trabalho, ou quando à SPF, SP1: destrahia; á noite noite a insônia o atribulava, sentia percorrer-lhe o corpo SPF, SP1: insomnia; attribulava um frêmito de terror. SPF, SP1: fremito Meditabundo: pensativo. 120 Até então, se bem considerasse arriscada e 15 SPF, SP1: si aflitiva a sua situação de comprometido por dívidas que SPF, SP1: afflictiva; compromettido; muito excediam os seus recursos ordinários, sentia-se SPF, SP1: ordinarios dividas forte e animado, contando que, com um moirejar incessante e uma economia severa, conseguiria tudo SPF, SP1: severa ( , ) pagar em tempo. Então, Maria, que nada ignorava dos seus 20 negócios e compromissos, ajudava-o com o seu SPF, SP1: negocios conselho e labor. Agora, porém, como que se lhe abriam SPF, SP1: porem os olhos diante de um abismo incomensurável que SPF, SP1: deante; incommensuravel ameaçava tragar a sua dignidade, os seus reconhecidos foros de homem de bem, o seu bom nome. Sobretudo 25 amargurava-o sentir-se como tutelado de Abílio, que se SPF, SP1: Abilio arvorava em seu protetor, como que a pôr em confronto SPF, SP1: proctetor a sua posição de fidalgo endinheirado com a de amigo pobre e arruinado. Não passava pelo pensamento de João que o procedimento de Abílio algo contivesse de SPF, SP1: Abilio tendencioso, não; tanto mais quanto cria firmemente que 30 o seu condiscípulo fora constragindo a assim proceder SPF, SP1: condiscipulo; foi com o louvável e generoso fito de pôr e resguardar a SPF, SP1: louvavel honra e os créditos do amigo. SPF, SP1: credito Entretanto, sentia-se colocado em posição muito inferior, e incapaz de corresponder, como desejava, a 35 um rasgo de tamanha liberalidade. Mesmo que fosse SPF, SP1: collocado abysmo; 121 pontual na solvência de seus compromissos, só Abílio SPF, SP1: solvencia; Abilio seria testemunha da sua pontualidade e, por mais que este asseverasse em público a probidade e retidão do SPF, SP1: publico; rectidão amigo, diriam os maldizentes que o rico mancebo se 40 sacrificara para salvar a honra daquele a quem era SPF, SP1: d’aquelle dedicado, com uma generosidade digna de tantos elogios quanto tinha de depreciativa do caráter do SPF, SP1: caracter protegido. Nesse ponto o louvável orgulho de João impelia45 50 SPF, SP1: N’esse; louvavel; impelliao o a lançar mão de recurso extremo. Qual esse recurso? Achava-se agora convencido de que o seu trabalho, por SPF, SP1: trabalho (,) mais afanoso que fosse, que a sua economia, por mais SPF, SP1: fosse; (,) estrita que a pusesse em prática, tinham contra si o SPF, SP1: estricta; puzesse; pratica futuro, todo problemático, que muitas vezes traz consigo SPF, SP1: problematico; comsigo embaraço e até obstáculos que o esforço humano não SPF, SP1: obstaculos pode vencer. Como o naúfrago que, desalentado e quase sem SPF, SP1: naufrago; quasi esperança de salvar-se, bracejando na superfície encapelada do mar, tem a morte diante dos olhos, João 55 avistou uma taboa93 de salvação: – o estado de São Paulo. Como asseveravam muitos baianos que lá SPF, SP1: S. Paulo; bahianos; la estiveram e trabalharam, o dinheiro corria ali a rodo e o SPF, SP1: alli; rôdo trabalho era magnificamente remunerado. Já muitas SP1: Ja testemunhas que lhe mereciam fé haviam-lhe informado 93 SPF, SP1: encapellada; deante Taboa: variante de tabua. 122 testemunhas que lhe mereciam fé haviam-lhe informado 60 o quanto esplendorosos eram o progresso, a riqueza e o desenvolvimento industrial e comercial do opulento SPF, SP1: commercial estado do Sul, sem que conseguissem abalar-lhe o ânimo e sugestioná-lo como a muitos baianos honestos SPF, SP1: animo; suggestional-o; bahianos que, depois de procurarem aqui, debalde, meios de 65 livrar-se de aperturas como as que presentemente o afligiam, somente lá haviam conseguido o pecúlio de SPF, SP1: affligiam; la conseguiram; peculio que tanta necessidade tinham para solver compromissos, sobrando-lhes ainda com que dessem desenvolvimento à SPF, SP1: déssem; á sua sua fazenda... 70 75 “Com trabalho, inteligência e economia, só não é SPF, SP1: intelligencia rico quem não o quer ser” lera João algures e adotara SPF, SP1: adoptara como postulado que devemos todos ter presente à nossa SPF, SP1: á nossa memória. É certo que essa sentença não mencionava, SPF, SP1: memoria além dos três fatores lembrados, a eventualidade e o SPF, SP1: alem; tres; factores imprevisto; mas o nosso mancebo considerava que os fatores enunciados, sendo puramente humanos, eram os SPF, SP1: factores; são únicos que estão ao nosso alcance, tendo Deus SPF, SP1: unicos reservado para si os outros, dependendo afastar a sua 80 influência quando prejudicial, de uma fé profunda na SPF, SP1: influencia Providência; de seguir-se sempre, sem desfalecimentos, SPF, o caminho reto do bem; de termos uma conduta SPF, SP1: recto; conducta irrepreensível; de não nos esquecermos um só momento, SPF, SP1: irreprehensivel SP1: Providencia; desfallecimentos 123 85 dando-lhe graças que do Céu nos vem o auxílio em toda SPF, SP1: Céo; auxilio e qualquer circunstância, quando agimos com indefesa SPF, SP1: circumstancia energia e coragem, arrimados à confiança nAquele que SPF, SP1: á confiança; n’Aquelle jamais deixa de estender a mão à boa vontade e SPF, SP1: á boa intenção. Um homem honesto e laborioso, de aspirações modestas, que tenha como sagrados os seus deveres de 90 95 100 unidade social que deve trabalhar tanto para si como para o bem da coletividade; que seja respeitador SPF, SP1: collectividade daqueles a quem se subordina, que seja bom cidadão, SPF, SP1: d’aquelles bom esposo; bom pai; um homem de bem, em suma, em SPF, SP1: pae; summa um meio opulento como o do estado de São Paulo, em SPF, SP1: Estado de S. Paulo menos de um ano conseguirá ali uma fortuna que, se SPF, SP1: anno; alli; si para o rico estado é modesta, para nós, os atrasados SPF, SP1: Estado; atrazados; nós(,) sertões, será de encher as vistas. Tanto pensou João SPF, SP1: sertões (,) nisso, guardando absoluta reserva, sem revelar, nem SPF, SP1: n’isso mesmo a Maria, as idéias que o iam progressivamente SPF, SP1: idéas dominando sem procurar conselho de quem quer que SPF, SP1: dominando; fosse; que por elas foi subjugado, chegando por fim à SPF, SP1: fosse; (Emendou-se a pontuação.); ellas definitiva resolução de emigrar como muitos outros, tomado da esperança de, no estado leader94 da União, encontrar os recursos de que tinha tanta necessidade 105 para solver os seus compromissos e melhorar a sua situação. 94 Leander: líder. SPF, SP1: LEANDER 124 situação. IV Eis como se forma atualmente o caráter do SPF, SP1: actualmente; caracter sampauleiro honesto, bem intencionado e digno que, por si, toma a deliberação de emigrar, por um lado premido 5 por circunstâncias adventícias, por outro atraído por SPF, aquele centro de movimento e riqueza. Destes que SPF, SP1: aquelle; D’estes constituem uma classe, podemos asseverar SP1:circumstancias; adventicias; attrahido que dificilmente se abalam do nosso meio, levando no seu SPF, SP1: difficilmente coração a dor e no pensamento as mais dolorosas 10 reminiscências de uma vida até então tranqüila no seio SPF, SP1: reminiscencia; tranquilla amorável da terra querida onde abriram os olhos a esta SPF, SP1: amoravel existência, onde passaram a infância e a mocidade; SPF, SP1: existencia; infancia levando a saudade, essa amargura adulçorada pela esperança de retorno e pela imagem da esposa, dos 15 inocentes filhinhos, dos parentes, dos amigos que atrás SPF, SP1: innocentes; atraz deixaram, a quem tanto amou e por quem são capazes de todos os sacrifícios, e que se estampa na sua SPF, SP1: sacrificios retentiva, risonha, em uma objetividade acariciadora que os anima incitando-os a prosseguir a despeito de tudo, 20 como a ampará-los com angelical doçura e carinho que constitui uma segura promessa. SPF, SP1: ampararal-o 125 Arrastando-se pela via dolorosa que uma como fatalidade abrigou-os a trilhar, vergados ao peso da triste conjuntura que os impele com o seu poderoso aguilhão 25 SPF, SP1: conjunctura; impelle – cruel, porque impõe com inexorabilidade; meigo e suave, porque indica uma finalidade risonha e feliz – 30 não se esquecem, um momento sequer, da gleba que, SPF, SP1: siquer desde os seus maiores, vêm, pacífica e tranqüilamente SPF, SP1: tranquillamente arroteada,95 para desabotoar os seus tesouros em ótimos SPF, SP1: thesouros; optimos frutos; do arroio96 perene e murmuroso onde os seus SPF, SP1: fructos; perenne nédios97 rebanhos vão dessedentar-se98 e que, obediente à sua inteligente direção, vai umedecer as plantações SPF, SP1: á sua intelligente; direcção; vae; humedecer para emprestar-lhes o viço que verdeja como a 35 esperança; da colina que a primavera floreja com seus SPF, SP1: collina opulentos tesouros de bela e atraente policromia; do SPF, tanque, vasto espelho cristalino, que reflete as SPF, SP1: crystalino; reflecte encantadoras 40 95 ribas vestidas uma thesouros; vegetação luxuriante, que guarda o piscoso alimento e atrai um SPF, SP1: atrahe variado mundo de aves aquáticas, a sua alma sonante e SPF, SP1: acquaticas buliçosa que enche o ambiente com uma rumorosa e esquisita harmonia; dos bosques, dos prados, das SPF, SP1: exquisita árvores vetustas que os viram nascer; dos rochedos e SPF, SP1: arvores penhascos impassíveis, como austeros vigias da SPF, SP1: impassiveis Arroteada: cultivada. Arroio: pequeno curso de água. 97 Nédio: lustroso; brilhante. 98 Dessedentar: saciar, matar a própria sede. 96 de SP1: attrahente; polycromia bella; 126 eternidade no tempo, pacientemente enredados, mas não 45 vencidos, pelas lianas99 floridas, cobertos de musgos e coroados de cactus; enfim do brilhante sol tropical que, SPF, SP1: cactus; emfim se caustica e flagela nas grandes estiagens, é um SPF, SP1: si cauticas; flagella indispensável elemento de vida, dessa vida estuante e SPF, SP1: indispensavel; d’essa opulenta que maravilha e delicia os advenas dos outros 50 SPF, SP1: paizes. países. A essa classe pertencem outros que são constrangidos ao exílio por circunstâncias diferentes das SPF, SP1: exílio; circunstancias; que impeliam João ao expátrio, mas tão peníveis como SPF, elas. 55 differentes SP1: impelliam; expatrio; peniveis SPF, SP1: ellas Quantos pobres baianos destes altos sertões que SPF, SP1: bahianos; d’estes viviam tranqüilos, trabalhando, em seguida aos seus SPF, SP1: tranquillos antepassados, no campo que lhes pertence de fato e de SPF, SP1: facto direito, vítimas de clamorosas injustiças, perseguidos SPF, SP1: victimas por poderosos, espoliados de sua fazenda em favor de 60 vizinhos invejosos da sua modesta propriedade, ou de SPF, SP1: visinhos inimigos gratuitos que lhe movem demandas e processos-crimes, caluniados por testemunhas adrede100 SPF, SP1: calumniados arranjadas, não se vêm por fim obrigados a fugir sob a SPF, SP1: porfim ameaça dos mandões, a arrastar-se penosamente por 65 99 centenares de léguas, sofrendo privações, lutando com SPF, SP1: leguas; soffrendo; luctando inúmeras dificuldades, tendo como última esperança, SPF, SP1: innumeras; difficuldades; Liana: trepadeira lenhosa, geralmente de grande tamanho, semelhante a cipó. Adrede: intencional. 100 ultima 127 como seguro amparo, escravizar-se aos ricos fazendeiros paulistas e seus subordinados! Levando o coração torturado pela dor e pela 70 saudade de sua terra, muita vez conduzindo a esposa e os filhos que os sobrecarregam de maiores embaraços e privações, chegam ao termo da sua viagem nús e 75 80 famintos, são tratados como “retirantes” que fogem às SPF, SP1: ás faladas faladas “secas” e à fome que por cá não existem, são SPF, SP1: “seccas”; á fome recebidos com soberano desprezo, e assim concorrem indiretamente para o descrédito da Bahia, por lá SPF, SP1: indirectamente; descredito considerada estéril, adusta101 e inóspita, quando, SPF, SP1: esteril; inospita entretanto, deixaram atrás fartas messes102, o solo SPF, SP1: atraz; SP1: mésses umedecido pela chuva benéfica, os campos cobertos de SPF, SP1: humedecido; benefica verdura. Os que escapam a essas injustas perseguições, ou que por ora se acham esquecidos dos tiranetes,103 são SPF, SP1: tyrannetes um atestado do que afirmamos, e prova irrefragável de SPF, SP1: attestado; affirmamos; irrefragavel que entre nós, mesmo nas maiores estiagens, jamais nos faltaram os recursos instalados pela subsistência. 85 Há ainda a classe dos iludidos por promessas SPF, SP1: fallaciosas; alliciados; Nunca tinham ido a São Paulo, ouviam falar-se na SPF, SP1: S. Paulo riqueza e esplendor daquele estado; mas tinham dúvidas SPF, SP1: d’aquelle; duvidas Adusta: queimada, abrasada. Messes: seara em bom estado de se ceifar 103 Tiranete: aquele que oprime os que dele dependem. 102 SPF, SP1: illudidos falaciosas, aliciados por hipócritas e exploradores. a respeito do que lhes informavam, tanto mais quanto 101 SPF, SP1: subsistencia hypocritas 128 a respeito do que lhes informavam, tanto mais quanto 90 viam voltarem alguns desiludidos e pobres. Os aliciadores, porém, acham meios de convencê-los, SPF, SP1: alliciadores; porem; prometem colocações vantajosas e, embora sejam SPF, SP1: promettem; collocações baianos, não se envergonham de desacreditar a sua terra SPF, SP1: bahianos conhecell-os para conseguirem os seus fins, que são: arrebanhar essa 95 nova espécie de escravos, que já têm contratados a tanto SPF, SP1: especie; contractados por cabeça e locupletar-se104 com o trabalho dos ingênuos que lhes caem nas garras de aves rapaces105. SPF, SP1: ingenuos; cahem Quantos desses por lá perambulam desiludidos e SPF, SP1: d’esses; desilludidos impossibilitados de voltarem! 100 Há muitos emigrados baianos que, abandonando SP1: Ha; SPF, SP1: bahianos mulher e filhos, esquecem-se das pessoas que lhes deviam ser caras. Atraídos, como a falena106, pelo brilho SPF, SP1: Attrahidos; phalena da civilização paulista, por tantas magnificências que lá SPF, SP1: civilisação; magnificencias encontram e aqui nunca viram, deixam-se mais levar 105 pelo esplendor contínuo que presenciam e que para eles SPF, SP1: continuo; elles é uma festa permanente, e desperdiçam levianamente o 110 que em São Paulo conseguiram ganhar. Renegam o seu SPF, SP1: S. Paulo estado natal, como renegam os seus mais íntimos SPF, SP1: intimos parentes; envergonham-se de serem baianos e chegam a SPF, SP1: bahianos constituir naquelas terras longínquas nova família, ilícita SPF, SP1: n’aquellas; longinquas; se ainda lhes resta algum escrúpulo, aparentemente legal 104 Locupletar-se: tornar-se rico, enriquecer-se. Rapaces: raptadoras. 106 Falena: espécie de borboleta noturna, mariposa. 105 famillia; illicita 129 se ainda lhes resta algum escrúpulo, aparentemente legal SPF, SP1: escrupulo por meio de um consórcio anulável, quando são SPF, SP1: apparentemente; consorcio; annullavel desabusados e audazes. A pobre esposa e os filhos, 115 abandonados por cá, passam pelas mais cruéis e SPF, SP1: crueis angustiosas dificuldades. Esperando indefinidamente o SPF, SP1: difficuldades chefe do casal, rodeados de inocentes criancinhas, é SPF, SP1: innocentes creancinhas dolorosa a sua situação. Se é honesta e criteriosa, a SPF, SP1: Si esposa vale-se do trabalho incessante, indefeso, para salvar a prole. 120 Quantas dessas pobres mártires, se compreendem as responsabilidades que lhes cabem SPF, SP1: d’essas; martyres; si SPF, SP1: comprehendem como esposas, velando pelo seu bom nome, guardando a 125 sua virtude como uma vestal, exaurem-se no labor, SPF, SP1: exhaurem-se sacrificam a sua saúde ou a sua vida, ocultas, ignoradas SPF, SP1: saude; occultas do mundo, no humilde gineceu107 que lhes coube por SPF, SP1: gyneceu uma sorte mofina, e conseguem, depois de anos de uma SPF, SP1: annos luta estiolante, formar o caráter de um filho que vem a SPF, SP1: lucta; caracter substituir no lar o seu desalmado progenitor! Quantas 130 ingênuas, incapazes de lutar até o fim, sem nítida SPF, SP1: ingenuas; luctar; nitida compreensão dos seus deveres sagrados, arriscam-se a SPF, SP1: comprehenção procurar um protetor estranho, – muitas vezes um SPF, SP1: protector; extranho hipócrita e filaucioso108 compadre que favoreceu a SPF, SP1: hypocrita; philaucioso emigração do marido, que até forneceu-lhe dinheiro para 107 108 Gineceu: parte da habitação grega destinada às mulheres. Filaucioso: egoísta. 130 135 a viagem, com o infame propósito de apartá-lo como SPF, SP1: proposito; apartal-o impecilho que era aos seus desejos reprováveis! Neste SPF, SP1: reprovaveis!, N’este caso, a incauta vem a cair no abismo da perdição. E assim desorganiza-se a família no meio pobre 140 SPF, SP1: caso (,); incauta, (Erro óbvio.) cahir; abysmo SPF, SP1: familia do proletariado baiano-sertanejo, porque heroínas como SPF, SP1: bahiano-sertanejo; as que acima descrevemos são raras. Destas mesmas, se SPF, SP1: D’esta; si a prole é feminil, ou se, exaustas pelo trabalho, morrem SPF, SP1: si; exhaustas heroinas ou, pela enfermidade, tornam-se impossibilitadas de continuar a sua faina debilitante, algumas, conservandose puras, não conseguem salvar os filhos que, sem uma 145 segurança direção honesta, perdem-se enxurros dos SPF, SP1: direcção vícios, dos prostíbulos, das vilezas. SPF, SP1: vicios; prostibulos O leitor não tome por exagerado o quadro desolador que aqui delineamos. Quiséssemos ilustrá-lo SPF, SP1: Quizessemos; illustral-o com fatos, deles encontraríamos facilmente em cópia; SPF, SP1: factos; d’elles; copia estão no conhecimento de todos nós. Basta que se visite 150 e examine o cenário onde se passam esses horrores, para SPF, SP1: scenario que sinta o coração confrangido e se avalie, – 155 comparando a feracidade do nosso território e a sua SPF, SP1: territorio opulência em propriedades naturais para um grande SPF, SP1: opulencia; naturaes desenvolvimento econômico – que uma causa poderosa SPF, SP1: economico, que não são as “secas” e a “fome” tão faladas, arrastou- SPF, SP1: “seccas” nos à mais triste das situações. E, se, quem visitá-lo e SPF, SP1: á mais; si; visital-o observá-lo, já o conheceu há quarenta anos atrás como SPF, SP1: observal-o; annos; atraz 131 nós, mais convencido ficará do que aqui acertamos. Conhecemos 160 165 verdadeiras grandes habitações casas senhoriais, de campo, que foram SPF, SP1: assertamos. SPF, SP1: senhoriaes construídas no primeiro quartel do século passado por SPF, SP1: construidas; seculo fazendeiros ricos, com vastas dependências que, pelas SPF, SP1: dependencias suas dimensões, equivaliam às atuais casas de fazenda. SPF, SP1: ás actuaes Os currais, mangas de pasto, barragens que retiram as SPF, SP1: curraes águas, e outras construções indispensáveis a uma SPF, SP1: construcções; indispensaveis fazenda de criação de gados, eram de grandes proporções e feitas com solidez. Algumas dessas antigas SPF, SP1: d’essas habitações campestres, quando erguidas nos contrafortes 170 da serra e próximas de ribeiros perenes, tinham ao lado SPF, SP1: proximas; perennes grandes pomares, extensas plantações de cana e outras SPF, SP1: canna culturas que dependem de irrigação. Nesse caso havia SPF, SP1: N’esse aquedutos, engenhocas, moinhos movidos por água e SPF, SP1: acqueductos água outros benefícios. SPF, SP1: beneficios. Muitas dessas grandes habitações, depois de 175 passarem a herdeiros de duas gerações, foram traspassadas a estranhos que as demoliram para vender SPF, SP1: extranhos os materiais. Hoje, quem visitar essas situações SPF, SP1: materiaes agrícolas, SPF, SP1: agricolas onde ainda alcançamos um grande movimento, verá escombros, restos de alicerces, paredes 180 109 esboroadas109. Enormes madeiros que restam dos currais SPF, SP1: curraes e cercas apodrecem sob a ação da chuva. Nos terrenos SPF, SP1: acção Esboroada: desmoronada. 132 e cercas apodrecem sob a ação da chuva. Nos terrenos planos ainda se percebem sinais das valetas onde faziam SPF, SP1: si; signaes SPF, SP1: acqueductos; réga as plantações de rega; os aquedutos, em completo abandono, não mais conduzem a água; as árvores de 185 190 pomar que restam, mas resistentes, vencidas pelas parasitas, são emaranhadas nas silvas e plantas SPF, SP1: emmaranhadas indígenas que reconquistam pouco a pouco os seus SPF, SP1: indigenas domínios. E sobre tudo isso paira o silêncio e a tristeza, SPF, SP1: dominios; silencio contrastando com o antigo ruído e alegria que SPF, SP1: ruido conhecemos ali, que nos atraíam e empolgavam, SPF, SP1: alli; attrahiam naqueles tempos que já se foram e dos quais guardamos SPF, SP1: naquelle; quaes uma saudosa reminiscência. SPF, SP1: reminiscencia. Falta-nos, 195 200 SPF, SP1: água; arvores entretanto, dar ao leitor o conhecimento do sampauleiro típico, de cuja informação SPF, SP1: typico fomos afastados pela digressão acima. Ele não pertence SPF, SP1: Elle às classes que acima descrevemos. O sampauleiro SPF, SP1: ás classes característico é o homem forte e destemido que já tem SPF, SP1: caracteristico feito reiteradas viagens ao opulento estado do Sul. Ele já SPF, SP1: Elle o conhece de sobejo; já sabe quais as melhores SPF, SP1: quaes oportunidades de ir ali ganhar dinheiro; já se acha SPF, SP1: opportunidades; alli familiarizado com muitos fazendeiros; já se acreditou pela sua probidade como jornaleiro; já conhece os perigos que por lá podem ameaçá-lo e sabe evitá-los. SPF, SP1: ameaçal-os; evital-os. 133 Para esse tipo, – que se assemelha ao cule 205 SPF, SP1: typo; kuli hindustânico ou chinês, – as viagens quase anuais, que SPF, SP1: indostanico; chinez,; quasi; faz a São Paulo e de retorno à sua terra, onde deixou SPF, SP1: S. Paulo; á sua annuaes esposa, filhos, parentes e amigos de quem se não 210 215 esquece, são um brinco; para ele a enorme distância que SPF, SP1: elle; distancia por mais de uma vez transpôs parece diminuir por cada SPF, SP1: transpoz, dia que se passa. Está habituado de tal forma a essa viagem, que diz com ênfase aos timoratos110: “Para mim SPF, SP1: emphasis São Paulo está ali detrás da porta.” E só, ou SPF, SP1: S. Paulo; alli; detraz acompanhado de outros da sua têmpera, continua desde SPF, SP1: tempora muitos anos a sua vida de andejo. Entretanto, é esse SPF, SP1: annos; Entretanto ( , ) sampauleiro um dos mais perigosos propagandistas da emigração, se bem que indireto, pelo exemplo e pelos SPF, SP1: si; indirecto modestos proveitos que lhe têm advindo das suas viagens; porque justamente os fortes e resolutos, que seriam aqui um valioso elemento para o nosso desenvolvimento econômico, sentem-se incitados a 220 110 seguir a mesma vida de aves de arribação. Timorato: medroso. SPF, SP1: economico 134 V Ainda nos recordamos de como se iniciou o 5 SPF, SP1: iniciou-se atual movimento emigratório do baiano desta região; SPF, SP1: actual; migratorio; bahiano fomos testemunhas do seu começo e conhecemos-lhe as SPF, SP1: immediatas; proximas causas mediatas e imediatas. Estas, mais próximas no SPF, SP1: memoria tempo, ainda se acham vivas na memória de muitos SPF, SP1: d’ellas; aquellas velhos que, como nós, são delas testemunhas; aquelas SPF, SP1: porem porém, mais remotas, conhecemos, parte por tradição e parte por documentos que compulsamos e estudamos 10 com interesse. É sabido que a Bahia, por ser primitivamente a sede do governo geral do país, tornou-se desde o meado SPF, SP1: séde; paiz do século XVI, o empório mais importante do tráfico de SPF, SP1: seculo 16º (Emendou-se.); emporio; trafico escravos africanos no Brasil, favorecido pelo governo 15 para evitar a escravização do nosso íncola. O nosso SPF, SP1: incola desenvolvimento econômico dependeu sempre do SPF, SP1: economico escravo negro. Numerosas escravarias deram entre nós 20 um grande impulso à agricultura a começar da sede da SPF, SP1: á agricultura; séde capitania e, tais foram os resultados conseguidos por SPF, SP1: taes esse meio de progresso, posto que ilícito e de más SPF, SP1: postoquê; illicito consequências futuras, que não foram previstas, e que se SPF, SP1: consequencias; futuras ( , ) propagou por todo interior logo que os nossos sertões SPF, SP1: propagou-se foram desbravados. Viviamos do negro, trabalhador resistente e submisso. 135 25 30 Caetité, um dos mais antigos e importantes SPF, SP1: Caitete meios da região sertaneja do Sul baiano desde o fim do SPF, SP1: bahiano século XVI, tornou-se por sua vez um empório SPF, SP1: seculo 16º (Emendou-se.); secundário desse comércio. Quando Minas do Rio de SPF, Contas e o Norte de Minas preocupavam-se quase SPF, SP1: quasi exclusivamente com a mineração, Caetité e a vasta SPF, SP1: Caitete emporio SP1: secundario; d’esse; commercio região que o circunda procuravam desenvolver a 35 indústria pecuária e o amanho111 das suas terras ferazes, SPF, SP1: industria; pecuaria desde cedo compreendendo que mais vantajosa e segura SPF, SP1: comprehendendo é a indústria agrícola. A imigração portuguesa trouxe- SPF, nos logo depois uma colônia avultada, que entre nós SPF, SP1: colonia; SP1: entré (Erro repetia os processos de cultura do seu país, pondo-a de SPF, SP1: paiz acordo com a dos naturais e admitindo a lavoura extensa SPF, SP1: accordo; naturaes nos uberosos latifúndios que se estendiam desertos, SPF, SP1: latifundios SP1: industria; agricola; portugueza óbvio.) vestidos de carrascos e caatingas, desde o vale do alto 40 São Francisco até a orela das riquíssimas matas, então SPF, SP1: S. Francisco; orella; riquissimas; mattas ainda inexploradas, que demoram na região da Conquista. O africano, mesclado depois com os indígenas e SPF, SP1: indigenas com os brancos, engedrou uma raça forte que, sendo 45 apta para todos os grosseiros trabalhos agrícolas, era, SPF, SP1: agricolas entanto mais resoluta e destemida. Os mamalucos112 são SPF, SP1: emtanto um frisante exemplo do destemor, resolução e valor na 111 112 Amanho: cultivo. Mamaluco: variante de mameluco. 136 50 formação da nossa pátria territorialmente considerada, e SPF, SP1: patria os mulatos, também valorosos e de cerebração potente, SPF, SP1: tambem são os que têm mais concorrido para a organização SPF, SP1: tem política SPF, SP1: politica da nacionalidade. Nas nossas “escravarias” estes mestiços de negro e branco SPF, SP1: mistiços predominavam em número. SPF, SP1: numero. O 55 nossa assomo, o atrevimento, desenvolvida inteligência dos mulatos, cabras e outros mestiços de SPF, SP1: intelligencia africanos e brancos em diversos graus, eram uma 60 ameaça contra a servidão. Daí a necessidade de quebrar- SPF, SP1: d’ahi lhe os estímulos por meio de sevícias; de privá-los, SPF, SP1: estimulos; prival-os enquanto sob o julgo servil, de desenvolverem e SPF, SP1: emquanto aproveitarem as suas aptidões intelectivas a não ser SPF, SP1: intellectivas naquilo que concernisse a trabalhos grosseiros. O SPF, SP1: n’aquillo escravo, no modo de ver dos seus senhores, não devia ser mais que uma máquina de carne e osso. Resultou disso a degenerescência dos nossos 65 SPF, SP1: machina SPF, SP1: d’issso costumes, quanto à compreensão dos direitos do SPF, SP1: comprehensão homem, na classe numerosíssima e predominante dos SPF, SP1: numerossisima nossos meios populares, especialmente dos campos. Daí SPF, SP1: D’ahi o tão falado analfabetismo, a crassa ignorância que SPF, SP1: ignorancia medra entre nós, derivados, não somente da falta de 70 escolas, mas também, e como causa perniciosa que pede um estudo acurado, a aversão que tem a maioria do SPF, SP1: tambem analphabetismo; 137 nosso povo, principalmente rural, ao conhecimento o mais rudimentar das letras. Além desses inconvenientes, o contato imediato 75 80 85 90 SPF, SP1: Alem; d’esses; contacto; immediato do proletário pobre com a classe obnóxia113 abastardou SPF, SP1: proletario o caráter do povo, arrastou-o em geral a uma lastimável SPF, SP1:caracter; lastimavel, SP1: degradação, ao servilismo abjeto, à adulação vil, a uma SPF, SP1: á adulação; abjecto prejudicialíssima subordinação, que é a causa de tantos SPF, SP1: prejudicalissima males que nos afligem. Conhecemos na mocidade SPF, SP1: affligem muitos agregados, jornaleiros e vaqueiros que, residindo SPF, SP1: aggregados nas terras do domínio de ricos proprietários, pouco SPF, SP1: dominio; proprietarios diferiam dos escravos. Freqüentavam as senzalas à SPF, SP1: differiam; á noite noite, muitas vezes com as famílias em estreitas relações SPF, SP1: familias com os escravos; chegavam a ser deles dependentes SPF, SP1: d’elles como dos senhores; com eles transigiam a sua dignidade SPF, SP1: elles e de pessoas por cuja honra eram responsáveis; tratavam SPF, SP1: responsaveis ilícitas e indignas combinações e desciam à mais baixa SPF, SP1: illicitas; a mais abjeção por interesses inconfessáveis. Assim formou-se SPF, SP1: abjecção; inconfessaveis o caráter do nosso proletariado rural. SPF, SP1: caracter Ao mesmo tempo em que a agricultura do Sul (Erro óbvio.) SPF, SP1: tempo que do país, mesmo no antigo regime, acarinhada pelo SPF, SP1: paiz gorverno central, adquiria grande desenvolvimento e SPF, SP1: adqueria necessitava de maior número de braços: a nossa, SPF, SP1: numero altamente produtora, impossibilitada de exportar as SPF, SP1: productora superabundâncias, à falta de fáceis meios de transportes, 113 SPF, SP1: lettras. Obnóxia: servil. 138 95 superabundâncias, à falta de fáceis meios de transportes, SPF, SP1: superabundancias; á falta; falecia progressivamente no sertão. Infelizmente as SPF, SP1: fallecia facies classes dirigentes, desanimadas, consideravam bastante o que produzíssemos para o consumo local. Foi então que, do Sul de Minas e de São Paulo, vieram-nos 100 SPF, SP1: S. Paulo traficantes de escravos, e começou em 1850 e tantos, impedida a importação de africanos, a emigração 105 forçada do elemento negro. Os compradores instalavam- SPF, SP1: installavam-se se em Caetité, considerada então o centro mais SPF, SP1: Caitete importante da região sertaneja do Sul da Bahia, e daí, SPF, SP1: d’ahi em viagens continuadas pelas fazendas, compravam os escravos por preços vantajosos e convidativos. Tivemos entre nós um tal Cunha, que era um terrível algoz dos SPF, SP1: terrivel negros, um Antonino Carvalho e um Luiz Vieira, além SPF, SP1: Antonyno; alem de outros menos dinheirosos, que aqui permaneceram, 110 por algum tempo arrebanhando grande número de SPF, SP1: numero escravos. O grande desenvolvimento desse comércio 115 SPF, SP1: d’esse; commercio execrado trouxe a Caetité um florescimento estupendo SPF, SP1: Caitete que não podia deixar de ser transitório. O dinheiro corria SPF, SP1: transitorio à farta, davam-se pomposas festas religiosas e cívicas SPF, SP1: á farta; civicas que atraiam ricos visitantes, mesmo da nossa capital; a SPF, SP1: attrahiam jogatina quase diuturna entre os ricos e potentados era SPF, SP1: quasi 139 desenfreada, e o lagsquenet114, então em uso, arruinou SPF, SP1: LAGSQUENET muitos homens de fortuna modesta. O luxo em bailes, recepções, bodas e diversões era deslumbrante; os 120 125 impostos de exportações de escravos rendiam anualmente centenares de contos, e o povo sentia-se SPF, SP1: annualmente feliz e jubiloso, dessa felicidade e júbilo efêmeros que SPF, SP1: jubilo; ephemeros nos arrastam à triste desilusão e tristeza. Pois não SPF, SP1: á triste; desillusão previam os loucos daqueles tempos que a mercadoria SPF, SP1: d’aquelles afinal viria a esgotar-se? SPF, SP1: exgottar-se De fato, quando se procedeu em 1871 à matrícula dos escravos deste Município de Caetité como SPF, SP1: facto; á matricula SPF, SP1: d’este; Município; Caitete determinava a lei, embora ainda fosse muito extensa 130 135 114 esta circunscrição, a população servil recenseada foi SPF, SP1: circumscripção somente de sete mil unidades cerca. O tráfico continuou, SPF, SP1: trafico já sob a direção de baianos, a sangrar os municípios SPF, sertanejos, e, ao proceder-se à segunda matrícula anos SPF, SP1: á segunda; matricula; depois, restavam apenas dois mil escravos no de Caetité, SPF, SP1: Caitete que ainda tinham quase a mesma extensão. Entretanto, a SPF, SP1: quasi; Entretanto ( , ) SP1: direcção; annos nossa agricultura ainda produzia muito mais do que o necessário ao consumo local. O ano de 1887 foi tão SPF, SP1: necessario; anno abundante que os nossos produtos da primeira e SPF, SP1: productos imediata necessidade baixaram de preços a cotações SPF, SP1: immediata mais que ridículas. SPF, SP1: ridiculas. Lagsquenet: lasquenet. bahianos; municipios 140 140 A lei de 13 de maio de 1888 ainda encontrou- SPF, SP1: Maio nos em boas condições; mas, abolida a escravidão, os 145 ex-escravos restantes, não só por gozarem do inesperado SPF, SP1: gosarem benefício que lhes era concedido, como porque os SPF, SP1: beneficio antigos senhores em sua maioria os repeliam e não lhes SPF, SP1: repelliam consentiam trabalhar em suas terras, mesmo pagando renda, entraram a vagabundear. Raros deles SPF, SP1: d’elles conseguiram estabelecer-se. Os fazendeiros e grandes lavradores retiravam-se do campo, removendo-se para as cidades e outros centros populosos e abandonando a 150 lavoura por completo. Podemos dizer que fecharam a sete chaves os seus enormes latifúndios – ainda vestidos SPF, SP1: latifundios, de matos – ao trabalho do pequeno lavrador. SPF, SP1: mattos Em 1889, além de que a lavoura se achava reduzidíssima, entregue a poucos agricultores que 155 160 SPF, SP1: alem; achava-se (Emendou -se ênclise para próclise.) SPF, SP1: reduzidissima trabalhavam em pequenas glebas da sua propriedade, ou posses em terrenos de condomínio, as chuvas foram SPF, SP1: condominio escassas, resultando disso a fome de 1890, que atingiu SPF, SP1: escassas(,); d’isso; attingiu grande SPF, SP1: numero; familias número de ex-escravos e de famílias paupérrimas que, em outras épocas semelhantes, sempre SPF, SP1: pauperrimas; epochas resistiram às crises econômicas semelhantes. SPF, SP1: á crises; economicas Além das terríveis causas do flagelo acima apontadas, a mudança das instituições políticas, que trouxe grandes vexames à população pobre dos campos, SPF, SP1: Alem; terriveis; flagello SPF, SP1: politicas 141 165 trouxe grandes vexames à população pobre dos campos, SPF, SP1: a população foi um fator importante que em muito concorreu para o SPF, SP1: factor sofrimento do povo. Aqueles que conseguiram salvar-se, SPF, SP1: Aquelles passada a crise, abriram caminho à emigração. Minas SPF, SP1: á emigração Gerais, depois São Paulo, foram os pontos colimados. A SPF, baixa do câmbio, o encilhamento como sua variedade de SPF, SP1: cambio SP1: Geraes; S. Paulo; collimados papel-moeda, eram um chamariz tentador. Os primeiros 170 emigrados incitaram a cobiça de agiotas que emprestavam dinheiro aos emigrantes a juros de 50 e 100 por cento; a exploração dos avarentos e levava-os a 175 aconselhar aos incautos o expátrio; muitos baianos SPF, SP1: expatrio; bahianos tornaram-se aliciadores do pobre povo trabalhador, que SPF, SP1: alliciadores arrebanhavam por meios de lisonjeiras promessas e levavam em numerosos grupos para São Paulo. Assim SPF, SP1: S. Paulo iniciou-se a corrente emigratória que até hoje está no SPF, SP1: emigratoria vezo115 do nosso povo dos campos, ora tomando grande SPF, SP1: veso intensidade, 180 ora diminuindo, conforme as circunstâncias. Eis a gêneses desse flagelo constante que há perto de quarenta anos estiola as forças econômicas do nosso rico e futuroso Estado. Eis a origem do sampauleiro. 115 Vezo: costume vicioso ou criticável. SPF, SP1: circumstancias. SPF, SP1: genesis; d’esse; flagello SPF, SP1: annos; economicas 142 VI João, depois de ter assentado definitivamente a São Paulo, refletiu com mais calma e, como era SPF, SP1: S. Paulo; reflectiu criterioso e honesto, ateve-se logo, e em primeiro lugar, 5 ao meio de realizar os seus negócios de modo que, na SPF, SP1: realisar; negocios execução do seu plano, não ficasse sua esposa 10 sobrecarregada de dificuldades. Era preciso, como logo SPF, SP1: difficuldades considerou, que o pagamento de suas dívidas fosse feito SPF, SP1: dividas ao vencer dos títulos, para que o seu crédito ficasse de SPF, SP1: titulos; credito pé, mesmo à apreciação de Abílio, embora o tivesse SPF, SP1: á apreciação; Abilio como seu amigo sincero, ou mesmo por isso, para que lhe não fosse preciso pedir mora a quem já tinha sobre SPF, SP1: móra ele ganho uma tal ou qual superioridade que lho SPF, SP1: elle repugnava. 15 20 Com essa idéia, afervorou-se no trabalho e SPF, SP1: idéa reduziu ainda mais os seus gastos de acordo com Maria, SPF, SP1: accordo a esposa criteriosa que vibrava em consonância os SPF, SP1: consonancia sentimentos e escrúpulos de João. Como avarentos SPF, SP1: escrupulos incorrigíveis, adotaram os dois um regime de estreita SPF, SP1: incorrigiveis; adoptaram; dous; regimem frugalidade, aproveitavam os vestidos ao extremo e não descançavam um momento. À noite, de dias em dias, SPF, SP1: A’ noite davam balanço em suas economias, que aumentavam SPF, SP1: augmentavam mais ou menos satisfatoriamente. Quantas ânsias não SPF, SP1: satisfactoriamente; ancias afligiam aquele pobre casal apossado dessa idéia fixa! SPF, SP1: affligiam; aquelle; d’essa; idéa 143 25 Quanta tristeza não se apossava dele quando Serafim SPF, SP1: d’elle; Seraphim fazia-lhe a sua visita aos domingos e deixavam de apresentar àquele amigo dedicado e leal um trato digno SPF, SP1: áquelle dele! SPF, SP1: d’elle! O velho Professor notava aquele modo de viver dos seus queridos e simpáticos amigos; mas, sempre 30 SPF, SP1: aquelle SPF, SP1: sympaticos discreto e criterioso, não dava a perceber quanto o aquilo o afligia, convencido de que a miséria tocava SPF, SP1: aquillo; afflingia; miseria; aquele lar que lhe era tão afeiçoado. Por seu turno, os SPF, SP1: affeiçoado aquelle jovens esposos não deixavam transparecer no seu semblante a menor sombra de tristeza. 35 Entretinham alegre palestra com o jovial visitante, que sempre achava desculpas por não vir acompanhado da família, SPF, SP1: familia como reiteradamente lhe pediam João e Maria. Entretanto, muito delicadamente, Serafim e a 40 SPF, SP1: Seraphim família não deixavam de mandar presentes a Maria e SPF, SP1: familia aos seus, o que não lhes devia ser estranho, porque era SPF, SP1: extranho um hábito antigo. Muitas vezes Serafim instava116 com SPF, SP1: habito; Seraphim seus discípulos para que fossem passar o domingo em SPF, SP1: discipulos sua casa e fingia-se zangado com João por negar-se a isso, alegando que estava apertado por dívidas, que 45 desejava solver em tempo, sendo-lhe preciso trabalhar sem descanso. 116 Instar: insistir. SPF, SP1: allegando (,); dividas (,) 144 –Não vê como vamos vivendo, Professor? – observava João – É preciso muito trabucar117 e economizar para que eu consiga o meu intento. 50 Serafim oferecia ajudá-lo emprestando-lhe SPF, SP1: Seraphim; offerecia; ajudal-o algum dinheiro das suas economias; mas o outro achava meios de convencê-lo da desnecessidade disso, entanto SPF, SP1: convencel-o; d’isso; emtanto mostrando-se grato ao Professor, a quem muito estimava e sabia sincero na sua generosa proposta. 55 Entretanto, João e Maria, acompanhados de SPF, SP1: Entretanto ( , ) Pulquéria e dos meninos, não deixavam, de vez em SPF, SP1: Pulcheria quando, de ir aos domingos à casa de Serafim, onde SPF, SP1: á casa; Seraphim eram acolhidos com muito prazer e carinho. Então reinava grande alegria no lar do Professor, as duas 60 crianças eram cumuladas de carícias e andavam de mão SPF, SP1: creancas; caricias em mão. Passeavam por todo o sítio, visitavam os SPF, SP1: sitio humildes agregados vizinhos, sendo acolhidos por todos SPF, SP1: aggregados; visinhos com muita consideração e verdadeira estima. Balanceando os seus haveres em espécie quando 65 SPF, SP1: especie se aproximava o resgate da letra que primeiro venceria, SPF, SP1: approximava; lettra João verificou haver uma sobra apreciável que, com SPF, SP1: apreciavel mais algum pecúlio, daria de sobejo para o pagamento SPF, SP1: peculio da segunda. Logo no dia do vencimento o mancebo resgatou a letra primeira vencida, recebendo de Abílio o título da dívida. Isto muito animou o jovem casal, 117 Trabucar: trabalhar com grande afã. SPF, SP1: lettra; Abilio 145 70 título da dívida. Isto muito animou o jovem casal, SPF, SP1: titulo; divida; joven ficando demonstrado o quanto vale o trabalho perseverante e uma cerrada economia; mas nem por isso João abandonou a idéia de viajar a São Paulo logo SPF, SP1: idéa; S. Paulo terminasse as colheitas de sua lavoura e recebesse dos 75 meieiros a parte que lhe tocava. A safra naquele ano foi satisfatória. Recolhido 80 SPF, SP1: n’aquelle; anno; satisfactoria ao celeiro o que João considerava preciso à manutenção SPF, SP1: celleiro; a manutenção da família por um longo prazo, foi o mais levado aos SPF, SP1: familia mercados e reduzido a espécie. Pôde então o mancebo SPF, SP1: á especie (Emendou-se.) resgatar a segunda letra e reservar ainda pecúlio que SPF, SP1: lettra; peculio daria para as despesas da viagem e para necessidades SPF, SP1: despezas imprevistas que sobreviessem, em sua ausência, a SPF, SP1: ausencia (Emendou-se.) Maria. 85 90 João, entregando à sua esposa o pecúlio, só SPF, SP1: a sua (Emendou-se.); então lhe revelou francamente a sua resolução de ir a SPF, SP1: revelou-lhe (Emendou-se São Paulo, alegando que, sendo de maior vulto as duas SPF, SP1: S. Paulo; allegando dívidas restantes, só conseguiria solvê-las, fazendo esse SPF, SP1: dividas; solvel-as (,) sacrifício. Os prazos eram alongados bastante para o SPF, SP1: sacrificio resgate das letras e, dentro dele, esperava o mancebo no SPF, SP1: lettras; d’elle rico estado obter com sobra o pecúlio preciso para o SPF, SP1: Estado, (Emendou-se.); peculio ênclise para próclise.) peculio pagamento. Avalia o leitor a dolorosa surpresa que uma tal notícia causou à jovem. Entretanto, pôde conter-se e SPF, SP1: surpreza SPF, SP1: noticia; á joven; Entretanto (,) 146 conservar-se superior a um golpe tão profundo. João, 95 100 mirando-a enternecido, advinhava o que ia pelo coração de sua querida esposa. Ah! Se fosse possível – pensava SPF, SP1: si; possivel, (Emendou-se.) ele, – eu não empreenderia semelhante viagem; mas é SPF, SP1: elle(,); emprehenderia preciso, é indispensável. SPF, SP1: indispensavel O pobre mancebo também sofria; sentia rasgar- SPF, SP1: tambem se-lhe o coração ao ver a atitude de sua querida Maria, SPF, SP1: attitude que, sem um gesto, sem uma lágrima, parecia meditar. SPF, SP1: lagrima Considerava que, quando a dor chega ao extremo, é assim que se manifesta. Desejava ouvir da sua esposa uma palavra de aprovação ou reprovação da medida 105 SPF, SP1: approvação extrema que ia tomar. No primeiro caso, viajaria mais confortado; no segundo como que obcecado, dominado 110 pela idéia que o escravizava, incapaz de ceder a uma SPF, SP1: idéa influência contrária, acharia argumentos convenientes SPF, SP1: influencia; contraria que provassem a Maria quanto era urgente dela separar- SPF, SP1: d’ella se por algum tempo, a fim de pôr sua honra e os seus SPF, SP1: afim de créditos a resguardo sem que, entanto, o seu amor por SPF, SP1: creditos; emtanto seus queridos arrefecesse; antes pelo contrário, esse SPF, SP1: contrario amor e o interesse pela esposa e pelo futuro de seus 115 filhos, eram o móvel principal que o impelia ao expátrio SPF, SP1: movel; impellia; expatrio temporário a que se expunha. SPF, SP1: temporario Por fim abalançou-se João a inquirir de sua querida qual a sua opinião a respeito. SPF, SP1: Porfim 147 –Ah! Que posso eu dizer, João? Tu assim pensas, é porque mais esse sacrifício nos é indispensável. 120 SPF, SP1: sacrificio SPF, SP1: indispensavel –Entretanto, desejo que me digas com toda a franqueza se achas bom ou mau o que tenho decidido. –Não refletiste sobre os bons ou maus resultados que te podem advir da tua ausência? –Tudo pensei, tudo medi e calculei, concluindo 125 SPF, SP1: reflectiste SPF, SP1: ausencia SPF, SP1: concluindo que, sem esse enorme sacrifício, não poderei alcançar a SPF, SP1: sacrificio tranqüilidade feliz que gozávamos e que a fatalidade SPF, SP1: tranquillidade; gosavamos veio transtornar. –Então? Por mais dolorosa que me seja essa separação, só posso é conformar-me com ela e, velando 130 SPF, SP1: ella por nossos filhos e pela boa ordem dos nossos recursos, pedir sempre a Deus pela tua felicidade como pela nossa. –Tudo isso já sei, Maria, e sabes que não ponho em dúvida; mas, desculpa-me, minha querida, não estás 135 SPF, SP1: duvida sendo franca. Eu desejo que me digas se achas bom ou mau que eu viaje. Tu tens juízo, e sabes que um 140 conselho muito vale em tais circunstâncias. A ninguém SPF, revelei esse projeto. Abro-me contigo em primeiro lugar SPF, SP1: projecto; comtigo porque assim devia ser, e muito confio em teu critério. SPF, SP1: criterio –João, ninguém pode fazer cálculos seguros SP1: taes; circumstancias; ninguem SPF, SP1: ninguem; calculos 148 sobre o futuro; mas quem se escravizar exclusivamente a essa idéia, nada conseguirá; sempre irresoluto, SPF, SP1: idéa indeciso sobre o caminho que deve seguir, sem fé na Providência, que nunca deixa de auxiliar a nossa boa 145 SPF, SP1: Providencia vontade, nunca poderá remediar a sua situação quando precária. Sei que és honesto, laborioso e confiante em SPF, SP1: precaria Deus. Vai, pois, a São Paulo como tens deliberado, pois SPF, SP1: Vae; S. Paulo sei que a isso te resolves para o nosso bem, e que aqui deixas preso o teu coração. Coragem e fé em Deus. Eu 150 cá farei o que puder para corresponder à confiança que SPF, SP1: podér; á confiança depositas em tua mulher. –Obrigado. Maria, e fica certa de que não me esquecerei de ti e dos nossos filhinhos um só momento. Traduziste perfeitamente o meu modo de pensar. Outra 155 pessoa depois de ti merece-me inteira confiança... –O professor Serafim – atalhou Maria. –Ele mesmo. Não posso tomar uma semelhante SPF, SP1: Elle resolução sem comunicar-lhe. Deixar de o fazer seria falta imperdoável. Quanto a Abílio... 160 SPF, SP1: imperdoavel; Abilio... –Quanto a este, deves apenas despedir-te – atalhou de novo Maria. –Certamente. Sei que me oferecerá dinheiro para SPF, SP1: offerecerá viagem... –E tu aceitarás ? SPF, SP1: acceitaras 149 165 –Não. Se mesmo para pagar-lhe o que devo vou empreender esta viagem! Depois, Maria, digo-te com SPF, SP1: emprehender franqueza: em negociações, Abílio é daqueles de quem SPF, SP1: Abilio; d’aquelles se diz “Negócios, negócios; amigos à parte.” SPF, SP1: Negocios, negocios; á –Entretanto, João, Abílio generosamente pagou 170 SPF, SP1: Si as tuas dívidas – aventurou Maria com alguma malícia e parte SPF, SP1: Abilio SPF, SP1: dividas; malicia ironia. –Retira esse “generosamente”, minha querida. É 175 SPF, SP1: “generosamente” (,) certo que Abílio se tem mostrado meu amigo; que me SPF, SP1: Abilio prestou alguns serviços por ocasião do malfadado SPF, SP1: occasião inventário, embora, com o seu gênio conciliador, muito SPF, SP1: inventario; genio favorecesse aos meus parentes intrusos, mas, como SPF, SP1: intruzos sabes, é agiota; é desses que “não pregam prego sem estopa”. 180 185 Pode ser engano meu, não gosto de fazer SPF, SP1: estopa juízos temerários, principalmente quando se trata de um SPF, SP1: juizos; temerarios amigo da infância; mas quem sabe se Abílio, pagando SPF, SP1: infancia; Abilio minhas dívidas antes do vencimento das letras – SPF, SP1: dividas; lettras certamente com desconto –, não teve em vista, além de SPF, SP1: alem prestar-me um serviço, ter lucro nessa transação? Se SPF, SP1: transacção; Si esse seu gesto prova que ele tem confiança no mau SPF, SP1: elle; caracter caráter, e que tem como certo pagamento, não deixou de desgostar-me porque me colocou, pobre roceiro, em SPF, SP1: collocou posição de protegido de um homem rico que goza de SPF, SP1: gosa conceito como fidalgo de estirpe. É por tudo isso, minha 150 190 querida, que me submeti ao enorme sacrifício no qual tu SPF, SP1: submetti; sacrificio me foste um auxiliar valioso. Ultimamente, porém, SPF, SP1: porem tenho receio de não conseguir levar a fim o meu propósito, porque as duas dívidas restantes montam a SPF, SP1: proposito; dividas quantia tão avultada, que considerei não bastar o trabalho e a economia que temos levado até aqui; é 195 preciso mais, e, como os prazos dar-me-ão tempo, resolvi emigrar, bem à contragosto, confesso. Sei SPF, SP1: a contra-gosto (Emendouse.) quanto é arriscado o passo que vou dar, mas a minha dignidade assim o exige. Maria, que durante a longa exposição do marido, 200 ouvia-o atenta e silenciosa, apesar de sentir o coração SPF, SP1: attenta; apezar despedaçar-se, heróica como sempre, superior às SPF, SP1: heroica; ás provanças provanças que lhe vinham e ao seu querido, com aparente serenidade de ânimo, aprovou a deliberação do SPF, SP1: apparente; animo; approvou marido. 205 –Compreendo, João; já o compreendia antes que SPF, SP1: Comprehendo; comprehendia me desse esta exposição. Sei que a tua resolução vem ao encontro dos nossos interesses e da nossa dignidade. 210 Deus jamais deixou de auxiliar propósitos tão dignos. SPF, SP1: propositos Tenho inteira fé nEle e espero que, afinal, a vitória será SPF, SP1: n’Elle; victoria nossa. Vai, meu amigo, e serás guardado por Jesus e SPF, SP1: Vae pela sua Santíssima e Bondosa Mãe. SPF, SP1: Santissima João, no dia seguinte, que era domingo, foi logo 151 215 220 cedo à casa de Serafim e expôs-lhe a sua nova SPF, SP1: á casa; exppoz-lhe resolução. Ao ter conhecimento dela, o velho mestre- SPF, SP1: della escola SPF, SP1: surprehendeu-se; pincipio surpreendeu-se a princípio; mas depois, refletindo sobre a extrema pobreza a que supunha ter SPF, SP1: reflectindo; suppunha chegado aquela pobre família, considerou que o seu SPF, SP1: aquella; familia antigo discípulo achava-se tocado da “moléstia” – que SPF, SP1: discipulo; molestia assim denominava a emigração dos sertanejos baianos SPF, SP1: bahianos para São Paulo – que se propagou desde muitos anos SPF, SP1: S. Paulo; annos nestes sertões com intermitentes intensificações e SPF, SP1: intermittentes arrefecimentos. Mas, expostas por João, com minuciosidade, como já o fizera a Maria, as razões que o levavam contrariado a tão arriscada aventura, chegou 225 a desconfiar que o mancebo estava informado da velha pretensão de Abílio à posse de Maria. Por fim, no correr SPF, SP1: Pretenção; Abilio; á posse; Porfim da conversação, convenceu-se da realidade da situação: o nobre orgulho de homem honesto e zeloso da sua 230 honra e independência era o único móvel que impelia o SPF, SP1: independencia; unico; seu antigo discípulo a tão aventurosa viagem. SPF, SP1: discipulo Compreendeu que a indigência que notara no jovem SPF, SP1: comprehendeu; indigencia; casal era o esforço econômico da dignidade da tão SPF, SP1: economico movel; impellia joven honrada gente, e que o ressentimento de João não tinha 235 por origem ridículo ciúme, pois compreendeu que o SPF, SP1: ridiculo; mancebo não sabia da antiga pretensão de Abílio. SPF, SP1: pretenção; Abilio Admirou o heroísmo daquele simpático casal e a SPF, ciume; comprehendeu SP1: sympatico heroismo; daquelle; 152 resignação e coragem de Maria que, varonil como uma espartana, antepunha ao seu amor a salvação do crédito SPF, SP1: credito e da honra do seu estremecido esposo. 240 245 Enternecido à franca exposição que o mancebo SPF, SP1: á franca lhe fez dos enormes sacrifícios a que se submetera para SPF, SP1: sacrificios; submettera não ficar indignamente sob a dependência, quase tutela, SPF, SP1: dependencia; quasi do filho de dona Úrsula Serafim chegou a comover-se. SPF, SP1: D. Ursula; Seraphim; commover-se –Meu filho – disse com certa solenidade, – estou SPF, SP1: solemnidade velho e quase nada mais valho; porém aqui fico em tua SPF, SP1: quasi; porem ausência; basta que assim te diga. SPF, SP1: ausencia –Eu conto muito com a sua dedicação e sincera amizade. Por isso mesmo é que o procurei, depois de 250 Maria, para tudo expor como expus. Vou tranqüilo, SPF, SP1: expuz; tranquillo porque aqui fica aquele em quem mais confio, em quem SPF, SP1: aquelle deposito a confiança que tenho em minha querida, meu tesouro, aquela que Deus me deu por companheira. Mas SPF, SP1: thesouro; aquella a mulher, por mais forte e varonil que seja, necessita de 255 um amparo visível; tem a necessidade de quem a proteja SPF, SP1: visivel contra a maledicência e os maus juízos, quando isolada SPF, SP1: malidicencia; juizos no seu lar, alheia ao que possam pensar os murmuradores a seu respeito. –Quantas vítimas de injustas apreciações não SPF, SP1: victimas conhecemos entre nós, meu professor, quando os seus 260 esposos ou os seus pais se acham ausentes em longas SPF, SP1: paes 153 viagens! –Tudo isso é certo; mas – fé em Deus – tua esposa terá em mim um dedicado e defensor em toda e qualquer circunstância. Vai sossegado, João, e eu, como 265 SPF, SP1: circumstancia; Vae; socegado; João (,) já disse, aqui fico. –Tenho mais que lhe pedir. Logo que eu remeter SPF, SP1: remetter a Maria o dinheiro preciso para o pagamento pontual 270 das minhas dívidas, o senhor me fará o obséquio de SPF, SP1: dividas; obsequio incumbir-se do resgate das letras. Dar-lhe-ei escrita uma SPF, SP1: lettras; escripta nota dos prazos estipulados e do mais preciso. Nesse dia reuniram-se as duas famílias em casa N’esse; familias de João, sendo providenciado tudo quanto preciso para a sua viagem e ausência, ficando assentado que o SPF, SP1: ausencia mancebo seguiria o seu destino oito dias depois. VII Na véspera da viagem de João, já tudo disposto, 5 SPF, SP1: vespera foi ele despedir-se de Abílio, mesmo para que seu SPF, SP1: elle: Abilio credor ficasse ciente que sua dívida seria paga em SPF, SP1: sciente; divida tempo e não fizesse mau juízo a seu respeito. Abílio SPF, SP1: juizo; Abilio mostrou-se altamente surpreendido ao ter ciência de que SPF, SP1: surprehendido; sciencia seu amigo tomara esse alvitre para poder pagar-lhe no prazo prefixo. 154 –Pois que! – dizia fingindo-se triste – Por minha 10 causa você abalança-se118 a isso? –Então? É meu amigo e deve considerar justo o meu propósito. Faço distinção entre o amigo e o credor, SPF, SP1: proposito; distincção mesmo porque é generoso comigo. SPF, SP1: commigo –Prova-me antes não ter confiança em seu velho 15 amigo. –Não pense em tal, Abílio. Com essa minha resolução quero antes corresponder à generosidade que SPF, SP1: Abilio SPF, SP1: á generosidade me dispensou. Não quero ficar por baixo – acrescentou sorrindo. 20 –Se sou eu o seu único credor! Se a minha única idéia foi ser-lhe útil! SPF, SP1: Si; unico; Si; unica SPF, SP1: idéa; util –Não desejo abusar da sua gentileza. –Abusar! Supõe que me possa passar isso pelo SPF, SP1: Suppõe pensamento? 25 30 –Não passará pelo seu pensamento, estou certo; mas pelo daqueles que, como disse, vieram afobados SPF, SP1: d’aquelles procurá-lo, supondo-me um devedor insolvável. SPF, SP1: procural-o; suppondo-me; –Ninguém saberá dos nossos negócios. SPF, SP1: Ninguem; negocios –Pior. SPF, SP1: Peor. –Quando me perguntarem sobre isso, direi que estamos quites. 118 insolvavel Abalançar-se: aventurar-se. 155 –Nesse caso obrigo-o a asseverar uma inexatidão; repousa a minha dignidade sobre uma falsa SPF, SP1: N’esse SPF, SP1: inexactidão; SP1: á minha (Suprimiu-se crase.) informação. 35 –Será sempre você um cabeçudo incorrigível. SPF, SP1: incorrigivel –Seja. Bem sabe que, quando se me encasqueta uma idéia, não há quem dela me demova. –Pois bem, seu teimoso. Ofereço-lhe os meus 40 SPF, SP1: idéa; della SP1: SEU; SPF, SP1: Offereço-lhe préstimos. Terá quanto dinheiro for preciso à sua SPF, SP1: prestimos; á sua viagem, cartas para amigos que tenho em São Paulo e a SPF, SP1: S. Paulo segurança de que a sua família nada faltará em sua SPF, SP1: familia ausência. SPF, SP1: ausencia. –Para a viagem já tenho o pecúlio preciso, e SPF, SP1: peculio deixo a Maria quanto baste para lhe assegurar a 45 subsistência e de nossos filhos. Quanto às cartas, aceito- SPF, SP1: subsistencia; acceito-as. as. Como João tivesse que viajar no dia seguinte 50 cedo, Abílio tratou logo de escrever as cartas que SPF, SP1: Abilio entregou ao condiscípulo. Eram credenciais dirigidas a SPF, SP1: condiscilo; credenciaes fazendeiros de pontos diversos do Estado de São Paulo, SPF, SP1: S. Paulo as quais faziam linsonjeiras referências ao mancebo e SPF, SP1: quaes; referencias recomendavam-no como honesto e capaz de dirigir SPF, SP1: recommendavam-n-o qualquer serviço, como executá-lo com as suas próprias SPF, SP1: execultal-o; proprias mãos. 55 João retirou-se não se esquecendo, porém, de SPF, SP1: porem 156 procurar dona Úrsula, de quem se despediu. A velhota SPF, SP1: d. Ursula mostrou-se muito interessada pela feliz viagem do 60 jovem sampauleiro, usando de seus recursos de SPF, SP1: joven dissimulação e hipocrisia, como logo patenteou quando SPF, SP1: hypocrisia viu o rapaz pelas costas em tal distância que não SPF, SP1: distancia pudesse ouvi-la. SPF, SP1: podésse; ouvil-a –Muito bem! – disse logo a Abílio. – Está a tal SPF, SP1: Abilio Maria no campo como muitas outras. Eis em que deu a fidalguia dos Oliveiras. 65 –Mãe, tenha compaixão daquela pobre gente; não critique os males alheios, que bem podem recair SPF, SP1: d’aquella SPF, SP1: rechair sobre nós. –Quem mandou aquela desmiolada preferir 70 SPF, SP1: aquella aquele bolas a um homem de família como tu? São SPF, SP1: aquelle; familia sempre assim; conheço a geração daquele casal de SPF, SP1: d’aquelle forrecas. A tal moça bonita é bisneta da Rosa que, de tanto cheirar a torto e a direito, foi crismada pelos filhos SPF, SP1: chrismada da Candinha com o nome Cheirosa. Era casada, meu 75 filho; mas... cala-te boca! – e a velha tapava a boca com SPF, SP1: cal’-te; bocca; bocca a mão. – Do outro, o tal João-ninguém, conheci muito SPF, SP1: bocca; João-ninguem os pais e os avós; eram uns tabaréus chapados sem SPF, SP1: paes; tabaréos; SP1: sem nome nem importância. SPF, SP1: importancia –Mãe, não convém isso de estar se vangloriando diante do sofrimento do próximo. sem (Erro óbvio.) SPF, SP1: convem SPF, SP1: proximo. deante; soffrimento; 157 80 –E eu estou me vangloriando? Quem fala a verdade não merece castigo. –Mas nem todas as verdades convém se dizer. A SPF, SP1: convem senhora gostaria que assim criticassem os nossos parentes? 85 –Os nossos parentes! Tu bem sabes que meu avô foi um capitão-mor que, naqueles tempos, valia mais SPF, SP1:capitão-mór; n’aquelles que um coronel de hoje. Teu pai era de uma das SPF, SP1: pae principais famílias do baixio. Era irmão de um padre, SPF, SP1: principaes; familias tinha um primo doutor e vinha de uma fidalga de 90 Portugal. Além disso eram todos ricos fazendeiros. –Mas o povo conta coisas horríveis do tal capitão-mor. SPF, SP1: Alem; d’isso SPF, SP1: cousas; horriveis SPF, SP1: capitão-mór. –Inveja, pura inveja de maledicentes. –Assim, também o que dizem da tal Rosa pode 95 ser invenção da maledicência. –O que! Pois se eu ainda a conheci! Estava idosa, mas ainda descarada. –Admito que seja verdade, mas dona Maria é SPF, SP1: tambem SPF, SP1: maledicencia. SPF, SP1: si SPF, SP1: edosa SPF, SP1: Admitto; d. Maria uma senhora virtuosa. 100 –Virtuosa! É porque ainda não chegou o tempo de mostrar-se. Meu filho, é certo que “filho de peixe é peixinho”. A tal Maria não passa de uma sonsinha. O pai, um banana que não sabia governar a filha, depois SPF, SP1: pae 158 105 de cair na miséria e desprestígio, deu-lhe uma boa SPF, SP1: cahir; miseria; desprestigio mestra, a Virgínia, que misturada com tal virtuosa SPF, SP1: Virginia menina, ensinou-lhe bem boas coisas. SPF, SP1: cousas –Cuidado com a sua língua, minha mãe. SPF, SP1: lingua –Estamos em família; não há perigo. SPF, SP1: familia –Mas as paredes têm ouvidos. 110 –Olha, Abílio; não faz mal que eu te diga: a SPF, SP1: Abilio Maria é o retrato vivo da Rosa, e não posso negar que é um peixão como foi a bisavó. Em breve os concorrentes aparecerão, e, antes que outro vá adiante... E a velhota, fazendo reticências com seu riso 115 120 125 SPF, SP1: apparecerão; adeante SPF, SP1: reticencias cínico peculiar, sabia que o filho, habilíssimo em SPF, SP1: cynico; habilissimo contrafazer como ela os seus planos e idéias, SPF, SP1: contra-fazer; ella; idéas compreenderia aquela ignóbil sugestão. O filho, que por SPF, SP1:comprehenderia; aquella; sua vez, compreendendo-a, se guardava um certo recato SPF, SP1: comprehendendo-a; si diante de sua mãe e com ela não concordava SPF, SP1: deante; ella ignobio; suggestão expressamente, era porque o retinha um resto de respeito, podemos dizer instintivo, em relação àquela SPF, SP1: instinctivo; áquella que lhe deu o ser. A bronca dona Úrsula, ao vê-lo SPF, SP1: d. Ursula; vel-o silencioso e impassível às suas veladas e infames SPF, SP1: impassivel; ás suas insinuações, supunha que o “ingênuo menino” não a SPF, SP1: suppunha; ingenuo compreendia e mesmo, se chegasse a compreendê-la, SPF, era um tímido e medroso. SPF, SP1: timido E era essa mãe, que devia ser o anjo da guarda SP1: comprehendel-a comprehendia; 159 130 de seu filho para encaminhá-lo ao dever de uma conduta SPF, SP1: encaminhal-o; conducta moral, quem o incitava a praticar uma infâmia, a SPF, SP1: infamia realizar uma idéia reprovável, encorajando-lhe os mais SPF, SP1: realisar; idéa; reprovavel infames propósitos cujos germes sabia existirem no seu SPF, SP1: propositos ânimo perverso e repulsivo! Adivinhando o ardente SPF, SP1: animo desejo de Abílio, a paixão desenfreada que laborava em SPF, SP1: Abilio seu sentimento e pensamento, vinha ao seu encontro a 135 satânica e má mulher, chegando a ponto de revelar um SPF, SP1: satanica; ao ponto de (Emendou-se.) crime, que seu filho ignorava, e planos criminosos que ainda tinha em mente. –Abílio, vocês, moços, são uns moleirões; são SPF, SP1: Abilio, vocês (,); moços (,) uns maricas que desmentem o valor dos antigos. O 140 caminho vai se abrindo dia a dia para tua conquista, e SPF, SP1: vae eu já consegui afastar a velha do teu caminho. Deu-me trabalho mas foi-se andando... –Que... Foi a senhora??!! – Exclamou Abílio SPF, SP1: Abilio como estarrecido. 145 –Que dúvida! – obtemperou a infame velha com SPF, SP1: duvida o seu sorriso – Era preciso... –Mãe ...mãe! ... –Que tem isso? Não foi tão bom para ti? Foi-se ela, agora vai o João... mais tarde irá mais outro... 150 –Mãe, isso é uma imprudência que acaba nos comprometendo. Pense bem. Certamente houve um SPF, SP1: ella; vae SPF, SP1: Mãe (,); imprudencia; compromettendo 160 SPF, SP1: intermediario… intermediário... –Qual filho! Eu sei fazer as coisas. Não dizem 155 SPF, SP1: cousas que os presentinhos alimentam as amizades? Os SPF, SP1: allimentam presentinhos não falam e, quando se quer, alimentam SPF, SP1: allimentam; cousas outras coisas... E dona Úrsula, no seu hábito, sorria de boca SPF, SP1: victoriosa fechada como quem se reconhecia vitoriosa. –Compreendo, 160 mãe – disse Abílio SPF, SP1: d. Ursula; habito; bocca mais SPF, SP1: Comprehendendo; Abilio; tranquillo tranqüilo – mas esses presentinhos, que não falam, quantas vezes não têm sido uma prova, um testemunho do crime? Não convém continuar com esses processos SPF, SP1: convem perigosos para quem recebe os presentes como para quem os manda. –Ora! Alguém ao menos desconfiou que a velha 165 SPF, SP1: Alguem Senhorinha embarcou119 antes do tempo? O mesmo SPF, SP1: EMBARCOU Serafim, que era um sabichão, comeu a peta120. O João, SPF, SP1: Seraphim esse coitado! é um banana. Não é ele tão amigo teu? SPF, SP1: elle Não foi o caso tão bom para ti? –É certo; mas se no caso de dona Senhorinha 170 fomos felizes, em outro podemos fracassar. Não faça de agora por diante sem me consultar. –A gente vai mudando. Hoje por uma forma; amanhã por outra. 119 120 SPF, SP1: si; d. Senhorinha Embarcou: morreu. Peta: mentira. SPF, SP1: deante SPF, SP1: vae 161 –Bem; mas de outra vez não se meta em tais 175 180 SPF, SP1: metta; taes enrascadas sem me ouvir. Abílio já conversava com o ânimo algum tanto SPF, SP1: Abilio; animo serenado quanto ao caso de dona Senhorinha; mas ainda SPF, SP1: d. Senhorinha receava, temendo que sua mãe se metesse em outra SPF, SP1: mettesse empresa como essa, porque, como pensava, “tantas SPF, SP1: empreza vezes vai o cântaro121 à água, que por fim se quebra”. SPF, SP1: vae; á agua; porfim Conhecia o gênio de sua mãe aliado a uma grande SPF, SP1: genio; alliado ignorância dos modernos meios de conseguir-se SPF, SP1: ignorancia eliminações como a de dona Senhorinha. Quando SPF, SP1: d. Senhorinha menos, temia ser desmascarado como se deu por 185 ocasião da carta falsa. Sendo ele o principal interessado SPF, SP1: occasião; elle nesse negócio, afinal recaíriam as culpas sobre sua SPF, SP1: n’esse; negocio pessoa, e por forma alguma lhe convinha denunciar a SPF, SP1: recahiriam; convinha-lhe cúmplice ou principal criminosa, que, em todo caso, era SPF, SP1: cumplice (Emendou-se ênclise para próclise.) sua mãe. Dona Úrsula herdava o caráter de seu avô, 190 SPF, SP1: D. Ursula; capitão-mór capitão-mor, cuja fama de temível e autoritário mandão SPF, SP1: temivel; autoritario que cometeu impune toda a sorte de atrocidades chegou SPF, SP1: commetteu; attrocidades, (Emendou-se.) a tornar-se lendária e ainda causa horror aos modernos que ouvem o seu relato. Mas o capitão-mór viveu nos 195 121 122 tempos ominosos122 em que prepotentes como ele SPF, SP1: elle podiam agir às escâncaras sem que alguém lhes fosse às SPF, SP1: ás escáncaras;alguem; ás Cântaro: vaso grande bojudo. Ominiso: nefasto. mãos 162 mãos. Hoje, pensava, consegue-se o mesmo, mas por caminhos outros, ocultos pela astúcia e insídia. Mesmo SPF, SP1: occultos; astucia; insidia assim, é preciso muita habilidade e vigilância. SPF, SP1: vigilancia Abílio, cauto ao exagero quando urdia os seus 200 205 SPF, SP1: – Abilio planos de maldade, era capaz – que perversidade não lhe faltava – de pôr em execução atos nefandos como o SPF, SP1: actos envenenamento de dona Senhorinha. O leitor disso não SPF, SP1: d. Senhorinha duvidará, recordando-se da cena trágica que se deu SPF, SP1: duvidará (,); scena; tragica entre ele e a mulata Umbelina; mas era inteligente, mais SPF, SP1: elle; intelligente ou menos instruído, conhecia intimamente a sociedade SPF, SP1: instruido dos grandes centros civilizados e os modernos 210 processos de iludir, agir às ocultas e fazer o mal ao SPF, SP1: illudir; ás occultas próximo sem ser pressentido. Além disto tinhas relações SPF, estreitas com cavalheiros distintos que o tinham como SPF, SP1: distinctos honesto e incapaz de cometer atos indignos e SPF, reprováveis. Tinha, como se diz, uma reputação a zelar, SPF, SP1: prendel-a e temia perdê-la. Por isso era escrupuloso nos seus SPF, SP1: insidia SP1: proximo; presentido; Alem; d’isto SP1: commeter; reprovaveis processos de insídia, e receiava que sua mãe, grosseira e 215 violenta, ainda alheia aos costumes modernos, e SPF, SP1: imbuida imbuída de antigos preconceitos de fidalguia e riqueza, SPF, SP1: commettesse cometesse uma leviandade fiada na sua posição, que SPF, SP1: suppunha; tornal-a supunha torná-la imune à ação da Justiça e, quando SPF, SP1: immune; á acção menos, ao repúdio da opinião. O digno filho de dona SPF, SP1: repudio; d. Ursula Úrsula, somente quando bem firme e seguro no que de SPF, SP1: ante-mão actos; 163 220 antemão preparava pacientemente, poderia praticar uma violência, assim mesmo valendo-se de SPF, SP1: violencia algum instrumento que agisse inconscientemente como se SPF, SP1: proprios tratasse dos seus próprios interesses. Retirando-se para o seu gabinete, ia meditativo. 225 O receio que a princípio o assaltara ao saber do crime SPF, SP1: principio de sua mãe, receio que assumiu as proporções do temor, desapareceu do seu espírito logo que teve explicação do meio empregado, e calmamente estudou as conseqüências dele, que, antes, fora-lhe vantajoso, pois 230 SPF, SP1: desappareeceu; espirito SPF, SP1: consequencias; d’elle conseguira uma tal ou qual escravização do esposo de Maria, a quem reduzira a pobreza e condição de seu devedor a ponto de emigrar. Vangloriava-se de ter, por SPF, SP1: ao ponto de (Emendou-se sua habilidade, sabido “agarrar a ocasião pelos SPF, SP1: occasião conforme regência.) cabelos”, de conseguir tanto, conservando a antiga 235 amizade do seu condiscípulo e, até, a sua gratidão por SPF, SP1: condiscipulo serviços que lhe prestara e que, na realidade, eram mais em favor do protetor do que do protegido. SPF, SP1: protector Tudo ia bem, e o golpe dado por sua mãe foi aproveitado. Restava-lhe agora o futuro, e era preciso 240 trabalhar para a conquista da esposa abandonada, o ponto culminante dos seus ardentes desejos. Lembrouse então de um meeiro que trabalhava no sítio de João e SPF, SP1: sitio fora ali admitido sob sua recomendação. Era um sujeito SPF, SP1: recommendação alli; admittido; 164 245 ignóbil, servil e que sempre se lhe mostrou muito SPF, SP1: ignobil dedicado. Quando Abílio o apresentou a João, alegando SPF, SP1: Abilio; allegando ser o tipo um bom trabalhador e honesto, fê-lo SPF, SP1: typo; fel-o maliciosamente esperando que algum dia ser-lhe-ia útil. SPF, SP1: util Sempre taciturno, trabalhando sempre com afã, esse SPF, SP1: afan meeiro conquistou a confiança de João porque 250 desempenhava o seu trabalho com perícia e, por ocasião SPF, SP1: pericia; occasião de pagar a renda, foi de uma correção a toda prova. SPF, SP1: correcção Tinha, pois, Abílio um bom intermediário que lhe SPF, SP1: Abilio; intermediario serviria a olhos fechados. Chegara o tempo de aproveitar aquele homem, 255 SPF, SP1: aquelle que não deixava de aparecer aos domingos e dias de SPF, SP1: apparecer guarda na sua residência, mostrando-se-lhe muito grato SPF, SP1: residencia (,) pela colocação que lhe dera e pela amabilidade com que SPF, SP1: collocação era tratado. Algumas vezes procurara-o pedindo-lhe 260 dinheiro emprestado, e Abílio, como se tratava de SPF, SP1: abilio pequenas quantias, não deixou de servi-lo, entanto SPF, SP1: sevil-o; emtanto estudando-lhe o caráter por meio de ligeiras palestras e SPF, SP1: caracter habilidosas 265 indagações. Convenceu-se, pois, que dispunha de um maleável que muito lhe servia, SPF, SP1: maleavel restando-lhe somente procurar o meio de servir-se dele SPF, SP1: d’elle para os seus fins. Era preciso primeiro aproximar-se muito de Maria sob qualquer pretexto. A ausência de João SPF, SP1: approximar-se SPF, SP1: ausencia 165 270 autorizava-o a freqüentar sua esposa, como amigo SPF, SP1: frequentar dedicado que era do seu condiscípulo para fazer-lhe SPF, SP1: condiscipulo oferecimento de seus ofícios em caso de necessidade. O SPF, SP1: offerecimento; officios único tropeço que ainda existia no seu caminho era o SPF, SP1: unico velho mestre-escola; mas Serafim morava distante de João e, além disso, não teria que estranhar que um SPF, SP1: alem; extranhar amigo da casa visitasse a senhora e procurasse prestar 275 os seus serviços em caso de necessidade. Serafim era arguto; mas ele também o era. Enfim, veria Abílio o que SPF, SP1: elle; tambem; Emfim; Abilio devia fazer depois de um estudo acurado e de traçado o seu plano. VIII À noite Serafim foi com a família mais uma vez dizer adeus ao seu querido discípulo e amigo que SPF, SP1: Á noite; familia SPF, SP1: discipulo viajaria de madrugada. Já o bondoso mestre-escola 5 10 havia insistido com João que não viajasse a pé, chegando a oferecer-lhe uma boa mula arreada; mas o SPF, SP1: offerecer-lhe mancebo por forma alguma aceitou a sua proposta, SPF, SP1: acceitou alegando que seria o animal um trabalho que retardaria SPF, SP1: allegando as suas marchas diárias; que se sentia bem disposto para SPF, SP1: diarias vencer as etapas e, mesmo, que um sampauleiro deve chegar em São Paulo com os trajos característicos, mostrando logo que é um homem disposto ao trabalho e SPF, SP1: S. Paulo; caracteristicos 166 mostrando logo que é um homem disposto ao trabalho e às dificuldades da vida, como os antigos bandeirantes. Apesar da grande tristeza que invadira o lar, 15 SPF, SP1: ás difficuldades SPF, SP1: apezar Maria, a nossa conhecida heroína, conservava-se SPF, SP1: heroina aparentemente calma; mas quem a conhecia como João SPF, SP1: apparentemente e Serafim, bem avaliava quanta dor a pobre Maria sopitava em seu coração de esposa e mãe. Serafim, não comunicativo como sempre, conservava-se sério, e 20 SPF, SP1: communicativo; serio limitava-se a conversar sobre a viagem do seu bom amigo, a quem dava proveitosos conselhos de homem 25 prático que, através de sua existência, tinha provado SPF, SP1: pratico; atravéz; existencia amarguras e dificuldades que o haviam retemperado SPF, SP1: difficuldades; retemperaram para as lutas da vida. Não se esqueceu de uma só das SPF, SP1: luctas; cousas coisas e preocupações indispensáveis em tão extensa SPF, SP1: indispensaveis viagem como a que seu antigo discípulo ia empreender; SPF, SP1: discipulo; emprehender mas João tinha sido previdente e fez uma resenha de SPF, SP1: previdente, tudo quanto levava. Notou, porém, Serafim que ao SPF, SP1: porem viajante era preciso uma boa arma para sua defesa; pois 30 quem atravessa tão grandes e desconhecidos territórios, SPF, SP1: territorios pode encontrar indivíduos malvados e tem que se SPF, SP1: individuos defender de agressões injustas. SPF, SP1: aggressões –Levo uma boa arma, professor: a prudência – disse João possuído de fé em Deus e na sua conduta. 35 –Não basta, João – retorquiu Serafim. – Há SPF, SP1: prudencia SPF, SP1: conducta. 167 indivíduos que só atendem a um argumento positivo e SPF, SP1: individuos; attendem material, e que somente respeitam a quem traz um Broly SPF, SP1: BROLY na cinta. Pensa bem. –Nesse caso, como fazer, se não tenho uma arma 40 nessas condições? SPF, SP1: N’esse; si SPF, SP1: n’essas –Tenho duas e cedo-te uma que sempre trago comigo, às vezes que saio de casa. João aceitou o conselho e a arma que seu mestre lhe ofereceu com a suplementar provisão de cargas. 45 Serafim retirou-se com a família, mas prometeu SPF, SP1: commigo SPF, SP1: acceitou SPF, SP1: offereceu SPF, SP1: familia; prometteu vir assistir à saída do mancebo. João dormiu mal e, logo SPF, SP1: á sahida às três horas da madrugada, estava de pé. Pulquéria, que SPF, SP1: ás tres andava muito triste deste que soube da resolução do SPF, SP1: Pulcheria “senhor moço”, já se achava na cozinha preparando a 50 55 refeição que o viajante devia tomar. A boa velha não SPF, SP1: occutar; pezar sabia ocultar como Maria o grande pesar que sentia e, SPF, SP1: á familia como todos os males que vinham à família desde a SPF, morte de dona Senhorinha atribuía a Abílio, aquele SPF, SP1: aquelle; antipathia “traste123 ruim” a quem votava antipatia, não deixava de SPF, SP1: esconjural-o esconjurá-lo e volta e meia resmungando impropérios. SPF, SP1: improperios. –Ô coisa ruim! – dizia. – Não foi senão ele que 123 SP1: d. Senhorinha;attribuia; Abilio SPF, SP1: sinão; elle meteu isso na cabeça de ioiô; mas Deus não dorme. SPF, SP1: metteu; Yoyô Deixa estar, que eu apronto aquele sem vergonho. SPF, Traste: pessoa de mau caráter, sem préstimo. SP1: aprompto; SEMVERGONHO. aquelle; 168 60 E a pobre preta terminava seu sermão derramando lágrimas copiosas. O ódio instintivo que SPF, SP1: lagrimas; odio; instictivo votava a Abílio e que naquele momento recrudescia, SPF, SP1: Abilio; n’aquele não impedia de preparar a capricho a refeição destinada ao viajante. Era a sua despedida; que não sabia por 65 quanto tempo não prepararia um quitute para “sinhô João.” Ela bem sabia que São Paulo era “um fim de SPF, SP1: Ella; S. Paulo mundo” pois, quando moça, teve parente e conhecidos 70 que foram vendidos para as “matas do café” e nunca SPF, SP1: mattas mais tivera notícias deles. Quantos pobrezinhos não SPF, SP1: noticias; delles foram chorando “barra a fora” deixando pai, mãe, SPF, SP1: pae irmãos! Quantas mães apanhavam a força o caminho SPF, SP1: a força; d’aquella daquela terra, levando os filhinhos encanchados, outras SPF, SP1: Céo deixando-os cá! Quantas não morreram! Ah! Justiça do Céu! Esses mesmos brancos que não tiveram dó dos 75 seus negros; que os vendiam como gado, hoje estão pagando em seus filhos e netos que vão no mesmo 80 caminho, sofrendo como fizeram sofrer, passando por SPF, SP1: soffrendo; soffrer toda sorte de calamidades para, na terra do café, serem SPF, SP1: para (,) governados como escravos. O castigo está aí, e não o vê SPF, SP1: ahi quem não quer. 169 –Sinhô João, coitadinho! Tão bom, tão caridoso, 85 nunca fez dessas coisas com os pobres dos negros; nem SPF, SP1: cousas ao menos era nascido naquele tempo; mas seu avô fez SPF, SP1: n’aquelle muito mal, surrou e vendeu muito negro, para agora o SPF, SP1: mau pobrezinho estar pagando. Seu Abílio também vem a SPF, SP1: Abilio; tambem pagar o que sua mãe, seu pai e ele mesmo fizeram. Se SPF, SP1: pae; elles (Erro óbvio.); Si não estão pagando agora, é porque o tempo ainda não chegou. –Todos estes pensamentos amarguravam a pobre crioula. 90 ´95 SPF, SP1: creoula Servida a refeição, chegou Serafim. Vinha triste e meditativo. Quase não dormira pensando nas muitas SPF, SP1: Quasi dificuldades que poderiam sobrevir a Maria e seus SPF, SP1: difficuldades filhinhos na ausência do chefe do casal. Vinha-lhe à SPF, SP1: ausencia; á idéa idéia o dito popular; “Sabe-se quando se sai, ignora-se SPF, SP1: sahe (,) quando se volta.” Quantos como João correram atrás da SPF, SP1: atraz fortuna que anteviam em São Paulo, esperando voltar SPF, SP1: S. Paulo munidos dos meios que desejavam adquirir para porem SPF, SP1: pôrem em ordem os seus negócios, e não conseguiram ao SPF, SP1: negocios menos recursos para a viagem de retorno, ou tiveram 100 que voltar piores do que foram! Quantos lá chegaram SPF, SP1: peores em ocasião inoportuna e, perambulando pelas fazendas SPF, SP1: occasião; inopportuna sem encontrar colocação, e afinal reduzidos à miséria, SPF, SP1: collocação; á miseria doentes e paupérrimos em terra estranha, só alcançaram SPF, SP1: pauperrimos; extranha uma desilusão terrível que os arrastou ao desespero! SPF, SP1: desillusão; terrivel 170 105 Quantos de ânimo bondoso, de uma boa fé e SPF, SP1: animo liberalidade como João, não foram explorados naquele SPF, SP1: n’aquelle meio por astutos e maliciosos! Quantos ainda, voltando com o resultado pecuniário do seu rude maiorejar, não SPF, SP1: pecuniario foram assaltados na estrada e perderam o seu dinheiro e 110 SPF, SP1: ás vezes às vezes a vida! De fatos semelhantes estava Serafim inteirado por inquéritos que fazia com segurança, ouvindo SPF, SP1: factos; Seraphim SPF, SP1: inqueritos testemunhos que lhe mereciam inteira fé. Homem 115 prático que era, tanto amava o seu discípulo e amigo e SPF, SP1: pratico; discipulo conhecia-lhe o gênio, que temia o futuro da sua SPF, SP1: genio odisséia. Conversando com João no momento da sua SPF, SP1: odysséa partida, todos os inconvenientes que lhe vinham à idéia, SPF, SP1: á idéa (,) lembrava-lhe a puridade, para não afligir Maria, SPF, SP1: á puridade; afflingir aconselhando-lhe precauções mais severas. 120 Afinal chegou o momento da separação. Ao alcear o saco às costas, João abraçou a sua querida SPF, SP1: sacco; ás costas esposa, mal retendo ambos a torrente de lágrimas que SPF, SP1: lagrimas procurava romper a sua energia. Pulquéria, de joelhos, SPF, SP1: Pulcheria abraçou as pernas do 125 seu “sinhô moço” lavada em lágrima, sem poder proferir uma palavra. Serafim, SPF, SP1: lagrima apesar de forte, tinha os olhos úmidos, conseguindo mal SPF, SP1: apezar; humidos se conter diante do quadro que presenciava, e evitando SPF, SP1: conter-se; deante falar para não denunciar o que lhe ia pelo coração. 171 –Meus filhos! – exclamou João. – Quero 130 P1, SPF: tambem; delles despedir-me também deles. As criancinhas foram trazidas, estremunhantes, a Corina com os olhos de espantada diante do estranho SPF, SP1: creanças SPF, SP1: deante; extranho quadro que se lhe apresentava; o João, o menor, a choramingar 135 por ter sido desperto às pressas. SPF, SP1: ás pressas Estreitando-os nos seus braços, o pobre pai não pôde SPF, SP1: pae conter as lágrimas. SPF, SP1: lagrimas –Adeus, meus queridos anjinhos! – dizia soluçando. – Deixo-vos, meu precioso tesouro, à guarda SPF, SP1: thesouro; á guarda do anjo de bondade que, para mim, representa Deus na 140 terra: minha querida companheira. Professor, Pulquéria, SPF, SP1: Pulcheria Maria, peçam a Deus por mim, vocês em quem eu 145 confio. – Todos choravam; as lágrimas, como punhos, SPF, SP1: lagrimas romperam os diques das conveniências, brotando SPF, SP1: conveniencias (,) copiosas dos olhos de todos os assistentes dessa tocante SPF, SP1: d’essa cena. SPF, SP1: scena Parecerá ao leitor exageramos. Não é assim, 150 porém. Para muitos sampauleiros já por estarem afeitos SPF, SP1: porem; afflitos à extensa viagem que João ia empreender, já por terem SPF, SP1: á extensa; emprehender o coração pouco ou nada SPF, SP1: affectivo afetivo, quebrados os sagrados laços que os prendem ao seu berço, à sua SPF, SP1: á sua esposa, aos seus filhos, a uma viagem destas não causa SPF, SP1: d’estas emoção alguma; podemos até avançar que 172 emoção 155 160 alguma; podemos até avançar que experimentam certa alegria estes últimos, considerando- SPF, SP1: ultimos se, desde que se ausentam do lar, isentos das SPF, SP1: se (,) responsabilidades e deveres domésticos que até então SPF, SP1: domesticos pesavam sobre os seus ombros. Estes infelizes SPF, SP1: hombros degenerados são tais por ignorância, ausência de uma SPF, SP1: taes; ignorancia; ausencia educação regular, nenhuma compreensão dos deveres SPF, SP1: comprehensão sociais e a péssima influência mesológica derivada dos SPF, SP1: sociaes; pessima; influencia, tristes exemplos de indolência, desídia e indiferença das SPF, classes que se colocam à frente da sociedade para SPF, SP1: collocam; á frente mesologica SP1: indolencia; desidia; indifferença tirarem proveito, para exercerem o mando mais reprovável de senhores medievais, para acumularem SPF, SP1: reprovavel; accumularem grandes fortunas, pouco se lhes dando que se 165 desorganize a família humilde, do poviléu124, SPF, SP1: familia; poviléo justamente da classe a mais numerosa da qual depende o progresso econômico e a felicidade do meio. SPF, SP1: economico João arrancou-se dos braços de sua esposa e dos seus queridos, temendo fraquejar, e sumiu-se no escuro 170 da madrugada, tendo como testemunha da sua dor o firmamento ainda enegrecido como uma crepe125 tauxiada de fúlgidos brilhantes. Maria, prostrada, não pôde reter o pranto. Então é que a realidade da sua situação mostrava-se-lhe mais 124 125 Poviléu: ralé. Crepe: fita ou tecido negro que se usa em sinal de luto. SPF, SP1: ennergecido mediavaes; 173 175 180 clara e patente. A esperança, que nos mantém mais ou SPF, SP1: mantem menos firme, antes de realizar-se o que tememos, apesar SPF, SP1: realisar-se de vacilante, como que se esvai por fim em casos como SPF, SP1: apezar; vacillante; esvae; este. Pulquéria, acocorada a um canto, contemplava sua SPF, SP1: Pulcheria; accocorada “iaiazinha” através das lágrimas que lhe ensopavam o SPF, SP1: “yayazinha”; rosto cor de ébano, brilhante à luz da candeia. Serafim, SPF, SP1: ebano; á luz; Seraphim por fim, disse: SPF, SP1: porfim (,) porfim atravéz; lagrimas –Minha comadre, sei que tem coragem para encarar com heroísmo a soledade que fica. Ela, SPF, SP1: heroismo; Ella entretanto, tenho fé em Deus, é o preparo rude do futuro 185 regozijo, quando João voltar tendo colhido bom SPF, SP1: regosijo resultado da aventurosa viagem que hoje encetou. João é honesto, inteligente e laborioso, qualidades que em SPF, SP1: intelligente São Paulo são muito apreciadas no baiano, como estou SPF, SP1: S. Paulo; bahiano informado. A saudade que nos deixou é muito justa e 190 muito natural; mas Deus, que não deixa de auxiliar as boas e louváveis intenções de suas criaturas, amparará o SPF, SP1: louvaveis; creaturas nosso querido ausente, pois são nobres e dignos os seus propósitos. Se outros têm sido infelizes em São Paulo, é sempre por sua própria culpa. Uns conduzem-se mal e 195 SPF, SP1: propositos; Si; S. Paulo SPF, SP1: propria desacreditam-se; outros trabalham e ganham, mas são esbanjadores. Um homem laborioso e econômico como João não deixará de ganhar e fazer um bom fundo de reserva que muito lhe servirá no futuro para garantir a SPF, SP1: economico 174 200 independência almejada. Além de honesto e laborioso SPF, SP1: independencia; Alem que é, como eu já disse, ele já deu provas a minha SPF, SP1: é (,); elle comadre de que tem a força de vontade precisa para gastar somente o estritamente preciso; é econômico. SPF, SP1: estrictamente Conversei bastante com ele a respeito da sua viagem e SPF, SP1: economico; elle vi que tomará as precauções precisas para que o seu 205 intento não fracasse, chegando até a escrever como a senhora talvez saiba, a norma de vida que seguirá na sua ausência. SPF, SP1: ausencia –De tudo isso quanto diz estou certa; mas o futuro?... ah! o futuro! 210 –O futuro pertence a Deus. Não podemos prevêlo exatamente; mas calculá-lo aproximadamente, tendo SPF, SP1: prevel-o; exactamente; calculal-o; approximadamente (,) por estudos os antecedentes e por complemento esse mesmo Deus, que é a Bondade, o Amor e a Justiça. Tenhamos confiança em Deus e pratiquemos o bem 215 entregando-nos inteiramente a Ele, que nunca deixa de SPF, SP1: Elle recompensar o merecimento. Deixemos, porém, este SPF, SP1: porem assunto. Seja qual for o futuro, confiantes em Deus e SPF, SP1: assupmto em nós próprios, aguardêmo-lo tranqüilos e façamos o SPF, SP1: proprios; aguardemol-o; tranquillos que nos compete. Minha comadre tem inteira confiança 220 nos seus meeiros durante a ausência do seu marido? –Sempre mereceram a confiança de João. São laboriosos, honestos nas suas prestações e nunca SPF, SP1: ausencia 175 tivemos que lhes exprobar falta alguma. Há especialmente um, o Roberto, que prima pela sua 225 sinceridade e exação. –Conheço-os a todos três, e justamente o que SP1: exacção SPF, SP1: tres menos me parece agradável é o que a comadre SPF, SP1: agradavel reconhece como o mais sério e honesto. SPF, SP1: serio –Oh! Logo esse?! 230 –É sério de mais. O homem sério que me agrada SPF, SP1: serio; serio é aquele que apesar de sisudo, mostra-se alegre e SPF, SP1: aquelle; apezar; sizudo comunicativo. O Roberto é mudo como uma pedra, não SPF, SP1: communicatrivo sorri... –Mas cumpre todos os seus deveres e obrigações 235 com uma lisura digna de louvores. –Desculpe o que digo a respeito do Roberto. São caturrices de velho e não desejo que por ora as tome ao SPF, SP1: serio sério. –Por ora? – inqueriu Maria, percebendo a 240 sutileza de Serafim. SPF, SP1: Seraphim –Sim por ora; porque desde que se ausentou João, podem as coisas mudar de aspecto. Entanto, SPF, SP1: cousas; Emtanto ponhamo-nos de observação, e não mude o modo de tratar esses rendeiros. Serei vigilante como um argos. 245 Roberto era o meeiro colocado no sítio de João mediante pedido e recomendação de Abílio. Serafim SPF, SP1: collocado; sitio SPF, SP1: recommendação; Abilio 176 250 sabia disso e, quando João teve que admiti-lo, consultou SPF, SP1: d’isso; admittil-o o mestre-escola que, sempre desconfiado, não quis, SPF, SP1: quiz entretanto, SPF, SP1: Comtudo aconselhar desastradamente. Contudo procurou conhecer o novo agregado, cuja seriedade SPF, SP1: aggregado exagerada e taciturnidade achou singulares e dignas de um estudo discreto e minucioso. Conhecedor que era do 255 gênio astucioso e hipócrita de Abílio, como dos seus SPF, SP1: genio; hypocrita; Abilio antecedentes quando pretendente à mão de Maria, o SPF, SP1: á mão velho mestre-escola achou nestas razões e na apresentação do meeiro Roberto uma coincidência SPF, SP1: coincidencia muito significativa, e, desde logo, desconfiou do apresentado e do apresentante. Procurando com habilidade conhecer o meeiro, debalde tentou conseguir 260 265 270 dele próprio informações sobre os seus antecedentes; o SPF, SP1: d’elle; proprio homem respondia por monossílabos quando era SPF, SP1: monosylabos abordado, chegando às vezes a denunciar, por leves e SPF, SP1: ás vezes quase imperceptíveis gestos, uma certa má vontade. A SPF, SP1: quasi; imperceptiveis desconfiança de Serafim mais se acentuou. SPF, SP1: accentuou-se (Emendou-se Ao demais, como pensava o mestre-escola, se ênclise para próclise.) SPF, SP1: si Abílio descobria em Roberto as boas qualidades que o SPF, SP1: Abilio recomendavam, porque, em lugar de colocá-lo em suas SPF, SP1: recommendava; collocal-o terras – pois também ele admitia meeiros e agregados, e SPF, SP1: tambem; elle; admittia; possuia grandes tratos de terreno ótimos para cultura – SPF, SP1: tractos; optimos vinha pedir a João admiti-lo como seu meeiro? SPF, SP1: admittil-o aggregados 177 Serafim nem de leve tocou nisso com alguém; 275 SPF, SP1: n’isso alguem (Emendou-se acrescentando com.) guardou consigo no maior sigilo as conjecturas que lhe SPF, SP1: comsigo; sygillo; vieram à idéia quanto a Roberto e quem o recomendava. SPF, SP1: a idéa; recommendava A primeira vez que se arriscou a falar sobre o assunto SPF, SP1: assumpto, (Emendou-se.) foi esta, com sua comadre, que guardaria reserva, estava certo. Maria ignorava as falcatruas usadas por Abílio SPF, SP1: Abilio quando pretendente à sua mão, nem talvez lhe passase SPF, SP1: á sua pela mente a idéia de que sua paixão ainda persistisse. SPF, SP1: idéa Serafim, que, como dissera, era um argos, adivinhava 280 que o mancebo malogrado não abrira mão de todo às SPF, SP1: mallogrado; ás suas suas antigas pretensões, e, trazendo-o de vista, estudava SPF, SP1: pretenção as suas relações de amizade com o antigo rival. Ora, 285 ausente João, não seria possível que Abílio, apaixonado SPF, SP1: possivel; Abilio e perverso como era, tentasse qualquer coisa no sentido SPF, SP1: cousa de possuir Maria ou vingar-se do seu repúdio? SPF, SP1: repudio Esses pensamentos muito atribulavam o espírito SPF, SP1: attribulavam; espirito do velho mestre-escola, que se tinha como responsável pela segurança da pobre esposa e da integridade de sua SPF, SP1: responsavel honra, ainda mais tendo sido recomendado por João. SPF, SP1: recommendado 178 IX Em dois dias de marcha o nosso sampauleiro conseguiu chegar a Lençóis de Minas. Nunca tendo SPF, SP1: dous SPF, SP1: Lencóes feito tão longa tirada, João chegou muito estrompado126 5 àquele povoado. Por essa ocasião o êxodo dos nossos sertanejos havia tomado grande incremento SPF, SP1: áquelle; occasião; exodo e numerosos grupos de emigrados de pontos diversos do 10 sertão baiano seguiam o mesmo destino do nosso SPF, SP1: bahiano, (Emendou-se.) sampauleiro, que a nenhum deles se incorporou por ser SPF, SP1: d’elles marinheiro de primeira viagem e temer não pudesse SP1, SPF podesse viajar com a rapidez dos outros antes de treinado. Em Lençóis teve João que demorar muitas horas 15 SPF, SP1: Lencóes e pernoitar e, com assombro, soube do número SPF, SP1: assombro(,); numero incalculável de baianos que ali passavam em grupos em SPF, SP1: incalculavel; bahianos; alli demanda do opulento estado do Sul. Também por ali SPF, SP1: Tambem; alli passavam alguns de retorno ao seu lar, mas em número SPF, SP1: numero menor. Estes traziam notícias contraditórias, afirmando SPF, SP1: noticias; contracdictorias; affirmando uns que a baixa do café dera lugar a uma grande 20 quebradeira a ponto de não poderem os fazendeiros SPF, SP1: ao ponto de (Emendou-se pagar aos jornaleiros, e os empreiteiros verem-se na SP1: jonaleiros (Erro óbvio.) contingência de passarem letras aos trabalhadores. SPF, SP1: contigencia; lettras Outros, porém, asseverando que aquilo por lá era um SPF, SP1: porem; aquillo paraíso; que dinheiro naquela terra se podia catar no SPF, SP1: paraiso; n’aquella chão como mamona nas capoeiras da Bahia. 126 Estrompado: muito cansado. conforme regência.) 179 chão como mamona nas capoeiras da Bahia. 25 João estudava criteriosamente o que ouvia dos moradores do arraial e de alguns sampauleiros que 30 naquele dia ali encontrou regressando. Por tudo o SPF, SP1: n’aquelle; alli quanto lhe veio ao conhecimento, quer direta, quer SPF, SP1: directa indiretamente, concluiu que, se havia verdade nas SPF, SP1: indirectamente; si informações que lhe davam, a gabada riqueza de São SPF, SP1: S. Paulo Paulo não era generalizada em todo o Estado como SPF, SP1: generalisada afirmavam muitos que de lá voltavam; que muitos dos SPF, SP1: affirmava informantes nada conseguiram, talvez por serem levianos e dissipadores, por não terem procurado as 35 zonas mais prósperas, por serem de má conduta ou por SPF, SP1: prospera; conducta outras quaisquer circunstâncias que não dependiam SPF, SP1: quaesquer; circumstancias daquele meio e sim do próprio informante. Tudo isso SPF, SP1: d’aquelle; proprio que ouvia, entretanto, eram instruções que muito lhe SPF, SP1: instrucções serviam e o convenciam da necessidade que tinha de um 40 cicerone que o guiasse naquele país para ele estranho; SPF, SP1: n’aquelle; paiz; extranho mas era preciso que esse guia fosse homem fidedigno, experiente e honesto. Onde encontrá-lo, porém? A SPF, SP1: encontral-o; porem Providência reservava-lhe um, como o leitor vai ver. SPF, SP1: Providencia; vae Dois dias depois, quando João se aboletava em 45 SPF, SP1: Dous um arraial insignificante que depois soube ser o “Papagaio”, foi alcançado por um pequeno grupo de SPF, SP1: “Papagaio”(,) emigrantes que ali pernoitou com ele. Eram todos gente SPF, SP1: alli; elle elle; 180 50 do seu distrito, alguns dos quais já tinha visto de relance SPF, SP1: districto; quaes na feira de Caetité; mas entre eles já um seu conhecido SPF, SP1:Caiteté; elles com quem já tinha feito transações, cuja fisionomia era SPF, SP1: transacções; physionomia simpática e insinuante. Com ele não tinha entretido SPF, SP1: sympathica; elle relações muito estreitas nem sabia do lugar onde residia, mas tinha o seu nome. Deram-se a conhecer, e o Calisto, que conhecia bem e sempre o via nos mercados 55 trajando como pessoa de qualidade, mostrou-se admirado de vê-lo agora, seguindo viagem a pé, de saco SPF, SP1: vel-o; sacco às costas. SPF, SP1: ás costas Calisto era comunicativo e alegre. Também se simpatizava desde muito com o mancebo. Entraram a 60 SPF, SP1: Calixto SPF, SP1:Calixto; communicativo; Tambem SPF, SP1: sympathisava-se conversar e explicar-se reciprocamente, vindo afinal a ligar-se por essa amizade que muitas vezes brota espontânea entre dois indivíduos, máxime quando se SPF, SP1: expontenea; individuos; maxime encontram fora de sua terra e nas condições em que 65 aqueles dois se achavam. Ficou assentado que João SPF, SP1: aquelles; dous viajaria incorporado ao grupo, afirmando-lhe Calisto SPF, SP1: affirmando-lhe; Calixto que os outros companheiros, embora fossem homens ignorantes e rudes, eram honestos e pacíficos. Calisto, que já orçava por quarenta anos de idade como se via, pelo seu aspecto, conhecia São Paulo 70 palmo a palmo como informou ao novo amigo. Contoulhe que em 1893 fez a sua primeira viagem para o Sul; SPF, SP1: pacificos SPF, SP1: Calixto; annos; edade SPF, SP1: S. Paulo dous; 181 75 porém, como se estava em revolução, foi recrutado e SPF, SP1: porem; estava-se (Emendou- incorporado às forças legalistas que Floriano colocou SPF, SP1: ás forças; collocou em defesa contra os revoltosos do Rio Grande, temendo SPF, SP1: Grande (,) que se incorporassem à gente de Custódio de Melo. Fez SPF, SP1: á gente; Custodio; Melle toda a campanha, e muito aproveitou naquela vida rude. SPF, SP1: n’aquella Como sempre teve uma conduta exemplar e fosse um SPF, SP1: conducta se ênclise para próclise.) soldado obediente, mereceu a confiança dos seus 80 comandantes, chegando a galgar o posto de sargento SPF, SP1: commandantes (,) apesar de pouco saber ler. Pacificando o país, conseguiu SPF, SP1: apezar; paiz a sua baixa e voltou para Bahia, onde continuou a trabalhar na lavoura. Morrendo seu pai, ficaram a viúva SPF, SP1: pae; viuva e os filhos na pobreza. Constava a prole do casal 85 90 paterno de duas filhas e Calisto que, como o mais velho, SPF, SP1: Calixto tomou a direção da casa. Naquele tempo a lavoura do SPF, SP1: direcção; N’aquelle sertão baiano estava em grande decadência à falta de SPF, SP1: bahiano; decadencia; á falta braços, em conseqüência da abolição do cativeiro e da SPF, SP1: consequencia; captiveiro emigração do nosso sertanejo. Contudo, a esforços SPF, SP1: Comtudo incríveis, conseguiu Calisto fazer alguma coisa e juntar SPF, SP1: incriveis; Calixto; cousa algum pecúlio que lhe serviu para voltar a São Paulo e SPF, SP1: peculio; S. Paulo deixar sua mãe e irmãs com a subsistência garantida na SPF, SP1: subsistencia sua ausência. SPF, SP1: ausencia Calisto foi feliz nessa segunda viagem. Corria 95 muito dinheiro de papel em São Paulo, os jornais eram SPF, SP1: Calixto; n’essa SPF, SP1: S. Paulo; jornaes 182 convidativos e os fazendeiros instavam127 por trabalhadores para estabelecerem novas plantações. 100 105 110 Voltando à sua terra com farta economia, fez a SPF, SP1: á sua arrumação de suas duas irmãs e pôde desenvolver a sua SPF, SP1: ARRUMAÇÃO lavoura. Desde então quase todos os anos fazia uma SPF, SP1: quasi; annos viagem a São Paulo. Os anos críticos de 1898 e 1899 SPF, SP1: S. Paulo; annos; criticos deram-lhe grande prejuízo e obrigaram-no a contrair SPF, SP1: prejuizo; contrahir compromissos que ia amortizando de ano a ano com o SPF, SP1: anno; anno que ganhava em São Paulo. Tendo-se casado, SPF, SP1: S. Paulo aumentadas a sua família e responsabilidades, já SPF, SP1: augmentadas; familia resgatados os antigos compromissos, contraiu uma SPF, SP1: contrahiu dívida maior para dar impulso à sua agricultura, e agora SPF, SP1: divida; á agricultura ia de novo ao grande estado a fim de ganhar com que SPF, SP1: afim de pagá-la. Conhecia um fazendeiro que não deixaria de SPF, SP1: pagal-a lhe dar trabalho e, até, adiantar-lhe dinheiro; pois era SPF, SP1: adeantar-lhe homem que o tinha em muita boa conta. Assim informado, João conheceu que a Providência dava-lhe SPF, SP1: Providencia um ótimo cicerone, em quem, por cada dia SPF, SP1: optimo que passava, descobria qualidades apreciáveis. 115 João seguiu, pois, com o grupo através do SPF, SP1: apreciaveis SPF, SP1: atravéz Estado de Minas; mas embora a todos tratasse com tal afabilidade e fosse geralmente estimado e considerado SPF, SP1: affabilidade pelos outros, conversava mais e amiúde com Calisto, SPF, SP1: a meude; Calixto que era o único inteligente e capaz de informá-lo de 127 Instar: solicitar. 183 120 que era o único inteligente e capaz de informá-lo de SPF, SP1: unico; intelligente; informal- tudo quanto lhe era estranho do costume que ia SPF, SP1: extranhos o encontrar. Para os sampauleiros pedestres Mucoca era uma 125 130 espécie de ante-sala do estado de São Paulo. Parece-nos SPF, SP1: especie; S. Paulo que a necessidade de viajarem em grupos para a comum SPF, SP1: comum defesa, levava-os sempre juntos até ali, de onde SPF, SP1: alli somente tomava cada um a direção que mais lhe SPF, SP1: direcção convinha, de acordo com as suas conveniências e SPF, SP1: accordo; conveniencias conhecimentos que tinham. João e Calisto, ao chegarem SPF, SP1: Calixto ali, separaram-se dos companheiros e seguiram rumo de SPF, SP1: alli Cravinhos em procura do rio Mojiguaçu, em cuja bacia, SPF, SP1: Mogyguassú; baccia nas proximidades desse rio, estava situada a fazenda SPF, SP1: d’esse que Calisto achava mais conveniente procurarem, SPF, SP1: Calixto porque conhecia o fazendeiro, um cavalheiro que lhe merecia confiança, e para quem já havia trabalhado 135 muitas vezes. João encantava-se diante da luxuosa perspectiva 140 128 129 SPF, SP1: deante que aquele solo feracíssimo apresentava-lhe nas matas, SPF, SP1: aquelle; ferracismo; mattas nas caudais128 e no resultado do trabalho desenvolvido SPF, SP1: caudaes do homem fazendo brotar da terra os opulentos tesouros SPF, SP1: thessouros que ela encerra. Calisto, como emérito e inteligente SPF, SP1: ella; Calixto; intelligente cicerone que era, ia chamando a atenção do novel129 SPF, SP1: attenção; nóvel Caudal: cachoeira. Novel; inexperiente. 184 sampauleiro para o cenário que se desdobrava às suas SPF, SP1: scenario; ás suas vistas e tudo explicava e informava miudamente. Aqui avistavam lindas vivendas campestres cercadas de 145 150 variadas culturas; ali extensas pastagens onde se viam SPF, SP1: alli rebanhos e armentos aproveitando tranqüilamente o SPF, SP1: tranquillamente pingue pábulo; acolá trechos de mata em derribada,130 SPF, SP1: mattas incipientes plantações de cafeeiros, construções em SPF, SP1: construcções começo; mais além grandes cafezais riscando o solo, SPF, SP1: alem; cafezaes trepando as colinas e os suaves aclives, em pleno SPF, SP1: collinas desenvolvimento. Toda aquela região, relativamente SPF, SP1: aquella nova no seu desbravamento e cultura, era movimentada por um formigueiro de trabalhadores. Das estradas ouvia-se um zumzum de colméia, percebendo-se uma 155 SPF, SP1: colmeia ou outra palavra do nosso idioma ou da algaravia estrangeira, nesta sobressaindo o italiano em maior número ou o brado álacre131 do operário nacional, típico SPF, SP1: n’esta; sobresahindo; máior do nosso trabalhador quando na faina rude. SPF, SP1: numero; operario; typico Os nossos dois viajantes tiveram que atravessar 160 trilhos de via-férrea, transpor pontes, vadear ribeiros, SP1, SPF: via-ferrea pernoitar em galpões mediante paga e quase sempre SPF, SP1: quasi vendo gente a trabalhar ou em viagem. Também SPF, SP1: Tambem atravessaram povoados nascentes que em breve seriam cidades movimentadas. Afinal conseguiram, depois de 130 131 SPF, SP1: dous Derribada: colocada no chão; desmatada. Álacre: alegre; entusiasmado. 185 165 alguns dias, chegar à fazenda colimada que, para João, SPF, SP1: á fazenda; collimada era uma esplêndida instalação; mas para Calisto, que SPF, SP1: installação; Calixto conheceu a antiga côlonia Dumont e depois muitas e SPF, SP1: colonia enormes instalações modernas do mesmo gênero, como SPF, SP1: installações; genero as fazendas do alemão Schmidt e a Santa Gertrudes do 170 conde Prates, – para mencionarmos as mais importantes, – a instalação do coronel Paulino não SPF, SP1: installação passava de uma fazendola de classe inferior. Assim manifestou Calisto ao seu companheiro o seu razoável SPF, SP1: Calixto; razoavel modo de pensar. Entretanto João, que já vinha 175 admirando algumas instalações agrícolas mais ou SPF, SP1: installações; agricolas menos do porte desta, quais avistou de relance da SPF, SP1: d’esta; quaes estrada que vinha percorrendo, ao ver de mais perto e detidamente a do coronel Paulino, como que se sentiu deslumbrado. 180 –É aqui o nosso paradeiro, senhor João. Conheço muitas fazendas mais opulentas; mas prefiro esta porque o coronel Paulino, para quem tenho trabalhado muitas vezes e que me conhece de sobra, é 185 um homem bom, honesto e tratável com quem podemos SPF, SP1: tratavel conversar diretamente. É um pouco esquisito e SPF, SP1: directamente; exquisito desagrada à primeira vista; mas depois se conhece que SPF, SP1: á primeeira; conhece-se se trata de gente correta e agradável. SPF, SP1: correcta; agradavel 186 Da estrada avistava-se em meia encosta de uma 190 extensa colina a linda residência do coronel, uma alta SPF, SP1: collina; residencia construção feita com arte, cuja frente era ornada de SPF, SP1: construcção varandas e pavilhões simetricamente colocados a um e SPF, SP1: symetricamente; collocados outro lado do vestíbulo erguido no centro e que SPF, SP1: vestibullo constava de um largo patim132 defendido na frente por 195 uma balaustrada artística e aberto pelos lados para SPF, SP1: artistica escadas com corrimões. O patim e os dois pavilhões das SPF, SP1: dous extremidades da linha da frente eram salientes e 200 ornados de belas pilastras que iam ao teto, e o conjunto SPF, SP1: bellas; tecto; conjucto sobranceava um largo pátio plantado com arte de SPF, SP1: pateo arbustos e árvores de ornato, abaixo do qual estendia-se SPF, SP1: arvores o terreiro de seca do café. Viam-se, além da residência, SPF, SP1: sécca; alem; residencia fileiras de galpões e casas modestas para alojamento dos trabalhadores bem como as casas das máquinas e SPF, SP1: machinas depósitos. Depois de tudo isso Calisto mostrar e SPF, SP1: depositos; Calixto explicar a João, tomaram ambos o caminho da casa, 205 mas, ao aproximar-se dela, aquele deixou João à espera e foi ao coronel, que avistou no patim, assentado em uma cadeira, a fumar cigarros e contemplar o cair da SPF, SP1: approximar-se aquelle; á espera SPF, SP1: cahir tarde. A colina onde se achava situada aquela fazenda 210 era um dos contrafortes que rematam para Este as vertentes que derramam para o Moji-Guaçu, à sua 132 Patim: pequeno patamar. SPF, SP1: collina; aquella SPF, SP1: E’ste d’ella; 187 215 vertentes que derramam para o Moji-Guaçu, à sua SPF, SP1: Mogy-Guassú; á sua esquerda. Do ponto onde João ficou à espera de Calisto SPF, SP1: á espera; Calixto avistavam-se as alturas que demoram entre São Carlos e SPF, SP1: S. Carlos Araraquara, confundido o seu azul diáfano com o do SPF, SP1: diaphano firmamento. Destas maiores alturas, que chegam a mais de 2000 metros, o solo vai declinando para Araraquara. SPF, SP1: vae Jabuticabal e Bebedouro até encontrar, em rumo de Noroeste, as planícies de Barretos, já na larga bacia do SPF, SP1: Noroéste; planicies; Barretos rio Grande ou Paraná. 220 Em plano mais próximo João via o ondulado do solo e as colinas listradas de filas de cafeeiros, traçadas SPF, SP1: proximo SPF, SP1: collinas; caféeiros a capricho, mas perto, destacados, patenteando o viço e o lustroso verdor das frondes, mas em distância SPF, SP1: distancia confundindo-se sem solução de continuidade e, lá para 225 os confins do horizonte, tomando a aparência de telas SPF, SP1: horisonte; apparencia afustuadas. Aqui e ali via largos traços de mata intensa, SPF, SP1: alli; matta sobrepujando-os gigantescos jequitibás como os reis da 230 floresta e êmulos das soberbas araucárias. Via pelas SPF, SP1: emulos; araucarias baixadas lindos canaviais e arrozais e pelas encostas SPF, SP1: canaviaes; arrozaes extensas culturas forragíneas. SPF, SP1: forragineas Todo esse conjunto risonho, virente como a SPF, SP1: conjeuncto esperança, que se estendia por todos os lados a perder de vista, entrançado aqui e ali de fios dágua que SPF, SP1: alli; d’agua cintilavam à luz do sol poente, absorvia o espírito do SPF, SP1: scintillavam; á luz; espirito 188 235 nóvel sampauleiro, que o contemplava perplexo. O SPF, SP1: novel ruído da natureza que ia entrar em repouso, quando as SPF, SP1: ruido aves, feito o repasto diurno, procuravam asilo na SPF, SP1: asylo espessura das frondes, despedindo-se alacremente do 240 dia com os cantos, trilos e chilrear variadíssimos; o SPF, SP1: variadissimos rumor das águas escachoantes de uma torrente próxima, SPF, SP1: águas; proxima o vozear dos operários ocupados no beneficiamento dos SPF, SP1: operarios; occupados produtos da farta lavoura, e todos os mais sons que se SPF, SP1: productos entrecruzavam nos arredores, eram para João uma estranha harmonia que, pouco a pouco, lhe despertava a SPF, SP1: extranha saudade da terra querida que deixou, e dos seus 245 queridos que lá ficaram. Então como o seu espírito, SPF, SP1: espirito voando, vencia a enorme distância que o separava da SPF, SP1: distancia sua vivenda modesta. Parecia-lhe ouvir Maria, a sua querida, falando-lhe com aquela meiga voz que para ele SPF, SP1: aquella; elle era uma deliciosa melodia; o papaguear da sua 250 Corinazinha; ver o seu Joãozinho a sorrir-lhe estendendo-lhe os bracinhos rosados, e ouvir a gargalhada alegre do seu velho professor. Parecia-lhe 255 tê-los ao pé de si, abraçá-los, sentindo aquele afeto SPF, SP1: tel-os; abraçal-os(,); aquelle; sincero que impregnava o seu coração saudoso e bem SPF, SP1: n’esta formado. Estava nesta funda abstração, quando foi SPF, SP1: abstracção; Calixto desperto por Calisto que só conseguiu acordá-lo depois SPF, SP1: accoral-o; camal-o de chamá-lo mais de uma vez e tocá-lo com a sua mão. SPF, SP1: tocal-o affecto 189 –Já estive com o coronel, senhor João. – disse Calisto. – Com ele conversei, e deseja vê-lo. 260 265 SPF, SP1: Calixto; elle; vel-o E seguiram ambos para a casa da fazenda. O Coronel viu-os quando se aproximavam, mas não se SPF, SP1: approximavam mexeu da cadeira, a cavaleiro do pátio, de modo que, se SPF, SP1: cavalleiro; pateo os dois viajantes se aproximassem muito, não poderiam SPF, vê-lo. Era um homem alto, esgrouviado,133 de fartos SPF, SP1: vel-o bigodes; mas denunciando saúde e vigor. Calisto SPF, SP1: saude; Calixto aproximou-se o mais que lhe foi possível e de certa SPF, SP1: approximou-se; possivel distância, enquanto o coronel soprava uma baforada de SPF, SP1: distancia; emquanto SP1: dous; fumo do cigarro, fez a seu modo a apresentação do companheiro. 270 –Aqui está o homem, senhor coronel. –Sim – respondeu o coronel voltando o rosto pachorrento e, mirando João dos pés à cabeça, depois de SPF, SP1: á cabeça alguma demora, perguntou-lhe: – Está acostumado com o nosso trabalho? 275 –É a primeira vez que venho a São Paulo, senhor SPF, SP1: S. Paulo coronel – respondeu João. –É a primeira vez que vem a São Paulo... mas SPF, SP1: S. Paulo em sua terra não se trabalha? O que fazia o senhor então? 280 133 aproximassem; muito(,) –Nasci e vivi trabalhando em lavoura. Esgrouviado: magro e alto de cabelo desgrenhado. Variante de esgrouvinhado. 190 –Nasceu e viveu trabalhando em lavoura. Mas a lavoura da sua terra não é como a nossa. –Já sei; estou informado. –Já sabe, está informado. Não bastam, porém, 285 290 SPF, SP1: porem informações, meu moço. Por cá o trabalho é realizado SPF, SP1: realisado com mais método e disciplina do que por lá. SPF, SP1: methodo –Estou certo disso, senhor coronel. SPF, SP1: d’isso –Está certo disso. SPF, SP1: d’isso. –O senhor Calisto já me informou tudo. SPF, SP1: sr. Calixto –O senhor Calisto já o informou de tudo. Mas o SPF, SP1: sr. Calixto senhor Calisto não lhe disse que sou um sujeito SPF, SP1: Calixto impertinente e aborrecido. –Pelo contrário, senhor coronel, disse-me muito SPF, SP1: contrario bem de vossa senhoria. 295 –Pelo contrário, disse-lhe bem de mim. E o SPF, SP1: contrario senhor acreditou? –Certamente, porque o senhor Calisto me SPF, SP1: calixto merece confiaça. –Certamente, porque o senhor Calisto lhe 300 merece confiança. Hoje, meu baianito, a confiança anda SPF, SP1: Calixto SPF, SP1: Hoje(,); bahianito muito barata. –Não entre homens de bem, senhor coronel. –Não entre homens de bem. O senhor então é um homem de bem como o senhor Calisto. SPF, SP1: Calixto 191 305 –Vossa Senhoria o saberá depois. –Eu o saberei depois. Como se chama? É casado? 310 315 –João Lopes. Sou casado e tenho dois filhinhos. SPF, SP1: dous –João Lopes. É casado e tem dois filhinhos. SPF, SP1: dous O coronel fazia esse interrogatório com pachorra SPF, SP1: interrogatorio como um juiz de instrução, e como que ia ditando à sua SPF, SP1: instrucção; dictando; á sua consciência, que o registrava na retentiva. Era um sestro SPF, SP1: consciencia; séstro do coronel, a que talvez se habituasse como funcionário SPF, SP1: funccionario policial. João já se achava aborrecido com aquele SPF, SP1: aquelle repetir as suas palavras como eco; mas Calisto fazia-lhe SPF, SP1: echo; Calixto ver por mímicas que convinha ter paciência, mas de SPF, SP1: mimica; paciencia modo que o coronel Paulino não o visse. –Senhor coronel – disse por fim Calisto com 320 certo desplante, – nós estamos muito cansados, SPF, SP1: desplante(,); cançados viajamos hoje muitas léguas. SPF, SP1: leguas –Estão muitos cansados, viajaram muitas léguas. Naturalmente querem descansar. –Queremos descansar e pedimos ao senhor alojamento na colônia. 325 SPF, SP1: Calixto –Pedem alojamento na colônia. Procurem um daqueles galpões que você já conhece e lá se aboletem. SPF, SP1: leguas; cançados SPF, SP1: descançar SPF, SP1: descançar SPF, SP1: colonia. SPF, SP1: Colonia SPF, SP1: d’aquelle Lá mandarei mais tarde o meu encarregado. Os dois saudaram o coronel e Calisto levou SPF, SP1: dous; Calixto 192 consigo o companheiro. João ia aborrecido com a 330 SPF, SP1: comsigo pachorra do coronel Paulino. –Que coronel esquisito! – dizia João – Põe-se do SPF, SP1: exquisito alto do seu trono a interrogar e repetir como eco o que SPF, SP1: throno; echo ouve como se fora um príncipe! SPF, SP1: principe –Mas é um homem bom, senhor João – disse 335 SPF, SP1: Calixto Calisto. da –Porém trata a gente em ar de resto. SPF, SP1: Porem –Isso é de todos eles, meu amigo; é costume dos SPF, SP1: elles terra conosco, quando são dinheirosos e SPF, SP1: comnosco independentes. Ah! Senhor João! Eu conheço outros 340 fazendeiros que, intratáveis, malcriados e incivis, SPF, SP1: intrataveis metem ódio à gente do nosso pano. Há muitos deles que SPF, SP1: mettem; odio; á gente; são liberais e bondosos, mas que, à primeira vista, nos SPF, SP1: liberaes; á primeira panno; delles desagradam. Conheço o velho Schmidt, para o qual já trabalhei. É o rei do café; mas ninguém mais tratável e 345 SPF, SP1: ninguem; tratavel singelo. Não procuro uma das suas fazendas porque são tantas que ele não pode diretamente dirigi-las e, quanto SPF, SP1: elle; directamente; dirigil-as aos seus empregados, nem sempre tratam a gente como o velho. Este coronel que o senhor viu, é tal qual o velho Schmidt, com a diferença da exagerada pachorra. 350 SPF, SP1: differencça –Mas porque aquela indiferença e majestade? SPF, –Ah! meu amigo! Aquilo é nada. Tenhamos SPF, SP1: Aquillo paciência e estudemos os homens como eles nos SP1: aquella; magestade SPF, SP1: paciencia; elles indifferença; 193 estudam. A culpa da desconfiança que há entre os 355 paulistas contra nós é dos nossos patrícios que têm SPF, SP1: patricios praticado ações indignas que desacreditaram os baianos. SPF, SP1: acções; bahianos Eu sei do pouco caso que fazem de nós em geral; mas também sei que, ganhando-se a confiança dos SPF, SP1: tambem fazendeiros por meio de uma conduta exemplar, tem-se SPF, SP1: conducta tudo quanto se queira. O senhor foi feliz em vir comigo. 360 O que – não digo por me gabar – influiu para que fosse SPF, SP1: commigo logo admitido no trabalho. Levemos tudo com paciência SPF, SP1: paciencia sem adular, mostrando-nos sempre superiores aos canalhas e tudo nos correrá bem. Verá. Eu já fui soldado, cheguei a sargento, nunca adulei a diabo 365 nenhum e consegui, pela minha paciência e prontidão SPF, SP1: paciencia; promptidão em executar tudo quanto me ordenavam, ser elogiado em ordem do dia. Assim conversando, chegaram os dois sampauleiros à colônia de imigrantes. SPF, SP1: dous SPF, SP1: á colonia; immigranres X A colônia, como vulgarmente denominam os imigrantes o agrupamento de acomodações que os fazendeiros paulistas destinam aos seus trabalhadores, 5 era, na fazenda do coronel Paulino, um arruamento de casas modestas e largos galpões, aquelas destinadas a SPF, SP1: colonia SPF, SP1: accommodações immigrantes; 194 casas modestas e largos galpões, aquelas destinadas a famílias estes ao alojamento de homens solteiros que ali viviam em comum, às vezes em tal camaradagem que aquilo tomava a afeição de uma república. SPF, SP1: aquellas SPF, SP1: familia; alli SPF, SP1: commum; ás vezes SPF, SP1: aquillo; affeicção; REPUBLICA 10 Calisto e João chegaram já sol posto no galpão SPF, SP1: Calixto por aquele escolhido, justamente quando voltavam do SPF, SP1: aquelle serviço os trabalhadores da fazenda, cada qual 15 procurando o cômodo que ocupava, tocando ao SPF, SP1: commodo; occupava alojamento dos nossos dois companheiros um certo SPF, SP1: dous número deles. SPF, SP1: numero; d’elles Logo ao chegarem em frente ao arruamento de cômodos que lhes eram destinados, antes de se SPF, SP1: commodos acomodarem, ouvia-se um rumor contínuo, um vozear SPF, SP1: accomodarem; continuo incessante do centro do qual se destacavam palavras, 20 gargalhadas, juras e diálogos gritados, em todos os SPF, SP1: dialogos diapasões, em calão brasileiro do norte, em italiano, em 25 português estropiado pelos estrangeiros, percebendo-se SPF, SP1: portuguez; extrangeiros que mulheres, crianças e varões faziam parte dos SPF, SP1: creanças magotes134 que se aproximavam destacados como vagas SPF, SP1: approximavam de uma torrente. O galpão preferido por Calisto já era por ele SPF, SP1: Calixto; elle conhecido. Era um recinto espaçoso que media cerca de oitenta metros quadrados de superfície com pavimento 134 Magote: grande quantidade de pessoas. SPF, SP1: superfície 195 de terra socada, aqui e ali lajeada em pequenos círculos 30 SPF, SP1: alli; lageada; circulos que serviam de lareira. Fechado ao fundo por paredes que subiam até os frechais,135 era na frente defendido SPF, SP1: frechaes por uma meia tapagem de adobes sobre a qual repousava uma balaustrada tosca que a completava até o 35 cimo e tendo, bem ao meio, a larga porta que dava SPF, SP1: accesso acesso ao interior. O amplo teto de telhas vãs, SPF, SP1: tecto sustentado por enormes asnas,136 que se apoiavam sobre 40 grossas vigas, tinha por suporte potentes esteios SPF, SP1: supporte fincados no solo. O dormitório constava de esteiras ao SPF, SP1: dormitorio longo das paredes, acima de cada uma das quais cada SPF, SP1: quaes um dos jornaleiros pendurava em tornos grosseiros os SPF, SP1: saccos; bornaes sacos e bornais137 onde guardavam as roupas, e prateleiras toscas nas quais depositavam diversos outros SPF, SP1: quaes; objectos objetos. Quando tinham de preparar as suas refeições ou garantir-se contra o frio quando intenso, reuniam-se em 45 SPF, SP1: aquelles grupos, aqueles que se acamaradavam, em torno de lareiras, mesmo os que não tivessem de fazer cozinha, SPF, SP1: boia por terem a bóia por contrato. Muitos deles preferiam SPF, SP1: contracto; d’elles dormir ao pé da lareira. João, a exemplo de Calisto, acomodou-se ao seu 50 lado junto a uma das lareiras, e já acendiam lume para o SPF, SP1: Calixto; accomodou-se SPF, SP1: accendiam preparo da sua refeição, quando os trabalhadores que ali 135 Frechal: viga de madeira na qual se pregam os barrotes, à beira do telhado. Asna: tesoura. 137 Bornal: saco de pano ou couro, utilizado a tiracolo, para transportar roupas, ferramentas. 136 196 preparo da sua refeição, quando os trabalhadores que ali se arranchavam entraram de roldão ruidosa e alacremente. Calisto percebeu entre eles dois baianos já 55 bahianos do seu grupo. Foi um alegrão para os dois ao verem SPF, SP1: dous Calisto, vindo outros também se incorporarem ao SPF, rancho, uns por que já tinham preferência por aquela ênclise deles um italiano já conhecido ali. As atenções voltavam-se para os novos vindiços, os baianos ansiosos por terem notícias da sua terra. Calisto, que já conhecia os hábitos dos seus patrícios, e, por sua vez, desejava informar-se do estado dos jornais e outra 65 SPF, SP1: Calixto; elles; dous; seus antigos conhecidos e chamou-os a fazerem parte lareira, outros por simples curiosidade, fazendo parte 60 SPF, SP1: alli coisas, deu logo conta de sua odisséia e do que se SP1: Calixto; encorporarem-se para tambem; (Emendou-se próclise.); preferencia; aquella SPF, SP1: d’elles; alli; attenções SPF, SP1: bahianos SPF, SP1: noticias; Calixto SPF, SP1: habitos; patricios SPF, SP1: jornaes SPF, SP1: cousas; odyséa SPF, SP1: noticias passava nos sertões da Bahia, havendo permuta de notícias e informes que muito importavam a uns e outros, estabelecendo-se logo familiaridade entre todos que, em grupo, circulavam a lareira. João ficou logo 70 conhecido como bom companheiro e recebeu comprimentos até do italiano, que já falava alguma coisa da nossa língua entressachando-a de maior número de palavras e frases do calão napolitano. Mais tarde entrou o encarregado do coronel Paulino acompanhado de pessoas que conduziam a SPF, SP1: algumma SPF, SP1: cousa; língua; numero SPF, SP1: phases 197 75 Paulino acompanhado de pessoas que conduziam a pitança138 que devia ser distribuída com aqueles SPF, SP1: distribuida; aquelles jornaleiros que a ela tinha direito por contrato. SPF, SP1: ella; contracto –O senhor Melquíades! – exclamou Calisto ao SPF, SP1: Melchiades; Calixto ver o encarregado. –Folgo muito por ainda ser o encarregado do patrão. 80 –O senhor Calisto! – respondeu Melquíades. – SPF, SP1: Calixto; Melchiades Bons olhos os vejam. Eu já sabia pelo coronel que era dos nossos. Temos que conversar; mas espere que eu conclua cá o meu serviço. Feita a distribuição das rações naquele galpão, 85 Melquíades foi fazê-la nos outros, depois do que voltou SPF, SP1: melchiades; fazel-a ao rancho de Calisto. SPF, SP1: Calixto –Soube que trouxe consigo um companheiro – 90 SPF, SP1: n’aquelle SPF, SP1: comsigo disse o encarregado a Calisto. – Já sei que se trata de SPF, SP1: Calixto boa gente, porque o amigo nunca nos trouxe senão ouro SPF, SP1: sinão da lei. –É certo. –E fez a apresentação do seu companheiro. –É o senhor João Lopes? – disse Melquíades SPF, SP1: Melchiades dirigindo-se a João. 95 –Sou, sim senhor. –Já sei que é casado, que tem dois filhinhos e que é a primeira vez que vem a São Paulo. Em que 138 Pitança: ração diária; pensão. SPF, SP1: dous 198 que é a primeira vez que vem a São Paulo. Em que SPF, SP1: S. Paulo serviço quer o senhor ocupar-se? SPF, SP1: occupar-se –Em qualquer trabalho de lavoura. Sei roçar, 100 derribar, plantar, capinar... –Bem; mas nós por cá temos trabalho que na 105 Bahia não se usa, como apanhar café, derriçar139, arruar SPF, SP1: TUTTI QUANTI e... tutti quanti – concluiu Melquíades já um pouco SPF, SP1: Melchiades enfronhado na língua ausônica. SPF, SP1: lingua ausonica –De tudo isso me acho informado – observou SPF, SP1: pratica João – e estou disposto a pôr em prática. 110 SPF, SP1: acho-me –Quer trabalhar a seco ou a molhado? SPF, SP1: secco –Quanto a isto, guio-me pelo senhor Calisto. SPF, SP1: Calixto –Guia-se muito bem – obtemperou Melquíades. SPF, SP1: Melchiades –Preferimos trabalhar a molhado, senhor Melquíades – disse Calisto. SPF, SP1: melchiades; Calixto –A bóia, como os senhores chamam, não é um jantar ou almoço como talvez o senhor Lopes esteja acostumado a tomar; mas garanto que lhe é asseada e 115 satisfatória. SPF, SP1: satisfactoria –De tudo já estou informado pelo meu companheiro – disse João. –Também informo aos senhores que o coronel SPF, SP1: Tambem está disposto a dar um grande serviço de empreitada, 139 Derriçar: tirar os frutos dos galhos do cafeeiro, correndo a mão de cima para baixo e deixando-os cair no cesto. 199 120 SPF, SP1: contracto porque talvez prefiram este contrato. –É coisa para já, senhor Melquíades? – inquiriu SPF, SP1: cousa; Melchiades; inqueriu SPF, SP1: Calixto Calisto. –Há tempo para pensarem e tomarem as suas medidas. 125 –Nesse caso, iremos trabalhando a jornal, e SPF, SP1: N’esse depois, conforme... –Estamos Melquíades entendidos concluiu quanto acertando com a isso. os –E novos SPF, SP1: á isso (Emendou-se.) SPF, SP1: Melchiades trabalhadores a respeito ao jornal vigente e qualidade do 130 serviço. Quanto a horários e outras circunstâncias não SPF, SP1: lhe era preciso entrar em combinações, porque Calisto SPF, SP1: Calixto já tinha conhecimento disso até as minudências140 e SPF, SP1: d’’isso; ás minudencias circumstancias (Emendou-se.) tudo informaria ao seu companheiro. –Que tal achou o senhor Melquíades? – 135 perguntou Calisto ao mancebo ao sair o encarregado. SPF, SP1: Melchiades SPF, SP1: Calixto; sahir –Não pode ser melhor a impressão que me deixou. Os outros jornaleiros conversavam entre si nos diversos grupos, logo feita a refeição. João, apesar de 140 tudo o quanto lhe ia satisfazendo o desejo de alcançar meios seguros de ganhar o preciso para melhorar as suas finanças e levar meios que lhe facilitassem na Bahia o desenvolvimento da sua agricultura e a 140 Minudência: pormenor, miudeza. horarios; SPF, SP1: apezar 200 Bahia o desenvolvimento da sua agricultura e a 145 150 comodidade daqueles que lhe eram tão queridos, sentia- SPF, SP1: commodidade; se deslocado naquele meio estranho. Tendo, desde SPF, SP1: n’aquelle; extranho criança, gozado de uma abastança em sua terra, nunca SPF, SP1: creança; gosado passou pela sua idéia o pensamento de ver-se reduzido SPF, SP1: idéa à condição de jornaleiro, de viver misturado com toda a SPF, SP1: á condição; mixturado sorte de gente num comunismo que lhe parecia perigoso SPF, SP1: n’um; communismo e degradante. Achava-se agora rebaixado à condição de SPF, SP1: á condição reles camarada, a serviço de um patrão, como servo que SPF, SP1: réles devia respeitar exageradamente até os prepostos dele, SPF, SP1: d’elle d’aquelles para que não fosse expulso e arrastado a estado ainda mais desprezível; para que não perdesse o seu crédito e 155 SPF, SP1: desprezivel; credito a sua honra não fosse nodoada. Era-lhe preciso confraternizar com todos os seus companheiros de trabalho, sem escolha, sem procurar saber da sua 160 condição, da sua índole, da sua educação. Era este o SPF, SP1: indole único e mais seguro meio de chegar aos seus fins; SPF, SP1: unico melhorar a sorte de sua querida esposa e de seus SPF, SP1: innocentes inocentes filhinhos. Então lhe vinham ao pensamento aqueles entes SPF, SP1: vinham-lhe; aquelles queridos que se achavam tão longe, afastados do seu 165 imediato carinho por uma distância que lhe parecia SPF, SP1: immediato; distancia incomensurável. O que pensava, o que fazia naquele SPF, momento aquela a quem uniu para sempre o seu SP1: n’aquelle incommensuravel; 201 170 185 momento aquela a quem uniu para sempre o seu SPF, SP1: aquella destino? Sabia-a de ânimo varonil; mas também SPF, SP1: animo; tambem avaliava quanta tristeza invadia o seu espírito; quanta SPF, SP1: espirito dor apuava141 aquele coração tão terno e afetuoso. E, SPF, SP1: aquelle; affectuoso através do espaço mediante entre esses dois espíritos SPF, SP1: atravéz; dous; espiritos que, desde a infância, se concertavam nos mesmos SPF, SP1: infancia sentimentos, na mesma vontade, no mesmo afeto – SPF, SP1: affecto espaço intransponível à pesada indúvia carnal – parecia SPF, fundirem-se em um só. Caindo em funda abstração, o SPF, SP1: Cahindo; abstracção SP1: intransponivel; pesada; pobre mancebo tentava, por um enorme esforço de concentração – parecendo-lhe que o conseguia – ver o SPF, SP1: concentracção, que se passava no seu lar naquele momento. Calisto, SPF, SP1: n’aquelle; Calixto compreendendo-o, porque já passara por situação como SPF, SP1: comprehendeu-o a do seu companheiro, fitava-o compadecido como 190 quem vela o sono reparador de pessoa querida. Quando João mais imerso achava-se naquele SPF, SP1: somno SPF, SP1: immerso; n’aquelle sonho, ouviu o canto suave e melodioso de uma voz 195 141 142 impregnada de ternura nostálgica, que lhe parecia vir SPF, SP1: nostálgica dos céus, como se fora um acusmata142 que o SPF, SP1: si; acúsmata acalentasse e somente a ele se dirigisse. As palavras do SPF, SP1: sómente; elle canto eram-lhe incompreensíveis; mas tão suave era a SPF, SP1: incomprehensiveis melodia; tal encanto emprestava-lhe a voz do cantor, SPF, SP1: quasi quase infantil, límpida e argentina; tal ritmo, e a toada, SPF, SP1: limpida; rythimo Apuar: torturar. Acusmata: alucinação auditiva. á 202 200 que se assemelhava ao balançar sereno sobre águas SPF, SP1: o balanço (Emendou-se levemente agitadas pela brisa; que somente a música, SPF, SP1: sómente; musica como SPF, SP1: ROMANZA romanza, bastava para impressionar-lhe conforme regência.); aguas agradavelmente os sentidos e avultar docemente a saudade da sua terra e dos entes queridos que lá deixara. SP1: la Era o italiano, um mancebo imberbe e 205 simpático, que cantava. A sua voz lembrava pelo timbre SPF, SP1: sympathico o tanger de sinos de cristal. Denunciava-se, a quem SPF, SP1: crystal percebesse o seu idioma, pelas leves asperezas do calão, que em nada alteravam a maviosidade do idioma, filho 210 do Meio-Dia da Itália e, pelo motivo do canto, genuíno SPF, SP1: Meio dia; Italia napolitano, embora natural de Sorrento, o alvo ninho SPF, SP1: genuino alcandorado da rocha à beira do abismo, a cavaleiro do SPF, lindo e tranqüilo mar e em frente da penhascosa e SPF, SP1: tranquillo SP1: á beira; abysmo; cavalleiro virente Capri que se eleva como encantadora corbelha de verdura; Sorrento, o encantador miradoiro de onde se 215 avista o Vesúvio, gigantesco, empenachado de fumo de SPF, SP1: Vesuvio dia e à noite coroado por uma chama como se a SPF, SP1: empennachado; á noite Natureza, que foi ali tão pródiga, quisesse dotar o sítio SPF, SP1: chamma; si; alli de um farol eterno e imponente, cintado de jardins e SPF, SP1: prodiga; quizesse; sitio; pharol ridentes aldeias. Por todos os lados bosques de 220 limoeiros, romeiras e olivedos; por todos os lados penhascos abruptos emergindo da verdura, vinhedo, brilhantes lavas cristalizadas rebrilhando em cambiantes SPF, SP1: crystalizadas; á luz 203 à luz do sol. E o mar sereno, como vasto espelho azul- SPF, SP1: quasi; reflectindo claro, quase opalino, refletindo os tufos de verduras que 225 emergem das ilhotas, as velas dos barcos de pesca, o casario das cidades, as colinas, os templos e a rudeza SPF, SP1: collinas natural do cenário terrestre. SPF, SP1: scenario Às últimas notas do canto João foi despertado do 230 seu enlevo por uma voz feminina que, apesar de meiga SPF, SP1: apezar e argentina, contrastava com a melodia de romanza. SPF, SP1: ROMANZA –Ah! Mio Genarino! – dizia – Diacino de –Zito, grazioza bambina! Il diavolettino tenta! – 245 SP1: GENARINO! AH! Por alguns momentos os dois entretiveram em DIACINO BAMBINA! IL DIAVOLETTINO SPF, SP1: dous SPF, SP1: dialogo recíproca inclinação amorosa; mas nenhum dos SPF, SP1: reciproca circunstantes entedia o derriço pelo que ouvia; mas os SPF, SP1: circumstantes esgares eram tão expressivos que João e Calisto bem SPF, SP1: Calixto percebiam SPF, SP1: colloquio que DE SPF, SP1: ZITO, GRAZIOZA seu idioma um interessante diálogo que revelava do MIO TENTE! disse Genaro sorrindo. 240 SPF, CANTARE INCANTEVOLE! cantore incantevole! 235 SPF, SP1: Ás ultimas se tratava no colóquio. Repentinamente uma voz de mulher que partia da SPF, SP1: visinha casinhola vizinha interrompeu os dois namorados. SPF, SP1: dous –Giuditta! Civetta svergognata – gritou a voz. SPF, SP1: GIUDITTA! CIVETTA –Per la madona! È mamma! SPF, SP1: PER LA MADONA! E E tocando nos lábios os dedos em feixe, SPF, SP1: labios transmitiu de longe, a sorrir, um beijo a seu Genarino, e SVERGOGNATA MAMMA! SPF, SP1: transmittiu 204 João SPF, SP1: “ADDIO” escandalizado, estranhou a desenvoltura da rapariga; SPF, SP1: extranhou mas Calisto sorria fazendo-lhe ver que aquilo era SPF, SP1: Calixto; aquillo comum naquela gente e não afetava os créditos da SPF, SP1: commum; n’aquella; donzela. Os pais somente reclamam, dizia, quando o SPF, SP1: donzella; paes fugiu 250 dizendo: casamento é “addio!” desvantajoso repetidas quanto vezes. ao affectava; creditos interesse econômico e financeiro. SPF, SP1: economico – “Cantam na primavera as cigarras – continuou 255 Calisto – e brotam as flores; chega o verão, perdem o SPF, SP1: Calixto brilho, despontam os frutos; o outono tudo amadurece; SPF, SP1: fructos o inverno tudo desfaz.” Quando estavamos acampados 260 nas imediações de Itararé, assim dizia um velho e SPF, SP1: immediações pachorrento oficial do meu batalhão, ao ver um moço SPF, SP1: official alemão atrair com seu canto uma sua linda patrícia com SPF, quem namorava. Isso se dava perto do acampamento SPF, SP1: dava-se (Emendou-se num pequeno arraial de mercadores que por ali se SPF, SP1: n’um; alli SP1: allemão; ênclise para próclise.) formou. João achou espírito no que dizia o velho militar, 265 attrahir; patricia SPF, SP1: espirito vindo-lhe à memória sua querida Maria e seus filhinhos, SPF, SP1: á memoria que considerava o florejar da sua existência. SPF, SP1: existencia. 205 XI No dia seguinte João e Calisto achavam-se colocados na fazenda como jornaleiros; mas aquele, SPF, SP1: Calixto SPF, SP1: collocados; aquelle(,) esperançado de mais tarde tomar uma empreitada 5 vantajosa, de parceria com seu companheiro, que dia a dia mais se revelava judicioso, prático e bom e leal SPF, SP1: pratico amigo digno de sua inteira confiança. Embora o nosso herói, 10 pelas informações que Calisto lhe dera SPF, SP1: heróe; Calixto detidamente, já conhecesse bem os costumes adotados SPF, SP1: adoptados nas fazendas, nem por isso deixou de surpreender-se ao SPF, SP1: surprehender-se ver o formigueiro de trabalhadores de ambos os sexos que enchia as ruas de cafeeiros que se estendiam a SPF, SP1: caféeiros perder de vista fazendo a colheita do fruto, que já se SPF, SP1: fructo achava em meio, ou derriçando as plantas já despidas 15 dele. Aos dois novos jornaleiros couberam outros SPF, SP1: d’elle; dous trabalhos que não a apanha143. SPF, SP1: APANHA. Por todo aquele oceano de verdura, estriado em toda a extensão de verdadeiras SPF, SP1: aquelle avenidas caprichosamente traçadas em plano levemente inclinado 20 e retas impecáveis, via-se e ouvia-se um movimento e SPF, SP1: rectas; impeccaveis burburinho constantes, mais ou menos distintos SPF, SP1: distinctos conforme a distância do lugar onde se davam. Estas SPF, SP1: distancia; logar manifestações de vida e progresso estimulavam os 143 Apanha: ato de colher os frutos da lavoura; colheita. 206 trabalhadores que azafamados, em porfia, procuravam 25 vencer-se reciprocamente no desempenho do que estava SPF, SP1: realisarem a seu cargo realizarem. Como os exércitos em ação comunicam-se o SPF, SP1: exercitos; acção; communicam-se valor entre todos os combatentes, qual mais inusitado 30 pelo entusiasmo comum e esperança de colher vitória; SPF, SP1: enthusiasmo; commum; assim, nesse ajuntamento de operários, os mais SPF, SP1: n’esse; operarios Victoria diligentes emprestam aos mais fracos e tardigrados o que de um para outros sobra em atividade, força e SPF, SP1: actividade operosidade. Nas lutas cruentas o empenho é de morte e 35 40 SPF, SP1: luctas destruição; nas do trabalho é de vida e construção. SPF, SP1: construcção Naquelas nem sempre há nobreza; nestas o empenho é SPF, SP1: N’aquellas; n’estas sempre nobre, digno e honesto. Naquelas é o solo SPF, SP1: N’aquellas ensopado de sangue e de lágrimas; nestas o suor do SPF, SP1: lagrimas; n’estas pacífico moirejar umedece a gleba como uma benção. A SPF, SP1: pacifico; humidece guerra tala os campos cultivados, dá lugar ao terror, ao desespero, à miséria; o trabalho pacífico cobre-o do SPF, SP1: á miseria; pacifico verdor da esperança, da alegria poética, da riqueza e SPF, SP1: poetica prosperidade. João sentiu-se animado, mesmo distraído das 45 amarguras da saudade, fortalecido SPF, SP1: destrahido na confiança do futuro e alegre com a esperança de colher proveito da humilde e penosa condição a que se submeteu por amor SPF, SP1: submetteu 207 dos seus queridos que lá deixara tão longe. Lembrando- SP1: la se de sua esposa e filhinhos, já experimentava algum 50 contentamento antecipado, prevendo como certo o regozijo que experimentara quando, de regresso ao seu SPF, SP1: regosijo lar, levasse, a entes a quem tanto amava e por quem se 55 sacrificava, com a sua presença, meios de subsistência, SPF, SP1: subsistencia a tranqüilidade, a independência. Todas às más SPF, eventualidades que, na calma, lhe afligiam o espírito, SPF, SP1: affligiam; espirito esvairam-se das suas cogitações para deixar-lhe uma SPF, SP1: esvahiram-se confiança radicada que se estendia pelo futuro em fora SPF, SP1: extendia como um clarão que se projeta do presente. SPF, SP1: projecta Não há espírito, por mais criterioso e refletido 60 SP1: tranquillidade; independencia; ás más SPF, SP1: espirito; reflectido que seja, que em certos momentos da vida, não experimente como João essas antecipadas alegrias. Essa faculdade, que Deus nos concedeu carinhoso e paternal, 65 é um forte incitativo que nos impele aos mais difíceis e SPF, SP1: impelle; difficeis custosos empreendimentos. Não fora ela, o progresso SPF, SP1: emprehendimentos; ella humano ficaria paralisado, a humanidade cairia em uma SPF, SP1: paralysado seqüência de incalculáveis prejuízos e não avançaria um SPF, SP1: cahiria; incalculáveis; prejuizos passo em busca das conquistas que a têm elevado ao surpreendente e assombroso progresso que SPF, SP1: surprehendente presenciamos nos tempos modernos. 70 Por mais de dois meses João, trabalhando a SPF, SP1: dous; mezes jornal, só se preocupava com seu labor afanoso, SPF, SP1: preoccupava 208 discreto, bom amigo de todos, aceitando, sem a menor SPF, SP1: acceitando (,) objeção, todo e qualquer serviço que lhe fosse SPF, SP1: objecção determinado. Era o primeiro a erguer-se do leito rude, 75 ao ouvir o sinal da sineta, sem temer o frio e as SPF, SP1: signal asperezas da intempérie, e a seguir para o seu moirejar SPF, SP1: intemperie diurno. Aos domingos raramente saía da fazenda, apesar SPF, SP1: sahia; apezar de de o convidarem a ir com eles a passear, alguns dos SPF, SP1: elles seus companheiros de trabalho, que procuravam os 80 povoados mais próximos, onde havia diversões e muitos SPF, SP1: proximos onde gastavam as férias até o último vintém, voltando SPF, SP1: ferias; ultimo; vintem alguns meio embriagados. Calisto, que era regrado e SPF, SP1: Calixto econômico, era o exemplo que nosso herói seguia. SPF, SP1: economico; heróe O encarregado do coronel Paulino, que era um 85 sujeito perspicaz, notava a conduta regular de João, SPF, SP1: conducta convencendo-se por fim que Calisto lhe trouxera ouro SPF, SP1: Calixto de lei, como dissera a princípio. A seriedade de João o SPF, SP1: principio seu afã no trabalho, a sua solicitude em desempenhar – SPF, SP1: afan e desempenhar bem, – todo e qualquer trabalho que lhe 90 fosse cometido, muito acreditaram o mancebo no SPF, SP1: commettido conceito de Melquíades, que, admirado da sua exação SPF, SP1: Melchiades; exacção no cumprimento dos seus deveres, teve-o como a pérola SPF, SP1: perola dos seus trabalhadores e considerou-o digno de inteira confiança, o que fez ver ao coronel. 95 Obrigado a uma economia restrita, João, até o SPF, SP1: restricta 209 seu vestuário de trabalho, que já se achava bastante SPF, SP1: vestuario estragado, lavava ele próprio, remendava e consertava SPF, SP1: elle; proprio nos dias de descanso. Desconfiado uma feita que Calisto reparava-o a 100 SPF, SP1: Calixto miúde e talvez o tomasse por um avarento repugnante, SPF, SP1: meude foi franco com seu amigo, que já o era até à intimidade, SPF, SP1: á intimidade e referiu-lhe as tristes circunstâncias que o obrigaram a SPF, SP1: circumstancias deixar a sua família, e quanto lhe importava solver os SPF, SP1: familia seus compromissos para ser livre. 105 110 Calisto abraçou-o com afeto dizendo-lhe: SPF, SP1:Calixto; afecto –Até nisso, amigo há semelhança na nossa SPF, SP1: n’isso situação. Se bem que eu não fosse casado, nem tivesse SP1: Sibem filhos, vim aqui forçado por circunstâncias iguais à sua. SPF, É preciso, para realizarmos o que desejamos, que SPF, SP1: realisarmos tomemos uma empreitada. O Melquíades já me falou de SPF, SP1: Melchiades novo sobre o projeto do coronel, e creio que este não SPF, SP1: projecto demorará em propô-la. Se quiser, podemos nós SPF, SP1: propol-a; Si; quizer contratá-la. Isso de jornais não nos aproveita como em SPF, SP1: contractal-a; jornaes SP1: filhos(,); circumstancias; eguaes; á sua trabalho de avanço. 115 –Se quero! Autorizo-o a contratar para nós SPF, SP1: Si; auctorizo-o; Dias depois Calisto conversou com Melquíades SPF, SP1: Calixto; Melchiades contractar ambos. sobre o que lhe dissera sobre o projeto do coronel SPF, SP1: projecto Paulino e ficou ciente de que estava de pé a idéia da SPF, SP1: sciente; idéa 210 120 empreitada, que consistia no desbravamento de muitos alqueires de terreno ainda vestido de floresta intonsa e pujante, no qual queria o coronel formar um cafezal em SPF, SP1: FORMAR continuação do que já possuía. Calisto, aproveitando um SPF, SP1: Calixto domingo foi em companhia de João visitar e examinar a 125 mata a derribar, tudo mostrou e explicou o companheiro SPF, SP1: matta e, como mais prático e entendido, calculou o valor da SPF, SP1: pratico empreitada. Dias depois foi combinado o contrato, discutido 130 o caso com o coronel, que procurava avaliar em menos SPF, SP1: coronel (,) os cálculos feitos por Calisto; mas este, que já calculava SPF, o regatear 135 SPF, SP1: contracto 144 SP1: calculos; Calixto; este(,) do fazendeiro, havia dado uma demasia na importância a pedir, mesmo que havia feito a avaliação SPF, SP1: importancia a SPF, SP1: approximadamente olho aproximadamente. Depois da discussão, acordaram as partes contratantes. Os empreiteiros SPF, começariam o trabalho três meses depois, e obrigavam- SPF, SP1: tres; mezes se a dar o cafezal pronto em três anos, sendo SPF, SP1: prompto; tres; annos ressalvados casos imprevistos que não SP1: accordaram; contractantes fossem ocasionados pelos empreiteiros. O coronel financiaria o SPF, SP1: occasionados dinheiro preciso para as primeiras despesas com 140 ferramentas e aquisições de operários em número SPF, SP1: acquisições; operarios; suficiente, pagaria por prestações a importância da SPF, empreitada à medida que fosse sendo realizado o SPF, SP1: á medida; realisado numero trabalho, levando-se em favor dos empreiteiros os 144 SP1: sufficiente; imoportancia Regatear: questionar acerca do preço de, para comprar mais barato; pechinchar. 211 trabalho, levando-se em favor dos empreiteiros os prejuízos da plantação motivados pela intempérie, mas 145 ficando sempre parte reservada para garantia ou caução. Afora 150 155 SPF, SP1: prejuizos; intemperie a roçada, derribada e outros trabalhos preliminares, o que tudo era calculado à parte, os SPF, SP1: á parte cafeeiros eram pagos por unidade. Os empreiteiros SPF, SP1: caféeiros tinham direito a um pequeno trato de terreno para sua SPF, SP1: tacto instalação provisória até o final do trabalho, feita a SPF, SP1: installação; provisoria roçagem dele por sua conta, podendo edificar o rancho, SPF, SP1: d’elle acomodação de animais e engorda de cevados e SPF, SP1: accomodação; animaes galináceos, e outras dependências; e podiam fazer para SPF, si plantação de cereais, horta, etc., mesmo em todo SPF, SP1: cereaes terreno destinado ao cafezal, contanto que esse não SPF, SP1: cafesal; comtanto SP1: gallinaceos; dependencias fosse prejudicado no seu desenvolvimento. Tudo assim assentado, entrou Calisto a arrebanhar145 trabalhadores baianos, entre os que já SPF, SP1: bahianos estavam em São Paulo e escrevendo para a Bahia a SPF, SP1: S. Paulo conhecidos seus que desejassem trabalhar ali mediante 160 bons jornais que lhe garantia. O que é certo é que no fim de três meses SPF, SP1: alli SPF, SP1: jornaes SPF, SP1: tres; mezes assinados no contrato, meteram os empreiteiros mãos à SPF, SP1: assignados; contracto; obra. João e Calisto à frente de um exército de SPF, SP1: Calixto; á frente; trabalhadores, que foram divididos em turmas sobre a direção de escolhidos e tiveram as suas tarefas 145 SPF, SP1: Calixto Arrebanhar: recolher. metteram; á obra exercito 212 165 direção de escolhidos e tiveram as suas tarefas SPF, SP1: direcção delimitadas, SPF, SP1: afan tanto trabalhavam com afã como revezavam-se, fazendo uma geral fiscalização. Há reais perigos no desbravar aquelas selvas, 170 SPF, SP1: faziam (Emendou-se) SPF, SP1: reaes; aquellas como bem sabe a maior parte dos trabalhadores baianos SPF, SP1: bahianos dos nossos sertões, por isso eram tomadas sérias SPF, SP1: serias precauções no sentido de evitá-los. As picadas dos SPF, SP1: evital-os insetos venenosos, o morso de uma grande variedade de SPF, SP1: insectos serpentes, que, entanto poderiam inocular miasmas mortíferos ou ocasionar uma instantânea morte, eram 175 SPF, SP1: mortiferos; occasionar; intantanea menos temerosos, no entender dos rudes jornaleiros do que a queda de árvores possantes, mesmo de suas SPF, SP1: arvores enormes pernadas, que podiam de um momento para o 180 outro esmagar um machadeiro menos cauteloso. Daí SPF, SP1: D’ahi serem mais bem remunerados, como incentivo, os SPF, SP1: occupavam jornaleiros que se ocupavam com a roçagem e derribadas. Quanto às feras, que deviam existir em grande SPF, SP1: ás féras cópia naquelas florestas quando das suas primitivas SPF, SP1: copia; n’aquellas explorações, já eram raras naquele trecho, mais ou SPF, SP1: n’aquelle menos afugentadas pelos desbravamento e culturas 185 realizadas nos arredores. Entretanto, não deixavam de SPF, SP1: realisadas; Entretanto estar atentos os trabalhadores contra aquelas que por ali SPF, SP1: attentos; aquellas; alli pudessem aparecer, armados e munidos para o que SPF, SP1: podessem; apparecer (,) 213 190 195 desse e viesse. A caça, apesar de esquiva e atemorizada SPF, SP1: désse; apezar pelo estrépito do trabalho, não raro aparecia para o SPF, SP1: apparencia proveito e regalo daquela gente nas horas de descanso. SPF, SP1: d’aquella; descanço João, como todos os nossos sertanejos desta SPF, SP1: d’esta região quase toda povoada de carrascos e catingas, SPF, SP1: quasi quando viam pela primeira vez aquelas matas soberbas, SPF, SP1: aquellas; mattas achou-se a princípio tomado de surpresa diante daquela SPF, magnificência natural; mas por fim acostumou-se, SPF, SP1: magnificencia; porfim afincando-se ao trabalho, sem mais se preocupar com SPF, ela, como os mais experientes trabalhadores. Havia, SPF, SP1: ella porém, SPF, SP1: porem; bahianos trabalhadores baianos das nossas zonas florestais da Bahia que não se surpreendiam à vista das 200 matas de São Paulo, que não são mais majestosas do SP1: principio; deante; surpreza; d’aquella SP1: affincando-se; preoccupar-se (Emendou-se) SPF, SP1: Bahia, (Emendou-se.); surprehendiam; á vista SPF, SP1: mattas; S. Paulo; magestosas que as nossas. Como precaução contra a perigosa queda das 205 árvores mais possantes, entre as quais o jequitibá era SPF, SP1: árvores; quaes considerado o rei das florestas, para derribá-las SPF, SP1: derribal-as armavam jiraus146 que as mantinham de pé mesmo SPF, SP1: GIRAUS; mantinham (Emendou-se.) decepadas, depois de despidas de sua galhada. Muitos desses mejestosos espécimes vegetais eram derribados SPF, SP1: especimes; vegetaes por empreitadas depois de feita a roçagem e desbastada 210 146 a floresta das árvores de porte menor e de corte mais SPF, SP1: arvores fácil. SPF, SP1: facil Jiraus: armação de madeira em forma de estrado ou palanque. ás 214 Alguns meses depois, em meio da geral devastação, viam-se ali pilhas enormes de possantes SP1: Alguna (Erro óbvio.); SPF, SP1: mezes SPF, SP1: alli madeiros que seriam retirados e desde logo conduzidos para o aproveitamento industrial, para lenha aquelas que 215 SPF, SP1: aquellas para isso somente serviam, e para as serrarias os que deviam ser reduzidos a taboas, pranchões ou outras espécies aplicadas às construções e objetos de SPF, SP1: especies; applicadas; ás construcções; objectos marcenaria ou carpintaria. As queimadas eram feitas 220 com muita cautela para que se evitassem incêndios SPF, SP1: incendios prejudiciais, sendo feitas parcialmente, insuladas por SPF, SP1: prejudiciaes largos aceiros, e, de preferência, sobre os tocos que SPF, SP1: preferencia; tócos deviam ser destruídos, não convindo para arrancá-los SPF, SP1: destruidos; arrancal-os armarem engenhos apropriados que demorariam o 225 trabalho e torna-lo-iam mais dispendioso. Em tudo isso SPF, SP1: tornal-o-iam; a atividade e experiência de Calisto iam adiante da boa SPF, SP1: actividade; experiencia; vontade de João, que não dispensava o seu conselho e SPF, SP1: João (,) direção SPF, SP1: direcção despendioso Calixto; adeante 215 QUINTA PARTE ABÍLIO EM AÇÃO SP: Quinta parte (sublinhado) SP: Abilio em acção; SPF, SP1: ABILIO; ACÇÃO I João, sempre e desde que lhe foi possível, quer 5 caminho do exílio, quer de São Paulo, não deixava de SP, SPF, SP1: possivel SP, SPF, SP1: exilio; S. Paulo trazer Maria e seu velho mestre informados de tudo 10 quanto lhe ocorria. Assim, achavam-se as pessoas que SP, SPF, SP1: occoria; achavam-se lhe eram tão queridas, cientes de tudo quanto vimos SP, SPF, SP1: scientes narrando desde a sua saída do lar. Além disso, fazia SP, SPF, SP1: sahida; Alem; recomendações sobre recomendações respeito os seus SP, SPF, SP1: recommendações; negócios, quer a um quer a outra. SP, SPF, SP1: negocios; a outra Quando faltava cerca de um mês para o 15 pessoas (Emendou-se.) d’isso(,) recommendações SP, SPF, SP1: mes vencimento e resgate da terceira letra que se achava SP, SPF, SP1: lettra com Abílio, recebeu Serafim o dinheiro preciso para o SP, SPF, SP1: Abilio; Seraphim pagamento dela e da última, que poderia ser resgatada SP, SPF, SP1: d’ella; ultima com desconto, ficando, portanto, João livre do seu 20 credor e podendo daí por diante acumular meios que SP, SPF, SP1: d’ahi; lhe facilitassem melhorar o futuro de sua família. Se SP, SPF, SP1: familia; Si isso muito contentamento trouxe a Maria, por outro SP, SPF, SP1: lado (,) lado, a notícia de que seu marido teria que prolongar a SP, SPF, SP1: noticia sua ausência não deixou de entristecê-la. SP, SPF, SP1: ausencia; entristecela Nunca uma ventura é completa, pensava Maria considerando que dois anos mais ou menos faltavam deante; accumular SP, SPF, SP1: dous; annos 216 25 para que tivesse a dita a ver e abraçar seu querido esposo. E tinha razão, porque não era somente a saudade que a afligia. Ausente João, a sua fazenda ia SP, SPF, SP1: affligia deteriorando-se a olhos vistos, pois os meeiros não cuidavam 30 com interesse da conservação dos tapumes147, e às vezes deixavam de cultivar parte do terreno; e os poucos animais que o casal possuía não SP, SPF, SP1: ás vezes SP, SPF, SP1: animaes; possuia podiam ser zelados e tratados a tempo e hora como se fazia mister. constantemente 35 Serafim, ali, e como prometera, mostrava-se vinha solícito e constantemente temendo vexá-lo; só em casos de maior importância recorria ao seu auxílio e conselho. Serafim, recebida a incumbência de João, logo 148 Seraphim; SP, SPF, SP1: solicito SP, SPF, SP1: procural-o SP, SPF, SP1: vexal-o; importancia SP, SPF, SP1: auxilio SP, SPF, SP1: para realizar os pagamentos mesmo antes da data dos SP, SPF, SP1: realisar vencimentos; SP, SPF, SP1: d. Ursula mas, recebido por dona Úrsula, informou-lhe ela que seu filho havia viajado e SPF, SP1: ella demoraria mais de um mês ausente. SP, SPF, SP1: mes que eu lhe trouxe, passando-me uma ressalva148. Tapume: vedação provisória de um terreno feita com madeiras ou silvas. Ressalva: documento para garantia de alguém. Seraphim; incumbencia; seguinte (,) SP, SPF, SP1: Abilio –Abílio nada me recomendou sobre seus 147 SP1: no domingo seguinte, procurou Abílio em sua casa –Nesse caso a senhora pode receber o dinheiro 45 SPF, promettera; alli prestimoso; mas era tão atarefado nos seus trabalhos de lavoura, que Maria deixava de procurá-lo 40 SP, SP, SPF, SP1: N’esse SP, SPF, SP1: resalva SP, SPF, recommendou SP1: Abilio; 217 negócios. 50 A nenhuma objeção ou pedido do velho SP, SPF, SP1: objeçcão professor atendeu a velha, chegando a zangar-se com a SP, SPF, SP1: attendeu insistência dele. Não passou pela idéia de Serafim que SP, SPF, SP1: insistencia; d’elle; a viagem do filho e a teimosia de sua mãe fossem SP, SPF, SP1: temosia calculadas; mas podemos garantir que havia propósito SP, SPF, SP1: proposito da parte do mancebo, como passaremos a demonstrar. SP, SPF, SP1: mancebo (,) Desde que João viajou, era empenho de Abílio 55 SP, SPF, SP1: negocios idéa; Seraphim SP, SPF, SP1: Abilio saber onde ele pararia em São Paulo e, tomado dessa SPF, SP1: elle; S. Paulo; d’essa idéia, freqüentava quase sempre o correio de Caetité, SP, SPF, SP1: idéa; frequentava; logo que calculou terminada a sua viagem. Veio, por SP, SPF, SP1: porfim quasi fim, a encontrar na estação postal uma das cartas que o 60 seu condiscípulo endereçava a Serafim e ofereceu-se SP, SPF, SP1: condiscipulo; para levá-la, pois o destinatário era seu vizinho, o que SPF, SP1: leval-a; destinatario; conseguiu. Em casa violou-a de modo que pudesse SP, SPF, SP1: podésse fechá-la de novo e ninguém viesse a suspeitar da sua SPF, ação indigna. A letra era-lhe conhecida bastante desde SP, SPF, SP1: acção; lettra Seraphim; offereceu visinho SP1: fechal-a; ninguem; viesse os tempos escolares, por isso estava certo de ser do 65 próprio João. Aberta a do professor e lida com SP, SPF, SP1: proprio atenção, a curiosidade levou-o a violar e ler a de SP, SPF, SP1: attenção Maria. Rejubilando-se porque ficou inteirado do 70 paradeiro de seu condiscípulo e de tudo quanto lhe SP, SPF, SP1: condiscipulo convinha quanto aos seus negócios e esperanças, repôs SP, SPF, SP1: negocios; repoz as cartas no estado em que estavam e fez a entrega no 218 dia seguinte. Não lhe convinha repetir a miúdo esses SP, SPF, SP1: miudo processos e, quando vinham cartas de João com valor 75 declarado, se por ventura as encontrava, negava-se a SP, SPF, SP1: si levá-las ao seu destino. SP, SPF, SP1: leval-as Estava, pois, ciente Abílio por esta, e por uma SP, SPF, SP1: sciente; Abilio ou outra carta simples que conseguiu violar depois, da insistência com que João se referia ao pagamento das SP, SPF, SP1: insistencia suas letras, prometendo realizá-lo logo que recebesse SP, SPF, SP1: lettras (,); promettendo; realisal-o do fazendeiro uma das prestações da empreitada. Em 80 85 uma delas João prefixava a data da remessa do SP, SPF, SP1: d’ellas dinheiro preciso para o pagamento das duas últimas SP, SPF, SP1: ultimas letras, uma com antecipação do prazo estipulado. SPF, SP1: lettras Ciente disso, viajou logo que calculou mais ou menos SP, SPF, SP1: Sciente; d’isso chegar o dinheiro às mãos de Serafim, recomendando SP, a dona Úrsula que não recebesse dinheiro algum SP, SPF, SP1: D. Ursula durante a sua ausência. SP, SPF, SP1: ausencia Por que e por que Abílio assim procedia? 90 SPF, SP1: ás Seraphim(,); recommendando SP, SPF, SP1: Porque; Abilio João, confiado no sigilo epistolar, por mais de uma vez SP, SPF, SP1: sigillo revelara à sua esposa e ao seu velho mestre o desejo SP, SPF, SP1: a sua ardente de libertar-se de Abílio pagando-lhe o que lhe SP, SPF, SP1: Abilio devia sem que entrasse em minudentes explicações do motivo dessa sua idéia, dizendo apenas ligeiramente SP, SPF, SP1: d’essa; idéa que, tanto Maria como Serafim, bem sabiam porque. SP, SPF, SP1: Seraphim Isso levou o filho de dona Úrsula a matutar sem SP, SPF, SP1:d. Ursula mãos; 219 95 descanso. Desejava decifrar o enigma, saber porque João desconfiava do seu antigo condiscípulo e rival. SP, SPF, SP1: condiscipulo Estava convencido de que Serafim não havia revelado SP, SPF, SP1: Seraphim a João nem a Maria a sua infame conduta anterior; SP, SPF, SP1: conducta pois, estudando o caso e estabelecendo confrontação, 100 105 atilado como era, conhecendo desde a infância o gênio SP, SPF, SP1: infancia; genio de João que, se era manso e superficialmente humilde, SP, SPF, SP1: si em contraste, possuía um fundo de orgulho e SP, SPF, SP1: possuia susceptibilidade irredutíveis, capaz de ações violentas, SP, SPF, SP1: irreductiveis; acções concluiu que, se ele soubesse de alguma coisa, teria SP, SPF, SP1: si; elle rompido franca e violentamente os laços de amizade SP, SPF, SP1: cousa que os prendiam, antes de sua viagem. Estava, pois, convencido de que não era esse o motivo da desconfiança que João revelava a seu respeito em mais de uma carta, dizendo francamentre que era “sua 110 aspiração libertar-se de Abílio pelas razões que o SP, SPF, SP1: Abilio professor e Maria bem conheciam.” SP1: conheciam.(”) Estas palavras eram o móvel da questão e 115 SP, SPF, SP1: movel causavam-lhe uma espécie de ciúme e de ódio SP, SPF, SP1: especie; ciume; odio recrescentes que em seu ânimo tomavam proporções SP, SPF, SP1: animo na altura da sua desmesurada e inconsiderada paixão por Maria. Estava certo de que Serafim não havia SP, SPF, SP1: Seraphim revelado aos jovens consortes, senão por bem dele SP, SPF, SP1: sinão; d’elle Abílio, mas pela tranqüilidade e harmonia que SP, SPF, tranquillidade SP1: Abilio; 220 desejava com ardoroso interesse existisse sempre no 120 seio daquele casal, por quem daria a vida e a quem SP, SPF, SP1: d’aquelle muito mais estimava do que a ele, pobre repudiado e SP, SPF, SP1: elle (,) relegado a um desprezo que o professor mal podia encobrir. Afinal chegou a admitir, como único e 125 possível meio usado por Serafim para afastá-lo do SP, SPF, SP1: unico SP, SPF, SP1: possivel; Seraphim; afastal-o venturoso casal, a informação lenta e cautelosa, mas 130 135 sintética, em modo geral, sem que fosse precisado um SP, SPF, SP1: synthetica fato, apontada uma falta, indicada uma jaça149, – do SP, SPF, SP1: facto; um jaça caráter daquele que considerava um perigo iminente, SPF, uma ameaça à felicidade dos seus protegidos, daqueles SP, dois entes que estremecia e pelos quais seria capaz de SP, SPF, SP1: dous; quaes sacrificar a ele Abílio. Fora Serafim, e não outro que SP, SPF, SP1: elle; Foi Abilio; prevenira João falando-lhe em modo geral do seu SP, SPF, SP1: previniu caráter, do tendencioso dos seus modos polidos e SP, SPF, SP1: caracter (Emendou-se para uma jaça.) SP1: caracter; d’aquelle; imminente SPF, SP1: á felicidade; d’aquelles Seraphim delicados e outros predicados maus que lhe emprestou condimentando-os com algumas qualidades boas que eram sobrepujadas pelos defeitos. O velho professor era inteligente e experimentado bastante para conseguir que João se premunisse contra ele sem 140 SP, SPF, SP1: elle declarada inimizade. Um ódio terrível contra Serafim brotou no coração 149 SP, SPF, SP1: intelligente de Jaça: mancha, falha. Abílio arrastando aquele espírito SP, SPF, Seraphim SP1: odio; terrivel; 221 coração 145 de Abílio arrastando aquele espírito SP, SPF, SP1: Abilio; aquelle; espirito apaixonado a uma espécie de alucinação. O despeito, o SP, SPF, SP1: especie ciúme, o desejo insopitável de possuir Maria a todo o SPF, transe açulavam aquele espírito enfermo contra o SP, SPF, SP1: aquelle; espirito; SP1: allucinação; ciume; insopitavel emfermo velho mestre que, como um argos, vigiava-o a todo o momento, estudava todos os movimentos, chegava a 150 adivinhar os seus mais íntimos pensamentos; que, SP, SPF, SP1: advinhar; intimos como atalaia150 incansável, era-lhe um embaraço e, SP, SPF, SP1: incançavel como um cérbero151, guardava o que ele mais SP, SPF, SP1: cèrbero; elle ambicionava: Maria. Era preciso, indispensável, SP, SPF, SP1: indispensavel inutilizar, mesmo eliminar aquele homem. SP, SPF, SP1: aquelle Restava-lhe achar o meio eficiente, mas um SP, SPF, SP1: efficiente meio que não despertasse desconfianças nem lhe 155 prejudicasse os cálculos. Era preciso um instrumento SP, SPF, SP1: calculos dócil que agisse por si próprio convencido de que não SP, SPF, SP1: docil; proprio trabalhava para outrem, e Abílio o possuía em SP, SPF, SP1: possuia; Abilio Roberto, o meeiro de João, o taciturno a que Serafim SP, SPF, SP1: Seraphim se referira quando conversava com Maria. O refalsado 160 amigo de João vinha desde muito tempo estudando o caráter de Roberto, que somente com ele se abria, SP, SPF, SP1: caracter; elle somente para ele sorria, mas com esse sorriso que SP, SPF, SP1: sómente; elle denuncia uma alma perversa e capaz de tudo para o mal, embora fosse manifestação de alegria, dessa 150 151 Atalaia: vigia, guarda. Cérbero: guarda ou porteiro intratável, grosseiro. SP, SPF, SP1: d’essa 222 165 alegria malsã que é o regozijo dos maus quando SPF, SP1: regosijo vencida ou planeada uma das suas empreitadas com probabilidades de vitória. Era, em suma, o ricto da SP, SPF, SP1: victoria; summa; rictus besta fera. Abílio, estudando a fundo aquele caráter 170 SP, SPF, SP1: Abilio; aquelle; caracter esquisito e perigoso, simpatizou-se com ele, pode-se SP, SPF, SP1: assim dizer, porque a sua alma afinava-se pela dele, SP, SPF, SP1: d’elle apenas com a diferença de, pela sua inteligência SP, exquisito; sympathizou-se; elle SPF, SP1: differença; inteligencia bastante desenvolvida, e pela cultura e trato com a boa 175 sociedade, saber e conseguir ocultar os seus maus SP, SPF, SP1: occutar desígnios e conter os seus movimentos impulsivos. Por SP, SPF, SP1: designios meio de uma grande liberdade que dispensava a 180 Roberto em favores e deferências152 em particular, SP, SPF, SP1: deferencias procurando sempre se colocar a cavaleiro de tão abjeta SP, criatura, conseguiria que o seu protegido o obedecesse SP, SPF, SP1: obedessesse SPF, SP1: collocar-se; cavalleiro; abjecta até o servilismo e chegasse a ser-lhe dedicado como um rafeiro153. Restava-lhe aguardar uma oportunidade SP, SPF, SP1: opportunidade que ele saberia preparar cautelosamente por meio das SPF, SP1: elle suas conhecidas astúcias para chegar ao negregado fim SP, SPF, SP1: astucias que tinha em vista, ou aproveitar um incidente 185 qualquer que lhe oferecesse azo154 para efetivar o que desejava. 152 Deferências: consideração, acatamento, respeito. Rafeiro: cão treinado para guardar o gado. 154 Azo: motivo, ensejo. 153 SP, SPF, SP1: offerecesse; aso; effectivar 223 Esse ensejo chegou. Quando, feita a colheita SP, SPF, SP1: colheta do arroz, teve Roberto que entregar a Maria a parte que lhe competia. Serafim, a pedido dela, achava-se 190 SP, SPF, SP1: Seraphim; d’ella presente, como era de mister, porque o velho professor era prático nisso, e Maria nenhuma experiência tinha a SP, SPF, SP1: pratico; experiencia respeito, nem poderia fazer qualquer reclamação que 195 fosse precisa porventura. Os dois outros meeiros foram SP, SPF, SP1: dous corretos, mas Roberto não. O arroz não estava SP, SPF, SP1: correctos convenientemente soprado, isto é ventilado a fim de 155 separar o bom grão do palhiço 156 e dos chochos, de SP: soprado; SPF, SP1: SOPRADO; afim de sorte que, se de novo fosse ventilado, ficaria reduzido 200 quase à metade. Serafim observou-lhe que não podia SP, SPF, SP1: si; quasi receber, tanto mais que os outros meeiros haviam SP, SPF, SP1: á metade; Seraphim trazido toda a sua colheita, bem limpa, para ser medida e partilhada e ele não, o que levantava desconfiança SP, SPF, SP1: colheta quanto à honestidade de Roberto. SP, SPF, SP1:elle; á honestidade –Eu não sou ladrão! – disse Roberto com certo azedume e ar de exprobração157. 205 –Nem eu estou dizendo que você o seja. –Se você não receber, eu trago todo e não quero mais saber desta... E o malcriado, sem respeitar o velho e a senhora, terminou com uma palavra porca e indecente 155 Palhiço: palha traçada ou moída. Chocho: infrutífero, peco. 157 Exprobração: acusação. 156 SP, SPF, SP1: exprobacção SP, SPF, SP1: Si SP, SPF, SP1: d’esta 224 senhora, terminou com uma palavra porca e indecente 210 que nos pesa aqui escrever. –Mais respeito! – exclamou Serafim, escarlate SP, SPF, SP1: Seraphim de indignação. –Você mesmo anda de propósito comigo – SP, SPF, SP1: odio vociferou o atrevido fremindo de ódio. 215 SP, SPF, SP1: proposito; commigo –Você! Sou um velho a quem deve respeitar. Não quero discussões. Roberto saiu pisando duro e resmungando impropérios. Os outros meeiros, indignados diante daquela conduta irregular e insolente, ofereciam-se 220 para desancar o patife; mas Serafim nada quis que lhe SP, SPF, SP1: sahiu SP, SPF, SP1: improperios; deante SP, SPF, SP1: d’aquella; conducta; offereciam-se SP, SPF, SP1: Seraphim; quiz fizessem. –Deixá-lo! É um pobre e miserável SP, SPF, SP1: miseravel; desgenerado degenerado. –E, voltando-se para Maria: –Eu não lhe disse comadre? 225 Os dois restantes meeiros informaram então SP, SPF, SP1: dous que já tinham ciência de que Roberto era um patife e SP, SPF, SP1: sciencia que, por isso, não queriam relações com ele. Chegaram SP, SPF, SP1: elle a referir fatos que demonstravam quanto ele era SP, SPF, SP1: factos ; elle insolente e de maus costumes. 230 –Que Deus se compadeça dele – observou o professor com fleuma158. 158 Fleuma: severidade. SP, SPF, SP1: d’elle SP, SPF, SP1: phleugma 225 SP, Nesse dia Roberto desapareceu. SPF, SP1: N’esse; desappareceu II Era quase noite fechada quando Roberto 5 SP, SPF, SP1: quasi chegou à casa de Abílio; mas este ainda não tinha SP, SPF, SP1: á casa; Abilio voltado da sua viagem. Dona Úrsula, que muito o SP, SPF, SP1: D. Ursula conhecia, viu-o de pé à frente da casa e, curiosa, já SP, SPF, SP1: á frente farejando alguma novidade, pois o camarada só ali SP, SPF, SP1: alli; aparecia aos domingos, veio à porta. SPF, SP1: apparecia; á porta –O que quer? – perguntou a velha com os seus modos de senhora, que Roberto já conhecia de sobra. 10 –Estou desempregado, patroa – respondeu Roberto descobrindo-se e mostrando-se servil diante SP, SPF, SP1: deante da velha, que considerava uma generosa fidalga da SP, SPF, SP1: gemma; protecção gema – e vim procurar a proteção do patrão. 15 –Botaram você pra fora? SP, SPF, SP1: pr’a –Que dúvida! Tanto monta! SP: Tanto monta!, SPF, SP1: –O que houve, então? – inquiriu duvida;TANTO MONTA! a velha ansiosa pela novidade. –Eu não posso aturar um velho pernóstico que por lá anda metendo o nariz em tudo. 20 –É um tal Serafim? SP, SPF, SP1: inqueriu SP, SPF, SP1: anciosa SP, SPF, SP1: pernóstico SP, SPF, SP1: la; mettendo SP, SPF, SP1: Seraphim 226 –Esse mesmo, patroa. Aquilo é um SP, SPF, SP1: Aquillo malcriadão. –Que fez ele? SP, SPF, SP1: elle –Me pôs de ladrão por mór do arroz da SP, SPF, SP1: poz; ‘mor meia159. 25 –E agora? –Deixei lá tudo de esmola pra aqueles SP, SPF, SP1: la; p’ra; aquelles famintos e vim ficar aqui. –É assim mesmo, meu filho. Quem se mete SP, SPF, SP1: mette com porcos... 30 –Só come o farelo. SP, SPF, SP1: Sò –Abílio não está aqui, mas chega nestes dois SP, SPF, SP1: Abilio; SP: dous dias. Fique por aí até a chegada dele. –E deu-lhe a SP, SPF, SP1: ahi; delle chave de um quarto de arranchamento de camaradas. –Eu trago muita fome, patroa. 35 –Descanse que disto não morrerá aqui. Mais SP, SPF, SP1: Descance tarde conversaremos melhor. Roberto foi aboletado160 e teve ceia farta. No dia seguinte, dona Úrsula achou jeito de SP, SPF, SP1: seguinte (,); d. Ursula; geito conversar detidamente com o ex-meeiro de João e 40 saber do que se deu minudentemente. É bem certo que o informante alterou a verdade quanto lhe pareceu necessário para que a razão ficasse de seu lado e fosse 159 160 Por mór do arroz da meia: por modo do arroz de meia. Aboletado: instalado; alojado. SP, SPF, SP1: necessario 227 45 ele uma vítima da injustiça do velho mestre-escola. SP, SPF, SP1: elle; victima Dona Úrsula, não se esquecendo das reiteradas SP, SPF, SP1: D. Ursula recomendações de seu filho, ia cautelosamente SP, SPF, SP1: recommendações emitindo a sua opinião a respeito de Serafim, a quem SP, SPF, SP1: emittindo; Seraphim muito odiava; mas sempre de modo que açulasse161 o 50 rancor do seu novo protegido e acendesse em seu SP, SPF, SP1: accendesse espírito uma vingança que já se delineava nele, como SP, SPF, SP1: espirito; n’elle ela percebeu no correr da conversação. Tanto quanto SP, SPF, SP1: ella lastimava a injustiça praticada contra Roberto, ainda mais por fim, mostrava-se carinhosa com a vítima, e SP, SPF, SP1: porfim; victima chegando a despir-se dos seus hábitos arrogantes de SP, SPF, SP1: habitos fidalga empafiosa e soberba. Roberto sentia-se 55 lisonjeado e agradecido, pois a velha conseguiu enxugar lágrimas de crocodilo ao ouvir sua narração. Terminado o colóquio entre aqueles dois 60 SP, SPF, SP1: lagrimas SP, SPF, SP1: colloquio; aquelles dous patifes, conseguiu dona Úrsula que Roberto se SP, SPF, SP1: d. Ursula conservasse oculto de modo que ninguém soubesse do SP, SPF, SP1: ninguem seu paradeiro até que Abílio, que estava a chegar, SP, SPF, SP1: Abilio dissesse-lhe o que tinha de fazer e qual o destino que devia tomar; pois calculou que não convinha soubesse Serafim que o meeiro expulso ali se achava. Abílio chegou no terceiro dia à noite. Dona 65 161 SP, SPF, SP1: Seraphim; alli SP, SPF, SP1: Abilio; á noite; D. Ursula Úrsula achava-se tão ansiosa por dar a seu filho a SP, SPF, SP1: anciosa grande novidade que, mesmo durante a ceia, foi-lhe SP, SPF, SP1: novidade, que Açular: provocar, estimular. ( l l 228 grande novidade que, mesmo durante a ceia, foi-lhe mesmo (Deslocou-se a vírgula separando o adjunto adverbial.) dizendo: –Alvíssaras162, Abílio! O seu Serafim brigou com o Roberto e pô-lo fora das terras da Maria. –É certo? Como sabe, minha mãe? – inquiriu 70 Abílio já alvoraçado e calculando o proveito que desse SP, SPF, SP1: Alviçaras; Abilio; Seraphim SP, SPF, SP1: pôl-o SP, SPF, SP1: inqueriu SP, SPF, SP1: Abilio; ja; d’esse incidente poderia tirar. –Como sei? Pois se o Roberto está aqui desde 75 SP, SPF, SP1: si anteontem à tua espera! Recomendei-lhe que se SP, SPF, SP1: ante-hontem; á tua; ocultasse até a tua vinda, porque achei que assim SP, SPF, SP1: occultasse Recommendei-lhe muito convinha. –Obrou com acerto. Amanhã verei o que se faz. –Agora, Abílio, o que vais fazer? Continuas 80 SP, SPF, SP1: Abilio; vaes amigo do tal Serafim, que foi tão desatencioso SP, SPF, SP1: Seraphim; despedindo o teu recomendado? Isso não foi uma SP, SPF, SP1: recommendado desattencioso desfeita do grosseirão? –Nenhum juízo podemos adiantar sobre isso. SP, SPF, SP1: juizo; adeantar Não se sabe ao certo o que se deu. –Não se sabe! Estou bem informada. O velho 85 malcriado pôs o rapaz de ladrão, insultou-o e botou-o para fora com as mãos vazias, ficando com tudo SP1: rapoz (Erro óbvio.); SP, SPF, SP1: poz SP, SPF, SP1: p’ra; vasias quanto lhe pertencia. Um rapaz honesto e trabalhador como o Roberto! Pode-se aturar uma coisa destas? 162 Alvíssara: interjeição utilizada para anunciar boas novas. SP, SPF, SP1: cousa; d’estas 229 como o Roberto! Pode-se aturar uma coisa destas? –Deixe isso, minha mãe; trataremos do que 90 mais importa. Diga-me: o professor veio? –Ora se veio! Como um feixinho de lenha. SP, SPF, SP1: si –E o que fez a senhora? –O que me recomendaste. O maldito SP, SPF, SP1: recommendaste esbravejou, disse o diabo... não sei como não me 95 bateu! Mas não quis receber o dinheiro nem lhe SP, SPF, SP1: quis mostrei as letras. SP, SPF, SP1: lettras Abílio bem sabia que tudo aquilo era SP, SPF, SP1: Abilio; aquillo inventivas de sua mãe, que bem conhecia como embusteira163 e maldosa; mas aparentou dar fé à 100 SP, SPF, SP1: apparentou; informação informação, embora estivesse certo de que o velho mestre-escola era incapaz de proceder assim. –Andou mal o pobre velho; mas devemos 105 perdoar-lhe essas imprudências. O essencial é não ter SP, SPF, SP1: imprudencias resgatado as letras no prazo. A senhora andou bem, SP, SPF, SP1: lettras; praso obrou com juízo. Assim é que eu quero que minha mãe SP, SPF, SP1: juizo proceda. Dona Úrsula ficou em extremo lisonjeada com 110 163 SP, SPF, SP1: D. Ursula os gabos propositais do filho e, considerando que já SP, SPF, SP1: propositaes merecia a inteira confiança dele, supôs que pudesse SP, SPF, SP1: d’elle; suppoz penetrar o segredo dos seus planos. Embusteira: qualidade atribuída às pessoas que costumam mentir. á 230 –O que eu não posso compreender, Abílio, é para que te sujeitas a ter um grande prejuízo deixando de receber o teu dinheiro! Aquela gente não é graça, SP, SPF, SP1: comprehender; Abilio SP, SPF, SP1: prejuizo SP, SPF, SP1: Aquella meu filho. Quem tem o passarinho na mão não deve 115 dizer “chô”. –Deixe estar, minha mãe; logo saberá. É um capricho que tomei. –Um capricho que dará lucro à tal Maria mais 164 o Serafim. Comem o teu cobre e ficam fanfando 120 . –João possui terras e propriedades que bem garantem a dívida. Andou por aí dizendo que era o SP, SPF, SP1: á tal (Retirou-se a crase.) SP, SPF, SP1: Seraphim SP, SPF, SP1: possue SP, SPF, SP1: divida; ahi meu escravo porque me devia e que ia tratar de 125 libertar-se. Quero por capricho conservá-lo preso à SP, SPF, SP1: conserval-o; á minha minha gaveta. Ofendeu-me em dizer isso e provou que SP, SPF, SP1: Offendeu-me não é um amigo leal. –Eis aí o que são os tais amigos. Em todo o caso, como a dívida está garantida pelos teres165 dessa gente, acho que a tua idéia é boa. Não faz mal que fiquem na miséria e sem um rancho para se 130 acomodarem. E a Maria...hum! Ao ouvir esta última interjeição que dona SP, SPF, SP1: ahi; taes SP, SPF, SP1: divida; d’essa SP, SPF, SP1: idéa SPF, SP1: miseria SPF, SP1: accommodarem SPF, SP1: ultima; d. Ursula Úrsula acompanhou de um gesto e o seu rir peculiar de zombaria, receiou Abílio que ela achasse a ponta da 164 165 Fanfando: alardeando. Teres: posses, bens. SPF, SP1: Abilio; ella 231 meada dos seus planos e deu por terminada a conversa 135 alegando estar cansado da viagem. Não desejava SPF, SP1: allegando; cançado alongar o diálogo, temendo lhe escapasse uma outra SPF, SP1: dialogo palavra que esclarecesse a velha, o que lhe não convinha por forma alguma, pois dona Úrsula já não SPF, SP1: d. Ursula lhe merecia a confiança de antes, principalmente 140 145 quando o assunto lhe parecia de certa gravidade. Se SPF, SP1: assumpto nem sempre a maldosa velha, em sua leviandade e SPF, SP1: Si bisbilhotice, cometia imprudências, era porque temia o SPF, filho, que sobre ela havia adquirido grande autoridade SPF, SP1: ella; auctoridade e já, por muitas vezes, chegara a repreendê-la SPF, SP1: reprehendel-a SP1: commettia; imprudencias severamente quando a apanhava em faltas. É triste que não nos inspire confiança uma pessoa a quem devemos o ser e todo o nosso amor e 150 carinho; mas, infelizmente, não é rara esta aberração SPF, SP1: mas (,) dos mais nobres preceitos e sentimentos morais, SPF, SP1: moraes quando pais e filhos não são dotados de bons SPF, SP1: paes sentimentos, ou não receberam uma educação regular e conforme aos bons preceitos da ética. Perto de dez horas da noite vamos encontrar 155 Abílio trancado no seu gabinete. Assentado em frente SPF, SP1: Abilio; à sua secretária, examinava, pela translucidez em SPF, SP1: á sua; examinava (,) frente de um candeeiro belga, quatro notas promissórias impressas e cheias nos seus intervalos a SPF, SP1: promissorias; intervallos 232 160 manuscrito, as quais eram superpostas duas a duas SPF, SP1: manuscripto; quaes para a minuciosa verificação que fazia. A caligrafia SPF, SP1: caligraphia das SP, SPF, SP1: transparencia duas via-se, pela transparência, coincidia perfeitamente em todos os seus traços, concluindo-se 165 daí que se tratava de sua falsificação. Era de fato. SPF, SP1: d’ahi; facto Tratava-se das letras passadas por João, às quais o SPF, SP1: lettras; ás quaes mancebo aumentara os valores inscritos. O falsário SPF, SP1: augmentara; falsario aproveitou quanto possível o que estava escrito à mão, SPF, SP1: possivel; escripto; a mão cobrindo a sombra pela transparência do papel; mas as SPF, SP1: transparencia importâncias, quer por extenso, quer por algarismos, SPF, SP1: importancias, foram feitas por outro processo. As assinaturas e datas, como eram apostas sobre estampilhas que lhe 170 SPF, SP1: appostas tornavam opaco o papel, foram aproveitadas na parte que excedia dos selos pelo primeiro processo, sendo o SPF, SP1: sellos restante inteirado por meio de outro papel como se via 175 pelos modelos que ali estavam. Terminado o exame SPF, SP1: alli pela transparência, Abílio mostrou-se satisfeito; porém SPF, SP1: transparencia; Abilio; é de crer que o restante deixou para examinar à luz do SPF, SP1: á luz porem dia. A viagem por ele empreendida teve por fim SPF, SP1: elle; emprehendida assegurar a sua tratada como passamos a explicar. O primeiro credor de João, um pobre homem ignorante, 180 simplório e paupérrimo, foi um achado que Abílio SPF, SP1: simplorio; pauperrimo; soube aproveitar tendenciosamente para a realização SPF, SP1: realisação Abilio 233 do que tinha em vista, e que veio à idéia como parte do SPF, SP1: á idéa seu programa. Foi mais um elemento que a sua SPF, SP1: programma habilidade encontrou por acaso e considerou precioso 185 como auxílio do todo dos planos que engendrara. SPF, SP1: auxilio Protegendo-o às ocultas por ocasião do inventário de SPF, SP1: ás occutas; occasião; inventario dona Senhorinha, conseguiu captar-lhe a confiança e gratidão. Aguçando-lhe a ambição de indivíduo pobre SPF, SP1: individuo e sem iniciativa que desejava enriquecer-se sem 190 195 esforço e para quem um conto de réis é uma fortuna invejável, recomendava-lhe o maior sigilo para que o SPF, SP1: invejavel; seu negócio não fosse por água abaixo. Ao mesmo SP, SPF, SP1: negocio; agua tempo o astuto mancebo pintava-lhe o estado de São SPF, SP1: S. Paulo Paulo como um país ideal onde o pax-vobis, com o SPF, SP1: paiz recommendava-lhe resultado da herança que pleiteava, viria a adquirir uma enorme fortuna, pondo ao seu dispor os seus 200 préstimos quando deles tivesse necessidade para SPF, SP1: prestimos; d’elles emigrar. De tais argumentos e lábias valeu-se Abílio, SPF, SP1: taes; labias; Abilio que tudo conseguiu à medida dos seus negregados SPF, SP1: á medida desejos. Conseguindo que João passasse duas letras SPF, SP1: lettras logo que realizado o negócio e, sob o mesmo segredo SPF, SP1: realisado; negocio recomendado, negociou-as com desconto. O pobre SPF, SP1: recommendado homem, de posse de grande fortuna, deslumbrado, esteve por tudo quanto Abílio quis. Como era solteiro 205 e não tinha ligações estreitas no meio, seguiu logo para SPF, SP1: Abilio; quiz 234 São Paulo influído pelo seu protetor que muito lhe SPF, SP1: S. Paulo; influido; recomendou dar-lhe notícias suas para que, mesmo de SPF, SP1: recommendou; noticias; cá, continuasse a dispensar-lhe a sua proteção. SPF, SP1: protecção Entretanto o protegido de Abílio, por descuido 210 215 proctetor que (,) SPF, SP1: Abilio ou desídia, não deu notícias de si, e isso muito afligia o SPF, SP1: desidia; noticias tendencioso protetor, que ardia por saber do seu SPF, SP1: proctetor paradeiro, se se resolvera a voltar, se lá permanecia. SPF, SP1: si; si; la; Aproximando-se o vencimento das letras, o ardiloso SPF, filho de dona Úrsula empreendeu a sua última viagem SP, SP1: Approximando-se; lettras SPF, SP1: d. Ursula; emprehendeu; ultima para fazer indagações sobre o emigrado, pois alguns dos seus companheiros de bando já tinham regressado e poderia dar notícias do seu companheiro de viagem. SPF, SP1: noticias O falsificador temia que o pobre homem, procurando o seu antigo devedor, descobrisse a sua tratantada166. 220 Compreendia Abílio que isso lhe transtornaria os SPF, SP1: Comprehendia; Abilio cálculos e mais punha às claras o seu caráter. SPF, SP1: calculos; ás claras; Tudo o que se dava no espírito do astucioso 225 caracter SPF, SP1: espirito mancebo era uma inquietação, uma espécie de suplício SPF, SP1: especie; supplicio a que se submetia, que o afligia como um aviso SPF, SP1: submettia; aflingia constante da Providência, que lhe mostrava o transvio SPF, SP1: Providencia em que estava e prevenia-o de que maiores sofrimentos, maiores dores experimentaria realizando SPF, SP1: soffrimentos; realisando o mau intento. Podemos dizer que era uma graça proveniente que Deus lhe dispensava solícito e 166 Tratandada: burla. SPF, SP1: solicito 235 proveniente que Deus lhe dispensava solícito e 230 carinhoso; mas o infeliz que, no seu procedimento SPF, SP1: ignorancia irregular, antes relevava ignorância e cegueira do que atilamento e sagacidade, marchava incauto em caminho da perdição supondo, em seu orgulho de mau, que ninguém, mais do que ele, possuía critério e 235 SPF, SP1: suppondo SPF, SP1: ninguem; elle; possuia; criterio melhor sabia guiar-se. Ah! Quantos desses enfatuados167, supondo SPF, SP1: d’esses; suppondo trabalharem seguramente para a sua felicidade com desprezo manifesto dessa influência invisível e SPF, SP1: influencia; invisivel poderosa que tudo vê, que em tudo nos auxilia quando 240 para o bem, ou para o mal, influência que, SPF, SP1: influencia infelizmente, bem poucos reconhecem, trabalham para a sua perda! Abílio, depois de alguns dias de viagem por lugares diversos, a pretexto disto ou daquilo, 245 250 167 SPF, SP1: Abilio SPF, SP1: d’isto; d’aquillo conseguiu saber de mais de um dos sampauleiros de retorno que o pascácio168 que tanto o amedrontava SPF, SP1: pascacio conseguira colocar-se, que se achava deslumbrado SP, SPF, SP1: collocar-se com a riqueza e progresso de São Paulo e, rumando SPF, SP1: S. Paulo para zona de Bauru, não mais regressaria à sua terra SPF, SP1: á sua natal. Enfatuado: cheio de de si, presumido. Pascácio: tolo, idiota. Forma documentada no léxico de Guimarães Rosa, Cf. Nilce Sant’Anna MARTINS. O léxico de Guimarães Rosa. 2 ed. São Paulo:Editora da Universidade de São Paulo, 2001. p.373. 168 236 Ciente de tudo isso, considerando-se seguro nos seus cálculos, Abílio, entretanto, tinha receio de Serafim que, além de perspicaz, já o conhecia como falsário. Para ele o velho mestre-escola era o espectro 255 de Banquo.169 Era uma necessidade afastá-lo do seu SPF, SP1: Sciente SPF, SP1: calculos; Abilio SPF, SP1: Seraphim; alem; perpicaz SPF, SP1: falsario; elle SPF, SP1: Bancquo; afastal-o caminho. Mas a falsificação da carta? Só um meio havia de livrar-se dele, e esse meio, que não valeu a Macbeth, pensava o mancebo que lhe serviria à SPF, SP1: d’elle SPF, SP1: á medida medida dos seus desejos. III Abílio despertou cedo. Achava-se bem disposto e SPF, SP1: Abilio satisfeito com os resultados que ia colhendo em caminho da 5 realização do seu ardente desejo. A sua satisfação era tal que SPF, SP1: realisação chegava a relegar do seu pensamento a idéia de Serafim estar SPF, SP1: satisfacção vigilando170 como argos os seus planos insidiosos. Fez as suas SPF, SP1: idéa; Seraphim abluções171 matinais, vestiu-se, tomou café como dos hábitos 10 sertanejos, sempre tomado da sua idéia fixa, numa introspecção SPF, SP1: matinaes; habitos tal que, ao papaguear constante de dona Úrsula, mal respondia lá SPF, SP1: idéa; n’uma uma ou outra vez com um monossílabo ou um gesto quase SPF, SP1: d. Ursula imperceptível. Isso não inquietava a velha, que já conhecia os SPF, SP1: la modos do filho quando preocupado com os seus negócios. 169 Banquo: fantasma de Banquo. Governador da Escócia, séc. XI, permaneceu espectador mudo do assassino de seu senhor por Macbeth, e posteriormente, tornou-se suspeito do homicídio, o que o levou a suicidar-se no meio de um banquete. 170 Vigilando: vigiando, velando. Forma não dicionarizada. 171 Ablução: banho de todo o corpo, ou de parte dele, com esponja embebida em água ou com toalha molhada. 237 modos do filho quando preocupado com os seus negócios. SPF, SP1: monosyllabo; quasi; imperceptivel SPF, SP1: preoccupado; negocios Em certa altura, ouvindo de sua mãe uma qualquer 15 20 referência a Roberto, voltou ao presente, pois o seu espírito até SPF, SP1: referencia então adejava172 pelo risonho futuro que se lhe afigurava. Bastou SPF, SP1: espirito isso para que ele se lembrasse de Serafim, voltasse-lhe o receio SPF, SP1: elle da sua vigilância e a necessidade de tolher-lhe todo e qualquer SPF, SP1: Seraphim movimento que impedisse o seu avanço no caminho que vinha SPF, SP1: vigilancia trilhando. O único alvitre que lhe sugeria o espírito desescrupuloso era a eliminação do velho; mas para consegui-la, SPF, SP1: unico era-lhe indispensável um instrumento que, inconsciente, supondo SPF, SP1: suggeria; espirito agir no seu próprio interesse, prestasse-lhe esse repugnante SPF, SP1: conseguil-a; indispensavel serviço. O incidente que se deu entre Roberto e o velho, 25 SPF, SP1: suppondo SPF, SP1: proprio aproveitado habilmente, daria um resultado satisfatório. O exmeeiro, entretanto, não lhe era perfeitamente conhecido, máxime quanto à capacidade exigida como indispensável ao desempenho de obra tão nefanda. Era preciso sondar-lhe o caráter, verificar até que ponto achava-se despeitado e encaminhá-lo jeitosamente, 30 caso fosse aproveitável, ao fim colimado. SPF, SP1: satisfactorio SPF, SP1: maxime; á capacidade SPF, SP1: indispensavel SPF, SP1: caracter SPF, SP1: encaminhal-o SPF, SP1: geitosamente; aproveitavel SPF, SP1: collimado 35 Depois de ter examinado de novo, à luz do dia e por SPF, SP1: á luz uma lupa, os documentos falsificados em confronto com os 172 verdadeiros, resultando daí ficar tranqüilo quanto a essa parte do SPF, SP1: d’ahi seu diabólico programa, organizou Abílio um plano de estudo de SPF, SP1: tranquillo; diabólico Adejava: voava. 238 40 Roberto e do modo por que devia conduzi-lo ao fim dos seus SPF, SP1: programma; Abilio propósitos. SPF, SP1: conduzil-o SPF, SP1: propositos Roberto dormia a sono solto, ressonando ruidosamente, SPF, SP1: somno; resomnando quando o mancebo chegou ao limiar da porta do seu esconderijo; mas, ouvindo os seus passos, despertou rapidamente. Isso para 45 Abílio, foi um movimento apreciável: o sujeito era vigilante, SPF, SP1: Abilio possuía ouças de felino que o isentavam de surpresas. SPF, SP1: apreciavel; possuia SPF, SP1: surprezas Abílio observou-lhe que não se achava recatado como SPF, SP1: Abilio era de mister, e poderia ser visto por alguém e denunciado. 50 Roberto desenhou na catadura173 o seu ricto de celerado174, SPF, SP1: alguem afirmando numa fanfarronada que não era homem para ter medo; SPF, SP1: ricto; scelerado; affirmando; n’uma que se o patrão tinha... O patrão estranhou a liberdade do seu 55 futuro assecla175; mas julgou conveniente aparentar que não a SPF, SP1: extranhou percebera. Jeitosa e, podemos dizer, amistosamente, aconselhou SPF, SP1: apparentar ao patife fazendo-lhe ver que ter prudência não é ter medo; que SPF, SP1: Geitosa os homens os mais valorosos eram precatados. Afagando a vaidade do celerado, ia habilmente guiando-o como era o seu SPF, SP1: prudencia desejo e incitando-o à prática da vingança, como justa e consentânea com o direito e a razão. Nos seus conselhos e 60 maldosas insinuações usava Abílio uma linguagem que o camarada compreendesse perfeitamente. SPF, SP1: scelerado SPF, SP1: á pratica SPF, SP1: consentanea SPF, SP1: Abilio SPF, SP1: comprehendesse 65 Depois, sem tocar no nome de Serafim, procurou saber SPF, SP1: Seraphim porque tinha Roberto deixado as terras de dona Maria, uma senhora tão distinta. Foi isso pôr fogo à mecha. O ex-meeiro, por 173 Catadura: aparência; disposição de ânimo. Celerado: criminoso, perverso, mau. 175 Assecla: partidário. 174 SPF, SP1: d. Maria; disctincta 239 senhora tão distinta. Foi isso pôr fogo à mecha. O ex-meeiro, por entre pragas e palavrões grosseiros e indecentes, bolçou um ódio 70 irrefreável contra Serafim. Começou historiando o porquê saiu das terras de João; mas o fez ao seu modo, atribuindo ao velho professor o motivo disso, adulterando os fatos e dizendo-se vítima de uma clamorosa injustiça. Serafim era descrito por ele, na sua linguagem grosseira e entremeada de insultos, um sujeito 75 80 SPF, SP1: á mecha SPF, SP1: odio SPF, SP1: irrefreavel; Seraphim SPF, SP1: porque; sahiu SPF, SP1: attribuindo; d’isso SPF, SP1: factos; victima SPF, SP1: Seraphim; descripto; elle miserável, um caráter baixo capaz das maiores infâmias; um ladrão que lhe roubou o suor do rosto e queijandas calúnias e SPF, SP1: miseravel; caracter mentiras que Abílio ouvia silencioso como quem desse crédito, SPF, SP1: infamias embora soubesse que tudo aquilo eram invencionices do SPF, SP1: calumnias; Abilio miserável que, quanto mais explicava o que se dera, mais SPF, SP1: credito provava, em suas contradições, em favor do honrado velho a SPF, SP1: aquillo; miseravel quem emprestava tão más qualidades. SPF, SP1: contradicções Abílio conhecia de sobra o caráter de Serafim e era 85 176 arguto bastante para avaliar as mendazes SPF, SP1: Abilio; caracter; Seraphim SPF, SP1: argúto informações do despeitado meeiro; mas convinha-lhe mostrar-se crédulo, SPF, SP1: credulo cogitando criminosamente tirar proveito do incidente que veio ao encontro dos seus desejos gerados pela antipatia que lhe SPF, SP1: antipathia inspirava a austeridade do velho professor; como lhe serviria de 90 subsídio, em caso extremo, aos seus trabalhos de sapa177, arredando celerado. 176 178 aquele embaraço do caminho, aquele miserável SPF, SP1: subsidio SPF, SP1: aquelle SPF, SP1: aquelle; miseravel; scelerado Mendaz: mentirosa, hipócrita, desleal. Sapa: abertura de fossos, trincheiras, galerias subterrâneas, normalmete, próximo ao pé de um muro, para derrubá-lo. 178 Arredando: afastando, desviando. 177 240 A muitos políticos modernos sucede assim nestes vastos 95 SPF, SP1: politicos; succede sertões e, quiçá, em meios que se proclamam mais adiantados em civilização do que o nosso. Lançando mão de elementos iguais a SPF, SP1: adeantados; civilisação Roberto, que lhes têm preço, para seu engrandecimento social, se SPF, SP1: eguaes não odeiam a virtude, nem se manifestam francamente contra ela, 100 por temerem-na como um tropeço aos seus desígnios, SPF, SP1: si; odeam perseguem-na e desacreditam-na de sorrelfa179. Bem se vê que SPF, SP1: ella; temerem-n-a Abílio era talhado para político de aldeia, dos mais desabusados, SPF, SP1: designios; perseguem-n-a e Roberto seria um jagunço de primeira qualidade. SPF, SP1: politico SPF, SP1: desacreditam-n-a; Abilio 105 Roberto, à proporção que falava, ia exaltando-se. SPF, SP1: á proporção Gesticulava, arrotava valentias, fazia juras e tornava-se feroz, 110 bestial, terrível, mostrando-se tal qual era: um celerado de marca. SPF, SP1: terrivel Transfigurado, transmudando o rosto em catadura de tigre SPF, SP1: scelerado assanhado, tendo em seu semblante o rito dos assassinos congêneres, com os olhos injetados de sangue, em sua figura de SPF, SP1: rictus energúmeno tornou-se horrível a ponto de causar terror ao seu SPF, SP1: congeneres; injectados patrão, a quem, como louco, sem mais acatar como dantes, SPF, SP1: energumeno; horrivel; ao ponto (Emendou-se.) tocava com a mão crispada, apertava o braço irreverentemente, 115 emburrava e chegava a maltratar, procurando mostrar-lhe como SPF, SP1: d’antes faria a qualquer que o provocasse. Era o homo delinquente de SPF, SP1: irreverentemente (,) Lombroso, um perigoso neurótico, produto, sem dúvida, de ascendentes degenerados pelo alcoolismo. SPF, SP1: HOMO SPF, SP1: DELINQUENTE; nevrotico SPF, SP1: producto; duvida (,) 120 Abílio, pálido, silencioso, já arrependido de ter 179 De sorrelfa: diz-se daquele que age dissimuladamente, sonsamente. SPF, SP1: Abilio; pallido 241 provocado aquele miserável que o amedrontava, pôde somente falar-lhe com muito jeito, com estudada doçura e promessas, 125 SPF, SP1: aquelle; miseravel SPF, SP1: geito quando o sujeito, exausto, a arquejar, não mais era vítima da SPF, SP1: esausto 180 violenta crise intensa de ferocidade que o assaltava e, rilhando SPF, SP1: victima 181 os dentes numa espécie de trismo , apenas proferia uma ou outra palavra. O mancebo conseguiu acalmá-lo para que nada lhe faltasse, pedindo-lhe, quase suplicante, que se resguardasse até 130 que lhe desse uma colocação, que lhe garantiu seria boa. SPF, SP1: especiem SPF, SP1: acalmal-o SPF, SP1: quasi; supplicante SPF, SP1: désse; collocação Retirando-se meditativo, ia Abílio tomado de susto e 135 SPF, SP1: Abilio receios, seguindo outra ordem de idéias que lhe sugeria a crise de SPF, SP1: idéas Roberto. A impressão que lhe deixou no espírito aquele espécime SPF, SP1: suggeria de teratologia moral, fez-lhe ver que o instrumento, por ele SPF, SP1: espirito; aquelle; especimen SPF, SP1: elle escolhido como auxiliar dos seus planos em execução, excedia em muito à sua expectativa, tornando-se perigosíssimo. Além de indiscreto e capaz de tomar o freio nos dentes, poderia, num 140 daqueles momentos assassiná-lo, ou comprometer a sua reputação e prestígio, cometendo às escâncaras um crime e confessando-se garantido pelo patrão. Era um paranóico a quem SPF, SP1: á sua SPF, SP1: perigosissimo; Alem SPF, SP1: n’um; d’aquelles SPF, SP1: assassinal-o; comprometter SPF, SP1: prestigio; commettendo; ás escancaras não poderia o mancebo guiar e que, por uma simples palavra mal interpretada, mesmo por um gesto, poderia revoltar-se contra 145 SPF, SP1: paranoico quem quer que fosse, pertencesse mesmo às classes as mais elevadas que conseguem dominar essa gente servil. SPF, SP1: gesto (,) SPF, SP1: ás classes 180 Rilhando: rangendo os dentes. Trismo: alteração motora dos nernos trigêmeos, que impossibilita a abertura da boca, constituindo sinal característico e precoce de tétano. 181 242 150 O medo sobrepujava em Abílio o gênio artimanhoso e SPF, SP1: Abilio; genio causava-lhe um grande embaraço, pois considerava dificílima, senão impossível, a solução do intricado problema que, ao sondar SPF, SP1: difficilima; sinão; impossivel mais profundamente a alma de Roberto, seguiu-lhe inopinadamente diante do espírito. Aproveitar aquele sujeito ou 155 rejeitá-lo despedindo-o seria uma rematada imprudência. Aproveitá-lo não convinha porque o seu caráter oferecia duas faces inteiramente opostas: uma, a primeira, que o iludiu a princípio fazendo-lhe crer que se tratava de um indivíduo discreto, capaz de realizar automaticamente o que lhe fosse 160 SPF, SP1: deante; espirito, aquelle SPF, SP1: reigeital-o SPF, SP1: imprudencia; Apriveital-o SPF, SP1: caracter; offerecia; oppostas SPF, SP1: illudiu; principio SPF, SP1: individuo SPF, SP1: realisar determinado e guardar reservas, era a seriedade taciturna, que apenas denunciava pelo ricto, gênio perverso que sem hesitação, executaria as piores empresas criminosas; a outra era a explosão SPF, SP1: ricto; genio SPF, SP1: peores; emprezas que se deu denunciando o desastrado que, em seu acesso de vesânia182, a ninguém atendendo, não guardaria conveniências, 165 tudo poria a perder, tanto mais quanto contava com um protetor que supunha capaz de garanti-lo em todos os atos que praticasse, e que denunciaria procurando garantir-se na idéia de que o patrão SPF, SP1: vesania; ninguem SPF, SP1: attendendo; conveniencias SPF, SP1: protector SPF, SP1: suppunha; garantil-o; actos era intangível e invulnerável à ação da justiça. SPF, SP1: idéa; intangivel; invuneravel; á acção 170 Ademais, convenceu-se Abílio de que Roberto, quando calmo, fazia cálculos egoísticos; que a sua seriedade calculada 175 SPF, SP1: Abilio SPF, SP1: calculos; egoisticos era tendenciosa, como a dedicação servil, a modo de gratidão pela liberalidade que se lhe dispensasse e de que Abílio lançara mão chegando a dispensar-lhe favores gratuitos e, até, fornecer- 182 SPF, SP1: Abilio Vesânia: loucura, denominação comum às várias espécies de alienação mental. 243 lhe dinheiro com calculada generosidade, procurando captá-lo e previamente preparando-lhe o espírito em seu favor. Concluiu 180 desse último raciocínio que bastava o patrão negar-se a uma das SPF, SP1: captal-o suas exigências, por mais simples que fosse, para que o celerado SPF, SP1: espirito; d’esse; ultimo se revoltasse contra ele furibundo183, convertendo-se em seu SPF, SP1: raciocinio inimigo acérrimo, e inimigo dessa natureza era uma ameaça SPF, SP1: exigencias, constante e perigosa. SPF, SP1: scelerado; elle SPF, SP1: acerrimo 185 SPF, SP1: d’essa Em conclusão, resumindo o seu estudo sobre o caso, chegou Abílio a pensar que a única saída que lhe restava, do SPF, SP1: Abilio; unica; sahida aperto em que se achava, era a eliminação do miserável, porque 190 retê-lo em homizio,184 nas condições em que estava, a inação e o SPF, SP1: miseravel; porque: (Emendou- tédio fermentariam no espírito de Roberto idéias perigosas, SPF, SP1: inacção; tedio lembrar-lhe-iam exigências mais descabidas do que era de se SPF, SP1: espirito; idéas temer, leva-lo-iam a procurar saber por que era retido como um SPF, SP1: exigencias; detento e a uma exasperação perigosa; colocá-lo na sua lavoura SPF, SP1: leval-o-iam; se.);retel-o como agregado ou meeiro seria denunciar-se seu protetor e 195 levantar suspeitas no espírito do perspicaz professor Serafim. SPF, SP1: collocal-o; aggregado SPF, SP1: proctetor SPF, SP1: espirito; Seraphim Estava Abílio nesse cogitar martirizante, justo castigo 200 SPF, SP1: Abilio; n’esse; martyrizante SPF, SP1: consciencia; que lhe infringia a consciência maldosa, quando ouviu o estampido de um tiro, um brado e passos de animal cavalgado. Correu à janela e viu Serafim que, apeando-se do animal, tinha SPF, SP1: SPF, SP1: á janella SPF, SP1: Seraphim na mão uma arma curta como quem estivesse disposto a defender-se de uma agressão. Pálido, aterrado, Abílio recuou 205 183 184 para o interior antes que o professor o visse, adivinhando mais ou Furibundo: furioso, enfurecido. Homizio: esconderijo. SPF, SP1: aggressão; Pallido; Abilio 244 SPF, SP1: sahiu menos o que se deu. Depois, saiu resoluto para o terreiro. IV SPF, SP1: Abilio Depois que se retirou Abílio, Roberto, que se tinha 5 10 acalmado exteriormente, continuou, entanto, exaltado no seu SPF: emtanto (Erro óbvio.) íntimo. Fervia ali um vulcão de ódio. O veneno que continha SPF, SP1: intimo; alli; odio àquela alma endemoniada era inesgotável em seus meios de SPF, SP1: endemoniada, (Emendou-se.); elaboração como o vírus do crótalo. Nos intervalos das suas SPF, SP1: inexgottavel; virusdo explosões de cólera, ferviam como caldeira em alta pressão, as SPF, SP1: intervallos profundezas daquele ente repulsivo, vibrando no seu exterior em SPF, SP1: colera esgares,185 leves gestos e tremores, pelo franzir dos sobrolhos e SPF, SP1: d’aquelle aquella (Emendou-se.) pelo ricto e arreganhar os dentes que o semelhavam aos dentes de SPF, SP1: ricto um tigre acuado. Estava reclinado em seu catre,186 mas às vezes o impulso do fervor de ódio era tal naquela alma danada que a levava a uma 15 como resolução. Então se assentava, mirava uma espingarda que SPF, SP1: ás vezes SPF, SP1: odio; n’aquella; damnada SPF, SP1: assentava-se jazia encostada a um canto, parecia refletir e, depois de SPF, SP1: reflectir 187 momentos, voltava à primeira posição parecendo procrastinar o SPF, SP1: á primeira que tinha em mente executar. 20 185 A preocupação de Roberto, verdadeira obsessão, era SPF, SP1: preoccupação vingar-se de Serafim, contra quem ideava uma terrível desforra SPF, SP1: Seraphim depois da sua confabulação com Abílio, que soube açulá-lo SPF, SP1: terrivel Esgares: gestos de escárnio. Catre: leito tosco e pobre. Normalmente é uma cama de lona dobrável, utilizada em viagens. 187 Procrastinar: adiar. 186 245 25 manhosamente, falando-lhe em geral da legitimidade da vingança SPF, SP1: Abilio; açulal-o e afirmando-lhe que a emboscada é lícita quando não é possível SPF, SP1: affirmando-lhe sem ela conseguir-se o desagravo de uma injúria. SPF, SP1: licita; possivel; ella SPF, SP1: desaggravo; injuria Usando dos seus recursos habituais, e com a habilidade SPF, SP1: habituaes que lhe era peculiar, o perverso mancebo conseguira inocular na alma do celerado, já predisposta recebê-la, maior dose de vírus do 30 que ela continha, ou soprar o incêndio que nela apenas começava a atear-se. SPF, SP1: scelerado SPF, SP1: recebel-a; virus SPF, SP1: incendio; n’ella Roberto estava convencido de que, fosse qual fosse o 35 crime que cometesse, teria a proteção de Abílio no sentido de SPF, SP1: Abilio torná-lo impune. Assim sucede a muitos indivíduos ignorantes SPF, SP1: tornal-o; succede que desconhecem o que é justo e tornam-se temíveis bandidos, tão SPF, SP1: individuos malvados como covardes; que tudo são capazes de executar SPF, SP1: temiveis sugestionados por chefes políticos que sobrepõem a força ao direito e gabam-se do apoio que lhes prestam indivíduos miseráveis que lhes guardam as costas inconscientemente 40 supondo-se guardados e garantidos pelos patrões. Assim fazem política por estes sertões em fora indivíduos que se impõem pelo terror e blasonam-se homens de legítima influência no meio onde, sendo odiados, mandam e são obedecidos pelas massas pacíficas, SPF, SP1: suggestionados; politicos SPF, SP1: individuos; miseraveis SPF, SP1: suppondo-se SPF, SP1: politica SPF, SP1: blazonam-se; individuos SPF, SP1: legitima; influencia pelos elementos conservadores que querem, mas não podem 45 concorrer para a nossa prosperidade na paz, na ordem e na SPF, SP1: pacificas harmonia. Se é certo que possuímos legítimos e honestos influentes, são raros e quase sempre esquecidos dos altos poderes da nação, os quais por sua vez garantem condottieri de preferência 188 porque, só esse meio, derramando a cornucópia 50 das graças, esvaziando as arcas do tesouro em benefício de nulidades, SPF, SP1: Si SPF, SP1: possuímos; legítimos SPF, SP1: quase SPF, SP1: quaes; CONDOTIERI; conseguem subir até os últimos degraus da governança. O povo 188 Cornucópia: corno mitológico, atributo da abundância, símbolo da agricutura e do comércio. 246 55 conseguem subir até os últimos degraus da governança. O povo SPF, SP1: preferencia; sò honesto e laborioso, que é a verdadeira força, escorchado,189 SPF, SP1: cornucopia; thesouro perseguido injustamente, despossado dos seus teres, sentindo mal SPF, SP1: beneficio; nullidades segura a sua situação, já cansado de sofrer, pelo menos nestes SPF, SP1: ultimos vastos e ubérrimos sertões, foge em multidão para os estados do Sul, onde espera as garantias que aqui lhe faltam, sujeitando-se à 60 escravização e talvez aos mesmos inconvenientes que entre nós SPF, SP1: cançado deixou; porque o país todo está contaminado; por todo ele a SPF, SP1: soffre; n’estes exploração da política nefasta vigente, a escorcha do fisco em proveito dos grandes, que nadam em dinheiro à custa do SPF, SP1: á escravização trabalhador, são a nota do dia. SPF, SP1: paiz SPF, SP1: elle; política SPF, SP1: á custa 65 Roberto não era mais que um desses tipos fanfarrões e 70 SPF, SP1: d’esses; typos desalmados que, à voz de um patrão, congregam-se para as SPF, SP1: á voz; patrão (,) empreitadas reprováveis, ilícitas e perniciosas que nos infelicitam SPF, SP1: reprovaveis; illicitas em proveito de um ou de outro ambicioso que, sem mérito algum pessoal, deseja galgar posição de relevo na sociedade. Não SPF, SP1: merito confundamos, porém, esse tipo repelente e desprezível com o nosso valente e destemido homem do povo. Este, homem laborioso, pacífico e prudente, verdadeiramente dedicado a 75 SPF, SP1: porem; typo; repellente; desprezivel homens de valor, acha-se pronto, ao menor rebate, a reunir-se em torno daquele, a quem eleger pelos seus reais merecimentos, em SPF, SP1: pacifico defesa dos mais sãos princípios. SP1: delicado SPF, SP1: prompto; d’aquelle SPF, SP1: reaes 189 Escorchado: explorado, roubado. 247 SPF, SP1: principios 80 Infelizmente estes últimos são as mais das vezes SPF, SP1: ultimos relegados ao desprezo, são esquecidos e, quando feridos em sua dignidade ou seus interesses pelos vis e miseráveis protegidos de 85 certos poderosos, procuram garantir os seus direitos, são repelidos SPF, SP1: miseraveis injustamente e perseguidos como turbadores da paz e harmonia SPF, SP1: repellidos sociais, são espoliados das suas terras, dos agros que vêm tratando e conservando desde os seus antepassados. São eles que, SPF, SP1: sociaes insultados por toda a sorte de males, impotentes diante dos 90 poderosos e da malta indigna que os rodeia, procuram outros SPF, SP1: elles estados, senão, por um ato de desespero, se tornam SPF, SP1: deante verdadeiramente criminosos e caem sob a ação das leis penais. SPF, SP1: rodea; sinão SPF, SP1: acto SPF, SP1: cahem; acçaõ; penaes Estava Roberto nos seus maldosos pensamentos de 95 vingança e exagerado ódio, quando ouviu o ruído de passadas de SPF, SP1: odio cavalgadura que se aproximava. Por curiosidade talvez, ou mesmo SPF, SP1: ruido receio, como sempre se acha a pessoa criminosa ou de maus SPF, SP1: approximava instintos, espiou cautelosamente. O que viu, transmudou-lhe repentinamente a feição, carregando-a de uma terrível expressão SPF, SP1: instinctos de ódio que fuzilava em seus olhos e fazia-lhe rilhar os dentes. 100 Repentinamente, como louco, correu ao canto do aposento, SPF, SP1: terrivel; odio apanhou a espingarda e aproximou-se da porta. Receando ser visto por Serafim que chegava afastou-se um pouco se apoiando na ombreira por traz do portal, aperrou a arma, fez ponto e deu no gatilho. A cápsula estalou. O miserável, contrariado, ia voltando a 105 SPF, SP1: Seraphim; SPF, SP1: apoiando- arma para de novo escová-la, quando se deu o estampido, já a se (Emendou-se ênclise para próclise.) espingarda retirada do alvo. Roberto, no maior auge do desespero, SPF, SP1: capsula atirou a arma no chão vociferando colérico. SPF, SP1: miseravel SPF, SP1: escoval-a; 248 SPF, SP1: desepero; colerico 110 –Ah! O diabo tem mendraca; tem o corpo fechado! Esta arma nunca falhou. Serafim, ouvindo o disparo, prontamente sacou a sua SPF, SP1: Seraphim; desparo promptamente arma da cinta, avançou para o interior. 115 –Ah! Miserável! – brandou o professor – Valeu-me SPF, SP1: Miseravel Deus, que falhou o teu intento. Roberto, vendo falha a sua tentativa, mostrou-se tão 120 cobarde quanto malvado. Atarantado, ocultou-se num recanto do SPF, SP1: occultou-se quarto, por traz do seu leito rudimentar, cobrindo-se com a esteira SPF, SP1: n’um que lhe servia de colchão. A esse tempo Abílio desceu ao terreiro. Vinha trêmulo e pálido. SPF, SP1: Abilio SPF, SP1: tremulo; pallido –O que houve?! Escapei de ser assassinado de emboscada em sua casa. 125 –Quem cometeria essa infâmia?! – perguntou Abílio. SPF, SP1: commetteria; infamia P1, SPF: Abilio –Um tal Roberto, o meeiro que você recomendou a João – E, dizendo assim, o velho mestre-escola firmava o seu olhar SPF, SP1: recommendou límpido e investigador no semblante do mancebo. SPF, SP1: limpido 130 –Ah! Recomendei-o supondo tratar-se de um homem SPF, SP1: SPF, SP1: Recommendei-o; –Você é pouco perspicaz, meu Abílio. SPF, SP1: Abilio A esse tempo chegaram em casa. Abílio mostrava-se SPF, SP1: Abilio suppondo honesto. 135 contrariado e requintava as suas demonstrações de interesse pelo seu velho mestre. Não supunha que Roberto fosse capaz de tamanha perversidade, ainda mais quanto não lhe constava que ele SPF, SP1: suppunha fosse inimigo de Serafim. Aparecera ali na sua ausência dizendo a SPF, SP1: elle 249 fosse inimigo de Serafim. Aparecera ali na sua ausência dizendo a 140 dona Úrsula que não continuava meeiro de dona Maria; mas sem demonstrar a menor contrariedade ou ódio contra quem quer que fosse. Acolhido por sua mãe, porque pediu que lhe desse pouso SPF, SP1: Seraphim; alli SPF, SP1: ausencia; d. Ursula SPF, SP1: d. Maria SPF, SP1: odio até a sua chegada, ainda não tinha com ele estado. Sabia apenas, por lhe ter dito sua mãe, que Roberto deixara as terras de João, 145 SPF, SP1: elle prestadas as suas contas em boa paz, sendo até gabado por dona Maria, que se mostrou pesarosa com a sua retirada. SPF, SP1: d. Maria SPF, SP1: pezarosa –Tudo mentiras, Abílio, – disse Serafim, ouvindo tudo 150 SPF, SP1: Abilio; Seraphim isso. E passou a referir o que se deu. Abílio mostrou-se altamente indignado contra o biltre190 SPF, SP1: Abilio e asseverou ao professor que ia tomar sérias providências contra SPF, SP1: serias Roberto, que devia ser preso e processado por crime de tentativa. SPF, SP1: providencias 155 –Nada disso convém. Não desejo nem quero escândalos SPF, SP1: convem que de alguma forma podem prejudicá-lo em sua reputação, SPF, SP1: escandalos; prejudical-o Abílio. Deixe o diabo solto, que a verdadeira Justiça o punirá. SPF, SP1: Abilio –Mas o professor não teme outra emboscada? 160 –Temer um patife daquela ordem! – exclamou Serafim SPF, SP1: d’aquella com uma das suas habituais gargalhadas. – Sou cachoeirano, meu SPF, SP1: Seraphim; habituaes amigo. Sou descendente daqueles que fizeram o 25 de Junho. Que SPF, SP1: d’aquelles venha ele, e terá a sua conta, ainda mais agora, que estou SPF, SP1: elle prevenido. Depois, tenho filhos e amigos que darão a vida por 165 mim. –Conte-me no número deles, professor. SPF, SP1: numero; d’elles –Agradecido. Estou certo disso – afirmou Serafim muito SPF, SP1: d’isso; affirmou; seriamente. 190 Biltre: homem vil, abjeto, infame. SPF, SP1: Seraphim 250 –Deve estar certo, porque sempre muito considerei o 170 meu velho professor – tornou Abílio com disfarçada acrimônia. SPF, SP1: Abilio SPF, SP1: desfarçada; acrimonia –É justamente por esta consideração que eu tenho 175 certeza da sua amizade. Deixemos, porém, de rasgar sedas por SPF, SP1: porem coisa que não nos adianta. Vim aqui a negócio logo que soube da SPF, SP1: cousa; adeanta sua chegada. SPF, SP1: negocio –Do que se trata, professor? – perguntou Abílio fingindo SPF, SP1: Abilio –Dona Úrsula nada lhe disse? SPF, SP1: D. Ursula ignorar. –Não. 180 –Vim aqui outro dia resgatar as letras de João, que é o desejo dele pagar pontualmente antes de vencidos juros. SPF, SP1: lettras SPF, SP1: d’elle –Minha mãe nada me disse; naturalmente esqueceu-se. Eu mesmo não me lembrava disso. 185 –Pois vim em tempo, mas a senhora sua mãe não quis receber o dinheiro. João, portanto, não está em falta. –João é corretíssimo, bem sei, e por isso mesmo é que 190 SPF, SP1: d’isso SPF, SP1: quiz SPF, SP1: correctissimo não me preocupo com a sua dívida, nem tampouco me lembro do SPF, SP1: divida prazo. SPF, SP1: tampouco –Tratemos, pois, de concluir esse negócio. Veja as letras. SPF, SP1: negocio SPF, SP1: lettras Abílio pediu licença a Serafim para ir ao seu gabinete 195 SPF, SP1: Abilio; Seraphim em busca das letras. Por esforço enorme pôde conservar-se calmo SPF, SP1: lettras e aprumado à vista do professor; mas achava-se tomado de grande SPF, SP1: á vista emoção por temer mais uma vez que Serafim descobrisse a sua tratantada. Entrando no seu gabinete, embora bem soubesse onde se achavam guardados os documentos, demorou-se perplexo e irresoluto convencido de que o professor atribuísse a sua 200 prolongada ausência motivada pela procura deles. SPF, SP1: Seraphim 251 SPF, SP1: attribuisse; ausencia SPF, SP1: d’elles Não era o pesar de cometer uma ação indigna que ocasionava a perturbação em que se achava Abílio na sua 205 irresolução. Era o temor daquele terrível agros que, nas suas SPF, SP1: pezar; commetter; acção SPF, SP1: occasionava; Abilio SPF, SP1: d’aquelle; terrivel SPF, SP1: palavras (,) palavras, deixaram ver uma tal ou qual desconfiança a seu respeito quanto ao grave incidente que se deu com Roberto poucos momentos antes. O seu espírito vacilava entre apresentar SPF, SP1: espirito; lettras as letras falsas ou as verdadeiras, tendo-as todas em suas mãos e 210 mais uma vez examinando-as cuidadosamente a fim de verificar se por um traço, um descuido ou qualquer falha, seria descoberta a SPF, SP1: afim de SPF, SP1: si falsificação. Era, entretanto, urgente que se decidisse, porque também isso daria lugar a desconfianças. Por fim decidiu-se a não levá-las e declarar que debalde as procurou. SPF, SP1: tambem SPF, SP1: Porfim; leval-as 215 –Ora, professor, – disse Abílio quando voltou à sala, – 220 SPF, SP1: Abilio; á sala não pude encontrar as letras. Procurei-as num mar de papéis e foi SPF, SP1: sala (,); lettras, n’um debalde. SPF, SP1: papeis –Nesse caso, passe-me um recibo com as declarações indispensáveis a fim de ser salvaguardada a minha SPF, SP1: N’esse SPF, SP1: indispensaveis; afim de responsabilidade como encarregado, e para que fique pago o 225 débito. Trago aqui um conto e duzentos mil réis, em quanto orçam SPF, SP1: debito os dois documentos; mas o último não vence agora e João tem SPF, SP1: reis; dous direito a desconto. SPF, SP1: ultimo –Creio haver engano, professor. A letra vencida absorve toda essa quantia. Com ela não ficam pagas as duas. 230 –O que?! – exclamou Serafim – Se há engano é de sua SPF, SP1: lettra SPF, SP1: ella SPF, SP1: Seraphim; Si; ha parte, Abílio. A letra mais antiga é de 800$000 e a última de SPF, SP1: Abilio; lettra 400$000. SPF, SP1: ultima 252 400$000. –Não. A primeira é de 1:200$000 e a outra de 600$000. 235 –E esta! Será possível?! Procure essas letras; é preciso SPF, SP1: possivel; lettras que esse engano seja desfeito. Vá! Vá! Eu terei paciência para SPF, SP1: paciencia esperar. Abílio voltou ao gabinete contrariadíssimo. Não contava 240 245 SPF, SP1: Abilio; contrariadissimo com essa exigência do professor, que, aliás, era razoável. Na sua SPF, SP1: exigencia indecisão alguma coisa parecia soar na sua consciência SPF, SP1: razoavel ameaçando-o de um perigo futuro. Serafim amedrontava-o com a SPF, SP1: consciencia sua fleuma e seriedade. Que fazer? Veio-lhe a idéia apresentar a SPF, SP1: Seraphim letra verdadeira de maior quantia e a menor falsificada. Em todo SPF, SP1: phleugma; idéa caso era preciso demorar alguns minutos à pretexto de procurá- SPF, SP1: lettra las. Passava por seu cérebro diversos pensamentos e idéias de medo e perversidade. SPF, SP1: á pretexto; procural-as; SPF, SP1: cerebro; idèas 250 O medo era o sentimento que lhe infundia o professor com a sua calma denunciativa de desconfiança contra o antigo 255 discípulo, a quem ele bem conhecia desde criança. A perversidade SPF, SP1: discípulo; elle com um princípio de rancor consistia na idéia que, desde muito SPF, SP1: creança tempo, o preocupava: ver-se livre daquele espírito vigilante e SPF, SP1: principio; idéa perspicaz que lhe era um terrível Cabrião. Ah! Se Roberto não SPF, SP1: preoccupava; d’aquelle; espirito fosse um desastrado e imprudente; se não tivesse escolhido sua casa para emboscar-se; se, mesmo assim imprudente, tivesse SPF, SP1: terrivel; Si SPF, SP1: si SPF, SP1: si conseguido o seu malvado intento, estaria ele fora de perigo, poderia agir desembaraçadamente. Estava tudo perdido. Roberto, 260 SPF, SP1: intento; (,); elle aquele miserável idiota, pusera uma travanca nos seus planos tão bem estudados e delineados. Era-lhe preciso recompor tudo SPF, SP1: aquelle; miseravel; puzera quanto vinha planejado. Um ódio profundo emergia da sua alma negregada contra o velho mestre-escola e, quanto a Roberto, que SPF, SP1: odio 253 se constituiu um perigo à sua segurança, vinha-lhe a idéia de 265 consumi-lo, fazê-lo desaparecer fosse como fosse. SPF, SP1: á sua; idéa SPF, SP1: desapparecer Passados muitos minutos, Abílio apresentava-se a 270 Serafim com as duas letras. O velho achava-se calmo e sereno; SPF, SP1: Abilio SPF, SP1: Seraphim; lettras mas o mancebo, por mais procurasse aparentar serenidade de ânimo, não conseguia ocultar a perturbação em que estava. –Estão aqui as letras, professor. Tive grande trabalho 275 SPF, SP1: animo; occutar SPF, SP1: lettras procurando-as. Realmente a mais antiga, cujo prazo se venceu, é de 800$000 e a outra de 600$000. Veja. Serafim examinou-as e, sem se alterar, mas com uma SPF, SP1: Seraphim seriedade e frieza que causaram impressão ao mancebo disse: 280 –Sempre houve um pequeno engano, decerto do João, que me diz ser de quatrocentos mil réis o débito por vencer. –E, 285 recebendo as duas letras, pagou-as ambas inteirando a soma dos SPF, SP1: debito; lettras títulos apresentados. Abílio queria fazer o desconto, mas Serafim SPF, SP1: somma; titulos; dispensou. Era tão insignificante a importância dele, dizia o velho, SPF, SP1: Abilio; Seraphim e João devia tantos obséquios ao credor, que não valia a pena SPF, SP1: importancia; d’elle aproveitar essa migalha. Abílio insistiu, mas o professor SPF, SP1: obsequios observou-lhe que o desconto ficava em compensação dos juros SPF, SP1: Abilio vencidos nos dias excedentes do prazo da maior letra. 290 SPF, SP1: lettra Serafim despediu-se de Abílio e, ao montar-se, sacou a SPF, SP1: Seraphim; Abilio sua arma da cinta, preparando-se assim para defender-se de nova agressão; mas Roberto bem longe estava da idéia de nova SPF, SP1: aggressão 254 295 tentativa, temendo até ser visto pelo professor, cuja agilidade que SPF, SP1: idéa mostrou, procurando defender-se, deixou uma funda impressão no 300 espírito cobarde do celerado. Mal desapareceu o velho mestre- SPF, SP1: espirito escola, Abílio, certificado de que por ele não seria visto, SPF, SP1: scelerado; desappareceu encaminhou-se para o esconderijo do seu protegido que, assentado SPF, SP1: Abilio; elle no recanto mais escuro, não fugiu porque a quadra só tinha a porta da frente. –Roberto! – chamou Abílio por não vê-lo logo. SPF, SP1: Abilio; vel-o –Ah! É o patrão! Não me faça nada, patrão. 305 –Não tenha receio de coisa alguma por ora. Mas... que SPF, SP1: cousa diabo foi isso? Ah! Eu perdi a cabeça quando vi aquele diabo! Patrão, aquilo é mendraqueiro, ou então tem carta de arma. 310 –Por que? SPF, SP1: aquelle SPF, SP1: aquillo; d’arma Porque (Emendou-se corrigindo conforme regra de uso do porque.) –Esta arma – falou com soberba – nunca falhou tiro. –Mas o tiro saiu, que eu ouvi. SPF, SP1: sahiu –Quebrou a escorva, mas o fogo não pegou logo. 315 Quando eu vou voltando a arma para consertar, o tiro disparou SPF, SP1: p’ra fora do ponto e quase me mata. Por um tiquim escapei. Pois o SPF, SP1: desparou; quasi demônio do velho, não está se vendo que tem reza ou corpo SPF, SP1: TIQUIM; demonio fechado? Roberto revelava-se supersticioso ao extremo, o que 320 mais convenceu a Abílio de que lhe não servia para a realização SPF, SP1: Abilio dos seus desígnios. Era indispensável, fosse por que meio fosse, SPF, SP1: realisação; designos; indispensavel pelas razões que lhe vieram ao pensamento logo depois da violenta crise verdadeiramente epiléptica que demonstrou ser o 325 miserável um paranóico incapaz de refletir calmamente no SPF, SP1: epileptica momento mais preciso de serenidade e superexcitando-se tanto, SPF, SP1: miseravel; paranoico; reflectir 255 transformando-se em fera que a ninguém atenderia, quanto depois se mostrava cobarde e supersticioso. SPF, SP1: superexcitando-se SPF, SP1: ninguem; attenderia; mostravase (Emendou-se ênclise para próclise.) 330 –Agora, o que vai fazer? –perguntou por fim Abílio depois de alguns momentos de reflexão. –Vou-me embora para São Paulo. Já estive lá uma vez. SPF, SP1: vae; porfim SPF, SP1: Abilio SPF, SP1: Vou-m’embora; S. Paulo; la Não fico mais aqui. Abílio resfolegou. Ia ficar livre daquele trambolho. SPF, SP1: Abilio; d’aquelle –O patrão é meu protetor, e há de me dar algum dinheiro SPF, SP1: proctetor 335 para viagem e ficar com os trens que eu deixei lá nas terras SPF, SP1: p’ra daquela gente. SPF, SP1: la; d’aquella –Está dito. É bom seguir logo viagem. 340 –Amanhã mesmo, de madrugada. –Quanto precisa de dinheiro? –O patrão dê o que quiser. SPF, SP1: quizer No dia seguinte, no escuro da madrugada, Roberto 345 tomou o caminho de São Paulo. Além de dar-lhe algum dinheiro, SPF, SP1: S. Paulo; Alem Abílio e sua mãe forneceram-lhe um saco com algumas munições SPF, SP1: Abilio de boca. A velha lastimava não ter o meeiro dado cabo do SPF, SP1: sacco; bocca canastro do velho Serafim. SPF, SP1: Seraphim –Que pena escapar aquele maldito! –exclamava. –Pode 350 SPF, SP1: aquelle SPF, SP1: apparecer aparecer outro... V Serafim, voltando para a sua casa, ia pensando em SPF, SP1: Seraphim 256 5 Abílio. Tudo concorria em seu espírito para suspeitas que lhe SPF, SP1: Abilio; espirito pareciam bem próximas da verdade. Conhecia de sobra o seu SPF, SP1: proximas antigo discípulo para que tivesse elementos fartos no seu estudo SPF, SP1: discipulo ocasional daquele birbante.191 Abílio era hipócrita, mentiroso, SPF, SP1: occasional refalsado e capaz de todas as infâmias e perversidades. Quando SPF, SP1: d’aquelle; Abilio; hypocrita SPF, SP1: infamias da falsificação da carta depreciativa do caráter da donzela, ainda restava ao professor uma leve esperança de conseguir a regeneração daquele degenerado; mas os fatos vieram depois 10 patentear à sociedade que o rapaz era um caso perdido, digno da SPF, SP1: caracter; donzella SPF, SP1: d’aquelle SPF, SP1: factos; á sociedade sua progenitora, que também Serafim conhecia desde a sua mocidade como mexeriqueira, refalsada, capaz de praticar as SPF, SP1: tambem; Seraphim maiores indignidades. 15 A tocaia de Roberto na própria casa do seu patrão e o aumento da dívida de João ofereciam ao espírito arguto do velho mestre-escola farta messe para o estudo do caráter de Abílio. Tudo repousava sobre indícios e conjecturas, é certo; mas como 20 rastrear a obra dos dissimulados senão por aí? O conjunto de tantos e tão veementes indícios, estudado pelo velho com o confronto daquele caráter quando na infância, quando a criança ainda possui em gérmen 192 apenas as suas más tendências e não sabe ocultá-las, segundo apreciava o seu espírito perspicaz, 25 aproximava agora tanto a conjectura da verdade, que chegava a confundir a dúvida com a certeza. Serafim, honesto e escrupuloso em excesso, temia fazer 191 192 Birbante: patife, tratante. Gérmen: variante de germe. SPF, SP1: propria SPF, SP1: augmento; divida; offereciam SPF, SP1: espirito SPF, SP1: caracter; Abilio SPF, SP1: indicios SPF, SP1: sinão; ahi SPF, SP1: conjuncto; vehementes; indicios SPF, SP1: d’aquelle; caracter SPF, SP1: infancia; creança; possue SPF, SP1: germen; tendencias; occutal-as SPF, SP1: espirito SPF, SP1: approximava SPF, SP1: duvida SPF, SP1: Seraphim 257 30 juízos temerários; mas o fato da carta falsa, crime confesso de SPF, SP1: juizos; temerarios; facto Abílio, do qual lançou mão o mestre-escola procurando afastar o SPF, SP1: Abilio criminoso do caminho mau que seguia, procedendo com ele generosamente, era um precioso elemento de modo que provava SPF, SP1: elle até que ponto era baixo o caráter do seu antigo discípulo. 35 “Cesteiro que fez um cesto...” SPF, SP1: caracter SPF, SP1: discipulo O caso da carta era uma fresta por onde ele devassava SPF, SP1: elle bem claramente até que ponto ia a capacidade de Abílio em fazer mal a outrem para o seu proveito, não desprezando os meios mais 40 45 SPF, SP1: Abilio infames e reprováveis. E o anexim193 adaptava-se perfeitamente ao caso, dando lugar a que Serafim estivesse quase certificado de SPF, SP1: reprovaveis; annexim que a nota promissória de valor aumentado era mais uma SPF, SP1: Seraphim; quasi falsificação feita pelo hábil cesteiro de antanho. Ia examiná-la SPF, SP1: promissoria cuidadosamente para tirar uma conclusão que se não se afasta da SPF, SP1: augmentado; habil verdade em sua inteireza. Para que Abílio lançaria mão de meio SPF, SP1: examinal-a tão ignóbil para prejudicar ao seu antigo condiscípulo? Ganância SPF, SP1: afasta-se (Emendou-se.) de lucro? Que valiam duzentos mil réis para um moço rico, SPF, SP1: Abilio apaixonado, capaz de sacrificar quantia muitas vezes superior SPF, SP1: ignobil para satisfazer os seus caprichos? SPF, SP1: condiscipulo; Ganancia 50 Depois se lembrava o mestre-escola que a princípio lhe 55 dissera Abílio que somente o débito maior já vencido, montava a SPF, SP1: ja um conto e duzentos. Dir-se-ia que a letra relativa a este débito SPF, SP1: lettra; debito; também foi também fora falsificada? Se o fora, por que o mancebo não a apresentara? Então lhe vinha à idéia tudo quanto presenciara quando liquidava o negócio: o atarantamento de Abílio quando, 193 SPF, SP1: lembrava-se (Emendou-se.) SPF, SP1: principio; Abilio; debito Anexim: adágio, ditado, provérbio. SPF, SP1: Si o foi; porque SPF, SP1: apresentou; vinha-lhe (Emendou-se.); á idéa SPF, SP1: precenciou; negocio SPF, SP1: Abílio 258 ao voltar do gabinete, informava não ter encontrado os 60 documentos, à exigência peremptória que lhe fez de procurá-los SPF, SP1: á exigencia; peremptoria de novo, a qual arrancou ao mancebo um gesto quase SPF, SP1: procural-os imperceptível de contrariedade; a sua demora na segunda busca, SPF, SP1: gesto; quasi; imperceptivel e tantos outros incidentes para outro insignificantes, mas para ele SPF, SP1: elle de certo valor, enfeixados, pode-se dizer ajustados, como peças 65 de uma máquina que se reconstitui, tomava feição de prova SPF, SP1: machina; reconstitue inconcussa. 70 Pensou Serafim que Abílio, tendo falsificado ambas as letras, atrapalhado, indeciso às exigências apertadas do momento, SPF, SP1: Seraphim; Abilio SPF, SP1: lettras; ás exigencias ou aterrorizado ao ver a serenidade severa com que era apertado, não teve coragem de apresentar as duas. Tudo isso estava a pedir um demorado estudo. 75 Quanto à emboscada, o que pensar? Roberto foi 80 SPF, SP1: á emboscada colocado, a pedido de Abílio, nas terras de João, como meeiro. SPF, SP1: collocado; Abilio Porque o não colocou nas suas, que mais vantagens ofereciam ao SPF, SP1: collocou seu protegido? Em torno dessas e outras muitas circunstâncias SPF, SP1: offereciam girava ao pensamento do velho professor, procurando uma SPF, SP1: d’essas; circunstancias; gyrava SPF, SP1: professor (,) explicação, e só encontrando esta: o meeiro Roberto fora colocado por Abílio nas terras do seu jovem amigo e antigo 85 SPF, SP1: collocado; Abilio; joven discípulo para a realização de qualquer ação má. Serafim sabia, SPF, SP1: discipulo; realisação como João também, que o meeiro, desde que ali foi colocado SPF, SP1: acção; Seraphim; tambem como rendeiro, aos domingos e dias de folga não deixava de ir à casa de Abílio, onde, às vezes, chegava a demorar durante o dia; SPF, SP1: alli SPF, SP1: á casa SPF, SP1: Abilio; onde ás vezes (,) mas era atribuído por João ao reconhecimento que o sujeito SPF, SP1: attribuido dedicava ao seu protetor. O mestre-escola não se abalançava a SPF, SP1: protector 259 dedicava ao seu protetor. O mestre-escola não se abalançava a 90 chamar a atenção de João para isso, não só porque o meeiro, por um fato, mesmo leve e insignificante, não se tivesse revelado SPF, SP1: attenção SPF, SP1: facto SPF, SP1: deshonesto desonesto, como porque não desejava parecer fautor de desinteligências entre pessoas que se confiavam como o meeiro e SPF, SP1: desintelligencias o seu patrão. 95 Desde, porém, que o protegido de Abílio, por ocasião de 100 SPF, SP1: Desde (,); porem; Abiílio SPF, SP1: occasião; mostrou; indole prestar as suas contas, mostrara uma índole inteira e SPF, SP1: opposta diametralmente oposta ao seu anterior procedimento, ficara o SPF, SP1: ficou; elle professor convencido de que ele um refinado tratante e que a sua constante mudez e semblante fechado eram estudados e tinham fim tendencioso. Um indivíduo bronco e baldo de educação SPF, SP1: individuo como ele fez-se conhecer então, levantando uma questão injusta e SPF, SP1: elle rompendo violentamente com pessoas a quem nunca deixara de 105 110 respeitar e agora invectivava com palavras indecentes próprias do SPF, SP1: deixou canalha o mais ignóbil, era insinuado com certeza por um mestre SPF, SP1: proprias hábil, e esse mestre era Abílio. Deixando tudo quanto possuía, SPF, SP1: ignobil Roberto abandonou o agro, sem recurso algum, e fora SPF, SP1: habil; Abilio imediatamente acoitar-se em casa do seu protetor e amigo, sendo SPF, SP1: possuia acolhido pela boa de sua mãe que, naturalmente, além de dar-lhe SPF, SP1: foi immediatamente pouso, manteve-o até a chegada do filho, que veio inteirar a SPF, SP1: protector trindade infame e ver que o seu discípulo dedicado ia levando por SPF, SP1: alem diante o que lhe foi recomendado e insinuado. SPF, SP1: discipulo 115 SPF, SP1: deante; reccomendado 260 Para que tudo isso? pensava Serafim. Abílio, o antigo 120 SPF, SP1: Seraphim; Abilio rival de João, ainda mantinha aceso o incêndio passional que SPF, SP1: acceso; incendio chegou à prática a mais indigna quando, falsificando uma carta, SPF, SP1: á pratica procurou compuscar a reputação de dona Maria e precipitá-la do pináculo da sua virtude no charco imundo das suas pretensões, SPF, SP1: d. Maria; precipital-a; pinaculo SPF, SP1: immundo; pretençoões impossibilitado como se sabia de elevar-se para possuí-la em tal altura. Supôs que a sua fortuna pecuniária, deslumbrando a 125 virtuosa donzela, fosse um meio seguro, uma irresistível tentação que vencesse a sua repugnância. O casamento, porém, deu por terra com as pretensões do fidalgote endinheirado e levantou entre ele e a pretendida um obstáculo: João, a quem ele conhecia desde a infância como honesto, bem intencionado, mas de uma 130 excessiva boa fé. Era preciso afastá-lo, e Abílio o conseguiu. SPF, SP1: possuil-a; Suppoz SPF, SP1: pecuniaria; donzella SPF, SP1: irresistivel SPF, SP1: repugnancia; porem SPF, SP1: pretenções SPF, SP1: elle; obstaculo SPF, SP1: elle; infancia Restava, porém, ele Serafim. SPF, SP1: afastal-o; Abilio SPF, SP1: porem; elle; Seraphim 135 Ah! Abílio era capaz de todas as infâmias; era mais vil e SPF, SP1: Abilio; infamias abjeto do que lhe parecia, embora já o tivesse em conta de SPF, SP1: abjecto; ja astucioso e perverso. Para ele não havia embaraço que impedisse SPF, SP1: peverso; elle os seus intentos negregados e, se dona Maria não fosse a moça 140 inteligente e honesta que ele conhecia, já o miserável teria SPF, SP1: d. Maria procurado jeito de apossar-se dela, mesmo por meios violentos. SPF, SP1: intelligente; ja; miseravel Neste ponto das suas cogitações Serafim sentiu um 145 SPF, SP1: jeito; d’ella SPF, SP1: N’este; Seraphim frêmito de horror. Acudiu-lhe à mente a possibilidade de ser SPF, SP1: fremito; á mente assassinado por Abílio a fim de ser desimpedido o caminho que SPF, SP1: Abilio; afim de ele com pertinácia tentava seguir à conquista da esposa de João; SPF, SP1: desempedido; elle; pertinácia, pois estava convicto de que todas as maranhas que o vil mancebo SPF, SP1: á conquista tecia, todos os seus planos, urdidos na sombra por ele, tendiam unicamente a esse fim desonesto e reprovável. Era preciso (Emendou-se.) 261 150 unicamente a esse fim desonesto e reprovável. Era preciso prevenir a pobre senhora e recomendar-lhe a mais severa vigilância, embora isso fosse perturbar a paz e ingênua segurança 155 SPF, SP1: elle SPF, SP1: deshonesto; reprovavel SPF, SP1: recommendar-lhe; vigilancia que ela gozava, incapaz, pela sua boa fé e candura, de calcular SPF, SP1: ingenua que o seu antigo pretendente fosse tão infame a esse ponto. O SPF, SP1: ella; gosava pobre velho sentia-se profundamente abalado, ansiava como se o perigo que se lhe afigurava fora iminente, estivesse por horas. 160 Esporeou o animal e, por um atalho, chegou à casa de sua SPF, SP1: anceava; si comadre. Chegou mais calmo e, tendo refletido sobre este último SPF, SP1: imminente passo que lhe veio à idéia, julgou conveniente não alarmar a SPF, SP1: á casa pobre senhora; mas preveni-la com prudência contra o malicioso. SPF, SP1: reflectido SPF, SP1: ultimo; á idea SPF, SP1: prevenil-a; prudencia Maria acolheu o seu velho mestre com a satisfação e a 165 alegria de sempre; entanto, inteligente, e até certo ponto SPF, SP1: emtanto; intelligente perspicaz, notou em seu semblante um quer que fosse de alteração e inusitada preocupação; mas aguardou que Serafim lhe SPF, SP1: preoccupação dissesse o que o levava ali. SPF, SP1: Seraphim SPF, SP1: alli 170 –Minha comadre – foi logo informando o professor SPF, SP1: comadre, (Emendou-se.) SPF, SP1: sala (, –); ninguem quando se achava na sala, – ninguém nos ouve? –Estamos sós – respondeu Maria meio alvoroçada. – O SPF, SP1: alvoraçada; ha que há? 175 –Não se assuste. Acabo de escapar de boa. Roberto acha-se homiziado194 na casa de Abílio. O miserável procurou SPF, SP1: Abilio outro da sua igualha195 a quem protege e garante. SPF, SP1: miseravel; egualha –Calculei logo que Roberto fosse ter com ele. 194 195 Homiziado: escondido, refugiado. Igualha: identidade de feito, na maneira de pensar. SPF, SP1: elle 262 180 –É natural, porque, sendo Abílio o seu protetor, só por SPF, SP1: Abilio; protector lá poderia acomodar-se; mas o meu juízo não pára nisso, Deus SPF, SP1: la; accommodar-se me perdoe. Roberto é um instrumento do seu protetor para fins SPF, SP1: juizo; pára n’isso; perdôe SPF, SP1: protector; peversos perversos. Andam-nos moiros na costa. 185 –Descobriu alguma coisa? SPF, SP1: cousa –Venho descobrindo há muito tempo; mas sempre guardando reserva porque não desejo sobressaltá-los. Desde que 190 o Roberto aqui se apresentou como recomendado por Abílio, SPF, SP1: sobresaltal-os venho desconfiando do protegido e do protetor, dignos um do SPF, SP1: recommendado; Abilio outro. SPF, SP1: protector –Ah! Meu Deus! Isso é grave – exclamou aflita a pobre SPF, SP1: afflicta moça. –Não tenha receio. Veio a tempo de tomar-se 195 precauções a última descoberta que fiz. –Mas que há, meu Deus! SPF, SP1: ultima SPF, SP1: ha; SP: meu Deus!? Succedeulhe alguma cousa? –Não se assuste. Escapei de ser assassinado na própria casa de Abílio. –Meu Deus! Abílio tentou contra a vida do senhor? SPF, SP1: Abilio; SP: -Oh!! mas isso é horrivel! Abilio tentou contra a vida do senhor?! 200 –Abílio não; mas o Roberto. Refiro-lhe o fato, mas peço SP, SPF, SP1: Abilio; facto a maior reserva; não convém que alguém saiba disso, mesmo SP, SPF, SP1: convem; alguem pessoa de sua família. SP, SPF, SP1: d’isso; familia E Serafim referiu como se deu a tentativa de Roberto, o 205 SP, SPF, SP1: propria; Abilio malogro dela, a cobardia do miserável, as explicações de Abílio, que se mostrou contrariadíssimo e até quis prender o agressor, o que ele, o professor, não consentiu. SP, SPF, SP1: Seraphim SP, SPF, SP1: mallogro; d’ella; miseravel SP, SPF, SP1: Abilio SP, SPF, SP1: contrariadissimo; quiz; aggressor SP, SPF, SP1: elle –Nesse caso, Abílio não é responsável pelo atentado. SP, SPF, SP1: N’esse; Abilio; responsavel –Na aparência, minha comadre. SP, SPF, SP1: apparencia –Mas há motivo algum para que assim julgue? SP, SPF, SP1: ha SP, SPF, SP1: attentado 210 263 –Mais tarde saberá. Ainda não estou de posse de todos 215 os fios da trama urdida por Abílio; apoio o meu juízo em meras SP, SPF, SP1: Abílio conjecturas que, entretanto, aproximam-se bem da verdade. SP, SPF, SP1: juizo Deixemos isso, e tratemos dos negócios de João. Resgatei as SP, SPF, SP1: approximam-se duas letras, que aqui lhe trago. Ei-las. – E entregou a Maria os SP, SPF, SP1: negocios dois títulos resgatados pedindo-lhe que os examinasse. SP, SPF, SP1: lettras; Eil-as SP1: dous; titulos 220 SP, SPF, SP1: examinasse (.) –Mas como é isso!? – exclamou Maria, admirada depois do exame. –A letra menor de seiscentos mil réis. SP, SPF, SP1: lettra –Estão ambas pagas. 225 –Mas o dinheiro mandado por João não dava para o pagamento. –Inteirei. Naturalmente João enganou-se. –Não, professor. Estou bem certa de que o total era um 230 conto e duzentos mil réis,196 e tenho nota disso. Depois, sei, SP1: eram; SP, SPF, SP1: um conto e porque conheço o negócio desde a sua origem, que há um negocio quatrocentos mil reis, (Emendou-se.); SP, SPF, SP1: ha; accrescimo acréscimo de duzentos mil réis. –O que é interessante é que Abílio, antes de apresentar- 235 SP, SPF, SP1: Abilio me as letras, asseverou-me ser o total do débito da importância de SP, SPF, SP1: lettras 1:800$000. Achei demais. O rapaz procurou no seu gabinete os SP, SPF, SP1: debito; importancia dois títulos e voltou dizendo-me que foi debalde; que não os SP, SPF, SP1: dous; titulos achou. Exigi com calma que os procurasse de novo, o que o contrariou bastante; mas da segunda vez voltou com estes. 240 196 –Neste caso... o que pensar? SP, SPF, SP1: N’este –Acode-lhe ao pensamento que as letras foram SP: Acho que uma das lettras foi falsificada.; SP1; SPF: lettras Os três testemunhos apresentam erro óbvio “um conto e quatrocentos meil reis” em vez de “um conto e duzentos mil réis”, confira capítulo IV, linhas 224 – 235. 264 falsificadas? –Pelo menos uma. Mas, se o foi, o falsificador é 245 SP: Não so uma, segundo me diz quanto á primeira informação de memoria dado por Abilio.; SPF, SP1: si; habilissimo habilíssimo. –É o que me parece197. Convém, entretanto, que SP: Parece-me que sim...; SPF, SP1: Convem guardemos a maior reserva, porque só assim poderemos descobrir alguma coisa. Quanto ao mais, procurarei por meio de SPF, SP1: cousa um pretexto qualquer, pôr os seus restantes meeiros de 250 sobreaviso; usarei de um estratagema qualquer a fim de não dar rebate e alarmá-los. Fique tranqüila, minha boa comadre, e tenha SP, SPF, SP1: afim de confiança nAquele que é a nossa guarda e proteção segura. SP, SPF, SP1: alarmal-os; tranquilla SP, SPF, SP1: n’Aquelle SP, SPF, SP1: protecção 255 198 E, despedindo-se, Serafim seguiu para a sua SP: Seraphim despediu-se...; SPF, SP1: Seraphim SP, SPF, SP1: residencia residência. VI Dois dias depois do que se passou entre Abílio e o seu 5 SP: Dias depois (...) entre Abilio, Roberto e o professor, foi Maria SP: surprehendida velho professor apeou o mancebo à tardinha, já o sol posto, em á tardinha, já sol posto, por uma visita de frente da casa de dona Maria que, ouvindo os passos da tardinha; ja; d. Maria Abilio.; SPF, SP1: Dous; Abilio; á cavalgadura, veio à porta. Não deixou de surpreender-se à vista dessa visita inopinada a tão adiantada hora; mas recebeu-a sem SP, SPF, SP1: susprehender-se; d’essa; á demonstrar estranheza no semblante. Inteirada como se achava, SP, SPF, SP1: adeantada por pessoa que tanta confiança lhe merecia como o velho mestre- vista SP, SPF, SP1: extranheza escola, o leitor bem pode avaliar que pobre moça só poderia 10 197 recear à visita desse hóspede importuno, cujo caráter infame era SP: Parece-me que sim; mas não comprehendo porque Abilio me apresentou estas somente. (...) Lançarei mão de qualquer meio para isso, para não chamal-os ao ponto de espalharem noticias do facto que se deu commigo, o que não convem. Quanto ao Abilio, estou certo que guardará segredo no seu proprio interesse. Fique... 198 Seraphim despediu-se mostrando-se confiante, mas no seu intimo, achava-se receioso por si e por sua comadre. 265 recear à visita desse hóspede importuno, cujo caráter infame era capaz de tudo praticar de mal. Só agora podia avaliar o perigo SP, SPF, SP1: á visita; d’esse; hospede SP, SPF, SP1: caracter que corre a segurança e até a honra de uma mulher que reside em lugar ermo, ausente o esposo e qualquer pessoa que a possa 15 defender, mas, enérgica como era dona Maria, zelosa da sua integridade moral e dos seus créditos, apelou para Deus e, SP, SPF, SP1: energica fervorosamente pediu-Lhe, por intermédio de Jesus e de sua Mãe SP, SPF, SP1: d. Maria Santíssima, a proteção que lhe falhava no mundo visível. SP, SPF, SP1: creditos; appellou SP, SPF, SP1: intermedio SP, SPF, SP1: Santissima; protecção 20 SP, SPF, SP1: visivel Veio-lhe à idéia que Abílio, o pretendente malogrado à 25 SPF, SP1: Veio lhe; á idéa; Abilio sua mão, refalsado como era, bem capaz seria de uma ação SP, SPF, SP1: mallogrado; á sua indigna e violenta, conferindo as suas anteriores idéias a respeito SP, SPF, SP1: acção com o que lhe referiria o velho e perspicaz mestre-escola, homem SP, SPF, SP1: idéas honesto e sensato que nunca avançava um conceito sem bases seguras sobre o seu julgamento. O que queria Abílio àquela hora em sua casa? Todos 30 SP, SP1, SPF : Abilio; aquella estes pensamentos passaram rápidos pelo seu espírito; mas, firme SP, SPF, SP1: rapidos e confiada no auxílio da Providência, acolheu o visitante como SP, SPF, SP1: espirito; auxilio devia. Uma vez na sala, o mancebo expôs o que ali o levava SP, SPF, SP1: Providencia como motivo ou pretexto. SP, SPF, SP1: expoz; alli 35 –Minha senhora, vim comunicar-lhe que o Roberto, retirando-se daqui, não querendo absolutamente voltar apesar das minhas insistências vendeu-me tudo quanto aqui possui e seguiu SPF, SP1: senhora (,); communicar-lhe SP1, SPF: d’aqui SP1, SPF: apezar; insistencias SPF, SP1: possue viagem. –Estou ciente, e o senhor poderá mandar buscar o que 40 SP, SPF, SP1: sciente lhe pertenceu. Quanto ao Roberto, ainda que voltasse, eu não mais o aceitaria em minhas terras, porque procedeu SP, SPF, SP1: acceitaria 266 mais o aceitaria em minhas terras, porque procedeu pessimamente. –Oh! muito sinto, dona Maria. Sabe que sempre lhe dediquei o maior afeto e muito me interesso pela sua felicidade e 45 SPF, SP1: d. Maria; sinto (,) SPF, SP1: affecto por João, ainda mais por ser seu esposo. Maria fez-se desentendida à segunda intenção contida SPF, SP1: á segunda SPF, SP1: Abilio; Intelligente nas palavras de Abílio. Inteligente como era, e ainda mais prevenida contra o seu antigo pretendente viu nele um começo de 50 talvez mais graves e frisantes alusões a uma paixão reprovada SPF, SP1: n’elle; frizantes que – quem sabe? – queria trazer à tona da conversação SPF, SP1: allusões aproveitando-se de se acharem a sós. SPF, SP1: á tona –Obrigado por João – respondeu Maria 55 intencionalmente. –Mas... supus que o Roberto tivesse saído SPF, SP1: suppuz; sahido SP, SPF, SP1: d’aqui daqui em paz... SP, SPF, SP1: sahiu; offendeu –Em paz saiu: pessoa alguma ofendeu. –Soube depois que andou mal, o que muito 60 senti. Quando o apresentei parecia-me um sujeito SPF, SP1: serio sério e honesto. Nada me disse nem queixou. –O senhor devia logo ver que, quando ele não quis voltar em procura do que era seu, alguma SPF, SP1: elle SPF, SP1:quiz; cousa coisa devia ter havido. 65 –Não me passou isso pela idéia, tão placidamente se me apresentou ele. Não quis SPF, SP1: idéa SPF, SP1: elle; quiz voltar, disse-me, porque precisava de algum dinheiro para viajar, pediu-me que lhe comprasse ti h i S i f ?S i SPF, SP1: Sahiu-me 267 70 o que tinha aqui. Saiu-me caro, mas que fazer? Sei que a senhora anda em dificuldades, por isso peço- SPF, SP1: difficuldades; pesso-lhe; acceitar SP1, SPF: elle lhe aceitar para si o que ele deixou. –Absolutamente não posso aceitar, nem estou em dificuldades. João não se tem esquecido SPF, SP1: acceitar SPF, SP1: difficuldades de mim. –Oh! Não me faça isso, dona Maria. Se 75 comprei tais objetos, foi mesmo para servi-la SPF, SP1: d. Maria; Si SPF, SP1: taes; objectos; servil-a SPF, SP1: vinhessem; incommodal-a temendo que estranhos viessem incomodá-la. Quanto a João, sei que tem passado sem recursos SPF, SP1: S. Paulo SPF, SP1: bahiano; alli SPF, SP1:meio (,); à familia (Emendou- em São Paulo. O pobre trabalhador baiano ali, se.) SPF, SP1: contrahir; emprestimos 80 quando não conhece o meio, vê-se em apuros. Para SPF, SP1: la acudir a familia que cá ficou, vê-se obrigado a contrair empréstimos, quando é o homem probo como João.Tenho lá amigos a quem o recomendei, e constantemente procuro saber do seu estado e recursos. 85 –Não é o que João me informa. –É que ele não quer intranqüilizá-la, dona Maria. Posso asseverar-lhe que é exato o que eu SPF, SP1: elle; intranquillizal-a; d. Maria SPF, SP1: asserverar-lhe; exacto; affirmo SPF, SP1: ca SPF, SP1: vae afirmo. João não poderá voltar cá tão cedo como 90 pensa porque, apenas vai solvendo um compromisso, tem necessidade de contrair outro. Se ao menos o senhor Oliveira pudesse servi-lo; SPF, SP1: contrahir; Si; sr.; servil-o SP1, SPF: podesse 268 mas não pode absolutamente, como sei. –Entregou-me a Deus e, confiada nEle, SPF, SP1: nElle aguardou o futuro. 95 –Há muito tempo desejava eu expor-lhe tudo isso e pôr-me inteiramente à sua disposição. A SPF, SP1: Ha SPF, SP1: á sua SP1, SPF: apezar senhora não me procurou apesar de que a João SPF, SP1: prometti; soccorrel-a prometi socorrê-la quando lhe faltassem recursos. –Não me está bem procurar o amparo de 100 estranhos na ausência de meu marido, senhor. –Entretanto socorre-se do velho Serafim. SPF, SP1: extranhos; ausencia SPF, SP1: soccorre-se; Seraphim –Do professor! de um velho respeitado e honesto que desde criança conheço como digno da SPF, SP1: creança maior veneração e confiança. 105 –Também me conhece desde criança e sabe SPF, SP1: Tambem; creança das minhas disposições a seu respeito – observou SPF, SP1: Abilio Abílio com certo azedume. 110 –Ignoro quais fossem essas disposições. SPF, SP1: quaes –É uma memória muito fraca, dona Maria! SPF, SP1: memoria; d. Maria –disse Abílio com um sorriso canalha. – Por ter SPF, SP1: Abilio SPF, SP1: repellido; regeitado; desdem; sido repelido, rejeitado com desdém, não supunha que eu tenha a memória fraca que os meus suppunha SP1, SPF: memoria SPF, SP1: actuar; tendencias; affectivas pensamentos deixassem de atuar nas minhas tendências afetivas. –Respeite-me, senhor. Não posso admitir 115 que a cobardia se aproveite de estarmos sós SPF, SP1: admittir 269 que a cobardia se aproveite de estarmos sós. –Em que a desrespeitei, senhora? Há atrito somente SPF, SP1: Ha; attrito porque a minha cobardia enfrenta um orgulho desmedido. –Orgulho bem entendido. 120 –É porque não sabe o que assoalham por aí em fora. SPF, SP1: ahi –Só podem assoalhar contra mim e contra a honestidade de uma esposa recatada miseráveis como o senhor. 125 –Pode insultar-me como quiser, pode odiar-me, nada SPF, SP1: miseraveis SPF, SP1: quizer disso me fará esquecê-la e querer-lhe mal. Creia, dona Maria, SPF, SP1: d’isso; esquecel-a tanto mais veemente se torna a paixão que tenho por aquela a SPF, SP1: d. Maria; vehemente quem adoro. O seu orgulho, embora honesto como diz, a sua SPF, SP1: aquella irredutibilidade, o desprezo que me vota, são acendalhas que atira 130 à fogueira que arde em meu peito. Estamos sós. Pois bem, SPF, SP1: irreductibilidade atenda-me e terá a fortuna, será riquíssima, gozará de uma SPF, SP1: accendalhas; á fogueira opulência que contrastará com a miséria a que chegou. SPF, SP1: attenda-me SPF, SP1: riquissima; gosará; opulencia SPF, SP1: miseria 135 –Infame! Miserável! E é esse o amigo dedicado do meu SPF, SP1: Miseravel querido esposo! É esse o homem de bem que vive há tantos anos armando emboscadas contra a honra do seu amigo da infância! SPF, SP1: ha; annos SPF, SP1: infancia –Sabe que a paixão nos arrasta à loucura. A senhora há 140 de ser minha, por um dia que seja. Dona Maria ergue-se em toda a sua estatura física e 145 SPF, SP1: á loucura SPF, SP1: ha SPF, SP1: d. Maria moral. Era capaz de tudo pôr em prática na defesa de sua honra SPF, SP1: physica; pratica imaculada. Os seus olhos brilharam de indignação, o seu belo SPF, SP1: immaculada rosto transformava-se no semblante do anjo vingador, e parecia SPF, SP1: bello que em seu punho flamejava a espada da justiça. Com império, como uma rainha que manda, fremindo e resoluta, indicou a SPF, SP1: flammejava porta a Abílio. SPF, SP1: imperio SPF, SP1: Abilio 270 –Saia, senhor. Não continue um instante mais no lar 150 honesto que procura compuscar. SPF, SP1: compurcar –Não saio. – E, atrevidamente avançou para a pobre esposa; mas quando ia tocá-la com a sua mão impura, sentiu nos SPF, SP1: tocal-a lombos uma tremenda e dolorosa cacetada que a voz de Pulquéria acompanhava destas palavras: SPF, SP1: Pulcheria; d’ estas 155 –Toma, sem vergonha! Voltou-se rápido rugindo de ódio. SPF, SP1: rapido; odio –Miserável! – E viu, por traz da negra velha os dois SPF, SP1: Miseravel meeiros armados de cacetes; silenciosos e prontos a executarem o 160 que lhe determinassem. –Retirem este homem daqui! – ordenou-lhes dona SPF, SP1: d’aqui: (!) SPF, SP1: d. Maria Maria. Os dois camaradas, cada qual por seu lado, seguraram 165 SPF, SP1: dous; promptos SPF, SP1: dous Abílio pelos braços e foram-no levando para o terreiro ao mesmo SPF, SP1: Abilio; foram-n-o tempo em que Pulquéria o empurrava pelas costas. Abílio não (Emendou-se conforme regência.); resistiu. Montou na sua besta e sumiu-se nas sombras da noite. SPF, SP1: Abilio SP1, SPF ao mesmo tempo que Pulcheria Quando não mais ouviram o tropel da mula, entraram na sala Pulquéria e os dois meeiros. Dona Maria, prostrada em sua cadeira, achava-se lavada em pranto. SPF, SP1: Pulcheria; dous; D. Maria 170 A explicação desse desenlace é a seguinte: Pulquéria, ouvindo conversação na sala, sempre atenta e desvelada por sua SPF, SP1: d’esse SPF, SP1: Pulcheria; attenta filha de leite, veio espreitar e ouvir. Conhecendo Abílio, com 175 quem se antipatizava e cujas façanhas já conhecia, teve SPF, SP1: Abilio; antipathizava desconfianças e, mais que depressa, foi chamar os dois meeiros, SPF, SP1: ja que já estavam prevenidos por Serafim para acudir a senhora em SPF, SP1: dous; ja qualquer conjuntura desagradável. Os dois homens armaram-se SPF, SP1: Seraphim de cacetes como Pulquéria e vieram emboscar-se no escuro da SPF, SP1: conjunctura; desagradavel; dous 271 noite no interior da casa com a negra, que se arvorou em 180 SPF, SP1: Pulcheria comandante da escolta e tudo determinou como o mestre-escola instruiu-a, guardando absoluto mutismo. No momento preciso SPF, SP1: commandante entraram os três e deu-se o que viu o leitor. SPF, SP1: tres VII Retirando-se, Abílio levava em sua alma de SP: Retirando-se da casa de d. Maria, Abilio; SPF, SP1: Abilio moço orgulhoso e fidalgo, um despeito que chegava 5 às proporções do furor que, em sua insânia, vota SPF, SP1: ás proporções; um ódio irrefreável a tudo quanto esteja presente à SPF, SP1: irrefreavel; á vista; ás insania; odio reminiscencias vista e às reminiscências. Sentia-se vulnerado em 199 seus brios de homem da melhor sociedade, SPF, SP1: intangivel honrado e intangível em seus foros de endinheirado SPF, SP1: edinheirado e, por isso, insuspeito. Entretanto, fôra enxotado199 enxotado de um casebre a que SP1, SPF: Etretando (,); SP: deu a honra da sua visita O manuscrito apresenta estrutura narrativa diferente dos impressos: “Entretanto fora enxotado de um casebre a que deu a honra da sua visita, por gente pobre, miseravel, sem compostura nem educação, desconhecida e que nenhuma consideração merece, como si elle fosse um cão desprezivel da egualha de tal gente ordinaria! E porque? Pela simples razão de, como homem da sociedade, usar gentilezas com uma mulher orgulhosa, esposa de um tabaréo grosseiro e chapado a que preferiu por capricho e talvez... ou mais certo, por ser mais robusto... N’este ponto das suas cogitações o vil despeitado teve um sorriso satirico, que mais parecia a carranca de um demonio, lembrando-se do autor d’ “A Carne” seu antigo mestre no collegio paulista e cujas torpes e immundas palestras ouviu muitas vezes. As absurdas e immoraes theorias de Julio Ribeiro encontraram no seu espirito terreno fecundo para o seu cultivo e desenvolvimento. Para o infame discipulo a virtude feminil não passa de uma convenção; o casamento é egual ao concubinato; a mulher uma propriedade reconhecida pelas leis humanas, uma posse garantida pelo direito que o egoismo dos masculos dominadores do mundo [↑forjou]; um instrumento de goso ou de luxo que, para se conter dentro dos limites da tão preconizada quão contida virtude, é preciso que o seu proprietario ou posseiro afogue, satisfaça em seus desenfreados appetites, em seus caprichos e vaidades de desmioladas. O marido d’aquella mulher orgulhosa satisfazi-a em tudo isso? Estava certo que não. Si, porventura, ella mostrava-se irredutivel e supunha-se uma Lucrecia fanatica e idiota que preferisse a morte ao que suppunha deshonra, era porque Seraphim, o atrazado e pretencioso mestre-escola da roça, com a sua austeridade piegas de cérbero guardados d’aquell[es] thesouro de virtudes, impunha-lhe aquelle modo de proceder até que o seu legitimo dono – segundo o seu modo de pensar idiota – voltasse rico e capaz de satisfazer à virtuosa em seus desejos e caprichos. D’ahi... quem sabe? – continuava a pensar, de novo com o seu sorriso de 272 10 da casa de uma mulher que o devia ter em melhor conta, a quem levava a afirmação de grande afeto SPF, SP1: affirmação; affecto que lhe votava e a quem em nada ofendera; pois SPF, SP1: offendera revelar-lhe a admiração que os seus dotes físicos SPF, SP1: physicos; offerecer- despertavam-lhe, oferecer-lhe os seus ofícios na 15 lhe SPF, SP1: officios situação apertada em que estava, antes devia ser motivo para o seu contentamento e gratidão. Virtude! Suponha-se ela, em seu orgulho SPF, SP1: Suppunha-se; ella desmarcado, um ente privilegiado? A tal virtude tão preconizada não passa de uma convenção. Bem o 20 25 dizia seu mestre, o grande filósofo paulista Júlio SPF, SP1: philosopho Ribeiro, com quem esteve em contato por três anos, e SPF, SP1: contacto; tres; annos cujas sábias lições ficaram gravadas na sua retentiva SP1, SPF: sabias como uma verdade incontestável. A mulher não passa SPF, SP1: incontestavel de um animal de estimação que se afeiçoa a quem SPF, SP1: affeicôa melhor lhe satisfaz os apetites. Falhe esse alimento, SPF, SP1: appetites; Fa-lhe como também o afago às suas vaidades pueris, o afeto SPF, SP1: tambem; ás suas; estiola-se, resseca como a planta descurada e não SPF, SP1: resécca umedecida, SPF, SP1: humedecida para renascer vivaz quando outro affecto demonio despeitado – Há segredos insondaveis n’esses ninhos de virtudes que se conservam irredutiveis na apparencia. O que se passa n’aquele tabernaculo onde dizem que a// tão falada virtude teve assento? O velho guarda dos thesouros alheios tem filhos, marmanjos robustos... Aqui demorava em suas cogitações odiosas e satanicas fazendo um esgar de contentamento. E Abilio, no seu odio de energumeno, avançava as mais torpes e indignas <apreciações> [↑aproprições acerca] do caracter de d. Maria, carregando de uma ironia acerba as palavras que acima sublinhamos. Si aquella hypocrita– continuava elle comsigo– não estivesse prevenido por aquelle aza, cederia; mas o velho infame, mais uma vez quando fazer praça de honesto e tornar conhecida a sua intrasigencia hypocrita de terrivel e invencivel guardador da honra alheia, soube preparar o espirito da outra contra um possivel assalto d’aquelle a quem votava antipathia e má vontade.” 273 desvelado cultor vem em seu auxílio. E se muitos por ela se desvelam com igual carinho, sabe a hipócrita a 30 SPF, SP1: auxilio; si SPF, SP1: ella; egual; hypocrita todos compensar o cuidado que lhe prestam. O sentimento da mulher em nada difere do SPF, SP1: differe ondular das águas ao sabor dos ventos. Saiba-se soprá- SPF, SP1: águas; sopral-a la, e as suas faculdades sentimentais avivar-se-ão SPF, SP1: sentimentaes conforme a impulsão que se lhes der, para amortecer35 SPF, SP1: extrinseca; influencia se quando lhe faltar a extrínseca influência. Por que aquela mulher, às suas primeiras SPF, SP1: Porque; aquella; ás suas palavras, revoltou-se como zelosa da sua honra, acastelada nos cediços200 direitos estabelecidos pela SPF, SP1: acastellada; sediços convenção social, e que estava no papel de uma 40 Lucrécia?201 É porque Serafim, o austero e atrasado SPF, SP1: Lucrecia; mestre-escola da roça, constituído pelo proprietário Seraphim(,); atrazado daquele tesouro de virtudes o seu guarda fiel, uma proprietário espécie de cérbero ou dragão que o vigiava como se THESOURO DE VIRTUDES SPF, SPF, SP1: constituido; SP1: d’aquelle; SPF, SP1: especie conta nas lendas antigas, soprava e, como uma 45 vestal,202 mantinha acesa aquela virtude. E Abílio carregava de uma ironia acerba e impregnada de um terrível rancor sublinhamos. 200 Se os pensamentos aquela mulher que não acima estivesse SPF, SP1: vestal; acceza aquella; VIRTUDE; Abilio SPF, SP1: terrivel SPF, SP1: Si; aquella Cediço: sabido de todos, muito velho. Lucrécia: dama romana que se matou em 509 a.C., depois de ter sido ultrajada por um filho de Tarqüínio, o soberano. 202 Vestal: Sarsedotisa de Vesta, deusa do fogo dos romanos. Mulher muito honesta. 201 274 prevenida por aquele asa-negra,203 pensava Abílio, 50 cederia: mas o velho infame, mais uma vez desejando proporcionar a sua honestidade, a sua intransigência de terrível guardador da honra alheia, preparava o espírito da ingênua contra o possível assalto daquele a quem – estava agora convencido – votava antipatia e SPF, SP1: aquelle; aza negra; Abilio SPF, SP1: intransigencia SPF, SP1: terrivel SPF, SP1: espirito; INGENUA; possivel; d’aquelle SPF, SP1: antipathia má vontade. 55 60 Absorvido por estes e outros pensamentos, qual mais infame e calunioso, o miserável debuxava SP, SPF, SP1: miseravel em linhas gerais um plano terrível de vingança. O SP, SPF, SP1: geraes; terrivel ódio refervia em seu coração como líquido que, SP, SPF, SP1: odio; liquido hermeticamente SP, SPF, SP1: porfim fechado em caldeira, por fim explodiria contra a primeira pessoa que se lhe apresentasse em frente, ainda mesmo que, inocente, SP, SPF, SP1: innocente não lhe desse motivo para a deflagração; que o SP, SPF, SP1: désse; deflagação motivo, esse, já existia intenso naquela alma danada, SP, SPF, SP1: n’aquella; damnada por cada momento que passava mais violento: a 65 vingança do desorientado que se conhece por ora impotente, e procura um meio de desabafar-se. Serafim, dona Maria e, até, os dois meeiros e 203 SP, SPF, SP1: Seraphin; d. Pulquéria eram o seu alvo e, desde o fracasso, Maria; dous poderiam contar com a espada de Dâmocles204 SP, SPF, SP1: Pulcheria Asa-negra: pessoa que prejudica ou embaraça outra constantemente. Dâmocles: cortesão de Dionísio (século IV a. C.) que invejava a felicidade dos tiranos. Para fazê-lo compreender quão frágil é a felicidade dos tiranos, durante um banquete, Dionísio ordenou que ficasse suspensa sobre a cabeça de Dâmocles uma pesada espada mantida por um fio de crina de cavalo. 204 275 70 suspensa sobre a sua cabeça, ameaçadora e terrível, se SP, SPF, SP1: Dámocles pudessem penetrar os escuros meandros daquela alma SP, SPF, SP1: terrivel; si negra que, como o crótalo205 hórrido, já armava o seu SP, bote traiçoeiro e mortífero. SP, SPF, SP1: horrido SPF, SP1: podessem; d’aquella SP, SPF, SP1: mortifero Abílio chegou em casa, eram nove horas da 75 SP, SPF, SP1: Abilio noite, nesse estado de exaltação. Dona Úrsula SP, SPF, SP1: n’esse; D. Ursula esperava-o ansiosa, não tendo sabido aonde ele fora. SP, SPF, SP1: anciosa; elle Enfim era mãe e, embora o leitor já a conheça como SP, SPF, SP1: Emfim uma má mulher, capaz de praticar as maiores 80 indignidades, idolatrava o filho que, único, absorvia SP, SPF, SP1: unico todo o seu afeto, todos os seus desvelos e cuidados SP, SPF, SP1: afecto sem que restasse algum bom sentimento que ela SP, SPF, SP1: ella dispensasse sinceramente a outra pessoa qualquer. A 85 fera também ama a seus cachorrinhos, ameiga-os e SP, SPF, SP1: tambem afronta a morte e os maiores perigos em sua defesa. SP, SPF, SP1: affronta – Ah! meu filho! – foi a velha dizendo SP, SPF, SP1: filho(,) risonha e carinhosa. – Por onde andou? Eu estava SP, SPF, SP1: afflicta tão aflita! –Que tem a senhora de saber? – respondeu Abílio grosseiramente e de semblante carrancudo, – SP, Está de contíinuo a considerar-me criança de mama! SP, SPF, SP1: mamma –Não é isso, meu filho. Não jantou... saiu sem 205 SPF, SP1: Abilio; carrancudo (,) SP, SPF, SP1: sahiu Crótalo: gênero de cobras muito venenosas que têm na cauda um guizo que chocalha quando elas rastejam ou batem com a cauda. No Brasil, a cobra mais comum dessa família é a cascavel. 276 90 dizer aonde ia... –Fui aonde bem quis! Não quis e não quero SP, SPF, SP1: quiz; quiz jantar. –Mas não é preciso zangar-se por tão pouca 95 coisa – E, procurando amigá-lo risonha, acrescentou: SP, SPF, SP1: cousa; amigal-o – Por que vem com quatro pedras na mão contra mim? SP, SPF, SP1: Porque Em que te ofendi? –Em muito com seus aborrecimentos e importunações. As quatro pedras são poucas; eu devia responder-lhe com oito. Que importa à senhora saber SP, SPF, SP1: á senhora de minha vida?! 100 –Sou mãe, e tenho interesse por ti. –Qual interesse, qual nada! A senhora não é mais do que uma curiosa importuna. –Oh... – ainda disse a velha procurando sorrir. SP, SPF, SP1: O... ; sorrir(.) – Está hoje nos azeites? 105 –Que azeites!? –Decerto andou por aí a sofrer alguma SP, SPF, SP1: ahi; soffrer contrariedade, não é? –Quem lhe disse isso? – perguntou Abílio SP, SPF, SP1: Abilio alvoroçado. 110 –Estou vendo. –Está botando verdes. –Nunca ti vi assim! Agora, briga lá com os SP, SPF, SP1: la 277 outros, e eu que pague as favas que o burro comeu. –Eu sou burro!? – exclamou Abílio exaltando115 SP, SPF, SP1: Abilio SP, SPF, SP: exaltando-se (.) se. – Que favas comi? –Espera, meu filho. Isso é um ditado velho, SP, SPF, SP: velho (,) todo o mundo conhece. –Não estou agora para ouvir chufas206. Vá-se 120 SP, SPF, SP1: Va-s’embora embora, senhora; deixe-me! –Eu não digo? – dizia a velha a sorrir – Está com raiva de mim, meu filho? Fica com raiva antes de alguma das tuas queridas. Eu não tenho culpa de te abandonarem. 125 Abílio empalideceu. Sua mãe lhe deu no vinte; SP, SPF, SP1: Abilio; empallideceu até que adivinhava. Contudo fez semblante de quem SP, SPF, SP1: Comtudo não ligou importância, e tomou a resolução de SP, SPF, SP1: importancia recolher-se no gabinete. –Espera, 130 135 Abílio – pediu dona Úrsula procurando atalhá-lo. – Vem ao menos tomar uma SP, SPF, SP1: atalhal-o (.) xícara de chá ou café. SP, SPF, SP1: chicara –Não quero! – e Abílio repeliu a velha. SP, SPF, SP1: Abilio; repelliu –Isso tem jeito, meu filho? SP, SPF, SP1: geito –O que não tem jeito é a sua teimosia. SP, SPF, SP1: geito –Não é teimosia, Abílio. Pois é possível ficar SP, SPF, SP1: Abilio; possivel assim sem tomar alguma coisa. Deixa para lá a tua ingrata e trata de beber ou comer alguma coisa. 206 SP, SPF, SP1: Abilio; d. Ursula Chufas: dito trocista, caçoada. SP, SPF, SP1: cousa; p’ra la 278 ingrata e trata de beber ou comer alguma coisa. Abílio assustou-se de novo e assentou-se. Sua mãe, curiosa como era, já tinha desconfianças! 140 SP, SPF, SP1: cousa SP, SPF, SP1: Abilio SP, SPF, SP1: ja –Então quer, meu filho? – indagava a velha suplicando. – Anda, diz. Vou fazer o chá. SP, SPF, SP1: suplicando (.) –Quero, para me ver livre da senhora. –Oh! meu filho! – exclamou magoada a velha. SP, SPF, SP1: maguada; velha (.) – Não faça assim com sua mãe. 145 –Vá fazer o chá. Dona Úrsula, apesar do seu corpanzil, saiu SP, SPF, SP1: D. Ursula; apezar; sahiu apressada. Lembrou-se em caminho que tinha frito uns 150 155 bolinhos e, enquanto preparava o chá ela mesma, – SP, SPF, SP1: emquanto; ella; concessão que só ao filho faria –, aqueceu de novo a SP, SPF, SP1: faria, - (-,) mesma, (Emendou-se.) fritada de que se lembrou, solícita por agradar ao filho e vencer o seu mau humor e, tudo preparado, foi ela SP, SPF, SP1: ella própria levar à sala. Em outras circunstâncias menos SP, SPF, SP1: propria; á sala; aflitivas, dona Úrsula chamava os criados bradando SP, SPF, SP1: afflictivas; d. com império, porque não estava bem se ocupar com SP, SPF, SP1: imperio; occupar- serviços próprios deles; mas agora que eles dormiam, SP, SPF, SP1: proprios; delles; estimava até dar a Abílio uma prova de quanto se dormiam; (,); Abilio interessava por ele. Este, entanto só e a meditar, SP, SPF, SP1: elle; emtanto circunstancias Ursula se; agora, (Emendou-se.); elles lembrou-se do seu recente fracasso e do desacato que 160 sofreu porque, ao sentar-se no sofá, uma leve pontada SP, SPF, SP1: soffreu nas costas, no sítio da cacetada de Pulquéria, SP, SPF, SP1: sitio; Pulcheria(,) 279 reacendeu o seu rancor vago e doentio pronto a SP, extravasar-se em cólera violenta. SP, SPF, SP1: colera Estava nesse estado quando dona Úrsula, toda SPF, SP1: reaccendeu; prompto SP, SPF, SP1: n’esse; d. Ursula contente, risonha e serviçal, trouxe-lhe o chá e todo o 165 170 serviço necessário em uma antiga salva de prata. Bem SP, SPF, SP1: necessario que ouvisse as passadas de sua mãe e o ruído da louça SP, SPF, SP1: ruido quando colocada em uma banca, Abílio não se mexeu, SP, SPF, SP1: collocada; Abilio continuando cabisbaixo e o rosto apoiado sobre as SP, SPF, SP1: cabixbaixo mãos. Lançando um olhar de esguelha sobre ele, a SP, SPF, SP1: elle pobre velha, tímida e receosa, preparou o serviço SP, SPF, SP1: timida; receiosa procurando evitar ruídos incômodos ao filho para que SP, se não destemperasse de novo; depois aproximou-se SP, SPF, SP1: approximou-se com a chávena207 e um prato com os bolos. SP, SPF, SP1: chavena –Aqui está o chá, meu filho. – Abílio 175 conservou-se mudo e quieto. Dona Úrsula animou-se SPF, SP1: ruidos; incommodos SP, SPF, SP1: Abilio SP, SPF, SP1: D Ursula; tocal-o a tocá-lo de leve com um dos cotovelos e chamou-o de novo com voz meiga. –Irra! – bradou o filho sacudindo os ombros. – SP, SPF, SP1: ombros (.) Está hoje apostada em me infernar! 180 –O que é isso, meu filho! –Não me deixa sossegado um momento! SP, SPF, SP1: socegado –Tem paciência. Anda; toma o chá. SP, SPF, SP1: paciencia E dona Úrsula, cada vez mais procurando SP, SPF, SP1: d. Ursula ameigar a voz, e como que suplicando, apresentava ao 207 Chávena: xícara ou taça para chá, café e outras bebidas quentes. SP, SPF, SP1: supplicando 280 ameigar a voz, e como que suplicando, apresentava ao 185 filho a chávena e o prato de bolos cada qual em uma das mãos. Abílio levantou o rosto enfarruscado, recebeu com mau modo o chá e repeliu o prato com SP, SPF, SP1: chavena SP, SPF, SP1: Abilio SP, SPF, SP1: mau; repelliu SP, SPF, SP1: violencia; cahiu tal violência, que este caiu no soalho espatifando-se em mil cacos, e os bolinhos espalharam-se por todos 190 os lados no pavimento. Está! – exclamou desgostosa a velha acocorando-se para catar os cacos e os bolos. Depois, em voz mais baixa, como repreensiva disse: – Em que SP, SPF, SP1: reprehensiva deu a má-criação dele! SP, SPF, SP1: macriação; d’elle 195 Abílio ouviu e retrucou asperamente. SP, SPF, SP1: Abilio Procurava um pretexto para se azoar e achou-o no chá dizendo-o mal preparado e atirando a xícara SP, SPF, SP1: chicara estouvadamente na banca, de modo que, derramandose o líquido, alastrou-se e escorreu nas costas da 200 SP, SPF, SP1: liquido velha. –Isso é chá? – disse ele com furor. – A SP, SPF, SP1: elle; furror (.) senhora nem isso sabe fazer? –Pois o que é, meu filho? 205 –É uma garapa desenxabida. Para os diabos! SP, SPF, SP1: P’ros –Já se viu coisa assim? – exclamou dona SP, SPF, SP1: Ja; cousa; d. Úrsula tristemente. – Ah! filho! Ursula tristemente (.) 281 Abílio ergueu-se do sofá e, sem lançar os SP, SPF, SP1: Abilio olhos sobre a velha, sem despedir-se dela como SP, SPF, SP1: d’ella costumava ao recolher-se, dirigiu-se para o seu 210 gabinete contíguo à alcova. Dona Úrsula SP, SPF, SP1: contíguo; á alcova; D. Ursula acompanhou-o levando as mãos reluzentes de gordura e alguns cacos da louça e bolo que apanhou. Mais uma 215 vez queria chamá-lo à razão detendo-o para ouvir o SP, SPF, SP1: chamal-o; á razão que ele queria em lugar do chá, pronta a servi-lo de SP, SPF, SP1: elle; logar novo, tal o seu empenho de abrandá-lo. Abílio, SP, SPF, SP1: prompta; servil- 208 entretanto, mais lesto 220 , chegou primeiro que sua mãe o; abrandal-o; Abilio SP, SPF, SP1: lésto diante da porta do seu tabernáculo, destrancou-o e, SP, SPF, SP1: deante; quando sua mãe aproximou-se com as mãos ocupadas SP, SPF, SP1: approximou-se; procurando detê-lo, o mau filho deu-lhe um safanão e SP, SPF, SP1: detel-o; máu desapareceu trancando a entrada à velha sem respeito SP, SPF, SP1: desappareceu; á à idade e gratidão ao desvelo daquela que lhe deu o SP, tabernaculo; destrancou-o (,) occupadas velha SPF, SP1: á edade; d’aquella ser. Dona Úrsula caiu sentada no soalho, e os SP, SPF, SP1: D. Ursula cahiu cacos e bolos espalharam-se-lhe ao redor. Com o 225 coração angustiado, sentindo-se ferida em sua ternura de mãe e, ainda mais, sentido doer-lhe o velho corpo em conseqüência da queda violenta e SP, SPF, SP1: consequencia perigosa sobre o assento, dona Úrsula pôs-se a SP, SPF, SP1: d. Ursula poz-se chorar silenciosamente. Era mãe de um único filho que era o seu ídolo, por quem tudo daria para que 208 Lesto: rápido. SP, SPF, SP1: unico; idolo (,) 282 230 que era o seu ídolo, por quem tudo daria para que sempre o visse satisfeito, contente e alegre. Como bem raras vezes, o seu coração achava-se 235 sensibilizado ao extremo; mas quando lhe sucedia SP, SPF, SP1: succedia um desgosto tamanho causado por estranhos, tinha SP, o filho para consolá-la, para varrer tristezas do seu SP, SPF, SP1: si; proprio coração, e se causado pelo próprio filho, este logo SP, SPF, SP1: tratal-a SPF, SP1: extranhos; consolal-a voltava arrependido a tratá-la com mais amor e carinho. Dona Úrsula era má como sabemos; mas no 240 charco penitencial dos seus maus sentimentos, como SP: Petilencial; SP, SPF, SP1: soe acontecer nos pantanais, nascera única uma planta SP, SPF, SP1: pantanaes; unica que, viçosa e atraente, florescia esplêndida e bem SP, alimentada. Era a planta do afeto por uma única pessoa neste mundo sem que sobejasse amor sincero 245 dedicado a outrem. Agora se compreendia desprezada, mesmo odiada pelo objeto único dos seus extremos; por aquele filho que nunca a tratara com tal violência, desprezo e mesmo ódio. Dona 250 SP, SPF, SP1: D. Ursula Úrsula, máus SPF, SP1: attrahente; florecia SP, SPF, SP1: affecto; unica; SP, SPF, SP1: n’este SP, SPF, SP1: comprehendia-se (Emendou-se ênclise para próclise.); objecto; unico SP, SPF, SP1: aquelle; violencia SP, SPF, SP1: odio apesar das reiteradas SP, SPF, SP1: D. Ursula; apezar reclamações de seu marido, nunca deixou de satisfazer os desejos, por mais desarrazoados que fossem, daquele filho que era o seu encanto. Desde a infância SP, SPF, infancia SP1: d’aquelle; 283 de Abílio, sua mãe perdia-o com as suas bajoujices209 e seu pai, que era um homem criterioso, logo que 255 Serafim deu-o por pronto em curso primário, levou-o SP, SPF, SP1: Abilio; bajujices SP, SPF, SP1: pae SP, SPF, SP1: Seraphim; para São Paulo, não só para seguir o curso de prompto humanidades e entrar para a faculdade, como para SP, SPF, SP1: primario; S. Paulo afastá-lo do lar, onde o bajoujo210 e adulação punhamno a perder. Dona Úrsula, logo que viúva, não mais 260 consentiu o filho ausente e cortou-lhe a carreira. SP, SPF, SP1: afastal-o; bajojo; punham-n-o; SP, SPF, SP1: D. Ursula; viuva Abílio voltou com sua índole aperfeiçoada naquele meio culto; as suas tendências achavam-se mais desenvolvidas, e os recursos de dissimulação SP, SPF, SP1: Abilio; indole; n’aquelle SP, SPF, SP1: tendencias aumentados. Em casa era um tirano, e, como dona 265 Úrsula continuasse a mesma, tornou-se ridícula para o SP, SPF, SP1: augmentados; tyranno; d. Ursula filho, que entrou a dominá-la. SP, SPF, SP1: ridicula SP, SPF, SP1: dominal-a Dona Úrsula conservou-se assentada alguns 270 SP, SPF, SP1: D. Ursula momentos; depois, desenganada de ser socorrida, SP, SPF, SP1: soccorrida levantou-se SP, SPF, SP1: difficuldade com dificuldade. Sentia-se num abandono aterrador, e desiludida do filho. Este SP, SPF, SP1: disilludida; Este, havia desaparecido e não dava sinal de si, o que SP, SPF, SP1: desapparecido; para a velha era mais que a morte. Sentindo-se SP, SPF, SP1: n’uma (Emendou-se.) signal numa soledade que jamais experimentara, com o coração torturado por uma dor moral intensíssima 209 210 Bajoujice: bajulação, adulação. Bajoujo: que ou quem lisonjeia ridiculamente. SP, SPF, SP1: intensissima; d. Ursula 284 275 é que dona Úrsula, depois de esperar alguns momentos o socorro daquele que devia vir em seu auxílio, conseguiu com dificuldade, tendo todas as articulações doloridas e ainda com as mãos SP, SPF, SP1: soccorro; d’aquelle SP, SPF, SP1: auxilio; difficuldade SP, SPF, SP1: vacillando engorduradas, levantar-se lentamente, vacilando 280 para um e outro lado, e seguiu cambaleante para a sua alcova segurando-se às paredes e móveis. SP, SPF, SP1: ás paredes; moveis VIII Abílio, ainda de pé quando sua mãe caiu, bem SP, SPF, SP1: Abilio; cahiu percebeu o desastre pelo baque e tinido dos cacos de louças; mas levantando os ombros num gesto 5 expressivo que denunciava o seu SP, SPF, SP1: n’um descaso, encaminhou-se para a sua secretária. “Quem manda aquela velha ser teimosa!” – pensava ele – “Que vá SP, SPF, SP1: secretaria SP, SPF, SP1: aquella; elle dormir e me deixe em paz.” O mau filho entrava em outra fase do seu 10 caráter. Precisava de calma relativa para pensar na sua SP, SPF, SP1: máu; phase SP, SPF, SP1: caracter nova situação e friamente delinear os seus planos de vingança. Por um grande esforço conseguiu, como o felino que, recolhidas as garras no seu natural estojo, dormita espreitando paciente a presa que se ocultou SP, SPF, SP1: occultou 285 15 em lugar para ele inaccessível, conciliar o ódio com a SP, SPF, SP1: logar; elle; inaccessivel; odio faculdade que lhe era peculiar de artimanhoso que, das sombras, atira o golpe contra o inimigo a quem sorri. Recolheu o mau sentimento e a faculdade meditativa, SP, SPF, SP1: máu cada qual no seu compartimento, ambos funcionando SP, SPF, SP1: funccionando ao mesmo tempo. 20 Esta simultaneidade de ação, resultante de sua forte contenção do espírito, dava lugar a que o ódio, reprimido e, como que constrangido a SP, SPF, SP1: acção SP, SPF, SP1: espirito; odio agir metodicamente, subordinado à pressão de cogitar, SP, SPF, SP1: methodicamente; á pressão ganhasse em intensidade como vapor, ou os gazes, 25 preso em limitado espaço, e ameaçava explodir, sendo preciso que Abílio, de momentos em momentos, se SP, SPF, SP1: Abilio levantasse do assento e passasse pelo gabinete para, – 30 permita-se-nos avançar esta comparação – abrir as SP, SPF, SP1: permitta-se-nos válvulas de escapamento e deixar que extravasasse o SP, excesso que lhe prejudicava e baralhava as idéias. SP, SPF, SP1: idéas SPF, SP1: valvulas; extravassasse Então fazia gestos de ameaça, aqui esmurrava um móvel, ali atirava um objeto qualquer que lhe estivesse à mão, e chegava a monologar em voz surda, SP, SPF, SP1: movel; alli; objecto SP, SPF, SP1: á mão cavernosa, a rilhar os dentes e traçar no semblante 35 esgares terríveis, ameaçadores ou irônicos. Depois lhe SP, SPF, SP1: terriveis; ironicos voltava a calma relativa, assentava-se, meditava, delineava planos de vingança e anotava-os em um SP, SPF, SP1: annotava-os 286 delineava planos de vingança e anotava-os em um canhanho211 que tinha guardado a sete chaves. A rebusca que fazia no seu arsenal de 40 45 55 60 maldades, muito trabalhosa, ia pouco a pouco dando vitória à faculdade de pensar e lugar a uma espécie de SP, simbiose entre as duas faculdades, uma tal ou qual SP, SPF, SP1: symbiose tranqüilidade aparente que, podemos dizer, era o SP, SPF, SP1: tranquillidade; acordo entre os dois princípios até então heterogêneos. SP, SPF, SP1: accordo; dous; SPF : victoria; á apparente principios; heterogeneos A dor violenta dos seus lombos a qualquer movimento mais rápido que Abílio fizesse era como que uma SP, SPF, SP1: rapido; Abilio; reclamação que o ódio lhe fazia para não ser SP, SPF, SP1: odio esquecido nas suas cogitações. Lembrava-se ele então SP, SPF, SP1: elle do que sofrera na residência de dona Maria, e os seus SP, SPF, SP1: soffrera; residencia; pensamentos ativeram-se mais à idéia de vingança, SP, SPF, SP1: á idéa particularizando cada uma das vítimas e vindo em SP, SPF, SP1: victimas auxílio dos maus movimentos do coração. Avivados SP, SPF, SP1: auxilio assim os seus pensamentos, considerava Abílio SP, SPF, SP1: Abilio indispensável, para o seu inteiro proveito, realizar o SP, fizesse, (Emendou-se.) d. Maria SPF, SP1: indispensavel; realisar que desejava contra a esposa de João, não já pelo desejo passional que alimentava a princípio; mas com SP, SPF, SP1: principio a idéia vil de vingar-se maculando a sua honra de um SP, SPF, SP1: idéa modo irremediável que acendesse o furor do marido SP, ultrajado. 211 SP1, faculdade; especie Canhanho: caderneta para registro de lembranças. Variante de canhenho. SPF, accendesse SP1: irremediavel; 287 65 Essa mulher era o eixo da questão, compreendia ele, restando-lhe achar o meio de chegar ao ignóbil fim almejado. Quanto a Serafim, o cérbero212 que montava guarda àquela humaitá, na impossibilidade de eliminá-lo para desimpedir o 70 caminho, contanto que fosse bem dirigida a SP, SPF, SP1: comprehendia; elle SP, SPF, SP1: ignobil; Seraphim SP, SPF, SP1: áquella; humaytá; SP, SPF, SP1: eliminal-o; desempedir SP, SPF, SP1: comtanto campanha, quando viesse a saber da queda que levaria a mulher virtuosa que se achava sob o seu patrocínio, nenhum jeito mais poderia dar à situação. Era preciso, em primeiro lugar – sugeria-lhe o 75 80 SP, SPF, SP1: VIRTUOSA; patrocinio SP, SPF, SP1: gjeito; á situação SP, SPF, SP1: logar, (Emendouse.); suggeria-lhe ódio –, afastar os dois meeiros e entre os diversos SP, SPF, SP1: odio, - (-,); dous alvitres que eram lembrados, um somente mereceu-lhe SP, SPF, SP1: somente detida atenção: inventar um crime qualquer que fosse SP, SPF, SP1: attenção atribuído aos pobres homens e os levasse a uma prisão SP, SPF, SP1: attibuido; á uma imediata. A Pulquéria, essa, não era defesa que lhe SP, oferecesse uma séria resistência, e facilmente seria, SP, SPF, SP1: offerecesse; seria; mesmo in loco, inutilizada por qualquer maneira. SP, SPF, SP1:inutilisada; (Emendou-se retirando a crase.) SPF, SP1: immediata; Pulcheria resistencia IN LOCO Desde 1890, com a vinda para o sertão, logo, 85 após a proclamação da república, de legiões de SP, SPF, SP1: republica soldados de polícia sob o comando de capitães, a SP, SPF, SP1: policia; commando quem o governo provisório do Estado, por um decreto SP, SPF, SP1: provisorio; deccreto despótico e antiliberal, deu poderes discricionários, SP, SPF, SP1: despotico; anti- ficou estabelecido um tal poder das autoridades administrativas, que os delegados e subdelegados da 212 Cérbero: cão mostruoso que guarda a porta do inferno. liberal; discrecionarios 288 administrativas, que os delegados e subdelegados da polícia passaram a intervir em tudo quanto é da 90 SP, SPF, SP1: policia SP, SPF, SP1: competência dos funcionários e magistrados cíveis e funcionarios; cíveis judiciários. Essas funções extralegais, que muito SP, SPF, competencia; SP1: judiciarios; funcções; extra-legaes servem aos politiqueiros reles, com o andar dos tempos foram consagradas pelo consuetudinarismo, de sorte que qualquer sujeito que figure na melhor 95 sociedade e tenha maus bofes consegue por uma simples denúncia, sem provas nem formalidades legais, prender inocentes, levá-los aos tribunais depois mediante testemunhos falsos, até sentenciá-los. As autoridades policiais ainda vão além: arvoram-se em 100 árbitros nas questões cíveis, impõem avenças ruinosas contra honestos trabalhadores rurais em favor de miseráveis ociosos que são do peito dos tiranos. Isso muito tem concorrido para o êxodo do nosso proletário e, conseqüentemente, para a ruína da nossa 105 SP, SPF, SP1: bofes, (Emendou-se.) SP, SPF, SP1: denuncia SP, SPF, SP1: innocentes; legaes; leval-os; tribunaes SP, SPF, SP1: sentencial-os SP, SPF, SP1: policiaes; alem SP, SPF, SP1: arbitros; civeis SP, SPF, SP1: ruraes SP, SPF, SP1: miseraveis; tyrannos SP, SPF, SP1: exodo SP, SPF, SP1: proletario; consequentemente; ruina agricultura e empobrecimento do nosso meio. Ora, Abílio era considerado na cidade um cavalheiro distinto; freqüentava a melhor sociedade, SP, SPF, SP1: Abilio SP, SPF, SP1: distincto; frequentava que o acolhia como cidadão honesto e digno de acatamento, tão maneiroso se apresentava e tão rico 110 era para enfileirar-se entre aqueles que dispõem da tão SP, SPF, SP1: aquelles falada posição pecuniária. No regime plutocrata que SP, SPF, SP1: pecuniaria; regimen 289 mentidamente se diz liberal e democrata, o que não 115 conseguiria um moço tão distinto? Tão consciente SP, SPF, SP1: distincto estava ele disso, que tinha como certo conseguir o que SP, SPF, SP1: elle; d’isso tivesse em vista contra os dois meeiros, mas SP, SPF, SP1: dous prontamente, de súbito, antes que Serafim e sua SP, SPF, SP1: promptamente; subito; Seraphim protegida viessem a ter conhecimento da medida tomada. A mulher orgulhosa seria rebaixada ao 120 125 130 enxurro213, seria arrastada à lama dos prostíbulos; a SP, SPF, SP1: á lama; prostibulos sua tão falada virtude dobrar-se-ia ao peso do SP, SPF, SP1: vilipendio vilipêndio.214 Em torno dessas idéias o miserável SP, SPF, SP1: d’essas; idéas; ideou os meios secundários e subsidiários do grande SP, meio que o levaria ao fim colimado. SP, SPF, SP1: collimado Abílio esteve até a madrugada tramando essas miseravel; idéou SPF, SP1: secundarios; subsidiarios SP, SPF, SP1: Abilio insídias215 e criminosos planos, lendo e relendo notas SP, SPF, SP1: insidias que tomava, para corrigi-las de modo que, saindo a SP, SPF, SP1: corrigil-as; sahindo lume os resultados do que projetava, o seu autor SP, SPF, SP1: projectava; podesse pudesse escapar ileso sem que ao menos contra ele SP, SPF, SP1: illeso; elle fosse levantada a mais leve suspeita. Iria agir de sorrate, sempre “atirando a pedra e escondendo a 213 mão”, como era de seus hábitos inveterados e SP, SPF, SP1: mão (,); habitos maquiavélicos. SP, SPF, SP1: machiavelicos Enxurro: refugo social, ralé. Vilipêndio: Desprezo. 215 Insídia: emboscada, cilada. 214 290 Já eram nove horas da manhã quando ele saiu 135 de seu gabinete. Estava pálido, com os olhos pisados e SP, SPF, SP1: Ja; elle; sahiu SP, SPF, SP1: pallido circulados de olheiras muito pronunciadas que atestavam o seu mal passar durante a noite, insone ou 140 SP, SPF, SP1: attestavam; mau; dormindo pouco ou mal. Era costume, quando ele saía insomne da alcova, encontrar sua mãe que, solícita e risonha, sahia trazia-lhe logo uma chávena de café; mas debalde esperou por isso. As janelas, que dona Úrsula tinha o hábito de abrir antes do seu aparecimento, achavam-se cerradas, sendo preciso abri-las para arejar e iluminar SP, SPF, SP1: costume (,); elle; SP, SPF, SP1: solicita SP, SPF, SP1: chavena SP, SPF, SP1: janellas; d. Ursula SP, SPF, SP1: habito; apparecimento SP, SPF, SP1: abril-as; illuminar a sala. Nervoso e contrariado, sem considerar que sua 145 mãe poderia estar doente, nem avaliar que fosse de graves conseqüências o que se dera na noite anterior, entrou pela sala de jantar. Encontrou a mesma solidão, SP, SPF, SP1: consequencias SP, SPF, SP1: janellas as janelas fechadas e apenas aberta a porta que dava para o exterior, seguramente pela cozinheira, que 150 sempre dormia no interior da casa. Repugnava-lhe dirigir-se a criados; mas pensou que só a ama, que já SP, SPF, SP1: ja estava na cozinha, poderia dar-lhe informações sobre dona Úrsula, e, chegando à porta da cozinha, SP, SPF, SP1: d. Ursula; á porta perguntou: 155 –Então! Hoje me serve o café? –Iaiá ainda está na cama. SP, SPF, SP1: Yiaiá –É ela quem me prepara o café, demônio? – SP, SPF, SP1: ella; demonio 291 berrou Abílio. 160 SP, SPF, SP1: Abilio –Inhor, não; mas é ela qui distrimina.216 SP, SPF, SP1: Inhor (,); ella –Para os diabos que te carreguem. – E voltou SP, SPF, SP1: P’ra; á sala à sala ainda mais contrariado. Mas o que estaria fazendo sua mãe? – pensou e foi espiar dona Úrsula, SP, SPF, SP1: d. Ursula pela fresta da fechadura. A velha ainda se achava no leito sem se mover. Bateu de leve na porta e chamou 165 sem resultado e sem resposta. Pálido e trêmulo ainda SP, SPF, SP1: Pallido; tremulo mais, tornou a espreitar, bateu, chamou em voz mais 170 alta e de novo colocou o olho na fresta e aplicou o SP, SPF, SP1: collocou; applicou ouvido. Dona Úrsula mexeu-se, falou em voz fraca e SP, SPF, SP1: D. Ursula imperceptível e tentou assentar-se cambaleante, mas SP, SPF, SP1: imperceptivel caiu sobre os travesseiros. SP, SPF, SP1: cahiu –Está doente, mãe? – perguntou Abílio com voz trêmula. SP, SPF, SP1: Abilio SP, SPF, SP1: tremula –Hum? – resmungou a velha. –Doente? 175 180 –Já vou! Já vou – respondeu com voz débil dona Úrsula. E, fazendo um esforço, desceu do leito, SP, SPF, SP1: d.Ursula mas escorregando, caiu em cheio no chão. Notou SP, SPF, SP1: cahiu Abílio que sua mãe estava vestida e, temendo que a SP, SPF, SP1: Abilio velha não pudesse erguer-se, pois fazia esforços para SP, SPF, SP1: podesse isso sem o conseguir, lembrou-se que a alcova era servida por outra porta mais fraca que abria para um 216 SP, SPF, SP1: Ja; Ja; debil Qui distrimina: que determina. 292 servida por outra porta mais fraca que abria para um quarto desocupado. Procurou-a, abriu-a facilmente e, 185 SP, SPF, SP1: desoccupado SP, SPF, SP1: criada (,); repol-a; ajudado por uma criada, repô-la no leito. Dona Úrsula, D. Ursula(,) há anos, sofria insuficiência mitral e estivera em insufficiencia; esteve tratamento dando-se por curada. Será essa moléstia SP, SPF, SP1: molestia que de novo a atacou? Pensou Abílio. SP, SPF, SP1: Abilio –A senhora está sentindo alguma coisa, mãe? SP, SPF, SP1: ha; annos; soffria; SP, SPF, SP1: cousa SP, SPF, SP1: Abilio – inquiriu Abílio, procurando ameigar a voz. –Sei lá? –E prorrompeu em desabalado pranto. –O que é isso?! Está chorando?! Diga: sente 190 dores? –Dores? O corpo todo... –Decerto cometeu alguma das suas costumadas imprudências. SP, SPF, SP1: commetteu SP, SPF, SP1: imprudencias –Foi a queda. 195 –Qual queda? – perguntou Abílio fazendo-se SP, SPF, SP1: Abilio desentendido. 200 –Ontem de noite... – E pôs-se a chorar. SP, SPF, SP1: Hontem; poz-se –Não é preciso chorar, mãe. A senhora caiu? SP, SPF, SP1: cahiu Dona Úrsula afirmou com um gesto. SP, SPF, SP1: Ursula; affirmou –Porque não me chamou? –Não quis incomodar... SP, SPF, SP1: quiz; incommodar –Essa é boa! É meu dever acudi-la. SP, SPF, SP1: acudil-a –Pensei que tu ouviu. 293 –Como eu havia de ouvir, se a senhora não me 205 chamou? Eu estava muito cansado e com a maldita SP, SPF, SP1: si SP, SPF, SP1: cançado dor de cabeça, e fui logo dormindo... –Foi quando tu fechou a porta. – E dona Úrsula disparou a chorar de novo. –Nada de chorar. Deixe-me ver se tem febre. – 210 SP, SPF, SP1: d. Ursula SP, SPF, SP1: desparou SP, SPF, SP1: si E tomou o pulso de sua mãe. – Mas o que é isto? Está com a mão besuntada. –É a gordura dos bolos. – E o pranto recresceu. –De bolos? Que bolos, mãe? 215 Dona Úrsula não respondeu, e continuava a SP, SPF, SP1: D. Ursula chorar mostrando-se tão sentida e desgostosa, que 220 Abílio, apesar de, a esforços, aparentar serenidade, SP, SPF, SP1: Abilio; apezar sentiu-se incomodado. Aquele pranto desabalado. SP, SPF, SP1: incommodado; Aquele silêncio proposital de sua mãe, faziam-lhe mal SP, SPF, SP1: Aquelle; silencio aos nervos. Embora dona Úrsula não declarasse SP, SPF, SP1: d. Ursula francamente a causa daquela grande dor moral que a SP, SPF, SP1: d’aquella afligia, não lhe restava dúvida que aquilo e as SP, SPF, SP1: affligia; duvida; Aquelle aquillo respostas que conseguira obter eram uma justa 225 exprobação à sua conduta da véspera. Sua mãe estava SP, SPF, SP1: á sua conducta; decerto convencida de que ele ouvira o baque da sua SP, SPF, SP1:elle queda e tratara-a com a maior indiferença, com o SP, SPF, SP1: indifferença desprezo o mais mortificante. Na velha a dor moral vespera 294 230 sobrepujava de muito o sofrimento físico. Bastava que SP, SPF, SP1: soffrimento; Abílio se arrependesse, que fosse sensível diante de SP, SPF, SP1: Abilio; sensivel; dor tamanha, e pedisse perdão àquela que estremecia, SP, SPF, SP1: áquella; extremecia e a calma voltaria a dona Úrsula. Bem, o mancebo SP, SPF, SP1: d. Ursula; Bem (,) compreendia isso, mas o orgulho, de mãos dadas com SP, SPF, SP1: comprehendia o egoísmo, era-lhe um obstáculo a um gesto tão SP, SPF, SP1: egoismo; obstaculo physico deante generoso. 235 Confessar uma falta cometida, reconhecer-se culpado... descer a pedir perdão!! Oh! Isso para Abílio SP, SPF, SP1: commetida SP, SPF, SP1: Abilio seria rebaixar-se, deslustrar-se, mostrar uma fraqueza que o prejudicaria demasiado. O orgulhoso mancebo, 240 entretanto, não deixava de perceber que só assim SP, SPF, SP1: sò resgataria a falta cometida, e que a sua orgulhosa SP, SPF, SP1: comettida deliberação poderia sacrificar a saúde e até a vida de SP, SPF, SP1: saude sua mãe; mas, acastelado no seu mal entendido SP, SPF, SP1: acastellado positivismo SP, SPF, SP1: suppunha; isental-o que supunha isentá-lo de responsabilidades morais, afeito ao convencionalismo 245 SP, SPF, SP1: moraes; affeito que maior valia dá as exterioridades, dizia com os seus botões: “Que fazer! Eu, moço, com um largo futuro 250 diante de mim, não hei de sacrificá-lo com pieguices SP, SPF, SP1: deante; sacrifical-o de devotos e supersticiosos. Ela tem talvez o seu SP, SPF, SP1: Ella; tempo completo e eu estou na florescência da vida. É SP, SPF, SP1: florescencia o seu estado uma fatalidade a que todos nós chegaremos mais ou menos dolorosamente de acordo SP, SPF, SP1: accordo 295 SP, SPF, SP1: previo com o prévio preparo que fazemos.” –Vamos, mãe – disse ele por fim. – Aclare217 255 SP, SPF, SP1: elle; porfim essa história de queda, bolos... que estou intrigado. SP, SPF, SP1: historia Para mim tudo isso é mistério. SP, SPF, SP1: mysterio –Que mistério! Isso não te interessa. O que SP, SPF, SP1: mysterio sucedeu, passou, acabou-se. – E a velha fez um gesto SP, SPF, SP1: succedeu com a mão esquerda como quem varre para o olvido o que se deu, dando tudo por acabado. 260 Abílio tornou-se pálido e amedrontado. SP, SPF, SP1: Abilio; pallido Aquelas palavras continham uma ironia amarga, uma SP, SPF, SP1: Aquellas como vaga sentença que o condenava como um SP, SPF, SP1: condemnava monstro, um filho ingrato e desnaturado; e o gesto afigurou-se-lhe uma sinistra separação, como se a mão 265 270 esquerda, decerto utilizada casualmente por dona SP, SPF, SP1: d. Ursula Úrsula, cortasse os vínculos que ligavam intimamente SP, SPF, SP1: vinculos os corações de mãe e filho. Compreendeu que sua mãe SP, SPF, SP1: Comprehendeu afinal SP, SPF, SP1: clarividencia penetrara, com uma clarividência extraordinária, os mais ocultos refolhos de sua alma e SP, SPF, SP1: extraordinaria; caíra numa completa desilusão a seu respeito; que o SP, SPF, SP1: cahira; n’uma; occultos desillusão seu entranhado amor maternal agonizava com a velha. O único amor de dona Úrsula era a sua dedicação ao filho e, mesmo por causa dessa SP, SPF, SP1: d’essa unicidade, SP, adquirira um vigor surpreendente. Orgulhava-se de ter um filho que, à sua imagem e 217 SP, SPF, SP1: unico; d. Ursula Alacrar: lacrar. Neologismo variante de lacra; forma não dicionarizada. SPF, SP1: surprehendente SP, SPF, SP1: á sua adqueriu; 296 275 Orgulhava-se de ter um filho que, à sua imagem e semelhança, chegara a ultrapassá-la em malícia e SP, SPF, SP1: ultrapassal-a; dissimulação; mas jamais pensara que essa feitura se SP, SPF, SP1: pensou malicia voltasse contra quem a modelara nas suas entranhas e 280 depois a aparelhara para tomar os caminhos escusos e SP, SPF, SP1: apparelhara tenebrosos que, segundo a sua compreensão, eram os SP, SPF, SP1: comprehensão melhores a seguir-se para a conquista do bemestar e da felicidade. Agora, revendo o seu passado, que 285 desfilava diante do seu conspecto como fita SP, SPF, SP1: deante cinemática, sentia-se arrependida das faltas que SP, SPF, SP1: cinematica cometera por amor do filho, entre as quais avultava o SP, SPF, SP1: commetteu; quaes envenenamento de dona Senhorinha. SP, SPF, SP1: d. Senhorinha Então, superexcitada pela febre, sentia-se 290 SP, SPF, SP1: superexcitada aterrada a pensar no inferno com as suas chamas SP, SPF, SP1: chammas inextinguíveis, nas torturas a que os pecadores são SP, SPF, SP1: inextinguiveis; eternamente submetidos, nos demônios, feios e SP, bestiais, a impeli-la para o braseiro crepitante onde os SP, SPF, SP1: impellil-a; brazeiro réprobos contorciam-se a vociferar impropérios na SP, desesperança de salvação. Abílio, ao seu lado, pensava SP, SPF, SP1: Abilio peccadores SPF, SP1: submettidos; demonios; bestiaes SPF, SP1: reprobos; improperios e, de vez em quando, tentava debalde obter uma 295 palavra de sua mãe que, completamente absorvida pelos seus pensamentos, parecia-lhe dormitar218 e 218 passar por terríveis pesadelos, tais os esgares e SP, SPF, SP1: terriveis trejeitos que a velha fazia. Era uma espécie de delírio, SP, SPF, SP1: taes; tregeitos; Dormitar: ficar meio adormecido; dormir levemente. i d li i 297 300 trejeitos que a velha fazia. Era uma espécie de delírio, especie; delirio segundo o modo de pensar de Abílio. Tomou-lhe o SP, SPF, SP1: Abilio pulso para avaliar a intensidade da febre, e dona SP, SPF, SP1: d. Ursula Úrsula, estremecendo, abriu os olhos que estavam semicerrados e mirou-o como quem não o conhecesse SP, SPF, SP1: indifferente ou lhe fosse indiferente. –Está sentido-se melhor, mãe? – perguntou 305 Abílio, dando à sua voz uma intenção de ternura e SP, SPF, SP1: Abilio (,); á sua carinho. –Manda chamar o padre hoje mesmo – respondeu dona Úrsula ainda atuada219 pela SP, SPF, SP1: d. Ursula; actuada introversão220 por que passava. 310 –Para que, mãe? –Quero me confessar. –Ora, mãe! Não pense nisso. O seu estado não SP, SPF, SP1: n’isso é grave. –Manda! Manda! – insistiu a velha. 315 –Vou antes chamar o médico. SP, SPF, SP1: medico –Pois que venham um e outro já. –Ainda mais esta! – dizia Abílio consigo, SP, SPF, SP1: Abilio; comsigo(,) levantando-se do assento, apertando os dedos e dando estalos, com eram-lhe habitual quando preocupado ou impaciente. 219 220 Atuada: sob influência de. Introversão: exame íntimo da consciência SP, SPF, SP1: preoccupado 298 320 –Nada de demoras – continuou dona Úrsula. SP, SPF, SP1: d. Ursula Abílio saiu atarantado221 da alcova de sua SP, SPF, SP1: sahiu mãe, que ficou guardada por uma velha serviçal da casa. Repugnava ao mancebo chamar o padre, não só porque era avesso às causas da religião, como por 325 SP, SPF, SP1: ás causas temer que sua mãe revelasse em confissão alguma coisa que o comprometesse e o mostrasse tal qual era, SP, SPF, SP1: cousa; compromettesse pelo menos na apreciação do padre. Quanto ao 330 médico, estaria presente ao exame e indagações, SP, tomando a dianteira quanto às informações que dona SP, SPF, SP1: medico; indagações(,) SPF, SP1: deanteira; ás informações; d. Ursula Úrsula devia ministrar, de modo que não fosse descoberta a causa mais recente do estado da velha doente. Refletiu demoradamente andando abaixo e SP, SPF, SP1: Reflectiu acima e, afinal resolveu satisfazer o pedido de sua mãe para que depois não dissessem que ela morrera à 335 SP, SPF, SP1: ella; morreu; á mingua mingua de tratamento e sem os socorros da religião, que seriam de proveito à sua memória e, de alguma SP, SPF, SP1: á sua memoria forma, reflexamente, a ele. Saberia encaminhar o SP, SPF, SP1: para elle espírito da velha, antes da confissão, de modo que não SP, SPF, SP1: espirito houvesse perigo para a sua reputação. 340 O médico chegou mais cedo, à tarde, e foi acolhido com todas as atenções e agrados que Abílio SP, SPF, SP1: medico; á tarde SP, SPF, SP1: attenções; Abilio sabia dispensar aos hóspedes, com delicadeza fidalga e 221 cativante. Viu logo Atarantado: perturbado, atrapalhado. a doente, examinou-a SP, SPF, SP1: captivante 299 e 345 cativante. Viu logo a doente, examinou-a detidamente, fez demoradas indagações que Abílio em SP, SPF, SP1: Abilio grande parte respondeu e explicou ao seu talante.222 SP, SPF, SP1: á sala Voltando à sala de visitas, o clínico foi franco: o SP, SPF, SP1: clinico estado da doente era desesperador e nada havia a fazer. –A senhora sua mãe é cardíaca, e sofreu um terrível abalo moral, segundo suponho. A queda que, 350 como disse, ela deu, por si só, foi de más conseqüências chegando a dar origem a uma 223 mielite ; mas não apressaria o desenlace que prevejo SP, SPF, SP1: cardiaca; soffreu SP, SPF, SP1: terrivel; supponho SP, SPF, SP1: ella SP, SPF, SP1: consequecias; myelite para muito breve. –Realmente, doutor – obtemperou Abílio 355 360 222 223 SP, SPF, SP1: Abilio capciosamente, – minha querida mãe, não sei se por SP, SPF, SP1: capciosamente(,); si causa da doença, tornou-se muito impaciente. Ontem SP, SPF, SP1: Hontem se exaltou discutindo com uma criada; esta respondeu SP, com desaforos e minha mãe entendeu de realizar ela próclise.); realisa; ella própria o que lhe determinara, embora lhe fosse quase SP, SPF, SP1: propria; quasi impossível. Na sua exaltação, quando descia um SP, SPF, SP1: impossivel degrau da escada, caiu sobre o assento. SP, SPF, SP1: cahiu SPF, (Emendou-se SP1: exaltou-se ênclise –É isso: o abalo moral foi de maior influência SP, SPF, SP1: influencia no caso. Não devemos contrariar os cardíacos, SP, SPF, SP1: cardiacos especialmente quando de idade avançada. SP, SPF, SP1: edade Talante: vontade, desejo. Mielite: inflamação da medula espinhal. para 300 365 –Mas, doutor, não haverá alguma esperança, mesmo fraca? – perguntou Abílio mostrando-se SP, SPF, SP1: Abilio consternado e suplicante. SP, SPF, SP1: supplicante –Meu amigo, console-se; arme-se de coragem 370 e resignação. Posso estar enganado, não sou infalível; SP, SPF, SP1: infallivel é bom até consultar outro médico; mas... SP, SPF, SP1: medico –Ah, doutor! Não avalia quanto isso é doloroso! – E conseguiu chorar. –Paciência. Se quer, posso receitar qualquer coisa para consolar a senhora. 375 SP, SPF, SP1: Paciencia; Si SP, SPF, SP1: cousa; á senhora (Emendou-se conforme regra de regência.) –É bom, doutor; é bom. O médico receitou uma tisana224 que o próprio Abílio poderia preparar. Nesse mesmo dia viajou. O padre chegou à tardinha, já tendo Abílio preparado jeitosamente o espírito de sua mãe para que SP, SPF, SP1: medico; proprio SP, SPF, SP1: Abilio; N’esse SP, SPF, SP1: á tardinha; Abilio SP, SPF, SP1: geitosamente; espirito a confissão dos seus pecados não lhe fosse prejudicial. 380 Depois de confessada e comungada, dona Úrsula SP, SPF, SP1: commungada; d. Ursula entrou em uma calma relativa, ainda mais porque o sacerdote muito a animou quanto ao seu estado físico, SP, SPF, SP1: physico depois de garantir que o estado da sua alma nada 385 224 deixava a desejar. Disse-lhe que não há quem seja SP, SPF, SP1: ha isento de pecados veniais; que ela, como todo o SP, SPF, SP1: peccados; venaes; mundo, os tinha, mas a confissão e a comunhão a SP, Tisana: cozimento de cevada. ella SPF, SP1: deixaram-n-a pura. communhão 301 haviam deixado pura. 390 395 –A senhora é uma mulher feliz. Conheço-a: foi esposa exemplar, é mãe carinhosa, um espírito SP, SPF, SP1: espirito devoto dado às coisas santas; nunca fez mal a SP, SPF, SP1: ás cousas alguém... que mais quer para quando morrer, que não SP, SPF, SP1: alguem será agora, estou certo. Entrar no reino da Glória e SP, SPF, SP1: Gloria; gosar gozar o prêmio das suas virtudes? SP, SPF, SP1: premio Vê-se por estas palavras que dona Úrsula 400 SP, SPF, SP1: d. Ursula deixou no tinteiro o caso de dona Senhorinha, talvez SP, SPF, SP1: d. Senhorinha convencida de que a absolvição que recebeu SP, SPF, SP1: comprehendia compreendia também os pecados não revelados. Além SP, SPF, SP1: tambem; Alem; disso, tendo recebido Nosso Senhor em espécie, este SP, SPF, SP1: especie acabara por torná-la limpa e pura como os bem SP, d’isso SPF, SP1: tornal-a; bemaventurados aventurados. A pobre velha, sobretudo, não sabia fazer SP, SPF, SP1: veniaes; mortaes distinção entre culpas veniais e pecados mortais. 405 Como era noite, não podia o padre viajar, o que talvez fosse um pretexto, sendo a razão ou real motivo considerar que o estado da doente inspirava- 410 lhe receio e requereria em breve a sua presença. Dona SP, SPF, SP1: D. Ursula Úrsula, além disso, mostrou desejo de ouvir uma SP, SPF, SP1: alem d’isso missa, com o que concordou o sacerdote, que tinha trazido o sacristão e o que para a celebração fosse SP, SPF, SP1: sachristão indispensável. SP, Abílio tomou logo todas as providências para que fosse satisfeito o desejo de sua SPF, SP1: indispensavel; Abilio SP, SPF, SP1: providencias 302 mãe. 415 Alta noite o estado de dona Úrsula agravou-se SP, SPF, SP1: d. Ursula; á doente; aggravou-se de tal maneira que todo o pessoal da casa pôs-se em SP, SPF, SP1: Poz-se polvorosa para acudir à doente com os paliativos que SP, ocorriam ao padre e a Abílio. Eram panos quentes no SP, SPF, SP1: occorriam; Abilio; SPF, SP1: palliativos pannos ventre, garrafas com água quente nos pés, que 420 gelavam, tisanas e tudo quanto lembrado naquela SP, SPF, SP1: n’aquella aflição. De madrugada a velha entrou no período da SP, SPF, SP1: afflição; periodo agonia e foi ungida. Deixou de existir pela manhã, 425 sendo mais uma vez absolvida. Abílio, logo após o SP, SPF, SP1: Abilio desenlace daquele drama que antes o maçava do que SP, SPF, SP1: d’aquelle comovia, compreendeu que, achando-se presente um SP, SPF, SP1: commovia sacerdote, testemunha muito valiosa pela sua posição SP, SPF, SP1: comprehendeu social, convinha-lhe dar uma demonstração estardalhante de entranhado amor filial. Abraçou-se ao cadáver de sua mãe e, num berreiro atroador,225 como 430 435 possesso, bradava por sua “mãe querida” pedindo a Deus que o levasse também para o outro mundo. O SP, SPF, SP1: tambem pobre padre viu-se apertado diante daquele espetáculo, SP, SPF, SP1: deante; d’aquelle; que o comovia deveras, e, com dificuldade, procurava SP, acalmar aquela dor que à sua boa fé e ingenuidade SP, SPF, SP1: á sua; aquella parecia sincera e inconsolável. Com muito trabalho, SP, conseguiu afastar Abílio do leito mortuário, usando de SP, SPF, SP1: Abilio; mortuario expressões brandas e carinhosas em nome de Jesus, 225 SP, SPF, SP1: cadaver; n’um Atroador: estremecedor. espetaculo; commovia SPF, SP1: devéras; difficuldade SPF, SP1: inconsolavel; trabalho (,) (,) 303 expressões brandas e carinhosas em nome de Jesus, que muito mais sofreu para nosso consolo como SP, SPF, SP1: soffreu exemplificação e promessa de compensações na 440 verdadeira vida. É bem certo que as exortações do SP, SPF, SP1: exhortações bondoso sacerdote não tinham no ânimo de Abílio o SP, SPF, SP1: animo; Abilio efeito desejado por ele e entravam-lhe por um ouvido SP, SPF, SP1: effeito; elle e saíam por outro, como se diz vulgarmente; mas SP, SPF, SP1: sahiam; outro (,) serviram de pretexto ao exortado para entrar na calma 445 450 pela qual ansiava porque a sua espetaculosa exibição SP, SPF, SP1: anciava; já excedia do prazo. Momentos depois, o “amoroso” SP, SPF, SP1: depois; (,) filho de dona Úrsula conversava serenamente com o SP, SPF, SP1: d. Ursula padre, a quem ainda pediu que, não sendo possível à SP, SPF, SP1: possivel; á sua sua “santa mãe” ouvir a missa que pediu, fosse ela SP, SPF, SP1: ella celebrada de corpo presente naquela mesma manhã. O SP, SPF, SP1: n’aquella padre satisfê-lo no que lhe pediu e, edificado com a SP, SPF, SP1: satisfel-o espectaculosa; exhibição bondade e amor filial do mancebo, cuja profunda mágoa tanto o consternava, ofereceu os seus ofícios a 455 226 Abílio no tocante às exéquias da defunta, cujo SP, SPF, SP1: magua; offereceu; officios SP, SPF, SP1: Abilio; ás exequais defuncta; cadaver cadáver seria sepultado em Caetité. Abílio aceitou o SP, SPF, SP1: Abilio oferecimento e, pelo padre, escreveu a um seu SP, SPF, SP1: offerecimento correspondente para preparar o que fosse necessário SP, SPF, SP1: necessario ao funeral, que desejava tivesse a maior solenidade. O padre seguiu logo viagem, e só depois de algumas horas seguiu o cadáver conduzido em uma 226 Exéquias: honras fúnebres, cerimoniais. SP, SPF, SP1: cadaver 304 460 algumas horas seguiu o cadáver conduzido em uma rede, acompanhando Abílio os condutores. O enterro SP, SPF, SP1: Abilio; conductores de dona Úrsula foi solene, havendo convites e grandes SP, SPF, SP1: d. Ursula; solemne concorrências ao luzido saimento. SP, SPF, SP1: concorrencia; sahimento IX A morte de dona Úrsula só foi conhecida no 5 SP, SPF, SP1: d. Ursula; sò distrito da sua residência, tão inopinada227 se deu, pelo SP, SPF, SP1: districto; residencia alarido228 que faziam os condutores do seu cadáver SP, SPF, SP1: conductores; cadaver quando seguiam estrada a fora a caminho da cidade. É costume entre os moradores do campo, quando conduzem um cadáver para o povoado, ou para os cemitérios que existem fora dele, e que constam apenas de toscos recintos cercados, construídos à beira 10 das estradas, irem bradando por socorro e marchando céleres,229 dois, que se revezam de minuto a minuto, acompanhados de vizinhos que, ouvindo o brado SP, SPF, SP1: cadaver SP, SPF, SP1: cemiterios; d’elle SP, SPF, SP1: construidos; á beira SP, SPF, SP1: soccorro SP, SPF, SP1: celeres; dous SP, SPF, SP1: visinhos peculiar e bem conhecido, sentem-se na obrigação de acompanharem pressurosos230 para prestarem o 15 227 caritativo auxílio solicitado. O grupo avoluma-se e SP, SPF, SP1: auxilio vence o caminho rapidamente. Quando isso se dá à SP, SPF, SP1: á noite Inopinado: não esperado, imprevisto. Alarido: choradeira, lamentação. 229 Céleres: diligente. 230 Pressuroso: zeloso. 228 305 noite, tem seu tanto ou quanto de lúgubre, e assusta as SP, SPF, SP1: lugubre pessoas nervosas, especialmente mulheres e crianças. SP, SPF, SP1: creanças Serafim, ouvindo o bradado dos condutores de 20 25 SP, SPF, SP1: Seraphim; conductores dona Úrsula, deixou o trabalho e foi com os dois SP, SPF, SP1: d. Ursula; dous filhos ajudar os condutores, ao menos por um trecho SP, SPF, SP1: conductores da longa caminhada. Outro tanto aconteceu aos dois SP, SPF, SP1: dous meeiros de dona Maria. Só então souberam que se SP, SPF, SP1: d. Maria tratava da mãe de Abílio, o que muita surpresa lhes SP, SPF, SP1: Abilio; surpreza causou, pois ninguém sabia que essa senhora estivesse SP, SPF, SP1: ninguem doente. Dona Maria, além da surpresa que esse funesto SP, SPF, SP1: D. Maria; surpreza; alem acontecimento lhe causou, não deixou de notar a 30 coincidência dele com o que se deu em sua residência SP, SPF, SP1: coincidencia; d’elle entre ela e o filho da morta. Há certas idéias que nos SP, SPF, SP1: penetram no cérebro e nele se fixam teimosamente SP, SPF, SP1: n’elle; cerebro residencia; ella; Ha; idéas como verdades, embora queiramos varrê-las do nosso pensamento, quando, aconselhados pelo bom senso, SP, SPF, SP1: varrel-as consideramos que não devemos ter por verdade o que 35 40 não está evidentemente provado. Foi o que sucedeu a dona Maria. Haveria ligação entre os dois fatos? SP, SPF, SP1: succedeu; d. Maria Abílio, de gênio impetuoso como era, chegando em SP, SPF, SP1: dous; factos; casa furioso pelo que sofreu, descarregaria sua cólera, SP, SPF, SP1: soffreu como de outras vezes, na pobre velha, ocasionando o SP, SPF, SP1: colera mal ou agravamento de sua enfermidade antiga? SP, SPF, SP1: occasionando Abilio; genio 306 Lastimava dona Maria que assim fosse e, ainda mais, SP, SPF, SP1: d. Maria por ter sido de alguma sorte comparte na causa da 45 morte da velha. Isso a afligia, tão compassiva era. SP, SPF, SP1: affligia Pulquéria veio ao encontro dessa idéia, mas sob outro SP, SPF, SP1: Pulcheria; d’essa modo de considerá-la. SP, SPF, SP1: Idea; consideral-a. –Tá231 vendo, iaiazinha? – dizia a velha ama. Deus não drome. Aquele demonho foi acabano de Aquelle; SP: demonho; acabano, fazê o qui fêis e pagou logo. ACABANO; SP: qui; fêis; SPF, –Ora, mãe velha! Não pense nisso. Dona 50 SP, SPF, SP1: ‘Tá; yayazinha SP: dorme; SPF, SP1: DROME; SPF, SP1: DEMONHO; SP1: fazê; QUI FÊIS SP, SPF, SP1: n’isso; Ursula Úrsula não tem culpa no que o filho fez. –Ora! Tão bem é o fio cum a mãe.232 SP: fio cum’a; SPF, SP1: FIO CUM’A –Deixemos a pobre velha. Já morreu, vamos pedir a Deus por ela. –Quem?! Eu?! Pru233 mim... –E Pulquéria 55 levantou os ombros num gesto expressivo. SPF, SP1: PRU; SP, SPF, SP1: n’um –Nem tanto, minha iaiazinha! Sê bom assim... SP, SPF, SP1: yayazinha; SP: sê –Olhe, mãe velha; você é boa, eu sei, e é por mim que diz assim; mas eu fico triste porque você está me desagradando com isso. Ta : está. Fio cum a mãe: filho como a mãe. 233 Pru mim: por mim. 232 pru; Pulcheria SP, SPF, SP1: christão demais. 231 SP: –É mau isso. O bom cristão perdoa ao inimigo. o qui vancê tem sofrido, agora? Sê bom assim é 60 SP, SPF, SP1: ella SP: o qui vancê; SPF, SP1: SÊ; O QUI VANCÊ; soffrido; SÊ 307 –Me perdoa, minha iaiá; me perdoa... –Ah!... – disse dona Maria sorrindo. – SP, SPF, SP1: yayá; SP: me; SPF, SP1: ME SP, SPF, SP1: d. Maria Conheceu, mãe velha, que a gente, quando erra, 65 precisa de perdão? –Oi, eu não entendo língua de branco. Eu não SP, SPF, SP1: língua SP: desagrada; fia; SPF, SP1: quero é desagradá minha fia do coração; mas aquela DESAGRADÁ; FIA; SP, SPF, véia danada... tesconjuro! t’esconjuro; SPF, SP1: 70 SP1: aquella; damnada; SP: véia; VÉIA; T’ESCONJURO –E você continua! SP, SPF, SP1: continúa –Tá bom! Deixa isso pra lá. Não falo mais SP: tá; p’ra SPF, SP1: TÁ; P’RA; SP, SPF, SP1: n’aquella naquela... não sei quê. 75 80 234 Como Pulquéria, de cuja palestra damos aqui SP, SPF, SP1: Pulcheria amostra do modo de pensar de muitos acerca de dona SP, SPF, SP1: d. Ursula Úrsula, a maioria dos humildes daquela redondeza não SP, SPF, SP1: d’aqulla fazia bom juízo a respeito dela. Ignorante, metida a SP, SPF, SP1: juizo; d’ella; fidalga, pretensiosa e murmuradora, dona Úrsula SP, SPF, SP1: pretenciosa d. nunca encontrou pessoa digna, honesta e boa, a não SP, SPF, SP1: digna (,) ser uma ou duas mulheres que por cálculo e adulação, SP, SPF, SP1: calculo afinavam o seu diapasão pelo dela e, de vez em SP, SPF, SP1: d’ella quando, ali apareciam para “desenferrujarem a língua” SP, SPF, SP1: alli; appareciam; e fazerem jus a dádivas insignificantes, a vestidos já SP, SPF, SP1: jús; dadivas; ja usados Reunidas, SP, constituíam uma espécie de tribunal onde a pele do SP, próximo era atassalhada234 impiedosamente. Essas SP, SPF, SP1: próximo raras amigas eram indispensáveis a dona Úrsula na sua SP, SPF, SP1: indispensaveis; d. e objetos já imprestáveis. Atassalhar: fazer em pedaços, lacerar, dilacerar, despedaçar. mettida Ursula lingua SPF, SP1: objectos; ja; imprestáveis SPF, SP1: constituiam; especie; pelle; l 308 85 raras amigas eram indispensáveis a dona Úrsula na sua Ursula tristeza e isolamento desde que, extinta a escravidão, SP, SPF, SP1: extincta foi em muito diminuindo o movimento que se dava 90 incessante na fazenda por ocasião das plantações, SP, SPF, SP1: occasião colheitas e beneficiamento dos produtos da lavoura; SP, SPF, SP1: productos quando das vaquejadas se reuniam negros, agregados SP, SPF, SP1: quando, (Emendouse.); vaqueijadas; aggregados e amigos por dias e dias e as escravas, em grande número, cuidavam nos labores internos da casa. É SP, SPF, SP1: numero verdade que o marido de dona Úrsula não quis, como SP, SPF, SP1: d. Ursula; quiz outros fazendeiros o fizeram, retirar-se para a cidade, 95 convencido que de mais lhe convinha continuar na profissão de agricultor, cujos trabalhos entrou a fazer por meio de jornaleiros pagos e meeiros; mas estes residiam fora. Dos escravos só permaneceram com dona 100 105 SP, SPF, SP1: d. Ursula Úrsula a velha Felicidade, que era sua colaça235 e a SP, SPF, SP1: collaça afeiçoada, e duas filhas, as quais encarregavam-se da SP, SP1, SPF affeiçoada; quaes cozinha, da lavanderia e de outros serviços como este. SP, SPF, SP1: cosinha Morta a dona Úrsula, mais triste e silenciosa SPF, SP1: d. Ursula tornou-se a casa de Abílio; na soledade236, é que pôde SPF, SP1: Abilio, (;) avaliar quanto sua mãe era útil apesar do seu gênio SPF, SP1: util; apezar; genio balofo237 e indiscreto, que lhe desgostava, não vendo nela o que aproveitasse aos seus planos de insídia. Por 235 SPF, SP1: n’ella; insidia Colaça: pessoa amamentada pela mesma mulher, embora filhas de mães diferentes. Soledade: tristeza característica de quem se acha só ou abandonado. 237 Balofo: muito grande. 236 309 nela o que aproveitasse aos seus planos de insídia. Por mais que procurasse esquecer a velha, um momento 110 sequer podia relegá-la ao olvido. Recordava-se a todos SPF, SP1: siquer; relegal-a os momentos dos seus hábitos, das suas tolices e das SPF, SP1: habitos; scenas cenas que se deram nos últimos dias da sua vida, SPF, SP1: ultimos reconhecendo-se o causador da sua morte inesperada. 115 Era uma obsessão martirizante que o desesperava, sem SPF, SP1: obcessão; martyrizante que, no isolamento a que chegara, pudesse distrair-se. SPF, SP1: podesse; destrair-se Andava pelos matos em caçadas, e não trazia uma ave SPF, SP1: mattos ou outro qualquer animal, não dava um tiro, nem se 120 lembrava que levava uma arma. Ia à cidade, não SPF, SP1: á cidade encontrava o alívio almejado. Procurava ler, não SPF, SP1: allivio conseguia fixar a atenção no livro. SPF, SP1: attenção A displicência que o dominava adoecia-lhe o SPF, SP1: displicencia corpo como a alma, que era o motor desse estado. SPF, SP1: d’esse Entrou a pensar que lhe era indispensável admitir no SPF, SP1: indispensavel; admittir lar uma mulher, não como esposa legítima, mas que se SPF, SP1: legitima sujeitasse a um casamento de mão esquerda. Para isso, 125 entretanto, era mister que fizesse uma escolha rigorosa; pois a desejava tal que em tudo o servisse e SPF, SP1: desejava-a (Emendouse ênclise para próclise.) auxiliasse, até nos seus planos maldosos. Estava nisso quando o surpreendeu uma 130 SPF, SP1: n’isso; surprehendeu distração, se bem que desagradável. Não tendo no SPF, SP1: distracção; prazo legal requerido se fizesse o inventário dos bens SPF, SP1: praso; inventario desagradavel sibem; 310 do casal de sua mãe, foi intimado a comparecer em Juízo em dia e hora assinados. Zangou-se deveras com SPF, SP1: Juizo; assignados; isso, que era uma desconsideração à sua importância SPF, SP1: á sua; importancia devéras social de moço rico, membro da classe privilegiada 135 que dirige o rebanho popular; mas não encontrou pretexto que o isentasse disso; era preciso obedecer. SPF, SP1: d’isso Abrandou-se e entrou a organizar a lista dos bens e 140 fazer cálculos, não se esquecendo dos seus interesses e SPF, SP1: calculos de procurar reduzir quanto possível os gastos em tal SPF, SP1: possivel negócio. SP, SPF, SP1: negocio X Serafim andava triste e meditabundo desde 5 SPF, SP1: Seraphim que dona Maria o informou do que se deu entre ela e SPF, SP1: d. Maria; ella Abílio. Receava nova tentativa do audaz mancebo, e SP, SPF, SP1: Abilio por isso havia tomado sérias providências de SPF, SP1: serias; providencias prevenção de acordo com a comadre. Sabendo que SPF, SP1: accordo Abílio, citado em Juízo, achava-se preocupado com o SPF, inventário, nem por isso afrouxou a vigilância que SPF, SP1: inventario; vigilancia SP1: Abilio; Juizo; preoccupado guardava. 10 Passados dias depois da intimação feita a Abílio, apareceu-lhe Pulquéria informando que estavam trabalhando nos matos pertencentes a João, e SPF, SP1: Abilio SPF, SP1: Pulcheria SPF, SP1: mattos appareceu-lhe; 311 estavam trabalhando nos matos pertencentes a João, e que sua iaiazinha lhe pedia que fosse à sua casa. Foi SPF, SP1: yayazinha; á sua SPF, SP1: alli verificar o que havia, já desconfiado que ali estava o 15 dedo do mancebo. Indagando dos trabalhadores, certificou-se de que assim era. Nada pois com os SPF, SP1: mandatarios mandatários da turbação238 e, sem tardança, procurou o mandante. Abílio, recebendo-o amável e respeitoso como 20 SPF, SP1: Abilio; amavel sempre, disse ao professor que aquelas terras haviam SPF, SP1: aquellas sido inventariadas como pertencentes a dona Úrsula e SPF, SP1: d. Ursula agora eram suas legitimamente por herança. Debalde o 25 30 professor procurou convencê-lo do seu engano, SPF, SP1: convencel-o; engano (,) alegando que as terras foram herdadas por dona Maria SPF, SP1: allegando; d. Maria e que tinham estremas239 definidas. Que, além disso, SPF, SP1: extremas; alem eram encravadas em fazenda antiga que se estremava SPF, SP1: extremava como aquela que pertencia a Abílio, o que se provava SPF, SP1: aquella; Abilio com documentos antigos, irrefutáveis. O mancebo SPF, SP1: irrefutaveis alegou ter comprado as posses de Roberto; mas SP, SPF, SP1: allegou Serafim rebateu essa alegação, dizendo-lhe que o SPF, SP1: Seraphim; allegação(,) meeiro não possuía terras; era um simples agregado. SPF, SP1: possuia; aggregado Afinal Serafim, considerando quanto seria 238 239 SPF, SP1: Seraphim dispendiosa uma ação de demarcação, que talvez SPF, SP1: acção absorvesse, em custas e outras despesas, o valor da SPF, SP1: despezas Turbação: pertubação. Estrema: marco divisório de propriedades rústicas. 312 35 gleba, concordou em comprar as pretensas posses de Roberto e decidir o mais da contenda por meios de 40 45 árbitros, o que Abílio aceitou prometendo suspender a SPF, roçagem240 até que os árbitros dessem o seu veredito. SPF, SP1: arbitros; veredicto entre SP1: arbitros; Escolhidos árbitros por ambos os interessados SPF, SP1: arbitros pessoas SPF, SP1: Cidade qualificadas da cidade, no dia Abilio; acceitou; promettendo consignado, compareceram no local, onde também se SPF, SP1: tambem; consignado reuniram testemunhas, pessoas velhas que conheciam ênclise para próclise.) desde muitos anos as extremas, que foram fincadas SPF, SP1: annos pelo velho Ambrósio quando dividiu a sua fazenda SPF, SP1: Ambrosio (,); reuniram-se (Emendou-se entre os filhos, como o leitor estará lembrado. Examinando tudo, verificaram algumas testemunhas que um dos marcos, e logo um essencial, não mais existia e, decerto, fora arrancado havia muito tempo. Levantou-se larga discussão entre as testemunhas 50 apresentadas por Abílio e as outras sem que se SPF, SP1: Abilio pudesse chegar a um acordo. Quanto ao exato lugar SPF, SP1: podésse; accordo onde havia o marco, diziam uns que era este, outros, SPF, SP1: exacto naturalmente industriados por Abílio, que era aquele. SPF, SP1: Abilio; aquelle Serafim apresentou os documentos, informou 55 SPF, SP1: Seraphim por sua vez e não conseguiu que prevalecesse a verdade. Em resumo, com a aquiescência do professor, 240 SPF, SP1: acquiescencia Roçagem: processo de derrubada de árvores e/ou corte de vegetação para preparar o terreno para realizar plantio de capim ou para receber as sementes. 313 ficou assentada uma nova limitação proposta pelos árbitros e aceita por Abílio por sair à medida dos seus 60 SPF, SP1: arbitros; acceita; Abilio; sahir; á medida desejos, pois a nova linha da extrema apanhava a cerca do sítio de João em um trecho de cerca de vinte SPF, SP1: sitio metros. Questões como esta, que dariam em pleitos ruinosos entre os nossos agricultores, pela melhor, são 65 SPF, SP1: melhor (,) resolvidas assim, quando, não o sendo prudentemente, terminam em lutas e inimizades quase sempre. SPF, SP1: luctas; quasi Dizemos “pela melhor” porque casos de usurpação se dão entre potentados e fracos lavradores. Quantos pobrezinhos, honestos proletários do campo, não têm 70 SPF, SP1: proletarios sido espoliados das suas casas, culturas e servidões por indivíduos ricaços e poderosos em favor dos seus SPF, SP1: individuos protegidos, ou em proveito dos próprios protetores! Se 75 procuram o Juízo, os testemunhos comprados ou SPF, SP1: proprios; protectores; obtidos por ameaças, a habilidade sofística241 dos SPF, SP1: sophistica chicanistas242 e outros meios reprováveis dão quase SP, SPF, SP1: reprovaveis; quasi sempre ganho de causa à injustiça e à iniqüidade. SPF, SP1: á injustiça; á iniquidade Si; Juizo Damos aqui esse caso como demonstração da causa da 80 241 242 decadência da nossa agricultura e do êxodo dos SPF, SP1: decadencia; exodo baianos SPF, SP1: bahianos; tranquilla que a movimentavam tranqüila e perseverantemente aqui há quarenta e tantos anos. SPF, SP1: ha; annos Sofística: diz-se daquele que que é um hábil falcificador, adulterador. Chicanista: diz-se daquele que pratica sutileza capciosa, em questões judiciais. Equivalente a trapaceiro. 314 Poderíamos registrar aqui inúmeros casos como este, SPF, SP1: Poderiamos; innumeros mediante provas; mas não o fazemos por alongar este capítulo. Abílio agia caprichosamente tendo em vista 85 90 SPF, SP1: capitulo SPF, SP1: Abilio um fim. Estabelecida e segura a convenção por meio de árbitros, os trabalhadores reencetaram243 a roçagem SPF, SP1: arbitros que faziam e que se limitava, por um lado, com o SPF, SP1: limitava(,); lado (,) tapume do sítio de João na parte que servia de extrema SPF, SP1: sitio e, por outro, com os matos. Terminada a roçagem, SPF, SP1: mattos feita a derribada e picada e retirada a madeira aproveitável, foi feito o aceiro em torno do trabalho; SPF, SP1: aproveitavel mas era tão estreito, que os meeiros de dona Maria SPF, SP1: d. Maria reclamaram. Abílio mandou alargá-lo, mas tão pouco SPF, SP1: Abilio; alargal-o, que não deixava de haver perigo, salvo sendo 95 escolhido para queimada um dia próprio. Em casos tais, depende da direção do vento e 100 SPF, SP1: proprio SPF, SP1: taes; direcção outras circunstâncias a segurança dos matos e culturas SPF, SP1: circumstancias; mattos que estiverem próximas do incêndio e, mesmo SPF, SP1: proximas; incendio tomadas essas cautelas, ainda assim são avisados os SPF, SP1: visinhos vizinhos e interessados, que se munem dos meios indispensáveis à defesa e vão pessoalmente vigilar SPF, SP1: indispensaveis; á defesa pelos seus interesses ajudando na queimada. SPF, SP1: QUEIMADA Entretanto, quando menos se esperava, foi posto fogo à roçada sem prévio aviso à gente de dona 243 Reencetrar: recomeçar concentramente naquela atividade. SPF, SP1: á roçada; previo; á d i 315 posto fogo à roçada sem prévio aviso à gente de dona 105 o que seja uma queimada de roça. Na “Vida Campestre”, nosso trabalho ainda infelizmente inédito, já fizemos uma demorada descrição desses SPF, SP1: QUEIMADA SPF, SP1: Campestre” (,) SPF, SP1: inedito; discripção d’esse SP, SPF, SP1: incendios incêndios. Ao avistarem as chamas e a fumarada e 115 SPF, SP1: Sòmente Maria. Somente quem reside no campo e assistiu a essa rude operação dos nossos lavradores, pode avaliar 110 gente; d. Maria SPF, SP1: chammas ouviram o crepitar e fragor do incêndio, os agregados SPF, SP1: incendio; aggregados de dona Maria e muitos vizinhos, entre SPF, SP1: visinhos; quaes os quais Serafim, que morava distante, acorreram ao local. A SPF, SP1: Seraphim; accorreram “cama da roçada”, como o lavrador denomina o SPF, SP1: agglomerado aglomerado de ramas, gravetos e folhiço destinados à SPF, SP1: á queima queima, era alta, espessa e bem trabalhada, oferecendo SPF, SP1: offerecendo farto alimento ao fogo. As labaredas elevaram-se a 120 uma altura descomunal e inclinavam-se ora para um, SPF, SP1: descommunal ora para outro lado conforme a direção do vento, que SPF, SP1: direcção estava “bandoleiro”,244 e lambiam tudo quanto lhes SPF, SP1: “bandoleiro” (,) estava próximo mesmo além dos aceiros. SPF, SP1: proximo; alem Apesar do ativo trabalho dos meeiros e dos 125 seus auxiliares, o incêndio propagou-se nos matos SPF, SP1: incendio; mattos vizinhos e ganhou os tapumes aproximando-se das SPF, culturas dos agregados de dona Maria, sendo estas SPF, SP1: aggregados; d. Maria crestadas em grande parte e muito prejudicadas. A 244 SPF, SP1: activo Bandoleiro: diz-se do vento que sopra para todas as direções. SP1: visinhos; approximando-se 316 crestadas em grande parte e muito prejudicadas. A SPF, SP1: água; difficuldade água que conduziam com dificuldade e as ramas verdes com que batiam os matos miúdos e macega 130 SPF, SP1: meudos foram importantes, e somente foi vencido o fogo porque o vento tomou direção oposta por uns SPF, SP1: direcção; opposta momentos, voltando-se para o lado já queimado. Do tapume só escaparam as extremidades, sendo o mais 135 reduzido a cinza e carvão, e dos matos vizinhos SPF, SP1: mattos; visinhos escaparam os troncos das árvores mais robustas com o SPF, SP1: arvores córtice carbonizado e a folhagem destruída. SPF, SP1: cortice; destruida Abílio, ao ter notícias do desastre, exultou-se. O miserável desde muito tempo não experimentava SPF, SP1: Abilio; noticias SPF, SP1: miseravel jubilo tamanho; mas guardou-se de manifestar o seu 140 contentamento a quem quer que fosse, reservando-se para se defender, lançando tudo à conta dos seus SPF, SP1: á conta; defender (,) trabalhadores. Chegou a visitar o local, onde já não se achava o velho professor como esperava, para, à sua SPF, SP1: á sua visita, mostrar-se compungido e defender-se caso 145 procurasse culpá-lo. Tudo saiu à medida dos seus SPF, SP1: culpal-o; sahiu; á desejos e cálculos, e ele procuraria fazer que a SPF, SP1: calculos; elle responsabilidade SPF, SP1: rechaisse recaísse sobre os ignorantes trabalhadores, quando lhes viessem reclamações. Estas não tardaram. medida SPF, SP1: trabalhadores (,) 317 160 165 Serafim, indignado diante do que presenciou, SPF, SP1: Seraphim; deante atribuiu logo que mais uma vez Abílio era o inspirador SPF, SP1: attribuiu; Abilio maldoso do procedimento dos seus operários. Bem SPF, SP1: operarios conhecia o velho mestre-escola o gênio malicioso do SPF, SP1: genio seu antigo discípulo e o ódio que votava a dona Maria, SPF, SP1: discipulo; odio; d. máxime depois do incidente que esta lhe referira; SPF, SP1: maxime; referiu portanto, considerou não julgar temerariamente SPF, SP1: portanto Maria lançando a culpa ao antigo rival de João. A mediada da prudência estava cheia, e Serafim entendeu que SPF, SP1: prudencia; Seraphim deveria agir com mais energia, uma vez que 170 argumentos e meios suasórios245 não conseguiriam SPF, SP1: suasorios abalar aquela índole endemoninhada. Era urgente usar SPF, com Abílio uma franqueza severa que o atemorizasse, SPF, SP1: Abilio procurando entanto evitar escândalo que envolvesse o SP, SPF, SP1: emtanto; escandalo SP1: aquella; indole; endemoinhada nome e a reputação da honesta esposa de João. Talvez 175 Abílio não se demovesse dos seus maus propósitos, SPF, SP1: Abilio; propositos (,) supondo que fosse temido por sua tão proclamada posição de moço fidalgo e endinheirado. Nessa disposição de ânimo, o velho professor SPF, SP1: N’essa; animo apresentou-se logo em casa de seu negregado 180 discípulo, que o recebeu como sempre, mostrando-se SPF, SP1: discipulo afável e respeitoso, talvez ainda a mais do que das SPF, SP1: affavel outras vezes, por notar a fisionomia carregada do SPF, SP1: physionomia velho. Esta recepção, por exagerada nos modos e 245 Suasório: persuasivo. 318 velho. Esta recepção, por exagerada nos modos e SPF, SP1: Seraphim meneios do mancebo, convenceu a Serafim de que as 185 suas desconfianças convertiam-se em certeza. –Aqui estou, – foi logo dizendo o professor – não como visitante; mas como reclamante por parte de minha comadre Maria da Conceição. –De que se trata, professor? – inquiriu Abílio 190 procurando guardar serenidade, mas empalidecendo. SPF, SP1: inqueriu; Abilio SPF, SP1: empallidecendo –Então não sabe o que se deu? –Não posso adivinhar. –Não é preciso ser adivinho para saber o que se deu quase às suas portas, previamente planeado e 195 SPF, SP1: quasi; ás suas portas (,) previamente combinado, e pela sua gente executado. –É estranho o que me diz. Minha gente! Que SPF, SP1: extranho –É muito inocente!... – exclamou Serafim com SPF, SP1: innocente; Seraphim gente?! acerba ironia. – Chega mesmo a ser ingênuo. 200 –Meu caro professor, está hoje enigmático. Já não é aquele homem franco e decisivo que sempre SPF, SP1:ironia (.); ingenuo SPF, SP1: enigmatico SPF, SP1: aquelle conheci. –Nem sempre fui franco como devera. Antes o fosse, porque então talvez encolhesse as suas garras. 205 –Oh!! – exclamou Abílio. – Passa a insultarme? SPF, SP1: devêra SP1: encolhesee (Erro óbvio.) SPF, SP1: Abilio 319 –Não é insulto; é dar o seu ao seu dono. –Estou em minha casa. –Eu o sei bem. 210 –Porventura o ofendi em alguma coisa? Algum dia deixei de respeitá-lo como pessoa que SPF, SP1: offendi-o ( Emendou-se ênclise para próclise.); cousa SPF, SP1: respeital-o sempre me mereceu estima? 215 –Na aparência, não. SPF, SP1: apparencia –É demais! Ofendeu-me profundamente. SPF, SP1: Offendeu-me –Exigiu que eu fosse franco. –Entretanto, está com circunlóquios... SPF, SP1: Entretanto circumloquios –Porque você já sabe do que se trata, e eu sei que você já viu com os seus próprios olhos. Eu é que SPF, SP1: proprios devia exigir-lhe franqueza. Não a exigi porque sei que 220 não a conseguiria. –Já disse ao professor que não adivinho. SPF, SP1: Ja –E eu que lhe não é preciso adivinhar, porque sabe ao que vim aqui e finge ignorar. –O que lhe fiz eu, professor, para dizer-me 225 isso? –Esquece-se, porventura, que eu, há poucos momentos, lhe disse estar aqui em nome de minha comadre? SPF, SP1: ha (,); 320 –Ah! É isso? Não ofendi a essa senhora em 230 SPF, SP1: offendi coisa alguma. Sei que ela é o seu ai-jesus246, e por isso SPF, SP1: cousa; ella; aijesú vem me acusar e ofender por esta maneira. SPF, SP1: accusar; offender –Ela não é o meu ai-jesus. Se tomo interesse SPF, SP1: Ella; Si; aijesú por sua causa, é porque João, quando viajou, muito ma recomendou. 235 SPF, SP1: m’a; recommendou –A mim também; pois João, como sabe é meu SPF, SP1: tambem –É de muita força! – disse Serafim fitando SPF, SP1: Seraphim; Abilio amigo. Abílio com ar de enojado. – E o que tem feito pela pobre senhora? Diga. 240 –Quando a procurei oferecendo os meus SPF, SP1: offerecendo serviços, repeliu-me com orgulho dizendo-me que de SPF, SP1: repelliu-me nada precisava. Sei que ela, sim, tem propósitos contra SPF, SP1: ella; propositos mim. 245 –Ela não tem propósito contra quem quer que SPF, SP1: Ella; proposito seja; é incapaz disso como sabe. É antes vítima das SPF, SP1: d’isso; victima suas pirraças. –Pirraças! Tirou o dia para insultar-me sem me apontar o motivo disso, sem conceder-me defesa. SPF, SP1: d’isso Julga arbitrariamente, quando sempre o tive em conta de um homem sério e criterioso. 250 246 –Hoje, por certo, já não sou esse homem sério Ai-jesus: queridinho predileto. SPF, SP1: serio SPF, SP1: ja; serio 321 e criterioso, não? SPF, SP1: accusado –Pois se não posso saber porque sou acusado! –Pois bem; vou dizer-lhe, embora saiba que é 255 chover no molhado. Já, na ocasião do convenio que SPF, SP1: Ja; occasião fizemos, concordei para evitar disputas em juízo. SPF, SP1: desputas; Juizo Estou plenamente convencido de que o marco foi arrancado e consumido proposital e tendenciosamente... –Por quem? 260 –Quem sabe melhor do que o senhor? Quem nisso tinha interesse?... Abílio calou-se e Serafim, depois de fitá-lo SPF, SP1: n’isso SPF, SP1: Abilio; Seraphim; fitalo seriamente, continuou. –O marco era bem conhecido e, quando o 265 270 senhor nasceu, já estava ali fincado no centro do SPF, SP1: ja; alli carrasco247. Quando eu cheguei nesta terra, já ele SPF, SP1: n’esta; ja; elle existia e, quando eu e Carlos andávamos em caçada SPF, SP1: andavamos pelos matos, muitas vezes descansamos ao seu pé, à SPF, SP1: mattos; descançamos; á sombra de uma árvore frondosa que lá está ainda e SP1, SPF arvore; la bem serve para indicar o lugar onde ele estava SPF, SP1: elle sombra; fincado. –Mas a escritura não menciona essa árvore. Além disso, o professor não me lembrou isso nem 247 SPF, SP1: escriptura; arvore SPF, SP1: Alem; d’isso Carrasco: formação vegetal nordestina, mais rala, enfezada e áspera do que a caatinga. 322 tampouco reclamou. –Não era preciso, porque você a conhece 275 280 desde criança. Além disso, uma testemunha referiu-se SPF, SP1: creança; Alem; d’isso à árvore e foi contestado o seu testemunho por outras, SPF, SP1: á arvore talvez ali dizendo o que lhe recomendavam. SPF, SP1: alli; recommendavam Abílio calou-se de novo, e Serafim continuou. SPF, SP1: Abilio; Seraphim –Quando combinamos nos novos limites, não SP1: conbinamos (Erro óbvio.) pude perceber que você levava o propósito de, além de SPF, SP1: proposito; alem usurpar a terra e matos de João, preparar novas SPF, SP1: mattos perseguições a minha comadre. –Eu!? Oh! O senhor... –Acabe. Quer dizer que me excedo ou que 285 estou mentindo? A sua consciência, para a qual apelo, SPF, SP1: consciencia; appello fará o julgamento. –Tenho a consciência tranqüila. SPF, SP1: consciencia; tranquilla –Diga antes que ela está dormente. SPF, SP1: ella –Professor!... 290 –Deixemos, porém, isso; o que combinamos SPF, SP1: porem está combinado. Agora é que atinei com o seu plano insidioso. Ficou bem próximo dos matos e culturas de SPF, SP1: proximo; mattos minha comadre para mandar a sua gente incendiar cercas, plantações e matos que lhe não pertencem. 295 SPF, SP1: mattos Sabe agora do que se trata? –Professor, eu não sou culpado da SPF, SP1: imprudencia 323 imprudência dos meus agregados, nem responsável SPF, SP1: aggregados; responsavel pelo que se deu. 300 –Não é responsável! SPF, SP1: responsavel –Os tais camaradas trabalhavam por sua SPF, SP1: taes; propria própria conta e puseram fogo na roça sem nada me SPF, SP1: puzeram dizerem. Tenho eu culpa disso? SPF, SP1: d’isso –Vim aqui apenas certificá-lo do seguinte: há SPF, SP1: certifical-o; ha muito tempo sei do que tem feito e tenciona fazer, 305 fiado na sua posição de homem rico e fidalgo que tem o proletariado como um rebanho de escravos. Por isso supunha que o meu silêncio e prudência eram medo SPF, SP1: suppunha; silencio; prudencia do seu poderio. Não sou escravo nem me arreceio de você, é o que desejo se convença. Quanto aos estragos 310 315 feitos nos matos e cercas de João, como não é você SPF, SP1: mattos responsável, não falemos mais nisso; ninguém mais SPF, SP1: responsavel; n’isso; me ouvirá sobre o assunto. Tratarei de tudo remediar. SP1, SPF assumpto Fique com a sua consciência tranqüila! – rematou SPF, SP1: consciencia; tranquilla Serafim ironicamente. SP1, SPF Seraphim –Professor – disse Abílio contendo a custo, receoso e hesitante, o ódio violento que fervia em sua ninguem SPF, SP1: Professor, (Emendouse.); Abilio SPF, SP1: receioso; odio alma, – sempre muito o respeitei e estimei como é do meu dever. Para mim o senhor é sagrado, pois devolhe os alicerces que construi em minha alma para 320 sustentáculo da pequena instrução que adquiri e SPF, SP1: sustentaculo; instrucção 324 formação do meu caráter... –Livra! – pensou Serafim resmoneando248. SPF, SP1: Seraphim –Ninguém mais me merece do que o meu SPF, SP1: Ninguem velho mestre, depois de meus pais. Por tudo isso eu 325 SPF, SP1: carater SPF, SP1: paes perdôou sinceramente tudo quanto me disse agora, a injusta apreciação que acaba de fazer da minha SPF, SP1: conducta conduta. Continuarei o mesmo... –Disto estou certo – resmoneou o velho interrompendo Abílio. 330 SPF, SP1: D’isto SPF, SP1: Abilio –O que, professor? –Nada; é cá outra coisa. Continue. SPF, SP1: cousa –Mas o senhor disse ? –Que estou certo de que continuará o mesmo, como assevera – respondeu Serafim com toda a 335 SPF, SP1: Seraphim seriedade. –Mas o mesmo como pensa que sou. –Certo que será como é segundo me assevera, no que mostra merecer-me fé. Abílio não achou o que responder, tomados todos os caminhos por onde poderia escapar à 340 SPF, SP1: Abilio SPF, SP1: á habilidade habilidade do velho mestre-escola. –Concluamos isso. Vim aqui na suposição de que era responsável pelos prejuízos que sofreu aquela SPF, SP1: supposição SPF, SP1: prejuizos; responsavel; soffreu; aquella que eu represento, e que remediaria a situação; mas 248 Resmoneando: falando por entre os dentes e com mau humor. Equivale a resmungar. 325 que eu represento, e que remediaria a situação; mas como não é, retiro-me disposto a fazer o que me for 345 possível em favor de minha comadre ajudando-a a reconstruir a cerca. Quanto aos matos incendiados, é impossível repô-los no antigo estado; o remédio é SPF, SP1: possivel SPF, SP1: mattos SPF, SP1: impossivel; repol-os; remedio ficarem como estão. Desculpe-me, e adeus. –Não; professor. Não quero que me suponha 350 um testudo. Quero auxiliá-lo na reconstrução da cerca. –Também não sou testudo. Por minha 355 SPF, SP1: supponha SPF, SP1: auxilial-o; reconstrucção SPF, SP1: Tambem comadre, dispenso. Não é responsável, e seria uma SPF, SP1: responsavel injustiça aceitar o que considero fazer apenas por me SPF, SP1: acceitar contentar. Depois, seria isso feio, e as más línguas SPF, SP1: más; linguas diriam que minha comadre recebe favores ou esmolas de estranhos. SPF, SP1: extranhos –Oh! Professor! Não sabe que eu muito me interesso por João? 360 –É mas continuo a dizer que não convém. SPF, SP1: convem –Não é favor de estranho. Primeiro, não sou SPF, SP1: extranho estranho a João, meu antigo condiscípulo e amigo SPF, SP1: extranho; condiscipulo; dilecto dileto. Depois, pensando melhor, digo que, se não sou responsável direto pelo que se deu, sou indiretamente, SPF, SP1: responsavel; directo; indirectamente; ja e as suspeitas já levantadas contra mim serão levadas às fronteiras da verdade marcando minha reputação. 365 –Continuo a dizer, “não! não!” As mesmas SPF, SP1: ás fronteiras 326 línguas más a que alude dirão que o constrangi SPF, SP1: linguas; allude injustamente, e os meus créditos seriam abalados. E SPF, SP1: creditos basta. E o velho mestre, sem dar tempo a Abílio de 370 retrucar os seus argumentos ou com eles concordar, SPF, SP1: Abilio SPF, SP1: elles despediu-se mais uma vez ligeiramente e retirou-se mais convencido da hipocrisia do seu antigo discípulo, SPF, SP1: hypocrisia; discipulo da sua habilidade em procurar iludir, da sua infame SPF, SP1: illudir conduta enfim. SPF, SP1: em fim 375 Abílio, por sua vez, procurando acalmar o seu SPF, SP1: Abilio despeito, meditou longamente sobre a confabulação que tivera com Serafim, reconheceu que não poderia vencer porque em seu poder havia SPF, SP1: Seraphim provas inconcussas249 do seu infame procedimento e, cobarde 380 como são todos os indivíduos que procuraram as SPF, SP1: individuos sombras e emboscadas para perseguirem aqueles a SPF, SP1: aquelles quem odeiam, tomou uma resolução que desde logo começou a pôr em prática. No dia seguinte, quando Serafim se dispunha a 385 SPF, SP1: pratica SPF, SP1: Seraphim realizar o trabalho da reconstrução da cerca, já os SPF, SP1: realisar; reconstrucção; trabalhadores de Abílio, desde o romper do dia, SP1, SPF Abilio tinham cortado, nos matos deste, muita madeira e, SPF, SP1: mattos; d’este ja: SP: trababalho (Erro óbvio.) começado o serviço a que seu patrão se negara fazer inteiramente por si. Inquiridos pelos meeiros de dona 249 Inconcusso: incontestável; irrefutável. SPF, SP1: Inqueridos; d. Maria 327 inteiramente por si. Inquiridos pelos meeiros de dona 390 Maria, informaram eles que, desde o dia anterior, tinha-lhes Abílio determinado que disso tratassem de SPF, SP1: elles SP1, SPF Abilio SPF, SP1: preferencia preferência a outro qualquer serviço. XI Já mais de dois anos se tinham escoado do 5 SPF, SP1: Ja; dous; annos contato de João e Calisto com o coronel Paulino, e o SPF, SP1: contacto; Calixto cafezal estava bem desenvolvido e seguro na maior SPF, SP1: cafézal parte, pondo em evidência a competência, operosidade SPF, SP1: evidencia; competencia e boa conduta dos empreiteiros. O coronel, tendo visitado algumas vezes o serviço, SPF, SP1: conducta achava-se satisfeitíssimo. SPF, SP1: satisfeitissimo Os empreiteiros tornam-se muito estimados 10 pelos jornaleiros que, em grande número, reuniram SPF, SP1: numero para levarem a fim o contrato sem que inconveniente SPF, SP1: contracto; inconvenieste nenhum os embaraçasse, e que eram tratados com 15 muita brandura e cordialidade pelos dois baianos. No SPF, SP1: dous; bahianos tempo decorrido, a faculdade de cultivarem cereais, SPF, SP1: cereaes engordarem cevados e realizarem outros trabalhos SPF, SP1: realisarem agrícolas para o seu próprio proveito, foram de muita SPF, SP1: agricolas; proprio valia a João e Calisto, que, aproveitando os produtos SPF, SP1: Calixto; productos 328 20 25 30 para a subsistência própria e para certos arranjos que SPF, SP1: subsistencia; propria conseguiram, vendendo o excesso das produções, SPF, SP1: producções ofereciam-lhes a vantagem de irem poupando e SPF, SP1: offereciam-lhes economizando o que lhes cabia do contrato em SPF, SP1: contracto pecúlio. SPF, SP1: peculio Por esse tempo mais ou menos, o coronel teve SPF, SP1: menos (,) necessidade de um secretário que se encarregasse da SPF, SP1: secretario escrita dos seus negócios e da sua correspondência. O SPF, SP1: escripta; negocios; que ele tinha não lhe satisfazia, não por desonesto, SPF, SP1: elle mas porque havia dado lugar a equívocos, pois não SPF, SP1: equivocos tinha bem competência para o caso e a sua caligrafia SPF, era às vezes ilegível, aumentando o embaraço com a SPF, SP1: ás vezes; illegivel; sua má ortografia. Era certo que o coronel não estava SPF, SP1: orthographia correspondencia SP1: competencia; calligraphia augmentando no caso de julgar o seu empregado no que concernia ao modo de redigir o que escrevia; mas vieram-lhe 35 reclamações, ora verbais, ora escritas, mostrando-lhe a SPF, SP1: verbaes; conveniência de arranjar outro. Como, porém, SPF, SP1: porem estimava o moço, que era de conduta exemplar e fora- SPF, SP1: conducta lhe recomendado por um amigo, sentia-se o fazendeiro SPF, SP1: recommendado embaraçado, tanto mais que pensava ser-lhe difícil SPF, SP1: difficil encontrar um substituto com os requisitos essenciais SPF, SP1: essenciaes escriptas conveniencia para o caso. 40 Afinal o próprio moço pediu dispensa do cargo, e que o coronel o recomendasse ao seu amigo SPF, SP1: proprio SPF, SP1: recommendasse 329 45 50 obter-lhe uma colocação que ele pudesse mais SPF, SP1: elle; podesse facilmente SPF, SP1: prometteu desempenhar. O coronel prometeu satisfazê-lo depois de regressar de Ribeirão Preto, SPF, SP1: satisfazel-o aonde ia tratar de certos negócios. Uma vez naquela SPF, SP1: negocios; n’aquella cidade, uma das suas preocupações foi procurar um SPF, SP1: preoccupações substituto recomendável e competente para o lugar do SPF, SP1: recommendavel seu secretário. Achou num jovem baiano inteligente, SPF, SP1: secretario; n’um; joven; instruído e honesto que lhe recomendaram, e depois SPF, SP1: instruido de sindicâncias, conseguiu encontrá-lo e contratá-lo. SPF, Vindo para a fazenda, foi instalado no serviço sem que SPF, SP1: installado por isso ficasse o substituído mal servido nem se SPF, SP1: substituido bahiano; intelligente; SP1: syndicancias; encontral-o; contractal-o mostrasse de má vontade com o seu substituto, que era 55 um jovem insinuante, de educação regular e trato SPF, SP1: joven cativante. SPF, SP1: captivante O coronel obteve para o desempregado o lugar de administrador de uma fazenda, para a qual teria de 60 seguir um mês depois. Nesse ínterim os dois rapazes SPF, SP1: N’esse; interim; dous afeiçoaram-se e tomaram uma sincera amizade entre SPF, SP1: affeiçoaram-se si. Melquíades, por sua vez, sentiu-se inclinado para o novo secretário, com quem tinha que se SPF, SP1: Melchiades SPF, SP1: secretario entender constantemente. A novidade propagou-se logo aos colonos, que logo desejaram conhecer o 65 senhor. Aristides, especialmente os baianos, que SPF, SP1: bahianos 330 tinham curiosidade de saber de onde era, porque 70 75 talvez fosse conhecido seu na Bahia; mas o secretário SPF, SP1: secretario raras vezes se punha em contato com os jornaleiros. SPF, SP1: põe; contacto Entretanto, Aristides, que, nas casas onde tinha SPF, SP1: Enquanto (,) servido, procurava sempre se tornar agradável a todas SPF, SP1: tornar-se (Emendou as classes desde as mais humildes, estava aflito por SPF, SP1: afflicto; aquella conhecer aquela gente e escolher no meio um círculo SPF, SP1: circulo de amizades que fossem dignas de apreço pelo caráter, SPF, SP1: caracter não queria que o tomasse por um pretensioso que, por SPF, SP1: pretencioso ênclise para próclise.); agradavel orgulho, se afastasse dos humildes. Assim conseguira sempre deixar boa nota por onde passara e residira, adquirindo prática da vida, SPF, SP1: conseguiu SPF, SP1: passou; residiu; pratica tomando conhecimento dos altos e baixos da sociedade e aprendendo a viver com todos geralmente. 80 Vê-se que Aristides era criterioso, porque, procedendo assim, estudando os caracteres diversos com que lidava, sabia dar a cada um o trato que convinha, impunha-se ao respeito e estima e teria sempre, como era o seu critério, quem proclamasse as 85 SPF, SP1: criterio suas preciosas qualidades e o defendesse de intrigas e calúnias que, porventura, como infelizmente se dá, por SPF, SP1: calumnias inveja ou má apreciação, se levantassem e fomentando SP1: invejaou (Erro óbvio.) os mal-intencionados. Já, pelo seu porte, discreto modo de tratar e 331 90 semblante, impunha-se Aristides; mas a desconfiança, que é a característica das classes humildes e SP, SPF, SP1: è; caracteristica ignorantes relativamente àquelas que pelo modo de SP, SPF, SP1: áquellas tratar-se, 95 trajar e ares superiores, consideram enfatuadas, bem sabia o jovem que dificilmente se SP, SPF, SP1: joven; submete sinceramente à guia e direção destas. A SP, SPF, SP1: á guia; direcção; difficilmente; submette d’estas familiaridade demasiada entre umas e outra é inconveniente, e a severidade excessiva fere o amor SP, SPF, SP1: proprio próprio do humilde. É preciso, pois, que quem se propunha a tornar-se respeitado e, ao mesmo tempo, 100 querido das massas ignorantes e humildes, concilie o SP, SPF, SP1: autoritario ar autoritário com o carinho e bondade sem excesso. 105 No domingo seguinte à sua posse no cargo, SP, SPF, SP1: á sua posto em ordem ao seu jeito o serviço que lhe SP, SPF, SP1: geito competia, Aristides, depois do almoço, empreendeu SP, SPF, SP1: emprehendeu um passeio pela colônia para conhecê-la e a alguns SP, SPF, SP1: collonia; conhecel- dos jornaleiros de quem já tinha notícia. A primeira SP, SPF, SP1: noticia casa que avistou, pela sua colocação, foi a do velho SP, SPF, SP1: collocação pae Marcos, pai de Giudita, que já vira de longe algumas SP, SPF, SP1: Giuditta; ja a vezes e de quem tinha boas informações. O velho 110 achava-se assentado em um mocho à frente da SP, SPF, SP1: a frente (Emendouse acrescentado crase.) casinhola fumando pachorrentamente um cachimbo de comprida chupeta. Avistando o moço, o velho desbarretou-se numa respeitosa mesura erguendo-se SP, SPF, SP1: n’uma 332 do assento. 115 –É o senhor Marco? – perguntou Aristides. –Le son servo, curunè. SP: le son servo, curunè; SPF, SP1: LE SON SERVO, CURUNÈ –Não sou coronel, desculpe-me. Sou um simples empregado do senhor coronel. –Signor Aristide. 120 SP: signor aristide; SPF, SP1: SIGNOR ARISTIDE. –Um criado ao seu serviço. Na acanhada saleta Giudita amassava farinha SP, SPF, SP1: Giuditta em um alguidar250 e sua mãe folhava-a e preparava os macheroni, mostrando-se ambas amestradas nesse SP: macheroni SPF, SP1: MACHERONI serviço. Genarino, assentado a um canto, não tirava os 125 olhos da linda mocinha, a quem sorria a furto, quando lhe era possível, sendo correspondido pela ragazza quando a velha se distraía da sua vigilância de Argos. SP: ragazza; SPF, SP1: possivel; RAGAZZA; SPF, SP1: distrahia; vigilancia Marco chamou a mulher e a filha, que vieram 130 acompanhadas por Genarino, e fez em regra a apresentação do jovem secretário, dizendo depois, SP, SPF, SP1: joven; secretario aparte à mulher, que se tratava de um giovine elegante SP, SPF, SP1: á mulher; SP: digno de respeito e muita consideração. GIOVINE ELEGANTE giovine elegante; SPF, SP1: –Sua esposa e filhos, não? – inquiriu Aristides. 135 –Figlia, solamente la ragazza. SP: figlia, solamente la ragazza; SPF, SP1: FIGLIA, SOLAMENTE LA RAGAZZA –Linda come une fiore! – observou Aristides 250 SP: linda come une fiore; SPF, SP1: LINDA COME UNE FIORE Alguidar: vaso de barro ou de metal, baixo, em forma de tronco de cone invertido, e com diversos usos domésticos. 333 com bondade. Genarino franziu os sobrolhos, o que não 140 passou desapercebido ao jovem secretário. Este que SP, SPF, SP1: joven; secretario compreendeu haver um idílio entre os jovens SP, SPF, SP1: comprehendeu; napolitanos, procurou reparar logo a imprudência que SP, SPF, SP1: imprudencia cometeu: SP, SPF, SP1: commetteu idyllio –É, por certo, noiva do senhor Genarino, não? 145 Marco, apenas por um gesto, informou que por ora não. Os amantes sorriram, mas a velha Maria Giuseppa, por sua vez, com cara de poucos amigos, 150 empurrou Giuditta para o alguidar repreendendo-a em SP, SPF, SP1: reprehendendo-a sua língua e chamando-a ao cumprimento do seu SP, SPF, SP1: lingua dever e são cuidado no serviço que estava fazendo. Cá fora, enquanto as mulheres trabalhavam, 155 SP, SPF, SP1: emquanto assentou-se Aristides em um mocho e os dois italianos SP, SPF, SP1: dous acomodaram-se como melhor puderam, encetando SP, SPF, SP1: accommodaram se; uma larga conversação, o secretário em bom SP, SPF, SP1: secretario português e os dois estrangeiros estropiando a nossa SP, SPF, SP1: portuguez; dous; língua ou misturando-a com palavras e frases da sua. SPF, SP1: língua; mixturando-a; poderam extrangeiros phrases Afinal achavam-se os colonos encantados com o jovem Aristides, que conseguiu captar a confiança dos 160 SP, SPF, SP1: joven outros. Marco informou que eram, ele, Gennarino e os seus, naturais dos arredores de Nápoles, mas que seu SP, SPF, SP1: elle SP, SPF, SP1: naturaes; Napoles; pae 334 165 pai era Benevento e serviu no exército quando da SP, SPF, SP1: exercito campanha da unificação, alistando-se sob o comando SP, SPF, SP1: commando de Garibaldi, embora súbdito de Pio IX, o que lhe SP, SPF, SP1: subdito valeu ser perseguido pelos pontificais e considerado SP, SPF, SP1: pontificaes herege. Terminada a guerra, o velho casou-se com uma siciliana vindo residir em Castellamare, onde 170 175 Marco foi criado, educado e casou-se por fim com SP, SPF, SP1: porfim Maria. Teve outros filhos, mas sendo família muito SP, SPF, SP1: familia pobre, emigraram com um tio para a América, SP, SPF, SP1: America restando-lhe a Giudita, a mais moça. Lutando com SP, SPF, SP1: Luctando dificuldades em sua terra, Marco, com os seus, SP, SPF, SP1: difficuldades incorporou-se a uma leva de emigrantes e veio ter em SP, SPF, SP1: encorporou-se São Paulo. SP, SPF, SP1: S. Paulo Aristides informou que era baiano sertanejo. Tendo falecido sua mãe, muito criança ainda, foi SP, SPF, SP1: bahiano SP, SPF, SP1: fallecido; creança; ainda (,) tomado a si por uma tia casada que pouco depois veio 180 para São Paulo trazendo-o consigo. Recebeu uma SP, SPF, SP1: S. Paulo; comsigo regular instrução que muito lhe serviu, pois conseguiu SP, SPF, SP1: instrucção empregar-se como escriturário. Seu pai também, já SP, SPF, SP1: escripturario pae viúvo duas vezes, tendo casado a filha que tinha SP, SPF, SP1: viuvo consigo, emigrou para São Paulo, procurando SP, SPF, SP1: comsigo; S. Paulo restabelecer a modesta fortuna que possuía e, 185 infelizmente, não conseguiu o que desejava. Na longa palestra que entretinham, Maria e tambem (,) 335 Genarino referiram-se a João Lopes, um baiano SP, SPF, SP1: bahiano honesto e laborioso que entretinha amistosas relações com a família de Marco. Aristides mostrou-se muito 190 SP, SPF, SP1: familia interessado em conhecer esse João Lopes, cujo nome vira no contrato que ele e o Calisto fizeram com o SP, SPF, SP1: contracto; elle; Calixto coronel Paulino. Esse nome despertou-lhe grande interesse por coincidir com o de pessoa que estava ligada à sua família, e o jovem desejou conhecer 195 os domingos João e o companheiro vinham à sua casa. Aristides continuou o seu passeio com a idéia 205 joven pessoalmente o empreiteiro. Marco disse ser-lhe fácil vê-lo, porque todos 200 SP, SPF, SP1: á sua; família; SP, SPF, SP1: facil; vel-o SP, SPF, SP1: á sua SP, SPF, SP1: idea de voltar à casa de Marco logo que João aí estivesse. SPF, SP1: á casa; ahi Os galopes estavam quase todos desertos, ouvindo-se SP, SPF, SP1: quasi aqui e ali um som de sanfona ou uma conversação SP, SPF, SP1: alli; samphona pouco animada, e nas casinhas algumas famílias nelas SP, SPF, SP1: familias; n’ellas alojadas tinham ausentes os chefes, ficado somente as SP, SPF, SP1: chefes (,) mulheres e crianças. O jovem secretário aproximou-se SP, SPF, SP1: creanças; joven; de algumas dessas habitações provisórias sob algum d’essas; provisorias pretexto, mas não sentiu atração ali, mesmo que o SP, SPF, SP1: attracção; alli olhavam com alguma indiferença, sem um sinal de SP, SPF, SP1: indifferença; signal secretario; approximou-se; agrado e hospitalidade. Andavam os trabalhadores em passeios e caçadas, em sua maior parte, aproveitando a 210 folga domingueira. SP, SPF, SP1: caçadas (,.) 336 Voltando à casa de Marco, logo depois aí 215 SP, SPF, SP1: á casa; ahi chegaram João e Calisto. Marco fez a apresentação e, SP, SPF, SP1: Calixto trocados os comprimentos do estilo, acomodaram-se SP, todos na saleta já desocupada. SP, SPF, SP1: ja; desoccupada. João, ao ver Aristides, sentiu-se impressionadíssimo. A fisionomia do jovem secretário SPF, SP1: estylo, accommodaram-se SP, SPF, SP1: impressionadissimo; physionomia; joven; secretario recordava-lhe pessoa muito querida para que não se sentisse abalado até o mais profundo de sua alma. Quem seria esse moço; qual a sua origem e 220 naturalidade? À sua mente vieram essas interrogações, SP, SPF, SP1: naturallidade; Á que o marido de dona Maria não explicou logo por SP, SPF, SP1: d. Maria palavras porque teve acanhamento; mas, ansioso por SP, SPF, SP1: ancioso inteirar-se do que lhe passava pela idéia, achou meio 225 sua SP, SPF, SP1: de, circunlóquios jeitosamente encaminhados, saber circumloquios; geitosaménte que Aristides era baiano da mesma região sertaneja SP, SPF, SP1: bahiano que ele. SP, SPF, SP1: elle Por sua vez Aristides, que já alguma coisa idéa; SP, SPF, SP1: ja; cousa sabia, desejava abrir-se francamente com o outro; mas havia motivos que lhe impunham a necessidade de 230 uma confabulação reservada entre os dois. Quais SP, SPF, SP1: dous; Quaes seriam esses motivos o leitor saberá; porém para SP, SPF, SP1: porem melhor explicá-los é preciso que em outro capítulo SP, SPF, SP1: explical-os; capitulo recuemos a nossa narração por alguns meses. Afinal o secretário não se pôde ter e disse a SP, SPF, SP1: secretario 337 235 João: –Tenho grande necessidade de conversar com o amigo em sua casa a sós. Acha-lo-ei à tarde? –Espera-lo-ei com prazer, até podemos SP, SPF, SP1: Achal-o-ei; á tarde SP, SPF, SP1: Esperal-o-ei fornecer-lhe uma cavalgadura, porque daqui lá é um 240 bom estirão.251 –É tão distante assim? –Mais de dois quilômetros. SP, SPF, SP1: dous; kilometros –Ora! É um passeio que muito me deleitará, e SP, SPF, SP1: fazel-o desejo fazê-lo a pé. 245 Assim, ficou assentada a visita de Aristides, ficando João em brasas por saber em que consistia uma revelação rodeada de tanto mistério. SP, SPF, SP1: brazas SP, SPF, SP1: mysterio Ainda por algum tempo conversaram todos em comum sobre diversos assuntos depois se separaram. SP, SPF, SP1: commum; assumptos 250 XII Abílio, depois que o vimos a última vez, 5 tomou novos propósitos de maldade e, pertinaz na sua SP, SPF, SP1: propositos idéia de perseguir dona Maria e o velho professor, SP, SPF, SP1: idéa; d. Maria eclipsou-se. Encerrado a maior parte do tempo, trabalhava com afã no seu gabinete, como um antigo 251 SP, SPF, SP1: Abilio; ultima Estirão: boa distãncia. SP, SPF, SP1: afan 338 10 alquimista, escrevendo, corrigindo, meditando, sempre SP, SPF, SP1: alchimista orientado pela sua idéia fixa: – enodoar a reputação da SP, SPF, SP1: idéa; ennodoar esposa do seu antigo condiscípulo, e ao mesmo tempo SP, SPF, SP1: condiscipulo desacreditar o velho Serafim, que ele sabia ser um SP, SPF, SP1: Seraphim; elle homem honrado. Para chegar aos fins que tinha em mira, já sabemos que o infame dispunha da sua 15 perícia, como falsário, em disfarçar a sua caligrafia e SP, SPF, SP1: pericia; falsario imitar a alheia. SP, SPF, SP1: calligraphia Esse tredo252 recurso supunha-o Abílio muito SP, SPF, SP1: suppunha-o; Abilio seguro, não só porque a sua habilidade conseguira aperfeiçoá-lo mediante demorados e repetidos exercícios, como por ter-se em conta de um homem SP, SPF, SP1: aperfeiçoal-o SP, SPF, SP1: exercicios considerado e conhecido na alta sociedade por 20 honesto, probo253 e incapaz de cometer infâmias tais. SP, Considerava que, se Serafim ou outro qualquer se SP, abalançasse a denunciá-lo em público, seria tido como um infame caluniador e, levado aos tribunais, com SPF, SP1: commetter; infamias; taes; si; Seraphim SPF, SP1: denuncial-o; publico SP, SPF, SP1: calumniador; SP, SPF, SP1: tribunaes certeza nada poderia provar e perderia a partida. 25 252 253 Depois de tudo preparado como planeara, viajara a São Paulo, onde contava ainda mais obter SP, SPF, SP1: S. Paulo contra as suas vítimas. Lá conhecia indivíduos capazes SP, SPF, SP1: victimas; La; de auxiliá-lo, mediante paga, na sua obra nefanda, ou SP, SPF, SP1: auxilial-o conseguiria alcançar o seu objetivo por meios que já ia SP, SPF, SP1: objectivo; ja Tredo: falso. Probo: de cárater íntegro, reto, justo. individuos 339 30 delineando contando com as eventualidades que, como já sabemos, sabia aproveitar. O nosso herói conhecia o paradeiro do senhor 35 40 45 SP, SPF, SP1: heróe Oliveira, tendo conseguido, por abuso de confiança, SP1: canfiança (Erro óbvio.) interceptar as cartas que aquele dirigia a sua filha e a SP, SPF, SP1: aquelle João, as quais arquivava quando lhe convinha ou SP, SPF, SP1: quaes; archivava destruía. De sorte que dona Maria não tinha notícia de SP, SPF, SP1: distruia; d. Maria; seu pai. Lá uma outra vez recebia uma, falsificada por SP, SPF, SP1: pae; La Abílio, SP, SPF, SP1: Abilio; envolucro que aproveitava o invólucro e dava noticia informações que desorientassem os destinatários. Uma SP, SPF, SP1: destinatarios vez João em São Paulo, a sua prática era mais ou SP, SPF, SP1: S. Paulo; pratica menos a mesma em relação às cartas destinadas a SP, SPF, SP1: ás cartas; Seraphim Maria e Serafim, salvo quando traziam pecúlio. Neste SP, SPF, SP1: peculio; N’este caso achava meio de abri-las para verificar o texto e SP, SPF, SP1: abril-as; aquellas modificar aquelas notícias que pudessem prejudicar os SP, SPF, SP1: noticias; podessem seus planos; feito o que, relacrava-as com habilidade e SP, SPF, SP1: remettia entregava ou remetia aos destinatários se nada visse SP, SPF, SP1: destinatarios; si que o prejudicava. Vamos, pois, encontrar Abílio em Ribeirão SP, SPF, SP1: Abilio Preto, importante cidade das mais modernas do Estado 50 de São Paulo, na qual não o conheciam, pois era a SP, SPF, SP1:S. Paulo primeira vez que a visitava. Ao demais, sabia que Oliveira residia em lugar muito distante dali. Sempre precauto com quem quer que fosse, andando como SP, SPF, SP1: d’alli 340 55 atarefado quando em público, guardando absoluta SP, SPF, SP1: publico reserva, constantemente de pé atrás e examinando a SP, SPF, SP1: atraz furto a quem visse, quando lhe parecia pessoa 60 conhecida sua. Procurava, ou lugares solitários onde SP, SPF, SP1: solitarios tivesse certeza de garantia do seu incógnito, ou então SP, SPF, SP1: incognito onde houvesse multidão aglomerada no meio da qual SP, SPF, SP1: agglomerada pudesse confundir-se e examinar sem ser examinado. SP, SPF, SP1: podesse Nos trajos, no corte dos cabelos, na conservação da barba, no tratamudear que, de antemão, se exercitou, SP, SPF, SP1: ante-mão desfigurou-se por completo, de modo que, mesmo a pessoa mais sua conhecida, se enganaria ao vê-lo. 65 SP, SPF, SP1: vel-o Depois de muito procurar um alojamento que conviesse aos seus planos, encontrou de ordem muito inferior onde apenas se achavam dois pobres estrangeiros que mal pronunciavam uma ou outra SP, SPF, SP1: dous; extrangeiros SP, SPF, SP1: lingua palavra da nossa língua. 70 Entretanto, sabendo, pelas cartas que interceptara, residir nas imediações de Ribeirão Preto, SP, SPF, SP1: immediações um irmão de Maria, procurava vê-lo sem fazer SP, SPF, SP1: vel-o imprudentes indagações nem denunciar o seu desejo. Uma 75 feita encontrou Aristides e ficou impressionadíssimo com a sua fisionomia, pois no rosto do mancebo encontrou traços muito pronunciados de sua irmã. Desde então jurou aos seus SP, SPF, SP1: impressionadissimo; physionomia 341 80 deuses infernais não o perder de vista, seguindo-o sem SP, SPF, SP1: infernaes descanso por toda a parte, como um policial astuto, a SP, SPF, SP1: descanço; afim fim de ouvi-lo e colher alguma informação que lhe SP, SPF, SP1: ouvil-o escapasse em conversação com outros. Andando assim como a sombra de Aristides, 85 que não sabia ser objeto de tão tenaz vigilância, viu SP, SPF, SP1: objecto; vigilancia que o mancebo entrou em uma casa de pasto ordinária SP1: mas decente e logo em seguida ali entrou e pediu SP, SPF, SP1: alli mancedo (Erro óbvio.); ordinaria almoço vendo que o seu perseguido também o pediu. Estavam alguns rapazes da casa e conhecidos do irmão 90 de dona Maria, assentados em torno de uma grande SP, SPF, SP1: d. Maria mesa na qual se fazia o serviço. Abílio apenas saudou SP, SPF, SP1: Abilio os circunstantes com uma mímica e tomou assento. SP, Conservando-se preocupar-se taciturno e cabisbaixo, SPF, SP1: circumstantes; mimica parecia apenas com o repasto, mas tendo os SP, SPF, SP1: preoccupar-se ouvidos apurados, porque os outros entretinham uma conversação alegre e amistosa da qual tomava parte. 95 Contudo, temendo que o tomassem por algum SP, SPF, SP1: Comtudo indivíduo suspeito, já desejava que o abordassem, SP, SPF, SP1: individuo quando um dos circunstantes falou-lhe: SP, SPF, SP1: circumstantes –O amigo é novo na terra? –Sou 100 mi...mineiro do...do...do Norte – respondeu o meliante gaguejando e fazendo esgares, com tal habilidade que causaria hilaridade, não fosse o 342 SP, SPF, SP1: desagradal-o receio dos rapazes de desagradá-lo. –Mas reside aqui? – perguntou outro. –Na... nã... não. Estou... tou...de pass... 105 ss...sagem. Deixaram-no 110 115 em paz e continuaram a conversar entre si. Abílio, em silêncio, como SP, SPF, SP1: Abilio; silencio indiferente à palestra, ia colhendo informações que SP, SPF, SP1: indifferente; muito lhe eram precisas. Pelo que ouviu, ficou ciente SP, SPF, SP1: sciente de que o jovem era o mesmo Aristides Oliveira que ele SP, SPF, SP1: joven; elle procurava; que se achava desempregado, mas esperava SP, SPF, SP1: ja empregar-se já, por aqueles dias como secretário do SP, SPF, SP1: aquelles; secretario coronel Paulino, fazendeiro, graças à indicação e SP, SPF, SP1: á indicação recomendação de um seu amigo da elite de Ribeirão SP, SPF, SP1: recommendação Preto. Entre os circunstantes havia alguns baianos e paulistas. Abílio, a esta colheita, exultou; pois sabia á palestra SP, SPF, SP1: circumstantes; bahianos SP, SPF, SP1: Abilio que João se achava na fazenda do coronel Paulino, e o encontro dos dois era inevitável. No dia seguinte, Abílio arrumou as malas e no 120 SP, SPF, SP1: dous; inevitavel SP, SPF, SP1: Seguinte (,), Abilio primeiro trem viajou, procurando afastar-se o mais que SP, SPF, SP1:viajou (,) lhe fosse possível da zona de Jabuticabal e Bebedouro, SP, SPF, SP1: possivel onde sabia residir Oliveira, com quem não desejava encontrar, temendo ser reconhecido. Por precaução, entretanto, desde muitos meses, conservava a barba intonsa e muito crescida, deixava a cabeleira sem SP, SPF, SP1: cabelleira 343 125 corte, estopetada e sem trato, pelo menos aparente, e SP, SPF, SP1: apparente trajava-se sem apuro como qualquer simples caipira. SP: caipira; SPF, SP1: CAIPIRA Em SP, SPF, SP1: legitima tudo procurava disfarçar a sua legítima personalidade. Em diversas estações por onde passava, rumando para o Sul mais ou menos, deixava o 130 maldoso patife, onde houvesse serviço postal, cartas destinadas a Oliveira e pessoas outras do seu conhecimento. 135 Afinal parou em uma estação secundária de ferrovia nas proximidades de Faxina, SP, SPF, SP1: secundaria onde conhecia um terrível maroto da sua espécie com SP, SPF, SP1: terrivel quem já de outras vezes, entretiveram relações para SP, SPF, SP1: especie; ja fins ilícitos. SP, SPF, SP1: illicitos Felizmente para as suas infames maquinações, 140 encontrou Abílio outro, que o recebeu de braços SP, SPF, SP1: Abilio abertos SP, SPF, SP1: elle depois que ele se fez reconhecer cautelosamente sob nome de Rufino, por que o outro SP, SPF, SP1: Rufino (,) já o conhecia. O outro meliante não o reconheceu logo SP, SPF, SP1: ja por causa das barbas crescidas e cabelos emaranhados; logo que Abílio se deu a conhecer, mostrou-se alegre e comunicativo. –Então? – foi logo inquirindo risonho. – 145 SP, SPF, SP1: machinações Temos algum negocinho? –Há. Terá duzentos mil réis para ir já a SP, SPF, SP1: cabellos; emmaranhados,(;) SP, SPF, SP1: Abilio; conhecer (,) SP, SPF, SP1: communicativo SP, SPF, SP1: inquerindo 344 Ribeirão Preto. Dar-lhe-ei as instruções. SP, SPF, SP1: instrucções –E as passagens? –Por minha conta todas as despesas. Quer? 150 SP, SPF, SP1: despezas –Tenho outro negocinho, que me rende mais, para de hoje a quinze dias, e receio perdê-lo. –Há tempo para tratar dos dois. SP, SPF, SP1: perdel-o SP, SPF, SP1: Ha; dous –Conforme. O outro me rende trezentos mil réis, como disse... 155 –Livre de despesas? SP, SPF, SP1: despezas –Não tenho que viajar; o negócio é por aqui SP, SPF, SP1: negocio mesmo. –Em todo o caso o meu é mais vantajoso. –Ainda não sei do que se trata. Essas 160 vantagens que me oferece por fora do caso... É preciso SP, SPF, SP1: offerece que a gente saiba dos perigos que corre no desempenho do serviço. –É muito simples. Trata-se de um certo Aristides Oliveira. 165 –Conheço muito um tipo desse nome. É um baianito moço, metido a fidalgo e bonitote254. É para SP, SPF, SP1: bahianito; mettido despachá-lo? Teria eu muito gosto nisso, porque o tal SP, SPF, SP1: despachal-o; n’isso sujeito me causa certa antipatia. SP, SPF, SP1: antipathia –Nada de despachá-lo. Está em Ribeirão Preto, e por estes dias é bem fácil que viaje. Você irá à 254 SP, SPF, SP1: typo; d’esse Bonitote: um tanto bonito ou formoso. SP, SPF, SP1: despachal-o SP, SPF, SP1: facil; á Cidade 345 170 e por estes dias é bem fácil que viaje. Você irá à Cidade. É lá muito conhecido? –Quem? O tal? –Não. Você. –Sou e não sou. Sou, porque tenho lá dois 175 companheiros do oficio, rapazes de confiança. Não SP, SPF, SP1: dous SP, SPF, SP1: officio sou, porque lá não sabem de onde sou, o que faço e como me chamo, etc. –Está a calhar; mas há ainda uma circunstância que muito importa ao bom êxito do nosso negócio. 180 SP, SPF, SP1: ha; circumstancia SP, SPF, SP1: exito; negocio –Qual é? –Você conhece o Aristides bem; ele conhece SP, SPF, SP1: elle bem você? –Isto é que não. A minha arte exige que conheçamos 185 muito aos outros, mas sejamos desconhecidos. –Até aqui vamos bem. Decida agora se quer. SP, SPF, SP1: si –Depende de você. Chegue ao menos mais uns cinqüenta mil réis. –Com os duzentos e as despesas creio que já 190 SP, SPF, SP1: cincoenta SP, SPF, SP1: despezas; ja fica bem pago. –Qual! É preciso que eu me apresente na Cidade com certa decência e mude de trajo à volta e SP, SPF, SP1: descencia; á volta meia, conforme as circunstâncias e necessidade do SP, SPF, circumstancias SP1: meia (,); 346 trabalho. É preciso também às vezes oferecer um 195 SP, SPF, SP1: tambem; ás vezes; offerecer almoçozinho, uma pinga ou outro agrado... –Está bem. Dou-lhe os duzentos e cinqüenta, SP, SPF, SP1: cincoenta SP, SPF, SP1: comtanto contanto que siga no primeiro trem. –Essa condição já me é imposta pelo desejo de bem desempenhar a incumbência. Contratado 200 o negócio, é só receber os cobres como de costume e SP, SPF, SP1: incumbencia; Contractado SP, SPF, SP1: negocio abalar. –Como de costume sempre dei os cobres pela metade. –Isso já está entendido, além de mais alguma 205 coisa para despesas porque, como sabe, não se arranja SP, SPF, SP1: alem SP, SPF, SP1: cousa; despezas nada fiado nas estradas e nos pousos. –Diga-me agora o que tenho de fazer do moço bonito. –É simples. 210 E os dois tratantes entraram a conversar sobre o que deveria o mandatário realizar. Abílio expôs-lhe SP, SPF, SP1: dous SP, SPF, SP1: mandatario; realisar; Abilio; expoz-lhe que Aristides tinha uma irmã casada no estado da 215 Bahia, que o marido lá a deixou na miséria, vindo SP, SPF, SP1: la; miseria afinal a perder-se com o filho de um vizinho. Que o SP, SPF, SP1: visinho marido estava em São Paulo trabalhando na fazenda SP, SPF, SP1: S. Paulo do coronel Paulino, e ignorava o que por lá pela Bahia SP, SPF, SP1: la se dava. Que a pobre decaída chegara a ter um SP, SPF, SP1: decahida filhinho, que foi sacrificado no momento de vir à luz. SP, SPF, SP1: á luz 347 220 Deu os nomes dos personagens desse enredo calunioso SP, SPF, SP1: d’esse; calumnioso e recomendou ao seu assecla fazer tudo isso chegar ao SP, SPF, SP1: recommendou conhecimento de Aristides; mas de modo que este não soubesse que lhe davam a informação diretamente. SP, SPF, SP1: directamente –Sei muito como isso se faz – disse o meliante contratado – Arma-se uma conversação com outros na 225 SP, SPF, SP1: contractado presença do tal... –É isso; mas é preciso muita habilidade. –Estou prático nisso. Já embarquei duas com SP, SPF, SP1: pratico; n’isso; Ja estas; mas posso garantir que se corre muito risco, porque às vezes o que ouve a história quer 230 SP, SPF, SP1: ás vezes; historia explicações, provas que se não pode dar de momento, insulta de arma em punho; é preciso que se o repila... SP, SPF, SP1: repilla É o diabo mesmo! É o diabo! –Qual!... O Aristides é manso. –Sei eu lá?! Boi manso, cornada certa. Você já 235 brigou com ele? –Não; mas já tive ocasião de vê-lo insultado na cara, e não perdeu a paciência. 240 SP, SPF, SP1: elle SP, SPF, SP1: occasião; vel-o SP, SPF, SP1: paciencia –Sempre é bom que eu leve o meu revólver. SP, SPF, SP1: revolver –Como quiser; mas deve recear a polícia. SP, SPF, SP1: quizer; policia –Dessa não tenho eu medo. Meto-a num SP, SPF, SP1: D’essa; Metto-a; chinelo. Pois o famoso tenente Galinha não me pôde vencer, quanto mais esses idiotas. Discuti com o n’um SP, SPF, SP1: Gallinha 348 tenente de tal maneira que se tornou meu amigo. 245 Polícia de São Paulo, o mais é a fama. – E, por aí a SP, SPF, SP1: Policia; S. Paulo; fora, auto-elogiava-se, fanforronando, o miserável. SP, SPF, SP1: auto-elogiava-se; Realizado o pacto indecente dos ahi miseravel dois miseráveis, o instrumento vil de Abílio pôs-se logo a SP, SPF, SP1: Realisado; dous; miseraveis SP, SPF, SP1: Abilio; poz-se preparar viagem do outro que, por segurança, a pretexto 250 de camaradagem recomendações, e acompanhava-o de repetir-lhe fiscalizando SP, SPF, SP1: recommendações rigorosamente. Depois, examinando o seu canhenho 255 para verificar se não faltava alguma nota essencial, o SP, SPF, SP1: si que fez de combinação com Abílio, o meliante dispôs- SP, SPF, SP1: Abílio; dispoz-se se a viajar, estando tudo pronto e aproximando-se a SP, hora da partida do trem. Neste ponto Abílio entregou- SP, SPF, SP1: N’este; Abílio lhe o dinheiro do contrato e mais um agrado para SP, SPF, SP1: contracto SPF, SP1: prompto; approximando-se cigarros como disse procurando ainda mais captar a confiança do seu assecla a quem abraçou carinhosamente, dando-lhe nas costas palmadinhas 260 SP, SPF, SP1: palmadinhas amistosas e fazendo-lhe promessas de mais agrados realizada a empreitada, caso o negócio saísse ao seu SP, SPF, SP1: realisada; sahisse; negocio contento. –Que seja feliz, meu caro Felipe. Conte comigo em toda e qualquer circunstância. Tenho 265 amigos de grande valor tanto aqui como na Bahia e em Minas. SP, SPF, SP1: Felippe SP, SPF, circumstancia SP1: commigo; 349 –Eu sei, seu Rufino, e sou muito agradecido. Farei o que puder por ser-lhe útil e desempenhar a SP, SPF, SP1: util contento a sua comissão. SP, SPF, SP1: commissão –Estou certo disso meu amigo. 270 E nesse teor procuravam os dois tratantes, começando por ocultar os seus verdadeiros nomes, SP, SPF, SP1: n’esse; dous SP, SPF, SP1: occultar enganar um ao outro. XIII Poucos dias depois do que narramos no SP, SPF, SP1: capitulo capítulo anterior, andava Felipe pelas ruas de Ribeirão SP, SPF, SP1: Felippe Preto ostentando o porte de homem da boa sociedade, 5 bem trajado, de flor escarlate na lapela e gingando SP, SPF, SP1: lapella com certos ares de importância. Farejava como SP, SPF, SP1: importancia perdigueiro em procura de Aristides e de outro 10 qualquer negócio que pudesse surgir de repente, do SP, SPF, SP1: negocio; podesse qual pudesse tirar proveito. Dizia entre si: “Enquanto SP, SPF, SP1: podésse; Emquanto se descansa, carrega-se pedra. Um pão e um pedaço, SP, SPF, SP1: descança pão e meio.” Quando o gajo asseverou a Abílio conhecer a 255 SP, SPF, SP1: Abilio vítima das suas maranhas,255 não foi exato na sua SP, SPF, SP1: victima; exacto informação. É certo que já o tinha visto e realmente SP, SPF, SP1: ja Maranha: pacto, teia. 350 informação. É certo que já o tinha visto e realmente 15 sabia o seu nome; mas, como logo percebeu que era pobre e não poderia oferecer as vantagens que outros, tanto mais que desconfiou que se tratava de um rapaz inteligente que se não deixaria levar tão facilmente e cair nos seus enliços, não ligou grande importância à 20 caça tão desprezível, onde encontraria preás que lhe ofereceriam muito maiores lucros. Por isso não SP: não lhe poderia; SP, SPF, SP1: offerecer SP, SPF, SP1: intelligente SP, SPF, SP1: cahir; imprtancia; a caça SP, SPF, SP1: desprezivel; preas SP, SPF, SP1: offereceriam SP, SPF, SP1: physionomicos guardara com interesse os seus traços fisionômicos mais expressivos. Em todo o caso não deixaria de cumprir 25 30 exatamente as cláusulas do seu contrato com o suposto SP, SPF, SP1: exactamente; Rufino; que nisso vai a honestidade dos patifes. SP, SPF, SP1: n’isso; vae Assim, procurou a pensão indicada por Abílio, à hora SP, SPF, SP1: Abilio; á hora da segunda refeição. A sala estava cheia de fregueses, SP, SPF, SP1: freguezes em maior número do que quando Abílio lá estivera. O SP, SPF, SP1: numero; Abilio clausulas; contracto; supposto maroto saudou com ar sorridente e modos de cavalheiro a todos os presentes, alguns dos quais já o SP, SPF, SP1: quaes; ja conheciam. –É o coronel Norberto – informou um dos circunstantes ao vizinho, ao ver tão galante e distinto 35 figurão. –De onde? –Sei eu lá? SP, SPF, SP1: visinho; distincto circumstantes; 351 Os fregueses, notando que o recém chegado SP, SPF, SP1: freguezes; recen chegado desejava tomar assento, apertaram-se entre si, cada 40 qual querendo ter a honra de ficar vizinho de um SP, SPF, SP1: visinho cavalheiro tão distinto e galante que, afinal, teve SP, SPF, SP1: distincto dificuldade em fazer a escolha, para não desagradar SP, SPF, SP1: difficuldade com uma preferência que parecia proposital. O SP, SPF, SP1: preferencia pretenso coronel, de pé, braços cruzados, sorrindo 45 bondosamente a um e a outro, parecia hesitar. –Meus bons amigos, em que ficamos? – disse 50 sorrindo com amabilidade. – Não quero incomodá-los SP, SPF, SP1: incommodal-os nem dar preferência a este ou àquele lugar. O melhor é SP, SPF, SP1: prefeerencia; áquelle que eu aguarde outra ocasião. SP, SPF, SP1: occasião –Não, coronel, – disse aquele que informara ao vizinho, – escolha o lugar à sua vontade, que nenhum SP, SPF, SP1: aquelle SP, SPF, SP1: visinho(,); á sua de nós se zangará. –Apoiado! – bradaram diversos. –Não, meus amigos. Eu desejo satisfazer a 55 todos; não tenho preferência como disse. –Há mais de um lugar vago – disse um dos circunstantes indicando-os. SP, SPF, SP1: preferencia SP, SPF, SP1: Ha SP, SPF, SP1: circumstantes –Mas... – continuou o pretenso coronel a sorrir – pareceria que eu estabeleço deferências que podem 60 desagradar... SP, SPF, SP1: deferencias 352 –Coronel – aventou um magrizela,256 cara de fuinha, – escolha à sua vontade, que todos nós nos SP, SPF, SP1: -Coronel, (Emendouse.) SP, SPF, SP1: fuinha (,); á sua; nòs sentiremos honrados. Não acham, meus senhores? Creio que ninguém se zangará por isso. 65 –Decerto – observou um rapaz sério que parecia já enojado com aquela comédia. –Que escolha à sua vontade – aprovaram alguns enquanto outros nada diziam. SP, SPF, SP1: ninguem SP, SPF, SP1: serio SP, SPF, SP1: aquella; comedia. SP, SPF, SP1: á sua; approvaram SP, SPF, SP1: emquanto –Então... com licença, meus amigos – decidiu 70 o presumido Felipe assentando-se ao lado do cara de fuinha que, a um sinal, só perceptível ao malandro, foi SP, SPF, SP1: Felippe SP, SPF, SP1: signal; perceptivel por este reconhecido como um dos seus velhos colegas de malandrice. Restabelecida a ordem, ou, melhor diríamos, 75 SP, SPF, SP1: colleges SP, SPF, SP1: diriamos caído o pano, terminada a força, Felipe foi servido, e SP, SPF, SP1: cahido; panno(,); aqueles que se haviam interrompido para dar atenção SP, SPF, SP1: aquelles; attenção ao farsante continuaram a refeição. Recomeçou a SP, SPF, SP1: farçante, (,) Felippe alegre palestra dos moços que, quando a jantar nos hotéis, sentem-se em plena liberdade e isentos das 80 formalidades da etiqueta. –Então, coronel – perguntou o cara de fuinha ao recém chegado, – tem feito algum negócio? –Oh! Conhece-me? – inquiriu o pretenso coronel, simulando não conhecer o outro. 256 SP, SPF, SP1: hoteis Magrizela: variante de magricela. SP, SPF, SP1:coronel, (Emendouse.) SP, SPF, SP1: recem chegado(,); negocio SP, SPF, SP1: inqueriu SP, SPF, SP1:coronel (,) 353 coronel, simulando não conhecer o outro. 85 –Não se lembra que esteve comigo em Franca? Até comprei-lhe alguns objetos. SP, SPF, SP1: commigo SP, SPF, SP1: objectos –Lembro-me agora. O amigo tem bem conhecimento! Cheguei aqui hoje. –Traz bom sortimento? 90 –Trago restos. Vendi quase tudo e volto a SP, SPF, SP1: quasi buscar novo sortimento nos sertões de Minas e Bahia. –Aquilo é uma mina, heim? SP, SPF, SP1: Aquillo –O sertão baiano, bem entendido. Por ser SP, SPF, SP1: bahiano nortista muito pobre, faz-se alguma coisa. 95 SP, SPF, SP1: cousa –Por ser pobre?... –Sim. O amigo bem sabe que aquele povo, SP, SPF, SP1: aquelle especialmente do sertão meridional do seu Estado... –E o coronel – dizia o cara de fuinha com certo sarcasmo – também não é baiano? 100 105 257 SP, SPF, SP1: tambem; bahiano –Livra! Sou alagoano, da capital. –Bem sabe, porque é de lá, quais são as SP, SPF, SP1: la; quaes indústrias daquele povo: rendas feitas em almofadas, SP, SPF, SP1: d’aquelle trabalhos de ferro e latão, calçados ordinários, o que SP, SPF, SP1: ordinarios tudo vende por preços ridículos. E todos esses SP, SPF, SP1: ridículos artefatos são muito apreciados pelos biribas,257 que os SP, SPF, SP1: artefactos compram a peso de ouro, pode-se dizer. SP, SPF, SP1:ouro (,) Biriba: natural de São Paulo. 354 110 –E que tal vai minha terra? SP, SPF, SP1: vae –Venho dos municípios de Caeteté, Rio de SP, SPF, SP1: municipios Contas, Condeúba, Bom Jesus, Monte Alto e outros. SP, SPF, SP1: Candeuba Aquilo vai numa pasmaceira que causa lástima. SP, SPF, SP1: Aquillo; vae n’uma; O falso coronel mentia a todo o pano. Notando 115 lastina SP, SPF, SP1: panno que o moço sério a que nos referimos acima, e que se SP, SPF, SP1: serio achava quase em frente dele, prestava atenção com SP, SPF, SP1: quasi; d’elle(,); grande interesse às informações que ele dava ao cara SP, SPF, SP1: de fuinha, examinava-o a furto, daí vindo-lhe à idéia elle; d’ahi; á idéa que poderia ser o Aristides Oliveira. Na fisionomia do SP, SPF, SP1: phisionomia attenção as informações (Emendou-se acrescentando crase.); mancebo ia achando alguns traços de que se recordava per fas et per nefas,258 entendeu o meliante de entrar 120 SP: per fas et per nefas; SPF, SP1: PER FAS ET PER NEFAS em jogo conforme contratara com Abílio, e continuou SP, SPF, SP1: contractara; Abilio a conversar com o seu parceiro, encaminhado-se ao SP, SPF, SP1: parceiro(,) seu fim indigno. –Os sertanejos baianos chegam ao último grau de decadência. A gente válida foge para aqui SP, SPF, SP1: bahianos; ultimo SP, SPF, SP1: decadencia desprezando suas lavouras e o que não pode vender, 125 para emigrar. Os maridos abandonam as mulheres; estas, caindo na miséria, entregam-se à prostituição... –Estão no seu direito – disse o cara de fuinha sorrindo. –Não duvido. 258 Per fas et per nefas: per fas et nefas. SP, SPF, SP1: cahindo; miseria; á prostituição SP1: sorrindo- (Restaurou-se a pontuação substituindo travessão por ponto.) 355 –Eu mesmo, enfarado259 de uma que me 130 arrumaram nas costas, deixei-a lá com a ninhada. Decerto tomou o rumo das outras, e tratou da vida. Não faltam mulheres por toda a parte. E 135 o miserável cara de fuinha ria-se SP, SPF, SP1: miseravel desfaçadamente como se o que praticara fosse a coisa SP, SPF, SP1: si; praticou; cousa a mais simples e lícita do mundo. SP, SPF, SP1: licita –Agora mesmo – continuou o outro – deixei em voga em Caetité um caso interessante. –Mais uma bateu asa e voou, não? SP, SPF, SP1: Caeteté SP, SPF, SP1: aza –Não voou; apenas passou a outro dono. O 140 caso é o seguinte: –Um sujeito rico, um tal Oliveira – SP, SPF, SP1: Oliveira, (Emendou- e o miserável espiava de esguelha o jovem –, ficando SP, SPF, SP1: miseravel; joven,- (-,) se.) pobre, casou a filha com um tal João Lopes, que era filho único e possuía alguma coisa e veio para São SP, SPF, SP1: unico; possuia; cousa; S. Paulo Paulo. João Lopes, endividando-se, abandonou a 145 mulher com dois filhinhos na miséria e também SP, SPF, SP1: miseria; tambem emigrou para São Paulo, deixando a mulher entregue a SP, SPF, SP1: S. Paulo (,) um velho Serafim, que tem dois filhos rapazes. O SP, SPF, SP1: Seraphim; velho maganão260, que é compadre da casa, passados tempos, sabe o que fez? 150 –Tomou conta da comadre mais intimamente. –Nada. Deu-a ao filho mais velho, que andava 259 260 Enfarado: aborrecido. Maganão: indivíduo de baixa extração. SP, SPF, SP1: tempos (,) 356 de água no bico, a comadre Maria da Conceição. O SP, SPF, SP1: agua resultado disso foi um netinho para Serafim. SP, SPF, SP1: d’isso; nettinho; –Esse netinho intruso foi uma dos diabos. 155 Seraphim SP, SPF, SP1: nettinho –Qual!! Reuniram-se e deram fim a esse documento vivo do escandaloso caso tornando-o morto. Eu poderia referir centenários de casos deste; SP, SPF, SP1: centenares; d’este mas preferi-o porque é interessantíssimo. SP, SPF, SP1: interessantissimo O perverso, referindo esse caso calunioso de 160 SP, SPF, SP1: calumnioso pura invenção de Abílio, espiava o resultado que SP, SPF, SP1: Abilio produziria no jovem. Este, pálido, trêmulo e suarento, SP, SPF, SP1: joven; pallido; tremulo não continuou a refeição. Suspenso, indeciso, não sabendo que resolução tomar, continuou com os talheres na mão, involuntariamente denunciando-se o 165 próprio irmão da vítima daquela insidiosa calúnia. O falso coronel exultou, o cara de fuinha ria-se descaradamente fazendo comentários do caso em termos tais que fariam corar um frade de pedra. 170 SP, SPF, SP1: tomasse (Emendou-se concordando tempo verbal.) SP, SPF, SP1: proprio; victima d’aquella; calumnia SP, SPF, SP1: commentarios SP, SPF, SP1: taes O desejo de Aristides era esganar os dois SP, SPF, SP1: dous biltres; mas lembrou-se a tempo que isso seria pior. SP, SPF, SP1: peor Depois, quem sabia se isso era uma verdade? Maria da SP, SPF, SP1: si Conceição, como estava informado, era uma senhora 175 virtuosa, e o velho Serafim um homem honesto digno SP, SPF, SP1: Seraphim de acatamento. Quem sabe, porém, se as dificuldades SP, da vida, em um meio pobre como aquele, não levara a SP, SPF, SP1: aquelle SPF, SP1: difficuldades porem; si; 357 pobre senhora à perdição? Não conhecia João Lopes SP, SPF, SP1: á perdição pessoalmente; mas Oliveira tinha-o em conta de probo e laborioso, como diversas vezes disseram-lhe, queixando-se apenas de não obter resposta de uma 180 carta sequer das que lhe escrevera, revelando-se por SP, SPF, SP1: siquer; porfim fim a deixar de escrever-lhe e à sua filha. SP, SPF, SP1: á sua Entretanto Serafim, sendo tal como informara- 185 SP, SPF, SP1: Seraphim lhe seu pai, devia ser zeloso pela família que fora SP, SPF, SP1: pae; familia; foi confiada à sua guarda e proteção. Dispondo de SP, SPF, SP1: á sua; protecção recursos, como Oliveira dizia, se consentira que dona SP, SPF, SP1: consentiu; d. Maria Maria, caída em penúria com os filhinhos, se visse SP, SPF, SP1: cahida; penúria; viu- obrigada a dar um passo errado, era responsável e se SP, SPF, SP1: responsavel tanto mais indigno quanto deixar que seu filho fosse o causador de tamanha e tão vergonhosa desgraça. E 190 João Lopes, o homem de bem, segundo dizia Oliveira, onde parava? Por que não acudia sua mulher e seus filhinhos na triste conjuntura a que chegaram? Por que SP, SPF, SP1: Porque SP, SPF, SP1: conjunctura; Porque não escrevia ao seu sogro quando se achava na Bahia? Por que, vindo para o Estado de São Paulo, procurou? 195 SP, SPF, SP1: Porque; S. Paulo Todos estes pensamentos revoluteavam no cérebro do pobre moço, que não achava uma explicação para os tristes acontecimentos que aquele SP, SPF, SP1: aquelle tipo SP, SPF, SP1: typo; indispensavel noticiava. Era preciso, era indispensável conversar com aquele homem em reserva para que SP, SPF, SP1: aquelle 358 200 205 esclarecesse menudamente o caso, como dele foi SP, SPF, SP1: delle informado e porque o tomou como paradigma ali o SP, SPF, SP1: alli; referindo-o referindo de preferência ao tipo ordinário com quem SP, SPF, SP1: preferencia; typo; conversava de igual para igual, sendo, entanto, um SP, SPF, SP1: egual; egual; emtanto homem de boa aparência e trato, quando o outro, pela SP, SPF, SP1: apparencia cara, pelo rir, pelas indecências que proferiu, SP, SPF, SP1: indecencias denunciava-se um sujeito da pior espécie. SP, SPF, SP1: especie Neste ponto Aristides teve a seguinte idéia: – (Emendou-se ênclise para próclise.) ordinario SP, SPF, SP1: N’este; idéa Será que o narrador das desgraças alheias o conhecia e 210 propositalmente dera aquela notícia em sua presença? SP, SPF, SP1: aquella; noticia Seria possível, mas, para que assim fosse, era preciso SP, SPF, SP1: possivel que soubesse da ligação que existia entre ele, Oliveira SP, SPF, SP1: elle e Maria da Conceição, e que conhecesse toda a família SP, SPF, SP1: familia e os antecedentes. O falso coronel Norberto, notando o ar abstrato de Aristides, sentia-se contente pelo feliz 215 SP, SPF, SP1: abstracto SP, SPF, SP1: pello resultado da insidiosa insinuação que lançara a esmo e conseguira alcançar o fim almejado logo no começo da sua diligência. Estavam ganhos os seus duzentos SP, SPF, SP1: diligencia mil réis; a semente da intriga foi lançada em bom terreno e monção, e germinaria por certo. O infame 220 notava que, além de Aristides e do cara de fuinha, SP, SPF, SP1: alem alguns outros dos circunstantes que estavam mais SP, próximos prestavam atenção com malicioso interesse SPF, proximos SP1: circumstantes; 359 ao conto, alguns sorrindo, outros lhe dirigindo gestos de agrado, destes sujeitos que farejam escândalos com 225 prazer. Por isso o narrador procurou dar mais vulto ao episódio inventado, exagerando o caso em reiterados SP, SPF, SP1: episodio comentários SP, SPF, SP1: commentarios ou palavras maliciosas que o condimentassem tratando-o agradável e atraente. Aristides, entretanto, ficou taciturno, à espera 230 SP, SPF, SP1: d’estes; escandalos de poder conversar a sós com o noticiador do SP, SPF, SP1: agradavel; attrahente SP, SPF, SP1: emtretanto(,) taciturno (,); á espera SP, SPF, SP1: escandalo escândalo que lhe feria profundamente o coração e conturbava o espírito. Afinal os fregueses foram retirando-se um a SP, SPF, SP1: espirito SP, SPF, SP1: freguezes um. Quando o falso Norberto erguia-se para fazer o 235 mesmo, o jovem levantou-se. O pseudocoronel SP, SPF, SP1: joven; pseudo coronel demorou-se palestrando com o cara de fuinha em voz 240 baixa. Sobre o que confabulavam os dois? Ainda SP, SPF, SP1: dous tratavam de comentar e explicar o fato narrado? SP, SPF, SP1: facto Aristides prestava atenção e, como na sala estivesse SP, SPF, SP1: attenção restabelecido o silêncio, pôde, por uma ou outra SP, SPF, SP1: silencio palavra que o cara de fuinha proferira em voz esganiçada, perceber que os dois já eram conhecidos e SP, SPF, SP1: dous faziam qualquer combinação. O mancebo foi postar-se 245 na porta da saída do edifício onde aguardou o falso SP, SPF, SP1: sahida; edificio coronel. Quando este apareceu alguns minutos depois, SP, SPF, SP1: appareceu Aristides, resoluto, aproximou-se. SP, SPF, SP1: approximou-se 360 –Cavalheiro – disse-lhe, – tenho necessidade SP, SPF, SP1: Cavalheiro, - disselhe(,) - tenho de conversar com o senhor onde e quando lhe for SP, SPF, SP1: possivel possível dar-me essa honra. 250 –A honra será toda minha – respondeu o birbante261 com um sorriso amável, apesar de sentir-se SP, SPF, SP1: amavel; apezar um pouco receoso. –Obrigado. Como ouvi vossa senhoria referir 255 um fato dado no sertão baiano, meu querido berço, SP, SPF, SP1: facto; bahiano desejo ouvi-lo sobre ele mais circunstanciadamente. SP, –Mas ... se vossa senhoria veio de lá, deve SPF, SP1: ouvil-o; elle; circumstanciadamente SP, SPF, SP1: si; la saber a respeito tanto como eu. –Vim de lá em criança. É verdade que, quando vim, já tinha a consciência um pouco desenvolvida. 260 265 SP, SPF, SP1: la; creança SP, SPF, SP1: consiciencia Recordo-me com saudade da terra querida onde nasci. –Eu também sou nortista. Nasci em Alagoas, a SP, SPF, SP1: tambem; Alagôas terra gloriosa que deu à Pátria os heróicos Fonsecas e SP, SPF, SP1: á Pátria; heroicos Floriano. Deste último sou parente próximo e, até, SP, SPF, SP1: D’este; ultimo; conheci-o SP, SPF, SP1: d’elle pessoalmente e dele recebi muitos obséquios. –Eu, pelo contrário, sou filho de pais modestos proximo SP, SPF, SP1: obsequios SP, SPF, SP1: contrario; paes e obscuros que não passaram de agricultores. –São as contradições deste mundo. Nem todos têm a sorte que eu tive. 261 Birbante: patife, tratante. SP, SPF, SP1: contradicções; d’este 361 270 O maroto, além das outras qualidades, era um SP, SPF, SP1: alem reles gabolas que mentia com a maior desfaçatez. Receando que Aristides abordasse o escabroso assunto SP, SPF, SP1: assumpto da sua narração ao cara de fuinha, pois bem sabia com quem tratava, ia fazendo obstrução – como se diz e 275 usa nos parlamentos – elogiando-se e à sua “gloriosa SP, SPF, SP1: obstrucção SP, SPF, SP1: á sua terra”. O cara de fuinha, considerado sem interesse para si a longa palestra, foi se escafedendo, com o que muito se alegrou Aristides, que não desejava falar sobre o caso em presença de testemunha tão antipática 280 e sórdida. SP, SPF, SP1: antiphatica SP, SPF, SP1: sordida Aproveitando uma ligeira folga, procurou o mancebo encaminhar a conversa ao fim que tinha em vista. –Vossa senhoria, desculpe-me. Disse que 285 SP, SPF, SP1: senhoria (,) desejo falar-lhe... não se recorda? –Sobre o que? – indagou o falso coronel fazendo-se esquecido. 290 –Sobre o fato que há pouco relatava. SP, SPF, SP1: facto; ha –O fato deu-se como já referi e o senhor SP, SPF, SP1: facto; ja –Não se trata disso. Desejo saber quem o SP, SPF, SP1: d’isso ouviu. inteirou desse escândalo. –Não posso me lembrar. Demais, que interessa SP, SPF, SP1: d’esse; escandalo 362 295 isso a vossa senhoria? Se é por amor de sua terra, bem SP, SPF, SP1: Si sabe que em toda terra dão-se fatos como o que relatei. SP, SPF, SP1: factos Salvo se.... SP, SPF, SP1: si – Salvo se o que? SP, SPF, SP1: si –Se se trata de parentes ou amigos de vossa SP, SPF, SP1: Si senhoria. 300 –Pois bem, declaro-lhe francamente que me interesso pelas pessoas que figuram no episódio que SP, SPF, SP1: episodio relatou. –Perdeu o seu tempo, meu caro senhor. Se são SP, SPF, SP1: Si amigos, digo-lhe, como mais experimentado, que 305 amigos modernamente nada valem. Quando parentes andam sem cotação alguma... –Entretanto, ainda a pouco vossa senhoria SP, SPF, SP1: Entretanto (,); ha (Erro óbvio.) gabava-se de parente do marechal. –Ah!... Mas o Floriano era um homem 310 eminente cujo parentesco muito me honra, e o cavalheiro disse-me que é de origem muito modesta. –A modéstia é uma virtude, senhor! SP, SPF, SP1: modestia –Virtude! O senhor! Ainda é muito ingênuo! SP, SPF, SP1: ingenuo –Desculpe-me; mas conceda-me dizer-lhe que 315 me admira um homem da sociedade culta, como se proclama, externar conceitos dessa ordem. Se a SP, SPF, SP1: d’essa; Si modéstia dos meus ascendentes é por vossa senhoria SP, SPF, SP1: modestia 363 320 considerada sem valia, aplicada como deseja essa SP, SPF, SP1: applicada apreciação à sociedade em geral... ainda uma vez peço SP, SPF, SP1: á sociedade desculpa – então vossa senhoria... – E Aristides hesitou. –Acabe, senhor. –Então vossa senhoria... não é virtuoso. –Homem essa! Ah! Ah! Ah! – exclamou o 325 SP, SPF, SP1: Hom’essa biltre rindo-se a bandeiras despregadas. – Sou virtuoso; mas sigo a virtude moderna. Não dou para frade pregador. –Nem eu tampouco, senhor! – exclamou Aristides com azedume. –Chegou a minha vez de pedir a vossa 330 senhoria que me desculpe a brincadeira. É que muito me simpatizei com o meu jovem interlocutor e, com SP, SPF, SP1: sympathizei; joven; os bons que considero, meto-me a brincalhão. Sei que SP, SPF, SP1: metto-me interlocultor a virtude, a verdadeira virtude ainda existe; mas soterrada sob a espessa camada dos interesses e 335 ambições pessoais. SP, SPF, SP1: pessoaes –Mas respira, tem vida e surgirá por fim. SP, SPF, SP1: porfim –Tenho minhas dúvidas a respeito; sou um SP, SPF, SP1: duvidas pouco cético. SP, SPF, SP1: sceptico –Seja como for, as pessoas que figuram no episódio narrado por vossa senhoria são da minha SP, SPF, SP1: episodio 364 340 estima, e, por isso desejo saber se o fato narrado é uma SP, SPF, SP1: si; facto verdade. –Sou incapaz de mentir: O senhor ofendeu-me. SP, SPF, SP1: offendeu-me –Em que? Vossa senhoria é testemunha ocular? 345 –Não; mas ouvi de pessoas acima de qualquer suspeita. –O caso é tão grave que exige uma sindicância. Vossa senhoria terá a bondade de SP, SPF, SP1: syndicancia mencionar o nome dessas pessoas. SP, SPF, SP1: dessas 350 –Para que? Quererá ir a Bahia por amor disso? –Se tanto for preciso, lá irei. SP, SPF, SP1: Si –Mostra um interesse fora do comum por um SP, SPF, SP1: commum caso tão banal. 355 –Banal?! – exclamou Aristides quase irritado. SP, SPF, SP1: quasi –Banal, sim; porque nos seus sertões isso é SP, SPF, SP1: commum: (.) comum. –Entre infames e desclassificados. Entretanto, como já disse, trata-se de pessoas dignas de todo o respeito que talvez mereçam mais conceito, embora 360 modestas, do que os informantes que diz vossa senhoria. Desejo saber o nome destas. –Não posso me lembrar assim do pé para a mão. SP, SPF, SP1: d’estas 365 –Isso muito me admira. Sabe vossa senhoria 365 que são os informantes dignos de fé e, portanto, pessoas classificadas entre os da alta camada social, e não se lembra dos seus nomes! –É fácil de compreender o que lhe parece incompreensível, meu jovem senhor. Pelo fato de 370 SP, SPF, SP1: facil; comprehender SP, SPF, SP1: incomprehensivel; joven; facto serem os informantes pessoas de destaque como concluiu, não se segue que retenhamos na memória os SP, SPF, SP1: memoria seus nomes. Ouvi-as em uma reunião seleta para a SP, SPF, SP1: selecta qual fui convidado sem que eu, entretanto, me interessasse pelo assunto, nem sobre ele fizesse 375 SP, SPF, SP1: assumpto; elle indagação. Interessou-me somente o caso no geral, isto é, no que diz respeito à decadência daquele meio SP, SPF, SP1: á decadencia; d’aquelle social. Entre essas pessoas eu só conhecia uma, minha amiga, que concorreu para o meu convite. –E esse quem é? 380 –O capitão Rufino. Conhece-o? –Conheço muitas pessoas de Caetité pelo nome; mas esse capitão Rufino é-me estranho. SP, SPF, SP1: extranho –Por minha vez admiro-me; pois o capitão é um moço da mais alta sociedade de Caetité. Muito 385 rico, filho único de uma viúva rica, tem vindo muitas SP, SPF, SP1: unico; viuva vezes a São Paulo. Esteve mesmo estudando na capital SP, SPF, SP1: S. Paulo deste Estado. 366 –Não se lembra de outro? Fazendo um esforço SP, SPF, SP1: memoria de memória, pode ser que se lembre. 390 –Desejo ser-lhe agradável; mas, por mais que SP, SPF, SP1: agradavel me esforce... – dizia naturalmente o maroto como quem procurasse recordar-se. – Ah! sim! – concluiu. – Lembro-me do coronel Ambrósio, do major Febrônio. SP, SPF, SP1: Ambrosio; Febronio Estes o falso coronel inventou de momento 395 para iludir. Desenganado de obter mais informações, SP, SPF, SP1: illudir Aristides agradeceu ao falso coronel as que conseguiu e despediu-se; mas o biltre, ainda mostrando-se gentil, 400 quis saber qual o grau de parentesco existente entre o SP, SPF, SP1: quiz jovem e a senhora contra quem caía a imputação da SP, SPF, SP1: joven; cahia falta noticiada. Essa curiosidade muito desgostou a Aristides. –É parenta próxima, – informou o moço, – basta que lho diga; mas não a conheço senão por SP, SPF, SP1: proxima SP, SPF, SP1: lh’o; sinão informações que me merecem fé. 405 E retirou-se para não ser abordado pelo maroto, que, embora lhe parecesse pessoa importante, desconfiou que era leviano e poderia repetir o episódio SP, SPF, SP1: episodio aumentando SP, SPF, SP1: augmenttando com o que conhecesse sobre o parentesco. 410 O miserável instrumento de Abílio ainda permaneceu ali alguns minutos a fazer cálculos sobre SP, SPF, SP1: miseravel; Abilio SP, SPF, SP1: alli; calculos 367 os resultados que colheu ou colheria na sua confabulação com Aristides, pondo em ordem tudo e preenchendo alguns claros de maneira que o mandante 415 SP, SPF, SP1: gorgeta lhe desse mais alguma gorjeta. XIV Aristides retirou-se levando o coração muito 5 10 angustiado. Embora fosse um moço inteligente e SP, SPF, SP1: intelligente atiçado, SP, faltavam-lhe a necessária prática e SPF, SP1: necessaria; pratica experiência para conhecer que o falso coronel era um SP, SPF, SP1: experiencia biltre miserável e caluniador. Honesto como era, SP, julgava os demais por si, e apenas admitia que o SP, SPF, SP1: admittia coronel fosse um pouco leviano e frívolo sem más SP, SPF, SP1: frivolo intenções. Se era certo o que aquele homem ouvira de SP, SPF, SP1: Si; aquelle SPF, SP1: miseravel; calumniador outrem e referira em segunda mão, a honra de sua família havia derruído262 com a queda da esposa de SP, SPF, SP1: familia; derruido João, sua irmã, considerada como um modelo de virtudes. Lembrou-se de seu pai, que se referia sempre àquela filha querida que constituía a sua glória, com 15 orgulho, mas um orgulho santo e nobre que lhe enchia o coração de contentamento em sua velhice e 262 Derruído: desmoronado. SP, SPF, SP1: pae SP, SPF, SP1: constituia; gloria áquella; 368 o coração de contentamento em sua velhice e decadência. O que seria de Oliveira quando soubesse SP, SPF, SP1: decadencia SP, SPF, SP1: d’esse; d’essa desse triste desmontar de sua honra, dessa vergonha inominável que caia sobre o seu nome, golpe 20 cahia tremendo desfechado por aquela a quem tanto amava? Quem sabe, porém, se Oliveira já não sabia desse SP, SPF, SP1: aquella; porem; triste acontecimento? Era preciso, sondá-lo e, em caso SP, SPF, SP1: sondal-o de estar ciente da ignomínia263 que a sua querida SP, 264 atirava-lhe às cãs, procurar consolá-lo e levantar-lhe o ânimo. 25 SP, SPF, SP1: inominavel; si; d’esse SPF, SP1: sciente; ignominia SP, SPF, SP1: ás cãs; consolalo; animo Havia tempo bastante para a sua ida e volta antes de vencido o prazo a realização do seu contrato SP, SPF, SP1: realisação; contracto com o coronel Paulino; e Aristides embarcou logo no dia seguinte em direção a Bebedouro. 30 SP, SPF, SP1: direcção Fazia cerca de três meses que Aristides SP, SPF, SP1: tres estivera com seu pai, que encontrou relativamente SP, SPF, SP1: pae alegre e satisfeito na sua modesta vivenda campestre. 35 263 264 Agora o encontrou pálido, desfeito e com um ar triste SP, SPF, SP1: encontrou-o que debalde procurava ocultar sob um sorriso forçado próclise.); pallido; occultar e manifestações de fingido. Não quis o mancebo SP, SPF, SP1: quiz abordar logo, mesmo indiretamente, o assunto que o SP, SPF, SP1: indirectamente; levara ali, não só por ter receio de passar por delator SP, SPF, SP1: alli da vergonhosa condição a que sua irmã caíra, como SP, SPF, SP1: cahira Ignomínia: grande desonra. Cãs: cabelos brancos. (Emendou-se ênclise assumpto para 369 por esperar que seu pai o informasse. Oliveira, SP, SPF, SP1: pae entretanto, durante o dia, limitava-se a tratar com seu 40 filho sobre assuntos de lavoura e economia, isso SP, SPF, SP1: assumptos mesmo em poucas palavras, percebendo Aristides que ele, o pouco que conversava espontaneamente, levava SP, SPF, SP1: elle expontaneamente em vista desviar o filho de qualquer indagação. Afinal, à tardinha, quando davam um passeio 45 pela chácara, Aristides abalançou-se a falar sobre SP, SPF, SP1: á tardinha SP, SPF, SP1: chacara Maria. –Meu pai tem tido notícias da Bahia?– SP, SPF, SP1: pae; noticias perguntou. Oliveira como que sobressaltou-se a essa 50 interrogação, procurou conter-se e, mirando seu filho com certa indecisão, perguntou-lhe: –Por que me perguntas isso? Sabes de alguma SP, SPF, SP1: Porque novidade por lá? –Tenho lido algumas gazetas da Capital e vejo 55 SP, SPF, SP1: politica que a política... –E dos sertões? SP, SPF, SP1: secca; anno –A seca do ano passado... –Dessa já tive informação por alguns SP, SPF, SP1: D’essa; immigrantes imigrantes que casualmente encontrei. Fica certo, meu 60 filho, que a tão falada seca dos nossos sertões baianos SP, SPF, SP1: secca; bahianos não é a causa do atraso do nosso querido Estado. A SP, SPF, SP1: atrazo 370 verdadeira causa da decadência da Bahia são os SP, SPF, SP1: decadencia políticos ambiciosos e o desleixo do governo, que não SP, SPF, SP1: poiticos dota os nossos ricos e vastos sertões de boas estradas, 65 que não fomenta as indústrias, que não trata de SP, SPF, SP1: industrias aproveitar as enormes riquezas que lá estão à espera SP, SPF, SP1: á espera de quem as explore. –E de Maria nada sabe? – arriscou Aristides. –Sei, 70 filho, – respondeu Oliveira procurando por um grande esforço ocultar a emoção SP, SPF, SP1: occultar de que se possuiu. – E tu também sabes, percebo. SP, SPF, SP1: tambem Ambos 75 meu ficaram silenciosos por alguns momentos andando por entre as árvores sem coragem SP, SPF, SP1: arvores de fitarem-se. Depois Aristides rompeu o silêncio. SP, SPF, SP1: silencio –Mas pai conhece em Caetité o capitão Rufino, o coronel Ambrósio e o major Febrônio? SP, SPF, SP1: pae SP, SPF, SP1: Ambrosio –Não. Devem ser pessoas que lá chegaram depois da minha saída. Por que desejas saber desses SP, SPF, SP1: sahida; Porque homens? 80 –É cá por certas razões... –Que me queres ocultar, não? SP, SPF, SP1: occultar –Há coisas, meu pai, que realmente nos SP, SPF, SP1: Ha; cousas; pae tornam indecisos e pesa-nos referir, tão dolorosas e irremediáveis são. 85 –Já sei do que se trata, e bem avalias como me SP, SPF, SP1: irremediaveis SP, SPF, SP1: Ja 371 acho. À primeira vista parece-me um pesadelo terrível SP, SPF, SP1: A’ primeira; o que veio ao meu conhecimento. Será possível, meu SP, SPF, SP1: possivel terrivel filho, que se desse isso? 90 95 –Como soube, meu pai? SP, SPF, SP1: pae Ambos, pai e filho, estavam certos do que SP, SPF, SP1: pae cada um deles pensava. Evitavam pronunciar o nome SP, SPF, SP1: delles daquela que, para ele foi sempre o símbolo da virtude, SP, SPF, SP1: daquella; elle; da honra e da dignidade, e que agora era o cadáver SP1: eadaver (Erro óbvio.) putrefato de tudo isso. Ainda se achavam indecisos SP, SPF, SP1: putrefacto diante da figura subjetiva de Maria, que lhes parecia SP, SPF, SP1: deante sorrir com o seu ar de bondade e candura protestando SP, SPF, SP1: subjectiva contra a imputação que caía sobre o seu caráter. SP, SPF, SP1: cahia; caracter symbolo Oliveira não respondeu ao filho. Tirando da algibeira um papel dobrado entregou-o a Aristides, que, 100 abrindo-o, leu pausadamente entremeando a leitura de SP, SPF, SP1: intermeando passageiros momentos de meditação. SP, SPF, SP1: medittação Era uma carta concebida nestes termos: “Meu SP, SPF, SP1: n’estes bom e velho amigo. Sinto uma grande hesitação ao 105 escrever esta, que comecei há três dias, irresoluto de SP, SPF, SP1: ha; tres remetê-la ao seu destino, tão grave é o que nela refiro. SP, SPF, SP1: remettel-a; nella Sou e serei sempre seu dedicado amigo e, entre o receio de perpetuar-lhe a tranqüilidade de espírito e o SP, SPF, SP1: tranquallidade; dever de lamentar a terrível desgraça que caiu sobre a SP, SPF, SP1: terrivel; chaiu sua felicidade, escolhi a franqueza e lealdade. Dona SP, SPF, SP1: D. Maria espirito 372 110 115 Maria, sua filha dileta, abandonada pelo marido, do SP, SPF, SP1: dilecta qual nem notícia tem, caiu em tal estado de indigência SP, SPF, SP1: noticia; cahiu; e miséria que... (perdoe-me, amigo) poupe-me referir- SP, SPF, SP1: miseria; perdôe- lhe as dolorosas conseqüências disso. Um filho do SP, SPF, SP1: consequencias; velho Serafim, abusando da confiança que o marido SP, SPF, SP1: Seraphim (,) ausente depositava no seu velho mestre, meteu-se SP, SPF, SP1: metteu-se dentro... O velho, sabendo do caso, a princípio SP, SPF, SP1: principio procurou negar o fato quando caiu no conhecimento SP, SPF, SP1: facto; cahiu da opinião pública. Não o conseguindo, quis atribuí-lo SP, SPF, SP1: publica; quiz; indigencia me d’isso attribuirl-o a um homem conceituado e digno de toda a 120 consideração, mas foi pior. Houve atrito entre os dois, SP, SPF, SP1: peor; attrito o escândalo foi vergonhoso.” SP, SPF, SP1: escandalo “Quando soube disso, apesar de residir longe, 125 SP, SPF, SP1: d’isso; apezar procurei sindicar o fato com reserva e remediá-lo SP, SPF, SP1: syndicar; facto; como velho amigo da família, nada conseguindo SP, SPF, SP1: familia senão verificar a triste realidade. Tenha paciência, SP, SPF, SP1: sinão; paciencia meu amigo, e desculpe-me inteirá-lo disto ferindo-lhe SP, SPF, SP1: inteiral-o; d’isto o bondoso coração de pai, que sei quanto ama a sua SP, SPF, SP1: pae remedial-o filha dileta. Aceite um apertado abraço do seu velho e sincero amigo S.” 130 A carta não estava assinada senão por uma letra inicial. Aristides dobrou-a e entregou a seu pai. –A carta – informou Oliveira – não me veio da Bahia. No envelope trazia o carimbo do correio de SP, SPF, SP1: sinão; lettra SP, SPF, SP1: pae SP, SPF, SP1: -A carta, (-) SP, SPF, SP1: enveloppe 373 Curvelo, o que me faz crer que aquele que a escreveu 135 SP, SPF, SP1: Curvello; aquelle não está na Bahia. SP, SPF, SP1: attribue –E vosmecê a quem atribui? –Não pude descobrir quem é esse amigo. –Amigo anônimo. Meu pai conhece a caligrafia desse amigo? 140 145 SP, SPF, SP1: anonymo; pae; calligraphia SP, SPF, SP1: d’esse –Por ela não posso saber quem seja. SP, SPF, SP1: ella –Há uma ciência, da qual já li alguma coisa, SP, SPF, SP1: sciencia; cousa pela qual se conhece o caráter do indivíduo pelo tipo SP, SPF, SP1: caracter; da sua letra. Também, além desta, há outra, a SP, SPF, SP1: lettra; Tambem; grafognomia, pela qual se conhece, como pretendem, SP, SPF, SP1: graphognomia quem é o autor da escrita. Muita vez, examinando a SP, SPF, SP1: escripta carta, poder-se-á, mesmo sem o auxílio dessas SP, SPF, SP1: auxilio; d’essas pretendidas ciências, chegar a algum resultado. SP, SPF, SP1: sciencias individuo; typo alem; d’esta –Pois bem: examina a carta demoradamente e poderás talvez conseguir alguma coisa. 150 SP, SPF, SP1: cousa Chegando em casa, Aristides de novo leu a carta e pôs-se a examiná-la cuidadosamente, embora SP, SPF, SP1: poz-se; seu pai julgasse isso dispensável como lhe parecia, SP, SPF, SP1: pae; dispensavel examinal-a porque talvez não tivesse fé no resultado. O mancebo, entretanto, depois de demorado exame, concluiu que a 155 letra era disfarçada; que quem escreveu procurou SP, SPF, SP1: lettra ocultar a sua verdadeira caligrafia, pois que em muitos SP, passos da escrita, talvez por causa da pressa, SP, SPF, SP1: escripta SPF, SP1: calligraphia occultar; 374 160 escapavam letras que muito diferiam do geral adotado. SP, Oliveira, porém, de boa fé, desculpou o amigo que lhe SP, SPF, SP1: porem escrevera. Não fez isso por mal; apenas não quis SP, SPF, SP1: quiz denunciar-se temendo ser tomado por SPF, SP1: lettras; differiam; adoptado algum intrigante. –Não, meu pa,;– observou-lhe Aristides.– Se é SP, SPF, SP1: pae;(,); Si um verdadeiro amigo, devia ter confiança em vosmecê 165 e ser-lhe inteiramente franco. –Seja como for, o que devemos fazer agora? –Se me fosse possível, eu iria ao sertão baiano tirar isso a limpo. O velho professor Serafim é um SP, SPF, SP1: Si; possivel; bahiano SP, SPF, SP1: Seraphim homem de bem como vosmecê mesmo mais de uma 170 vez tem me afirmado, e é incapaz de praticar uma SP, SPF, SP1: affirmado ação tanto indigna quão infame. SP, SPF, SP1: acção –De acordo; mas certamente os filhos, que não SP, SPF, SP1: accordo; sabemos quem são, não haviam de consultar ao velho 175 sobre o que fizeram. Serafim por sua vez, realizada a SP, SPF, SP1: Seraphim infâmia, não há de vir em público condenar o filho e SP, SPF, SP1: infamia; publico; desacreditá-lo. SP, SPF, SP1: desacredital-o –A casa dos pais é a escola dos filhos como condemnar SP, SPF, SP1: paes diz o vulgo. Os exemplos de honestidade e boa conduta dos pais é a melhor escola. 180 –É o que te parece, meu filho. Quantos filhos perversos e degenerados não tenho eu visto, oriundos SP, SPF, SP1: conducta; Paes 375 185 de famílias honestas e conceituadas! Entre irmãos que SP, SPF, SP1: familias procedem corretamente, continuando as tradições de SP, SPF, SP1: correctamente uma família honrada e os exemplos de pais SP, SPF, SP1: familia; paes honestíssimos, eu conheço um sujeito que é a SP, SPF, SP1: honestissimos vergonha da sua família. É um ente desprezível, abjeto SP, SPF, SP1: familia; desprezivel; abjecto e repelido por todos quantos o conhecem. SP, SPF, SP1: Excepções; pae –Exceções, pai. –Como se explica isso? 190 195 –É que, quando um espírito torna-se SP, SPF, SP1: espirito emperrado no mal, permite Deus que se encarne no SP, SPF, SP1: permitte seio de uma família boa e honrada para se treinar no SP, SPF, SP1: familia bem e ao mesmo tempo provar até que ponto vai a SP, SPF, SP1: vae paciência e ânimo caridoso da boa família escolhida. SP, A lenda bíblica de Job põe bem às claras os desígnios SP, SPF, SP1: biblica; ás da Providência em casos tais. SP, SPF, SP1: Providencia; taes –Isso é assunto que eu considero invenção dos modernos. São idealismos que eu não compreendo SPF, SP1: paciencia; animo; familia claras; designios SP, SPF, SP1: assumpto SP, SPF, SP1: comprehendo nem trato de estudar. Vejamos antes o que devemos 200 fazer. –Se eu pudesse, iria in loco verificar o que há de verdade no caso de Maria, pois ainda não me convenci por completo. –Escrevamos a um amigo ou conhecido de 205 confiança. SP, SPF, SP1: Si; podesse; SP: in loco; SPF, SP1: IN LOCO 376 –Ninguém, a não ser o Serafim, me convém; porém este é suspeito. SP, SPF, SP1: Ninguem; Seraphim; convem SP, SPF, SP1: porem –Sendo, como é, um homem de bem, não deixará de responder alguma coisa. 210 SP, SPF, SP1: cousa –Emfim, faz o que melhor entenderes, mas tendo grande precaução para evitar escândalos. Assim assentado, nesse mesmo dia Aristides SP, SPF, SP1: escandalos SP, SPF, SP1: n’esse esboçou uma carta ao professor, estudou, emendou-a, 215 corrigiu-a e, antes de copiá-la, submeteu-a à SP, SPF, SP1: copial-a; á apreciação de seu pai que, depois de algumas SP, SPF, SP1: pae sugestões e correções, deu-lha. Copiada e assinada SP, SPF, SP1: suggestões; deu- pelo pai, Aristides encarregou-se de mandar ao seu SP, SPF, SP1: pae apreciação lh’a; assignada destino segura pelo registro postal. Dias depois o mancebo encontrou-se em Ribeirão Preto com o 220 coronel Paulino e, fechado o seu contrato, seguiu para SP, SPF, SP1: contracto a fazenda. Antes disso procurou saber do coronel SP, SPF, SP1: d’isso Norberto e do cara de fuinha; mas ninguém pode SP, SPF, SP1: ninguem; poude informar-lhe sobre os dois tipos, que haviam SP, SPF, SP1: dous; typos desaparecido. 377 XV Conforme havia combinado, Aristides foi de 5 tarde ao rancho de João. Era um passeio agradável para SP, SPF, SP1: agradavel quem, como o jovem secretário, possui o dom de SP, SPF, SP1: joven; secretario; analisar as belezas naturais desde as filigranas sutis da SP, SPF, SP1: analysar; bellezas; relva pontilhada de flores mínimas que matizam o seu SP, SPF, SP1: minimas verde tapete com uma diversidade incontável de cores SP, SPF, SP1: incontavel possue naturaes; subtis brilhantes e variadas, até a gigantesca e variada vegetação das pomposas florestas que se estendem 10 como um “belo sermão” pelo nosso país; atestando a SP, SPF, SP1: paiz; attestando majestade do Criador; desde o arroio cristalino que se SP, estende como fio de prata polida e cintilante, até o SP, SPF, SP1: scintillante SPF, SP1: magestade; Creador; crystallino caudal possante que espelha o conjunto do painel, chamalotando-o e movimentando-o ao sopro leve da 15 brisa, desde o inseto de élitros265 dourados, até as aves SP, SPF, SP1: briza; insecto; elytros altivolantes de plumagem cambiante. Aristides ia, pois, alma de poeta, embevecido, caminhando pausadamente pela estrada, esquecido das 20 265 misérias desta vida, como que remontando a Deus, que SP, SPF, SP1: miserias via na sua exponência só por espíritos como o seu SP, perceptíveis, da bondade, do carinho, do desvelo que o SP, SPF, SP1: perceptiveis Criador dispensa a todas as suas criaturas nesta vida SP, SPF, SP1: Creador; creaturas; semeada de dores, desilusões e amarguras, para SP, SPF, SP1: desillusões suavizá-la e dar-nos a conhecer quantas e maiores SP, SPF, SP1: suavizal-a; dae- Élitro: asa anterior dos coeóoteros, sem nervuras e de consistência córnea. SPF, SP1: exponencia; espiritos n’esta 378 suavizá-la e dar-nos a conhecer quantas e maiores 25 nos SP, SPF, SP1: delicias delícias nos são reservadas na outra que, no pensar do mancebo, é a vida normal e verdadeira. Aristides era cristão convicto; mas cristão espírita que, por outra SP, SPF, SP1: christão; espirita manifestações da bondade do Pai Celestial, sentia-se SP, SPF, SP1: Pae consolado e convencido da Verdade que se havia por 30 vezes demonstrado por meio de provas flagrantes e incontestáveis. Entrou, por fim, o jovem secretário no campo SP, SPF, SP1: incontestaveis SP, SPF, SP1: porfim; joven; secretario das culturas. O novo cafezal estendia-se a perder de vista listrando de verde as inclinações do solo, em 35 40 linhas de uma retidão impecável, vigoroso e são, e SP, SPF, SP1: rectidão; demonstrando o cuidado e competência dos seus SP, SPF, SP1: competencia empreiteiros. Conhecido bem do assunto, pelo que via, SP, SPF, SP1: assumpto; via (,) avaliava que raros empreiteiros tenham realizado o que SP, SPF, SP1: realizavam João e Calisto haviam conseguido. Concluiu por aí que SP, SPF, SP1: Calixto; ahi impecavel o seu cunhado e o seu companheiro eram homens laboriosos, inteligentes e caprichosos. Em geral os SP, SPF, SP1: intelligentes cafeeiros ostentavam-se luxuriantes, quais em ponto de SP, SPF, SP1: quaes darem a primeira florescência, que já ia abrolhando em SP, SPF, SP1: florescencia viçosos botões. A replanta das poucas mudas que não 45 pegaram distinguia-se pelo porte menor, mas também SP, SPF, SP1: tambem se desenvolvia soberba e promissora. (Emendou-se Nas proximidades do arranchamento dos SP, SPF, SP1: desenvolvia-se próclise.) ênclise para 379 empreiteiros ainda teve Aristides que se admirar das 50 55 plantações de cereais e outras culturas anuais, algumas SP, SPF, SP1: cereaes; annuaes já em colheita, da propriedade de João e Calisto; da SP, SPF, SP1: Calixto ordem, do asseio, do bom trato; das acomodações da SP, SPF, SP1: accomodações criação miúda e mesmo da casinhola onde os dois SP, SPF, SP1: meuda; dous contratantes se acomodavam e que, embora de ligeira SP, SPF, SP1: contractantes; construção de tabique, era cômoda, higiênica e bem SP, accomodavam SPF, SP1: construcção; commoda; hygienica cuidada. Tudo isso impressionou agradavelmente a Aristides, que foi logo fazendo uma idéia lisonjeira de SP, SPF, SP1: idéa; lisongeira seu cunhado e de Calisto. SP, SPF, SP1: Calixto João estava só, porque o seu companheiro e 60 amigo havia saído discretamente, por compreender que SP, os dois iam conversar reservadamente. Acomodado na SP, saleta, Aristides não quis desperdiçar o tempo e SP, SPF, SP1: quiz; disperdiçar abordou logo o assunto que ali o levava. SP, SPF, SP1: assumpto; alli –Senhor Lopes,– disse, – vi casualmente, nos SPF, SP1: sahido; comprehender SPF, SP1:dous; Acommodado SP, SPF, SP1: Sr Lopes (,); disse (,) registros a meu cargo, o seu nome e, como existe um 65 homem desse nome, que se acha intimamente ligado à SP, SPF, SP1: d’esse; á minha minha família, desconfiei logo que esse homem é o SP, SPF, SP1: familia senhor. –Por minha vez, – disse João, – já desconfiei dessa ligação, notando na sua fisionomia traços muito 70 pronunciados de pessoa que muito me é querida. –Sua esposa, não? SP, SPF, SP1: vez(,); João (,) SP, SPF, physionomia SP1: d’essa; 380 –Justamente. O senhor é o fiel retrato de Maria. –Pois saiba que eu sou irmão de Maria. Sou filho de Oliveira. 75 Por mais prevenido que os dois estivessem para SP, SPF, SP1: dous esse desenlace, não se puderam conter, e estreitaram-se SP, SPF, SP1: poderam em fraternal e afetuoso amplexo aqueles dois corações SP, SPF, SP1: affectuoso; aquelles; dous bem formados. João mostrou-se tão jubiloso e comovido, tão 80 SP, SPF, SP1: commovido sincero era o movimento da sua alma, que Aristides compreendeu ignorava a imputação que caia sobre a SP, SPF, SP1: comprehendeu; cahia honra de sua esposa. No jubilo expansivo e emoção de seu cunhado viu que este era um homem de caráter são SP, SPF, SP1: caracter e um esposo terno e bom. Como, pois, ferir o 85 melindroso assunto sem anuviar essa alegria, sem SP, SPF, SP1: assumpto; annuviar envenenar essa ternura conjugal? Entretanto, era preciso, era indispensável abrir os olhos de João, quer SP, SPF, SP1: indispensavel se tratasse de uma verdade cruel; quer de uma calúnia, SP, SPF, SP1: calumnia em ambos os casos nodoantes da honra de uma esposa; 90 porque, pensava Aristides, mesmo mentirosa, uma grave imputação como a que se dava, era uma pecha que os maldosos, sempre em maioria, procurariam reavivar quando o bom senso e a justiça tratassem de SP, SPF, SP1: (Emendou-se.); destruil-a destruí-la. 95 –Tem tido recentes notícias de Maria? – SP, SPF, SP1: noticias tratasse 381 perguntou Aristides. –Recentes, não. Há mais de dois meses não SP, SPF, SP1: dous recebo cartas da Bahia. Pelas do professor, e mesmo de 100 Maria, que apenas são respostas as que lhes dirijo SP, SPF, SP1: ás (Emendou-se.) remetendo dinheiro, estou convencido de que as que SP, SPF, SP1: remettendo lhes mando sem essas remessas pecuniárias não SP, SPF, SP1: pecuniarias chegam ao seu destino. –É singular isso, meu João. Meu pai também se queixa de nunca ter recebido cartas suas e de Maria. 105 SP, SPF, SP1: pae; tambem; queixa-se (Emendou-se ênclise para próclise.) –Como poderia eu escrever ao senhor Oliveira se, desde que para aqui veio, nunca nos escreveu um SP, SPF, SP1: si; siquer; elle bilhete sequer? Não sei onde ele pára. –Oh!! isso mais singulariza o caso – exclamou 110 Aristides. – Garanto-lhe que meu pai, desde que aqui SP, SPF, SP1: pae chegou, tem-lhe escrito e a Maria. Não tendo recebido SP, SPF, SP1: escripto respostas de uma só de suas cartas, desenganou-se afinal e cessou de escrever-lhes supondo que, decerto, vocês tinham algum capricho ou propósito nisso. SP, SPF, SP1: suppondo SP, SPF, SP1: proposito; n’isso 115 –Não podíamos, como deve compreender, SP, SPF, SP1: comprehender tomar propositalmente essa resolução, porque, tanto eu como Maria, não temos queixa alguma de pessoa que muito nos merece como seu pai. –João, aqui há tratantada de quem quer que SP, SPF, SP1: pae podiamos; 382 120 seja. –Com que interesse? Como sempre recebo cartas em resposta às que vão com dinheiro? Sei se SP, SPF, SP1: ás; Si trata de um tratante, pode-se dizer que é um tratante honesto, permita-me essa idéia antinômica e absurda. 125 SP, SPF, SP1: permitta-me; idéa; antinomica –É que outro é o interesse de quem intercepta a correspondência. SP, SPF, SP1: correspondencia –Qual esse interesse? –Cortar as relações entre meu pai e vocês, entre SP, SPF, SP1: pae vocês e seus amigos. 130 –Se fosse assim, não receberíamos a resposta das cartas com valor porque elas, embora não tenham o SP, SPF, SP1: Si; receberiamos SP, SPF, SP1: ellas fim de noticiar especialmente outras coisas, ao menos provam que estou vivo, que vou ganhando, e que trabalho para o bem dos que me são caros. Que 135 interesse é esse outro? Para que e por quê? SP, SPF, SP1: porque –Sei eu lá, João? O caso é digno de estudo. Diga-me: o professor Serafim é digno da sua inteira SP, SPF, SP1: Seraphim confiança? –Isso não se discute. Ali está a probidade a 140 mais acentuada, a amizade sincera e leal até a SP, SPF, SP1: Alli; SP, SPF, SP1: accentuada dedicação... –E dos filhos o que diz? –São meninos de uma conduta exemplar. SP, SPF, SP1: conducta 383 145 Conheço-os desde crianças. Além da sua boa índole SP, SPF, SP1: creanças; Alem; sempre manifesta, os exemplos dos pais e a educação SP, SPF, SP1: paes carinhosa que receberam acabaram de formá-los SP, SPF, SP1: formal-os homens de conduta exemplar. SP, SPF, SP1: conducta –Meu pai ou você não tem algum inimigo indole SP, SPF, SP1: pae acirrado em fazer-lhe mal? 150 155 –Que me conste, não. Seu pai é o gênio brando SP, SPF, SP1: pae; genio e, até, um pouco bonacheirão, desculpe que lhe SP, SPF, SP1: bonacheirão (,) conhecemos. Por minha parte, sempre vivi retraído nos SP, SPF, SP1: retrahido meus trabalhos rurais, nunca ofendi a quem que fosse a SP, SPF, SP1: ruraes; ao ponto ponto de açular ódios encarniçados contra mim. SP, SPF, SP1: odios “Louvor em boca própria é vitupério”; mas não tenho a SP, SPF, SP1: bocca; propria; de (Emendou-se.) vituperio pretensão de me louvar; apenas me justifico. Tenho defeitos como quase todo o mundo, é certo; mas SP, SPF, SP1: quasi procuro conter-me e emendar-me. Aristides 160 pôs-se a refletir por alguns SP, SPF, SP1: pôz-se; reflectir momentos. Serão – pensava – inimizades contraídas em outra existência? Que interesse poderia levar SP, SPF, SP1: existencia alguém a criar uma situação tão intrincada e misteriosa SP, SPF, SP1: alguem; crear; mysteriosa contra João e sua esposa? Vingança? Inveja? A 165 vingança parte de quem recebeu uma ofensa grave e a SP, SPF, SP1: offensa inveja não podia ser provocada por João e seu pai, tão SP, SPF, SP1: pae; invejaveis invejáveis não são as suas circunstâncias e fortuna SP, SPF, SP1: circumstancias pecuniária, únicos motivos que dão lugar comumente a SP, SPF, SP1: pecuniaria, unicos; commumente 384 essa ruim paixão. A não ser uma antipatia congênita. SP, SPF, SP1: antipathia; congenita Depois Aristides lembrou-se que outra paixão – o 170 ciúme – poderia ser o móvel da perseguição. SP, SPF, SP1: ciume; movel –Maria casou-se com você por sua vontade? – perguntou. –Desde crianças nos afeiçoamos, e nunca uma –Não houve algum outro SPF, SP1: creanças; affeiçoamos SP, SPF, SP1: empannou; affecto nuvem de desgosto empanou o nosso afeto. 175 SP, pretendente SP, SPF, SP1: mallogrado malogrado na sua pretensão? 180 –Se houve, decerto não chegou a solicitar a sua SP, SPF, SP1: Si mão. E, se houvesse e Maria o preferisse, eu, bem a SP, SPF, SP1: si meu pesar, renunciaria à minha mais ardente aspiração, SP, SPF, SP1: pezar; á minha que eu considerei sempre a minha felicidade. Fui feliz, Aristides, porque Maria excedeu em virtudes, em SP, SPF, SP1: Aristides (,) carinho, em bondade, a tudo quanto já eu esperava. Mas... aonde quer você chegar? –João, coragem! Tenho cousas gravíssimas a 185 revelar-lhe e é preciso que você as conheça, embora SP, SPF, SP1: cousas; gravissimas SP, SPF, SP1: referir-lh’as me seja doloroso referir-lhas. Tenha calma... quer parecer-me que se trata de calúnias. João, pálido e trêmulo, como que adivinhando uma desgraça, emudeceu com o olhar fito em seu 190 cunhado, como que procurando devassar o que ainda lhe restava dizer. SP, SPF, SP1: calumnias SP, SPF, SP1: pallido; tremulo; advinhando SP, SPF, SP1: emmudeceu 385 –Vou ser-lhe franco, meu querido irmão. Alguém assoalha torpezas contra a reputação de minha SP, SPF, SP1: Alguem irmã e sua esposa – continuou Aristides – Ouvi em 195 Ribeirão Preto, casualmente, de um tipo, que parece da SP, SPF, SP1: typo boa sociedade, que em Caetité é corrente que Maria se perdeu. –Ah! – exclamou João indignado, vindo-lhe a reação, e com os olhos marejados. – E você não 200 esbofeteou o miserável! –Seria pior. O escândalo dava-se em uma casa 205 SP, SPF, SP1: miseravel SP, SPF, SP1: peor; escandalo de pasto onde se acharam muitas pessoas estranhas, e SP, SPF, SP1: extranhas o informante dirigia-se a outro. Aguardei-o à saída e SP, SPF, SP1: á sahida interpelei-o, sem denunciar-me irmão da vítima. No SP, SPF, SP1: victima dia seguinte fui a meu pai sondá-lo e saber o que havia. SP, SPF, SP1: pae; sondal-o Já ele estava ciente por uma carta que um anônimo lhe SP, SPF, SP1: elle; sciente; anonymo dirigiu de Minas. E João ouviu de Aristides uma relação circunstanciada dos fatos procurando conter-se; mas 210 SP, SPF, SP1: circumstanciada; factos sentindo-se profundamente ferido em sua honra e vulnerado no seu sensível e amorável coração. SP, SPF, SP1: sensivel; amoravel Desorientado, não podia firmar-se em um juízo SP, SPF, SP1: juizo razoável, e o seu espírito atribulado agitava-se entre a SP, SPF, SP1: razoavel; espirito; attribulado; agittava-se possibilidade da perda de um ente a quem tanto amava e o ser possível uma perseguição que não tinha razão SP, SPF, SP1: possivel 386 215 e o ser possível uma perseguição que não tinha razão de ser. Por fim, acalmando-se, firmou-se na idéia de SP, SPF, SP1: Porfim; idéa SP, SPF, SP1: creado que se tratava de um aleive266 criado e propalado simplesmente pelo ódio que os maus tributam à SP, SPF, SP1: odio; á virtude virtude. 220 –Ah! – exclamou – Quem será o miserável caluniador! SP, SPF, SP1: miseravel SP, SPF, SP1: calumniador –Quem sabe, meu João? –Embora convencido de que se trata de uma 225 calúnia, nem por isso posso ficar tranqüilo. É-me SP, preciso ir já à Bahia. SP, SPF, SP1: á Bahia. –Essa idéia tive eu; mas, tendo de vir para esta 230 SPF, SP1: calumnia; tranquillo SP, SPF, SP1: idéa fazenda, contrato fechado, era-me impossível fazer SP, SPF, SP1: contracto; essa longa viagem. Tomei outro alvitre: sugerir a meu SP, SPF, SP1: suggerir; pae pai a idéia de escrever ao velho professor, e a carta foi SP, SPF, SP1: idéa remetida logo. Aguardemos, portanto a resposta. Você SP, SPF, SP1: remettida impossivel conhece o capitão Rufino e outros residentes em Caetité, dos quais disse o informante que eu ouvi, SP, SPF, SP1: quaes como lhe disse, ter colhido a notícia do escândalo? SP, SPF, SP1: noticia; escandalo –Não. Nunca ouvi se pronunciarem tais nomes, 235 e posso assegurar-lhe que são pessoas inventadas pelo caluniador. –É certo. Por isso e por outras circunstâncias que notei, cheguei à conclusão de que tudo não passa 266 SP, SPF, SP1: taes; pronunciar-se Aleive: calúnia, injúria. SP, SPF, SP1: calumniador SP, SPF, SP1: circumnstancias SP, SPF, SP1: á conclusão 387 que notei, cheguei à conclusão de que tudo não passa de uma inventiva. 240 –Em todo caso, o nome de Maria anda pela SP, SPF, SP1: bocca boca de miseráveis que, por não terem honra nem SP, SPF, SP1: miseraveis; escrúpulos, não prezam a honra alheia. Vou à Bahia. SP, SPF, SP1: á Bahia escrupulos –Aguarde a resposta do professor. 245 –O professor foi inteirado do fato? SP, SPF, SP1: facto –Não, João. A carta foi escrita por mim SP, SPF, SP1: escripta cuidadosamente e assinada por meu pai. Nela procurei SP, SPF, SP1: assignada; pae; saber o que há por lá sem precisar fato algum. Pedi ao SP, SPF, SP1: facto N’ella velho explicar a razão de não escreverem para cá, saber se há alguma perseguição contra Maria e se 250 SP, SPF, SP1: si; si existe algum mal intencionado que deseje fazer-lhe mal. Em resumo, fi-la de modo tal, que o professor, SP, SPF, SP1: fil-a que é um homem criterioso e prático da vida, SP, SPF, SP1: pratico desconfiará que é indispensável responder logo e SP, SPF, SP1: indispensavel francamente, pois perceberá que alguma razão 255 interessante a nós assim o exige. –Mas, ainda assim, é-me preciso ir tratando de 260 concluir os meus negócios e preparar minha viagem de SP, SPF, SP1: negocios retorno à minha terra. Quando eu não tenha concluído SP, por cá os meus interesses e negócio com o coronel SP, SPF, SP1: negocio SPF, SP1: á minha; concluido quando vier a resposta, tenho você para, em meu lugar, concluí-los ajudando o Calisto, que é meu amigo e um SP, SPF, Calixto SP1: concluil-os; 388 homem honesto e digno. –Com muito gosto aceitarei a incumbência, João. Farei por você o melhor que puder. 265 –Obrigado, Aristides. Sei que os meus SP, SPF, SP1: acceitarei; incumbencia SP, SPF, SP1: pudér SP, SPF, SP1: negocios negócios ficarão bem amparados. XVI Abílio, entretanto, não descansava. Na faina SP, SPF, SP1: Abilio; descançava de apossar-se de Maria, não já somente levado pela 5 paixão que, a princípio, o dominava, impregnada de SP, SPF, SP1: principio; desejos concupiscentes, embora parecesse um amor SP, SPF, SP1: concupicentes razoável; mas também pelo espírito de vingança a que SP, SPF, SP1: razoavel; tambem; dera motivo a atitude varonil da virtuosa senhora SP, SPF, SP1: attitude expulsando-o da sua residência como bem e SP, SPF, SP1: residencia dominava (,) espirito justamente devia proceder, – andava abaixo e acima 10 pelas fazendas, casais, povoados e outras situações, SP, SPF, SP1: casaes onde não fosse conhecido, em procura de um instrumento que lhe servisse a contento aos fins desonestos que tinha em vista. Nessa reprovável diligência apresentava-se 15 como negociante ambulante que fazia compras aqui para vender acolá. Afinal encontrou o que desejava: SP, SPF, SP1: deshonestos SP, SPF, SP1: N’essa; reprovavel; deligencia 389 um sujeito que, para outro qualquer que fosse alguma coisa honesto, seria um indesejável. Foi por ele notado SP, SPF, SP1: cousa; indesejavel; elle de passagem, fez-se encontradiço com o meliante 20 porque notou os seus modos desconfiados, estudou-o de perto e tomou-o ao seu serviço como camarada. Era um sujeito de semblante agradável, modos humildes, SP, SPF, SP1: agradavel risonho; em suma, tão atraente e simpático que SP, SPF, SP1: summa; attrahente; angariaria a outro menos perspicaz do que Abílio. SP, SPF, SP1: Abilio 25 Tão bondoso, até bonacheirão, mostrou-se Abílio ao sujeito e tendo como verdades as suas queixas 30 simpatico e lamúrias e logo SP, SPF, SP1: Abilio generosamente, dispensando-lhe favores e dádivas pecuniárias, que SP, SPF, SP1: dadivas; ganhou a sua confiança. Tomás, como ele se deu a SP, SPF, SP1: Thomaz; elle pecuniarias conhecer por um nome falso, mostrou-se agradecido, e fez juras de uma dedicação que tocava as raias do 35 exagero e davam a conhecer e denunciavam a Abílio o SP, SPF, SP1: Abilio submetido que elas continham e o gênio inventivo SP, SPF, SP1: ellas; genio desse precioso achado, que era astucioso e servido por SP, SPF, SP1: d’esse uma inteligência regular cultivada na prática de SP, SPF, SP1: intelligencia perversidades SP, SPF, SP1: pratica; actos; e certamente na grei atos 267 reprováveis aprendidos reprovaveis dos vagabundos e mandriões. Abílio, notando que o seu camarada era SP, SPF, SP1: Abilio tagarela e fanfarrão, embora guardasse a compostura de patrão e se mostrasse reservado, prestava atenção 267 Grei: congregação. SP, SPF, SP1: attenção 390 40 de patrão e se mostrasse reservado, prestava atenção com ar bonachão à prosa de Tomás, a quem dava trela por meio de um sorriso aprobativo que o camarada SP, SPF, SP1: á prosa; Thomaz ; tréla SP, SPF, SP1: approbativo SP, SPF, SP1: Suppondo tinha por ingenuidade do patrão. Supondo ser-lhe agradável, Tomás pouco a pouco foi ganhando certa 45 SP, SPF, SP1: agradavel; Thomaz familiaridade e mostrando-se tal qual era: gabolas, de uma dedicação servil, capaz das ações as mais SP, SPF, SP1: acções; ignobeis; ignóbeis e refalsado; predicados estes que muito 50 agradavam a Abílio; mas, para que fosse conseguido o SP, SPF, SP1: Abilio préstimo do camarada, era preciso saber levá-lo, e o SP, SPF, SP1: prestimo; leval-o astucioso mancebo sabia como se haver para alcançar o que desejava. Um mês depois de ter tomado Tomás ao seu 55 SP, SPF, SP1: mes; Thomaz serviço, já sabia Abílio com quem contava e começou SP, SPF, SP1: Abílio a entrar em ação. Principiou por informar a Tomás, SP, SPF, SP1: acção; Thomaz aproveitando uma ocasião em que este o gabava com SP, SPF, SP1: occasião; gabava-o ênfase, que não era tanto assim, pois tinha um inimigo próclise.); emphasi (Emendou-se ênclise para figadal. –O que, patrão!? – exclamou Tomás – Um homem de bem como vossamecê?... Um homem bom 60 que não ofende a ninguém; antes serve a todo mundo, SP, SPF, SP1: Thomaz SP, SPF, SP1: offende; ninguem SP: miseravel? vossamicê? Me ‘tou; SPF, como eu vejo?... Mas quem é esse miserável? Me diga MISERAVEL; vossamecê? Que eu tou já no pé dele. SP, SPF, SP1: d’elle. –Para que, Tomás? Deixe lá esse pobre. ME VOSSAMICÊ? ‘TOU SP, SPF, SP1: Thomaz diga SP1: DIGA 391 –Qual! vossamecê há de dizê, que eu quero 65 conhecê a cara dele. Vossamicê conhecê; há SPF, Se ele souber que você é gente minha, andará de tal SP, SPF, SP1: Si elle jeito que você lhe ficará querendo bem. SP, SPF, SP1: geito capaz da falar mal do meu patrão pra o sujeito não dizê; SP1: SP, SPF, SP1: d’elle. SP, SPF, SP1: d’elle vossamecê? Eu até – vossamecê me perdoe – sou de VOSSAMICÊ; DIZÊ CONHECÊ; –Conhecer a cara dele? Que lhe interessa isso? –E eu sou tolo para dizer que sou gente de 70 SP: SP, SPF, vossamicê, SP1: SPF, p’ra; SP1: SP: p’ra; VOSSAMICÊ; SPF, SP1: perdoe; fallar; P’RA; DESCONFIÁ desconfiá. –Está perdoado desde já, Tomás – garantiu Abílio com um sorriso bondoso e significativo. 75 –O diabo é que eu não sei adonde o sujeito SP, SPF, SP1: Thomaz SP, SPF, SP1: Abilio SP: adonde; SPF, SP1: ADONDE mora e como é o seu nome. –O nome é João Lopes. É empreiteiro na 80 fazenda de um tal coronel Paulino, lá para as matas de SP, SPF, SP1: mattas Mojiguaçú. SP, SPF, SP1: Mogy Guassú –Sei muito adonde é essa fazenda, que eu já SP: adonde, SPF, SP1: ADONDE passei pru lá faz dois anos. Não quis me empregá lá SP, SPF, SP1: dous; SP;annos, pruquê lá pra Ribeirão Preto. Até me alembrá dessa empregá; pruquê; pr’a; alembrá, empreitada. p’ra; ALEMBRA; d’essa SPF, SP1: ANNOS; quiz; SP: SPF, SP1: EMPREGÁ; PRUQUÊ –Pois é lá que o João Lopes, de sociedade com 85 um tal Calisto, pegou uma empreitada de plantação de SP, SPF, SP1: Calixto café que já está para ser entregue ao fazendeiro. –Dinheirão, hem, patrão? Esses empreito é SP: empreito; ganhá, SPF, SP1: EMPREITO; GANHÁ 392 para se ganhá muito, não é? –Com certeza. Os dois empreiteiros vão 90 SP: amochar268 um bom cobre. amochar, SPF, SP1: AMOCHAR –Uns conto de réis, não, patrão? SP: conto, SPF, SP1: CONTO –Que dúvida? SP, SPF, SP1: duvida –E vão logo se arretirando269 pra Bahia, não? SP: arretirando, SPF, SP1: ARRETIRANDO; p’ra –Logo que receberem o dinheiro. 95 –E isso será já? – indagou Tomás com uma curiosidade que denunciava os seus SP, SPF, SP1: Thomaz intentos reservados. –Isso agora é que eu sei. 100 –Mas eu há de sabê. SP: ha de sabê, SPF, SP1: HA DE –Como, Tomás? Para que? SP, SPF, SP1: Thomaz –Eu, com sua licença, vou trabalhá de jorná SP: trabalhá de jorná; tá coroné, na fazenda do tá coroné. –Não é bom, Tomás; isso é uma imprudência. Depois... o que vai você fazer ao João? 105 –Nada; apena puxá as oreia do safado quando eu achá jeito. 268 269 SPF, SP1: TRABALHÁ DE JORNÁ; TÁ CORONÉ. SP, SPF, SP1: Thomaz; imprudencia SP, SPF, SP1: vae SP: apena puxá as oreia; achá, SPF, SP1: APENA PUXÁ as OREIA; ACHÁ; geito –Se ele não o ofendeu! SP, SPF, SP1: Si; elle; offendeu –Mas ofendeu o patrão, e um camarada cumo SP, SPF, SP1: offendeu; SP: eu é pra isso. 110 SABÊ. –Não se anda puxando as orelhas dos outros Amochar: guardar ou entesourar avarentamente. Arretirando: retirando, ou seja, indo para a Bahia. cumo; p’ra, P’RA SPF, SP1: CUMO; 393 com essa facilidade, Tomás. –Eu sei como essas coisa é feita. 115 SP, SPF, SP1: Thomaz SP: coisa é feita, SPF, SP1: COISA É FEITA –E se o outro for valente? SP, SPF, SP1: si –Aí é qui é bom. Indas qui ele seje valente SP: Ahi; qui; indas qui; elle; seje; cuma um queixada270, nós empana. –Não, Tomás; não vá, que nisso você vai cuma, SPF, SP1: Ahi; QUI; INDAS QUI; elle; SEJE; CUMA SP, SPF, SP1: Thomaz; n’isso; vae envolver o meu nome e me complicar. –Eu tou muito acostumado, patrão. Não tenho SP: tou, SPF, SP1: ’TOU medo, já lhe disse. 120 –Não convém, Tomás, porque nessa inimizade SP, SPF, SP1: convem; Thomaz; n’essa também está envolvido o nome de uma mocinha italiana, que é noiva de seu patrício. Você sabe que SP, SPF, SP1: patricio italiano não é para graças. –Quá! Eu já tive às vorta com um desses 125 SP: Quá; tive; ás vorta; d’esses; gringo, SPF, SP1: QUÁ; TIVE; ás gringo. Era um valentão, andei os puxavante com ele VORTA; d’esses; GRINGO e... – vossamecê me perdôe – mandei ele de presente co’elle; VOSSAMISSÊ; perdôe; SP, SPF, SP1: os puxavante; elle; PR’OS INFERNO pros inferno. –Você fez isso, Tomás? E a cadeia? E o SP, SPF, SP1: Thomaz processo? 130 –Cadeia e purcesso foi feito p’ros home. SP: purcesso foi feito p’ros home, SPF, SP1: PURCESSO FOI FEITO P’ROS HOME. –Não foi preso? –Mudei de terra e... – terminou Tomás hesitando com uma reticência. 270 SP, SPF, SP1: Thomaz SP, SPF, SP1: reticencia Queixada: mamífero da família dos taiaçuídeos de coloração negro-pardacenta, pelagem das costas muito longa. Difere do caititu por ter os lábios brancos. Quando acuado, bate forte o queixo e é valentíssimo. 394 hesitando com uma reticência. –E de nome, não? 135 –Já que vossamecê adivinhou... eu já tinha o SP: vossamicê, SPF, SP1: VOSSAMICÊ; advinhou nome mudado. –Por causa de outra imprudência? SP, SPF, SP1: imprudencia –Sim, patrão. Eu confesso porque sei que vossamecê guarda segredo. 140 SP: vossamicê , SPF, SP1: VOSSAMICÊ –Não tenha receio de mim. Eu lhe quero bem, Tomás; estou muito satisfeito com você e nada tenho SP, SPF, SP1: Thomaz que dizer do seu procedimento a meu respeito. Acredita? –Se acredito! Eu nunca tive um patrão que 145 entrasse no meu coração cuma vossamecê. SP, SPF, SP1: Si SP: cuma vossamicê, SPF, SP1: CUMA VOSSAMICÊ –E qual é o seu nome verdadeiro? –Esta! Isso me pode cumpricá. SP: cumpricá, SPF, SP1: CUMPRICÁ –Já vê que você não tem confiança no seu patrão – observou Abílio, fingindo-se desgostoso. 150 –Não se azangue, patrão, que eu fico triste. –Não é por curiosidade, Tomás; é para seu SP, SPF, SP1: Abilio (,) SP: azangue, SPF, AZANGUE SP, SPF, SP1: Thomaz bem. Muita vez descobrem o seu verdadeiro nome e querem prendê-lo. Não é bom que eu, como SP, SPF, SP1: prendel-o testemunha, me apresente em sua defesa? Você sabe 155 que eu tenho valia e amigos para quem o meu dito é sempre uma verdade. SP, SPF, SP1: valla SP1: 395 –Lá isso é verdade, patrão. Eu lhe digo: eu chamava Gi – afirmou Tomás, dando-se outro nome SP, SPF, SP1: GI; Thomaz (,) falso dos muitos que, decerto, já tinha usado. 160 –Além do nome que você tomou por último, SP, SPF, SP1: Alem; ultimo não se deu por outros? –Home, às vêis a gente percura outro nos apêrto da puliça. Eu por izemplo, já chamei Migué, outras vêis Rafaé, mas porém faz muito tempo qui eu 165 SP: home; vêis; percura; apêrto; puliça; izemplo; Migué; vêis raphaé; qui;Thomaz; SPF, SP1: HOME; VÊIS; percura; APÊRTO; PULIÇA; izemplo; MIGUÉ; VÊIS RAPHAÉ; QUI;Thomaz. sou Tomás. –E se você for para a fazenda do coronel SP, SPF, SP1: si Paulino, ainda mudará o nome? – inqueriu Abílio, SP, SPF, SP1: Abilio (,) dando indiretamente o consentimento pedido pelo seu SP, SPF, SP1: indirectamente camarada. 180 –Vossamecê acha bom? Eu quando passei lá, SP: vossamicê; quando, SPF, SP1: VOSSAMICÊ; QUANDO não dei nome nenhum. –Então, pode dar o nome de Tomás. –E cum essa cunversa o patrão se esqueceu de 185 SP, SPF, SP1: Thomaz SP: cum; cunversa dizê pruquê; tale; cum; vossamicê, SPF, SP1: me dizê pruquê o tale João ficou cum raiva de CUM;CUNVERSA DIZÊ PRUQUÊ CUM; vossamecê. VOSSAMICÊ –Foi por uma coisa simples, Tomás. João era meu amigo e é casado na Bahia. Meteu-se a namorar O TALE; SP, SPF, SP1: cousa; Thomaz SP, SPF, SP1: Metteu-se uma italianazinha filha de um tal Marco, que trabalha 200 com a família na fazenda do coronel. Ora, a moça é SP, SPF, SP1: familia noiva de um patrício que também está trabalhando na SP, SPF, SP1: patricio; tambem 396 fazenda. Eu, como amigo, vendo o perigo que João Lopes corria, meti-me a dar-lhe conselhos reprovando, SP, SPF, SP1: o seu procedimento. Foi isto bastante para que ele SP, SPF, SP1: elle metti-me; reprovando (,) rompesse a nossa amizade. 205 –Ah! bandaio! Pois eu vou vê esse negoço. –Nada de imprudência, Tomás. Acho bom que SP: bandaio; vê; negoço, SPF, SP1: BANDAIO; VÊ; NEGOÇO SP, SPF, SP1: imprudencia(,) Thomaz SP, SPF, SP1: metta você não se meta com isso. –Ora, patrão! Tenha fiúza271 no seu camarada. SP, SPF, SP1: fiuza –Tenho muita; mas você é moço, é afobado... 210 –Não tenha receio, que eu não faço SP: estrupiço, SPF, SP1: ahi; dous; ESTRUPIÇO 272 estrupiço. Por aí assim ainda os dois miseráveis conversaram muito; Abílio insinuando esquerda e SP, SPF, SP1: miseraveis SP, SPF, SP1: Abilio astuciosamente ao camarada o seu modo de agir na 215 fazenda, este continuando a protestar que nada faria que pudesse comprometer a si e ao patrão. SP, SPF, SP1: podesse; comprometter XVII Dias depois do que narramos no capítulo 271 272 SP, SPF, SP1: capitulo anterior, Tomás, bem instruído por Abílio que, SP, SPF, SP1: Thomaz; instruido; inoculando no seu espírito, como vimos, idéias que SP, SPF, SP1: espirito; idéas Fiúza: confiança. Estrupiço: estrupício, asneira, dano, prejuízo. Abilio 397 5 10 reforçassem as suas propensões para o mal, entanto SP, SPF, SP1: emtanto parecia encaminhá-lo à prudência e boa conduta; – SP, SPF, SP1: encaminhal-o; á apresentou-se a João e Calisto pedindo-lhe colocação SP, SPF, SP1: Calixto; collocação a SP, SPF, SP1: apparencia jornal. Mostrando-se humilde, de aparência prudencia; conducta insinuante e agradável, soube iludir aos dois SP, SPF, SP1: agradavel; illudir; empreiteiros que, ouvindo as suas lamúrias e queixas SP, SPF, SP1: lamurias contra o patrão que deixava, condoeram-se dele e SP, SPF, SP1: d’elle; admitiram- dous n-o admitiram-no no serviço. Uma vez servido no que havia pedido, Tomás 15 SP, SPF, SP1: Thomaz tornou-se comunicativo e pôs-se logo a gabar os SP, SPF, SP1: communicativo; novos patrões, comparando-os com o anterior, a quem SP, SPF, SP1: patrões (,) depreciava para mais relevo dar aos dois empreiteiros. SP, SPF, SP1: dous Nesse empenho, abriu, sem avaliar a importância dela, SP, SPF, SP1: N’esse; importancia uma falha em sua astúcia. “Quem muito fala, muito SP, SPF, SP1: astucia pôz-se d’ella erra”, diz o vulgo. 20 Tomás, sem calcular que ia fazer um mal a Abílio, antes supondo que encetava o seu programa SP, SPF, SP1: Thomaz SP, SPF, SP1: Abilio; suppondo; programma menosprezando-o para evitar desconfianças como planejara, chegou a pronunciar o seu nome suposto. –Arre! Tou livre daquele peste do capitão 25 Rufino – disse por fim. –Como?! – perguntou João com interesse, lembrando-se que Aristides lhe falara em um capitão Rufino envolvido, como uma das mais salientes SP, SPF, SP1: supposto SP, SPF, SP1: ‘Tou; d’aquelle 398 figuras, na triste notícia que lhe chegava de sua 30 SP, SPF, SP1: noticia esposa. –Esse capitão Rufino, patrão, era o meu 35 patrão. Era um home ruim, não me pagava dereito e, SP: home; dereito; lendes; d’isso; lendes disso, só vivia abaixo e acima. Eu já não podia morrê esbilinguido de non dormi e agüenta. Larguei ele pra non morrê esbilinguido de DEREITO; non dormi e non comê. NON MORRÊ ESBILINGUIDO aguentá; larguei elle p’ra non non comê., SPF, SP1: HOME; LENDES; d’isso; aguentá; LARGUEI ELLE P’RA DE NON DORMI E NON COMÊ. –Onde mora este capitão Rufino? – indagou João – É algum fazendeiro? –Quá fazendeiro, patrão? Pois se o home non João foi atalhado por Calisto nas suas indagações. SPF, SP1: QUÁ; HOME NON ESQUENTA LUGÁ! esquenta lugá! 40 SP: quá; home non esquenta lugá, Como mais prático, considerou inconveniente dar trela a gente da ordem de Tomás. A SP, SPF, SP1: Calixto SP, SPF, SP1: pratico SP, SPF, SP1: Thomaz sua boa fé era tal como a do seu companheiro; por isso 45 interrompeu-o, fazendo-lhe um sinal significativo que SP, SPF, SP1: interrompeu-o (,); o outro compreendeu. SP, SPF, SP1: comprehendeu –Está bem, seu Tomás – disse Calisto. – Já é signal SP, SPF, SP1: Thomaz; Calixto de tarde, temos que largar o serviço, e é preciso que 50 você se acomode na colônia, que aqui os cômodos dão SP, SPF, SP1: accomode; colonia; somente para nós. SP, SPF, SP1: sómente commodos Informou ao novo jornaleiro de tudo quanto era preciso para alojar-se. Tomás esperou os outros SP, SPF, SP1: Thomaz trabalhadores, e com eles tomou o caminho da SP, SPF, SP1: elles 399 trabalhadores, e com eles tomou o caminho da colônia, sempre conversando e SP, SPF, SP1: colonia indagando maliciosamente para orientar-se no modo de bem SP, SPF, SP1: Abilio servir a Abílio. 55 Ao chegarem os trabalhadores nos alojamentos da colônia, já Tomás sabia qual era a SP, SPF, SP1: colonia; Thomaz residência onde se aboletava Genaro e muitas coisas SP, SPF, SP1: Gennaro; cousas mais que lhe serviriam no desenvolvimento do seu 60 plano maldoso. Tomás procurou o galpão vizinho da SP, SPF, SP1: Thomaz residência de Marco e, no serão escolheu a lareira SP, SPF, SP1: visinho; residencia preferida por Genaro. Um novo trabalhador é logo SP, SPF, SP1: Gennaro cercado de indagações, por isso muitos dos jornaleiros 65 vieram formar círculo com os costumados na lareira SP, SPF, SP1: circulo onde Tomás se achava, na maior ansiedade de ouvir o SP, SPF, SP1: Thomaz; anciedade vindiço. Tomás, podemos dizer, foi o conferencista 70 SP, SPF, SP1: Thomaz daquela sessão com ares de solene, e auditório pendia SP, SPF, SP1: d’aquella; solemne; dos seus lábios, ouvindo as mentiras que borbotavam SP, SPF, SP1: labios (,) a flux da sua boca. Andara por Cecas e Mecas, SP, SPF, SP1: bocca auditorio conhecia personagens de alta categoria, trabalhara em um sem número de fazendas, visitara a Capital do SP, SPF, SP1: numero Estado e as principais cidades; enfim, segundo o que SP, SPF, SP1: principaes; emfim asseverava, era um homem extraordinário, desses que SP, SPF, SP1: extraordinario; como dizia o vulgo, “caem do céu por descuido.” Os SP, SPF, SP1: cahem d’esses 400 75 80 85 ouvintes, silenciosos, embasbocados, viam em Tomás SP, SPF, SP1: Thomaz um homem precioso, um companheiro simpático que SP, SPF, SP1: sympathico muito os divertiria ao serão. Até o jovem napolitano SP, SPF, SP1: divertirião; joven sentiu-se atraído pelos modos e semblante de Tomás, SP, SPF, SP1: attrahido, Thomaz tanto mais que este a ele se dirigia de preferência. SP, SPF, SP1: elle, preferencia –Desculpe-me, Sr. João – disse Calisto logo SP, SPF, SP1: Calixto que Tomás se retirou. – Eu interrompi a sua SP, SPF, SP1: Thomaz conversação com aquele camarada, porque é um SP, SPF, SP1: aquelle gabolas desses que querem tomar a mão quando se SP, SPF, SP1: d’esses lhes dá o pé. O Senhor, que estava entretido, talvez SP, SPF, SP1: Sr. não notasse o que eu notei. –A minha conversação com ele tinha um fim: SP, SPF, SP1: elle desde que conversei com Aristides procuro saber 90 95 quem é e onde pára um tal capitão Rufino por ele SP, SPF, SP1: elle referido, e só agora ouvi outra referência ao seu nome. SP, SPF, SP1: referencia –É seu conhecido? –Não. Alguém, em presença do meu cunhado, SP, SPF, SP1: Alguem que lhe é desconhecido, referira a outro notícias de SP, SPF, SP1: noticias minha família, que ouvira de pessoas diversas em SP, SPF, SP1: familia Caetité, e, entre elas, falou no tal Rufino como o SP, SPF, SP1: ellas principal informante dessas notícias. Como em Caetité SP, SPF, SP1: d’essas; noticias nunca ouvi falar-se em tal sujeito, nem o conheço, pareceu-me a princípio que era um personagem SP, SPF, SP1: principio fantástico, inventado pelo informante. Agora, porém, SP, SPF, SP1: phantastico (,); porem 401 100 convenci-me da existência do capitão Rufino, e ardo SP, SPF, SP1: existencia por encontrá-lo. SP, SPF, SP1: encontral-o. –Ainda uma vez peço-lhe desculpas. Eu nada sabia desse seu interesse, senão até o ajudaria; mas, SP, SPF, SP1: d’esse; sinão em todo o caso, procurarei remediar a minha falta SP, SPF, SP1: inquerição fazendo a inquirição que você desejava fazer. 105 –Muito agradeço, meu amigo, esse serviço que me vai prestar. Aristides, que tem o mesmo empenho SP, SPF, SP1: vae que eu, será sabedor do que nos disse o Tomás, e SP, SPF, SP1: Thomaz estou certo que me ajudará nisso também. SP, SPF, SP1: n’isso; tambem Nesse mesmo dia João procurou Aristides e 110 SP, SPF, SP1: N’esse comunicou-lhe que achara o rastro do capitão Rufino SP, SPF, SP1: communicou-lhe pelo novo jornaleiro admitido no seu trabalho. SP, SPF, SP1: admittido Convencidos de que se não tratava de um personagem 115 imaginário, João e o seu cunhado, que foi inteirado da SP, SPF, SP1: imaginario promessa de Calisto, discutiram os meios de que SP, SPF, SP1: Calixto deviam lançar mão para conseguirem revelações de Tomás, porém de modo que o camarada não SP, SPF, SP1: Thomaz; porem desconfiasse do interesse que os levava a fazer as indagações. A providência, porém, reservava a João e 120 SP, SPF, SP1: Providencia; porem Aristides uma surpresa agradabilíssima que muito os SP, alegrou: (Emendou ênclise para próclise.) o desmascarado capitão na Rufino Cidade foi do descoberto Ribeirão e Preto, SPF, agradabilissima; SP1: surpreza; alegrou-os 402 125 casualmente, e o fato deu brado e foi noticiado pelos SP, SPF, SP1: facto jornais para vergonha de Abílio, que teve o seu SP, SPF, SP1: jornaes; Abilio Waterloo, como o leitor verá. Tomás conseguiu conquistar, mediante os seus SP, SPF, SP1: Thomaz artifícios e refinada hipocrisia, a confiança e estima SP, SPF, SP1: dos seus ingênuos companheiros de trabalho, homens SP, SPF, SP1: ingenuos artifícios hypoceresia ignorantes que não tratavam, nem o poderiam 130 conseguir, carente da necessária perspicácia e mesmo SP, SPF, SP1: necessaria; de interesse, de estudar a fundo o caráter do vindiço. SP, SPF, SP1: caracter Preocupavam-se apenas com a diversão da noite, SP, SPF, SP1: Preoccupavam-se perspicacia ouvindo os sermões do tagarela e, com as suas 135 140 histórias e anedotas, deleitando-se no descanso. SP, Assentado sempre ao lado de Genaro, dirigia-se-lhe SP, SPF, SP1: Gennaro especialmente mostrando-se risonho e amável, e SP, SPF, SP1: amavel dispensando toda a sorte de agrados. Consegui por fim SP, SPF, SP1: porfim o seu intento, ganhando a confiança do jovem italiano, SP, SPF, SP1: joven que foi fascinado pela serpente diabólica. SP, SPF, SP1: diabolica O manhoso instrumento de Abílio, captando a SPF, SP1: historias; anecdotas; descanço SP, SPF, SP1: Abilio inteira confiança do mancebo, tornou-se-lhe uma 145 espécie de mentor; dava-lhe conselhos sobre o modo SP, SPF, SP1: especie de viver naquela terra onde os costumes e hábitos SP, SPF, SP1: n’aquella; habitos eram inteiramente diferentes dos da sua. Então SP, SPF, SP1: differentes rasgava sedas à raça italiana elogiando a sua SP, SPF, SP1: á raça capacidade no trabalho, a sua conduta exemplar, a sua SP, SPF, SP1: conducta 403 honestidade e toda uma porção de bons predicados que muito se avantajavam dos nossos. –Oia, seu Jinuaro – dizia – eu conheço munto 150 SP: o’ia, seu jinuaro; munto; patriço; ataliano; qui; cumapra; seus patriço. Um italiano é gente qui não se cumpara c’os brasilêro, SPF, SP1: O’IA, c’os brasilêro. É ouro sem liga. PATRIÇO; ATALIANO; QUI; Passava a ilustrar o que informava com fatos SEU JINUARO; MUNTO; CUMAPRA; c’os BRASILÊRO SP, SPF, SP1: illustrar; factos seus conhecidos, como dizia, que punham em relevo 155 as altas qualidades dos italianos e deprimiam o caráter SP, SPF, SP1: caracter dos nossos patrícios. Genaro, encantado com as SP, SPF, SP1: patricios; Gennaro balelas do meliante, tornou-se seu amigo dedicado e ia 160 aceitando tudo quanto ouvia sem examinar, tão cego SP, SPF, SP1: acceitando se achava, deslumbrado pelas mistificações e lisonjas SP, SPF, SP1: mystificações de Tomás. A confiança que o pobre moço entrou a SP, SPF, SP1: Thomaz depositar no seu amigo de fresca data chegou a ponto SP, de não dispensar Genaro a sua companhia nos SP, SPF, SP1: Gennaro SPF, SP1: ao ponto (Emendou-se.) passeios e caçadas que faziam os trabalhadores nos dias de folga. Então, andando os dois pelas estradas, SP, SPF, SP1: dous culturas e florestas, o napolitano, familiarizado com o 165 amigo, tornava-se comunicativo e não tinha reservas SP, SPF, SP1: communicativo no seu conversar. O camarada dava-lhe trela e punhase a ouvir, apenas aparentando quando era preciso emitir um conselho ou dar resposta a uma pergunta do SP, SPF, SP1: emittir outro. 170 Esperava Tomás que o napolitano falasse nos SP, SPF, SP1: Thomaz; fallasse 404 seus amores, já preparado para envenená-los; mas SP, SPF, SP1: envenenal-os nesse assunto Genaro guardava reserva. Muito SP, SPF, SP1: n’esse; assumpto; Gennaro estimava e respeitava o velho Marco, com quem viera da terra e que conhecia como honesto e zeloso pela 175 180 honra da sua família, e muito temia o gênio áspero da SP, SPF, SP1: familia; genio; velha, que se destemperava à coisa a mais simples, - SP, SPF, SP1: á cousa para conversar com um estranho, por maior confiança SP, SPF, SP1: extranho que nele depositasse, a respeito de Giudita. Marco SP, SPF, SP1: nelle; Giuditta muito se agastaria se soubesse que o nome de sua filha SP, SPF, SP1: si era motivo de comentários entre os trabalhadores. SP, SPF, SP1: comentarios Isso, além de tudo, prejudicaria a pretensão dos jovens SP, SPF, SP1: alem; pretenção namorados, certamente se casariam quando Genaro SP, SPF, SP1: Gennaro aspero dispuzesse de algumas economias. Em um dos seus passeios de domingo, no qual 185 Tomás levava a sua arma de caça, antiga, de um cano SP, SPF, SP1: Thomaz trochado273 de aço e escovada por cápsula, o SP, SPF, SP1: trochado; capsula camarada, já bem estudado o meio de encetar o enredo que planeara de acordo com Abílio e por ele SP, SPF, SP1: accordo; Abilio; elle insinuado, aproveitou-se de se acharem a sós para 190 lançar a semente ao terreno que vinha preparando. Desta vez Genaro limitava-se a ouvir e Tomás SP, SPF, SP1: D’esta; Gennaro; comentava os hábitos dos outros trabalhadores, SP, notando defeitos de glutoneria, de preguiça e outros, SP, SPF, SP1: glotoneria mas dos compatriotas, que dos estrangeiros nada tinha 273 Trochado: diz-se do cano de espingarda feito de uma fita de aço espiralada. Thomaz SPF, SP1: commentava; habitos 405 mas dos compatriotas, que dos estrangeiros nada tinha 195 que notar de mal: eram sempre honestos, temperantes, diligentes e dignos de estima. Marco, por exemplo, dizia na sua linguagem arrevesada, era um homem às SP, SPF, SP1: deligentes SP, SPF, SP1: (Emendou-se as direitas acrescentando crase.); serio direitas, de pouca conversa, sério e trabalhador, e tinha uma mulher que era uma fera no trabalho; mas... 200 205 Tomás estacou nessa reticência e, sorrindo de SP: fera, SPF, SP1: FÉRA SP, SPF, SP1: Thomaz; n’essa reticeencia um modo dúbio, aproveitou-se da circunstância de SP, SPF, SP1: dubio; avistar um mutum pousado no galho de uma árvore SP, SPF, SP1: arvore para disfarçar o seu propósito deixando Genaro à SP, SPF, SP1: proposito; Gennaro; espera da solução daquele “mas” que o camarada SP, SPF, SP1: daquelle circumstancia á espera pronunciara “mais” quando, atirada a bonita caça, pudesse Tomás continuar a conversação. Entretanto, o SP, SPF, SP1: podésse; Thomaz; tiro explodiu, o mutum274 caiu e foi apanhado e o SP, SPF, SP1: cahiu camarada, depois de carregar a arma de novo, dispôs- SP, SPF, SP1: dispoz-se Entretanto (,) se a seguir caminho pelo seio da floresta. É bem certo 210 que o astucioso camarada percebeu a ansiedade do SP, SPF, SP1: anciedade; joven jovem napolitano, claramente manifesta no seu semblante triste e pálido, o que examinou logo olhando o companheiro de esguelha; SP, SPF, SP1: pallido mas propositalmente fez-se esquecido. 215 Aquele “mas” soava aos ouvidos de Genaro SP, SPF, SP1: Aquelle; Gennaro como um dobre de finados, importuno, infernal que o 274 Mutum: nome que se dá a diversas aves galináceas, família dos cracídeos, que habitam as matas do Brasil, geralmente em pequenos grupos. 406 amargurava. Temia que aquela reticência de Tomás, SP, SPF, SP1: aquella; reticencia; Thomaz que não sabia proposital e insidiosa, contivesse 220 alguma argüição contra a sua Giudita, ou, antes, ao SP, SPF, SP1: Giuditta seu entranhado amor por ela. Para ele a família de SP, SPF, SP1: ella; elle; familia Marco era como um sacrário no qual guardava o seu SP, SPF, SP1: sacrario ídolo resplendente na sua beleza, nas suas virtudes, SP, SPF, SP1: idolo; belleza no seu todo somático de uma formosura encantadora SP, SPF, SP1: sommatico e no perfume trescalante de uma alma pura e bem 225 formada; tudo transparecendo em um sorriso que para ele era uma aurora de venturas. Tomás havia se referido com seus gabos ao 230 235 SP, SPF, SP1: elle SP, SPF, SP1: Thomaz velho Marco e à sua esposa esbarrando naquele “mas” SP, SPF, SP1: á sua; n’aquelle que decerto ia ter à única pessoa restante daquela SP, SPF, SP1: á unica; daquella família, justamente sua querida Giudita, por quem o SP, SPF, SP1: familia; Giuditta jovem ragazzo daria a sua vida se tanto fosse preciso à SP, SPF, SP1: joven; RAGAZZO; sua felicidade. Por fim, quando já haviam caminhado SP, SPF, SP1: Porfim alguns passos pela floresta, Genaro não se pôde conter SP, SPF, SP1: Gennaro; pôde-se e lembrou ao camarada que não havia terminado o que próclise.) ia dizendo havia pouco sobre a família de Marco. SP, SPF, SP1: familia; Thomaz si; á sua (Emenou-se ênclise para Tomás fez-se esquecido. Não se lembrava do que 240 dissera. A caçada do mutum distraiu-o. Genaro SP, SPF, SP1: distrahiu-o. avivou-lhe a memória referindo-lhe palavra por SP, SPF, SP1: memoria palavra o que ele dissera até o “mas”. Era uma bobage SP, SPF, SP1: elle; BOBAGE – disse Tomás, que lhe não convinha dizer. Estava SP, SPF, SP1: Thomaz Gennaro 407 arrependido de ter começado aquilo, porque se tratava SP, SPF, SP1: aquillo de melindres de família. SP, SPF, SP1: familia Genaro ainda mais se alvoroçou. Não lhe restava mais dúvida de que se tratava da sua querida, 245 SP, SPF, SP1: Gennaro; alvoraçou-se (Emendou-se ênclise para próclise); duvida segundo já pensava. Apressou-se, embargou o andar do companheiro e, com ar de súplica, pediu-lhe com SP, SPF, SP1: supplica instância que explicasse quais eram esses melindres. SP, SPF, SP1: instancia; quaes Disse-lhe que se tratava de compatriotas seus, quase SP, SPF, SP1: quasi parentes, a quem tinha direito de exigir que o outro lhe 250 dissesse francamente o que havia. Muita vez tratava-se de uma calúnia, e ele Genaro estava pronto, fosse em SP, SPF, SP1: calumnia; elle; Gennaro; prompto que terreno fosse, a defender tão honrada gente. –Eu não sou home de calunas, Jinuaro – 255 SP: home; calumnas, Jinuaro; Thomaz; arreceio, reclamou Tomás enfadando-se, – nem arreceio seus HOME de arranco. se(,); ARRECEIO SPF, SP1: CALUMNAS, JINUARO; Thomaz enfadando- –Não digo você. Pode ter ouvido de outra pessoa... –Eu vi cum estes óio qui a terra tem de cumê. SP: cum estes óio qui; cumê, SPF, SP1: CUM ESTES ÓIO QUI; CUMÊ –Viu o que? 260 –Ocê guarda segredo? SP: Ocê, SPF, SP1: OCÊ –Guardo – respondeu Genaro depois de SP, SPF, SP1: Gennaro alguma hesitação. –É a mocinha. Eu vi ela namorando. SP: ella, SPF, SP1: ELLA 408 –Giudita?! 265 SP, SPF, SP1: Giuditta –Sim. –Com quem? –Com patrão qui vai todo domingo passeá na SP: qui; vae; passeá, SPF, SP1: QUI; vae; PASSEÁ casa de seu Marco. –Qual deles? SP, SPF, SP1: d’elles –Vou dizê, mais ocê me prometeu guardá SP: dizê, mais ocê; guardá, home, segredo. É o meu patrão, aquele home gordo, branco e prometteu; GUARDÁ, aquelle; 270 SPF, SP1: DIZÊ, MAIS OCÊ; HOME rosado. –Senhor Joan Lope? 275 –Tá e quá. SP: Tá; Quá, SPF, SP1: TÁ; –É... –Genaro ia dizer “é mentira” mas SP, SPF, SP1: Gennaro QUÁ. conteve-se. Estava escarlate de indignação. –É o que? – perguntou Tomás com ar SP, SPF, SP1: Thomaz ameaçador. 280 –É impossível. SP, SPF, SP1: imposivel –Impussive é Deus pecá! Jinuaro, ocê é SP: Impussive; Deus peccá! Jinuaro; p’ra; ´tá; abre os óio qui; menino pra mim. ´Tá cego. Abre os óio, qui moça é pórva qui ´ta; despois qui; ocê pórva qui ´ta junto de fogo! despois qui tem ocê vá., co’isso? Se dissesse qui a moça era sua irmã, inda vá. P’RA; ´TÁ; ABRE OS ÓIO QUI; co’isso; dissesse qui; irmã, inda SPF, DEUS SP1: IMPUSSIVE; PECCÁ! JINUARO; PÓRVA QUI ´TA; DESPOIS QUI; OCÊ co’isso; DISSESSE QUI; IRMÃ, INDA VÁ. 285 Tomás jogava verdes como diz o vulgo; mas SP, SPF, SP1: Thomaz Genaro, por forma alguma, revelaria a sua inclinação SP, SPF, SP1: Gennaro amorosa. Alegou que se tratava de uma sua SP, SPF, SP1: Allegou 409 compatriota cujos pais muito lhe mereciam. Tomás SP, SPF, SP1: Paes; Thomaz mostrou-se bondoso e conselheiro. Que toda moça 290 namora – disse, – isso em nada prejudica a sua SP, SPF, SP1: namora, - (,-) reputação. Elas namoram por inocência, e mesmo para SP, SPF, SP1: Ellas; innocencia irem escolhendo quem lhes agrade, até acertarem. Os culpados são os homens, que namoram por malícia. O SP, SPF, SP1: malicia João, por exemplo, obrava muito mal em estar fazendo isso. Era um homem casado, e está-se vendo que 295 queria era perder a pobre mocinha. Nesses termos continuou o miserável a açular 300 SP, SPF, SP1: N’esses; miseravel o ciúme do jovem napolitano e a soprar no seu ânimo SP, SPF, SP1: ciume; joven; um ódio entranhado contra João, o que conseguia para SP, SPF, SP1: odio desempenho do seu compromisso firmado com Abílio. SP, SPF, SP1: Abilio Nesse dia foi todo o trabalho de Tomás incitar o SP, SPF, SP1: N’esse; Thomaz ciúme e o rancor de Genaro, que o ouvia tristemente e SP, SPF, SP1: ciume; Gennaro taciturno acreditando nas calúnias e infames mentiras SP, SPF, SP1: calumnias animo do seu falso amigo. No dia seguinte, convencido de que Genaro 305 estava preparado como era seu desejo; pois chegou a SP, SPF, SP1: Gennaro SP: o seu manifestar por palavras amargas e impregnadas o desejo de uma vingança na altura da ofensa que SP, SPF, SP1: offensa supunha ter recebido de João, Tomás tomou a SP, SPF, SP1: suppunha; Thomaz deliberação de abandonar o serviço que fazia na 310 empreitada e procurar o seu infame patrão a dar conta 410 315 do êxito que conseguiu. Sabia ele que encontraria SP, SPF, SP1: exito; elle naquela data mais ou menos, aquele de quem recebera SP, SPF, SP1: naquella; aquelle a abjeta incumbência. Antes, porém, recomendou SP, muito a Genaro que não envolvesse o seu nome nesse recommendou; Gennaro; n’esse negócio, pois João Lopes era seu patrão e podia fazer- SP, SPF, SP1: negocio SPF, SP1: incumbencia; abjecta; porem lhe mal. Apresentando-se no terceiro dia a João e Calisto, Tomás disse-lhes, com a cara a mais SP, SPF, SP1: Calixto; Thomaz; disse-lhes (,) compungida que pôde arranjar, que havia recebido recado de um irmão que estava à morte e chamava-o 320 SP, SPF, SP1: á morte com pressa. Recebeu as sua jornas e viajou. XVIII SP, SPF, SP1: mes Decorrido um mês mais ou menos da SP, SPF, SP1: pae entrevista de Aristides com seu pai, recebeu este a 5 resposta da carta dirigida a Serafim. O velho professor não esteve mais por meias medidas e escreveu, 10 em laudas e laudas, um SPF, SP1: SP, SPF, SP1: Seraphim relatorio; circumstanciando SP, SPF, SP1: Abilio relatório circunstanciando de tudo quanto Abílio tinha feito contra Maria e o seu esposo ausente. Começou SPF, de João e seguiu noticiando as outras falsificações outras SP, SPF, SP1: lettras SP, SPF, SP1: SPF, SP1: pratica; hypocrita que o perverso fez depois das letras passadas por João. Não se esqueceu de relatar as perseguições SP1: falcificação (emendou-se.); lembrando a Oliveira a carta falsa em nome da noiva 15 SP, SP, riciculisou 411 SP, SPF, SP1: dous postas em prática pelo hipócrita mancebo já 20 procurando seduzir a esposa de João inclusive o desfecho que o ridicularizou e encheu de rancor, no qual figuraram a negra velha e os dois meeiros, já incendiando cercas e culturas, arrancando um marco 25 30 SP, recommendado; elle SP, SPF, SP1: desproposito; Abilio terra que não era seu. Historiou o caso do Roberto, SP, SPF, SP1: d’elle propositalmente recomendado por ele com um fim SP, se acha inteirado o leitor nos capítulos anteriores. SP, SPF, SP1: Abilio; suppunha SP, SPF, SP1: elle SP, SPF, SP1: SPF, SP1: SPF, SP1: regeneral-o, SP, benevolencia Franco e leal, deu a razão de não ter há mais tempo SP, desvendado as patifarias de Abílio. É que não ultimos; actos; Abilio supunha que ele fosse capaz de chegar a tanto, e seducção esperava regenerá-lo, pois ia francamente reclamar e SP1: SP, SPF, SP1: ha maldoso, como ficou demonstrado afinal com o seu vida dele professor. Nada ficou por narrar do que já SPF, capitulos achou acolhimento bondoso e de onde tentou contra a 40 SP1: e apropriando-se, mediante uma avença, de trecho de despropósito e retirada para a casa de Abílio, onde 35 SPF, SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: discipulo era acolhido com benevolência e respeito achando sempre um meio de justificar-se ou lançar a culpa a outro. Os últimos atos de Abílio a contar da frustrada tentativa de sedução degeneraram o professor, como SP, SPF, SP1: d’essa SP, sentido de garantir o lar de João e o alvitre de tudo SP1: SPF, SP1: delberação, SP, desapparecido informava, de pôr o seu antigo discípulo no bom caminho. Por isso tomou medidas rigorosas no SPF, SP, SPF, SP1: la; S. Paulo 412 revelar aos interessados, vindo a carta de Oliveira ao encontro dessa sua deliberação, fazendo-lhe crer que o negregado mancebo, que havia desaparecido e soube-se ter ido para o Estado de São Paulo, por lá estaria fazendo das suas. Terminada a leitura da extensa missiva do professor, Oliveira conservou-se por horas como assombrado diante de tanta perversidade do infame a 45 Chegara a agastar-se com ela por que o repudiou e ásua SP, fazendo-a sofrer e derramar tantas SPF, SP1: creatura; n’este SP, SPF, SP1: ella SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: sensivel pela primeira vez, ferira seu coração sensível e amorável 55 SP, SPF, SP1: elle; quem ele fizera questão de dar à sua filha, a criatura a quem mais amava neste mundo, como esposo. 50 SP, SPF, SP1: deante amoravel; sofffer; lagrimas SP, SP1, SPF lágrimas. Martirizara-a, fora um déspota, procurando Martyrisara-a(,) foi; despota; constrangê-la a aceitar um companheiro perpétuo que repellia; instinctivamente. constrangil-a; ela repelia com que instintivamente. Consentira no seu casamento com o preferido, mas muito a acceitar; ella; SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: magoal-a contragosto, por não magoá-la mais. Entretanto, 60 dando o seu assenso, considerou-a desarrazoada,275 ficou despeitado e ainda feriu-a enxotando Pulquéria, Pulcheria attribuindo-lhe a mãe velha, como a um cão, atribuindo-lhe o enredo quando a pobre preta era a dedicação incondicional, 65 era a mãe toda ternura e extremos que Maria conheceu. Maria salvara-se felizmente, mas ele 275 Desarrazoada: não razoável, injusta. SP, SPF, SP1: elle SP, SPF, SP1: Virginia; comsigo; Virginia 413 conheceu. Maria salvara-se felizmente, mas ele abandonou a sua terra e deixou-a privada dos seus 70 SP, SPF, SP1: dominal-o; desprezal-o SP, SPF, SP1: S. Paulo carinhos, ainda por despeito, trazendo Virgínia consigo, Virgínia a prostituta intrigante e vil que conseguiu dominá-lo para afinal desprezá-lo em São SP, SP1: pessimas, d’aquelle SP, SPF, SP1: á sua Paulo fugindo com um sujeito de sua estofa. Foi bem castigado; mas o remorso, como a carcoma, corroía- falsario; lhe o coração, agora ainda mais, quando descobria as hypocrita péssimas qualidades daquele que seria hoje uma invejavel vergonha para a sua querida Maria; que faria a sua SPF, SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: unico; d. Ursula, infelicidade. Oh! como seria triste à sua filha querida SP, SPF, SP1: alli; ver-se ligada perpetuamente a um falsário, hipócrita e n’aquelle infame! A esposa de João preferira para si o modesto paraiso, tranquillidade SP, SPF, SP1: lavrador, que não dispunha da invejável fortuna do filho único de dona Úrsula, e o seu lar foi abençoado por Deus; pois ali, naquele resumido paraíso, reinava a tranqüilidade, a paz, a harmonia e a virtude. 75 Depois desses tristes pensamentos que tanto o afligiam, Oliveira fez um esforço e, como se presente. Lembrou-se então que lhe era preciso SPF, SP1: SP, SPF, SP1: d’esses afligiam, acordasse de um sonho mau, caiu na realidade do 80 SP, SP, SPF, SP1: máu; cahiu avistar com Aristides, não só porque não convinha enviar-lhe a carta, que poderia cair nas mãos do falsário e inimigo – e o pobre homem via agora SP, SPF, SP1: cahir; falsario 414 85 falsário e inimigo – e o pobre homem via agora SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: emboscadas por toda a parte – como por ser-lhe necessario necessário combinar o que deviam fazer. Era-lhe indispensavel; á fazenda indispensável ir à fazenda do Coronel Paulino. Não SP, SPF, SP1: bahú lhe convindo apresentar-se ao fazendeiro como um forreca276 que fosse envergonhar a seu filho, Oliveira SP, SPF, SP1: immediato desencavou do fundo do baú, os seus mais finos e vistosos indumentos277 e preparou-se para seguir no dia imediato. O sítio de Oliveira era muito próximo de 90 uma estação intermédia da estação de ferro de SP, SPF, SP1: sitio; proximo SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: intermedia Bebedouro a Jabuticabal a encontrar-se com a que, de Araraquara, segue rumo de Pitangueiras. Informado 95 por Aristides do itinerário que este seguia vindo ao seu sítio, Oliveira, antes da alcançar ittinerario; sitio o entroncamento, apeou do trem e tomou rumo da 100 fazenda do coronel Paulino. Levava uma mala de mão e ia bem trajado, mas apresentou-se a pé diante da morada do coronel. Estava Paulino no seu varandim278 à tarde, conforme o seu hábito já nosso conhecido, quando se lhe apresentou o nosso viajante. 276 Forreca: João-ninguém. Indumento: roupa. 278 Varandim: varanda estreita. 277 SP, SPF, SP1: á tarde SP, SPF, SP1: habito 415 O coronel estranharia o modo de viajar de Oliveira, se muitos outros viajantes, e mesmo ele, 105 SP, SPF, SP1: extranharia SP, SPF, SP1: si; elle não já tivessem feito o trajeto entre a sua morada e a SP, linha férrea, na distância de cerca de dois trajecto quilômetros, nas condições em que o fazia este distancia; SPF, SP1: SP, SPF, SP1: ferrea; dous; SP1: kijomentros; SPF: kilometros visitante, cujo aspecto, modos e trajar fizeram-lhe 110 crer que se tratava de um cavalheiro distinto. Convidou-o a subir dispensou-lhe a delicadeza de vir ao seu encontro descendo muitos degraus da escada. Depois da troca dos comprimentos, Oliveira pediu SP, SPF, SP1: offereceu-lhe desculpar-lhe o fazendeiro ver-se constrangido a apresentar-se por si mesmo, e ofereceu-lhe um cartão-porcelana com o seu nome. –Oh! É o pai de meu secretário! – exclamou 115 Paulino. – Muito folgo em conhecê-lo. Seja bem SP, SPF, SP1: pae; secretario SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: conhecel-o vindo. Esta casa é sua. –Oh! Coronel! É muita bondade. Sou-lhe muito grato. –Decerto veio em procura do seu filho. 120 –Não só, coronel. Em primeiro lugar desejava conhecer a vossa senhoria, de quem meu filho tem feito ótimas referências. É certo muito me optimas; referencias agradaria encontrar o meu Aristides... –Diga nosso, meu amigo. O seu Aristides é SP, l b SPF, i id SP1: l 416 125 uma pérola. Peço-lhe o obséquio de considerá-lo meu perola; obsequio; consideral-o também, – observou Paulino sorrindo. – Infelizmente tambem SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: o nosso Aristides viajou. Assim conversando, o coronel sobraçou o hóspede familiarmente e foi conduzindo-o para a sala hospede das visitas. 130 –Pediu-me uma licença de dois a três dias – SP, SPF, SP1: dous; tres continuou Paulino – para ir a Ribeirão Preto. Deve chegar amanhã. O senhor espera-lo-á em nossa casa; SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: esperal-o-a dá-me muito prazer. 135 –É muito generoso, coronel. Não sei como lhe agradecer tanta gentileza e apreciação que faz de agradecer-lhe (Emendou-se ênclise para próclise.) meu filho. –Quanto à apreciação que faço do nosso SP, SPF, SP1: a apreciação Aristides, nada mais é que justiça; não tem que me 140 agradecer. Quanto à minha generosidade, creia que entra nela alguma coisa de egoísmo. A esse tempo instalavam-se na cômoda e SP, SPF, SP1: á minha SP, SPF, SP1: n’ella: cousa; egoismo SP, SPF, SP1: installavam-se; commoda luxuosa sala. –Egoísmo, coronel?! – indagou Oliveira 145 SP, SP1: - Egoismo, ganhando familiaridade. – São inconciliáveis uma com o outro. SPF, SP, SPF, SP1: SPF, SP1: inconciliaveis –Nem sempre, meu caro amigo. Eu me explico. Dou o cavaco por uma prosa; sou um SP, d d 417 150 tagarela quando encontro pessoas que condescendam condecendam SP, SPF, SP1: vicio com esse meu vício, e sei que o senhor Oliveira é paciente, não só por informações de Aristides, como SP, SPF, SP1: soltal- pelo que vou descobrindo nos seus modos. Quando o; Vae pilho um visitante como o senhor, não mais desejo soffrer SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: SPF, SP1: soltá-lo. Vai, portanto, sofrer caceteação. 155 –Pelo contrário, coronel. Vou descobrindo contrario que me deleitarei com a sua conversação. –Veremos – contestou o coronel sorrindo. – O senhor precisa de descanso, porque vem de viagem 160 um pouco longa, e eu já estou a amassá-lo apesar de descanço, amassal-o; apezar SP, 279 conhecer isso. Tratemos, antes da maior maçada que lhe preparo, do que convém à sua comodidade e convem; commodidade; á sua SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: descanço descanso. Oliveira teve um trato fidalgo ao qual nada 165 faltou das coisas as mais insignificantes. Depois do cousas banho, o jantar, sendo o pai de Aristides apresentado 170 SP, SPF, SP1: banho à família do coronel ao penetrar a sala destinada a ,;pae esse fim. Após a refeição, o hospedeiro convidou o familia SP, SPF, SP1: a hóspede a dar um ligeiro passeio pelo vasto terreiro SP, SPF, SP1: chylo; “para se fazer o quilo”280 como disse o coronel e, quando o edifício foi rapidamente iluminado a luz elétrica em todos os seus compartimentos, voltaram 279 280 Maçada: amolação. Fazer o quilo: fazer a digestão. SP, SPF, SP1: edificio; illuminado; eletrica SP, prosa(,) SPF, SP1: 418 ao salão “para a prosa”, como informou Paulino. O coronel Paulino era tão pachorrento como 175 bondoso. Tinha muita leitura, especialmente sobre assuntos agrícolas e econômicos e, como a princípio SP, assumptos; 180 185 Oliveira não se mostrou alheio aos assuntos tratados agricolas; SP, SPF, SP1: d’ella; agradavel; attrahente SP, SPF, SP1: assumptos convencendo ao seu hospedeiro que não tinha diante SP, SPF, SP1: deante de si um ignorante tabaréu. No correr da conversação SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: SPF, SP1: tabaréo Oliveira foi informado de que Aristides leu em uma das gazetas de Ribeirão Preto que um certo Rufino, 190 SP1: economicos; principio dissera, dava o cavaco por uma boa prosa, fazendo os gastos dela de um modo agradável e atraente. SPF, inculcando-se de homem de bem, não passava de um escandalo patife disfarçado. Essa descoberta foi um escândalo policia que deu brado, a polícia agiu e a opinião alvoroçouse porque o tal capitão freqüentava a alta sociedade e frequentava SP, secretario era considerado tal como se inculcava. O secretário mostrou-se interessado pelo caso dizendo que desejava conhecer o escandaloso fato, pois tinha SP, SPF, SP1: facto; noticia SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: conhecel-o; elle notícia do sujeito e desejava conhecê-lo por ter com ele contas a ajustar. O leitor bem avalia qual a surpresa que essa notícia causa a Oliveira. Capitão Rufino! Era 195 justamente a quem ele e Aristides procuravam descobrir por ser quem figurava em primeiro lugar no surpreza noticia SP, SPF, SP1: elle SP, SPF, SP1: logar 419 boato que corria a respeito da esposa de João. 200 Pensando assim, Oliveira não deu ao coronel a menor SP, SPF, SP1: SPF, SP1: SPF, SP1: ínteresse; facto demonstração do interesse que ligava ao fato, porque lhe seria preciso revelar a vergonha que envolvia o SP, creditos; familia nome de sua filha e os créditos de sua família. Ao 205 mesmo tempo sentiu-se desopresso dos cuidados que afligiam desde que recebeu a carta anônima, porque, sendo o capitão Rufino um patife que movia a polícia SP, desoppresso; affligiam; anoyma SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: SPF, SP1: policia calunia contra si, é claro que seria capaz de armar uma calúnia contra Maria. Quem seria, entretanto, esse capitão Rufino? Disfarçando-se, como informava a notícia, é claro 210 que não dava seu próprio nome. Que interesse teria noticia proprio; elle ele em conspurcar o nome da esposa honesta e digna? O professor Serafim, que era homem de bem, deixava SP, Seraphim claro na sua carta que era Abílio o maior perseguidor 215 de Maria e João, e que ele havia desaparecido constatando-lhe ter viajado para São Paulo. Seria ele SP, SPF, SP1: Abilio SP, SPF, SP1: elle; desapparecido SP, SPF, SP1: S. Paulo; elle o fingido capitão Rufino? Esses pensamentos 220 passaram rapidamente pelo espírito de Oliveira que, na sua abstração, ouvia, mais sem lhe prestar atenção, o que ia mais dizendo o coronel sobre outros assuntos. Resolveu por fim o pobre pai esperar que Aristides tudo esclarecesse, pois a sua viagem tinha SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: espirito abstracção; attenção; SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: assumptos porfim; pae 420 esse empenho. SP, SPF, SP1: n’esse Aristides não chegou nesse dia, mas no outro logo cedo. O coronel Paulino, que, como dissera, 225 SP, SPF, SP1: ja havia já prosado muito com Oliveira, achou conveniente deixá-lo só com Aristides. Decerto SP, SPF, SP1: deixal-o; negocios SP, SPF, SP1: sahir tinham de tratar de negócios seus particulares, pensou: portanto, discretamente pretextou necessidade de sair por alguns instantes e retirou-se. –Fiquem a vontade, meus amigos – disse o 230 coronel. – Não quero privá-los de confabularem SP, SP1: SP, SPF, SP1: alli livremente. Vou ali, dar-me-ão licença, e não me demorarei. Aristides, leva teu pai para o pavilhão; lá SPF, prival-os: SP, SPF, SP1: pae SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: commodo estarão mais a cômodo. O pavilhão a que se referia o coronel, ficava 235 em um dos ângulos da vasta residência. Ali se achava angulos; residencia; Alli Aristides commodamente comodamente alojado em diversos compartimentos onde se achavam instalados o dormitório, o arquivo, uma regular biblioteca e a SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: installados dormitorio; archivo; bibliotheca quadra onde Aristides trabalhava. 240 SP, SPF, SP1: la Uma vez lá, Oliveira começou por dar ao filho a ler a resposta de Serafim, a qual veio trazer SP, SPF, SP1: Seraphim pessoalmente temendo se desencaminhasse. Aristides inteirado de tudo quanto relatava o professor, tornouse rapidamente de júbilo. SP, SPF, SP1: jubilo 421 SP, –Está desvendado o mistério, meu pai. O 245 SPF, SP1: SPF, SP1: mysterio; pae. miserável falsificador, o infame caluniador, o SP, miseravel; incansável perseguidor de Maria; enfim o capitão calumniador; incançavel; emfim SP, SPF, SP1: Abilio Rufino, é o mesmo Abílio. E passou a referir o que deu em Ribeirão 250 Preto como, por nossa conta, descreveremos, para SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: SPF, SP1: capitulo conhecimento do leitor, no capítulo seguinte, não se contractado esquecendo de informar que João Lopes se achava na fazenda do coronel Paulino, com quem havia SP, bahiano contratado uma empreitada de parceria com outro baiano, homem honesto e experiente. XIX Já havia muitos meses que a polícia procurava SP, nesta, ora naquela cidade paulista ou mineira praticando causaram n’aquella desconfiança, depois uma tal ou qual certeza de que se principio a princípio, tratava de elementos sociais perigosíssimos. Um deles dava-se como camarada ou jornaleiro e, como tal, não 0 SP, apparecia que, tinha necessidade de disfarçar-se em homem da alta sociedade; os outros, porém, afetavam modos e atos de SP1: Ja; SP, SPF, SP1: tres pôr a mão em três ou quatro burlões que apareciam ora atos SPF, policia SPF, SP1: SP, SPF, SP1: n’esta; SP, SPF, SP1: actos ; SP, SPF, SP1: sociaes; perigosissimos; d’elles SP, SPF, SP1: porem; affectavam; actos 422 sociedade; os outros, porém, afetavam modos e atos de 281 gente de alto bordo SP, SPF, SP1: que (,); si; á condição ; menos um que, se descia à SP, SPF, SP1: á alta condição de humilde trabalhador a jornal, não se propunha à alta posição social: fingia-se profissional de condição humilde, mas decente. Notaram as autoridades policiais que havia 5 uma certa ligação entre esses sujeitos, nunca, porém encontrados todos juntos em grupo, mas aqui se juntavam dois, ali também um par, já outros, acolá no mesmo jeito, sempre havendo troca e mudança, 0 parecendo haver uma prévia combinação que os isentassem da desconfiança de quem os pudesse SP, SPF, SP1: policiaes SP, SPF, SP1: porem SP, SPF, SP1: juntavam-se SP, SPF, SP1: dous; alli; tambem SP, SPF, SP1: geito, ; mudança(,) SP, SPF, SP1: previa SP, SPF, SP1: insentasse; podésse; commetteu perseguir. Em Uberaba o camarada cometeu um crime de vulto, tentando de emboscada contra a vida de um 5 viajante para roubar e deixando a vítima ferida gravemente. Verificado o crime depois de sindicâncias, descoberto o autor, não foi capturado porque fugiu. SP, SPF, SP1: victima SP, SPF, SP1: SPF, SP1: syndicancias, SP, syndicancias; policiaes; typo Das sindicâncias policiais evidenciou-se que o 0 criminoso estivera a confabular diversas vezes com o tipo que acima demos como disfarçado em profissional, não sendo, porém, apurado que essa confabulação fosse ligada ao crime, mas que o profissional suposto era um “indesejável” como hoje se 281 Alto bordo: de alta categoria. SP, SPF, SP1: porem, SP, SPF, supposto; “indesejavel” SP1: 423 diz. Mais tarde esse indesejável foi visto várias 5 SP, SP, SPF, SP1: mettido SP, SPF, SP1: aparelhado, com indumentos finíssimos e jóias de apparelhado; finissimos; joias valor. Isto levantou desconfianças em Ribeirão Preto, desconfiaças SP, SP, segredavam, para se calarem ou mudar de conversa à approximação aproximação de pessoas estranhas. Chegou-se a extranhas um desses larápios que preparam contos de vigário. Já a polícia, prevenida de diversos pontos, informada dos sinais desses sujeitos, havia SPF, SP1: SP, SPF, SP1: dous, onde se deram os repetidos encontros dos dois, que descobrir que o coronel era um mistificador e, talvez, 5 SP1: vezes em amistosa confabulação com um certo coronel metido a ricaço, que se aproveitava na sociedade bem 0 SPF, indesejavel; varias SPF, SP1: á SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: mystificador SP, SPF, SP1: d’esses; larapios; Vigario SP, SPF, SP1: ja; policia SP, SPF, SP1: signaes; d’esses estabelecido com as maiores precauções uma teia, que ramificava por muitas cidades e povoados mineiros e paulistas, a fim de empolgar esses miseráveis 0 exploradores que, de um dia para outro, desapareciam do cenário onde operavam, às vezes deixando atrás de si um rastro da sua passagem; quando apareceu o SP, SPF, SP1: afim de; miseraveis SP, SPF, SP1: desappareciam; SP, SPF, SP1: cenario; ás vezes; atraz SP, SPF, SP1: appareceu capitão Rufino, um negociante ambulante de grosso 5 SP, SPF, SP1: tratavel trato, homem tratável e delicado de maneiras, que foi logo captando a confiança e amizade das pessoas de consideração e de destaque no meio social. A princípio o capitão Rufino não causou SP, principio SPF, SP1: a 424 desconfiança nos meios que freqüentava, tão lisos SP, seu trato, denunciando ser pessoa de fina educação e estirpe nobre; mas alguém da polícia viu-o algumas SP1: SPF, SP1: frequentava eram os negócios que realizava, e tão delicado era o 0 SPF, SP, negocios; realisava SP, SPF, SP1: alguem; policia vezes conversando familiarmente com o camarada, que SP, SPF, SP1: ja já se suspeitava ser o criminoso de Uberaba, restando virem informações complementares que foram pedidas SP, SPF, SP1: theatro para o teatro do crime. SP, SPF, SP1: ja O leitor talvez já desconfiasse quem eram 5 esses burlões; mas, em todo o caso, informamos que o coronel era o Norberto que em Ribeirão Preto, a SP, SPF, SP1: Abilio; d. Maria serviço de Abílio, lançara o boato da queda de dona Maria 0 no charco da prostituição, ferindo tão SP, SP1: SP, SPF, SP1: elle profundamente o coração de Aristides; o profissional suposto era aquele sujeito a quem ele se dirigia e que apresentamos como “o cara de fuinha”282, o camarada SPF, supposto; aquelle SP, SPF, SP1: Thomaz; Abilio criminoso era o Tomás, tomado por Abílio para o seu serviço, e o capitão Rufino já sabemos quem é. SP, SPF, SP1: Abilio Abílio, sem que o soubesse, achava-se vigiado 5 pelo Argos policial, mas confiado na sua posição, não supunha que o tomassem por reles e miserável 283 mandrião 0 com . Pois se negociava francamente julgando regulares capitais; freqüentava a SP, 283 Cara de fuinha: diz-se daquele que tem a cara muito pequena. Mandrião: indolente. SP1: suppunha; réles; miseravel; si SP, SPF, SP1: capitaes; si; frequentava; si melhor SP, SPF, SP1: n’um; d 282 SPF, 425 sociedade, se era amigo de autoridades e conservava-se num aprumo que o elevava acima de quem pudesse podésse SP, as suas falcatruas que apenas tinham como ponto de mira João Lopes, um obscuro tabaréu e sua mulher, que se achava no sertão baiano; como poderiam SP1: caracter; si; impossivel duvidar de seu caráter; se era impossível descobrirem 5 SPF, SP, SPF, SP1: tabaréo SP, SPF, SP1: bahiano; consideral-o; extracção SP: “Deus consente, mas não para sempre”. SPF, SP1: “DEUS CONSENTE, MAS NÃO PARA SEMPRE”. considerá-lo um sujeito de baixa extração? Não avaliava que, como diz o vulgo, “Deus consente, mas não para sempre”. Achava-se nesse engano, despreocupado, SP, SPF, SP1: n’esse; despreoccupado quando um dia, almoçando em uma pensão de Ribeirão 0 SP, SPF, SP1: deante Preto, notou que tinha diante de si um homem mais ou SP, SPF, SP1: edade, menos da sua idade, que o mirava com certo interesse e SP, SPF, SP1: tel-o curiosidade. Parecia-lhe tê-lo visto algures em tempo 5 SP, SPF, SP1: Aquelle remoto; mas, por mais que procurasse recordar-se SP, SPF, SP1: si quem era, não conseguia. Aquele olhar incomodava-o SP, SPF, SP1: intimo como se despedisse iterativamente flechas aceradas que vinham ter ao seu íntimo, SP, SPF, SP1: mortifical-o certeiras, SP, SPF, SP1: Abilio propositalmente lançadas para mortificá-lo. Sentindo00 se fascinado, como hipnotizado, não podia mover-se fital-o ou fugir como já desejava. De vez em quando Abílio SP, SPF, SP1: Aquillo lançava um olhar de esguelha sobre o seu mudo SP, SPF, SP1: intimo cabrião que, sempre a fitá-lo, notava o seu embaraço e 05 SP, SPF, SP1: cabrion; sorria levemente, o que mais o contrariava. Aquilo SP, SPF, SP1: ulceras SP, SPF, acções; más; quasi SP1: da 426 parecia devassar-lhe o íntimo, ferir profundamente as úlceras da sua alma ruim e perversa recordando-lhe a enfiada das ações más que se estendia por quase toda a sua vida. Depois de algum tempo, quando estavam terminar a refeição, o desconhecido dirigiu-lhe a palavra. –Não não me conhece, Abílio? 10 SP, SPF, SP1: Abilio –Eu?! – gaguejou o interlocutado. – Vejo-o pela primeira vez. –Tens a memória fraca! –Se convivemos em SP, SPF, SP1: memoria; Si comum por tanto tempo e, ainda, depois, estivemos 15 juntos! Não te lembras? –Eu me chamo Abílio. O cavalheiro está enganado. –Inda mais esta! – retrucou o desconhecido meneando a cabeça num gesto significativo. –Decerto 20 foste crismado depois que nos vimos a última vez. –O gracejo é de muito mau gosto, senhor. –Nem por isso. Não é a primeira vez que lanças mão do anonimato para a realização das tuas falcatruas. Eu te conheço como as palmas das minhas 25 mãos. –O senhor insulta-me! Eu não sou homem de SP, SPF, SP1: Abilio 427 falcatruas. –A quem o dizes! Um comensal que estava ao lado de Abílio 30 SP, SPF, SP1: attenção; dialogo; visivel prestava atenção ao diálogo com visível interesse. –O cavalheiro está de certo enganado –disse este com ar malicioso. –Está tratando com o capitão 35 Rufino, que é um cidadão conceituado e digno de respeito. –Qual capitão Rufino, qual nada –disse o SP, SPF, SP1: Abilio primeiro interlocutor. –Este é Abílio sem lhe tirar nem pôr. Deixou crescer as barbas, não trata da sua bela 40 cabeleira, mudou de trajos e de nome; mas não pôde SP, SPF, SP1: bella; cabelleira SP, SPF, SP1: SPF, SP1: occultar; signal ocultar um sinal que só eu aqui conheço, nem contrafazer o modo de falar e os antigos cacoetes. –O senhor está zombando comigo, e eu não SP, commigo, me presto ao ridículo. SP, SPF, SP1: ridiculo –Como está fino! Serás sempre o moço 45 orgulhoso daqueles bons tempos quando éramos SP, condiscípulos no colégio. Não te lembras do teu colega Felício? Tens então a memória embotada? SPF, SP1: SPF, SP1: da’quelles; eramos SP, condiscipulos; collegio SP, SPF, SP1: collega; memoria –Não estou para aturá-lo! –exclamou Abílio aparentando agastamento para ocultar a agitação em 50 que se achava. SP, SPF, SP1: atural-o; Abilio SP, SPF, apparentando; occutar SP1: 428 SP, SPF, SP1: Abilio –Pois eu estou, Abílio. Sempre fomos bons companheiros de estroinices. É verdade que dispunhas SP, SPF, SP1: idéar. de recursos que raros podiam idear. Os circunstantes, ávidos por escândalos como 55 sempre sucede, foram aglomerando-se em torno dos dois. O que estava ao lado de Abílio, parecendo mais interessado pela discussão, prestava atenção ao diálogo sem mover-se do lugar. O interpelado sentia-se mal 60 SP, SPF, SP1: avidos; escandalos SP, SPF, SP1: dous; Abilio SP, SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: collocado SP, SPF, SP1: Pallido esforço enorme afetava indiferença. O primeiro interlocutor continuava a fitá-lo com ar escarninho que SP1: interpellado colocado e, se não procurava retirar-se, era por temer denunciar-se. Pálido, nervoso e suarento, só por um SPF, attenção; dialogo SP, SPF, SP1: affectava indifferença SP, SPF, SP1: fital-o lhe dava superioridade sobre o pretenso capitão Rufino. –Então não se recorda também o meu Abílio 65 daquela sua empreitada no Braz? Nela não te valeu a SP, SP1: SP, SPF, SP1: d’aquella; N’ella astúcia, meu velho. O pai não esteve pelos autos, e tu ficaste marcado na testa com uma cicatriz que nunca se SPF, tambem; Abilio SP, SPF, SP1: astucia; pae SP, SPF, SP1: occutar. desfará nem poderás ocultar. –Coisas de rapaz, não é, senhor Abílio? – 70 perguntou o vizinho do lado. –O senhor também quer meter-se à bulha comigo? Eu estou acima dessas aleivosias, ouviu? – vociferou Abílio. SP, SPF, SP1: cousas; Abilio? SP, SPF, SP1: visinho SP, SPF, SP1: SPF, SP1: tambem; metter-se SP, commigo; d’essas SP, SPF, SP1: Abilio. 429 –Será sempre o mesmo o Abiliozinho! –disse 75 o primeiro interlocutor em ar de zombaria. –Estou vendo nos seus gestos, no seu modo de falar... em tudo em suma, o meu antigo colega. Quanto mais ele se mexe, mas se compromete. Para que esse disfarce? 80 SP, SPF, SP1: summa; collega; elle. SP, SPF, SP1: meche; compromette SP, SPF, SP1: empreza; aquella Será para outra empresa como aquela? SP, SPF, SP1: Abilio –Defenda-se, senhor Abílio –aconselhou o SP, SPF, SP1: visinho vizinho do lado. –Defender-me de que? SP, SPF, SP1: alli –O senhor ali, que o conhece desde os bancos 85 escolares, dir-lhe-á de que. –Senhores, há aqui um equívoco daquele senhor que eu nunca vi nem conheço – disse Abílio, procurando sorrir e mudar de tática. –Eu lhe perdôo a insistência. –Que me perdoas, disso estou certo, porque te 90 convém, Abílio. SP, SPF, SP1: ha; equivoco; da’quelle SP, SPF, SP1: Abilio(,) SP, SPF, SP1: táctica SP, SPF, SP1: insistencia. SP, SPF, SP1: d’isso SP, SPF, SP1: convem; Abilio –Obriga-me a retirar-me daqui. SP, SPF, SP1: d’aqui. –Ainda mais isso te conviria, se não fosse uma SP, SPF, SP1: si; auto-denuncia. autodenúncia. –Vou ensinar-lhe um meio de defesa, senhor 95 SP, SPF, SP1: Abilio Abílio –disse o do seu lado. –Agradeço. Não tenho precisão do seu auxílio. –Olhe que entendo um pouco de rabulice!... SP, SPF, SP1: auxilio 430 –Ofereça os seus serviços a quem lhos pedir. –Em todo o caso, para que eu não fique de 00 mentiroso, vá este axioma jurídico: testis unus, testis SP, SPF, SP1: Offereça; lh’os SP, SPF, SP1: juridico; SP: testis unus, testis nullus, SPF, SP1: TESTIS UNUS, TESTIS NULLUS. 284 nullus. –Peço licença ao cavalheiro – disse o primeiro interlocutor – que eu cá entendo de jurisprudência e 05 SP, SPF, SP1: jurisprudencia; SP: capisco, SPF, SP1: CAPISCO algo capisco do latim. Testemunhas, da verdade do que afirmo, posso com alguma demora conseguir. SP, SPF, SP1: Abilio –Os senhores estão apostados em importunarme. – E Abílio fez movimento para levantar-se da mesa. SP, SPF, SP1: visinho –Já agora –disse seriamente o vizinho do lado 10 de Abílio – o senhor não pode sair daqui sem justificar-se. – E, pondo a mão no ombro de Abílio, fê- SP, SPF, SP1: Abilio; d’aqui SP, SPF, SP1: Abilio; fel-o lo assentar-se. –Como quem o senhor me quer tolher a liberdade? – perguntou Abílio caindo sobre o assento. –Como... cidadão, se quiser – respondeu o 15 outro. –Depois, apresentarei as minhas credenciais. Abílio empalideceu e no seu semblante transpareceu um ligeiro indício de terror. Os circunstantes, notando isso, cercavam de perto os que 20 284 SP, SPF, SP1: Abilio; cahindo SP, SPF, SP1: si; quizer SP, SPF, SP1: credenciaes SP, SPF, SP1: Abilio; empallideceu SP, SPF, SP1: indicio SP, SPF, SP1: circumstantes Testis unus, testis nulus: uma testemunha, nenhuma testemunha. A prova testemunhal exige o depoimento de, no mínimo, duas pessoas. 431 dialogavam e, como sucede quase sempre em ocasiões como esta, farejando um escândalo, atiravam SP, SPF, SP1: succede; quasi; occasiões SP, SPF, SP1: escandalo; dicterios dictérios285 ao denunciado, aconselhavam-lhe que seria melhor confessar a sua duplicidade de nomes, muitos 25 chegavam a incentivá-lo chamando-o de “encapotado”, – de “cavalheiro de indústria” – de “escroque”286 e a SP, 30 SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: SPF, SP1: victima; impellida SP, oppunha SP, SPF, SP1: aquella fascinado, a nada se opunha e animava aquela gente a exaltar-se e dar lugar a um rumor que excedia o SP, apontavam como um cobarde, um réu confesso, pegado a jeito, o tripudiar dos circunstantes SP1: SP, SPF, SP1: SPF, SP1: augmentaram SP, d’aquillo; attrahirem aumentaram as proporções daquilo de atraírem quem passava pela rua e que, com maliciosa curiosidade, SPF, ordinario; improperios ordinário. Os impropérios, as gargalhadas dos que o 35 SP1: industria; escroc vítima do tumulto era tocada com as mãos, impelida para um e outro lado, e em tal estado que, como SPF, incentival-o SP, SPF, SP1: escandalo penetrava a sala e vinha dar vulto maior ao escândalo. SP, SPF, SP1: aquella O dono da casa veio assustado, e procurava debalde conter aquela gente. SP, SPF, SP1: d’isso –Uma vergonha! – exclamava o pobre homem arrependendo-se. –Nunca se deu disso em minha casa! SP, SPF, SP1: policia De repente o salão foi invadido pela polícia, 40 conduzida por uma autoridade qualquer e comandada um 285 286 oficial. O silêncio restabeleceu-se, alguns SP, SPF, SP1: commandada SP, SP1, SPF official; silencio Dictério: troça, zombaria. Escroque: indivíduo que se apodera de bens alheios por manobras fraudulentas. 432 conseguiram escafeder-se, mas ainda a polícia 45 SP, SPF, SP1: policia conseguiu impedir a fuga de grande número. O sujeito SP, SPF, SP1: numero que estava ao lado de Abílio, erguendo-se do assento, SP, SPF, SP1: signal SP, SPF, SP1: Abilio fez um sinal só percebido pela autoridade policial, que o reconheceu como um dos seus espias disfarçados. SP, SPF, SP1: edificio; audiencias; sahiram Todos foram logo intimados a seguirem para o edifício das audiências, e saíram escoltados. SP, SPF, SP1: Abilio, Inquiridas as testemunhas e ouvido Abílio, 50 nada foi apurado que concretizasse um crime dos SP, SPF, SP1: codigo; previstos pelo código, mesmo porque Felício, talvez Felicio arrependido de ter dado lugar a tamanho escândalo escandalo; collega, SP, SPF, SP1: contra o seu antigo colega, e compadecido da situação 55 SP, SPF, SP1: aquillo a que arrastou, muito concorreu para a sua defesa. Asseverou que tudo aquilo não passou de uma brincadeira das costumadas do tempo do seu SP, SPF, colleguismo; SP1: escandalo; incoprehensão coleguismo. Que o escândalo se deu por causa da 60 incompreensão dos demais presentes, que entenderam de fazer uma assuada a que não se pode pôr termo. Que, quanto à duplicidade de nomes e disfarces, era hábito de todos eles colegiais quando empreendiam qualquer conquista ou rapaziada, perdoável sempre em estudantes vadios, como era notório. A autoridade, embatucada, depois de muito 65 indagar e estudar o caso, tomou a resolução de deixar SP, SPF, SP1: a duplicidade(Emendou-se.) SP, SPF, SP1: habito; elles; collegiaes; emprehendiam SP, SPF, SP1: perdoável SP, SPF, SP1: notorio 433 livre o acusado; mas não satisfeita com o resultado, SP, 70 apesar do relevante serviço que lhe prestou o antigo SP1: recommendou; á policia; Abilio recomendou em particular à polícia que tivesse Abílio sobre uma redobrada vigilância. Este, entretanto, SPF, SP, SPF, SP1: SPF, SP1: vigilancia; apezar SP, condiscipulo condiscípulo, ferido no seu orgulho e maldoso como SP, SPF, SP1: comsigo sempre foi, guardou profundo rancor contra o seu defensor e salvador e jurava consigo vingar-se. XX 5 10 Genaro, desde a sua última conversa com Tomás a SP, SPF, SP1: Gennaro; ultima; 287 propósito de Giudita, tornou-se triste e sorumbático. SP, SPF, SP1: proposito; Giuditta; A influência ancestral do Lazerone e do Corso, dos SP, SPF, SP1: influencia; SP: quais ele descendia, despertou no ânimo do jovem SP, SPF, SP1: quaes; elle; SP: napolitano idéias de vingança. Taciturno, com o SPF, SP1: animo; joven; idéas semblante mudado, não era mais aquele rapaz alegre SP, SPF, SP1: aquelle que atraia a atenção e simpatia dos jornaleiros que com SP, SPF, SP1: attrahia; attenção; ele se achavam aboletados no galpão. Não mais se SP, SPF, SP1: elle ouviu sua voz de tenor cantar as belezas da sua bela SP, SPF, SP1: bellezas; bella Nápoles, nem Giudita aparecia, por não ouvi-lo entoar SP, SPF, SP1: Napoles;giuditta; as belas canções que a atraíam, por ter também, como SP, SPF, SP1: bellas; attrahiam; Marco e os mais, notado a tristeza e ar sombrio o seu amado. 287 Sorumbático: sombrio. Thomaz sorumbarico lazerone, SPF, SP1: LAZERONE; corso, SPF, SP1: CORSO; SP, sympathia apparecia; ouvil-o tambem 434 15 A pobre moça – coitada! – a princípio, depois SP, SPF, SP1: principio da transformação por que passara Genaro, nada notava SP, SPF, SP1: Gennaro de anormal, como sucede aos adolescentes em sua SP, despreocupação e falta de experiência e perspicácia, SP, SPF, SP1: despreoccupação; SPF, SP1: succede; adolecentes experiencia; perspicacia mas uma vez, dirigindo um dos seus gracejos288 ao 20 ragazzo, este fitou-a com mau modo, proferiu um seco, “me deixa!” e voltou-lhe as costas. O que havia?! – pensou Giudita. Naquela mudança 25 30 SP: ragazzo, SPF, SP1: RAGAZZO SP, SPF, SP1: secco SP, SPF, SP1: Giudita; N’aquella de caráter e naquele brusco e grosseiro retraimento do SP, SPF, SP1: caracter; n’aquelle; seu amado alguma coisa de grave devia existir. SP, SPF, SP1: cousa Entretanto, por mais que procurasse a jovem amorosa SP, SPF, SP1: joven em a sua consciência, não encontrava nenhuma falta, SP, SPF, SP1: consciencia um deslize que importasse em ofensa a Genaro tal que SP, SPF, SP1: deslise; offença; correspondesse em gravidades ao modo por que ele a SP, SPF, SP1: elle repelira. Examinou-se ao espelho minuciosamente, SP, porque talvez seu físico tivesse sofrido alguma alteração; mas nada encontrou. Os seus olhos eram os mesmos, com aquele brilho, com aquelas pestanas alongadas e regulares na colocação e arqueamento dos retrahimento Gennaro SPF, SP1: repelliu; minunciosamente SP, SPF, SP1: physico; soffrido SP, SPF, SP1: aquelle; aquellas SP, SPF, SP1: collocação SP, SPF, SP1: supercilios, pêlos guardados por uns supercílios, em arco um pouco 35 288 289 abatido, negros, sedosos e bem traçados, – que lhe SP, SPF, SP1: lendaria; patricia; lembrava a sua lendária e venerada patrícia Santa Lucia Lúcia; as suas lindas orelhas, de lóbulos polpudos289 e nennugeados Gracejo: ditos espirituosos. Polpudo: que tem abundância de carne. SP, SPF, SP1: lombulos; 435 penugeados como damascos sazonados, nada haviam 40 45 perdido da forma e morbidezza; os seus dentinhos SP: alvos, sãos, regulares e bem tratados, enfileravam-se SP, SPF, SP1: alvos (,) com a mesma impecável regularidade nas gengivas de SP, SPF, SP1: impeccavel coral, o geral da cútis do seu rosto conservava a mesma SP, SPF, SP1: cutes tonalidade e aveludado, a mesma delicadeza, tão SP, SPF, SP1: avelludado atraente como dantes; os seus lábios, traçando uma SP, SPF, SP1: attrahente; d’antes; boca proporcionada dispostos ao sorriso cativante que SP, SPF, SP1: bocca convida ao beijo, conservavam o mesmo acarminado SP, SPF, SP1: captivante púnico, o mesmo viço da polpa da romã;os seus cabelos, negros com reflexos doirados, continuavam morbizezza; SPF, SP1: MORBIZEZZA labios SP, SPF, SP1: puniceo SP, SPF, SP1: cabellos ondulantes a escorrer pelos seus ombros com a mesma 50 graça, formando no seu conjunto um dos seus mais invejáveis ornatos. O que lhe faltava, pois, para que o seu querido Genarino a repelisse daquele modo?! SP, SPF, SP1: conjuncto SP, SPF, SP1: invejaveis SP, SPF, SP1: gennarino; arrepellisse; d’aquelle No seu triste matutar, foi a jovem napolitana assaltada290 por uma suspeita. Seria possível que o seu 55 290 SP, SPF, SP1: possivel querido a desprezasse por outra: que alguma brasileira de tez cor de jambo, de lábios polposos e vermelhos, SP, SPF, SP1: côr; labios de olhar ardente como os fogos tropicais, fascinasse SP, SPF, SP1: tropicaes seu Genarino? SP, SPF, SP1: Gennarino? Esse pensamento tornou-se insistente no espírito da 60 SP, SPF, SP1: joven jovem como uma obcecação, e levou-a as fronteiras da Assaltada: investida de súbito. SP, SPF, SP1: espirito SP, SPF, SP1: joven; 436 certeza, depois de passar pelas dúvidas e ansiedades as SP, SPF, SP1: duvidas mais peníveis, conduzindo-a ao ciúme, essa forma SP, SPF, SP1: peniveis; ciume egoística e rancorosa do amor que se quer exclusivo. há divisão de parágrafo.) O seu coração, até ali isento desse mau e corrosivo 65 sentimento que insidiosamente se insinua no outro belo SP, SPF, SP1: egoistica; SP: (Não SP, SPF, SP1: alli, d’esse; máu SP, SPF, SP1: insinua; bello e fagueiro que faz a felicidade e a alegria dos adolescentes, 70 era-lhe mais pungente, na sua incipiência, e maiores preocupações e sustos e anseios SP, lhe trazia, do que a qualquer outro já afeito às SP, peripécias que mais comumente advém aos enamorados. Até então a tranqüilidade e a segurança que ela experimentava aguardando uma solução inevitável que dependia somente do assentimento de seu pai que, estava certa, não o negaria, era o vogar em 75 plácido mar sem escolhos avistando horizontes féericos onde se acastelavam nuvens de púrpura e incipiencia; preoccupações SPF, SP1: affeito; ás peripecias SP, SPF, SP1: commumente SP, SPF, SP1: tranquilidade SP, SPF, SP1: ella SP, SPF, SP1: inevitavel SP, SPF, SP1: pae SP, SPF, SP1: placido; horisontes SP, SPF, SP1: acastellavam; desdobrava como um véu, ocultando ameaçadora todo SP, SPF, SP1: véo, occultando; mar das dúvidas e anseios ameaçava felicidade. Oiro: variante de ouro. Caligem: escuridão, trevas. 293 Soçobrar: afundar, naufragar. 292 SP1: purpura encapelando-se, 291 SPF, oiro291. Agora a cerração, a caligem292 que se aquile risonho futuro; era o soçobrar 80 SP, SPF, SP1: pugente 293 que, estragar iminente no irritando-se, toda a sua aquelle SP, SPF, SP1: sossobrar; imminente; duvidas; anceios SP, SPF, SP1: encapellando-se 437 Pobre Giudita! O seu pensar angustiado causava- 85 SP, SPF, SP1: Giuditta! lhe durante a noite demoradas insônias e, quando SP, SPF, SP1: insomnias conseguia adormecer, vinham-lhe pesadelos aflitivos SP, SPF, SP1: afflictivos ou, então, sonhos consoladores nos quais se desenhava SP, SPF, SP1: quaes a sua anterior visão subjetiva que era o seu enlevo e SP, SPF, SP1: subjectiva alegria, para, ao despertar, cair na triste realidade das SP, SPF, SP1: cahir suas dúvidas e suspeitas. Então o seu sentir provocava- SP, SPF, SP1: duvidas lhe o pranto ardente e amargo da desesperança. Ah! 90 Genarino era seu, sem partilha com quem quer que fosse; era uma posse sobre a qual ela tinha direito inconteste e sagrado. Por que vinham roubá-lo? Deralhe o seu coração em permuta leal, em mútuo consenso que foi jurado desde a infância dos dois. O seu afeto 95 recíproco era congênito com razão dos dois, radicara em seus corações e os aunara.294 Ferir um era ferir ao SP, SPF, SP1: ella SP, SPF, SP1: roubal-o? SP, SPF, SP1: mutuo SP, SPF, SP1: infancia SP, SPF, SP1: dous; affecto; congenito SP, SPF, SP1: : dous; aúnara outro. Essa que lhe roubava o seu querido, era incapaz de amá-lo como ela, porque vulnerava dolorosamente aquele 100 a quem, 295 escoimado certamente, jurava um amor de egoísmo e maldade. Instilava naquele 296 coração a torva letalidade que insidiosa, pouco a pouco, iria produzindo os seus terríveis efeitos: a morte 297 de dois corações. Apagava a pira 294 Aunara: tornara brando. Escoimado: livre. 296 Torva: pertubação, confusão. 297 Pira: fogueira. 295 298 vestálica que, SP, SPF, SP1: amal-o; ella SP, SPF, SP1: aquelle SP, SPF, SP1: egoismo; n’aquelle SP, SPF, SP1: lethalidade SP, SPF, SP1: terriveis; effeitos SP, SPF, SP1: dous; pyra; vestalica 438 ardente, vivificava um amor santo e puro e que era 105 entretida com desvelo, para manter um amor tenebroso que gelaria dois corações que não podiam viver SP, SPF, SP1: dous separados. Assim traduzimos o pensar e sentir da pobre SP, SPF, SP1: donzella donzela. Marco, que já notara a tristeza e retraimento de 110 Genaro e, procurando saber-lhe a causa, não conseguiu SP, SPF, SP1: Gennaro senão respostas evasivas, veio, por fim, a notar que sua SP, SPF, SP1: sinão; porfim filha muito perdia das suas cores sadias e também ia caindo em funda melancolia. Isso levou-o a pensar que a causa eram os amores de Giudita e que alguma coisa 115 ou fato desagradável se tinha dado entre os dois jovens. Um simples arrufo?299 Um rompimento definitivo? Em todo o caso era preciso que ele, como pai que amava ao extremo aquela filha que lhe restava; que tanto estimava Genaro desde a sua primeira 120 SP, SPF, SP1: ja; retrhaimento infância, tomasse uma providência qualquer. Nesse pressuposto, Marco conversou com a mulher SP, SPF, SP1: tambem; cahindo SP, SPF, SP1: Giuditta; cousa SP, SPF, SP1: facto desagradavel; dous SP, SPF, SP1: elle; SP, SPF, SP1: pae; aquella SP, SPF, SP1: Gennaro SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: SP, SPF, SP1: azogada possuía a delicadeza de sentimentos do marido; pouco SP, SPF, SP1: possuia a respeito. A velha azougada N’esse; pressupposto e grosseira, não 300 infancia; providencia se lhe dava que a filha estivesse arrufada ou que Genaro andasse a matutar. Regateirices da Giudita, 298 Vestálica: pura, virginal. Arrufo: ressentimento passageiro entre pessoas que se querem bem. 300 Azougada: colérica. 299 SP, SPF, SP1: Genaro; Giuditta 439 125 Genaro andasse a matutar. Regateirices da Giudita, aquela namoradeira preguiçosa que, decerto, queria se casar para fugir ao trabalho doméstico que ainda tinha SP, SPF, SP1: aquella SP, SPF, SP1: domestico SP, SPF, SP1: annos. obrigação de fazer até os 25 anos. Marco bem conhecia a sua cara metade e procurava 130 sempre evitar discussões com ela que, continuando-as, SP, SPF, SP1: ella viria a destemperar-se.301 Não deixou, porém, de fazerlhe objeções com prudência, pedindo-lhe que não SP, SPF, SP1: porem; objecções; falasse alto. Estavam a sós, e não convinha que a SP, SPF, SP1: fallasse prudencia, menina ouvisse o que conversavam a seu respeito. 135 Giudita estava doente – dizia ele – e cabia-lhes zelar SP, SPF, SP1: Giuditta; elle pela sua saúde. A velha Maria retorquiu que a doença SP, SPF, SP1: saude. da jovem era simples manha para mais depressa SP, SPF, SP1: joven apanhar o seu rosignuolo, que só vivia a cantar à noite SP: rosignuolo SP, SPF, SP1: para atrair a namoradeira svergognata. 140 Marco suspendeu o diálogo por inconveniente e, RESIGNUOLO; á noite; attrahir; SP: svergognata, SPF, SP1: SVERGOGNATA. SP, SPF, SP1: dialogo; inconviniente com calma, foi balancear os seus fundos de reserva para ver se podia cortar o nó górdio302 da questão SP, SPF, SP1: gordio casando a filha, quer a velha concordasse ou não com isso, porque ele também, quando tomava um propósito, 145 301 302 SP, SPF, SP1: elle; tambem; não cedia às exigências da mulher que, por fim, vinha proposito, a concordar quando percebia que Marco tinha tomado porfim a peito realizar uma idéia com resolução. Entretanto, se SP, SPF, SP1: realisar; idéa; si SP, SPF, SP1: ás exigencias; Destemperar-se: exceder-se em palavras ou ações. Cortar o nó górdio: resolver de maneira rápida, prática e violentamente a questão. 440 visse que podia fazer as despesas das núpcias, era SP, SPF, SP1: despezas; nupicias; Gennaro preciso que conversasse seriamente com Genaro. 150 Resultou do seu balanço a convicção de que, com algum sacrifício, poderia fazer o que desejava, e logo SP, SPF, SP1: sacrificio no dia seguinte, procurou Genaro. Este ao ouvir a SP, SPF, SP1: Gennaro proposta que o velho lhe fazia de casar-se com Giudita, SP, SPF, SP1: Giuditta com ar sombrio e semblante carregado, respondeu-lhe 155 com um simples e bem soante “no”. A princípio Marco SP: no, SPF, SP1: NO; principio supôs que aquela negativa era devida a escrúpulo por SP, SPF, SP1: suppoz; aquella falta de meios do jovem. Nesse caso objetou-lhe que 160 SP, SPF, SP1: escrupulo; joven; não receasse; que ele, Marco, tudo remediaria. Dariam N’esse os seus parcos recursos para um enxoval que, embora receiasse; elle (,) SP, SPF, SP1: objectou-lhe; modesto, bastaria ao novo casal. Depois tudo se arranjaria a contento. Outro simples “no” foi a resposta de Genaro. 165 “Perchê?” indagou o velho com voz triste que SP: Perchê, SPF, SP1: PERCHÊ denunciava a sua surpresa e desgosto. Os dois SP, SPF, SP1: surpreza; dous amavam-se desde crianças, Giudita estava “malata per SP, SPF, SP1: creanças; Giuditta; amore” já havia atingido a idade conveniente, já podia MALATA PER AMORE; SP, governar uma casa, já tinha prática dos serviços SP: ja tinha; pratica domésticos. SP, SPF, SP1: domesticos. Genaro, com olhos úmidos e com voz trêmula 170 SP: no, SPF, SP1: NO; SP, SPF, SP1: Gennaro. SP: malata per amore, SPF, SP1: SPF, SP1: attingido SP, SPF, SP1: Gennaro; humidos; tremula impregnada de uma dor ou despeito profundo, disse SP, SPF, SP1: impreginada resoluto que ela se casasse com o outro. Com o outro! SP, SPF, SP1: ella 441 pensou Marco como se recebesse uma punhalada no 175 coração. Outro! Quem era esse outro? perguntou. Ela SP, SPF, SP1: Ella que o dissesse, respondeu Genaro mal podendo conter SP, SPF, SP1: Gennaro as lágrimas. SP, SPF, SP1: lagrimas “É preciso conversar com Giudita” – pensou Marco surpreso 180 e angustiado com essa novidade. E SP, SPF, SP1: Giuditta SP, SPF, SP1: Surprezo aproveitando uma oportunidade, a sós com a filha SP, SPF, SP1: opportunidade interpelou-a com voz carinhosa. SP, SPF, SP1: interpelou-a –Minha filha, – dizia o pobre velho com lágrimas SP, SPF, SP1: lagrimas na voz – como é isso? Não amas mais ao nosso Genarino? Preferes outro? 185 SP, SPF, SP1: Gennarino –Eu, pai?! – respondeu a moça surpreendida. SP, SPF, SP1: pae; surprehendida. –Eu soube por ele próprio. SP, SPF, SP1: elle; proprio. –Oh! Genarino diz isso! SP, SPF, SP1: Gennarino E a pobre moça, abalada, quase a chorar, SP, SPF, SP1: quasi demonstrava no seu semblante e nos seus modos o amor entranhado que votava ao seu querido, e quanto lhe era doloroso o que lhe dizia o seu pai. 190 –Genarino negou-se a casar contigo, minha filha. SP, SPF, SP1: pae. SP, SPF, SP1: comtigo, Disse-me que havia outro preferido, e que tu me dissesses quem era. Giudita, não mais podendo conter-se, a essas SP, SPF, SP1: Giuditta palavras de Marco, escondeu o rosto no amplo seio do 195 velho pai desfeita em pranto desabalado. Amava muito SP, SPF, SP1: pae Gennarino; 442 aquele bom velho em que depositava toda a sua SP, SPF, SP1: aquelle confiança, sendo correspondida por ele que procurava SP, SPF, SP1: elle adivinhar os pensamentos para em tudo satisfazê-la, SP, SPF, SP1: satisfazel-a; minimos mesmo nos seus mínimos caprichos. Por isso, somente 200 ele poderia dar remédio à sua triste situação. Marco, SP, SPF, SP1: elle; remedio á sua comovido ao extremo, procurou consolá-la. Se ela não SP, dava preferência a outro, decerto havia nisso um mal SP, SPF, SP1: commovido; SP1: Si; consolal-a. SPF, ella; preferencia; n’isso entendido, mesmo alguma intriga, e breve tudo passaria. 205 210 Que notara havia dias a sua tristeza e esmaecimento e, atribuindo isso a receio de não se SP, SPF, SP1: attribuindo casar com Genarino, procurou-o disposto a realizar o SP, SPF, SP1: Gennarino; realisar casamento. Que o rapaz acolheu-o de mau modo SP, SPF, SP1: máu dando-lhe a entender que Giudita preferia outro. SP, SPF, SP1: Giuditta Inquirido qual esse outro, respondeu-lhe que ela o SP, SPF, SP1: inquerido; ella dissesse. 220 215 Não só pelas palavras de Giudita, mas também SP, SPF, SP1: Giuditta; tambem pelas lágrimas em torrente que brotaram dos seus olhos SP, SPF, SP1: lagrimas ao ouvir tão estranha novidade, convenceu-se o velho SP, SPF, SP1: extranha napolitano de que sua filha não dava preferência a SP, SPF, SP1: preferencia outro que não fosse o seu querido Genarino; que o SP, SPF, SP1: Gennarino amor laborava no coração da bela bambina com a SP, SPF, SP1: bella; SP: bambina, mesma intensidade e ardor que ele já conhecia desde SP, SPF, SP1: elle muito tempo tendo por objeto o mesmo a que se votara SP, SPF, SP1: objecto SPF, SP1: BAMBINA 443 220 desde a infância. Com o coração lacerado e o pensamento a debater- 225 SP, SPF, SP1: infancia SP: adebater-se (Erro óbvio.) se diante daquele caso misterioso, o bom velho de SP, SPF, SP1: deante d’aquelle; novo abordou Genaro. Amava-o como a um filho, SP, SPF, SP1: Gennaro sabia-o generoso e bom; mas a sua maior preocupação SP, era salvar a filha que estremecia e que receava adoecer SP, SPF, SP1: receiava mysterioso SPF, SP1: preoccupação; extremecia gravemente, tão apaixonada se achava e ferida no 230 coração. Genaro, o teimoso, conservava-se no mesmo SP, SPF, SP1: Gennaro propósito, tão habilmente conseguira Tomás ganhar- SP, SPF, SP1: proposito; Thomaz lhe a confiança e envenenar o seu coração de jovem SP, SPF, SP1: joven inexperiente e zeloso. Na sua cegueira, muito natural na maior parte dos moços namorados, entrou a lembrar-se das visitas de João à casa de Marco e a SP, SPF, SP1: á casa; analysar analisar as particularidades mais insignificantes. Desse exame preconcebido resultou parecer a Genaro 235 SP, SPF, SP1: Gennaro confirmado o que lhe dissera o infame e insidioso instrumento de Abílio. Em gestos sem importância, em SP, SPF, SP1: Abilio; importancia, palavras inocentes que a familiaridade e confiança SP, SPF, SP1: innocents autorizavam e nada tinham de maldosas, Genarino viu SP, SPF, SP1: Gennarino mais que provada a veracidade do que lhe informara o 240 miserável caluniador; mas tendo tomado de não revelar SP, o nome do novo preferido de Giudita, julgava SP, desonroso fazer uma revelação que prejudicava o delator. SPF, SP1: miseravel SP1: Giuditta; calumniador; SPF, deshonroso 444 Abordando-o de novo, Marco fez-lhe ver que 245 250 255 Giudita amava-o com o mesmo ardor de antes; que SP, SPF, SP1: Giuditta estava SP, SPF, SP1: soffrendo sofrendo muito com a sua repulsa e desconfiança do seu caráter. Que corria o risco de SP, SPF, SP1: caracter adoecer gravemente, tal o pesar que a dominava e a SP, SPF, SP1: pezar paixão a que a arrastara a crueldade com que foi SP, SPF, SP1: repellida. repelida. SP, SPF, SP1: Gennaro; tambem Genaro, que ainda amava também entranhadamente à menina – e não fora isso não se SP, SPF, SP1: á menina sentiria tão tomado de zelos – chegou a comover-se; SP, SPF, SP1: commover-se mas, com pertinência, recalcou no seu coração o SP1: pertinacia, (Erro óbvio); SP1: perinencia, movimento de simpatia e compaixão que nele SP, SPF, SP1: sympathia; n’elle despontava para continuar nas suas idéias e suspeitas. SP, SPF, SP1: idéas Genaro firmou-se nisto sem dar a razão por que: – SP, SPF, SP1: n’isso; Gennaro Não queria casar-se. Marco que se esforçava por 260 conter-se, pois aquela teimosia estava quase a SP, SPF, SP1: aquella; quasi impacientá-lo, perguntou-lhe com seriedade, aflição e SP, dor profunda – que transparecia no trêmulo da sua voz SP1: trrnsparecia (Erro óbvio.); e nos gestos, – se Giudita não era mais uma menina SP, SPF, SP1: si; Giuditta SPF, SP1: impaciental-o, afflicção tremulo digna, pura e virtuosa. Àquela interrogação ex abrupto, para ele uma grave 265 exprobração, tão severamente foi feita, SP, SPF, SP1: Áquella; elle ; SP: ex abupto, SPF, SP1: ABUPTO acompanhada de sentimentos de profunda tristeza e amargura que transpareciam no semblante do velho italiano, Genaro sentiu-se abalado até o íntimo. Estava SP, SPF, SP1: Gennaro; intimo EX 445 270 275 em jogo a reputação da sua querida Giudita e de uma SP, SPF, SP1: Giuditta; familia família honesta que venerava desde criança, e a quem SP, SPF, SP1: creanca, devia gratidão e afeto. Da sua resposta dependia um SP, SPF, SP1: afecto rompimento de más conseqüências ou, então, a volta SP, SPF, SP1: consequencias da antiga tranqüilidade e confiança anteriores. Preferiu SP, SPF, SP1: tranquillidade este último alvitre; mas para chegar a bom resultado, SP, SPF, SP1: ultimo era preciso tudo revelar, tendo ele entretanto dado a SP, SPF, SP1: elle; Thomaz sua palavra a Tomás de guardar reserva. Enquanto Genaro assim pensava, Marco, com o semblante fechado, nele fitava um olhar como nunca lhe vira, e aguardava silencioso uma resposta qualquer SP, SPF, SP1: Emquanto; Gennaro SP, SPF, SP1: n’elle SP, SPF, SP1: elle a que ele não podia se esquivar. 280 -Ah! Per la madona di pied di grotta! – disse SP: Ah! per la madona di pied di grotta!, SPF, SP1: AH! PER LA Genaro por fim com voz trêmula e toda comoção – MADONA DI PIED GROTTA!; SP, SPF, Nunca duvidei da pureza e virtude de Giudita. Gennaro porfim; tremula; commoção; SP, SPF, SP1: Giuditta –Então? – perguntou Marco mais animado. 285 O rapaz, trêmulo e titubeante, respondeu que mais SP, SPF, SP1: tremolo tarde tudo explicaria; que o seu velho protetor e amigo SP, SPF, SP1: protctor não se assustasse, pois nada havia no caso que deslustrasse a honra e crédito de sua família. Marco SP, SPF, SP1: credito; familia. não insistiu e retirou-se meditabundo303 procurando decifrar tão esquisito enigma que já o ia aborrecendo. DI SP1: SP, SPF, SP1: exquisito 446 XXI São decorridos muitos dias depois do último colóquio entre Marco e Genaro. Este continua retirado SP, SPF, SP1: ultimo SP, SPF, SP1: colloquio; Gennaro da sua amada, não mais canta ao serão e anda triste. A 5 mocinha não é mais aquela criaturinha alegre e SP, SPF, SP1: aquella; risonha porque não via o seu Genarino; como que lhe SP, SPF, SP1: Gennarino creaturinha faltava uma parte do seu todo espiritual; que a sua personalidade está incompleta. Marco está macambúzio, ora animado pelo que lhe disse o pupilo, 10 ora aborrecido só a meditar fumando o seu cachimbo à SP, SPF, SP1: macambuzio; pupillo SP, SPF, SP1: á volta volta e meia, a esperar indefinidamente a solução que o mancebo prometeu para mais tarde. O jovem napolitano tinha tão enraizada em seu 15 SP, SPF, SP1: prometteu SP, SPF, SP1: joven ânimo a calúnia que Tomás inventara e soubera SP, SPF, SP1: animo; calumnia; insinuar em seu espírito que, mesmo procurando SP, SPF, SP1: espirito justificar Giudita, ainda tinha ciúmes; pois paixões SP, SPF, SP1: Giuditta; ciumes; Thomaz d’elle como a dele são de um exclusivismo exagerado. 20 303 Giudita era inocente e, como todas as da sua idade, SP, inexperiente e incauta. Tão hábil foi João Lopes que SP, SPF, SP1: habil conseguiu tornar-se simpático à pobre moça, o que por SP, SPF, SP1: sympathico; á forma alguma é admissível por quem, como o jovem SP, SPF, SP1: admissivel; joven italiano, ama em extremos. Giudita decerto namorava SP, SPF, SP1: Giuditta Meditabundo: meditando profundamente, pensativo. SPF, SP1: Giuditta; innocente; edade (,) pobre 447 italiano, ama em extremos. Giudita decerto namorava por diversão; mas o culpado era o miserável sedutor que conseguiu fasciná-la. Toda a culpa, portanto, da 25 SPF, SP1: miseravel; seductor SP, SPF, SP1: fascinal-a SP, SPF, SP1: rechaia moça recaia em João, contra quem se voltou todo o rancor do moço apaixonado e ardente. Sob qualquer pretexto, Genaro não saía do galpão aos domingos, e dali espreitava João quando vinha, como lhe era habitual, em companhia de Calisto, palestrar com o 30 SP, velho Marco. As mais das vezes Aristides também ali aparecia, e, como era quem lia, era muito apreciado pelos demais, pois trazia sempre notícias que muito interessavam aos circunstantes e tornava a palestra SP, SPF, SP1: Gennaro; sahia SP, SPF, SP1: d’alli SP, SPF, SP1: Calixto SP, SPF, SP1: tambem; alli SP, SPF, SP1: apparecia SP, SPF, SP1: noticias SP, SPF, SP1: circumstantes SP, SPF, SP1: agradavel muito agradável. 35 Duas semanas depois do que descrevemos no capítulo anterior, quando se achavam os habituais SP, SPF, SP1: capitulo; habituaes visitantes de Marcos reunidos em frente da casinha do 40 velho italiano, Aristides também ali chegou, dizendo a SP, SPF, SP1: tambem; alli João que trazia notícias sensacionais que muito SP, interessavam ao seu cunhado, as quais recebera de SP, SPF, SP1: quaes SPF, SP1: noticias; sensacionaes Ribeirão Preto por carta de um seu amigo e gazetas que ele lhe remeteu. Genaro, que espreitava do seu esconderijo e tudo ouvia, interessou-se como os outros, por simples curiosidade, pelo que Aristides ia 45 noticiar, procurando não perder uma palavra do que o SP, SPF, SP1: elle; remetteu; Gennaro 448 SP, SPF, SP1: secretario secretário dissesse. –A polícia de Ribeirão, – disse Aristides, – 50 SP, SPF, SP1: policia que andava na pista de Abílio e Tomás, e chegou a SP, SPF, SP1: Abilio; Thomaz descobrir que os dois mais de uma vez confabularam SP, SPF, SP1: dous em secreto, descobriu afinal uma quadrilha de gatunos, chefiada por um tal coronel Norberto de quem já te falei, e que operava neste Estado de Minas. SP, SPF, SP1: fallei; n’este Norberto é um fino larápio304 que já foi identificado SP, SPF, SP1: larapio na Bahia, em Recife e até no Rio e tem o seu 55 verdadeiro nome registrado nos arquivos policiais dessas cidades. A matula de velhacos lança mão de todos os meios, cada um dos sócios agindo separadamente conforme a sua índole, para obter dinheiro. O Tomás, por exemplo, cujo verdadeiro 60 nome é Gil, cometeu em Uberaba o crime de roubo SP, SPF, SP1: archivos; policiaes SP, SPF, SP1: d’essas SP, SPF, SP1: socios SP, SPF, SP1: indole SP, SPF, SP1: Thomaz SP, SPF, SP1: commetteu com tentativa de assassinato, da qual felizmente escapou a vítima apesar de receber ferimentos graves. Aristides continuou a referir o SP, SPF, SP1: victima; apezar caso impressionante em termos que resumimos. Faziam 65 parte da súcia, ao que ora se sabe, Tomás e o sujeito SP, SPF, SP1: sucia; Thomaz que já apresentamos ao leitor como o “cara de fuinha”, 304 todos sob o comando do falso coronel, que é o mais SP, SPF, SP1: commando; habil hábil e soube captar confiança e simpatia nos lugares SP, SPF, SP1: sympathia onde ainda não era conhecido, tais o seu desplante, os SP, SPF, SP1: taes Larápio: trapaceiro, ladrão. 449 70 onde ainda não era conhecido, tais o seu desplante, os seus modos fidalgos, o seu trajo apurado e luxuoso e a SP, SPF, SP1: attrahente sua conversação atraente, que denuncia alguma cultura e trato de fina educação social. Ora, sendo Abílio – o falso capitão Rufino– 75 encontrado algumas vezes em contato com essa gente, não podia deixar de ser suspeito. A polícia, que já podia capturar Tomás, adiou a sua prisão na esperança SP, SPF, SP1: Abilio SP, SPF, SP1: contacto SP, SPF, SP1: policia SP, SPF, SP1: Thomaz de colher toda a quadrilha; mas, como isso demorava, resolveu lançar mão do camarada, que saindo do 80 85 SP, SPF, SP1: sahindo serviço de empreitada, foi procurar o patrão. Entretanto, quando a polícia lançou mão dele, achava- SP, SPF, SP1: policia; d’elle se somente em companhia de Norberto e o outro que SP, SPF, SP1: sómente também foram presos, escapando Abílio, que estava SP, SPF, SP1: tambem; Abilio ausente e, quando soube da prisão, desapareceu da SP, SPF, SP1: desappareceu cidade sem que se soubesse o rumo que tomou. O outro não teve tempo de escapulir, porque o coronel suposto indicou o lugar onde ele achava-se, antes que SP, SPF, SP1: supposto; elle pudesse ocultar-se. SP, SPF, SP1: podesse; occultar- Tomás, vendo-se perdido, fez revelações que 90 se. SP, SPF, SP1: Thomaz comprometeram Abílio. Norberto conservou o seu SP, SPF, SP1: comprometteram; aprumo de descarado já muito prático em empreitadas SP, SPF, SP1: pratico dessa ordem, chegando a dizer que Abílio o havia SP, SPF, SP1: d’essa; Abilio logrado no ajuste de contas, que era um sujeito mau SP, SPF, SP1: máu Abilio 450 95 pagador, por isso não queria mais negócios com ele. SP, SPF, SP1: negocios; elle Terminou dizendo que estava regenerando, mas Abílio SP, SPF, SP1: Abilio conseguiu iludi-lo com histórias falsas que ele repetiu SP, SPF, SP1: illudil-o; historias; em público sem má intenção e que deram em SP, SPF, SP1: publico resultado as más conseqüências que ocorriam agora. SP, SPF, SP1: consequencias; –Se o falso Tomás deixou aqui o seu rastro – 100 acrescentou Aristides – é o que ainda ignoramos. Todas as notícias que Aristides referiu foram 105 elle occorriam SP, SPF, SP1: Si; Thomaz SP, SPF, SP1: accrescentou SP, SPF, SP1: noticias ouvidas por Genaro do recanto onde estava oculto. SP, SPF, SP1: Gennaro; occulto Elas causaram-lhe terror e vergonha. Convencia-se SP, SPF, SP1: Ellas agora de que Tomás o iludira com hipocrisia SP, SPF, SP1: Thomaz; illudira; hypocresia rematada, que esteve na fazenda do coronel a serviço de Abílio com o fim de perseguir a João Lopes e que SP, SPF, SP1: Abilio armou aquela intriga odiosa querendo utilizar-se dele SP, SPF, SP1: aquella; d’elle para cometer um crime. Compreendeu logo que o SP, SPF, SP1: commetter; Comprehendeu patife, talvez em conversas no galpão, teria descoberto 110 os seus amores por Giudita, e prevaleceu-se dessa SP, SPF, SP1: Giuditta; d’essa circunstância para armar o seu embuste. Em que SP, SPF, SP1: circumstancia perigo se meteu! Quanto era vergonhoso a um moço SP, SPF, SP1: metteu como ele ter-se ombreado com um tipo canalha como SP, SPF, SP1: elle; typo; aquelle aquele, a quem dispensou amizade e confiança 115 SP, SPF, SP1: fraternaes; fraternais! Afeiçoado pelo miserável, seria capaz de miseravel cometer um assassinato, tal o ódio que ele infiltrou em SP, SPF, SP1: commetter; odio; seu coração contra o Lopes, a quem estimava antes elle 451 120 disso pelos seus modos bondosos e pacíficos. Disso SP, SPF, SP1: d’isso; pellos; resultaria a sua desgraça, a ruína da família de Marco, SP, SPF, SP1:desgraça (,); ruina; pacificos. D’isso familia a impossibilidade de um casamento que era a sua mais doce aspiração, e a sua ligação a uma família que era SP, SPF, SP1: familia credora da sua estima e respeito. Estes pensamentos martirizavam o pobre Genaro 125 que, arrependido, com a consciência SP, SPF, SP1: martyrizavam; Gennaro SP, SPF, SP1: consciencia remordida, convencia-se da necessidade de uma urgente reparação. Entretanto, ferira tão fundo o coração do velho Marco e magoara tanto o da sua SP, SPF, SP1: maguara amada, que duvidava conseguir que se restabelecesse 130 a antiga amizade que reinava entre ele e o seu velho SP, SPF, SP1: elle protetor, e que fosse possível o seu casamento com SP, SPF, SP1: protector; possivel Giudita, cuja mão ele recusara de tão mau modo. SP, SPF, SP1: Giuditta; elle Fosse, porém, como fosse, por maior que fosse 135 SP, SPF, SP1: porem a vergonha e humilhação que ele sofreria com isso, era SP, SPF, SP1: elle; soffreria indispensável uma franca confissão do que se passara SP, SPF, SP1: indispensavel; entre ele e Tomás. Os seus nobres sentimentos assim o SP, SPF, SP1: elle; Thomaz exigiam, e só esse sacrifício enorme do seu orgulho SP, SPF, SP1: sacrificio compensaria o seu procedimento irrefletido que tanto SP, SPF, SP1: irreflectido magoou Marco e Giudita. Nessa disposição de ânimo, SP, SPF, SP1: maguou; Giuditta; confição N’essa; animo logo que viu Marco sozinho, assentado no rebato da 140 porta a meditar, a ele se dirigiu resolutamente. Quando Genaro chegou diante da porta, SP, SPF, SP1: elle SP, SPF, SP1: Gennaro; deante 452 curvou-se, beijou respeitosamente a mão do velho e conservou-se de pé, cabisbaixo e com o rosto 145 afogueado de vergonha. O bom velho, surpreso, vendo SP, SPF, SP1: surprezo naquela estranha atitude algo de novidade, nada disse SP, ou indagou, à espera de dizer ao rapaz o que SP, SPF, SP1: á espera significava aquilo. Genaro conservava-se hesitante, SP, SPF, SP1: aquillo; Gennaro sem saber por onde começasse. No rosto de Marco de 150 SP1: ]SP, SPF, n’aquella; SP1: que, entanto, adivinhava naquilo uma íntima ligação n’aquillo; intima com os fatos ultimamente dados. SP, SPF, SP1: factos Passados alguns momentos, Genaro, com voz 155 SPF, extranha; attitude emtanto; SP, SPF, SP1: Gennaro trêmula que denunciava o estado da sua alma, disse SP, SPF, SP1: tremula que vinha pedir perdão a seu pai adotivo por tê-lo SP, SPF, SP1: pae; adoptivo; tel- maltratado, quando era ele digno do seu respeito, SP, SPF, SP1: elle o estima e gratidão. Agora, sim, é que não podia casar e possuir uma noiva muito gentil, tão graciosa, tão pura. A sua voz tinha tonalidades ternas e plangentes que SP, SPF, SP1: plagentes comoviam o coração bondoso e paternal do velho que, SP, SPF, SP1: commoviam estatelado, com os olhos fitos no rapaz, de quem se 160 compadecia, percorria o passado rapidamente em pensamentos. Genaro fora sua cria e ele muito o amava. 165 SP, SPF, SP1: Gennaro; foi; elle Estava, portanto, ansioso por saber inteiramente o que SP, SPF, SP1: ancioso houvera, o que tanto fazia sofrer o seu pupilo, o que se SP, SPF, SP1: houver; soffrer; passava na sua alma. Mortos os pais daquele SP, SPF, SP1: paes; d’aquelle pupillo 453 adolescente, quando ele ainda muito criança, Marco SP, SPF, SP1: elle; tomora-o à sua conta, porque uma sua irmã que com SP, SPF, SP1: tomou-o á sua ele ficara, havia casado com um sujeito que lhe impôs SP, SPF, SP1: elle; ficou; casouse logo; impoz abandonar o irmãozinho. 170 Quando veio a razão ao menino, a quem encontrou como pai, mas pai carinhoso ao extremo, SP, SPF, SP1: pae, mas pae foi Marco. O bom e caridoso napolitano era pescador e, todas às vezes que aparelhava a sua tartana,305 quer SP, SPF, SP1: as vezes; apparelhava para a pesca, quer para alguma viagem ou passeio de 175 180 algum turista, lá estava o orfãozinho, que era inseparável do seu pai adotivo, esperto, inteligente, a examinar tudo com interesse e, às vezes, ajudar Marco intelligente naquilo que lhe fosse possível. O pai adotivo de SP, Genaro, encantado com a viveza do seu pupilo, dizia SP, SPF, SP1: Gennaro; pupillo que “o menino era aproveitável e poderia vir a ser um SP, SPF, SP1: aproveitavel ótimo marítimo.” SP, SPF, SP1: optimo maritimo Marco sabia ler, e nas horas vagas, dava lições 185 SP: turista, SPF, SP1: TURISTA; la;orphãozinho; inseparavel; SP, SPF, SP1: pae; adoptivo; SP, SPF, SP1: ás vezes SPF, SP1: n’aquillo; possivel; pae; adoptivo SP, SPF, SP1: vagas (Acrescentou-se vírgula.); licções a Genaro, que mostrou uma grande vocação para isso SP, SPF, SP1: Gennaro e vontade insopitável de conhecer os vinte e dois SP, SPF, SP1: insopitavel; dous caracteres do alfabeto italiano e as combinações que SP, SPF, SP1: alphabeto com eles se faz ao infinito. Meses depois Marco, SP, SPF, SP1: elles como era o seu desejo, matriculou o menino em uma escola regular. Cifrou-se a instrução de Genaro no 305 SP, SPF, SP1: instrucção; Gennaro Tartana: pequena embarcação mediterrânea, que possuía um só mastro, vela latina e gurupés, usada para transporte ou pesca. 454 190 curso elementar, porque o seu protetor não dispunha SP, SPF, SP1: protector de recursos bastantes para levá-lo a escolas de outros SP, SPF, SP1: leval-o cursos mais adiantados. SP, SPF, SP1: adeantados Genaro tinha uma voz admirável pelo timbre e 195 SP, SPF, SP1: Gennaro; admirável extensão; mas não freqüentou escolas regulares de SP, SPF, SP1: frequentou música. Como era apaixonado por esta bela arte, SP, SPF, SP1: musica aprendeu de oitiva e era um cantor primoroso que SP, SPF, SP1: outiva chegava a improvisar. Vê-se por tudo isso porque 200 Marco era tão afeiçoado ao seu pupilo que, para SP, SPF, SP1: affeiçoado; pupillo coroar tantos predicados intelectuais, era de uma SP, SPF, SP1: intellectuaes conduta exemplar, respeitoso, econômico e de gênio SP, dócil. SP, SPF, SP1: docil Tudo isso passou rapidamente SPF, SP1: conducta; economico; genio pelo pensamento de Marco, e intensificou a ternura que o bom velho votava ao seu querido pupilo. A humildade SP, SPF, SP1: pupillo com que este lhe falou, o modo por que se apresentava 205 despertaram no coração de Marco os sentimentos que sempre manteve acerca de Genaro, do mesmo passo SP, SPF, SP1: Gennaro que varreu do seu espírito os desgostos e amarguras SP, SPF, SP1: espirito que lhe causaram os últimos acontecimentos. SP, SPF, SP1: ultimos Em que Genarino se desmerecera a ponto de 210 SP, SPF, SP1: Gennarino; ao ponto de (Emendou-se.) tomar aquela resolução? pensava o velho. É verdade SP, SPF, SP1: aquella que se sentiu magoado, não pela recusa da mão de SP, SPF, SP1: maguado; Giuditta Giudita, mas pelo modo brusco e insólito que ele usou SP, SPF, SP1: insólito; elle; attribuindo 455 atribuindo à bambina namoricos com outro. Refletindo calmamente, considerou ele que o ciúme é 215 SP: á bambina, SPF, SP1: á BAMBINA; Reflectindo SP, SPF, SP1: elle; ciume tanto mais violento quanto mais ardente a paixão. Era e é, ao seu ver, naturalíssima essa manifestação do SP, SPF, SP1: naturalissima amor por uma simples desconfiança, por uma 220 insignificância. Embora se tivesse aborrecido com SP, SPF, SP1: insignificancia aquele triste incidente, a sua experiência avaliava que SP, SPF, SP1: aquelle; experiencia esses zelos exagerados eram passageiros. Os que não ciúmam não amam; apenas namoram por diversão. Além disso, Genarino reconheceu a virtude e pureza SP, SPF, SP1: Alem; d’isso; Gennarino da sua amada. Por alguns momentos conservaram-se ambos 225 em silêncio, Genaro cabisbaixo a suar de vergonha, e SP, SPF, SP1: silencio; Gennaro Marco com uma interrogação debuxada no semblante. –Vamos, Genarino – disse Marco afinal com voz meiga e paterna,l – sossegue. O que há? SP, SPF, SP1: Gennarino SP, SPF, SP1: socegue Animado pelo modo bondoso do velho a 230 interrogá-lo, Genaro fez um esforço e, com voz SP, SPF, SP1: interrogal-o; Gennaro sumida e plangente que pouco a pouco se elevava e acalmava, referiu francamente o que se deu entre ele e SP, SPF, SP1: elle; Thomaz Tomás; como o miserável conseguira iludi-lo, SP, SPF, SP1: miseravel; illudilo (,) mostrando-se seu amigo delicado e dando-lhe 235 conselhos criteriosos, tais que só o seu velho pai SP, SPF, SP1: taes adotivo poderia dar lhe. Um dia, passados tempos, o SP, SPF, SP1: pae; adoptivo 456 miserável, que entanto, não sabia da sua inclinação e SP, SPF, SP1: miseravel; que (,); emtanto; Giuditta do seu interesse por Giudita, em conversação denunciara João Lopes como namorado da sua eleita. 240 Cego pela paixão, entrou a espreitá-los e chegou a ver SP, SPF, SP1: Cégo; espreital-os o que não havia. Agora, porém, achava-se convencido SP, SPF, SP1: porem da infâmia de Tomás, e que ele, querendo fazer mal a SP, SPF, SP1: infamia; Thomaz; João, procurou utilizar nisso a sua ingenuidade, SP, elle SPF, SP1: n’isso ; ingenuidade (,) fazendo-o seu instrumento para o mal. 245 Marco, tendo-o ouvido calmo e silencioso, sentiu-se comovido à fraqueza do pobre rapaz, que SP, SPF, SP1: commovido; á fraqueza mais uma vez se revelava honesto e leal e se engrandecia aos seus olhos, tornando-se ainda mais 250 digno, se possível, da sua querida Giudita, de quem SP, SPF, SP1: si; possivel; estava certo que faria a felicidade. Observou a Genaro SP, SPF, SP1: Gennaro que o seu maior erro foi não ser franco de princípio e SP, SPF, SP1: principio confiar-se num sujeito desconhecido, um camarada SP, SPF, SP1: n’um Giuditta servil e ignorante. Genaro 255 justificou-se dizendo que se comprometera com Tomás, sob palavra de honra, de SP, SPF, SP1: Gennaro SP, SPF, SP1: compromettera; Thomaz não revelar o que ouviu, porque o camarada estava ao serviço de João Lopes e temia fosse por ele SP, SPF, SP1: elle perseguido. Marco, em tom paternal, retrucou-lhe que isso era mais uma prova da hipocrisia de Tomás e da 260 intriga que armava; que não continuasse a baratear a SP, SPF, Thomaz SP1: hypocrisia; 457 sua palavra de honra como fez, principalmente escravizando-a a um indivíduo que não conhecesse SP, SPF, SP1: individuo bem de longa data como lealdoso e honesto. A honra, 265 disse, é um precioso tesouro que devemos guardar SP, SPF, SP1: thesouro com desvelo a sete chaves para que não se polua ao SP, SPF, SP1: pollua contato de gente ignorante e mal educada, que não SP, SPF, SP1: contacto compreende o seu valor. SP, SPF, SP1: comprehende Tomando estes conselhos da experiência do 270 SP, SPF, SP1: experiencia velho Marco como uma espécie de exprobação, SP, SPF, SP1: especie Genaro, curvando a fronte, viu confirmada a sua idéia SP, SPF, SP1: Gennaro; idea de ser indigno da bondosa Giudita e, sob esse seu SP, SPF, SP1: Giuditta modo de pensar, externou-se franca e tristemente. Um “No, figlio mio!” acompanhado de um 275 SP: “No, figlio mio!”, SPF, SP1: “NO, FIGLIO MIO!” sorriso carinhoso de Marco foi a resposta peremptória SP, SPF, SP1: peremptoria que Genaro recebeu. Ele agora se elevava no seu SP, SPF, SP1: Gennaro; Elle; conceito. “Eu também, disse o velho, fui rapaz para próclise.) tambem inexperiente e cometi faltas como a de que se argüia o SP, SPF, SP1: commetti; arguia seu querido pupilo.” E começou a referir a traços SP, SPF, SP1: pupillo elevava-se (Emendou ênclise largos a sua vida de moço e como aprendeu a viver. 280 Quando Marco foi entrando na posse da razão, encontrou a Itália num período de agitação, SP, SPF, SP1: Italia; n’um; periodo dificuldades e tribulações que lhe serviu de escola SP, SPF, SP1: difficuldades proveitosa. A opinião pública vibrava num entusiasmo SP, SPF, SP1: publica; n’um fora do comum desejando com ardor e ansiedade o SP, SPF, SP1: commum; anciedade enthusiasmo; 458 285 complemento da unificação do reino. Já a Lombardia SP, SPF, SP1: Ja tinha sido conquistada antes que tudo e o reino de 290 Nápoles era o centro da ação de Vitor Emanuel; mas SP, SPF, SP1: Napoles; acção Roma ainda estava por vir à posse dos unificadores SP, SPF, SP1: á posse porque o Papa era garantido por Napoleão III. A guerra franco-prussiana em 1870 obrigou o imperador a retirar o apoio que dava a Pio IX e Vitor 295 Emanuel, aproveitando essa circunstância, atacou a SP, SPF, SP1: circumstancia capital da Itália e deu-se a jornada feliz da Porta Pia. SP, SPF, SP1: Italia Marco tinha então 12 anos e, contaminado pelo SP, SPF, SP1: annos entusiasmo geral, quis acompanhar a expedição, no SP, SPF, SP1: enthusiasmo; quiz que foi impedido por seu pai. Não arrefeceu porém o SP, SPF, SP1: pae; porem seu ardor bélico de moço e, chegada à idade própria, SP, SPF, SP1: bellico; á idade; entrou para o exército a prestar o serviço militar SP, SPF, SP1: exercito propria conforme a lei exigia; mas envergou a farda com 300 muito prazer. Muita coisa restava fazer-se e o novo SP, SPF, SP1: cousa; deante soldado via diante de si um futuro todo glória e SP, SPF, SP1: gloria felicidade. A desilusão veio logo, tão apertado é o serviço 305 SP, SPF, SP1: desillusão das casernas, ainda mais em circunstâncias como as SP, SPF, SP1: circumstancias que se davam na Itália, que tratava de remodelar-se e SP, SPF, SP1: Italia garantir-se contra investidas estrangeiras que era fácil SP, SPF, SP1: facil sobrevirem. Os sofrimentos por que passou, a SP, SPF, SP1: soffrimentos severidade injusta e ingrata dos seus superiores, a falta 459 de lealdade de muitos de seus companheiros, as 310 intrigas, a inveja e as más paixões que notou na maior parte dos seus camaradas; tudo isso muito serviu a Marco de lição proveitosíssima e fortaleceu-lhe o SP, ânimo para arrastar as dificuldades da vida e viver em SP, SPF, SP1: licção SP1: animo; proveitosissima SPF, difficuldades paz envolvido na sociedade, que entrou a conhecer 315 como perversa, injusta e desviada em geral das boas normas. À medida que Marco falava, animava-se 320 Genaro e sentiu como que um bálsamo infiltrar-se no SP, SPF, SP1: Gennaro; balsamo seu ânimo varrendo todas as idéias tristes que o SP, SPF, SP1: animo martirizavam. Através de todo aquele sermão, o jovem SP, percebia a graciosa eleita do seu coração a animá-lo, a joven; reconhecê-lo o seu preferido, único digno de unir-se SP, SPF, SP1: reconhecel-o; ao seu destino, único capaz de fazer a sua felicidade. SP, SPF, SP1: unico Marco terminou abraçando o seu pupilo e 325 SP, SPF, SP1: A’medida SPF, SP1: idéas; martyrizavam; Atravéz; aquelle; SP, SPF, SP1: animal-o unico SP, SPF, SP1: pupillo confirmando a confiança e estima que este lhe merecia. Genaro chorou enternecido e possuído de SP, SPF, SP1: Gennaro; possuido uma gratidão que resgatava a falta que cometera e que SP, SPF, SP1: commettera tanto o preocupava. SP, SPF, SP1: preoccupava XXII 460 “O diabo ajuda aos seus” diz o vulgo na sua 5 concisa apreciação filosófica das coisas desta vida SP, precária, onde fervem os ódios e as vinganças. SP, SPF, SP1: precaria; odios Abílio, mesmo fugindo covardemente com SPF, SP1: philosophica; cousas; d’esta SP, SPF, SP1: Abilio; cobardemente receio da polícia, não deixou de alimentar no seu SP, SPF, SP1: policia coração as idéias de rancor e vingança que lhe SP, SPF, SP1: idéas conhecemos. Sempre o mesmo perverso, ajuntou àqueles que se achavam condenados pelos seus juízos 10 tortuosos, o pobre Felisberto, o seu antigo colega que SP, SPF, SP1: áquelles; condemnados; juizos SP, SPF, SP1: collega o desmascarou. É bem certo que escapara devido à 15 generosidade do rapaz; porém a gratidão não podia SP, SPF, SP1: á generosidade medrar naquela alma daninha encharcada de ruins SP, SPF, SP1: porem paixões. Felisberto devia pagar com a morte o que ele SP, considerava sua audácia e desrespeito à posição de um cavalheiro que lhe era superior em qualidade e SPF, SP1: n’aquella damninha SP, SPF, SP1: elle SP, SPF, SP1: audacia; á posição fortuna. O orgulho mau – a embófia – era a nota dominante no conjunto de sentimentos maus que 20 25 SP, SPF, SP1: embofia SP, SPF, SP1: conjuncto; máus enchiam até o extravasamento a sua alma de energúmeno. Escapulindo, ao princípio desorientado, SP, SPF, SP1: energumeno; sem rumo certo, conseguiu Abílio chegar a um SP, SPF, SP1: Abilio lugarejo insignificante, onde se achou em segurança. SP, SPF, SP1: logarejo Achava-se nas fronteiras do Triângulo Mineiro, como SP, SPF, SP1: Triangulo veio a saber por meio de cautelosas indagações. Nesse SP, SPF, SP1: N’esse principio 461 homizio podia tranqüilamente consertar os seus planos SP, SPF, SP1: tranquillamente diabólicos, e foi o que ele procurou fazer. O seu SP, SPF, SP1: diabólicos; elle desejo era raspar-se para a Bahia, onde estaria bem 30 seguro como cria; mas deixaria atrás sem solução SP, SPF, SP1: deixava; atraz tantas coisas que o seu espírito engendrara, e a que se SP, SPF, SP1: cousas; espirito engendrou via preso. Era preciso pelo menos ferir o seu antigo 35 rival e vingar-se do seu antigo condiscípulo de SP, SPF, SP1: condiscipulo colégio. Para isso faltava-lhe um instrumento e, se não SP, SPF, SP1: collegio; si o encontrasse tal como desejava prontamente, por isso SP, SPF, SP1: promptamente não retardaria a sua volta à Bahia. SP, SPF, SP1: á Bahia Um velho vendeiro, homem honesto e pacato, 40 acolheu-o como pensionista. Abílio achou ótimo o SP, SPF, SP1: Abilio; optimo pouso, porque a casa era situada à beira da estrada, o SP, SPF, SP1: á beira modesto negócio do velho era muito procurado pelos SP, SPF, SP1: negocio viajantes e, por seu interesse, o bom velho construíra SP, SPF, SP1: construira uma rancharia ao pé da casa para albergue dos SP1: alvergue (Erro óbvio.) pedestres que dele se quisessem utilizar. Entre tantos SP, SPF, SP1: d’elle; quizessem; viajantes, de toda a espécie e conduta teria Abílio SP, SPF, SP1: especie; conducta; viandantes Abilio onde escolher. 45 Abílio, que se dava como negociante SP, SPF, SP1: Abilio ambulante, conduzia uma pequena mala de mão, dizendo ao velho dono da casa que o resto das suas mercadorias ficara na última estação da via férrea; que SP, SPF, SP1: ultima naquela mala conduzia algumas jóias e quinquilharias SP, SPF, SP1: n’aquella; joias 462 50 55 que esperava vender para não perder tempo. Pretextando necessidade de descanso e achar-se um SP, SPF, SP1: descanço pouco adoentado, demorar-se-ia ali alguns dias. A SP, SPF, SP1: alli verdade é que ele viera ter ali desorientado, apenas SP, SPF, SP1: elle; alli podendo conduzir aquela mala, na qual levava duas SP, SPF, SP1: aquella mudas de roupa, algum dinheiro e objetos miúdos. As SP, SPF, SP1: objectos; meudos duas malas realmente haviam sido despachadas para a estação a que se referia, e o seu dinheiro de vulto foi 60 depositado em um banco dos mais acreditados. Abílio SP, SPF, SP1: Abilio viajou por estrada de ferro que, abandonava aqui e ali SP, SPF, SP1: alli em estações intermediárias quando encontrava outra SP, SPF, SP1: intermediarias qualidade de veículos. Desviando-se assim para um e SP, SPF, SP1: vehiculos outro lado, às vezes viajando a pé, o seu fim era SP, SPF, SP1: ás vezes desorientar 65 quem porventura viesse em sua perseguição; mas foi feliz porque ninguém em SP, SPF, SP1: ninguem Ribeirão Preto preocupou-se com ele. SP, SPF, SP1: preoccupou-se; Assim chegou aonde o encontramos por elle SP, SPF, SP1: ultimo último. Durante o dia percorria o arraialete oferecendo SP, SPF, SP1: offerecendo e vendendo objetos miúdos, jóias de pequeno valor, SP, SPF, SP1: objectos; meudos; joias etc. Ao descansar, ficava horas e horas na venda 70 conversando com os transeuntes ordinários e fazendo SP, SPF, SP1: ordinarios jeitosamente indagações ou então procurava aqueles SP, SPF, SP1: geitosamente; que se aboletavam na rancharia. Quando, porventura, passavam viajantes que lhe parecessem de classe mais aquelles 463 passavam viajantes que lhe parecessem de classe mais SP, SPF, SP1: Abilio elevada, Abílio ocultava-se na sua alcova, de onde 75 ouvia-os conversar com o locandeiro,306 só SP, SPF, SP1: apparecendo aparecendo quando certo de que não havia perigo de ser reconhecido. “O diabo ajuda aos seus” dissemos ao 80 começar este capítulo. Expliquemos. Já fazia uma SP, SPF, SP1: capitulo semana mais ou menos que Abílio se achava naquele SP, SPF, SP1: Abilio; n’aquelle pouso, quando foi surpreendido pelo aparecimento do SP, SPF, SP1: surprehendido; seu antigo assecla –o Gil ou Tomás – que, ao reconhecê-lo, parou defronte da locanda. O antigo patrão de Gil, olho aqui, olho ali, vendo que ambos 85 estavam a sós, manifestou francamente, se bem que com a sua costumada discrição, o contentamento que experimentava. Veio-lhe logo à idéia aproveitar o caso apparecimento SP, SPF, SP1: Thomaz SP, SPF, SP1: reconhecel-o SP, SPF, SP1: alli SP, SPF, SP1: si SP, SPF, SP1: discreção SP, SPF, SP1: á idéa para que o meliante lhe fosse agradecido. Disse-lhe que esperava vê-lo porque dera providências a fim de 90 307 que o seu camarada conseguisse a livrança. Gil, SP, SPF, SP1: vel-o; providencias; afim mostrando-se reconhecido ao patrão, passou a referir na sua linguagem rude e estropiada que a Justiça de Uberaba achou que a sua prisão foi ilegal tendo sido feita sem ser pedida por precatória. Um advogado 95 306 307 tratou disso e conseguiu pô-lo em liberdade apenas Locandeiro: proprietário de locanda, ou seja, casa de pasto ordinária. Livrança: livramento. SP, SPF, SP1: illegal SP, SPF, SP1: precatoria; d’isso; pol-o 464 por caridade. Tencionava voltar para Ribeirão, mas, contente por encontrar o seu patrão estava ali às suas SP, SPF, SP1: alli; ás suas ordens “para a vida e para a morte”. Abílio aconselhou-lhe que se arranchasse ali, 100 SP, SPF, SP1: Abilio; alli indicando o albergue, deu-lhe uns cobres e disse-lhe SP, SPF, SP1: alvergue que tinha muito que conversar com ele. O que é certo SP, SPF, SP1: elle é que, desse dia por diante, quando os dois o podiam a SP, SPF, SP1: d’esse; deante; dous sós, entravam a conversar longamente em ar misterioso, como dois amigos, cada qual desejando 105 tirar proveito do outro. Por fim, tudo combinado entre os dois, Abílio separou-se de Gil fornecendo-lhe certa SP, SPF, SP1: mysterioso; dous SP, SPF, SP1: Porfim SP, SPF, SP1: dous; Abilio quantia e viajou para o Norte e o camarada voltou para Ribeirão levando certamente recomendações e SP, SPF, SP1: recommendações promessas de encherem-lhe o olho. 110 O resultado das confabulações entre Gil e Abílio, as quais por certo não eram honestas e lícitas, SP, SPF, SP1: Abilio, as quaes; licitas (,) foi o seguinte: –Quando uma noite Felisberto, – o 115 antigo colega que descobriu o incógnito de Abílio – SP, SPF, SP1: collega; incognito; seguia para a sua residência alta noite por uma viela SP, SPF, SP1: residencia viella escusa, foi assaltado por dois embuçados que o SP, SPF, SP1: dous espancaram barbaramente, deixando-o prostrado e SP, SPF, SP1: barbaramente (,) sem sentidos, e desapareceram rapidamente. Debalde SP, SPF, SP1: desappareceram; a polícia, que o encontrou neste estado, procurou SP, SPF, SP1: n’este descobrir os assaltantes. Felisberto, voltando a si, nada Abilio excusa policia 465 120 informou que adiantasse, e o crime nefando ficou SP, SPF, SP1: adeantasse impune. XXIII 5 Enquanto se davam os fatos que relatamos nos SP, SPF, SP1: Emquanto; factos; dois últimos capítulos, João e Calisto, ao aproximar-se SP, SPF, SP1: ultimos; capitulos; à entrega da empreitada, tratavam de dispor dos SP, SPF, SP1: á entrega produtos agrícolas que lhes pertenciam pelo contrato e SP, preparavam-se para realizar os seus negócios com o SP, SPF, SP1: realisar; negocios dous Calixto; approximar-se SPF, SP1: productos; agricolas; contracto coronel Paulino. Gil, terminada a empresa contra Felisberto, voltou 10 SP, SPF, SP1: empreza de Ribeirão para as imediações da fazenda do coronel SP, SPF, SP1: immediações conforme combinara com o patrão, e, às ocultas, SP, SPF, SP1: ás occultas procurou descobrir quando os empreiteiros, tudo 15 concluído, tencionavam voltar para a Bahia. Sem que SP, SPF, SP1: concluido (,) o vissem, temendo ser reconhecido por já ter SP, SPF, SP1: ja trabalhado na empreitada, à noite o miserável SP, SPF, SP1: á noite; miseravel aproximava-se da residência dos empreiteiros, ouvia o SP, SPF, SP1: approximava-se; que conversavam e combinavam, via-os fazerem as suas arrumações, mais ou menos percebia quanto iam residencia 466 apurando dos seus negócios e inteirava-se do tempo SP, SPF, SP1: negocios mais ou menos empregado para a viagem. 20 Afinal, tudo concluído, tiveram João e Calisto que SP, SPF, SP1: concluido; Calixto SP, SPF, SP1: realisado entregar o trabalho realizado. O coronel Paulino pessoalmente, acompanhado de 25 Aristides e Melquíades, foi examinar tudo, contar os SP, SPF, SP1: Melchiades cafezeiros e verificar se em tudo tinham sido SP, SPF, SP1: cafeseiros; si observadas as cláusulas estipuladas no contrato. Em SP, SPF, SP1: clausulas contracto tudo quanto examinou e verificou ficou cabalmente 30 demonstrado o escrúpulo e honestidade dos dois SP, SPF, SP1: escrupulo; dous contratantes que chegaram a aumentar quinhentas SP, SPF, SP1: contractantes; plantas sobre o número contratado, para o caso de SP, sobrevir qualquer contratempo. Desta demasia não SP, SPF, SP1: D’esta queriam compensação pecuniária dizendo que se SP, SPF, SP1: pecuniaria achariam de sobejo indenizados se o coronel estivesse SP, SPF, SP1: indemnizados; si satisfeito. O coronel, apesar de discreto como são os SP, SPF, SP1: apezar augmentar SPF, SP1: numero; contractado ricos e poderosos quando tratam com pessoas que 35 40 308 consideram somenos,308 sorriu bondosamente e elogiou o trabalho dos dois baianos na impecabilidade SP, SPF, SP1: dous; bahianos; com que traçaram as fileiras e guardaram a distância SP, SPF, SP1: distancia exigida pela técnica agrícola entre as plantas. Chegou SP, SPF, SP1: techina; agricola mesmo a oferecer os seus ofícios a João e Calisto e SP, SPF, SP1: offerecer; officios; propor-lhes um novo contrato para formação de outro SP, SPF, SP1: contracto; cafesal cafezal, o que deixaram eles de aceitar por ansiarem SP, SPF, SP1: elles; acceitar Somenos: infeior, de menor valor que outro. impeccabilidade Calixto 467 cafezal, o que deixaram eles de aceitar por ansiarem por chegar em sua terra e no seio amorável das suas SP, SPF, SP1: ancearem; amorável SP, SPF, SP1: familias famílias. –Os senhores são homens de bem – disse o 45 coronel. –É pena que não realizem na sua terra o que SP, SPF, SP1: realisem aqui vamos fazendo. Dou-lhes, entretanto, razão. Os senhores são exceção na sua terra sertaneja que, segundo estou informado, é riquíssima. –Não somos exceções, senhor coronel – retrucou 50 SP, SPF, SP1: excepção SP, SPF, SP1: riquissima SP, SPF, SP1: excepções João. – Os nossos sertanejos são laboriosos e procuram arrancar da terra os tesouros que ela guarda. –E por que a abandonam para procurarem fortuna SP, SPF, SP1: thesouros; ella SP, SPF, SP1: porque; nós. (?) entre nós? –É que os homens que dirigem a Bahia não nos 55 auxiliam nem fomentam o trabalho como o governo de São Paulo; porque o nosso sertão é muito vasto e SP, SPF, SP1: S. Paulo não dispõe dos meios de transporte que aqui vejo. –Ora governos! Meu amigo, a iniciativa do povo é SP, SPF, SP1: aigo (,) que faz o progresso. Viram o nosso crescente 60 progresso que, daqui a poucos anos, será estupendo. SP, SPF, SP1: d’aqui; annos(,) Convença-se de que ele é devido em primeiro lugar à SP, SPF, SP1: elle; á nossa nossa iniciativa. Quando os governantes vêm boa vontade e deliberação no povo trabalhador é que vem auxiliá-lo no seu labor, e por seu próprio interesse. O SP, SPF, SP1: auxilial-o; proprio 468 próprio Deus ajuda a quem trabalha, e quer que a 65 SP, SPF, SP1: proprio iniciativa parta dos homens. Nada esperem dos poderes públicos; deliberem-se a dotar a sua terra do SP, SPF, SP1: publicos progresso que ela bem merece, sejam livres, e os SP, SPF, SP1: ella governos ver-se-ão forçados a vir em seu auxílio. SP, SPF, SP1: auxilio Assim conversando chegaram em casa. As contas 70 foram ajustadas e os pagamentos feitos, recebendo SP, SPF, SP1: feitos (,) João e Calisto vultuosas quantias, que pediram ao SP, SPF, SP1: Calixto coronel as passassem para a Bahia à sua entrega visto SP, SPF, SP1: á sua como a viagem que tinham de fazer era extensa e cheia de riscos para quem levasse dinheiro. 75 80 Livres os dois amigos do seu compromisso de SP, SPF, SP1: dous modo satisfatório, e de posse de alguns contos de réis SP, SPF, SP1: satisfactorio; reis que para eles era fortuna invejável, não se SP, SPF, SP1: elles; invejavel preocupavam com as despesas da viagem, porque o SP, SPF, SP1: preoccupavam; produto da venda de cereais e mais objetos dava com SP, SPF, SP1: producto; cereaes; despezas objectos muita sobra para chegarem em sua terra. Restava-lhes irem ao sítio de Oliveira e, de regresso, empreenderem SP, SPF, SP1: a sua grande viagem de retorno aos sertões baianos. SP, SPF, SP1: bahianos sitio; emprehenderem Havia contentamento geral entre os amigos de 85 João e Calisto pelo bom resultado que haviam colhido SP, SPF, SP1: Calixto; colheram e pela conduta exemplar que ali haviam mantido. SP, SPF, SP1: conducta; alli ; mantiveram Aristides exultava por ficar-lhe demonstrado que João era um homem de bem que honrava a sua família, e SP, SPF, SP1: familia; n’esse 469 90 nesse sentido escreveu uma longa carta a seu pai, na SP, SPF, SP1: pae qual apresentava Calisto, fazendo as mais lisonjeiras SP, SPF, SP1: Calixto (,) referências a seu respeito. Melquíades veio apresentar SP, os seus parabéns aos dois amigos, a quem ofereceu os SP, SPF, SP1: parabens; dous; seus préstimos, informando que o coronel Paulino SP, SPF, SP1: prestimos estava satisfeitíssimo. Marco, Genaro, Giudita e, até, a SP, SPF, SP1: satisfeitissimo; SPF, SP1: referencias; Melchiades offereceu Gennaro; Giuditta velha Maria já sentiam saudades antecipadas quando 95 se lembravam da retirada dos dois baianos. Como SP, SPF, SP1: dous; bahianos prova de confiança, os dois amigos, tendo de ir a SP, SPF, SP1: dous Bebedouro, confiaram a Marco, até que voltassem, 200 205 todos os objetos e, até, algum dinheiro que lhes era SP, SPF, SP1: objectos dispensável nessa pequena viagem. SP, Oliveira acolheu o genro e o seu amigo com a SPF, SP1: dispensavel; n’essa SP, SPF, SP1: ao seu (Emendouse.) maior cordialidade. João propôs-lhe ir para a Bahia. SP, SPF, SP1: propoz-lhe Conheceria seus netinhos e daria com isso muito SP, SPF, SP1: nettinhos prazer a sua filha. Oliveira não se pôs de fora; mas só SP, SPF, SP1: poz iria depois que dispusesse do seu sítio. Estava em SP, SPF, SP1: sitio idade avançada e muito só, necessitando viver SP, SPF, SP1: edade tranqüilo no meio dos seus. Quando lhe fosse SP, SPF, SP1: tranquillo possível, avisaria previamente. SP, SPF, SP1: possivel Gil ignorava todas as particularidades que damos acima, mas do seu esconderijo pôde colher alguma 210 cousa e ficar ciente que os dois amigos estavam em SP, SPF, SP1: sciente; dous véspera de viagem. Por isso preparava-se para segui- SP, SPF, SP1: vespera; seguil- os 470 SP, SPF, SP1: comsigo los levando consigo más intenções. João e Calisto foram a Bebedouro, onde fizeram 215 220 225 SP, SPF, SP1: Calixto algumas compras, não se esquecendo de objetos que SP, SPF, SP1: objectos deixariam com os amigos como lembrança e sinal de SP, SPF, SP1: signal gratidão. Voltando à fazenda do coronel dias depois, SP, SPF, SP1: á fazenda os dois amigos inseparáveis fizeram a entrega dos SP, SPF, SP1: dous; inseparaveis presentes àqueles a quem os destinavam. Ao velho SP, SPF, SP1: áquelles Marco tocou um belo cachimbo de espuma em estojo, SP, SPF, SP1: bello Genaro uma sanfona, objeto que o rapaz desejava há SP, muito tempo possuir, a Giudita um vestido em corte, SP, SPF, SP1: Giuditta; córte próprio para noivado, a Aristides uma escrivaninha de SP, prata cinzelada com os seus pertences, à velha Maria SP, SPF, SP1: á velha um vestido em corte, próprio da sua idade, e a SP, SPF, SP1: côrte; proprio; Melquíades um resguardo de casimira para o tempo de SP, SPF, SP1: Gennaro; samphona; objecto SPF, SP1: proprio; escrevaninha edade SPF, SP1: Melchiades; casemira inverno. Todos esses brindados não sabiam como agradecer a João e Calisto essa prova de amizade; mas SP, SPF, SP1: Calixto; ninguem ninguém manifestou a sua satisfação tão ruidosa e 230 alacremente como Genarino que, qual criança, SP, SPF, SP1: Gennarino; creança examinava o instrumento tecla por tecla, sorria, piruetava, andava abaixo e acima e concluiu 235 executando um pequeno trecho musical, se bem que SP, SPF, SP1: si não como emérito sanfonista; mas revelando grande SP, vocação. A velha Maria veio cá fora agradecer o SP, SPF, SP1: fóra SPF, SP1: samphonista emerito; 471 presente acompanhando as suas palavras do primeiro sorriso que os dois amigos viram relampear no seu SP, SPF, SP1: dous semblante. Marco, este, como entendido, abriu o estojo, examinou o cachimbo e avaliou o seu presente 240 como um dos discretamente, mais valiosos, lastimava que o mas consigo, cachimbo SP, SPF, SP1: comsigo não estivesse bem quilotado. Giudita desfazia-se em SP: quilotado, SPF, SP1: QUILOTADO; Giuditta sorrisos de gratidão e contentamento, mostrando a Maria a fazenda, o bem tecido, a maciez da seda e a 245 delicadeza dos lavores. O seu contentamento ainda era maior porque lhe veio despertar a idéia de seu SP, SPF, SP1: idéa almejado casamento. XXIV Poucos dias depois João e Calisto estavam de viagem. Entre os colonos da fazenda havia dois baianos SP, SPF, SP1: Calixto SP, SPF, SP1: dous; bahianos sertanejos que desejavam regressar aos seus sertões em 5 companhia dos dois amigos, mesmo por temerem os SP, SPF, SP1: dois perigos a que se arriscam os viajantes. Melquíades SP, SPF, SP1: Melchiades recomendou-os como homens honestos que trabalhavam SP, SPF, SP1: recommendou-os ali havia mais de um ano sem nota que os desabonasse. SP, SPF, SP1: alli; anno 472 Munidos 10 todos de armas curtas, e bem aprecatados309 contra qualquer perigo, João e o seu amigo, depois de despedirem-se do coronel, que ainda uma vez teve elogios ao seu modo de proceder e afirmou-lhes que SP, SPF, SP1: affirmou-lhes se precisassem do seu auxílio, estava às suas ordens; SP, SPF, SP1: auxilio; ás suas depois de estarem largos momentos com Aristides, que 15 escreveu a Maria e ao velho professor; depois de também afirmarem a Marco e à sua família a simpatia que lhes votavam e a saudade que deles levavam: alcearam os sacos e partiram em companhia dos dois outros que se lhes agregaram. 20 Gil, já ciente do dia da partida dos dois amigos, seguiu o mesmo caminho, que eles deviam tomar, dois SP, SPF, SP1: tambem SP, SPF, SP1: affirmarem; á sua familia; sympathia SP, SPF, SP1: d’elles SP, SPF, SP1: dous SP, SPF, SP1: aggregaram SP, SPF, SP1: sciente; dous SP, SPF, SP1: elles; dous dias antes. Que as suas intenções eram más não resta 25 30 309 dúvida: mas vendo que iam mais dois companheiros, SP, SPF, SP1: duvida; dous calculou que era arriscadíssimo o que tentava levar a SP, SPF, SP1: arriscadissimo efeito. Era um contra quatro; mas esperava que, em tão SP, SPF, SP1: effeito longa viagem, haveria oportunidade, quando, por qualquer SP, SPF, SP1: opportunidade circunstância ou necessidade, separassem-se do grupo SP, SPF, SP1: circunstancia aqueles que ele visasse ou quisesse evitar. Nessa idéia, SP, pôs-se a pensar nos meios de separá-los quando, SP, SPF, SP1: poz-se; separal-os SPF, SP1: aquelles; quizesse; N’essa; idéa porventura, não tomasse essa deliberação. Não lhe convinha reunir consigo companheiros da sua laia porque SP, SPF, SP1: comsigo assim mais complicada ficaria a realização do seu intento SP, SPF, SP1: realisação Aprecatado: calçado. elle; 473 assim mais complicada ficaria a realização do seu intento e, demais, teria ele que contar com concorrentes ao SP, SPF, SP1: elle; concurrentes SP, SPF, SP1: projectava resultado da obra que projetava. 35 40 Os nossos viajantes seguiram rumo de Mococa, SP, SPF, SP1: Mocóca quase já nas fronteiras de Minas, ponto obrigado como SP, SPF, SP1: quasi sabia Gil; por isso esse foi esperá-los aqui, não deixando SP, SPF, SP1: esperal-os de tomar muitas precauções a fim de não ser reconhecido. SP, SPF, SP1: afim de Durante o dia, ao menor tropel que ouvisse, ocultava-se SP, SPF, SP1: occultava-se nos matos marginais, e à noite, amoitado, observava com SP, SPF, SP1: mattos; marginaes; á olhos de Lince toda a gente que passasse pela estrada. SP, SPF, SP1: Lynce No segundo ou terceiro dia de viagem Calisto noite SP, SPF, SP1: Calixto notou um rasto de alpercatas que seguia o mesmo rumo que ele e os companheiros, e calculou que seria um 45 50 SP, SPF, SP1: elle sampauleiro que voltava para o Norte. “Este sujeito, pensou ele, não sabe de nós, senão se teria juntado ao SP, SPF, SP1: elle; sinão nosso grupo.” Esperava alcançá-lo; mas foi baldado.310 SP, SPF, SP1: alcançal-o; D’ahi Daí por diante o amigo de João que, como soldado que SP, SPF, SP1: deante; qur(,) foi, adquirira ou aguçara o seu espírito de observação era SP, SPF, SP1: adquerira, espirito reconhecimentos que fizera, foi notando o mesmo rasto e a mesma direção que tomava. Depois de passarem Mococa, as pegadas que ele SP, SPF, SP1: Mocóca; pégadas; elle notava e que perdeu de vista, reapareceram sempre na 310 mesma direção, o que lhe confirmou a idéia primitiva de SP, SPF, SP1: direcção; idéa tratar-se de um migrante que retornava à sua terra. Uma SP, SPF, SP1: á sua Baldado: frustado, inúltil. 474 55 tratar-se de um migrante que retornava à sua terra. Uma tarde, porém, notou que, em certa altura da estrada, as pegadas de alpercatas, as mesmas que já bem conhecia, desviavam-se da estrada real e embrenhavam-se nos matos marginais. Isso lhe deu que pensar, e ainda mais o 60 intranqüilizou, porque no dia seguinte a mesma pista reapareceu seguindo o mesmo norte. A nenhum dos SP, SPF, SP1: porem; que (,) SP, SPF, SP1: pégadas SP, SPF, SP1: mattos SP, SPF, SP1: marginaes SP, SPF, SP1: intranquilillisou SP, SPF, SP1: reappareceu SP, SPF, SP1: Calixto companheiros Calisto revelou o que observava e a desconfiança que ia tomando vulto no seu espírito. Apreensivo, e observando com mais interesse a 65 pista do misterioso viajante que seguia adiante de seu grupo, Calisto sem nada revelar aos companheiros dos SP, SPF, SP1: espirito SP, SPF, SP1: Apprehensivo SP, SPF, SP1: mysterioso; adeante SP, SPF, SP1: Calixto seus receios, dormia pensando no caso e fazendo, mesmo em sonhos, conjecturas que o acordavam alvoroçado. Tinha sempre a sua arma aperrada311 e à mão para o que 70 se desse e viesse. O cuidadoso exame que ia fazendo do rasto de alpercatas que, ora sumia no interior dos matos SP, SPF, SP1: accordavam SP, SPF, SP1: á mão SP, SPF, SP1: désse; viésse SP, SPF, SP1: mattos por um lado, ora por outro, convencia o velho soldado da má intenção do viajante, porque este procurava sempre os lugares mais solitários para ocultar-se, onde os matos 75 eram mais espessos e ofereciam mais vantagens para uma 312 emboscada. Tratava-se de um maquino, não havia dúvida, e era preciso avisar aos companheiros a fim de 311 312 Aperrada: engatilhada. Maquino: conspiração, trama. SP, SPF, SP1: solitarios; occultarse; mattos SP, SPF, SP1: paes SP, SPF, SP1: duvida SP, SPF, SP1: afim de 475 que todos, unidos, tomassem serias precauções. João, entretanto, homem de boa fé que era, 80 achou exagerados os receios de Calisto. Se se tratava de SP, SPF, SP1: Calixto; Si um miserável salteador, porque ainda não tinha procurado SP, SPF, SP1: miseravel realizar o seu intento em muitas passagens da estrada que SP, SPF, SP1: realisar ofereciam vantagens a quem se dispusesse a isso? Em SP, SPF, SP1: offereciam todo o caso procuraram viajar sempre com a claridade do 85 dia e pernoitar em povoações onde não corressem tanto riscos como dormindo ao relento. Viajando assim, Calisto sempre de sobreaviso e 90 SP, SPF, SP1: Calixto os demais seguindo o seu conselho, por conhecê-lo o mais SP, SPF, SP1: conhecel-o prático do grupo, muitos dias de viagem tinham vencido SP, SPF, SP1: pratico os nossos viajantes e achavam-se próximos da Cidade do SP, SPF, SP1: proximos Tremedal, quase nas fronteiras da Bahia. A ansiedade de SP, SPF, SP1: quasi; anciedade chegarem em sua terra era geral, e mais intensa em João, que já antegostava o grande regozijo que teria abraçando SP, SPF, SP1: regosijo os seus mais depressa do que os outros, pois seria o 95 100 primeiro a chegar na sua morada. Isso de alguma sorte varreu mais ou menos do seu espírito de todas as tristes SP, SPF, SP1: espirito idéias e receios que Calisto incutira no grupo. O amigo de SP, SPF, SP1: idéas; Calixto João, porém, não deixava de observar o rastro do viajante SP, SPF, SP1: porem de alpercatas, chegando a certificar-se de que as suas SP, SPF, SP1: alpercatas (,) intenções eram más, e que se nada tinha feito segundo o seu desejo, era por ser covarde e ter receio de perder a 476 partida. Uma tarde, quando se achavam os nossos migrantes há cerca de duas léguas de Tremedal, embora 105 SP, SPF, SP1: leguas encontrassem um pouso seguro, tomaram a resolução de viajar, mesmo à noite, para pernoitar na cidade. Estavam SP, SPF, SP1: com á noite (Emendou-se.) na estação chuvosa, e desde de alguns dias, chovia a intervalos sem embaraçar a marcha que vinham fazendo. 110 Qual o espírito, por mais rude e ignorante que SP, SPF, SP1: espirito seja, que, ao aproximar-se da terra onde nasceu, onde se acham os seus parentes e amigos, e que tão doces recordações o acalentam, não sente um prazer indefinido 115 antevendo o contentamento da família e dos amigos ao SP, SPF, SP1: familia vê-lo depois de uma ausência prolongada!? O seu espírito SP, SPF, SP1: vel-o; ausencia; não admite pensamento algum alheio a essa preocupação SP, suave e deliciosa; só ela plena-lhe a alma, absorve-a, SP, SPF, SP1: ella espirito SPF, SP1: admitte; preoccupação domina-a. É o que se dava com os nossos viajantes mais ou 120 menos intensamente, e em João com uma preponderância, com uma força dominadora que o levava SP, SPF, SP1: preponderancia a sonhar acordado e desejar que possuísse asas para SP, SPF, SP1: accordado; possuisse chegar célere junto à sua querida Maria e aos seus SP, SPF, SP1: á sua filhinhos. A noite veio mais escura e carregada, porque 125 nuvens grossas e acasteladas iam tomando o céu. Depois SP, SPF, SP1: acastelladas; céo os relâmpagos repetiam-se e uma borrasca estava SP, SPF, SP1: relampagos 477 os relâmpagos repetiam-se e uma borrasca estava 313 iminente, razão para que os viajantes estugassem o SP, SPF, SP1: imminente SP, SPF, SP1: anciosos passo, ansiosos por alcançar a cidade. João, este, por isso e, mais, pela ardente vontade de chegar mais depressa na 130 sua querida Bahia, ia na vanguarda marchando com mais pressa do que os companheiros. Ao clarão repetido dos relâmpagos é que percebiam o trilho deviam seguir, tal SP, SPF, SP1: relampagos SP, SPF, SP1: gottas; cahiam era a escuridão. Já algumas gotas caíam prenunciando uma chuva torrencial e como que a incitá-los a andar mais 135 SP, SPF, SP1: incital-os apresados. De repente Calisto viu brilhar nas trevas um SP, SPF, SP1: Calixto clarão seguindo-se logo o estampido de um tiro. O amigo de João não hesitou e, já com a arma aperrada em punho, seguiu presto rumo do clarão, exclamando em voz baixa: 140 145 “Eu não disse?” Os dois outros, a sua deliberação, SP, SPF, SP1: dous seguiram-no. Estavam distantes poucos passos, quando SP, SPF, SP1: seguiram-n-o um relâmpago iluminou o local. De trás de uma moita SP, saiu um homem empunhando uma faca ou punhal em SP, SPF, SP1: direcção direção de outro que se achava prostrado. Rápido como SP, SPF, SP1: Rapido pensamento, Calisto desfechou um tiro no assaltante, que SP, SPF, SP1: Calixto deu um grito e caiu. SP, SPF, SP1: cahiu A cena foi mais rápida que o tempo que levamos a descrevê-la. A noite era escura como pez, o céu velado por uma nuvem negra que tomava todo horizonte. Como 313 Estugar: apressar; aligeirar o passo. SPF, SP1: relampago; illuminou; traz; sahiu SP, SPF, SP1: scena; rapida SP, SPF, SP1: descrevel-a; céo 478 por uma nuvem negra que tomava todo horizonte. Como 150 examinar os feridos e tomar uma providência? Os SP, SPF, SP1: providencia SP, SPF, SP1: relampagos; meude relâmpagos a miúde rasgavam as trevas, mas a sua luz era tão fugaz e de tal contraste com as sombras, que antes, obumbrava314 a visão dos nossos viajantes, que ouviam suspiros e gemidos de ambos os feridos. 155 Calisto lembrou-se de seu isqueiro, que era aceso à gasolina. Era uma luz mortiça e pouco duradoura, mas em todo o caso serviria. Felizmente as gotas de chuva não mais caíam e o grosso da borrasca tomou outro rumo, apenas vendo-se os relâmpagos, seguidos com demora de 160 trovões surdos ao longe. Um dos companheiros de Calisto lembrou-se que trazia um rolo, – um pavio de cordão SP, SPF, SP1: Calixto SP, SPF, SP1: acceso; á gazolina. SP, SPF, SP1: gottas SP, SPF, SP1: cahiam SP, SPF, SP1: relampagos SP, SPF, SP1: Calixto SP: rolo, SPF, SP1: RÔLO grosseiro embebido em cera da terra – e, abrindo o saco, achou-o felizmente. O rolo foi aceso com a chama do 170 A cena que se desdobrava diante dos olhos de SPF, SP1: SP, SPF, SP1: scena; deante Calisto e seus companheiros era triste e desoladora. João, SP, SPF, SP1: Calixto prostrado sobre o saco ainda atado ao seu corpo, tinha o SP, SPF, SP1: sacco braço varado por uma bala que entrara entre o músculo e SP, SPF, SP1: musculo o osso do úmero esquerdo, e o outro, – o salteador– ainda SP, SPF, SP1: húmero com o punhal na mão crispada, achava-se gravemente ferido no ventre. A luz fumegante e escassa do rolo 314 rolo, chamma isqueiro. 165 SP: Obumbrar: cegar, turvar, tornar escuro. SP: rolo, SPF, SP1: RÔLO RÔLO; 479 estampava ao quadro o mais triste aspecto. Mesmo assim, Calisto, resoluto, à frente dos 175 SP, SPF, SP1: Calixto; á frente dois companheiros, tentou tomar uma providência SP, SPF, SP1: dous; providencia qualquer em favor dos dois feridos, especialmente de seu SP, SPF, SP1: dous amigo. Conseguiu preparar com musgos verdes e SP, SPF, SP1: musculos folhagens cobertos por um cobertor de lã, um leito no qual foi acomodado João depois de desembaraçado do saco e SP, SPF, SP1: accomodado; sacco mais objetos que se achavam atados ao seu corpo. Depois, 180 por caridade, apesar da repugnância dos dois companheiros, conseguiu Calisto acomodar Gil em uma SP, SPF, SP1: repugnancia; dois SP, SPF, SP1: Calixto; accomodar cama de folhas. Neste momento, lembrou-se um dos dois que 185 SP, SPF, SP1: N’este; momento (,) trazia um frasco com bálsamo ou “óleo de copaíba” que SP, SPF, SP1: balsamo; oleo; sempre conduzia consigo desde que conseguiu pronta cura SP, SPF, SP1: comsigo; prompta copahiba de um ferimento de ferro cortante quando trabalhava em 190 São Paulo. Essa lembrança muito agradou Calisto que, SP, SPF, SP1: S. Paulo; Calixto depois de muito trabalho em abrir o saco e remexê-lo SP, SPF, SP1: sacco; remechel-o conseguiu, ajudado por seu dono, obter o bálsamo. Não SP, SPF, SP1: balsamo havia água para um banho das feridas, mas Calisto SP, SPF, SP1: agua; Calixto conseguiu umedecê-las e refrescá-las com o orvalho que SP, ia colhendo aqui e ali no folhedo dos matos. SP, SPF, SP1: alli; mattos SPF, SP1: humidecel-as refrescal-as Já despontava o dilúculo315 da manhã e os nossos viajantes achavam-se nesta faina, quando ouviram um tropel de animais e, em seguida viram dou cavaleiros 315 Dilúculo: crepúsculo matutino. SP, SPF, SP1: animaes; cavalleiros 480 195 um tropel de animais e, em seguida viram dou cavaleiros SP, SPF, SP1: direcção; dous que vinham em sua direção. Eram dois viajantes que vinham de Montes Claros, como depois informaram. Vendo o grupo e dois homens prostrados, procuraram saber o que havia; se porventura houvera luta entre os 200 figurantes daquela cena de sangue. Calisto informou o que SP, SPF, SP1: dous SP, SPF, SP1: lucta SP, SPF, SP1: d’aquella; scena; Calixto havia e o embaraço em que se achavam desde a noite anterior sem um meio de procurar recursos na Cidade, para onde queiram e não podiam conduzir os doentes. Os dois viajantes, que eram homens de trato, 205 SP, SPF, SP1: dous dispunham de animais à destra, e ofereceram-nos a SP, SPF, SP1: animaes; á dextra; Calisto para transporte de João e Gil. Apeando-se, SP, SPF, SP1: Calixto offereceram-n-os examinaram os ferimentos, fizeram indagações de João, o único dos feridos que se mostrava mais calmo e asseverou SP, SPF, SP1: unico que podia montar, contanto que os companheiros o 210 ajudassem e que viajassem muito devagar. Gil torcia-se sofrendo dores horríveis, mas era claro que só poderia SP, SPF, SP1: soffrendo; horriveis locomover-se conduzido em padiola.316 Enfim, duas horas depois, João montou, ajudado pelos companheiros, os dois cavaleiros seguiram adiante a 215 fim de darem providências e os dois sampauleiros ficaram guardando Gil a pedido de Calisto, que acompanhou o SP, SPF, SP1: Emfim SP, SPF, SP1: dous; cavalleiros SP, SPF, SP1: adeante; afim; providencias; dous SP, SPF, SP1: Calixto amigo. 316 Padiola: espécie de cama de lona, portátil e desmontável, usada para transportar doentes e feridos. 481 Na cidade do Tremedal, já prevenido o 220 SP, SPF, SP1: ja Delegado de Polícia e tomadas providências pelos dois SP, SPF, SP1: viajantes que haviam seguido adiante, João teve um SP, SPF, SP1: adeante alojamento cômodo e decente e Gil, denunciado pelos SP, SPF, SP1: commodo Policia; providencias; dous outros como maquino e causador de um caso tão triste, foi entregue à autoridade por ser o mais criminoso e não SP, SPF, SP1: á autoridade dispor de meios para pagar uma pensão ou alugar uma 225 casa. O Delegado deu-lhe pouso e tratou logo das providências precisas para o seu tratamento e para realizar as diligências que lhe competiam. SPF, SP1: providencias; realisar SP, SPF, SP1: deligencias Calisto, que não abandonava o amigo, procurou 230 SP, SP, SPF, SP1: Calixto médico para ele e todo o conforto indispensável ao seu SP, SPF, SP1: medico; elle; tratamento e comodidades, despendendo o que fosse SP, SPF, SP1: commodidades; necessário para isso. Procedeu-se a corpo de delito e em SP, SPF, SP1: necessario; delicto seguida foram ouvidos, em inquérito, não só os dois SP, SPF, SP1: inquerito; dous indispensavel dispendendo feridos como os seus companheiros, resultando de tudo 235 isto que Calisto atirara em Gil em defesa própria. Embora SP, SPF, SP1: Calixto; propria a justificativa seja um caso jurídico de qual só pode tomar SP, SPF, SP1: juridico conhecimento o plenário, o Delegado, como sói317 SP, SPF, SP1: plenário; sóe acontecer nas povoações sertanejas, tomou-o em consideração para dar liberdade a Calisto, para isso SP, SPF, SP1: Calixto decidir sendo insistido pela melhor sociedade de 240 317 Tremedal, que se manifestou simpática à causa do amigo Soer: ser comum, ter por costume ou hábito. SP, SPF, SP1: sympathica; á causa 482 de João, que de outro modo não devia nem podia proceder em tão apertada conjectura. João, segundo o parecer do médico, não poderia 245 SP, SPF, SP1: medico viajar senão depois de cicatrizada a ferida e cessada a SP, SPF, SP1: sinão febre inflamatória por completo. Como, porém, os dois SP, SPF, SP1: inflammatoria; dous; Sampauleiros que se haviam agregado ao grupo SP, SPF, SP1: SAMPAULEIROS; estivessem aflitos por seguir viagem, Calisto pediu-lhes SP, SPF, SP1: afflictos; Calixto que passassem em casa de dona Maria para dar-lhe notícia SP, SPF, SP1: d. Maria; noticia do marido, sendo eles instruídos do caminho que deviam SP, SPF, SP1: elles; instruidos porem aggregado tomar, etc. 250 Só dois dias depois, quando Calisto se achava SP, SPF, SP1: dous; Calixto mais desembaraçado, pôde ver Gil, vindo então a SP, SPF, SP1: desembaraçado (,) descobrir que o miserável era o mesmo Tomás que SP, SPF, SP1: miseravel; Thomaz estivera trabalhando na empreitada e que, segundo se 255 descobria, era um vil instrumento de Abílio contra João SP, SPF, SP1: Abilio Lopes. Cientificada a autoridade dos maus precedentes de SP, SPF, SP1: Scientificada Gil e dos seus crimes, por telegramas dirigidos a Uberaba SP, SPF, SP1: telegrammas e Ribeirão Preto, noticiou o seu paradeiro, recebendo 260 depois alguns dias ordem de detê-lo por já ter cometido o SP, SPF, SP1: detel-o; commetido crime de espancamento de que demos notícia. Entretanto SP, SPF, SP1: noticia o criminoso refece,318 apesar de tratado e medicado, SP, SPF, SP1: apezar; falleceu faleceu em conseqüência de seu ferimento. Antes, porém, SP, SPF, SP1: consequencia; porem confessou a sua responsabilidade nos dois últimos crimes SP, SPF, SP1: dous; ultimos e que agira por conta de Abílio, de quem era mandatário. 318 Refece: de maus sentimentos. 483 e que agira por conta de Abílio, de quem era mandatário. 265 SP, SPF, SP1: Abilio; mandatario Abílio, reconhecido como um celerado da pior SP, SPF, SP1: Abilio; scelerado; espécie, escapando furtivamente à vigilância da polícia de SP, SPF, SP1: especie; á vigilancia; peor policia Ribeirão, voltou aos seus penates319 sem abandonar os seus propósitos de vingança, antes mais odiento por ver SP, SPF, SP1: propositos falhos todos os seus planos infames. Chegando na sua 270 residência, o seu primeiro cuidado foi construir roças e SP, SPF, SP1: residencia tapumes nas vizinhanças de João a fim de assegurar as SP, SPF, SP1: visinhanças; afim posses que adquirira indevidamente, não se esquecendo 275 de ampliá-las em alguns metros. Dona Maria, sabendo SP, SPF, SP1: amplial-as; D. Maria disso tomou o propósito de nada reclamar ou dizer, o que SP, SPF, SP1: d’isso; proposito Serafim achou justo e conveniente. João não demoraria SP, SPF, SP1: Seraphim em chegar, como havia noticiado por carta, e era bom que visse até que ponto levava a sua audácia e maus instintos SP, SPF, SP1: audacia; instinctos o seu antigo condiscípulo e refalsado amigo. SP, SPF, SP1: condiscipulo Para finalizar Lembra-se o leitor que, ao encetarmos esta 5 despretensiosa narrativa, quando quem a escreve e seu SP, SPF, SP1: despretenciosa amigo M.... achávamo-nos hospedados em casa do SP, SPF, SP1: achavamo-nos professor Serafim, ao acordarmos alta madrugada, SP, SPF, SP1: accordarmos ouvimos conversação na saleta e conhecemos a voz da velha Pulquéria, que lamentava algo de triste e funesto. 319 Penates: casa paterna, lar. SP, SPF, SP1: Pulcheria Seraphim; 484 velha Pulquéria, que lamentava algo de triste e funesto. Isso incomodou-nos o espírito, a ele acudindo a idéia de ter sucedido algum desastre em casa de dona Maria da 10 Conceição. Então, ao terminarmos o capítulo daquele SP, SPF, SP1: incommodou-nos; espirito; elle; idéa SP, SPF, SP1: succedido; d. Maria SP, SPF, SP1: capitulo; d’aquelle SP, SPF, SP1: sabel-o-a tomo, escrevemos: “o leitor sabê-lo-á”. Chegou ao tempo de ser satisfeita a sua curiosidade, e pedimos desculpar-nos tanta demora. Como 15 20 25 estava próximo o alvorecer, erguemo-nos do leito e SP, SPF, SP1: proximo procuramos saber o que havia sucedido. Pulquéria SP, informava que dois sampauleiros, já tarde da noite, SP, procuraram a casa de dona Maria para dar-lhe a notícia de SP, SPF, SP1: d. Maria; noticia seu marido que ficara em Tremedal com Calisto. Os dois SP, SPF, SP1: Calixto; dous mensageiros do amigo de João – pois eram os dois que SP, SPF, SP1: dous vieram adiante como o leitor viu – referiram da sua SP, SPF, SP1: adeante linguagem franca e grosseira o triste episódio que SP, SPF, SP1: episodio narramos no capítulo precedente. Sem tomarem as SP, SPF, SP1: capitulo precauções que exige a prudência, alvoroçaram a pobre SP, esposa e Pulquéria dando notícia do ferimento de João e SP, SPF, SP1: Pulcheria; noticia SPF, SP1: succedido; Pulcheria SPF, SP1: dous; SAMPAULEIROS (,) SPF, SP1: prudencia; alvoraçaram do seu estado, tal que o impossibilitara de viajar. Serafim, sem poder avaliar o caso devidamente, SP, SPF, SP1: Seraphim (,); attribuiu; Abilio atribuiu logo a manejos de Abílio contra o pobre João, o que depois nos revelou, e desejando ver sua comadre, e melhor indagar, pediu-nos licença para ir à residência dela 30 e que aguardássemos a sua volta, dizendo-nos que SP, SPF, SP1: á residencia; d’ella; aguardassemos SP, i SPF, SP1: i estavamos; 485 estávamos em nossa casa e não tivéssemos cerimônias. Ansiosos por também termos uma notícia bem 35 tivessemos; ceremonias SP, SPF, SP1: Anciosos; tambem; noticia fundada do que se dera, aceitamos o alvitre do velho SP, SPF, SP1: acceitamos mestre-escola, que seguiu logo a pé. A senhora do senhor SP, SPF, SP1: Sr. Seraphim Serafim e seus filhos esmeraram no trato que nos dispensaram, com uma delicadeza cativante, de modo que SP, SPF, SP1: captivante a ausência do mestre-escola passou para nós quase SP, SPF, SP1: ausencia; quasi desapercebida, embora voltasse ele já sol alto. Vinha com SP, SPF, SP1: elle semblante risonho, o que nos animou. João estava fora de 40 risco, e com poucos dias estaria com os seus, segundo pôde ele colher da notícia dos dois viajantes. Em todo SP, SPF, SP1: elle; noticia; dous caso no dia seguinte iria ao seu encontro. ______ Passado um mês mais ou menos, encontramos o velho Serafim em Caetité. Acolheu-nos alegre, o que 45 SP, SPF, SP1: Seraphim; Caetite demonstrou na habitual risada que, a trechos, pontuava a sua conversação. Havia ido ao encontro de João Lopes, que felizmente chegou na sua residência livre de perigo e SP, SPF, SP1: residencia com ferimento quase cicatrizado. Calisto, de uma rara SP, SPF, SP1: quasi; Calixto dedicação, só o deixou quando certo sua cura completa. 50 320 Abílio – quem o diria? – talvez ignorando que o SP, SPF, SP1: Abilio seu antigo condiscípulo estava inteirado das suas SP, SPF, SP1: condisciplo patifarias, teve o descoco320 de visitá-lo, mostrando-se o SP, Descoco: atrevimento, descaramento. SPF, SP1: descoco; visital-o patifarias (,); 486 55 60 mesmo blandicioso321 refinado hipócrita de todos os SP, SPF, SP1: bladicioso; hypocrita tempos. João, embora a relutância que experimentava não SP, quis manifestar a repugnância que lhe causava o refalsado SP, SPF, SP1: repugnancia e infame urdidor de tantas e tão vis intrigas e perseguições SP, SPF, SP1: entrigas àqueles que nunca ofenderam. Respeitou o hóspede SP, indesejável, mas mostrando-se sério e frio no acolhimento SP, SPF, SP1: indesejavel; serio que lhe fez. Pulquéria é que, não podendo tolerar tamanha SP, SPF, SP1: Pulcheria; podemos desfaçatez, manifestou, lá pelo interior da casa o seu SP, SPF, SP1: desfasatez; la desagrado em impropérios e esconjuros que dona Maria SP, SPF, SP1: improperios; d. dificilmente conteve. SP, SPF, SP1: difficilmente Dias depois, tomando João conhecimentos de visu322 dos prejuízos que lhe deu Abílio nas suas 65 70 propriedades, escreveu ao usurpador 321 322 SP1: reluctancia; SPF, SP1: áquelles; offenderam; hospede Maria SP: de visu, SPF, SP1: DE VISU SP, SPF, SP1: prejuizos; Abilio reclamando indignado e enérgico pronta restituição, demonstrado, à SP, SPF, SP1: energico; prompta; á luz de antigos documentos que aquele bem conhecia, o SP, SPF, SP1: aquelle incontestável direito que lhe assista. Com rude franqueza SP, SPF, SP1: incontestavel dizia-lhe esperar que Abílio não o obrigasse a ir a Juízo, SP, SPF, SP1: Abilio; Juizo onde sairiam à luz provas outras existiam quanto às SP, SPF, SP1: sahiriam; á luz; ás perseguições exercidas por ele na sua ausência. SP, SPF, SP1: elle; ausencia Coincidiu essa missiva, com diferença de 75 SPF, esperimentava luz perseguições SP, SPF, SP1: differença poucos dias, com uma carta que um amigo e freguês de SP, SPF, SP1: freguez Abílio escreveu-lhe comunicando-lhe de São Paulo que SP, ele se achava processado em Ribeirão Preto pelo crime de SP, SPF, SP1: elle Blandicioso: afetuoso. De visu: por ter visto. SPF, SP1: communicando-lhe; S. Paulo Abilio; 487 80 espancamentos que cometeu em Felício, o qual, como SP, SPF, SP1: cometteu; Felicio outros fatos diversos, achava suficientemente provado. SP, Recomendava-lhe que se acautelasse, pois, achando-se ele SP, SPF, SP1: Recommendava-lhe; pronunciado, ia ser expedida precatória exigindo a sua SP, SPF, SP1: precatoria SPF, SP1: factos; sufficientemente elle prisão. Abílio, aterrado, como que sentiu em torno de si SP, SPF, SP1: Abilio; si o estrondo de um descalabro. Conheceu que lhe restava 85 apenas fugir para um esconderijo longínquo onde SP, SPF, SP1: longinquo ninguém o pudesse descobrir. Para isso, porém, era SP, SPF, SP1: ninguem; podésse; preciso que dispusesse quanto antes dos seus bens. SP, SPF, SP1: despuzesse Lembrou-se de um amigo de Caetité, ao qual dispensara porem SP, SPF, SP1: Caetite favores, e que lhe merecia alguma confiança, escreveu-lhe pedindo-lhe o obséquio de chegar até as sua residência a negócio importante. Esse amigo foi solícito e recebeu 90 SP, SPF, SP1: obsequio; residencia SP, SPF, SP1: negocio; solicito mandato em regra para dispor de tudo quanto pertencia ao nosso herói, mesmo bens imóveis. SP, SPF, SP1: heróe; immoveis Simultaneamente dirigiu-se a João dizendo-lhe que não obrara de má fé entrando pelas suas terras; que o fizera por má interpretação de uma nota que possuía. Que 95 100 SP, SPF, SP1: possuia se convencia do direito do seu velho camarada e amigo com quem não desejava atritos, e por isso restituía-lhe as SP, SPF, SP1: attritos; restituia-lhes propriedades e, até, indenizaria os danos que, porventura, SP, SPF, SP1: damnos tivesse causado ao seu amigo da infância, com quem SP, SPF, SP1: infancia desejava manter as antigas relações de amizade. E tudo 488 105 foi efetivado nessas condições, chegando Abílio a repor o SP, SPF, SP1: effectivado; n’essas; marco no seu primitivo lugar, dizendo não ter sido SP, SPF, SP1: lugar (,) arrancado por ele nem gente sua. João dispensou as SP, SPF, SP1: elle indenizações por danos. SP, SPF, SP1: damnos Reduzido a dinheiro tudo quanto possuía, Abilio; repôr SP, SPF, SP1: possuia gratificado o seu procurador pelo seu serviço prestado, 110 Abílio desapareceu de uma noite para um dia sem SP, SPF, SP1: Abilio; desappareceu despedir-se de quem quer fosse, e desapareceu sem que SP, SPF, SP1: desappareceu alguém soubesse que rumo tomou, terminando assim por SP, SPF, SP1: alguem cá a sua carreira de crimes e perversidades, e deixando tranqüilos aqueles a quem perseguia tão SP, SPF, SP1: tranquillos; aquelles encarniçadamente. Soubemos depois que o nosso maldoso 115 herói partira para o extremo Norte do país, constando que SP, SPF, SP1: heróe; paiz (,) por lá conseguiu aumentar a fortuna e ocupar posição de SP, SPF, SP1: augmentar; occupar destaque; mas ignoramos qual o lugar da sua residência. SP, SPF, SP1: residencia Escarmentado,323 é possível que por lá soubesse melhor SP, SPF, SP1: possivel aproveitar os seus dotes de astúcia e hipocrisia, SP, SPF, SP1: astucia; hypocrisia convencido, mas não arrependido, de que lhe convinha sopear324 o orgulho e gênio apaixonado. SP, SPF, SP1: genio _____ 120 323 324 João ampliou as suas propriedades territoriais, SP, SPF, SP1: territoriaes aumentou a sua casa, tornando-a mais cômoda e SP, SPF, SP1: casa (,); augmentou; confortável, e conseguiu que Oliveira voltasse aos sertões SP, SPF, SP1: confortavel Escarmentado: sabedor por experiência custosa; escaldado. Sopear: conter. commoda 489 125 baianos onde, residindo com o genro, vive uma velhice SP, SPF, SP1: bahianos tranqüila, desvelado com carinho por dona Maria e pelos SP, SPF, SP1: tranquilla; d. Maria netinhos, que crescem em número, sendo o encanto de SP, SPF, SP1: nettinhos; numero(,) todos. Serafim continua o mesmo amigo leal da família de SP, SPF, SP1: Seraphim; familia João, trabalhador e honesto, mesmo já bem velho, mas um velho forte e bem disposto. Aristides, continuando em São Paulo, conseguiu 130 SP, SPF, SP1: S. Paulo boas colocações e tem vindo à Bahia visitar os seus, mas SP, SPF, SP1: collocações; á Bahia não disposto a residir por cá, estando já afeito aos SP, SPF, SP1: affeito costumes de São Paulo. Numa dessas visitas encontramo- SP, SPF, SP1: S. Paulo; N’uma; lo em Caetité. É um moço simpático, inteligente, de SP, SPF, SP1: Caitite; sympathico; encontramol-o intelligente esmerada educação, que empolga em uma palestra 135 criteriosa e elevada, como tivemos ocasião de verificar SP, SPF, SP1: occasião palestrando com ele. A curiosidade levou-nos a pedir-lhe SP, SPF, SP1: elle notícias de Marco e sua família. Genarino casou-se com SP, SPF, SP1: noticias; familia; Giudita, realizando assim o seu doirado sonho. Ambos SP, Gennarino SPF, SP1: Giuditta(,); realisando laboriosos e honestos, parece a Aristides que vão juntando 140 o seu pé de meia, acalentando outro sonho: voltarem à SP, SPF, SP1: á terra terra poética e risonha da qual têm muita saudade. SP, SPF, SP1: poetica E Pulquéria? Não nos esquecemos informar que 145 SP, SPF, SP1: Pulcheria a velha continua dedicada à sua querida iaiázinha e à SP, SPF, SP1: continùa; á sua; prole do casal, que a festejam e atormentam sem fazê-la SP, SPF, SP1: fazel-a perder a paciência. Pois não são os seus queridos netinhos SP, SPF, SP1: paciencia brancos? yayazinha; á prole 490 Sempre que encontramos o velho mestre-escola 150 155 em Caetité, pois que se tornou nosso amigo, e dos mais SP, SPF, SP1: tornou-se (Emendou- leais, é um alegrão. Depois de insistirmos muito, SP, SPF, SP1: leaes conseguimos que o velho se hospedasse na nossa casa. Muita coisa nos informou, entrecortando a conversação SP, SPF, SP1: cousa com a sua risada final, quando assim era permitido. Por SP, SPF, SP1: permittido nossa vez, a seu convite, fomos à sua casa, onde o bom SP, SPF, SP1: á sua Serafim e a família nos acolheram com o maior carinho, e SP, SPF, SP1: Seraphim; familia de lá retiramo-nos saudosos. Calisto raramente não vem à feira de Caetité, 160 se ênclise para próclise.) SP, SPF, SP1: Calixto; á feira; Caetite onde quase sempre se encontra com João Lopes em cuja SP, SPF, SP1: quasi casa tem ido várias vezes, sendo acolhido como um dos SP, SPF, SP1: varias amigos diletos que se tornou da família. Com ele também SP, SPF, SP1: dilectos; familia; conversamos largamente sobre os fatos que relatamos (Erro óbvio.); SP, SPF, SP1: factos nesta parte de nosso trabalho que damos por concluído. SP, SPF, SP1: n’esta; concluido elle; tambem; SP1 couversamos FIM Terminei este segundo livro do “Sampauleiro” no dia 8 de Dezembro de 1929, quando os cristãos manifestam-se com grande veneração à Puríssima Virgem-Mãe a quem pedimos proteger-nos e ampararnos. SP, SPF, SP1: á Purissima 491 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Acredita-se ter podido trazer, com a edição crítica do segundo volume do romance O Sampauleiro, uma contribuição mínima, porém relevante, para o projeto de resgate da memória cultural de Caetité que, através da reunião e edição da obra do escritor baiano João Antônio dos Santos Gumes, garantirá a sua permanência para as gerações futuras bem como disponibilizará ao leitor especialista material confiável sobre o qual debruçará, realizando investigações sob diferentes olhares. Acredita-se também que ao tentar tornar transparente a produção literária de Gumes, destacando a importância desta produção, contribui-se para o preenchimento de uma lacuna da historiografia literária baiana. Ao propor a edição crítica do romance O Sampauleiro chegou-se às seguintes constatações sobre a obra do escritor baiano: a) Alguns manuscritos da obra literária de Gumes como, por exemplo, o drama Abolição e parte do segundo volume do romance O Sampauleiro são textos que revelam o seu processo de elaboração, um texto inacabado, com marcas que atestam a sua gênese, cristalização do processo de construção do discurso narrativo. Observa-se uma preocupação do autor com a boa distribuição dos elementos no sintagma, na tentativa de ampliá-lo, de reduzi-lo na busca pela depuração do seu texto. Essas marcas são correções estilísticas 492 funcionais: substituições, supressão, acrescentamentos, e espaciais na entrelinha superior ou em sobreposição. Estes textos se prestam a uma futura leitura crítico-genética. b) O romance Os Analphabetos apresenta, até o presente momento, apenas a versão impressa de 1928, recomendando-se preparar uma edição fac-similar ou em reprodução eletrônica. c) Após a microfilmagem da coleção do jornal A Penna, pertencente ao Arquivo Municipal de Caetité, a reunião e transcrição das crônicas serão concluídas, incluindo as 99 crônicas325, recolhidas e transcritas do mesmo jornal, correspondentes ao período de 19 de dezembro de 1911 a 01 de setembro de 1916. Essas crônicas deverão ser objeto de uma leitura seguindo os critérios adotados por Maria Helena Santana na edição de alguns textos de Eça de Queirós publicados na Revista de Portugal, os Textos de Imprensa VI. 326 d) Os romances Vida Campestre e Pelo Sertão, publicados em folhetim no jornal A Penna deverão ser transcritos e editados criticamente. e) Somente após a edição de toda a obra do escritor deverá ser realizado o estudo do seu vocabulário. 325 Cf. a relação dos títulos das crônicas já transcritas na página 49. Cf. Eça de QUEIRÓS. Textos de Imprensa VI (da Revista de Portugal). Edição de Maria Helena Santana. Lisboa: Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 1995. 326 493 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 OBRAS DO AUTOR 1.1 LIVROS GUMES, João. Os analphabetos. Bahia: Escola Typographica Salesiana, 1929. 216p. GUMES, João. O sampauleiro. Caetité: A Penna, 1929. 2v. GUMES, João. Pelo sertão. Caetité: A Penna, 11 jul. 1913 – 27 mar. 1914. GUMES, João. Vida Campestre. Caetité: A Penna, 6 set. 1917. 1.2 MANUSCRITOS GUMES, João. Mourama. Caetité, [s.d]. GUMES, João. Seraphina. Caetité, [s.d]. GUMES, João. Prólogo. Caetité, [s.d]. GUMES, João. Abolição. Caetité, [s.d]. 1.2 CRÔNICAS 494 GUMES, João. Açudes. A Penna, Caeteté, n. 9, p.1, 26 abr. 1912. GUMES, João. [Não vimos, por estas linhas, assignalar grandes conquistas...]. A Penna, Caeteté, n. 73, p.1, 19 dez. 1914. GUMES, João. 14 de abril. A Penna, Caeteté, n. 82, p.1, 22 abr. 1915. GUMES, João. 15 de novembro. A Penna, Caeteté, n 98, p. 1, 18 nov. 1915. GUMES, João. 19 de dezembro. A Penna, Caeteté, n. 25, p.1, 19 dez. 1912. GUMES, João. 24 de fevereiro. A Penna, Caeteté, n. 4, p. 1, 9 fev. 1912. GUMES, João. 24 de fevereiro. A Penna, Caetité, p. 1, 28 fev. 1912. GUMES, João. A baixa do café. A Penna, Caeteté, n. 41, p. 1, 01 ago. 1913. GUMES, João. A baixa do café: opiniões sobre as causas d’ella. A Penna, Caeteté, n. 41, p. 1, 1 ago. 1913. GUMES, João. A canna de assucar. A Penna, Caeteté, n. 20, p. 1, 8 out. 1912. GUMES, João. A catastrophe. A Penna, Caeteté, n.58, p. 1, 27 mar. 1911. GUMES, João. A eleição. A Penna, Caeteté, n. 56, p. 1, 27 fev. 1914. GUMES, João. A emissão do papel. A Penna, Caeteté, n 68, p.1, 3 set. 1914. GUMES, João. A epidemia. A Penna, Caeteté, n. 89, p. 1,15 jul. 1915. GUMES, João. A ferro-via. A Penna, Caeteté, n. 11, p. 1, 24 maio 1912. GUMES, João. A lavoura. A Penna, Caeteté, n. 30, p.1, 28 fev. 1913. GUMES, João. A lavoura: causas do seu atrazo. A Penna, Caeteté, n. 29, p.1, 19 fev. 1913. GUMES, João. A lavoura: há probabilidade de um futuro prospero entre nós? A Penna, Caeteté, n. 31, p. 1,14 mar. 1913. GUMES, João. A lavoura: seu estado actual. A Penna, Caeteté, n. 28, p.131 jan. 1913. GUMES, João. A proposito de K. Martello. A Penna, Caeteté, n. 23, p. 1, 15 nov. 1912. GUMES, João. A secca: este alto sertão da Bahia tambem e norte e acha-se. A Penna, Caeteté, n. 87, p.1, 17 jun. 1915. GUMES, João. A victoria do civilismo. A Penna, Caeteté, n. 38, p.1, 20 jun. 1913. 495 GUMES, João. Açudes. A Penna, Caeteté, 20 set. 1912, n.19, p. 1. GUMES, João. Açudes. A Penna, Caetité, 29 mar. 1912. p.1. GUMES, João. Açudes: trabalhos da commissão de obras contra as seccas. A Penna, Caeteté, n. 40, p.1, 18 jul. 1913. GUMES, João. Ainda a epidemia. A Penna, Caeteté, n. 92, p.1, 26 ago. 1915. GUMES, João. Ainda o correio. A Penna, Caeteté, n.78, p.12, 5 fev. 1915. GUMES, João. Ainda o exodo. A Penna. Caeteté, p. 1, 26 jan. 1912. GUMES, João. Ainda o Exodo. A Penna, Caeteté, n. 3, p. 1, 26 jan. 1912. GUMES, João. As engenhocas. A Penna, Caeteté, n. 27, p.1, 17 jan. 1913. GUMES, João. As engenhocas. A Penna, Caeteté, n. 27, p.1, 17 jan. 1913. GUMES, João. As estradas: são ellas o elemento do qual depende em primeiro lugar o nosso progresso. A Penna, Caeteté, n. 63, p.1, 25 jun. 1914. GUMES, João. As festas ao 2 de julho. A Penna, Caeteté, n. 64, p.1-2, 9 jun. 1914. GUMES, João. As searas. A Penna, Caeteté, n. 105, p. 1, 24 fev.1916. GUMES, João. Associado pela secca. A Penna, Caeteté, n. 88, p.1, 1 jul. 1915. GUMES, João. Cemitérios: ruinas e abandono. A Penna, Caeteté, n. 65, p.1, 23 jul. 1914. GUMES, João. Clama: ne cesses. A Penna, Caeteté, n. 55, p. 1, 13 fev. 1914. GUMES, João. Conciliação. A Penna, Caeteté, n. 73, p.1, 19 dez. 1914. GUMES, João. Conciliação. A Penna, Caeteté, n. 76, p. 1, 28 jan. 1915. GUMES, João. Contra as seccas. A Penna, Caeteté, n. 54, p.1, 30 jan. 1914. GUMES, João. Choveu. A Penna, Caeteté, n. 97, p. 1, 4 nov. 1915. GUMES, João. Despovoamento do sertão. A Penna, Caeteté, n. 33, p.1, 11 abr. 1913. GUMES, João. Despovoamento do sertão: o povo emigra á falta de trabalho. A Penna, Caeteté, n. 33, p.1, 11 abr. 1913. GUMES, João. Do presente ao futuro. A Penna, Caeteté, n. 114, p. 1, 29 jun. 1916. 496 GUMES, João. Dous de Julho. A Penna, Caeteté, n. 39, p.1, 4 jul. 1913. GUMES, João. Educação. A Penna, Caetité, p. 1, 9 fev. 1912. GUMES, João. Em abandono. A Penna, Caeteté, n. 116, p. 1, 20 jul. 1916. GUMES, João. Emigração: o alpha. Correspondecia de bebedouro n’elle publicada. A Penna, Caeteté, n. 36, p.1, 23 maio 1913. GUMES, João. Emigração: recrudesce o mal. Caeteté, n. 34, p.1, 25 abr. 1913. GUMES, João. Engenhocas: o orçamento deve ser melhor estudado no art. 30 da tabella n.2. A Penna, Caeteté, n. 42, p.1, 15 ago. 1913. GUMES, João. Epidemia? A Penna, Caeteté, n. 90, p. 1, 29 jul. 1915. GUMES, João. Exodo. A Penna, Caeteté, n. 86, p.1, 3 jun. 1915. GUMES, João. Exodo. A Penna, Caeteté, n. 2, p.1, 9 jan. 1912. GUMES, João. Exploração. A Penna, Caeteté, n. 79, p.1, 11 mar. 1915. GUMES, João. Exprobrações. A Penna, Caeteté, n. 106, p. 1, 10 mar. 1916. GUMES, João. Hookworm: verme do amarellão. A Penna, Caeteté, n. 36, p. 4, 23 maio 1913. GUMES, João. Imprevidencia. A Penna, Caeteté, n. 71, p.1, 12 nov. 1914. GUMES, João. Instituto de Butantan. A Penna, Caeteté, n. 31, p. 1, 14 mar. 1913. GUMES, João. Invasão. A Penna, Caeteté, n. 52, p.1, 2 jan. 1914. GUMES, João. Max Leuret. A Penna, Caeteté, n. 8, p.1-2, 12 abr. 1912. GUMES, João. Meios de transporte. A Penna, Caeteté, n. 59, p.1, 10 abr. 1914. GUMES, João. Mendicancia. A Penna, Caeteté, 2 dez. 1915, n. 99, p. 1. GUMES, João. Micro-chronica. A Penna. Caeteté, p. 2-3, 26 jan. 1912. GUMES, João. Monte Alto: riqueza do municipio. Optima situação da villa. A Penna, Caeteté, n. 44, p.1, 12 set. 1913. GUMES, João. Monte Alto: riqueza do municipio. Optima situação da villa. [Continuação] A Penna, Caeteté, n. 45, p.1, 26 set. 1913. GUMES, João. Nossa situação. A Penna, Caeteté, n. 35, p.1, 9 mar. 1913. 497 GUMES, João. O açude da cachoeirinha. A Penna, Caeteté, n. 109, p. 1, 20 abr. 1916. GUMES, João. O anno que vae-se. A Penna, Caeteté, n. 75, p. 1, 31 dez. 1914. GUMES, João. O Caetiteense.Caetité, 25 set. 1896. GUMES, João. O Cobre. A Penna, Caeteté, n. 10, p.1, 10 maio 1912. GUMES, João. O correio. A Penna, Caeteté, n. 77, p.1, 11 fev. 1915. GUMES, João. O correio. A Penna, Caeteté, n. 80, p. 1, 25 mar. 1915. GUMES, João. O emigrante: como se creou o typo entre nós. A Penna, Caeteté, n. 37, p.1, 6 jun. 1913. GUMES, João. O fogo: como meio de amanho da terra. A Penna, Caeteté, n 72, p.1, 26 nov. 1914. GUMES, João. O mercado. A Penna, Caeteté, n 108, p. 1, 6 abr. 1916. GUMES, João. Os mercados publicos. A Penna, Caeteté, n. 117, p. 1, 4 ago. 1916. GUMES, João. Os nossos males. A Penna, Caeteté, n. 104, p.1, 12 fev. 1916. GUMES, João. Os nossos productos. A Penna, Caeteté, n. 112, p. 1, 1 jul. 1916. GUMES, João. Paiz ignoto [continuação]. A Penna, Caeteté, n .22, p. 1, 1 nov. 1912. GUMES, João. Paiz ignoto. A Penna, Caeteté, n. 21, p.1, 18 out. 1912. GUMES, João. Pelo commercio: um problema a resolver. A Penna, Caeteté, n. 66, p.1, 6 ago. 1914. GUMES, João. Pelles: uma riqueza. A Penna, Caeteté, n. 42, p. 1, 29 ago. 1913. GUMES, João. Programma. A Penna, Caeteté, n. 1, p.1-2,19 dez. 1911. GUMES, João. Rainha do sertão? 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A Penna, Caeteté, n. 15, p.1, 19 jul. 1912. GUMES, João. Theatro. A Penna, Caeteté, n. 16, p.1, 2 ago. 1912. GUMES, João. Theatro. A Penna, Caeteté, n. 14, p. 1, 5 jul. 1912. GUMES, João. Tivemos correio!! A Penna, Caeteté, n. 81, p. 1, 8 abr. 1915. GUMES, João. Triste. A Penna, Caeteté, n. 110, p. 1, 4 maio 1916. GUMES, João. Um quatriennio. A Penna, Caeteté, n. 100, p. 1, 19 dez. 1915. GUMES, João. Unamo-nos. A Penna, Caeteté, n. 119, p. 1, 1 set. 1916. 2 SOBRE O AUTOR E SUA OBRA CALMON, Pedro. História da literatura bahiana. Rio de Janeiro: José Olympio, 1949. p.218. COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante de (Dir.). Enciclopédia de literatura brasileira. 2 ed., ver., amp., atual., il. São Paulo: Global; Fundação Nacional; Academia Brasileira de Letras, 2001. v.1. ESTRELA, Ely Souza. Os Sampauleiros: cotidiano e representações. São Paulo: Humanitas FFCH/USP; Fapesp; Educ, 2003. 256 p. MIGUEL-PEREIRA, Lúcia. História da literatura brasileira: prosa de ficção, de 1870 a 1920. 3 ed. 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