União Europeia Desafios e ameaças E e d i t o r i a l Bastonário revista ordem dos farmacêuticos stamos a viver um importante momento a nível da União Europeia caracterizado por alguma instabilidade e também por desafios que irão marcar o futuro das próximas gerações. Foi finalmente apresentado um projecto de Convenção Europeia (www.europa.eu.int), que está a ser objecto de inúmeros debates nos diferentes países. O aparente consenso encontrado a nível do Conselho Europeu não encerra o debate, pelo contrário, relança a discussão em cada Estado-membro. A elaboração do projecto de Convenção Europeia permitiu reunir alguns consensos em torno de uma série de objectivos como a paz, a segurança e a justiça dos cidadãos, o pleno emprego, o progresso social, a igualdade de direitos entre homens e mulheres, tendo em vista o futuro, no momento em que se vai concretizar um importante alargamento em Maio do próximo ano. Parece-nos, no entretanto, estranho que no quadro dos princípios já enunciados não esteja previsto um dos objectivos básicos para a existência do ser humano: a Saúde. A génese da CEE, que deu origem à actual União Europeia, foi marcadamente económica, tendo como pano de fundo a construção de um mercado único, que viabilizasse a economia europeia face à concorrência dos EUA e Japão. Aliás, ainda hoje, é a Direcção-Geral da Empresa da Comissão Europeia que tutela a política do medicamento, enquanto a nível dos Estados-membros são os Ministérios da Saúde que assumem essa responsabilidade. Os Tratados de Maastricht e Amesterdão alargaram o âmbito dos tratados iniciais, passando a saúde dos cidadãos a ser também preocupação na União Europeia. Foi entretanto criada, no âmbito da Comissão Europeia, a Direcção-Geral da Saúde e dos Consumidores. Os níveis de desenvolvimento dos povos são medidos hoje não só em termos económicos, mas também através de indicadores de saúde. Consideramos assim que a saúde dos cidadãos europeus também deve ser considerada como um dos objectivos na definição de um plano de acção para o futuro da União. Nesse sentido, já alertámos o primeiro-ministro, assim como outros parceiros e entidades a nível nacional. O ano de 2003 ficará marcado a nível europeu, na área do medicamento, pela finalização da revisão do sistema europeu de supervisão e avaliação dos medicamentos, tendo-se chegado a acordo no passado mês de Junho (http://pharmacos.eudra.org). Iniciada há três anos, esta revisão vai ter implicações a nível dos Estadosmembros e na política europeia do medicamento. A partilha do poder a nível da Agência Europeia do Medicamento resultante do alargamento vai exigir que as autoridades reguladoras, no nosso caso o INFARMED, tenham massa crítica a nível científico e capacidade de organização que permitam responder a esse desafio. A farmacovigilância e a informação sobre medicamentos terão um desenvolvimento que exige uma grande atenção por parte dos farmacêuticos. Em Julho, também foram apresentadas as conclusões do grupo de alto nível, sobre a inovação e distribuição de medicamentos, denominado G10 e constituído por ministros da Saúde, incluindo o de Portugal, e da Indústria, dois comissários europeus e representantes da indústria e consumidores. Na altura da sua constituição, os farmacêuticos europeus, através do PGEU, alertaram para a ausência no grupo de representantes dos profissionais de saúde. Aranda da Silva Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos editorial As recomendações divulgadas e a posição da Comissão Europeia apresentada este mês (http://pharmacos.eudra.org) são mais equilibradas em relação às posições iniciais e têm como base a maior intervenção dos doentes, o desenvolvimento da indústria farmacêutica europeia e da investigação na área do medicamento, a melhoria do sistema de informação, o desenvolvimento do mercado de genéricos, a necessidade de reforçar os critérios da avaliação, nomeadamente a utilização de estudos de custo/efectividade e a avaliação do valor terapêutico acrescentado dos medicamentos, o apoio às organizações de doentes, o estudo de um preço único europeu rebatível a nível nacional pelos sistemas de comparticipação. Apesar de considerarmos positivas algumas das propostas agora introduzidas, se as compararmos com as iniciais, é surpreendente a ausência de referência ao papel dos profissionais, nomeadamente a nível da informação e utilização dos medicamentos. Não basta melhorar a acessibilidade dos medicamentos ao mercado. É necessário garantir uma adequada utilização, o que só pode ser feito com a intervenção activa dos profissionais de saúde, nomeadamente dos farmacêuticos. A informação aos profissionais de saúde tem de ser qualitativamente melhorada e é indispensável para que os doentes utilizem os medicamentos nas indicações e condições com que foram aprovados. Por outro lado, numerosos estudos têm demonstrado que nem sempre perante um diagnóstico correcto, prescrição e dispensa adequadas se conseguem obter os objectivos terapêuticos pretendidos. A inadequada utilização dos medicamentos, para além de poder causar danos ao doente, constitui um desperdício por não se aproveitarem as potencialidades da farmacoterapia. O farmacêutico tem de ter um papel importante no acompanhamento farmacoterapêutico do doente. Neste quadro, é inadmissível que estas questões sejam omissas num documento que pretende apontar a estratégia europeia da política do medicamento. Tivemos oportunidade de levantar estas questões na última reunião do G10, em Roma, e em representação dos farmacêuticos europeus esperamos algum acolhimento por parte das autoridades nacionais e europeias. Algumas ameaças também têm surgido com pressões visando a liberalização da farmácia, abrindo o terreno para a verticalização do sector. Nalguns países, agora aderentes à EU, assistimos a uma onda de liberalização da economia que atingiu o sector da saúde e dos medicamentos. Recordamos, a propósito da recente declaração do Parlamento britânico em resposta à proposta de liberalização da abertura de farmácias (www.publications.parli ament.uk/pa/cm200203/cmselect/cmhealth/571/57102.htm), que o mesmo rejeitou a proposta, argumentando com dados concretos referentes à diminuição da acessibilidade dos doentes às farmácias resultantes de anteriores medidas liberalizadoras em meados do século XX. A melhor e mais adequada resposta dos farmacêuticos aos desafios e ameaças em curso tem de estar sustentada na melhoria contínua da sua formação técnica e científica, na melhoria contínua da qualidade dos serviços prestados à população e aos doentes em particular. Esta é a resposta adequada à evolução dos sistemas de saúde, em que o doente terá um protagonismo cada vez maior. revista ordem dos farmacêuticos