1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO Fabiana Tavares dos Santos Silva EDUCAÇÃO NÃO INCLUSIVA: A TRAJETÓRIA DAS BARREIRAS ATITUDINAIS NAS DISSERTAÇÕES DE EDUCAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO (PPGE/UFPE) RECIFE 2012 2 Fabiana Tavares dos Santos Silva EDUCAÇÃO NÃO INCLUSIVA: A TRAJETÓRIA DAS BARREIRAS ATITUDINAIS NAS DISSERTAÇÕES DE EDUCAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO (PPGE/UFPE) Dissertação apresentada à Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, para obtenção do título de Mestre em Educação, junto ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação. Linha de Pesquisa: Didática de Conteúdos Específicos, Sub-área de Educação Inclusiva. Orientador: Prof. Dr. Francisco José de Lima RECIFE 2012 Catalogação na fonte Bibliotecária Andréia Alcântara, CRB-4/1460 S586e Silva, Fabiana Tavares dos Santos. Educação não inclusiva: a trajetória das barreiras atitudinais nas dissertações de educação do programa de pós-graduação em educação (PPGE/UFPE) / Fabiana Tavares dos Santos Silva. – Recife: O autor, 2012. 595 f. : il. ; 30 cm. Orientador: Francisco José de Lima. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco, CE. Programa de Pós-graduação em Educação, 2012. Inclui bibliografia, Apêndices e Anexos. 1. Educação inclusiva. 2. Educação especial. 3. Pessoa com deficiência. 4. Barreira atitudinal. 5. UFPE - Pós-graduação. I. Lima, Francisco José de. II. Título. CDD 371.9 (22. ed.) UFPE (CE2012-69) UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO EDUCAÇÃO NÃO INCLUSIVA: A TRAJETÓRIA DAS BARREIRAS ATITUDINAIS NAS DISSERTAÇÕES DE EDUCAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO (PPGE/UFPE) COMISSÃO EXAMINADORA: _____________________________________ Profº. Dr. Francisco José de Lima 1° Examinador /Presidente _____________________________________ Profº. Dr. Paulo Ernesto Antonelli 2° Examinador _____________________________________ Profª. Drª. Lícia de Souza Leão Maia 3ª Examinadora _____________________________________ Profª. Drª. Tereza Luiza de França 4ª Examinadora Recife, 25 de junho de 2012. 3 DEDICATÓRIA Dedico esta produção acadêmica a minha família e aos meus amigos, por terem compartilhado sonhos e objetivos formativos, por terem acreditado em meus passos, bem como por acompanharem a minha evolução como pessoa humana, como profissional, como cientista social; por terem confiado na minha capacidade e, simplesmente, por sempre me amarem! À todas as pessoas (cons)ciência e amor, que , num ato de coragem, assumem suas vidas e a atitude de conduzi-las, sob a filosofia da inclusão. 4 AGRADECIMENTOS Este trabalho não é um trabalho solitário, aqui há muitas vozes e cada uma delas, certamente, evoca muitas outras que possibilitaram reflexões, construção e socialização de saberes, experiências vitais neste itinerário. Agradecer , pois, aos interlocutores aqui nomeados ou ocultos, é abrir a porta do reconhecimento de que a felicidade, os sonhos, o alcance de objetivos só é possível porque os tenho por perto. Então, primeiramente agradeço a Deus e aos anjos guardiões. A Ele por me conceder o dom da vida e a oportunidade de conviver com todos os interlocutores deste percurso existencial e de formação científica. Aos amigos invisíveis pela energia tonificadora do bem, da humanização, do progresso e da ciência. Agradeço também a vocês, Elizabete e Cid, meus pais, razão primeira da minha existência; a João, meu grande companheiro; a Tiaguinho, motivo da minha alegria, dos meus sonhos; a Cinthia e a Josinaldo, meus queridos irmãos, agradeço pela paciência, pela compreensão, por participarem das minhas angústias, expectativas, tristezas e confianças; desânimos e esperanças , enfim por todos os momentos em que vocês estiveram ao meu lado incondicionalmente nesta trajetória. Obrigada pelo amor! À Carmem Regina, Nega, minha prima querida, com quem venho traçando tantos caminhos alternativos para a comunicação. À extensão da minha família, meus amigos: Dodó, Ana Deborah, Hugo, Malu, Gil, Vivi, Dalva, Graci, Mariano, Leila, Liliana, Andreza, Anderson, Lauricéia, Lívia, Ednea, Cynthia, Zezinha, Clarissa, Jenisson, Giovana Casé, Carlisson, Guga, Ricardo, Aleide, Fernanda, Fátima Soares, Arlete e Samuel obrigada por compartilhar os momentos de crescimento, de riso e de dor. À Ana Rosa Aroucha, pessoa linda, inclusivista, grande incentivadora deste percurso formativo, agradeço por suas palavras e ações de apoio constantes, muitas das quais me levaram a descobrir competências que eu não reconhecia em mim. 5 À amiga Cleide Maior , agradeço pelas lições de vida e o amor fraterno que me dedicou nos momentos difíceis do adolescer ao tempo de agora. À Alexsandra Karla, minha irmã, meu orgulho, por ter lido com tanta atenção estes escritos e discutido aspectos linguísticos e da ordem do Direito. À Sheila pelo companheirismo, carinho, incentivo, por todas as aulas de inglês, pela revisão dos textos que escrevi em língua estrangeira. Agradeço também ao professor, tradutor e amigo Severino Assis pela revisão do abstract deste trabalho. À Giovanna Vera Cruz e a Emmanuel Davisson por sempre acreditarem e compartilharem dos meus sonhos em fazer da escola um espaço de vida e em fazer das nossas vidas uma grande escola. À Serafim, Betânea e Morgana que, estando à frente de várias ações da GRE Mata Centro, sempre trouxeram alternativas laborais as quais fizeram possível o meu percurso formativo. À Fátima Amorim por estar presente neste itinerário, fornecendo com amor e agudez no olhar, as perguntas certas, as informações precisas, nos momentos exatos em que eu me emaranhei nesta pesquisa. Ao Dr° Alcides Cardoso, Drª Monique de Assis, Drª Ediclayne, Drº Alvaro Badaró e a Patrícia Mendes por me ajudarem a cuidar do corpo físico e a compreender que ele também precisa de um tempo de atenção e cuidado. Aos amigos do Centro de Estudos Inclusivos: Patrícia Pordeus, Roberto, Paulo, Ernani, Rosângela Gera e Fábio Adiron pela oportunidade de, presencialmente ou à distância, estudarmos juntos, ampliarmos o campo de compreensão acerca da inclusão. Aos colegas da turma de mestrado 28 A que contribuíram com questões que levaram ao desenvolvimento de muitos dos conceitos que estão expressos nesta dissertação. Em especial agradeço a Jeysa, Fabiana, Márcia, Cinthia, Elaine e a Edla pelas tantas perguntas formuladas sobre o objeto desta pesquisa. 6 À Roseane, Rosana, Marizete, Helena, Analice e Sandra por compreenderem a minha ausência nas muitas atividades sistematizadas no curso de Pedagogia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (Ead- UFRPE), o que se deu ora em função das minhas limitações físicas, ora em função das atividades formativas. Aos meus alunos da Escola Estadual Cardeal Roncalli, das Faculdades Integradas da Vitória de Santo Antão, da Universidade Federal Rural de Pernambuco e da Faculdade Joaquim Nabuco, pela troca de conhecimentos em nossos encontros, pela compreensão nos momentos em que precisei me ausentar, pelas tantas perguntas que me fazem repensar o conceito e a prática da inclusão. Aos meus alunos da sala de leitura da Escola Recanto Infantil ( Vitória de Santo Antão), aos professores, a Eliane Mércia e a Ana Siqueira pelo apoio, por compreender as tantas vezes em que coloquei a minha formação em primeiro plano e me ausentei das atividades docentes. Aos alunos das Classes de Projetos Especiais ( Escola Recanto Infantil/ Recife – PE) por terem despertado em mim o desejo de buscar qualificação profissional, conhecimentos para oferecer a eles um trabalho de qualidade equiparado às experiências formativas disponibilizadas a toda a turma. À Adriana, Inês Pires, Ingdore Elke, Saulo, Fátima Moraes e a todos os que buscam compreender como ensinar a toda a turma. À Adenio e a equipe da ADN Consultoria Pedagógica pela parceria, incentivo, amizade e por difundir, em situações formativas de professores, a ideia de que continuamente aprendemos a ser professores inclusivos. À escritora Helena Parente Cunha e a professora Maria Goretti , ambas da Universidade Estadual da Paraíba, pela atenção dispensada, pelo incentivo e pela sensibilidade com que me acolheram. À Gilberlande Pereira, Jonas Cabral, Jaqueline Barbosa, Renata Jatobá, Simone Lindolfo, José Ricardo por acreditarem em meus projetos, pelo incentivo para que minha atuação, nos cursos de licenciatura, bacharelado e/ou nos cursos de especialização das FAINTVISA, fosse constantemente cumplicidade, ciência, humanização e construção conjunta. marcada pela 7 À Romeu Kazumi Sassaki pela atenção, pelos textos partilhados, pelas contribuições na leitura atenta dos termos definicionais desta pesquisa, por mostrar com o exemplo de vida como se dá a prática da inclusão. Em especial, agradeço ao professor Francisco Lima por ter me acolhido como orientanda e por não ter medido esforços para me apoiar em todos os momentos deste percurso. Sou grata pela leitura atenta do trabalho, pelas contribuições, questionamentos, disponibilidade, generosidade, parceria, incentivo e pela confiança imensurável. Desse tempo compartilhado, guardarei com carinho nossa interlocução constante, a amizade, bem como a relação de confiança que construímos nesses anos. Obrigada, professor, por compartilhar a crença de que a Inclusão/a Educação se faz por mim, por você, por cada pai, mãe, criança, jovem, adulto, por cada ator socioeducacional, enfim, por todos nós, para todos nós. Agradeço também à coordenação do PPGE/UFPE e aos professores Alice Botler, Artur Moraes, Katia Melo, Flávio Brayner, Daniel Rodrigues, sempre atencioso e companheiro, e a professora Maria Lúcia, a quem sou grata pelo carinho e destaco o empenho em compreender o conceito e a prática da inclusão. Aos funcionários do PPGE, em especial, a Rebeca, a Shirley e a Morgana, por contribuírem fornecendo a matéria-prima para muitas das reflexões aqui socializadas. E a minha amiga Janeide, bibliotecária do CE/UFPE, por ter, num ato terno, me ajudado a fazer o levantamento e as cópias dos trabalhos analisados nesta dissertação. Às professoras Tícia Ferro (UFPE) e Lúcia Martins (UFRN) pelas leituras sugeridas, pelas contribuições fornecidas na qualificação do projeto desta pesquisa. Aos professores Paulo Antonelli (UFOP), Lícia Maia ( UFPE) e Tereza França (UFPE) pela leitura atenta, reflexiva, colaborativa deste trabalho socializada na etapa da defesa da dissertação. Enfim, obrigada a todos os que contribuíram para que a discusão, o estudo, a vivência da inclusão fosse, aos poucos, se tornando consequência do caminho que escolhi. Nesse trajeto vejo a transformação que iniciei há muito, mas que, de modo especial, compartilho no itinerário deste trabalho. 8 The Road Not Taken TWO roads diverged in a yellow wood, And sorry I could not travel both And be one traveler, long I stood And looked down one as far as I could To where it bent in the undergrowth; Then took the other, as just as fair, And having perhaps the better claim, Because it was grassy and wanted wear; Though as for that the passing there Had worn them really about the same, And both that morning equally lay In leaves no step had trodden black. Oh, I kept the first for another day! Yet knowing how way leads on to way, I doubted if I should ever come back. I shall be telling this with a sigh Somewhere ages and ages hence: Two roads diverged in a wood, and I— I took the one less traveled by, And that has made all the difference. Robert Frost (1920) 9 Se quer seguir-me, narro-lhe; não uma aventura, Mas a experiência, a que me induziram, alternadamente,séries de raciocínios e intuições. Tomou-me tempo, desânimos, esforços [dedicação, muito estudo, interlocuções]. Dela me prezo, sem vangloriar-me. (João Guimarães Rosa) 10 RESUMO TAVARES, Fabiana S.S. Educação Não Inclusiva: a trajetória das barreiras atitudinais nas dissertações de educação do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE/UFPE). 2012. 595f. Dissertação. Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2012. Historicamente a sociedade tem gerado, mantido e fortalecido barreiras atitudinais contra as pessoas com deficiência. Esse processo se dá por meio de ações, omissões e linguagens produzidos ao longo da história humana, resultando no desrespeito ou impedimento aos direitos dessas pessoas, limitando-as ou incapacitando-as para o exercício de direitos e deveres sociais. A universidade, enquanto componente dessa sociedade, não está imune a esse processo, uma vez que, por meio do discurso científico, reproduz/difunde barreiras sociais, as remove e mesmo produz novas barreiras atitudinais. Nesta pesquisa se investiga como as barreiras atitudinais aparecem no discurso das dissertações de mestrado sobre educação especial defendidas no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco (PPGE/UFPE), no período de 1978 a 2002; bem como se discute o efeito das barreiras atitudinais no entendimento da sociedade para com as pessoas com deficiência. A análise das barreiras atitudinais existentes no discurso dissertativo é fundamentada na teoria da análise do discurso de Pêcheux, bem como, na teoria da inclusão social/educacional e mais especificamente no estudo sobre as barreiras atitudinais e sua taxonomia. A metodologia empregada, no presente estudo de cunho qualitativo e documental, é a da teoria do discurso. O procedimento de pesquisa utilizado inclui a construção de categorias das barreiras atitudinais e a interrogação do discurso das dissertações, em seus diferentes elementos: título/tema; análise de dados, referencial teórico, considerações finais/conclusão e referências. Mapeia a produção e a difusão de dissertações sobre educação especial no PPGE/UFPE (1978 a 2002). Lista um conjunto de barreiras atitudinais existentes nessas dissertações. Revela como e onde as barreiras atitudinais, presentes nos discursos científicos, são disseminadas, atingem a pessoa com deficiência e influenciam a sociedade, em relação àquelas pessoas. Conclui que esse processo se dá (des)percebidamente, entre outros aspectos, em função dos trabalhos não estarem situados em uma área ou linha de pesquisa em que a inclusão seja a tônica. Mostra que o discurso científico produzido no PPGE/UFPE (1978 a 2002) é, em alguns momentos, vanguardista em relação à efetivação da educação inclusiva, mas que contundentemente se tornou responsável pela tonificação de barreiras atitudinais que prejudicam a construção da identidade social e individual da pessoa com deficiência: as barreiras atitudinais de substantivação e de adjetivação com suas diferentes manifestações percebidas por meio de designações como: fronteiriço, anormal moral, atrasado pedagógico etc. utilizadas no discurso das dissertações e resultantes/estimuladoras da leitura incapacitante que a sociedade imputa às pessoas com deficiência. Defende que a pesquisa sobre as pesquisas em educação especial/educação inclusiva é um percurso valoroso porque dele pode surgir as bases para a transformação que contemple na prática da universidade o direito de todos a educação de qualidade. Por fim, sugere que a universidade esteja mais atenta aos discursos que produz, estimule a produção de pesquisas sobre educação inclusiva, promova, através da Ciência e das práticas atitudinais, a conscientização necessária à inclusão. Palavras-chaves: Pessoa com deficiência. Barreira atitudinal. Discurso. Dissertação de mestrado. 11 ABSTRACT TAVARES, Fabiana S.S. Not-inclusive education: the trajectory of the attitudinal barriers dissertations in education program of postgraduate education (PPGE / UFPE). 2012. 595. Thesis (Master). Education Center. Federal University of Pernambuco, Pernambuco, 2012. Society has traditionally created, maintained and reinforced attitudinal barriers against people with disability. This process occurs through actions, omissions and through language, and causes people with disability to façade impairment or incapacitation that is not related to their disabilities. That impedes them from profiting from social rights. The university, as part of this society, is not immune to this process of incapacitating those people, for by means of scientific discourses it reproduces / disseminates social barriers. However, it can also remove them and even produce new attitudinal barriers. This research has investigated how the attitudinal barriers appear in the discourse of dissertations defended on special education in the Graduate Program in Education of the Federal University of Pernambuco (PPGE / UFPE) in the period 1978 to 2002, and discusses the effect of attitudinal barriers in society’s way of thinking about people with disabilities. The analysis of the attitudinal barriers was based upon the theory of speech analysis of Pecheux, as well as on the study of the attitudinal barriers and their taxonomy. The methodology used in this study was the qualitative and documentary research. The procedure used in this study included the construction of categories of the attitudinal barriers and the interrogation of the dissertation speech in its different elements: title / theme, data analysis, theoretical reference, final considerations / conclusion and references. Maps the production and dissemination of papers on special education in PPGE / UFPE (1978-2002). A list of attitudinal barriers extracted from those dissertations shows the understanding of the researches about people with disability. It also reveals how and where attitudinal barriers, present in scientific speech, are widespread, affecting people with disability and influence the society in relation to those people. It concludes that the amount of attitudinal barriers found on the works studied is due to the fact that those works were not advised by professors of the area of inclusive education. Finally, it suggests that the university should be more attentive to the discourse that it produces, and should stimulate the production of research on inclusive education; promoting awareness through science necessary to the practice of inclusion. Keywords: People with disabilities. Attitudinal barrier. Speech. Master's thesis 12 LISTA DE TERMOS DEFINICIONAIS Para efeito da leitura deste trabalho, devem ser considerados os seguintes termos definicionais: AÇÃO: Ação é a manifestação de atitudes, é a atuação frente às pessoas com deficiência. ACESSIBILIDADE: “É o conjunto de medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e à comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural”. (ONU, CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2006, Artigo 9º, §1; BRASIL, DECRETO LEGISLATIVO nº 186/08, DECRETO nº 6.949/09). ADAPTAÇÃO RAZOÁVEL: “Significa as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais.” (ONU, CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2006, Artigo 2º; BRASIL, DECRETO LEGISLATIVO nº 186/08, DECRETO nº 6.949/09). ATITUDE: A atitude é um processo inter e intrapessoal, o qual envolve três dimensões: a cognição, a afetividade e o comportamento e é fortemente influenciado por predisposições genéticas e elementos fenotípicos oriundos dos discursos construídos, disponíveis ou nutridos pela sociedade. (PEREIRA, 2002) AUTONOMIA: “É a condição de domínio no ambiente físico e social, preservando ao máximo a privacidade e a dignidade da pessoa que a exerce”. (SASSAKI, 2006, p. 35). BARREIRAS ATITUDINAIS: As barreiras atitudinais são barreiras sociais geradas, mantidas, fortalecidas por meio de ações, omissões e linguagem produzidos ao 13 longo da história humana, num processo tridimensional o qual envolve cognições, afetos e ações contra a pessoa com deficiência ou quaisquer grupos em situação de vulnerabilidade, resultando no desrespeito ou impedimento aos direitos dessas pessoas, limitando-as ou incapacitando-as para o exercício de direitos e deveres sociais: são abstratas para quem as produz e concretas para quem sofre seus efeitos. (LIMA; TAVARES, 2007). COMPONENTE COGNITIVO DA BARREIRA ATITUDINAL: O plano cognitivo de uma barreira atitudinal está relacionado a alguma representação cognitiva negativa de uma pessoa ou grupo de pessoas com deficiência. Tal representação pode estear-se em crenças/ em um ou mais modelos estereotipados de compreensão da deficiência e da pessoa que a possui. Esses modelos são produzidos através de sistemas simbólicos, fabricados no discurso, por meio da marcação, valoração ou desprestígio das diferenças constitutivas da pessoa humana. COMPONENTE AFETIVO DA BARREIRA ATITUDINAL: A vertente afetiva da barreira atitudinal está estritamente relacionada à cognição e corresponde ao segmento emocional presente nos obstáculos sociais, ou seja, a sentimentos instigados pela leitura que se faz da existência, das potencialidades e da presença real ou fictícia de indivíduos com deficiência. COMPONENTE SOCIAL DA BARREIRA ATITUDINAL: A dimensão social ou comportamental da barreira atitudinal combina as cognições e os afetos que se edificam em torno da leitura racional e emocional que a sociedade dispõe sobre as pessoas com deficiência. Esse componente da barreira social significa, pois, uma tendência, uma predisposição a ação, uma intencionalidade do comportamento ou a ação efetiva da prática discriminatória, deteriorante da efetivação dos direitos humanos e sociais por pessoas com deficiência. COMPORTAMENTO: Comportamento é a manifestação da atitude. CONDUTA: Conduta é o modo como um comportamento é conduzido. DEFICIÊNCIA: A deficiência é um conceito em evolução e “resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade 14 de oportunidades com as demais pessoas”. (ONU, CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2006, Preâmbulo, letra ”e”; BRASIL, DECRETO LEGISLATIVO nº 186/08, DECRETO nº 6.949/09). DESENHO UNIVERSAL: Significa a concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados, até onde for possível, por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou projeto específico. O desenho universal não excluirá as ajudas técnicas para grupos específicos de pessoas com deficiência, quando necessárias. (ONU, CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2006, Artigo 2º; BRASIL, DECRETO LEGISLATIVO nº 186/08, DECRETO nº 6.949/09). DISCRIMINAÇÃO: A discriminação é um comportamento manifesto que reflete modelos de interpretação equivocados em relação à existência e às potencialidades da pessoa com deficiência e reflete afetos negativos a ela dispensados. O comportamento discriminatório contra as pessoas com deficiência consiste em “qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável”. (ONU, CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2006, Artigo 2º; BRASIL, DECRETO LEGISLATIVO nº 186/08, DECRETO nº 6.949/09). DISCURSO: O discurso é uma prática linguística posta em funcionamento por interlocutores que produzem sentidos num contexto histórico-social. (PÊCHEUX, 1975; 1983). DISCURSO CIENTÍFICO: O discurso científico é aquele que surge vinculado a formações discursivas que primam pela apresentação, compreensão e desenvolvimento do conhecimento científico, ou seja, armazena informações, enuncia postulados discutíveis e busca desenvolver e difundir o conhecimento científico/acadêmico. 15 DISSERTAÇÃO DE MESTRADO: As dissertações de mestrado são textos argumentativos contingenciados por uma necessidade científica/acadêmica. Nesta pesquisa, são compreendidas como veículos do discurso científico, os quais difundem conhecimentos históricos à respeito das pessoas com deficiência, apresentam, descrevem e/ou transformam experiências/vivências atuais dessas pessoas em conhecimento científico e constroem novos conhecimentos/entendimentos sobre essas pessoas e as questões que as envolvem. DIREITOS SOCIAIS: Os direitos sociais são os que visam à garantia da igualdade material. São direitos que têm a finalidade de, com sua concretização, permitir aos indivíduos a possibilidade não somente de subsistência, mas de inserção plena na vida em sociedade. (GALINDO, 2009, p. 21). “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”, na forma da Constituição Brasileira.” (BRASIL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, Cf. EC n° 64, de 2010). EDUCAÇÃO ESPECIAL: Educação que surgiu em instituições especializadas e depois foi sustentada em salas especiais de escolas regulares em que se mantinham/se mantêm as crianças com deficiência apartando-as de seus pares sem deficiência. Essa educação em espaços “especiais”/segregados foi/é praticada em função da manutenção de barreiras atitudinais, ou seja, entre outros aspectos, da maléfica redução das potencialidades dos alunos com deficiência às supostas limitações trazidas pela deficiência. EDUCAÇÃO INCLUSIVA: A Educação contingenciada pelo respeito às idiossincrasias de todos os membros da escola, pela celebração das diferenças, pela igualdade e equidade de oportunidades formativas, pela ótica de que a formação é direito indisponível de todas as crianças e adolescentes, pelo contínuo progresso esteado nas Ciências, na Lei, na Humanização e na Tecnologia para a promoção da transformação de cada integrante da comunidade intra e extraescolar com vistas à eliminação de barreiras atitudinais e a consequente manutenção da transformação de uma sociedade acolhedora, respeitosa ao gênero humano. 16 EMPODERAMENTO: “Processo pelo qual uma pessoa, ou um grupo de pessoas, usa o seu poder pessoal inerente à sua condição – por exemplo: deficiência, gênero, idade, cor – para fazer escolhas e tomar decisões, assumindo assim o controle de sua vida”. (SASSAKI, 2006, p.37). ESTEREÓTIPOS: Estereótipos são generalizações rígidas construídas e mantidas pela sociedade a respeito da deficiência e da pessoa com deficiência. ESTIGMA: Estigma é processo metonímico social em que se faz referência a um atributo depreciativo da pessoa em detrimento do todo. EQUIPARAÇÃO DE OPORTUNIDADES: “Significa o processo através do qual os diversos sistemas da sociedade e do ambiente, tais como serviços, atividades, informações e documentação, são tornados disponíveis para todos, particularmente para pessoas com deficiência.” (ONU, NORMAS SOBRE A EQUIPARAÇÃO DE OPORTUNIDADES PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 1996, §24). EXCLUDÊNCIA: A excludência ou os mecanismos de excludência pode(podem) ser compreendida(compreendidos) como maneira(s) teórica(s), abstrata(s), ostensiva(s), real(reais), contundente(s) da manutenção de fatores pela sociedade/pela escola para fazer valer a exclusão social/educacional das pessoas com deficiência ou de quaisquer outros grupos em situação de vulnerabilidade que sejam, na impune prática de barreiras atitudinais, massificados, afastados, eliminados, retirados, desviados , impedidos de participar, postos de lado, não admitidos, omitidos, expulsos, postos de fora, privados, rejeitados, orientados para uma trajetória que os desvaloriza no interior de uma hierarquia rígida construída num contexto social/educacional o qual os aparta do todo considerado hígido e produtivo. GENERALIZAÇÃO: Generalização é o processo em que se homogeneízam pessoas, estereotipicizando-as, em razão de um atributo, como representantes de um tipo de comportamento, competência ou modo de viver. GENERICIDADE HUMANA: A genericidade humana ou o pertencimento ao gênero humano é a concepção de que a ontogênese humana realiza-se, para além de sua atividade biológica-vital, nas ações do indivíduo sobre o mundo e no mundo. Esse conceito demarca a distinção entre espécie humana e gênero humano, atribuindo a 17 segunda condição a aspectos de produção eminentemente social, a interação e a tomada pelo homem de seu lugar na sociedade. (DUARTE, 1993). IDENTIDADE: A identidade é construída continuamente através de práticas sociodiscursivas, marcadas simbolicamente em relação a outras identidades (a alteridade) e envolve dois processos que se retroalimentam: a construção da identidade social (o que a sociedade ajuíza sobre o sujeito) e a construção da identidade pessoal (o que o sujeito acha de si e o que realmente ele o é). IGUALDADE DE CONDIÇÕES E OPORTUNIDADES: É o princípio segundo o qual as pessoas com deficiência usufruem as mesmas condições e oportunidades com as demais pessoas, ou seja, nos mesmos espaços comuns destinados a todos os cidadãos. (ONU, NORMAS SOBRE A EQUIPARAÇÃO DE OPORTUNIDADES PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 1993; CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2006). “A inserção nos serviços destinados ao público geral é o processo pelo qual governos e outros agentes intervenientes asseguram que pessoas com deficiência participem igualmente com outras pessoas em qualquer atividade e serviço destinados ao público geral, tais como os serviços sociais, de educação, de saúde e de emprego.” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE DEFICIÊNCIA, 2011, Capítulo 9, Recomendação 1). INCLUSÃO SOCIAL/EDUCACIONAL: A inclusão social/educacional é o processo pelo qual, numa atitude cônscia, ética e desprovida de barreiras atitudinais, a sociedade/a escola busca transformar-se continuamente para receber não apenas as pessoas com deficiência, mas a todos os seus membros, valorizando-os por suas competências e garantindo que essas sejam potencializadas através das acessibilidades. INCLUSIVISTA: “Algo ou alguém que defende a inclusão, fala sobre a inclusão, escreve sobre inclusão. Exemplos de "algo": bandeira inclusivista, filme inclusivista, livro inclusivista, campanha inclusivista, lei inclusivista, tese inclusivista etc. Exemplos de "alguém": João é inclusivista, grupo de pessoas inclusivistas, professor inclusivista, jovens inclusivistas, família inclusivista etc.” (SASSAKI, 2012). 18 INCLUSIVO/INCLUSIVA: “Algo ou alguém que pratica a inclusão, age inclusivamente, tem procedimentos compatíveis com a filosofia da inclusão. Exemplos de "algo": sistema educacional inclusivo, escola inclusiva, empresa inclusiva, metodologia inclusiva, jogos recreativos inclusivos etc. Exemplos de "alguém": Maria é inclusiva, família inclusiva, grupo de pessoas inclusivas, amigos inclusivos etc. Algumas pessoas são inclusivistas e inclusivas ao mesmo tempo, ou seja, lutam pelo paradigma da inclusão e simultaneamente praticam os princípios da inclusão.” (SASSAKI, 2012). INDEPENDÊNCIA: “É a faculdade de decidir sem depender de outras pessoas, tais como: membros da família, profissionais especializados ou professores.” (SASSAKI, 2006, p.35) INTEGRAÇÃO SOCIAL/EDUCACIONAL: O processo de integração social/educacional consiste na inserção das pessoas com deficiência em contextos sociais/educacionais como resultado de um esforço unilateral dessas pessoas, ou seja, da demonstração de que são capazes de viver na e com a sociedade, de serem independentes e produtivas. INTERAÇÃO: A interação é uma cena que envolve dois ou mais indivíduos os quais exercem influência recíproca. (LAPLANE, 2000) INTERATIVIDADE: A interatividade é o salto teórico e metodológico da interação, situado no âmbito do ensino, e que é regulada de acordo com o conjunto de normas e regras as quais determinam dizeres e fazeres na estrutura de participação que preside a atividade conjunta de professor e alunos. (COLL, 2004). MODELOS DE COMPREENSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: Os modelos de interpretação sobre a existência e potencialidades das pessoas com deficiência são teorias surgidas, ao largo da história, para explicar a existência da deficiência e justificar os processos sociais decorrentes da manutenção de tais explicações que vão desde o entendimento de que a deficiência é um modo de a pessoa purgar suas falhas à interpretação mais atual que, sob a égide da inclusão, defende que a deficiência é uma característica da pessoa humana. 19 PESSOA COM DEFICIÊNCIA: “Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.” (ONU, CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2006; BRASIL, DECRETO LEGISLATIVO nº 186/08, DECRETO nº 6.949/09). PESSOA HUMANA: O termo pessoa humana é utilizado para conferir o atributo de pessoa a indivíduos que antes tinham socialmente negado o pertencimento ao gênero humano. (LIMA, 2006). PRECONCEITO: O preconceito é uma atitude negativa cujo poder e força advém do conjunto de ideias genéricas, pré-estabelecidas e mantidas na e pela sociedade, na dimensão dos afetos, contra a pessoa com deficiência. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: As Representações Sociais surgem no cotidiano e estão ligadas ao senso comum. Elas são sistemas de valores, crenças e práticas que se cristalizam em discursos, gestos e interações para cumprir a função de prescrever ou de tornar os eventos sociais e/ou a realidade em si convencional e compreensível. (MOSCOVICI, 1978; 2003). As representações sociais podem sustentar as contribuições do senso comum na manutenção das barreiras atitudinais, fazem isso quando estão esteadas em consensos negativos em relação às pessoas com deficiência e assumem a função de incitar e orientar atitudes frente a essas pessoas. TIPIFICAÇÃO: O processo de tipificação é constituído por esquemas em que as pessoas estabelecem a relação eu versus outros, e nessa construção perceptiva são instituídas as interações sociais, as atitudes e os comportamentos. 20 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Mapa 1 - A difusão do trabalho: “Educação para Todos: a prática e o discurso”......................................................................................................... 445 Mapa 2- A difusão do trabalho: “Aluno portador de deficiência: problema médico-pedagógico ou conquista da cidadania? A Educação especial em Pernambuco” ................................................................................................ 448 Mapa 3- A difusão do trabalho: “Ser diferente numa sociedade massificada – um estudo sobre a política de integração do portador de deficiência”.................................................................................................... 449 Mapa 4- A difusão do trabalho: “Expressões e silêncios dos discursos cidadania-deficiência mental. Uma abordagem histórico-discursiva do Plano Estadual de Educação – PE – 1988/1991”......................................... 450 Mapa 5- A difusão do trabalho: “Quando as (in)certezas e as esperanças se (des)encontram: um estudo das representações professores sobre educação especial na rede sociais dos estadual de ensino”.......................................................................................................... 452 21 LISTA DE QUADROS QUADRO I- Temáticas abordadas nas dissertações produzidas no período de 1978 a 2002 no PPGE/UFPE.................................................. 347 QUADRO II- Os autores mais lidos nas dissertações sobre educação especial, produzidas no período de 1978 a 2002 no PPGE/UFPE.......... 359 QUADRO III - As obras mais referenciadas nas dissertações sobre educação especial, produzidas no período de 1978 a 2002 no PPGE/UFPE.............................................................................................. 362 QUADRO IV – Nomenclaturas utilizadas nas dissertações para fazer referência à pessoa com deficiência........................................................ 369 QUADRO V– Taxonomia das barreiras atitudinais ................................. 421 QUADRO VI- Sumarização da trajetória das barreiras atitudinais nas dissertações de mestrado do PPGE/UFPE.............................................. 433 22 LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO I: Dissertações sobre temas diversos versus Dissertações sobre Educação Especial produzidas no PPGE/UFPE (1978 a 2011)........ 343 GRÁFICO II- Percentual de estudiosos da inclusão presentes no referencial teórico das dissertações............................................................ 363 23 LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS ABNT- Associação Brasileira de Normas Técnicas ABPEE -Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial AE- Aluno excepcional APAE- Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CCSA/UFPE - Centro de Ciências Sociais Aplicadas/ Universidade Federal de Pernambuco CDPD- Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência CE- Centro de Educação CEI- Centro de Estudos Inclusivos CENESP- Centro Nacional de Educação Especial CNE- Conselho Nacional de Educação CPE- Classes de Projetos Especiais DIPE - Divisão de Programas Escolares DRE- Diretoria Regional de Ensino EAD- Educação à Distância E.E.- Educação Especial ECLAE – Encontro de Ciências da Linguagem FAINTVISA - Faculdades Integradas da Vitória de Santo Antão GRE Mata Centro – Gerência Regional de Educação da Mata Centro IES- Instituição de Ensino Superior 24 LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação MEC - Ministério da Educação e Cultura OIT - Organização Internacional do Trabalho ONU- Organização das Nações Unidas P.E.E - Plano Estadual de Educação PIC - Programa de Iniciação Científica PPGE- Programa de Pós-graduação em Educação PPGEEs – Programa de Pós-gradação em Educação Especial PPGs - Programas de Pós-graduação PUC-RS- Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUC-SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo RBTV- Revista Brasileira de Tradução Visual SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência SEESP – Secretaria de Educação Especial SENAC- Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial TA- Tecnologia Assistiva TDH- Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade TIC- Tecnologias de Informação e Comunicação UEPB - Universidade Estadual da Paraíba UFES – Universidade Federal do Espírito Santo UFJF- Universidade Federal de Juiz de Fora UFPE- Universidade Federal de Pernambuco UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro 25 UFRN- Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRPE- Universidade Federal Rural de Pernambuco UFSC- Universidade Federal de Santa Catarina UFSCar- Universidade Federal de São Carlos UFSM – Universidade Federal de Santa Maria UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação e a Cultura UNESP- Universidade Estadual Paulista UNICAMP- Universidade Estadual de Campinas UPE - Universidade de Pernambuco USP- Universidade de São Paulo 26 SUMÁRIO RESUMO ABSTRACT LISTA DE TERMOS DEFINICIONAIS LISTA DE ILUSTRAÇÕES LISTA DE QUADROS LISTA DE GRÁFICOS LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS PROÊMIO- Apontamentos e memórias: quando a história individual se entretece com a coletiva e motiva o estudo sobre as barreiras atitudinais.................................................................................................. 33 INTRODUÇÃO - O verbo tece as barreiras atitudinais ......................... 89 Justificativa ................................................................................................ 95 Objetivos..................................................................................................... 98 Organização do trabalho............................................................................ 99 CAPÍTULO 1: BARREIRA ATITUDINAL: gênese, conceituação e taxonomia................................................................................................. 101 1- Atitudes diante das pessoas com deficiência: construindo a taxonomia 108 1.1- Componente cognitivo das atitudes............................................... 110 1.2- Componente afetivo das atitudes................................................... 111 1.3- Componente comportamental das atitudes.................................... 113 1.4- Preconceito..................................................................................... 118 27 1.5- Discriminação................................................................................ 119 1.6- Taxonomia das barreiras atitudinais............................................... 122 1.6.1- Barreira Atitudinal de Substantivação.............................................. 123 1.6.2 – Barreira Atitudinal de Adjetivação ou de Rotulação...................... 125 1.6.3- Barreira Atitudinal de Propagação................................................... 126 1.6.4- Barreira Atitudinal de Estereótipos................................................... 127 1.6.5 – Barreira Atitudinal de Generalização............................................. 128 1.6.6- Barreira Atitudinal de Padronização................................................. 129 1.6.7- Barreira Atitudinal de Particularização............................................. 130 1.6.8- Barreira Atitudinal de Rejeição........................................................ 131 1.6.9- Barreira Atitudinal de Negação........................................................ 132 1.6.10- Barreira Atitudinal de Ignorância................................................... 133 1.6.11- Barreira Atitudinal de Medo............................................................ 134 1.6.12- Barreira Atitudinal de Baixa Expectativa ou de Subestimação..... 134 1.6.13- Barreira Atitudinal de Inferiorização da deficiência....................... 135 1.6.14- Barreira Atitudinal de Menos Valia................................................ 136 1.6.15 - Barreira Atitudinal de Adoração do Herói ou de Superestimação. 136 1.6.16- Barreira Atitudinal de Exaltação do Modelo................................... 138 1.6.17- Barreira Atitudinal de Compensação............................................. 138 1.6.18 – Barreira Atitudinal de Dó ou de Pena.......................................... 139 1.6.19- Barreira Atitudinal de Superproteção ........................................... 139 CAPÍTULO 2: A eliminação das barreiras atitudinais: contribuições do discurso da legislação...................................................................... 141 2.1- A erradicação de barreiras atitudinais através do fortalecimento do marco legal: análise de documentos internacionais................................. 143 28 2.1.1- Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) ............ 145 2.1.2- Declaração Universal dos Direitos da Criança (UNICEF - 20 de novembro de 1959).................................................................................... 146 2.1.3 - Convenção relativa à Luta contra a Discriminação no campo do Ensino (UNESCO, 1960) ......................................................................... 149 2.1.4- Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (1975).............. 150 2.1.5 - Declaração de Sundberg (UNESCO, 1981) .................................. 152 2.1.6 - Convenção dos Direitos das Crianças (ONU,1989) .................... 157 2.1.7 - Declaração Mundial sobre Educação para Todos ( ONU,1990)..... 159 2.1.8- A Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) ............................ 163 2.1.9- Declaração de Washington (ONU, 1999) ...................................... . 166 2.1.10 - Convenção Interamericana para eliminação de todas as formas de discriminação contra os portadores de deficiência (1999) ................. 168 2.1.11 - Declaração de Dakar (2000) ...................................................... 169 2.1.12-- Declaração de Madri (2002) ...................................................... 171 2.1.13- Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (doravante CDPD) e seu Protocolo Facultativo (ONU, 2006)................... 174 2.2- A erradicação de barreiras atitudinais através do fortalecimento do marco legal: análise de documentos nacionais........................................ 179 2.2.1- Lei nº 4024/61 .............................................................................. 181 2.2.2 - Lei nº 5.692 / 71............................................................................. 184 2.2.3- Constituição Federal (1988) ........................................................... 185 2.2.4- Lei 7853/89 .................................................................................... 186 2.2.5- Estatuto da Criança e do Adolescente (13 de julho de 1990) ........ 187 2.2.6- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (20 de dezembro de 1996).................................................................................................... 188 2.2.7 - Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica - CNE / CEB Nº 17/2001 ............................................................... 190 2.2.8-. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva daEducação Inclusiva (MEC/SEESP / Portaria nº948/2007).................... 29 192 2.2.9-. Decreto nº 186/2008 .................................................................... 194 CAPÍTULO 3: A pesquisa sobre Educação da pessoa com deficiência: contextualizando a produção científica no PPGE/ UFPE. 197 3.1- A pesquisa sobre as pesquisas no contexto nacional ............................. 201 3.2 - A pesquisa sobre Educação Especial/Educação Inclusiva no Brasil.......................................................................................................... 208 3.3- A pesquisa sobre as pesquisas no PPGE/UFPE............................... 212 3.4- A pesquisa sobre as pesquisas em Educação Especial/ Educação Inclusiva no PPGE/UFPE.......................................................................... 213 3.5- A pesquisa sobre Educação Especial/ Educação Inclusiva no PPGE/UFPE............................................................................................... 214 CAPÍTULO 4: Análise do discurso: um suporte para o estudo das barreiras atitudinais ................................................................................ 216 4.1- Análise do discurso: origem e filiações teóricas ............................... 217 4.2- Algumas conceituações basilares a análise do discurso .................. 220 4.2.1- Linguagem e língua ........................................................................ 220 4.2.2- Discurso e texto.............................................................................. 220 4.2.3- Formação discursiva....................................................................... 221 4.2.4- Condições de produção, interdiscurso e intertexto......................... 222 4.2.5- Sentido, silêncio, sujeito e ideologia .............................................. 223 4.3- Discurso, poder e constituição de identidade.................................... 224 4.4- A análise do discurso como base para o estudo das barreiras atitudinais e as barreiras atitudinais como ferramenta para a análise do discurso..................................................................................................... 229 30 CAPÍTULO 5: Percurso metodológico ................................................... 234 5.1- Caracterização da Pesquisa ............................................................. 237 5.1.1- Caracterização da pesquisa quanto à natureza das fontes utilizadas .................................................................................................. 237 5.1.2- Caracterização da pesquisa quanto aos objetivos......................... 238 5.2- Corpus discursivo ............................................................................ 239 5.3- Técnicas de Coleta de dados ........................................................... 239 5.3.1- Observação indireta ....................................................................... 240 5.3.2- Análise documental ...................................................................... 241 5.4- Procedimentos de análise dos dados ............................................... 243 CAPÍTULO 6: O itinerário das barreiras atitudinais: um registro nas dissertações do PPGE/UFPE ................................................................. 246 6.1- Educação Especial: objetivos, área de concentração e linhas de pesquisa no PPGE/UFPE ......................................................................... 327 6.1.1- Os objetivos do PPGE/UFPE: qual o lugar da pesquisa voltada à educação para todos?.............................................................................. 328 6.1.2- Área de concentração e linhas de pesquisa no PPGE/UFPE: qual o lugar da pesquisa voltada a educação para todos? ........................... 331 6.2- As dissertações de mestrado do PPGE/UFPE: análise dos temas e dos títulos das pesquisas ........................................................................ 345 6.3- As dissertações de mestrado do PPGE/UFPE: análise do referencial teórico utilizado de 1978 a 2002 ............................................ 357 6.4- Designações utilizadas para fazer referência às pessoas com deficiência: o que revelam as substantivações e adjetivações registradas nas dissertações? .................................................................................... 367 31 CONSIDERAÇÕES FINAIS - A trajetória somos nós mesmos ............ 417 REFERÊNCIAS ........................................................................................ 462 APÊNDICE A – CD contendo textos veiculados na internet, os quais estão presentes no referencial teórico desta dissertação, e o trabalho em formato PDF ..... 499 ANEXOS A- Portfólio de reunião presencial do Centro de Estudos Inclusivos em 02 de fevereiro de 2007............................................................. 500 B- Portfólio de reunião presencial do Centro de Estudos Inclusivos em 08 de fevereiro de 2007............................................................ 503 C- Mensagem do professor Francisco Lima ao Centro de Estudos Inclusivos em 08 de fevereiro de 2012............................................ 510 D- Entrevista com Gilberto Di Pierro (Giba), concedida a Revista Pais & Filhos, em janeiro de 2007................................................. 515 E- Seleção de mestrado 2009 - Inscrições indeferidas / PPGEUFPE.............................................................................................. 522 F- Fotografias da dissertação de mestrado de Freitas e Costa (1990) 523 G- Listagem das dissertações defendidas no PPGE/UFPE (1978-2011)..................................................................................... 524 H- Declaração do PPGE informando os editais de mestrado disponíveis para consulta................................................................ 590 I- Resumo da dissertação “Educação para Todos: a prática e o discurso” (BACELAR, 1988)........................................................... 591 32 J- Resumo da dissertação “Aluno portador de deficiência: problema médico-pedagógico ou conquista da cidadania? - A Educação especial em Pernambuco”. (ROSA,1990)...................................... K- Resumo da dissertação “Ser diferente numa 592 sociedade massificada – um estudo sobre a política de integração do portador de deficiência” (NERY,1996)............................................ 593 L- Resumo da dissertação “Expressões e silêncios dos discursos cidadania-deficiência mental. Uma abordagem histórico- discursiva do “Plano Estadual de Educação – PE – 1988/1991” (MOREIRA,1997)............................................................................ 594 M- Resumo da dissertação “Quando as (in)certezas e as esperanças se (des)encontram: um estudo das representações sociais dos professores sobre educação especial na rede estadual de ensino” (BAZANTE, 2002)............................................................. 595 33 Proêmio Apontamentos e memórias: quando a história individual se entretece com a coletiva e motiva o estudo sobre as barreiras atitudinais “[...] E foi assim mesmo que Maria fez: de manhã cedinho saía de arco e flor pra passear. Desembarcava no andaime, pulava pro corredor comprido, às vezes abria uma porta só, às vezes duas ou três, variava o jeito de acostumar. E acostumou: o medo de abrir porta foi embora; até mesmo a porta cinzenta, até a porta vermelha! Escancarava todas elas, olhava cada canto, olhava tudo que tinha pra ver. Até que um dia, quando Maria ia andando pelo corredor, pensando “quem sabe no fim do ano eu arrumo de ir pra Bahia”, de repente, parou de olho arregalado: ué!! Que porta nova era aquela? Era uma porta diferente de tamanho e de feitio, diferente de pintura também: parecia que estavam experimentando a cor: tinha uma porção de pinceladas, cada uma de uma tinta. Maria abriu a porta bem de leve e bem devagar. Mas sem medo. [...]” (BOJUNGA, L. Corda bamba. 2009, p. 140). A nossa história individual é marcada por várias portas. Em algum momento da minha vida comecei a abrir ética, fraterna e cientificamente a porta de entrada para a construção da mentalidade inclusiva/inclusivista, para a prática de atitudes positivas diante da diversidade humana e para o contexto e tema desta pesquisa. Nestas páginas, cada pessoa que faz parte da minha história trouxe uma pincelada à porta que redescubro a cada nuança descortinada da inclusão social/educacional. Quando tive medo, nem sempre houve quem me mostrasse como andar na corda bamba. Este texto revela, pois, mais que o conteúdo a ser desvelado na abertura de cada porta que me constitui, é um caminho de registro de memória que reflete como esta pesquisa compõe a porta que estou por abrir: a da trajetória das barreiras atitudinais no discurso das pesquisas efetivadas no Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal de Pernambuco. 34 Neste caminhar, considero valiosas as palavras de Severino (2007, p.245): A história particular de cada um de nós se entretece numa história mais envolvente da nossa coletividade. É assim que é importante ressaltar as fontes e as marcas das influências sofridas, das trocas realizadas com outras pessoas ou com as situações culturais. Das palavras deste estudioso, traduzo que a experiência formativa e laboral do pesquisador também reflete os altos e baixos da história da comunidade humana, revela como nascem os nossos anseios laborais, nossa filosofia de vida, nossas atitudes e as situações-problemas que nos movem em busca das respostas científicas. A contingência deste proêmio Para este estudo, as dissertações de mestrado são compreendidas como veículos do discurso científico, os quais difundem conhecimentos históricos à respeito das pessoas com deficiência, apresentam, descrevem e/ou transformam experiências/vivências atuais dessas pessoas em conhecimento científico e constroem novos conhecimentos/entendimentos sobre essas pessoas e as questões que as envolvem. Nesse processo, os documentos dissertativos podem reproduzir/difundir barreiras atitudinais, removê-las e mesmo produzir novas barreiras. Como as teses e dissertações são, em si, os documentos que exprimem a construção de seus autores e estes são os que formam e são formados pela academia, são também produtores ou reprodutores dessas barreiras na medida em que são a ponte entre a universidade e a sociedade. Portanto, são, ao mesmo tempo, construtores e construídos por ambas. A fim de mostrar que neste processo também os pesquisadores das barreiras atitudinais estão envolvidos, que são formados e formandos daquele processo, no texto a seguir apresento minha trajetória, também como uma ilustração de que a universidade/ a sociedade que produz e reproduz barreiras atitudinais pode também removê-las e construir em seus membros um promotor de uma sociedade menos excludente e atenta para a remoção das barreiras atitudinais. 35 Assim a apresentação desta trajetória individual pretende mais do que ser um memorial de minha motivação, ser um retrato coletivo dos diversos eus da e na sociedade acadêmica ou não. Em outras palavras, em função do próprio tema desta dissertação, apresento aqui não apenas um currículo vitae narrativizado, na primeira pessoa do discurso, consoante as diretrizes fornecidas por Passergi (2008), mas a minha trajetória acadêmica sem, contudo, esmaecer o meu percurso existencial como um todo indivisível. Para elaborar este texto, levei em conta as condições, as situações e as contingências que envolveram o desenvolvimento dos meus trabalhos aqui expostos, resgatei apontamentos de aulas, e-mails enviados ou recebidos em ambiente formativo virtual, portfólios de reuniões presenciais em grupos de estudos, das aulas no curso de mestrado etc. Enfim, objetivei socializar a trajetória formativa que percorri antes e após ingressar no curso de pós-graduação do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco. No decorrer do texto, destaco os elementos correlacionados com o tema que tenho desenvolvido nos meus estudos no curso de mestrado. Além de considerar este espaço textual um trabalho autoavaliativo, acredito que ele será um instrumento confessional das minhas possibilidades e satisfação em concretizar mais esta etapa formativa. A pesquisa não é neutra, isolada em si própria, mas é também resultada daquilo que é o pesquisador, com seus olhares, sua ética, sua moral e seus desejos, apresento-me como a pesquisadora cuja história pregressa sustenta , constrói e direciona a minha leitura de mundo e, portanto, deste mundo que é a pesquisa. É daqui que venho e é por aqui que vou. Assim, socializo o percurso de construção de conceitos basilares da filosofia da inclusão, a consequente mudança na minha prática pedagógica, a socialização de saberes com professores em formação inicial e continuada. Transcrevo integralmente alguns e-mails, páginas de portfólios, cartas de intenção e registro de diálogos que sinalizam como as contribuições do Centro de Estudos Inclusivos (Doravante, CEI) foram relevantes no processo de constituição da pesquisadora, da educadora que tenho buscado ser a cada nova experiência formativa/laboral, pois 36 foram nas reuniões do CEI, que solidifiquei o desejo de continuar os estudos acerca da inclusão no curso de mestrado. Inicio, portanto, trazendo alguns retratos da minha trajetória no início da escolarização, das atividades formativas e laborais; prossigo, comentando o processo de compreensão dos constructos teóricos da educação inclusiva e da percepção/erradicação das barreiras atitudinais. 1- Retratos da minha biografia Sou natural de Recife, capital de Pernambuco. Nasci nos anos 80. Sou a filha mais velha do casal Elizabete Tavares e Cid da Silva. Em 1987, recebi o maior presente que eles poderiam trazer-me: uma irmã, linda, morena, cabelos negros como a noite, Cinthia. Dezenove anos depois, meus pais adotaram Josinaldo, é o irmão que qualquer pessoa gostaria de ter. Meu pai era operário e tinha uma árdua jornada de trabalho noturna. Durante o dia, enquanto ele dormia, precisávamos permanecer em silêncio, escrevendo palavras no ar. Minha mãe, muito jovem, parecia embalar as bonecas de porcelana. Cinthia e eu iniciamos a vida estudantil em duas escolas: uma particular e uma pública. Gostávamos dos espaços, apenas achávamos estranha a palmatória, apesar de ela nunca ter nos maculado as mãos. Veio uma fase mais tranquila, agora já na cidade de Vitória de Santo Antão. Estudei durante sete anos na escola estadual Polivalente José Joaquim da Silva Filho. Nesta escola, tínhamos uma avaliação bem meritocrática, com premiações para os alunos que se destacavam. Hoje, percebo o quanto aquela dinâmica formativa nutria barreiras atitudinais de substantivação, de adjetivação, de baixa expectativa, de inferiorização e de menos valia, pois muitos colegas sofriam os resultados da chancela da incapacidade, estavam no processo e eram produto do fracasso escolar. Salas lotadas e filas crescentes de alunos negros ou com deficiência ou residentes na zona rural e falantes de variações desprestigiadas , entre outros, estavam na centralidade desse processo de rejeição da escola. 37 Nessa época, entre as letras da ciência eu sempre estava fincada, estudando nos cantinhos da escola e nos esconderijos da minha casa. Recebia medalhas todo fim de ano. Já na 5ª série, quando os professores precisavam se ausentar da sala ou faltar pediam que eu “passasse” o conteúdo para a turma e o mais estranho é que meus colegas paravam para ouvir e diziam aprender, diziam que eu explicava de um jeito fácil. Esses episódios, para mim prenhes de sentido, nada mais eram que o que Coll et. al. (1995) chamam de tutoria (1995). Nesse período, fiz da casa dos meus bisavós, Regina e Severino, uma escola. A criançada ia entrando escondidinho e de repente a casa adormecida já estava cheia de vida. Imaginem quem era a professora! A docência sempre esteve entranhada em minha hipoderme. Essa vivência me faz concordar plenamente com o Tardif (2006) quando ele afirma que o professor é o único profissional que vive mergulhado em seu ambiente de trabalho antes de se fazer profissional da educação. Vivi este processo. Quando conclui a 8ª série, a diretora da escola, Vera Marinho, e o professor de matemática, Neildo, buscaram oportunizar-me o ingresso em uma escola particular de status na cidade. Para que as coisas fossem justas, eles disseram que compararam as médias dos alunos que cursavam a 8ª série em 1994, verificando os primeiros lugares por sala, por turno e procuraram verificar que aluno atingira as mais altas médias das 11 turmas. Na festividade de conclusão desta etapa escolar, tive uma enorme surpresa: fui convidada a ir para uma nova escola. Recebi coleções de livros de literatura, materiais escolares, palavras-diamante e os olhares ternos, cúmplices e emocionados da minha família. Agora, numa escola particular onde a etiqueta da indumentária era o passaporte para a interação eu não tinha quase amigos. Até que saíram os resultados dos primeiros exames. Lá era bem acirrada a busca pelo primeiro lugar por unidade de trabalho. O destaque para o teatro, para a matemática, a física e a química e as letras continuava sendo atribuído ao meu desempenho. Ministrei aulas particulares aos colegas, comecei a trabalhar na escola aos domingos. decidi cursar o magistério. Depois, 38 No curso de magistério, encontrei a arte da Pedagogia. Conheci o professor e artista plástico João Francisco, pessoa sensível, grande companheiro, com quem me casei anos depois. Minha dedicação à ciência despertou a atenção de professores e da gestão da Escola de Magistério. Eles começaram a me indicar para trabalhar em algumas escolas, mas eu tinha apenas dezesseis anos, ninguém podia me aceitar. Aos dezessete, com o ensino médio concluído, comecei a trabalhar na escola Estação Contato. Foram quatro anos de dedicação e muito trabalho. Eu compunha paródias para as festividades, trabalhava com teatro, construía grandes painéis, montava coreografias, revisitava o plano de ensino de outras professoras. Era trabalho intenso. A escola teve seus momentos de grande reconhecimento social e eu me sentia realizada. Mas comecei a desejar outros espaços, outros desafios, outros ares, abriram-se outras portas. Comecei a trabalhar em outras escolas, mesmo sem licenciatura, era muito fácil conseguir inserção no mercado de trabalho: lecionei história, geografia, matemática, português, literatura, artes. Resolvi aterrissar. Comecei o curso de licenciatura em Letras, precisava escolher um caminho. Continuei lecionando durante o dia e estudando a noite. 2- A graduação, o ingresso na pesquisa acadêmica e a atuação na formação de professores O percurso inicial da minha atuação pedagógica, marcado pela confusão a que outros docentes mais desmotivados provocava, hoje me faz relembrar do que Tardif (2006, p. 103) explica sobre a configuração de saberes docentes: [...] um professor ‘não pensa somente com a cabeça’, mas ‘com a vida’, com o que foi, com o que viveu, em termos de lastro de certezas. Em suma, ele pensa a partir de sua historia de vida não somente intelectual, no sentido rigoroso do termo, mas também emocional, afetiva, pessoal e interpessoal. Na graduação, encontrei os constructos que me ajudaram a pensar a sala de aula como espaço onde a história emocional, afetiva, pessoal e interpessoal dos alunos emergia nos momentos em que os conteúdos conceituais eram os mais trabalhados. 39 Nas Faculdades Integradas da Vitória de Santo Antão, no primeiro período do curso de licenciatura em Letras, encontrei a professora Gilberlande Pereira, pessoa que investiu atenção para orientar meus primeiros passos na pesquisa acadêmica. Sob a cuidadosa orientação dela comecei a fazer parte do Programa de Iniciação Científica (PIC – FAINTVISA), a trabalhar como monitora na faculdade, a desenvolver, junto a minha grande amiga-irmã Alexsandra Karla, o projeto: “Estudo da ambiguidade discursiva em textos publicitários nacionais”. Fui simplesmente enlaçada pela linguística, foi paixão a primeira leitura nesse campo de estudos. Até esqueci a minha obsessão pela matemática, física e química. Gil, carinhosa e firme, orientou Alê e eu a participarmos do II ECLAE – Encontro de Ciências da Linguagem (2003), em João Pessoa/PB. Inscrevemos, então, o trabalho “Estratégias de Leitura e Produção Textual: o caso da ambiguidade discursiva em textos publicitários nacionais”. Nessa comunicação oral apresentamos uma análise parcial dos resultados obtidos na pesquisa efetivada no PIC. A experiência no II ECLAE foi ímpar: primeiro congresso, primeira pesquisa, primeiro contato com renomados pesquisadores na área da linguagem e o incentivo de outros tantos estudiosos que assistiram/participaram das apresentações trazendo contribuições. O olhar cúmplice da minha querida orientadora, minha mãe científica, como ela costuma se nominar, foi a maior energia que precisei para seguir com determinação. A sistematização, a agudez no olhar, o estudo do discurso por traz do discurso, o fascínio pela língua e pela linguística foram, através do direcionamento de Gilberlande, cristalizando-se em procedimentos de estudo e de pesquisa. Esses primeiros trabalhos foram crisálidas que cresceram e desabrocharam ao longo do curso de Letras e das atividades formativas e laborais que ocorreram concomitantes. Cheguei ao 2º período do curso, fascinada pela leitura, pela linguística e desafiada pelo latim, pela teoria da literatura; entre as reticências de Clarice Lispector, sob as diretrizes da inesquecível Jacineide Travassos, estive emaranhada na teoria da literatura, de tal sorte que os trabalhos que eu apresentara eram prestigiados por alunos que já estavam em períodos mais avançados. 40 Num desses seminários, conheci o amigo Alberto, ele dizia que admirava a arte da palavra e da simplicidade. Beto e eu passamos a discutir e a produzir literatura, fazíamos viagens no tempo, nas artes, nas letras. A escrita era uma prática necessária, inquietante, jorrava entre os meus dedos, por entre os meus poros. Eu nem imaginara que alguns anos depois, estaria naquela mesma sala orientando alunos do curso de licenciatura em Letras a perceberem a natureza insubordinada das palavras. Chegando ao 2º ano do curso, conheci Hugo Monteiro. Ele trouxe não apenas uma perspectiva ampla do entendimento do que é a leitura, a escritura, a literatura, mas do que é a pessoa humana que produz e é produzida na e pela linguagem. Hugo, após algumas aulas, chamou-me para trabalhar num projeto com formação docente. Novamente eu estava de frente a uma nova porta, um convite para trabalhar com uma das pessoas que mais admiro, era muita responsabilidade. Pensei: trabalhar com formação docente, como? Eu ainda estou na graduação. E a escola? Tive receio de não conseguir. A timidez era grande. Mas aceitei o convite para trabalhar num projeto de leiturização, no município do Cabo de Santo Agostinho. Hugo foi meu professor, é meu amigo, desde que o conheci tenho aberto portas a partir dos ensinamentos que ele me traz. Hugo organizou um grupo de estudos, Neelij – Núcleo de Estudos da Leitura e da Literatura Infanto-Juvenil, no qual participavam Palove, Poliane, Mariano, eu e vez ou outra algum convidado. Esse grupo de inesquecíveis amigos e de profissionais sérios também trabalhava no projeto de leiturização. Primeiro, participamos do projeto assessorando o Hugo nas ações que ele elaborava e efetivava para os momentos de formação continuada dos professores das quatro regionais do Cabo de Santo Agostinho. Depois, sob as orientações dele, começamos a visitar as escolas e a efetivar os encontros. Nas reuniões do Neelij conheci a transdisciplinaridade, a ludicidade, a criticidade, a fases e faces da literatura infanto-juvenil. Registrava as aprendizagens, as questões, as reflexões num caderno verde. Hugo sempre nos ouvia com atenção, tínhamos liberdade para criar, construir, partilhar; abraçamos a meta de ler o maior número possível de livros literários por semana e de pensar caminhos, a partir da literatura infanto-juvenil, para auxiliar as professoras a utilizar os constructos teóricos das estratégias de leitura, da teoria do scaffolding (GRAVES & GRAVES, 1995; 41 SOLÉ, 1998), da transdisciplinaridade na elaboração de planos de trabalho que primavam pela leiturização dos alunos. Nos encontros com professores inseridos no projeto de leiturização, trazia a minha prática pedagógica para exemplificar o que dizia a teoria. Muitos professores abraçaram o projeto, demonstravam interesse, compromisso, responsabilidade, criatividade, desejo de aprender e traziam suas frustrações, diziam-se sozinhos. Como frutos desse trabalho, tínhamos professores engajados no objetivo de possibilitar a alfabetização e o letramento dos alunos através da arte da palavra, a literatura. Para socializar os tantos projetos e sessões de leitura efetivados pelos professores, Hugo, a secretaria de Educação do Cabo e a ONG PLAN Internacional do Brasil organizaram o 1º Simpósio sobre Educação e Leitura no município do Cabo de Santo Agostinho, no período de 03 a 07 de novembro de 2003. Naquela ocasião, participei pela primeira vez de uma mesa de debates, fazia aquela expressão de que estava tudo no mais absoluto controle, mas a timidez dos primeiros cinco segundos e o desejo de dizer tudo que eu vivera na efetivação do projeto me faziam transpirar. Abordei o tema “Poesia para crianças: o brincar com a linguagem”. Nesse evento conheci as autoras Eliana Yunes e Lenice Gomes. Lembro-me da Eliana afirmando que “só aprendemos as coisas que são filtradas pelo coração, aprendemos DE COR aquilo que nos toca a alma”. Lenice, por sua vez, fisgava a atenção de todos com uma contação de histórias e me despertou o desejo de também tomar a palavra e espalhar histórias no ar. Nesse mesmo período, a FAINTVISA organizava a 1ª Semana de Estudos Integrados (18 a 21 de novembro de 2003), eu participei apresentando trabalhos na modalidade de comunicação individual, com o tema “Poesia para Crianças - um diálogo entre a teoria e a prática” e na modalidade de comunicação coordenada, com o trabalho “O texto Publicitário nacional – Uma análise das ambiguidades”. A professora Gilberlande Pereira tinha assumido a coordenação do curso de Letras. Na faculdade, Hugo, Gil, Maria Lúcia, Jacineide, Zezinha, Verônica Campos começaram a me incentivar a começar a estudar para fazer o curso de mestrado. Uma confusão: cada um me estimulava a seguir uma área: Linguística, Teoria Literária, Educação. 42 Maria Lúcia começou a me acompanhar, solicitando atividades extras de leitura, fichamentos e a construção de um possível objeto de pesquisa. Malu e eu nos tornamos amigas-irmãs. O ano de 2004 foi então um ano de muitas mudanças: eu comecei a trabalhar na escola Recanto, em Recife, continuava no projeto de leiturização, era monitora da disciplina “Leitura e Produção Textual”, ministrada por Hugo, participava no Neelij, do PIC - FAINTVISA como monitora da professora Gilberlande. Doação de mente, de corpo e de espírito às atividades formativas e laborais. Na Escola Recanto comecei a trabalhar em salas regulares, experienciava toda a liberdade de conduzir o trabalho pedagógico consoante as diretrizes da pedagogia freinetiana. Foram quatro inesquecíveis anos de trabalho, interrompidos quando ingressei como professora na escola pública, período em que já tinha sofrido o processo de desconstrução proposto pela filosofia da inclusão. Eu vivia o conflito de quem estava aprendendo a ver, a vivenciar o difícil processo da auto e da heteroavaliação de atitudes. 3- O dia em que o dardo da zarabatana inclusivista me atingiu Em agosto de 2004, fui convidada a começar a trabalhar em salas especiais numa escola particular. Fiquei tão embaraçada. Por onde começar? Fui à biblioteca da faculdade FAINTVISA, pedi autorização para levar alguns livros para casa, no acervo Cesar Coll et. al. (1995), Julie Dockrell e John McShane (2000). Li tudo o que eu podia sobre deficiência. Decidi que trabalharia apenas com sessões de leitura e verificaria o que os alunos conseguiam construir a partir de textos literários. Ao chegar à escola, na segunda-feira pela manhã, afirmei: - Pronto! Após as aulas do turno da manhã, mostro para vocês o que planejei para esta primeira semana de aulas na CPE. Li muito sobre deficiência; síndrome de down, autismo e outras. Também li sobre dificuldades de aprendizagem. - Fabiana, você só precisa compreender seus alunos, como pessoas que estão aqui para aprender, construir conhecimento. Você vai ver. Você vai gostar. Não fique aflita. Nós temos certeza que dará certo. Na verdade o que você precisa é conhecer bem a sua disciplina, os conteúdos e você, sensível como é, saberá como agir. 43 Tudo parecia perfeito. Os alunos integrados, alguns já inseridos nas salas regulares. Eu achava que Freinet estava feliz e eu tranquila. Os alunos foram me ajudando a delinear os caminhos formativos. A maioria das famílias eram parceiras no processo e a escola me deixava autônoma para caminhar com o grupo. No dia 1º de junho de 2005, Tiago Vinícius, meu filho, nasceu, eu estava plenamente vivendo o mais encantador, mágico, abençoado, singular momento da minha existência. Já não tinha mais condições de trabalhar no município do Cabo. O Neelij cessou as reuniões. Eu havia concluído a graduação. E assim que meu bebê completou um ano ingressei na pós-graduação lato sensu em Literatura Infanto-Juvenil, na Faculdade Frassinetti do Recife, esse era o caminho sugerido por Hugo, era um caminho que aguçava a minha sensibilidade, o meu desejo de me emaranhar por entre as letras e descobrir o porquê de elas encantarem o Tiago, os meus alunos e a mim. Eu estava agora entrando num corredor com muitas portas. No dia 30/08/2005, às 10h da manhã, a convite do professor Hugo Monteiro, meu orientador e amigo, estive no Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) do Recife para ministrar uma palestra. Aquela experiência desestruturou as bases das minhas certezas. Senti-me como que atingida pelo dardo de uma zarabatana, meio atordoada, respondi às perguntas feitas pela Lívia, mas as respostas já não me convenciam. Passei dias reprisando aquelas perguntas. As capacitações promovidas pela escola não as respondiam. Eu estava desconfiada dos efeitos do meu trabalho. Transcrevo, na íntegra, parte da palestra. Hoje consigo perceber como, através do discurso, difundi e vivifiquei barreiras atitudinais que justificavam a existência de salas especiais: - [...] Propomos a discussão sobre o que é avaliação, como avaliar, o que avaliar, qual a função da avaliação e para atingir, mesmo que de modo sucinto tais questões, comentaremos um projeto que está sendo vivenciado nas classes de projetos especiais. Estas classes são constituídas apenas por alunos especiais, as metodologias empreendidas neste processo ancoram-se na pedagogia freinetiana. Então, o projeto “Portfólio: avaliação por meio de múltiplas lentes” tem promovido a interface entre avaliação e aprendizagem tanto para nós, professores, quanto para os alunos especiais, pois neste processo o portfólio, em formato de diário dialogado, tem servido para promover a aprendizagem desses alunos e sinalizam para o professor se o percurso metodológico tem sido satisfatório, se tem oportunizado a construção de aprendizagens. [...] - Mas, professora, desculpe-me! Bom dia, sou Lívia Guedes, supervisora do Senac, preciso fazer-lhe uma pergunta: a senhora fala da perspectiva da 44 educação especial ou da educação inclusiva? Quais são os fundamentos que norteiam o trabalho com estes alunos? Como e por que eles são agrupados em classes especiais? - Bem, a escola, como lhes disse, propõe que efetivemos um trabalho baseado nos princípios da escola nova, especificamente na teoria de Celestin Freinet. Então, ao nível das posturas pedagógicas, o movimento Freinetiano considera os alunos como sujeitos, todos diferentes, e não apenas como alunos passíveis de um tratamento uniforme. Assim, quando um aluno está em dificuldade, o professor deve tratar a dificuldade pela diferenciação do ensino, antes de qualquer pedido de intervenção da rede de ajuda (psicóloga, etc.). A escola oferece este trabalho desde 1996. É uma proposta denominada Classes de Projetos Especiais (CPE), a qual busca propiciar as condições adequadas para que o fazer pedagógico favoreça o desenvolvimento potencial de cada aluno na perspectiva de sua interação com a sociedade, da historicidade destes alunos, dos temas pelos quais eles se interessam, das habilidades que eles já apresentam e podem ser ampliadas. Enfim, as salas especiais são espaços em que os sujeitos são respeitados em suas diferenças, eles constroem vínculos afetivos, socializam aprendizagens entre as turmas e nos eventos promovidos pela escola todos participam, a seu modo, entende? Outra coisa: no turno da manhã, temos vários alunos que já foram inseridos nas salas regulares. Então, geralmente, o aluno faz uma sondagem, que consiste na realização de um exercício de língua portuguesa e matemática, depois ele faz uma entrevista com a psicóloga da escola e aí ele ingressa na CPE; mais adiante, de acordo com a desenvoltura dele e o acompanhamento da escola e da família, todos avaliam se esse aluno já tem condições de frequentar as salas regulares. Às vezes, eles nem querem, se acostumam, gostam da dinâmica das aulas da CPE. - Certo, professora Fabiana. É que eu, no momento, estou cursando mestrado em educação inclusiva, faço parte de um grupo de estudos: o Centro de Estudos Inclusivos, lá na UFPE e a gente tem discutido um pouco sobre o formato destas salas especiais, não destas a que a senhora se refere especificamente, mas o modo como esta divisão entre os alunos é pensada. Assim, se a senhora quiser conhecer este trabalho, podemos conversar depois. Olhe, meus parabéns pelo trabalho, certamente a construção destes diários trazem muito da história dos alunos e demonstram que se tem estimulado cada um a desenvolver seus potenciais. A gente tem acreditado nisto, né, que todos são capazes de aprender. Seu trabalho demonstra sensibilidade e um olhar amplo da avaliação o que serve para a realidade da nossa instituição. - Obrigada, Livia, pelas contribuições. Caminhando mais um pouco, gostaria de destacar que este recurso avaliativo pode ser utilizado em quaisquer etapas do processo de educação formal, a partir dele temos várias evidências das aprendizagens, percebemos a autenticidade, vivenciamos o dinamismo, oportunizamos a exposição de propósitos, a integração entre a escola e outras situações sociais. [...] (TAVARES, Fabiana. Portfólio de atividades docentes. Transcrição da palestra sobre avaliação por portfólio em classes de projetos especiais. Registro de aprendizagens e de questões, 30/08/2005, p. 46 a 56.) Só agora, ao refletir sobre a minha atuação nas salas especiais, ao refletir sobre essa palestra, compreendi o que disse certa vez um professor de filosofia, 45 José Feitosa, ao citar o cientista e o ensaísta francês Albert Jacquard: “uma resposta é sempre um pouco pretensiosa, ela fecha um problema, enquanto uma questão nos abre o mundo”. Nossa! Precisei de alguns anos para que eu rememorasse esse discurso e compreendesse que as perguntas nos guiam a duvidar das respostas que temos cristalizado. As perguntas feitas pela Lívia pareciam me perseguir, eu não as esquecera. Ingressei na especialização com um objeto de pesquisa organizado na mente e no papel, um pré-projeto: O “diferente” na tessitura da Literatura Infanto-Juvenil Contemporânea, objetivando: a) Verificar como a constituição da trajetória da “personagem diferente” era percebida pelos leitores em formação; b) Analisar se a recepção das obras que representam, através de seus personagens, a “pessoa portadora de alguma diferença”, possibilitava a consciência da inclusão. Nesse período, eu compreendia a deficiência como diferença e queria saber se a literatura como elemento (in)formativo ajudava as crianças a compreender, com naturalidade, a deficiência. Fiquei bem motivada quando encontrei o livro escrito por Cruz (1991), “O deficiente e as diferenças na Literatura Infantil e Juvenil”, porque enxergava nele a pertinência do meu percurso cognitivo de entendimento da função da literatura e das representações sociais que ela nutre, socializa, cristaliza ou erradica acerca da diversidade humana1. Na pós-graduação lato sensu, aprendi a olhar a literatura infanto-juvenil como quem utiliza um caleidoscópio: a sociologia, a antropologia, a psicologia, a psicanálise, a pedagogia e a teoria da literatura nas diversas disciplinas vivenciadas na pós-graduação traziam um novo modo de perceber a arte das letras. Conheci Giovana, Marúcia, Magdalene, Marcela, Lidia e tantos outros inesquecíveis amigos que se juntaram a Mariano e a mim para realizarmos muitas atividades acadêmicas e de degustação literária. Tempos bons! Hugo novamente estava ao meu lado, dizendo: - Siga! E nos encontros de orientação para a construção do projeto de pesquisa, as tantas perguntas que ele fazia desconstruíram todo o meu projeto inicial. 1 Agora, eu percebera a fragilidade do texto, dos caminhos escolhidos. Que Nesta linha de debate também é valorosa a leitura de CALMELS, Daniel. La discapacidad Del hèroe – Diferencia Y discapacidad e, lãs narraciones dedicadas a La infância. 1ª ed. – Buenos Aires: Biblos, 2009. 46 angústia! Hugo me apresentou a teoria da estética da recepção e outras tantas para que eu tivesse condições de consciente e criticamente escolher um percurso. Em meados de 2006, decidi fazer a inscrição para cursar disciplina como aluna especial no curso de mestrado em Educação, na Universidade Federal de Pernambuco. Tinha muitas incertezas e a vontade de conhecer o caminho que dava para outras tantas portas rumo à pesquisa científica e a reflexão acerca da formação e da prática docente. 4. Tópicos atuais da educação: processo denso de percepção das barreiras atitudinais 4.1 - O ingresso na pós-graduação stricto sensu como aluna especial Mais impactante e mobilizadora do que a agudez daquela simples pergunta realizada pela Lívia na palestra proferida no Senac, tem sido o processo que vivencio desde que conheci e me tornei orientanda do professor Francisco Lima. Com firmeza, sistematização, respeito e afeto tenho buscado corresponder ao que o professor tem proposto como caminho formativo, nestes últimos seis anos, um tempo em que a ciência da Pedagogia além de ser estudada em sua interface teoria e prática, traz para a centralidade a compreensão e a ação de que a educação de qualidade deve ser vista como dever e direito do professor e do aluno. Ingressei no curso de mestrado em Educação na UFPE como aluna especial. Já na primeira disciplina, vivenciei intensamente o processo de desequilibrar saberes cristalizados e organizar novas aprendizagens. Nas cartas de intenção que escrevi para o professor ministrante das disciplinas é possível perceber o reflexo deste processo. Carta de intenção SELEÇÃO PARA ALUNO ESPECIAL - 2006.1 Linha de pesquisa: Didática específica dos conteúdos Prof /Dr Francisco José de Lima Disciplina: TÓPICOS ATUAIS EM EDUCAÇÃO II – Temática: BARREIRAS ATITUDINAIS: Inclusão e Acessibilidade 47 Prezado professor Francisco Lima, As palavras registradas nesta carta de intenção não são suficientes para descrever o momento que me move a buscar compreender a inclusão educacional e como tenho contribuído para que este processo seja efetivado. Creio que é na relação objetividade/subjetividade que se constrói, cotidianamente, as indagações que nos impulsionam ao ato de pesquisar. E este não foge à regra. Minha trajetória profissional fez e refez os rumos de minhas indagações: se até um determinado momento eu buscava conhecer os processos cognitivos envolvidos na leitura e produção de textos com a intenção de bem ensinar as crianças, em outro, a interação, o planejamento, a intervenção possibilitadora do amadurecimento dessas atividades, a adaptação curricular e a inclusão passaram a ser preocupações centrais. Primeiro, porque nesses dez anos de docência percebi que, muitas vezes, inconscientemente, alimentamos os estereótipos e afastamos da escola os alunos que por algum motivo sentem-se ou são tratados com diferença; segundo, porque nos últimos dois anos tenho trabalhado em Classes de Projetos Especiais, onde percebi que a Educação Especial estava sendo duplamente classificatória e excludente, uma vez que nessas salas os alunos eram subdivididos em grupos por “habilidades”, “níveis” diferenciados. Assim, os que estavam no “nível I” sentiam-se desprestigiados por aqueles que foram “nomeados” como pertencentes ao “nível III”, por exemplo. Na verdade, a intenção dos profissionais ao fazer essa divisão era louvável, porém os efeitos desse ato foram negativos, pois os alunos que não avançavam “em níveis”, sentiam-se desestimulados. Percebo que resignificar o fazer pedagógico é um grande desafio que se coloca para o professor contemporâneo. A inclusão ainda é um assunto inquietante que instiga muitas dúvidas. Na instituição em que trabalho há uma tentativa de realizá-la, porém percebo que ainda estamos distantes dessa realidade por fatores vários, entre eles as estratégias avaliativas; ação que talvez se justifique pelo fato de sermos todos frutos de um processo histórico escolar e, por consequência, tendenciarmos a nos remetermos às nossas experiências para realizarmos o trabalho docente. Sabemos que ao efetivar a prática educacional com os alunos especiais alguns fatores tornam-se relevantes: o conhecimento ou experiências docentes anteriores, a concepção internalizada pelo professor do que seja o próprio processo educacional, a consciência acerca dos papéis que devem ser assumidos pelos sujeitos escolares (mediador, o educando, o coordenador, o professor de apoio). Na verdade, como muitos professores da educação especial, estou em busca de procedimentos que reduzam as incertezas; ampliem o campo de ação, auxiliando-me a relacionar teoria e fazer pedagógico de modo que na ação educativa todas as crianças possam ser contempladas, independentemente de suas condições intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas e outras. Agradeço, desde já, a atenção dispensada e quiçá a oportunidade de participar dos estudos oferecidos na disciplina em que me inscrevo. Hoje vejo a educação por lentes turvas das incertezas de quais caminhos devo seguir. Cordialmente, Fabiana Tavares Recife, 30/08/2006 48 Cheguei à aula com uma noção bem embrionária e ainda equivocada do que seria inclusão educacional: pessoas com e sem deficiência convivendo no mesmo espaço pedagógico. O conceito de inclusão foi o primeiro a ser desconstruído a partir das intervenções, provocações e orientações do professor Francisco Lima: “quando nos referimos à inclusão, devemos ter ciência de que estamos falando da sociedade, da escola de todos, com todos e para todos. Estamos falando de etnia, de gênero, de orientação sexual, de classe social, de deficiência etc. Na inclusão, todas as pessoas indistintamente são vistas como sujeitos de direito e precisam ser respeitadas em suas singularidades”. O acervo teórico da disciplina era quase que completamente em língua inglesa, o que me estimulou a estudar o idioma, a traduzir os textos, a construir sumarizações2. Primeiro, refletimos sobre o modo como a sociedade sempre se referiu às pessoas com deficiência, atribuindo-lhe uma condição inferior, marcada pela compreensão equivocada de deficiência enquanto doença, de deficiência enquanto diferença reducionista da potencialidade humana. Compreendi então a inadequação dos termos “alunos especiais”, “estudantes excepcionais”, “pessoas diferentes”, “alunos portadores de deficiência”, “alunos deficientes”, “alunos com necessidades especiais”. Ao perceber que essas expressões estavam esteadas em modelos de entendimento da deficiência, eu me percebia como produtora e reprodutora do processo excludente o qual os meus alunos e outros tantos sujeitos com deficiência vivenciavam. O processo foi doloroso porque sempre busquei respeitar o ritmo de aprendizagem, as potencialidades de meus alunos, no entanto, comecei a perceber que eu também reproduzia, vivificava, difundia barreiras atitudinais e o pior foi 2 Leitura obrigatória: a) Attitudinal Barriers; b) Diverse Perspectives: People with Disabilities Fulfilling Your Business Goals (Printer-Friendly Version); c) Attitudinal Barriers and Tips for interacting with people with disabilities ; d) Etiquette: Attitudinal Barriers, e) Interviewing Essentials: Strategies for Creating a Positive Impression; Focus on Ability: Interviewing Applicants with Disabilities (PrinterFriendly Version ); f) Attitudinal barriers; g) People with disabilities encounter many different forms of attitudinal barriers; h) Disability disclosure, confidentiality, and evidence in a Higher Education context: Extended Guidance Notes; i) Appendix E. Special Populations: Persons with Disabilities; j) Constructions of Disability: Researching the interface between disabled and non-disabled people (Claire Tregaskis) 49 enxergar que a escola, as salas especiais perfeitas eram de vidro. Mas não fiquei vivendo o luto de uma ideia romântica e equivocada, não fiquei entre o desejo e a vontade de mudança, comecei a socializar os textos agora traduzidos com os colegas professores, comentava o que eu vinha aprendendo, estudando, descobrindo, percebendo. Entrei em crise epistemológica provocada pelas reflexões inclusivistas, um percurso natural, inevitável, necessário porque [...] a inclusão é produto de uma educação plural, democrática e transgressora. Ela provoca uma crise escolar, ou melhor, uma crise de identidade institucional, que, por sua vez, abala a identidade dos professores e faz com que seja ressignificada a identidade do aluno. O aluno da escola inclusiva é outro sujeito, que não tem uma identidade fixada em modelos ideais, permanentes, essenciais. (MANTOAN, 2003, p. 17.) Em meio ao conflito entre o que eu aprendera e o que a escola exigira, comecei a efetivar uma atividade socilitada pelo professor Francisco Lima: investigar a efetivação de barreiras atitudinais nos mais variados espaços sociais, principalmente na escola. Era um desafio e tínhamos que escrever um artigo como trabalho final da disciplina. Comecei, então, a registrar no caderno de anotações o que eu observava na escola durante o intervalo dos alunos, na conversa entre os professores; fazia também uma autoavaliação das situações de aprendizagem que eu propunha. A partir dessas ações, consegui compreender a definição postulada por Freire (2005, p. 13) sobre a consciência humana: “A consciência é essa misteriosa e contraditória capacidade que tem o homem de distanciar-se das coisas para fazê-las presentes, imediatamente presentes.” Aquele entendimento analisado do lugar histórico-social em que me encontro hoje me faz realmente crer na assertiva freiriana de que a consciência do mundo e a consciência que temos de nós mesmos devem crescer juntas e em relação direta; uma sendo a luz interior da outra, uma comprometida com a outra, pois “as consciências não são comunicantes porque se comunicam; mas comunicam-se porque comunicantes.” (FREIRE, 2005, p. 15). A consciência era agora a estranha inquietude que não mais me permitia deixar de buscar subsídios para tornar a sala de aula e os espaços de difusão cultural ambientes respeitosos, acolhedores à diversidade humana. 50 Em alguns encontros, o professor Francisco Lima chegou a sugerir que gravássemos e ouvíssemos as aulas que ministrávamos, com o objetivo de identificar se, quando e como praticávamos ou contribuíamos com a eliminação de barreiras atitudinais. Era quase que uma experiência de pesquisa autoscópica 3. Gravei algumas aulas e percebi, por exemplo, que trazia problematizações aos alunos, mas que eu mesma as respondia, muitas vezes. Nesse período, Lívia e eu nos encontramos algumas vezes para estudarmos juntas, discutirmos sobre os textos, a pesquisa dela, a minha, as intervenções e questões difíceis trazidas pelo professor que, na época, era o orientador da minha amiga. A minha pesquisa de especialização foi mudando de foco, de forma, foi surgindo outro objeto de estudo (uma nova porta). As orientações de Hugo, as discussões com a Lívia e as reflexões propostas por Francisco contribuíram para a construção de um texto mais fiel ao processo que eu vivenciava enquanto docente e pesquisadora. Enfim, foi assim que finalizei a monografia “A pessoa com deficiência e as barreiras atitudinais na literatura infanto–juvenil”. O estudo foi socializado em oficinas, minicursos, comunicações, anais e capítulo de livro4. 3 O procedimento metodológico de autoscopia pressupõe dois momentos essenciais: a vídeogravação da aula e as posteriores sessões de análise e reflexão sobre esse evento, efetivada pelo sujeito vídeogravado. (LEITE; COLOMBO 2006; SADALLA, 1997). No meu caso, não havia um sujeito pesquisador trazendo as problematizações através das vídeogravações. A voz que ecoava ao ouvir as gravações de aulas era a do professor Francisco Lima. Lembrando-me dos conceitos construídos nas aulas ou nos encontros do CEI, comecei a observar na minha postura, discurso e prática pedagógica, os meus próprios deslizes. Para os alunos, a gravação daqueles momentos era uma diversão, vista, posteriormente, como algo natural, que não interferia na atenção dispensada pelos alunos às aulas ministradas. 4 Comunicação individual: Preconceito e estereótipo na literatura infanto-juvenil: algumas reflexões sobre o “deficiente” e as “diferenças”. Evento: 4º ELF – Encontro de Estudos Linguísticos e literários das FAINTVISA (Faculdades Integradas da Vitória de Santo Antão). Período: 11 de outubro de 2006. Oficina: Letramento literário: desatando os nós entre a Literatura e a Educação. Evento: 10º Encontro de Educação: Cuidando do Planeta Terra, Nossa Casa. (Faculdade Frassinetti do Recife FAFIRE). Período: 29 de maio de 2007. Carga horária: 3 horas Comunicação individual: A pessoa com deficiência e as barreiras atitudinais na Literatura Infanto-Juvenil. Evento: 10º Encontro de Educação: Cuidando do Planeta Terra, Nossa Casa. (Faculdade Frassinetti do Recife - FAFIRE). Período: 30 de maio de 2007. TAVARES, Fabiana S. S. Pela Voz da Literatura, pensando as Barreiras Atitudinais em relação à Pessoa com deficiência. III SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE EDUCAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL DE PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS – ANAIS /2008 ( UFRN). 51 Na monografia, uma nova compreensão de literatura, de inclusão, de barreiras atitudinais contra a pessoa com deficiência [...] O estudo revelou que o olhar atento do educador ao selecionar os textos literários e mediar a experiência leitora é um fator imprescindível na efetivação da inclusão, pois a escola é um dos principais locais onde a Literatura Infanto-Juvenil circula, é o lugar onde a construção do conhecimento é sistematizada, onde os valores da Igualdade, da Liberdade e da Fraternidade devem ser alicerces da superação de todas as formas de exclusão da pessoa com deficiência. A literatura, por seu turno, permite que o leitor pense e experimente o mundo, traz aspectos impregnados de valores socioculturais; elementos que formam, alimentam subjetivamente quem a ela tem acesso. Tudo o que circula na escola, tudo o que é escolarizado, merece atenção especial do mediador, pois cada parte constituinte deste acervo poderá ser alicerce para uma sociedade de e para TODOS, ou poderá ser a fissura em uma tentativa de prática inclusiva. (TAVARES, 2007, p. 8). A pesquisa na especialização e a construção da monografia atingiu o objetivo de socialização dos conceitos apreendidos no curso de pós-graduação lato sensu e na disciplina do curso de mestrado TÓPICOS ATUAIS EM EDUCAÇÃO II – Temática: BARREIRAS ATITUDINAIS: Inclusão e Acessibilidade. As aulas da UFPE estavam chegando ao fim, entreguei ao professor Francisco Lima um artigo intitulado “A estigmatização e marginalização das pessoas com deficiência no ambiente escolar: uma questão de barreiras atitudinais”. Nas dezesseis páginas do texto, eu ainda tateava a compreensão acerca do tema e conversava com Sassaki (2003a; 2003b); Rosita Edler (2006); Peter Mittler (2003); Rosana Glat (1995); Bianchetti e Freire (2004), Lima (2006). Da literatura desses e de outros estudiosos surgiram novos questionamentos que me conduziram a buscar respostas nos encontros presenciais do Centro de Estudos Inclusivos. TAVARES, Fabiana S. S.. No tempo do verbo incluir: Literatura Infanto-Juvenil In ESTEVÃO, Mª de Fátima; MENDONÇA, Neuza (orgs). Elos Culturais. Recife: Baraúna, 2009. Vol.4. Pôster: Histórias em quadrinhos: espaço para a erradicação ou manutenção de barreiras atitudinais contra a pessoa com deficiência? Evento: IV Seminário sobre Educação e Inclusão Social de Pessoas com Necessidades Especiais (UFRN). Período: 15 a 17 de setembro de 2010. TAVARES, Fabiana S. S.. A representação social da pessoa com deficiência na Literatura Infanto-Juvenil contemporânea. Encontro de Literatura Infantil e Juvenil. (Universidade Federal de Pernambuco- CFCH / UFPE) Caderno de resumos – 2010. 52 No CEI descobri que o estudo sobre a existência e a manutenção das barreiras atitudinais foi iniciado no Brasil, por Francisco Lima, em 1996, cuja dissertação de mestrado (LIMA,1998) já trazia as bases para o artigo que, em 2000, publicaria na Revista do Instituto Beijamin Constant, com o título de “Questão de Postura ou de Taxonomia? uma proposta”. Este texto foi reeditado com atualizações semânticas no trabalho intitulado “Atitude ou classificação: eis a questão!”, publicado em 2008 pela Ulbra, no livro Itinerários da Inclusão da Escolar (2008). Em 2005 quando comecei a estudar sobre barreiras atitudinais, em parceria com Lívia e, depois, sob a orientação do professor, percebi que é uma temática que pode ser situada na materialização de preconceito e de discriminação nutrida em contextos vivenciados por pessoas que estão em situação de vulnerabilidade por questões de etnia, gênero, orientação sexual etc. Ao término da primeira disciplina que cursei no mestrado, o professor Francisco foi parceiramente orientando-me e reconstruindo caminhos, burilando, alterando, complementando o texto resultante dos estudos propostos. Posteriormente, inscrevemos o trabalho no EPENN (Encontro de Pesquisa Educacional do Norte e Nordeste), em 2007, com o título: “Barreiras atitudinais: obstáculos a pessoa com deficiência na escola”. O trabalho não foi aprovado, sob o argumento de que o conceito de barreiras atitudinais não tinha sustentação científica. O mais surpreendente é que em 2006, no maior tratado de direitos humanos que já se teve na história da comunidade humana, a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (ONU, 2006), o conceito de barreiras atitudinais surge na base do conceito de deficiência e de pessoa com deficiência. Esse documento, tornado posteriormente lei no Brasil (Decreto legislativo nº 186/2008; Decreto nº 6.949/2009), talvez não fosse ainda objeto de estudo do grupo avaliador/avalizador do evento. Não obstante, a Universidade Federal de Pernambuco, no Programa de Mestrado em Educação, oferecia pela segunda vez a disciplina “Tópicos atuais da Educação II: Temática: BARREIRAS ATITUDINAIS: Inclusão e Acessibilidade” e, como dissemos, o primeiro autor do trabalho já houvera publicado artigo nesta área em 2000, na revista de maior expressão nacional no que tange à pessoa com 53 deficiência visual. Hoje com avaliação B4 pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). O texto sobre barreiras atitudinais compôs o acervo de fundamentação teórica da dissertação construída por Lívia, “Barreiras atitudinais nas instituições de ensino superior: questão de educação e empregabilidade”. Essa dissertação, defendida em 2007, no Centro de Educação (CE – UFPE), foi a primeira produzida no Brasil sobre o tema barreiras atitudinais. Em 2008, aquele artigo, construído pelo professor Francisco e por mim, foi publicado no livro “Itinerários da inclusão Escolar”, organizado por Olga Solange H. Souza, publicado pelas editoras AGE e Ulbra. A socialização desse texto em suportes diferentes tem atingido um maior quantitativo de pesquisadores, professores, pessoas que buscam compreender os entraves a inclusão e, inúmeras vezes, procuram erradicá-los. Muitas dessas pessoas, residentes nos diversos estados brasileiros, têm, através do CEI, mantido contato, socializado entendimentos e experiências, denunciado situações em que as barreiras atitudinais são tão danosas que podem chegar a colocar a pessoa que a recebe numa condição opressora, sub-humana. 4.2- Individualidade e formação Muitas questões relacionadas à constituição identitária do educador foram respondidas no curso da disciplina “Individualidade e formação”. A carta de intenção construída como pré-requisito para seleção de alunos especiais para o curso desta disciplina sinaliza o alargamento de compreensões acerca da inclusão educacional e das muitas questões que me moveram a buscar (in)formação em suportes diversos. Carta de intenção SELEÇÃO PARA ALUNO ESPECIAL 2007.1 Linha de pesquisa: Didática específica dos conteúdos Prof /Dr Francisco José de Lima Disciplina: INDIVIDUALIDADE E FORMAÇÃO Código: ED-973 Candidata: Fabiana Tavares dos Santos Silva 54 Prezado professor Francisco Lima, A necessidade de continuar os estudos acerca da teoria da inclusão social/educacional me move a desejar cursar a disciplina Individualidade e Formação. Como afirmei há algum tempo, na minha trajetória profissional novas indagações têm surgido: se em um momento anterior eu buscava compreender os fundamentos axiológicos da inclusão, agora, pretendo buscar conhecimentos, percursos que norteiem a construção da autonomia individual dos alunos com ou sem deficiência e do próprio professor–mediador, agente de mudanças. No segundo semestre de 2006, tive a oportunidade de cursar, na condição de aluna especial, a disciplina Barreiras atitudinais e acessibilidade. Uma experiência singular, a qual me fez ampliar a agudez no olhar. Primeiro, em relação às minhas atitudes, depois, em relação à percepção das ações coletivas / excludentes / discriminatórias praticadas em razão da compreensão que se tem das pessoas com deficiência. Hoje, acredito ainda mais no potencial da pessoa com deficiência e busco saberes que subsidiem a pedagogia inclusiva. Saberes os quais se tornarão sabor em minha formação conjunta aos estudantes e aos colegas de trabalho. Acredito numa formação educacional crítica e libertária, que resgate a identidade individual antes de se partir para um contexto mais amplo. Considerando, pois, o que aprendi na disciplina anterior, pontuo algumas reflexões iniciais sobre o tema individualidade e formação: penso que, infelizmente, em muitos casos, a individualidade da pessoa com deficiência passa a ser uma pseudoindividualidade e a formação, uma semiformação. Pseudoindividualidade, pois, utilizando a justificativa de que “se sabe o melhor para a pessoa com deficiência”, são muitos os que a destituem de autonomia para a resolução das mais rotineiras e simples situações. Semiformação, porque a essas pessoas tem sido oferecida uma educação diferenciada, a qual objetiva “prepará-las”, “unificá-las” aos outros, para só depois terem uma pseudoparticipação na vida sócio-político-cultural do país. É um processo de deterioração que está relacionado diretamente à educação, à sociedade como um todo. Reconheço que as relações sociais, que fundam os processos individuais, são caracterizadas por tensões, por equilíbrios e estão vinculadas tanto à solidariedade quanto à coação. O homem constrói sua individualidade de forma contraditória, pois, ao se singularizar, ele é apoiado e constrangido. É singularizado pelo nome que recebe, pelo ato de saudação do outro, pelos papéis atribuídos e expectativas postas. Agora imagino como, subjetivamente, sente-se um indivíduo que perde sua identidade em detrimento de apenas uma característica física, a ausência de um sentido ou uma deficiência intelectual. Como vivenciar a individualidade se as generalizações, os rótulos, as substantivações e adjetivações são tão constantes na vida das pessoas com deficiência? Essas reflexões foram suscitadas, como afirmei, no curso da disciplina anterior e elas me conduzem a pensar que posso me tornar melhor profissional, melhor pessoa humana ao passo em que me transponho para o lugar de aprendiz e vou descobrindo parceiramente os caminhos significativos para a aprendizagem de todos. Professor, a partir do exposto, reafirmo a necessidade de buscar, através dos possíveis conteúdos vivenciados nesta disciplina, Individualidade e Formação, compreender o indivíduo em sua concreticidade, pois essa não se apresenta ao educador enquanto decorrência imediata do fato de ele estar em contato com o aluno. Além do mais, conhecer a concreticidade do indivíduo não 55 se limita, para o caso da atividade educativa, ao conhecimento do que ele é, mas também ao conhecimento do que ele pode vir-a-ser, se a ele for dada a oportunidade e condições de fazê-lo, e se ao mediador forem fornecidos subsídios para uma atuação em prol da educação de e para Todos indistintamente. É isso o que busco: subsídios para ler e agir nesse processo, sob a égide da inclusão. Agradeço, desde já, a atenção dispensada. Cordialmente, Fabiana Tavares Recife, 18 de abril de 2007. No dia 23/05/2007, o professor Francisco Lima expôs os pressupostos que nortearam a disciplina “Individualidade e Formação” 5. Já nesse momento introdutório da disciplina, percebi que o vir-a-ser do indivíduo, enquanto síntese de inúmeras relações sociais é um processo situado no interior de um processo maior: o do vir-aser histórico do ser humano enquanto um ser social. Na aula em comento, discutimos a ideia de que o indivíduo é mutável, dinâmico e vai moldando-se, modificando-se a partir de pressupostos individuais construídos de alguns aspectos intersubjetivos, entre eles, a nossa história de vida familiar e acadêmica. 5 Acervo teórico da disciplina: MARENTETTE,Lynn V. Thinking, Learning, and Communicating through Multimedia - Views from a School Psychologist - Union County Public Schools /North Carolina. MRECH, Leny Magalhães. A formação dos docentes: quais competências para o ensino individualizado e a integração escolar da diversidade? Palestra ministrada na USP, em 2001 MORIN, E. A Cabeça Bem-Feita, repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro, RJ: Bertrand Brasil, 2001. MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo, SP: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2000. NETTO, Luiz Ferraz. O gato de Schrödinger. Feira de Ciências. Disponível em: <http://www.feiradeciencias.com.br/sala23/23_MA14.asp>Acesso em: 27/05/2007 REGO, T. C. Vygotsky, uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolisa, RJ: Vozes, 1995. RUIZ, Alfredo. Fundamentos teóricos do enfoque pós-racionalista. Disponível em < http://www.inteco.cl/articulos/001/texto_esp.htm > Acesso em 30/05/2007. SETZER,Waldemar. Revoltado ou criativo In MORETTO, Pedro Vasco. PROVA: um momento privilegiado de estudo não um acerto de contas. Rio de Janeiro: DP&A. 2001, p. 93 – 122. Disponível em < http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi¶metro=19331 > Acesso em 28/05/2007. 56 Neste sentido, a história mundial não pode ser vista como fator determinante da história do indivíduo. Esse determinismo histórico é um dos pontos sobre os quais discutimos ao longo dessa disciplina, cujo objetivo era o de que construíssemos competências para interpretar a fala dos alunos, não necessariamente da maneira que ela é dita; uma vez que cada fala é diferente uma da outra, vem imbuída de valores diversos. O professor Francisco nos propunha pensar que, no contexto educacional, muitas vezes os alunos dão sinais, falam a mesma coisa, em linguagens distintas, porque eles são distintos, mas nós, professores, sequer percebemos esses sinais – a evasão escolar é resultante do emudecimento dessas vozes. Um procedimento que pode estar esteado em barreiras atitudinais. Para ilustrar esse processo, o professor propôs uma analogia entre o que os docentes fazem com seus alunos e o que se faz com a massa de um pastel. Com a massa do pastel todo um processo é feito para nivelar espessura e nenhum dos lados deve ficar disforme. E com os nossos alunos, o que temos feito com os que não “alcançam” a turma? Historicamente, temos juntado e “jogado” novamente esses alunos na “massa” sem nos preocuparmos se de fato eles convivem e avançam harmoniosamente com o grupo, numa atmosfera de respeito mútuo. Por vezes, temos deixado a massa desnivelada em separado, aumentando o bolo dos excluídos. Mais adiante, discutimos que o docente deve reconhecer a si e ao aluno como seres indivisíveis. Logo, a homogeneização e a padronização precisam ser eliminadas da escola. Sob esta percepção, cabe ao professor questionar-se: Qual a fôrma ou a forma estou utilizando para ensinar? O professor Francisco solicitou que, como parte da evolução desta disciplina, socializássemos a nossa história individual e, considerássemos, a somatória, a composição de todas as experiências como elemento imprescindível para a nossa formação. No decorrer da disciplina, construímos três concepções: a de indivíduo, a de formação e a de avaliação. Vimos que cada pessoa deve ser compreendida e tratada como um ser indivisível, logo, destacar a deficiência em detrimento do todo, 57 fragmentar as potencialidades dos alunos são ações danosas à formação da identidade de pessoa humana. É claro que em determinados momentos somos reconhecidos por outros ou por nós mesmos, por uma ou mais de uma das nossas características, no entanto, essas características não são o todo de nós. Não sendo o todo de nós não podem ser destituídas de nós como um todo e não podem ser ignoradas, ou seja, não somos uma só de nossas características, nem podemos ser nós próprios, sem essas características. Por exemplo: uma pessoa de origem regional X não é a origem regional, mas não se pode ignorar a origem regional dessa pessoa pelo simples fato de que a história de uma pessoa não é apenas a história de uma de suas características, mas o conjunto delas. Cada um de nós é o resultado de uma construção histórica, de nossas experiências, bem como o resultado histórico da construção das experiências daqueles que nos precederam. (LIMA, 2007. Informação pessoal). Desta forma, somos fruto de uma história que transcende a nossa própria. O legado dessa história influencia na nossa formação e as nossas atitudes. Essa formação se dá desde o momento em que nascemos. Essa é uma das razões que faz das barreiras atitudinais elementos psicossociais de difícil remoção. Contudo, temos de estar cientes de que a história que nos precede faz parte da nossa formação, mas não a determina. Assim, conhecendo a história entende-se o presente e entendendo o presente constrói-se o futuro, é neste percurso que temos mais chance de construir o futuro que tem a pressa do agora quando se trata da eliminação de barreiras atitudinais. Conhecimentos históricos servem para que possamos refletir, discutir ou até mesmo discordar daquilo que naturalmente era aceito por outros. Um bom exemplo citado pelo professor foi a escravidão, o açoite, a falta de respeito e o tratamento desprezível dispensado ao negro. Muitos discordavam daquela situação. O que de fato se percebe ainda hoje é que há pessoas que discordam de situações e não agem, por outro lado são poucos os que ao se depararem com desigualdades lutam por justiça. Sem ação a inclusão educacional não se efetiva. 58 Na área de Educação muita gente fala, mas poucos agem. O fato de estarmos discutindo/refletindo sobre educação numa pós-graduação deve, portanto, implicar numa ação. A ação de formar não se restringe à aquisição de conhecimentos historicamente construídos, a aquisição de uma literatura ou teoria, mas formação implica em ação (formar em ação na ação de formar e cientes de que na medida em que estamos formando, estamos sendo formados). (LIMA, 2007. Informação Pessoal). No momento em que se dá essa formação é importante compreender que, mesmo o ensino sendo coletivo, a aprendizagem é individual, e que é necessário respeitar as particularidades de cada pessoa. Na verdade, sob a ótica da inclusão, não se pretende fazer um ensino individualizado, mas que se respeite a individualidade. Corroborando essa assertiva, Mantoan (2003, p. 32) esclarece que para atender a individualidade dos alunos deve-se abandonar “um ensino transmissivo e se adotar uma pedagogia ativa, dialógica, interativa, integradora, que se contrapõe a toda e qualquer visão unidirecional, de transferência unitária, individualizada e hierárquica do saber”. Traduz-se, então, que enquanto professor é preciso conhecer o aluno, para só assim saber como ele conhece e ajudá-lo a chegar à aquisição do conhecimento. Em outros termos, é necessário entender que no processo de ensinoaprendizagem, ao mesmo tempo em que o professor ensina, precisa aprender como o aluno aprende. Essa aprendizagem faz parte da formação constante do professor. Essa formação é, portanto, contínua e tem múltiplas faces e fases que se complementam. Consoante Lima (2007), infelizmente, em muitos casos, os professores, que estão no ambiente formativo para corroborar na construção do conhecimento por parte do aluno, se quer formaram o seu próprio conhecimento. Através desta percepção, é possível compreender algumas das lacunas existentes no processo educativo inclusivista. O professor que mesmo sabendo do conteúdo, se dispõe [...] a aprender com o aluno, como o próprio aluno vai aprender, é que se caracteriza como um professor inclusivo. Contudo, é importante entender que as crianças ainda estão aprendendo a 59 aprender e não conseguem verbalizar racionalmente as respostas que precisamos, ou seja, a forma que consideram mais confortável em aprender. Cabe ao professor procurar estratégias que atendam a peculiaridade individual para a aprendizagem. (LIMA, 2007. Informação Pessoal.). Outra questão discutida em aula, ainda em relação a nossa formação, é que fomos preparados para não trabalhar os alunos com as diferenças, nem tão pouco com os que têm deficiência, seja física ou intelectual. A ideia é que alunos que apresentam deficiências devem estudar em salas especiais, pois não aprendem, são agressivos etc. Fomos erroneamente ensinados assim. E temos reproduzido essas representações sociais que estão na gênese das barreiras atitudinais O que precisamos entender, de acordo com Lima (Ibid.), é que mesmo a formação sendo para ensinar a alguns, cabe ao professor utilizar estratégias diversificadas que venham a atender a particularidade do indivíduo. Tudo pode ser usado como desculpa para justificar a não aprendizagem. As precárias condições físicas da escola, o baixo salário, a própria formação do professor etc. Ainda que essas variáveis sejam verdadeiras não podem ser dissociadas do todo, elas não deveriam ter o poder de interferência no processo, nem tão pouco impedir uma aula de qualidade. Uma aula, sob a perspectiva da inclusão, será o espaço/tempo em que o professor deverá estar alerta para não produzir ou tonificar barreiras atitudinais, as quais geralmente se fazem presentes quando a escola mantém certas práticas consagradas que além de em nada auxiliarem na construção de conceitos atitudinais, continuam por manter o “ensino para alguns alunos — e para alguns, em alguns momentos, algumas disciplinas, atividades e situações de sala de aula.” (MANTOAN, 2003, p. 33). Tais práticas constituem em: • Propor trabalhos coletivos, que nada mais são do que atividades individuais realizadas ao mesmo tempo pela turma. • Ensinar com ênfase nos conteúdos programáticos da série. • Adotar o livro didático como ferramenta exclusiva de orientação dos programas de ensino. • Servir-se da folha mimeografada ou xerocada para que todos os alunos as preencham ao mesmo tempo, respondendo às mesmas perguntas, com as mesmas respostas. 60 • Propor projetos de trabalho totalmente desvinculados das experiências e do interesse dos alunos, que só servem para demonstrar a pseudoadesão do professor às inovações. • Organizar de modo fragmentado o emprego do tempo do dia letivo, para apresentar o conteúdo estanque desta ou daquela disciplina, e outros expedientes de rotina das salas de aula. • Considerar a prova final como decisiva na avaliação do rendimento escolar do aluno. (Id., Ibid.) A autora explica que esses procedimentos tonificam a exclusão escolar, alcançando todos os alunos, independente da existência de dificuldades de aprendizagem ou de deficiência. Certamente a pouca ou nenhuma ênfase aos conteúdos atitudinais (cidadania, justiça, solidariedade, respeito à integridade do outro, ética etc.) deixa espaços vazios para que as barreiras sociais possam se propagar e perpetuar na interação entre os alunos. Lima (2007) afirma que a prática pedagógica inclusiva exige que o professor tenha clareza da melhor forma de utilizar os recursos que possui. Nessa linha, o ideal seria ter todo um aparato que desse suporte ao trabalho do professor, mas mesmo assim ainda nos depararíamos com aprendizagens variadas. Portanto, o papel do professor é de ganhar o aluno para a aprendizagem e o tratar como indivíduo. Ao assumir essa postura, devemos reconhecer que não podemos transformar a história, mas temos o poder de transformar a nós mesmos e emanar para os outros respeito, consideração e fraternidade. Na formação promovida pelo PPGE/UFPE tive, a partir das reflexões suscitadas nas disciplinas, a oportunidade de abrir a porta rumo a esse entendimento. Compreendi que a mudança, a transformação das atitudes deve ser do singular para o coletivo, sem, contudo, perder de vista que o inconsciente coletivo está presente nas nossas ações diante da pessoa com deficiência, o que torna necessário uma constante autoavaliação e revitalização da compreensão dos preceitos inclusivos, através de sua efetiva prática. A educação, elemento motriz para a mudança social, é de responsabilidade da Família, da Sociedade e do Estado. Não podemos, portanto, deixar de lembrar que o professor é Sociedade e Estado. Esse entendimento, esteado numa analogia proposta pelo professor Francisco, ao utilizar em sala de aula o texto “O gato de 61 Schrödinger”, clarificou a assertiva de que só podemos interferir numa realidade quando temos conhecimento dela. Traduz-se daí que para que a inclusão educacional seja efetivada é necessário que o professor aprenda a ser inclusivo sendo (LIMA, 2006), aprenda a reconhecer os obstáculos neste processo, aprenda a identificar e erradicar as barreiras atitudinais nutridas em ações individuais e em atitudes comuns, é preciso que o professor aprenda que todo observador é observado e que o indivíduo observado sofre com a observação e tende a si transformar. No decorrer das discussões propostas/efetivadas na disciplina “Individualidade e Formação”, compreendi que a nossa identidade é constituída pelos vários papéis sociais que assumimos. Como disse certa vez o professor Francisco Lima, “nós não somos apenas alternativos, somos aditivos, somos “e” ”. Ou seja, não temos a possibilidade de dizermos que somos sempre do mesmo modo. Esse debate possibilitou o acesso à porta que conduz à compreensão de que a exclusão praticada através da alternativa, ou um ou outro, muitas vezes nos direciona à prática da avaliação escolar: a) como manifestação de exclusão do outro (barreira atitudinal de rejeição); b) como juízo antecipado sem fundamento de que alguns alunos não aprenderão (barreira atitudinal de baixa expectativa); c) como comparação pejorativa dos resultados alcançados por alunos sem e com deficiência (barreira atitudinal de inferiorização); d) como a apreciação depreciativa de potencialidades desenvolvidas pelos alunos com deficiência (barreira atitudinal de menos valia); e) como a supervalorização de resultados, porque baixa era a expectativa em relação ao aluno ( barreira atitudinal de adoração do herói) etc. Ao efetivar a avaliação, nem sempre o formador consegue identificar tais barreiras. E mesmo quando consegue percebê-las, nem sempre tem tempo hábil para naquela situação rompê-las. Por isso dizemos que cada um também tem seu tempo. Há coisas que só vão fazer sentido para nós muito tempo depois do fato ter ocorrido, a exemplo de muitas das ações que eu realizara nas salas especiais, pensando que era o melhor caminho. 62 Durante a disciplina, Francisco (2007) esclareceu que ao formarmos a compreensão acerca do trinômio: formação, identidade, avaliação, estamos sendo sempre atores e porque não espectadores desta história. Espectadores compreendidos como aqueles que recebem, assistem ao teatro, ao trabalho do aluno, porque quando agimos enquanto professores, estamos propiciando com que um script, um texto seja veiculado e depois nós vamos assistir na plateia, ou ainda na resposta da plateia, na fisionomia, no riso aquilo que estamos, enquanto ator, transmitindo. Guardo na memória a afirmação feita por Lima no último dia de aula da disciplina, essas palavras sintetizam o percurso que deve ser efetivado pelo professor inclusivista: “Defendemos a Inclusão, qual seja, o modelo teórico que prevê a formação da criança pequena de tal sorte que sua consciência para o respeito e para a dignidade do outro permitam que ela quando adulta tenha posturas as quais, muitas vezes, não temos visto: o adulto que respeite o outro, pelo que o outro é e não pelo que tem, pelo que pode cooperar e não pela competição que o outro pode impor a si”. Ao comungar desse entendimento, busquei, no Centro de Estudos Inclusivos, abrir outras portas que oportunizassem a formação para uma prática mais ética, democrática, emancipatória, universal, prenhe de posturas críticas, autônomas, humanizadoras, acessíveis, transformadoras, enfim, uma formação para a prática includente. 5- Uma trança: o Centro de Estudos Inclusivos, a formação docente e a prática pedagógica O Centro de Estudos Inclusivos, do Departamento de Psicologia e Orientação Educacionais do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco (CEI/UFPE), foi inaugurado no dia 04 de agosto de 2004 no auditório do Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA/UFPE). O CEI, consoante informações fornecidas pelo seu idealizador, o professor Francisco Lima, surgiu condicionado à provisão de recursos humanos e financeiros, tendo como objetivo fundamental inscrever na agenda educacional, política e social 63 da Universidade Federal de Pernambuco a construção de uma sociedade inclusiva, que não se restrinja à Universidade, mas que, a partir dela, se emane para fora de suas dependências. Na inauguração do CEI este objetivo foi firmado ao passo em que se explicitou como vocação deste centro: [...] a promoção, o apoio e a realização de ações inclusivas (seminários, colóquios, encontros, conferências, pesquisas e trabalhos de extensão inclusivos), destinados a sensibilizar, formar, motivar, mobilizar a comunidade universitária, em particular, e a opinião pública, em geral, nos seus mais diversos lócus - órgãos executores, governo (municipal, estadual e federal); autarquias locais e regionais; órgãos decisores, poder legislativo, poder judiciário; órgãos de comunicação social, imprensa, rádio, televisão, cinema, teatro e espetáculos musicais; órgãos de ações pró-cidadania, fundações, instituições, organizações não governamentais, nas áreas de educação, do trabalho, do lazer, do esporte, da saúde, da moradia/habitação, da manifestação cultural, da soberania - política, religiosa e linguística - dos povos indígenas e de outros grupos “minoritários” -; da defesa de gênero e das opções sexuais; enfim, de todos os direitos humanos proclamados nas declarações e convenções que, sem discriminação, restrição ou preconceito a nenhuma pessoa humana, defendam os direitos humanos igualmente para todos. No âmbito universitário, o Centro de Estudos Inclusivos, em parceria com os diversos segmentos universitários (dos alunos e dos funcionários/professores, da comunidade dos trabalhos de extensão, dos parceiros de pesquisa etc.) está vocacionado a: 1 - subsidiar, orientar e dar consultoria sobre questões inclusivas; desenvolver, promover, cooperar, apoiar, incentivar, divulgar a inclusão em toda a sua abrangência, envolvendo a inclusão de grupos vulneráveis (as crianças, os jovens, os idosos e as mulheres com deficiência) nas comunidades quilombolas, indígenas etc.; envolvendo questões de gênero, etnia, opção sexual/sexualidade de pessoas com deficiência ou não, envolvendo a opção linguística (educação bilíngue ou monolíngue) e a opção comunicacional (uso da língua de sinais, oralização e outros) dos surdos; envolvendo questões relativas à empregabilidade das pessoas com deficiência; questões de acessibilidade aos espaços físicos, acessibilidade à comunicação, acessibilidade aos serviços médicos e hospitalares pelas pessoas com deficiência; bem como envolvendo questões relativas ao lazer e ao esporte da pessoa com deficiência, e demais temas relacionados; 2 - oferecer orientação/consultoria aos centros, aos departamentos, aos laboratórios, às bibliotecas, à prefeitura, à reitoria e pró-reitorias, aos DAS e DCE, aos sindicatos etc., visando o acesso à melhor 64 qualidade de ensino e aprendizagem dos alunos e professores com deficiência; 3 - oferecer orientação/consultoria aos centros, aos departamentos, aos laboratórios, às bibliotecas, à prefeitura, à reitoria e pró-reitorias, aos sindicatos etc., visando o acesso à melhor qualidade de vida no trabalho aos funcionários/professores com deficiência 6; Nesses seis últimos anos em que tenho participado das atividades propostas pelo CEI, no âmbito das contribuições para a educação inclusiva, posso afirmar que os subsídios que se oferece ao trabalho docente, através de informações, problematizações, reflexões esteadas em constructos teóricos e legais da inclusão social, incitam mudanças atitudinais que quando atingidas materializam, ética e cientificamente, os pilares da inclusão. No CEI construi/socializei aprendizagens, conheci pessoas firmei laços fraternos valorosas e que também motivavam a participação nos encontros presenciais. Hoje, Ana Rosa Aroucha, Fátima Amorim, Lauricéia, Christiane Cabral, Marize Silva, Mª de Lourdes Oliveira, Iris, Cris, Ernani Ribeiro, Paulo Vieira, Anderson Tavares, Gustavo Tavares, Rosangela entre outros também compõem a extensão da minha família. O Centro de Estudos Inclusivos tem um quantitativo significativo de partícipes, os quais sempre estão presentes em reuniões, eventos sobre acessibilidade, tecnologia assistiva ou através de contribuições no ambiente virtual, cujas discussões foram iniciadas em 21 de março de 2006 no espaço: http://br.groups.yahoo. com/group/centro_de_estudos_ inclusivos/ messages /1?l=1. Em 14 de dezembro de 2006, comecei a contribuir com questões, entendimentos, socialização de materiais para que a experiência formativa nesse ambiente de aprendizagem trouxesse outros ângulos de percepção acerca da inclusão. A minha primeira participação consistiu na construção e socialização de um registro de reunião presencial, nele é possível perceber conceituações 6 Informações contidas no convite de inauguração do Centro de Estudos Inclusivos. 65 apreendidas no curso das disciplinas que estudei como aluna especial na turma de mestrado (Vide anexo A). Num encontro vivenciado em 02 de fevereiro de 2007, o professor Francisco propôs que lêssemos, posteriormente, o texto da entrevista do Giba7 e analisássemos que barreiras atitudinais poderiam ser percebidas na superfície, nas frestas e na base das palavras. 5.1- As barreiras atitudinais podem se materializar em nossa linguagem e se cristalizar em nossas ações Continuando a relatar o percurso de construção do conceito de educação inclusiva e da percepção de que as barreiras atitudinais surgem, muitas vezes, inconscientemente e são difundidas e tonificadas pela mídia, estratifico através de outro portfólio as aprendizagens construídas a partir das reuniões presenciais do CEI. Nesse exercício, fomos convidados a abrir a porta da análise do discurso para o estudo das barreiras atitudinais. 08/02/2007 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA As barreiras atitudinais se materializam em nossa linguagem, sem que as percebamos. “(...) Repara: ermas de melodia e conceito elas se refugiaram na noite, as palavras. Ainda úmidas e impregnadas de sono, rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.(...)” ANDRADE, Carlos Drummond de. Procura da poesia. Larissa Purvinni entrevistou o jornalista Gilberto di Pierro. A temática foi a vida das pessoas que têm síndrome de down. Debruçando-nos sobre as afirmações dele, vemos o quanto o “verbo pode se fazer carne”, uma “carne” petrificada nas raízes de nossa sociedade, uma “carne” que obsta a construção de uma sociedade de todos, para todos e com todos. 7 Disponível em http://br.groups.yahoo.com/group/centrodeestudos_inclusivos /message /1040 e nos anexos do presente trabalho. 66 Giba é jornalista, pai de três jovens, e um deles tem síndrome de down. O jornalista afirma, na entrevista, que apenas se preocupou com as pessoas com deficiência a partir do momento em que sentiu dificuldades em lidar com suas expectativas em relação ao filho que nascera, em relação ao olhar de algumas pessoas. Mas a palavra, essa é “úmida”, como diz o poeta, é “impregnada de sono”, e no sono deixamos que nossos pensamentos mais reprimidos venham à tona. As palavras, meus caros, são traiçoeiras; revelam o que há de mais belo, mais verdadeiro, ou mais cruel no ser humano. Nossas ideologias penetram clandestinamente na superfície do nosso discurso, percebam, pois, como elas – as palavras – podem materializar os preconceitos e as barreiras atitudinais que nutrimos em relação à pessoa com deficiência. Somos frutos e somos construtores dessa sociedade que hoje luta, ainda timidamente, pelo direito de todos. Mas as barreiras para que a equidade em direitos seja uma verdade estão em nós, sujeitos sociais que alimentamos uma postura cognitiva/afetiva/social a qual vem de encontro aos interesses, necessidades, a vida das pessoas com deficiência. Será que há como fugir do etnocentrism?, nem o Giba, pai de um jovem com down, estudioso, preocupado com a “socialização” (embora que pseuda) da pessoa com deficiência escapa dessa armadilha. Na referida entrevista, em que ele fala sobre sua trajetória de pai de uma criança com síndrome de down e pesquisador das características da síndrome, o Giba demonstra as várias barreiras alimentadas pela palavra, pela comunicação. Observando atentamente, suas afirmações, constatamos: Comparação: comparação de competências de pessoas com ou sem deficiência, pessoas de classes baixas X pessoas de classes altas, pessoas com “nível superior” X pessoas “sem informação”. [...] Esses dois últimos binômios, segundo o entrevistado, são fatores determinantes para que a família tenha a “cabeça desenvolvida”, portanto, na visão dele, só as pessoas de “classes altas” e “nível superior” estariam preparadas para lidar com a síndrome. Ainda bem que era com a síndrome, embora pareça de fato que ele estava se referindo à pessoa com síndrome de down, na substantivação “o Down”. [...] Numa coisa temos de concordar com o entrevistado: “as pessoas devem saber que é preciso ter uma responsabilidade comunitária”. Pensando nessa responsabilidade com o outro, com nós mesmos, com a vida, convidamos todos a ler a entrevista na íntegra, publicada na revista Pais & Filhos, publicada em janeiro de 2007. Os textos midiáticos muito influenciam as posturas de quem a eles têm acesso. Devemos nos preocupar com o eco das palavras de uma pessoa como o entrevistado, pois a ele serão dados muitos créditos, seja por ser pai de uma pessoa com deficiência, seja pelo trabalho comunitário e as pesquisas que realizou. Imaginem quantas posturas inadequadas podem surgir com a internalização de muitas das ideias expostas na entrevista! Como vimos, ninguém está livre de escorregar na superfície das palavras. Sobre a face aparentemente neutra, perguntemos, investiguemos as “mil faces secretas”, como diria Drummond, palavras que “ rolam num rio difícil e se transformam em desprezo”, palavras que servem como justificativa para as barreiras atitudinais. 8 8 Vide portfólio na íntegra – Anexo B. 67 Palavras como as do Giba nos fazem compreender porque, muitas vezes, a inclusão é o caminho não escolhido. Perceber esse discurso a partir das lentes da filosofia inclusivista é ver que as receitas de compreender e interagir com a pessoa com deficiência devem ser decalcadas em sentido assimétrico. Esse entendimento ancora-se nas reflexões propostas pelo coordenador do CEI, nos debates presenciais e virtuais. Um estrato de mensagem enviada para o grupo sobre a análise do discurso do Giba traz assertivas que foram centralidade para as reflexões acerca das bases da inclusão e possibilitam a compreensão sobre os elementos impossibilitadores da efetivação dessa filosofia. 08/02/2007 Olá, meus caros colegas: [...] buscando oferecer subsídio para nossas discussões, venho trazer alguns comentários ao texto transcrito na íntegra, ao pé desta mensagem. Dele, extraí alguns trechos, os quais ofereço uma interpretação, a qual é apenas uma das muitas possíveis. Reflitam! Na entrevista vocês lerão afirmações como: “Eu ainda encontro pais que continuam inconformados, eles ainda tentam fazer dos filhos absolutamente normais. E este bloco se baseou na inclusão, o que é uma crueldade. Quando a criança é bem pequena, você tem escolas pagas que aceitam sem problemas. Não existe mais essa resistência, isso é exagero da novela. E nessas escolas, quando a criança ainda é pequenininha, dá para alfabetizar. Num suposto ensino fundamental, começa o problema, pois um amiguinho rejeita o outro." Bem, aqui o entrevistado parece não conhecer a realidade das pessoas com deficiência, menos ainda, das pessoas com down! Dizer que as escolas não rejeitam crianças com deficiência é alucinar mesmo! Em que planeta está este senhor?[...] O entrevistado também erra em falar que o processo de "normalização está baseado na Inclusão. De fato, a normalização teve início bem antes e recebeu e recebe críticas importantes, até os dias de hoje. Assim como a Integração (que veio depois da Normalização), a Normalização teve papel crucial na construção do que hoje conhecemos como Inclusão, porém, é erro crasso, dizer que a Normalização está baseada na teoria da Inclusão. Com efeito, pode ser que nem seja erro, porém intenção, visto que muitos que se dizem favoráveis à Inclusão, valem-se do discurso inclusivo, para, contra a Inclusão trabalhar. [...] 68 Notícias para esses faladores da segregação: As pessoas com deficiência não aceitam mais que, por elas, pessoas como o entrevistado, falem, ditem as regras, decidam! "Nada sobre Nós sem Nós", eis o lema. E este não é letra morta. [...] A fala do entrevistado traz muito mais que meras palavras de um pai, cujo filho tem síndrome de down; de um pai que teve muitos anos de experiência com muitos outros pais de filhos com síndrome de down etc. A fala desse entrevistado representa toda uma compreensão de mundo, toda uma história que nos moldou e que de tanto enraizada em nós está, que não percebemos da sua influência sobre nossos atos e discursos. Muito ainda há para se falar da matéria, contudo, deixo-os agora com a íntegra da entrevista, para a leitura e reflexão de vocês. Cordialmente, Francisco Lima9 O entendimento da origem, da conceituação, da taxonomia, das formas de manifestação das barreiras atitudinais, bem como dos prejuízos trazidos à pessoa com deficiência pela manutenção desses obstáculos e ainda do percurso para a eliminação deles é uma trilha sem fim iniciada desde o momento em que abri a porta de acesso ao conhecimento de que a inclusão é uma filosofia que exige ações: a ação de estudo contínuo; a ação de respeito e luta pela efetivação dos direitos humanos; a ação de buscar construir a consciência inclusivista individual e de contribuir para que se delineie o despertar/a mentalidade da coletividade; a ação de transformar a sociedade de alguns em espaço para todos; a ação de reconhecer que só se constrói pilares inclusivos na escola se todos estiverem engajados no processo. Nesse trajeto, compreendi que não há fôrmas, não há espaço para generalizações, padronizações ou particularização nas formas de interagir, de contribuir com a educação dos alunos com deficiência. Essa percepção também se ancora em palavras como a do Fábio Adiron que em um texto intitulado “Vaticínios Trissômicos”, estudado em uma das reuniões do CEI, traz um “decálogo abúlico”, no qual, através de linguagem irônica, o autor apresenta aos leitores os percursos estereotipados que a sociedade indica para que os pais, familiares e amigos possam “lidar” com a pessoa com deficiência. O texto, já em seu intróito, vai provocando estranhamento no leitor, seja porque o leitor já ouviu e/ou recebeu, forneceu tais orientações a alguém, seja 9 Vide mensagem na íntegra – Anexo C. 69 porque as acha demasiadamente absurdas. Orientações que de um jeito ou de outro são nutridas pelo senso comum, pelas ideologias e como diria Pedro Demo (1995), pelo infinito número de “doutores treinados”, bons na competência formal e ingênuos ou malandros no plano dos conteúdos, usuários de uma ideologia inteligente que se traveste de ciência, ou melhor, de um discurso que se maquila de inclusivo para sustentar ações excludentes Ancorados no senso comum, aparentemente “marcado pela falta de rigor lógico, espírito crítico, muitos procuram o bom senso ao mesmo tempo simples e inteligente, sensível, óbvio” (DEMO,1995, p.18), para agir diante da pessoa vista como desviante. O senso comum sustenta as crenças de incapacidade, o sentimento de pesar e tantas outras barreiras atitudinais nutridas por todos aqueles que dele fazem uso por constituir o saber comum que organiza o cotidiano da maioria. Um saber que histórica e frequentemente concedeu à pessoa com deficiência não uma, mas a condição sub-humana. Alhures, baseados nas ideologias, há os que cumprem um papel justificador de posições sociais vantajosas. (...) Ideologias intrinsecamente tendenciosas, no sentido de não encarar a realidade assim como ela o é, mas como gostaria que fosse, dentro de interesses determinados. Para deturpar a realidade de acordo com seus interesses a ideologia usa de instrumentos científicos, no que pode adquirir extrema sofisticação. Pode chegar à mentira, quando não só deturpa, mas inverte os fatos, fazendo de versões, fatos. (...) Ideologia é compreendida como sombra inevitável do fenômeno do poder, que dela lança mão para se justificar. Pode ser sagaz, não diz que é poder, que deseja dominar, que busca vassalos, que detesta contestação. Diz que é participação, desígnio de Deus, mérito histórico, boa intenção em favor dos fracos. Ideologia não é apenas sistema de crenças mundiais, maneira particular de ver as coisas, mas especifica justificação de serviço do poder (DEMO, 1995, p.19). Com sarcasmo, é deste lugar de supremacia que Adiron “veste-se” com a “formalidade”, a “seriedade” e o “poderio” de quem em situação estratégica tem ditado regras, determinado o quotidiano de quem possui uma deficiência. Colocando-se como “oráculo supremo da sabedoria”, o autor em seu “decálogo abúlico” clarifica os estigmas, estereótipos nutridos em razão da deficiência por aqueles que desconhecem o potencial da pessoa humana. O texto é concluído com 70 a seguinte citação do João Guimarães Rosa: ‘ O homem nasceu livre para aprender, aprender tanto quanto a vida lhe permita’ Assim, a relevância de todos nós, atores políticos, responsáveis pela existência de outrem tanto quanto pela nossa, querermos conjuntamente mais amor, solidariedade, respeito à pessoa humana, afinal somos “eus”, como diria o professor Francisco, que buscam aprender tanto quanto nos permitem os outros, tanto quanto pertencemos não apenas à espécie, mas ao gênero humano. Nas palavras de Duarte (1993), esse processo de genericidade é referente ao modo como cada indivíduo aprende a ser homem, pois o que a natureza nos dá quando nascemos não nos basta para vivermos em sociedade. Um dos aspectos que fragiliza a convivência em sociedade é a confusão que se faz entre doença e deficiência. O conceito de doença aplicado a uma pessoa faz da pessoa um paciente que merece ser tratado, talvez por isso muitas famílias vivam em função da deficiência e se eliminem, por exemplo, depositando na criança o ônus de seus insucessos. (CERIGNONI; RODRIGUES, 2005). É na família que, muitas vezes, o rótulo de desviante é sobreposto à criança. O modo como a própria estrutura e ideologia do sistema social devem sempre confirmar e perpetuar este rótulo, e como ele, eventualmente, se prolonga durante a vida adulta são elementos que estão na base dos estudos sobre barreiras atitudinais praticadas contra a pessoa com deficiência. Certa vez, numa reunião presencial do CEI (08/11/2007), uma fala de um colega, o Juvi Passos, nos chamou bastante atenção: “Podem me chamar do que quiser, desde que meus direitos não sejam infringidos!”. Foi dito, na reunião, que precisamos ouvir as pessoas com deficiência para sabermos que caminhos devem ser percorridos de modo a contribuir para o empoderamento dessas pessoas. Muitas teorias já foram escritas, muitas discussões já refletiram sobre a nomenclatura mais apropriada para fazer referência à pessoa com deficiência; tentativas que, por vezes, nutrem a barreira atitudinal da generalização ou tiram da pessoa com deficiência o direito de ser reconhecido como sujeito singular, que apresenta como uma de suas características a deficiência. Por que temos de nomear o outro? Por que necessitamos de classificações, distinções? Tendenciamos 71 a buscar estratégias para nos protegermos em relação ao que nos parece desconhecido e, para tanto, criamos categorias e classificações, visando nos posicionar e posicionar o outro. Se a presença de uma pessoa com deficiência, geralmente, não passa “em brancas nuvens” (CRUZ, 1991), também não passam despercebidos os negros, as mulheres, as crianças, os pobres, a pessoa humana; pois a todo o tempo avaliamos o outro e essa atitude é resultado de construções sociais as quais nem sempre são favoráveis a leitura do Outro. Por esta razão, precisamos estar atentos para não derraparmos em nossas palavras, ações, posturas e não nutrirmos as ideologias históricas responsáveis pela manutenção das barreiras atitudinais geradas em razão do preconceito com as pessoas. Conseguir vivificar a atitude atenta, vigilante a erradicação das barreiras sociais é também tonificar a compreensão de que incluir é aprender a viver com o outro, como diz Delors em seu relatório a UNESCO, ou melhor, incluir é viver, estar com o outro e cuidar do outro, ter um cuidado não no sentido caritativo, paternalista, mas na essência da humanização, da empatia. Incluir implica a valorização da diversidade, pois na comunidade humana não há como se exigir simetrias. Incluir é [...] uma questão de PRINCÍPIO. Não dá para com jeitinho incluir ou incluir mais ou menos. Ouço dizer que é muito difícil conviver com pessoas com deficiências, que é complicado entendê-las, educá-las, aceitá-las, mas que temos o dever de nos relacionarmos com elas. Façamos um exercício extremamente rico, vamos ter um olhar às avessas para isso: difícil é não entendê-las, não educá-las, não aceitá-las. Eu vou além: temos mais que o DEVER, temos o DIREITO de nos relacionarmos com elas. Isso muda tudo. Quem se dispõe a experimentar está se dando a chance fantástica de crescer, pois, ao se ver espelhado no outro, descobre a riqueza do humano. (PELLEGRINELLE, 2004, p. 35) Essa compreensão tem sido intensamente socializada com outros professores desde que os saberes que construí, nessa trajetória formativa, começaram a ser difundidos no exercício da docência no curso superior. No ano de 2008, abri então outra porta, cuja singularidade me conduziu a estudar a inclusão em outras faces e fases. 72 5.2- A docência no Ensino Superior Em fevereiro de 2008, comecei a trabalhar no curso de licenciatura em Letras, das Faculdades Integradas de Vitória de Santo Antão (FAINTVISA), lecionando as disciplinas de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira, Teoria Literária, Leitura e Produção Textual, e no curso de bacharelado em Administração, lecionando a disciplina de Português Instrumental. Nesse período, eu ainda atuava na escola Recanto Infantil, em Recife, durante os dois expedientes diurnos e trabalhava na FAINTVISA à noite. Foi um desafio! Atuar na Educação básica e em classes especiais tinha sempre um sabor diferente, a cada dia, a cada experiência que sendo docente também o é autoformativa. Trabalhar no curso de bacharelado e de licenciatura era efetivar o compromisso ético com a proposta que eu agora defendia: a inclusão. No bacharelado em Administração, entre as orientações para a construção de redações oficiais, de textos escritos e orais estavam as provocações para que os alunos refletissem sobre o discurso por trás do discurso, sobre a atuação da equipe de recursos humanos dentro de uma empresa, a inclusão era também o conteúdo em pauta. No curso de licenciatura em Letras, discutir preconceito linguístico imbricado a preconceito de classe era discutir também barreiras atitudinais. Estudar literatura era perceber também as representações sociais que os textos difundem sobre o gênero humano. Fazer refletir sobre as formas do dizer era fazer perceber que o discurso abre, fecha e consolida um espaço de valoração da pessoa humana. Ainda em 2008, trabalhei como professora de inglês instrumental, no curso profissionalizante ofertado pela UPE (Universidade de Pernambuco) Virtual. Comecei a me interessar pelo ambiente virtual de aprendizagem. Experiência ímpar! Nesse ano, deixei de trabalhar na escola Recanto e ingressei na rede estadual de Ensino no município de Moreno e depois em Vitória de Santo Antão, onde atuo até o momento. Em 2009, na FAINTVISA, assumi disciplinas no curso de Pedagogia: Prática e Pesquisa Pedagógica; Literatura Infantil, jogos, brinquedos e brincadeiras; Seminário 73 Integrador III: Gestão democrática na escola. Trabalhando em três cursos (Letras, Pedagogia e Administração), propunha sempre atividades interdisciplinares e como foi interessante ver no semblante dos alunos a descoberta de que os saberes não devem ser tratados como gavetinhas incomunicáveis! Na docência no curso superior, tenho tido condições de trazer a axiologia da inclusão como conteúdo que perpassa todas as licenciaturas e bacharelados, pois acredito que as barreiras atitudinais podem ser eliminadas se cada profissional em sua formação inicial e contínua for instrumentalizado para realizar a auto e a hetero avaliação de atitudes sociais e mais, for orientado a promover um desenho universal em toda ação profissional empreendida. Em 2010, fui convidada a construir os livros que compõem a leitura básica obrigatória da disciplina de Educação Inclusiva do curso de licenciatura em Pedagogia, modalidade à distância, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), onde atuo até o momento como professora executora da disciplina. O professor Francisco Lima esteve ombro a ombro trabalhando comigo na construção da ementa e dos materiais da disciplina. Depois, a professora Fátima Amorim, uma pessoa muito especial, sensível e competente, a qual conheci no CEI, juntou-se a nós nesse percurso de construção conjunta que pretende contribuir para a formação de professores conscientes de seu papel na escola para todos. As atividades docentes efetivadas na educação básica, no curso superior e depois na pós-graduação lato sensu refletem as aprendizagens construídas, a luta para a construção de espaços mais democráticos, a crença incondicional nas potencialidades da pessoa humana e o compromisso com a educação e a ciência. Nesse percurso laboral no curso superior, tenho estimulado graduandos e pós-graduandos a participar de ações sistematizadas pelo Centro de estudos inclusivos: como as três mostras de áudio-descrição (2008, 2009, 2011), as mostras de tecnologia assistiva (2009, 2011), as palestras sobre acessibilidade (2010, 2011). Creio que tais eventos têm ajudado a abrirmos novas portas rumo à efetivação da inclusão nos ambientes laborais e formativos em que esses profissionais em formação inicial já atuam. 74 5.3 – A docência na pós-graduação lato sensu O ingresso como docente nos cursos de pós-graduação aconteceu por solicitação dos graduandos. Uma turma de especialização, em Leitura e Produção Textual, com a qual eu não tinha trabalhado na FAINTVISA, solicitou formalmente a orientação para a construção dos projetos de pesquisa e dos trabalhos monográficos: Alfabetizar e letrar: as contribuições da Literatura Infanto-Juvenil no fazer pedagógico (ANDRADE, 2009); A leitura e a escritura nas escolas: refletindo a prática docente (LIMA, 2009); O texto na sala de aula: perspectivas contempladas nos livros didáticos de Língua Portuguesa (GONÇALVES, 2009); Literatura de cordel: caminho para a formação de leitores (GOMES, 2009); Literatura Infantil e Interdisciplinaridade: uma proposta através da obra Chapéu Mau e Lobinho Vermelho (CRUZ, 2009). A orientação desses cinco trabalhos foi uma experiência valorosa. Estudamos juntos, construímos caminhos. Busquei socializar o que havia aprendido com Gilberlande, Maria Lucia, Fátima Amorim, Francisco e Hugo sobre pesquisa, metodologia científica, produção textual. Fomos pesquisando, dialogando, construindo ciência. A minha primeira orientanda foi a minha irmã, Cinthia, fonte inesgotável de alegria, de acolhimento. Experienciei com ela o tatear da construção de um trabalho de conclusão de curso, às vezes, ríamos porque ela era a única aluna que morava com a orientadora e estava em constante processo de construção, de reescritura do texto, de reelaboração. Desde que ela ingressou no curso de Letras e na docência temos construído e socializado muitos projetos juntas. Os meus cinco orientandos, Cinthia, Emerson, Geyse, Adriana, Daniela publicaram seus trabalhos em anais, revistas, livro, por acreditarmos que a produção científica deve ser socializada, deve provocar reflexão, mudança, transformação, precisa chegar à escola e dela emanar. Depois, outro grupo de alunos do curso de especialização em Processos educacionais e gestão começou a participar dos seminários integradores (temática: gestão da educação e da escola) que eu ministrara no curso de licenciatura em Pedagogia. Os graduandos solicitaram, no decorrer do trajeto, orientações para a 75 construção dos trabalhos de conclusão de curso: A construção de valores humanos no espaço escolar: uma análise no grupo escolar José Teobaldo de Azevedo Limoeiro PE (GOMES, 2010); A função dos jogos e brincadeiras para o desenvolvimento integral das crianças na educação infantil (PRUDENTE, 2010); Educação Inclusiva: desafios, barreiras e perspectivas (SILVA, 2010); A importância do brincar na Educação Infantil. (SILVA, 2010); As perspectivas do profissional de educação na unidade prisional da Vitória de Santo Antão (ALMEIDA, 2010). Em meados do segundo semestre de 2009, as Faculdades Integradas da Vitória de Santo Antão ofereceu um curso de pós-graduação em Educação Especial, coordenado pela professora Leila Medeiros. Ela foi minha professora na disciplina de Psicologia, na graduação, mas naquela época, não nos aproximamos tanto. Leila acreditou que eu poderia fazer um trabalho consistente e perguntei-lhe: Mas eu só tenho especialização. A coordenação geral de pós-graduação aceitará a indicação para docência? Leila respondeu: - Eu sei o que estou fazendo. Será ótimo para os alunos. E, na verdade, você já faz parte do corpo docente da pós. Minha coordenadora e amiga começara a me incentivar a cursar o mestrado. Pediu que eu participasse da construção do livro: “Sexualidade e gênero: construções na diversidade cultural e nas práticas educativas”, organizado por ela e publicado pela Libertas em 2010. Nesta ocasião, eu estava vivenciando a implantação de um projeto sobre o tema na escola pública e socializei o processo e os resultados da intervenção através do texto: “A Constituição do Gênero: reflexões sobre a intervenção pedagógica”. Leila, é, para mim, uma fonte segura para o compartilhar de dúvidas, desejos, sonhos, angústias também presentes no meu percurso formativo/existencial. No curso de pós em Educação Especial da FAINTVISA 10, lecionei a disciplina: Práticas de inclusão e intervenções em Educação Especial. Cheguei com tanta 10 Supervisões e orientações concluídas - Monografia de conclusão de curso de aperfeiçoamento/especialização em Educação Especial Vanessa Maria Barbosa de Amorim. Contribuições das aulas de Educação Física Escolar na melhoria da qualidade de vida dos alunos com Síndrome de Down. 2010. Monografia. (Aperfeiçoamento/Especialização em Aperfeiçoamento/especialização em Educação Especial) - Faculdades Integradas da Vitória de Santo Antão. Orientador: Fabiana Tavares dos Santos Silva. 76 vontade de que aqueles alunos fossem multiplicadores da inclusão, promotores da acessibilidade que, como fruto desse primeiro trabalho, e sob a pressão dos alunos, fui intimada a lecionar a disciplina de Educação Formal, Informal e Não-formal. Visitamos o presídio para compreender outras faces, naturezas, objetivos da educação, fomos a APAE – Recife (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), convidamos pessoas da comunidade para falar como percebiam e vivenciavam a inclusão. Essa turma de pós era composta por professores de educação física, de música, intérpretes de Libras, psicólogos, mestres em educação, psicopedagogos e, nesse quadro diverso, aqueles encontros tornaram-se laboratórios em que a aprendizagem foi se firmando em bases significativas, filosóficas, legais, científicas, empíricas. Promovi encontros dos alunos da pós com os da licenciatura em Letras e em Pedagogia. Os graduandos estavam desenvolvendo um trabalho sobre a educação no sistema prisional, os letrólogos implantaram na cela de aula do presídio de Vitória de Santo Antão um projeto, sob minha coordenação, para que se discutisse/construísse o gênero poema como fio condutor da reflexão, da vivência da sensibilidade, num espaço em que se busca a humanização e a ressocialização. Os pedagogos fizeram pesquisa de campo, entrevistas com professoras atuantes no presídio, entrevistas com alunos internos. Dessas atividades surgiram os minicursos efetivados pelos graduandos, cuja clientela alvo era os alunos da pós-graduação e professores das escolas da GRE Mata Centro (Gerência Regional de Educação da Mata Centro). Os resultados desse trabalho foram muito gratificantes, pessoas que ensinavam em presídios disseram que jamais tinham comentado o assunto porque estar neste espaço é também ser vitimado por preconceito e discriminação. Isso sinaliza que quando a clientela educacional é alvo de barreiras sociais, muitas vezes, os professores que atuam com ela também vivenciam processo semelhante. Josefa Gerusa de Matos. O processo de ensino-aprendizagem de uma criança com hiperatividade: Uma revisão da literatura. 2010. Monografia. (Aperfeiçoamento/Especialização em Aperfeiçoamento/especialização em Educação Especial) - Faculdades Integradas da Vitória de Santo Antão. Orientador: Fabiana Tavares dos Santos Silva. 77 Em parceira com uma das professoras que atuava no presídio, Veridiana Almeida, construí o artigo “Educação entre as grades: as perspectivas dos docentes da EJA na Unidade Prisional de Vitória de Santo Antão”, publicamos o texto na revista ATHOS - Revista de Estudos Integrados das Faculdades Integradas da Vitória de Santo Antão (2010, p. 141-158). E ainda como forma de socializar a experiência docente vivenciada no presídio, apresentei, na modalidade de comunicação oral, o trabalho “A poesia na cela de aula: a produção textual de indivíduos em situação de privação de liberdade” no SINALGE - II SIMPOSIO NACIONAL LINGUAGENS E GÊNEROS TEXTUAIS Universidade Estadual da Paraíba, em 2009. No fim do segundo semestre de 2009 e início de 2010, lecionei a disciplina Técnicas de revisão textual, no curso de pós-graduação lato sensu em Leitura e Produção Textual, coordenado pelo professor José Ricardo. Ele me convidou para publicar algum escrito no livro organizado pela Ivanda Martins: Linguagem, Leitura e Produção Textual, publicado pela Baraúna. Colaborei fornecendo o texto “Contribuições da teoria da andaimagem para a promoção da leitura literária em Classes de Projetos Especiais”. Em junho de 2011 e em março de 2012, lecionei a disciplina Fundamentos Pedagógicos para o Trabalho com Portadores de Necessidades Especiais, nos cursos de pós-graduação em Educação Especial da Faculdade Joaquim Nabuco (Recife). O mais gratificante desse percurso tem sido ver outras pessoas vivenciarem um processo semelhante ao que experiencio, cotidiana e continuamente, desde que abracei os princípios inclusivistas como fio condutor do meu trabalho pedagógico e vivência: a percepção e desconstrução de barreiras atitudinais. 5.4 – O pesquisador em formação: a pós graduação stricto sensu 5.4.1- Por entre os obstáculos, o tatear Do final de 2007 até o ano de 2010, não tive mais condições de participar das atividades presenciais do CEI. Em 2008, frequentei um curso de metodologia 78 científica, oferecido na HMF Assessoria Pedagógica, sistematizado pelo professor Hugo Monteiro Ferreira, e comecei a delinear a construção do projeto de mestrado. Tive de interromper o processo de construção, saí do curso, a minha família precisava mais de mim. Algum tempo depois, sob a compreensão de que a inclusão é algo que perpassa todas as áreas do saber, todas as disciplinas, resolvi ler a bibliografia de duas das áreas contempladas no mestrado em Educação na UFPE (Formação de Professores e Prática Pedagógica e Didática dos conteúdos Específicos) para ter condições de decidir que caminho percorrer. Estudei os teóricos e livros indicados como leituras obrigatórias, produzi fichamentos e mapas conceituais para facilitar a apreensão do conteúdo. O caminho escolhido foi Formação de Professores e Prática Pedagógica. Li o projeto de mestrado de Lívia e o de doutorado de Iraquitan, tinha uma ideia de como o gênero é estruturado e comecei a construir os primeiros traços. Discuti sobre o texto com a Lívia, a Ednea, a Leila, a Mária Lúcia e a Fátima Amorim. Fátima passou horas me explicando cada subsessão do gênero e revisitando a coerência do que eu havia delineado. Projeto pronto, intitulado “A prática docente e as barreiras atitudinais frente ao aluno com deficiência”. A inscrição não foi homologada. O argumento registrado no mural do PPGE/UFPE: não há docente nesta linha de pesquisa que oriente esta temática 11. Achei aquele discurso estranho, contraditório ao que eu percebera e aprendera. Primeiro, na linha de pesquisa havia algumas dissertações defendidas e em desenvolvimento sobre educação inclusiva, segundo, eu havia compreendido que os preceitos da inclusão faziam parte do acervo constitutivo da formação e da prática docente. O bom nesse processo foi que tudo o que eu aprendi ao ler os livros sugeridos foi socializado, principalmente, com os alunos da licenciatura em Pedagogia. As minhas aulas no curso tinham então o sabor de quem começa a redescobrir a dialogicidade na educação, a teoria freireana etc. 11 Vide anexo E. 79 Dediquei-me aos estudos de modo bem autônomo, participava da discussão na lista do CEI, vez ou outra, e mantinha contato não muito frequente com Ednea, Lívia, Fátima, Lauricéia, pessoas que se dedicavam ao estudo da inclusão; hoje minhas queridas amigas. Em 2009, duas amigas que trabalham na FAINTVISA, Cinthya Tavares e Sheila Roberta sugeriram que eu deveria retornar para as Letras e que esse retorno não excluiria o percurso que eu vinha delineando. Comecei então a participar de eventos realizados na UEPB (Universidade Estadual da Paraíba), conheci a professora Maria Goretti. Fiquei fascinada com o debate acerca da interculturalidade. Fui então conhecer o mestrado em Literatura e Interculturalidade nessa Universidade. Com o acervo de leitura que eu já tinha não foi tão difícil construir outro projeto de pesquisa. Elaborei então uma nova proposta, intitulada “A leitura literária e a formação da opinião do leitor empírico sobre o tema diversidade”. Arquivei o texto e numa ocasião em que fui participar de um seminário sobre sexualidade na UEPB, enviei-o com antecedência para a professora Goretti. Ela se interessou pelo tema, disse que gostaria de ser minha orientadora, caso eu fosse aprovada na seleção, e que o trabalho estava consistente. Infelizmente a professora adoeceu algum tempo depois e enviou uma mensagem dizendo que estava se afastando de todas as atividades laborais, mas que havia outros professores no programa que certamente se interessariam pelo projeto. Eu precisava de uma declaração de algum professor dizendo do interesse pelo tema, esse documento fazia parte da inscrição para seleção. Observando atentamente os currículos dos professores, encontrei Helena Parente Cunha, ensaísta, poeta, contista, romancista, professora e tradutora e pessoa muito sensível. Li alguns textos escritos por ela. Gostei. Então, decidi contar-lhe sobre o contato com a professora Maria Goretti e a minha intenção em participar do processo seletivo, enviei-lhe o projeto, situado na linha de pesquisa Estudos Socioculturais pela Literatura. Após alguns dias, a professora Helena escreveu um e-mail solicitando meu número de telefone. Foi uma grata surpresa quando ela ligou para saber do meu 80 percurso profissional, da percepção que eu tinha da pessoa humana, da ciência, da docência, da literatura. Ao fim da conversa, Helena disse que mesmo morando no Rio de Janeiro e eu no interior de Pernambuco seria um prazer fazer parte desse percurso, que eu demonstrava segurança, sensibilidade, ciência, que seríamos parceiras na empreitada. O que mais me surpreendeu neste processo é que o projeto, de algum modo, trazia como centralidade o estudo sobre as barreiras atitudinais, tema que foi recusado na seleção na UFPE. Vez ou outra conversávamos por e-mail. Eu estava feliz porque uma pessoa sensível, competente como Helena, tinha ratificado a pertinência do percurso acadêmico/formativo, discursivo que eu vinha construindo. Próximo ao período de seleção, fui participar de um congresso internacional de tecnologia na educação, realizado no Centro de Convenções em Olinda, lá encontrei Ana Rosa. Conversamos sobre o caminho acadêmico que eu estava percorrendo e Aninha insistiu que eu deveria novamente participar do processo seletivo na UFPE. Pensei muito, tanto que decidi fazer a inscrição no último dia, por insistência agora da minha família e de Ana Rosa. Aquele texto que havia sido reprovado por falta de orientador recebeu um novo formato, título, objetivos e metodologia. Pedi a Leila que lesse o texto e indicasse se qualitativamente era interessante investir no percurso. Resposta afirmativa. Sem expectativa e sem que o professor Francisco Lima, meu possível orientador, imaginasse, fiz a inscrição, que foi homologada e segui nas demais etapas do processo. Reli meus fichamentos, voltei a ler textos em inglês sobre a temática e fui caminhando pelas etapas do processo seletivo, atingindo em cada uma a nota máxima ou algo bem próximo a isto. Nem acreditei quando no final do percurso observei que seguindo a ordem da pontuação específica e geral eu fui classificada como a primeira colocada da linha de pesquisa e do programa como um todo. Passei algum tempo para processar que eu estava ingressando em outra etapa da minha formação e que não tinha sido o trajeto que eu havia planejado para aquele momento. Foi difícil dizer a professora Helena que eu ficaria por aqui. Iniciei o curso com muita vontade de aprender e trazer para a prática pedagógica os saberes construídos. 81 5.4.2- Contribuições das disciplinas no curso de mestrado Durante o curso das disciplinas de mestrado encontrei professores muito interessados em trazer contribuições para que eu refletisse sobre o objeto de pesquisa a partir de outras lentes, mas também encontrei quem afirmasse que “o professor de português, matemática ou de outra área que não a pedagogia quando resolve estudar essa coisa de inclusão é porque não é bom profissional em sua área de atuação”. Fiquei impactada com a concepção reducionista de educação que se cristalizava neste discurso, o qual demonstrava a incompreensão da inclusão e o desrespeito e até preconceito com os estudiosos da área. Em contrapartida, para nutrir o meu espírito e de outros dois alunos pesquisadores da inclusão, Andreza Nobrega, minha atriz preferida, e Anderson Tavares, amigo-primo especial, outros professores caminharam conosco, questionaram, demonstraram interesse em compreender o que objetivamos, no que acreditamos. As oito disciplinas cursadas em 2010 proporcionaram a ampliação da compreensão acerca das bases sociológicas, legais, filosóficas, pedagógicas, psicológicas da educação em nosso país. No primeiro semestre do mestrado, cursei três disciplinas: “Fundamentos Sócio-Econômicos e Político da Educação”, ministrada pelos professores Alice Botler e Daniel Rodrigues. No percurso dessa disciplina foi possível analisar as barreiras atitudinais sob os constructos teóricos da sociologia da educação, construi o artigo intitulado “As barreiras atitudinais na relação professor e aluno com deficiência: reflexões à luz das teorias sociológicas bourdieusiana e foucaultiana”, publicado na Revista ATHOS (Revista de Estudos Integrados das Faculdades Integradas da vitória de Santo Antão.) O artigo apresenta, numa perspectiva de síntese, um projeto de pesquisa stricto sensu sobre as barreiras atitudinais que podem ser praticadas por professores contra os alunos com deficiência. Tais barreiras interferem e, mesmo, impossibilitam a educação desses alunos, pois compreendem posturas afetivas e sociais que se traduzem em discriminação e preconceito. Comenta-se, sumariamente, à luz das teorias sociológicas bourdieusiana e foucaultiana, as relações de poder que podem ser exercitadas durante as interações escolares. Conclui-se que as barreiras 82 atitudinais, sustentadas por essas relações de poder, marginalizam a pessoa com deficiência, deterioram-lhe a identidade de pessoa humana e restringem-lhe as possibilidades de desenvolvimento e de relação social. Por fim, esclarece-se que reconhecer e erradicar tais barreiras é possibilitar que o poder que permeia as interações na escola não se esvazie, mas seja pulverizado entre seus partícipes, empoderando-os para que das relações travadas na escola emanem respeito, justiça, fraternidade, ciência, direito de ser e pertencer. (TAVARES, 2010, p. 141-158). Na segunda disciplina, intitulada “Fundamentos Psicológicos da Educação e Teorias da Aprendizagem”, ministrada pelo professor Artur Gomes de Moraes, conheci mais profundamente muitas teorias psicológicas e o professor forneceu material de leitura complementar, o qual me ajudou a responder questões formuladas pelo meu orientador, como os conceitos de atitude, interação, interatividade e comportamento. O artigo produzido ao término da disciplina, intitulado “Rompendo as barreiras atitudinais na escola: as contribuições de Vygotsky e Wallon” foi publicado, a convite e parceria da minha amiga Leila Medeiros, no livro “Educação: território multicultural”, organizado por Lúcia Cordeiro et. al. e publicado pela editora Libertas (2010): [...] ao considerarmos que na interação social construímos significativa parte de nossas aprendizagens e adquirimos representações em relação aos grupos sociais (POZO, 2002), surge a necessidade de se investigar como na relação professor e alunos com deficiência as atitudes do docente materializam tais representações, configurando barreiras atitudinais que podem obstar o processo de escolarização desses sujeitos. (LIMA, TAVARES, 2008). As reflexões aqui propostas acerca deste tema estão ancoradas em teorias psicológicas que muito contribuíram para o entendimento do ser humano enquanto eterno aprendente. O que reafirma a percepção da complexidade dos fenômenos cognitivos, sociais, psicológicos presentes na escola, na relação professoraluno/aluno-aluno. Sob o manto dessa complexidade de componentes, sabemos que vários teóricos que se mobilizaram a discutir a díade Psicologia – Educação buscaram subsídios em outras ramificações científicas para explicar como se dá o desenvolvimento da inteligência e da aprendizagem em sua dimensão conceitual, procedimental e atitudinal. O exercício reflexivo que propomos parte de bases construtivistas, especificamente das contribuições de Vygotsky (1896-1934) e Wallon (1879-1963), dois autores que consideraram a perspectiva da psicologia genética, tomaram a dialética como fundamento epistemológico, demonstraram considerada atenção às 83 crianças com deficiência e conceberam a constituição das relações firmadas na escola como elementos essenciais nos processos de aprendizagem. Esses teóricos, seja por considerarem as relações sociais no processo de aprendizagem, seja por colocarem “a psicologia a serviço de uma educação que inclui toda criança, e não apenas as que alcançam bons resultados” (AMARAL, 2006), refletem a proposição filosófica da Educação Inclusiva: “Educação de Todos, com Todos e para Todos”, conforme apregoa/postula Lei de Diretrizes e Bases de 1996 e ratifica a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU,2006). (MEDEIROS; TAVARES, 2010, p. 186-187) A terceira disciplina cursada no período foi “Pesquisa em Didática de Conteúdos Específicos I”. As professoras Maria Lucia e Katia Melo propuseram reflexões sobre os elementos constitutivos do projeto de pesquisa e, em meados do semestre, convidaram os mestrandos para participarem da Jornada Pedagógica, ministrando minicursos ou oficinas. Andreza Nobrega e eu decidimos participar, conversamos com o nosso orientador e organizamos duas propostas para minicursos: “Jogos teatrais: percepção do corpo na sociedade inclusiva” e “Contação de histórias: uma vivência lúdica para crianças cegas através da áudio-descrição”. Foram momentos relevantes, de socialização sobre o que estudamos acerca da inclusão e da acessibilidade. Posteriormente, fomos informados que os partícipes dos minicursos solicitaram, através dos formulários avaliativos do evento, que a Universidade oferecesse curso de extensão ou pós-graduação lato sensu sobre áudio-descrição. No segundo semestre de 2010, cursei cinco disciplinas: “Tópicos atuais de Educação 1 e 2 - Temática: Introdução ao Estudo da Áudio-descrição, voltada à Educação. Os encontros coordenados pelo professor Francisco Lima resultaram numa busca incessante por aprender e aprimorar as técnicas de tradução visual. Três dos trabalhos construídos nas disciplinas foram publicados na RBTV - Revista Brasileira de Tradução Visual (http://www.rbtv.associadosdainclusao.com.br): “Contribuições da áudio-descrição no ensino de Artes”; “As Imagens nos Livros Didáticos de Língua Estrangeira” e “Reflexões sobre o pilar da áudio-descrição: ‘descreva o que você vê’”. Esses textos discutem as questões da acessibilidade das pessoas com deficiência visual às imagens que circulam em contextos educacionais, culturais e de lazer. 84 A terceira disciplina: Fundamentos Legais da Educação Inclusiva, ministrada pelo professor Francisco José de Lima, possibilitou a compreensão do contexto legal da educação inclusiva e o entendimento das frestas, ambiguidades, avanços, recuos da legislação brasileira. Foi possível reconhecer a trajetória da busca legal pela erradicação das barreiras atitudinais ao longo da historia. E, a partir daí, trazer essa construção interpretativa como capítulo da presente dissertação. Nesse período, também tivemos a disciplina de - Pesquisa em Didática de Conteúdos Específicos II, ministrada pela professora Maria Lucia. Durante as atividades realizadas nessa disciplina, especificamente na análise de trabalhos científicos à luz da metodologia e da nossa linha de pesquisa, fui sendo direcionada pela professora Maria Lucia a refletir sobre a pertinência de pesquisar o contexto das barreiras atitudinais no discurso científico produzido e socializado no PPGE – UFPE. A pesquisa começa a caminhar com um novo tom e direcionamento. Em “Fundamentos Filosóficos e Epistemológicos da Educação”, o professor Flávio Brayner propôs que ao refletirmos sobre os nossos temas de estudo, usássemos a alegoria da caverna, escrita pelo filósofo Platão. Esta alegoria fez-me recordar de todo o meu percurso: o que teria acontecido se eu tivesse continuado acorrentada nas várias situações de conforto, sem mover a cabeça em direção à ciência, principalmente, a teoria da inclusão? Eu continuaria olhando apenas para as paredes do fundo da caverna, para o que me apresentavam enquanto plano e projeto de educação especial? A filosofia inclusivista não nos permite ficar imobilizados porque incluir é verbo de ação, o qual quando verdadeiramente introjetado, compreendido, vivenciado fornece a motivação que o professor/pesquisador precisa para se aproximar e desmistificar as sombras projetadas no fundo da caverna. Como os prisioneiros da alegoria, muitas vezes, damos nomes às coisas, às pessoas, às situações sem realmente as conhecer. E “tomamos sombras por realidade”. Essa confusão, porém, não tem como causa a “natureza dos prisioneiros”, a nossa natureza, e sim as condições adversas em que nos encontramos e acostumamos a estar. 85 5.4.3 - A Libras, o Braille e a Áudio-descrição: trilhos da acessibilidade comunicacional Quando cremos e buscamos a educação para todos, inevitavelmente nos mobilizamos a conhecer recursos, tecnologias assistivas, códigos, caminhos que favoreçam a prática includente, a acessibilidade em todas as frentes de ação. A compreensão de que a ausência de conhecimento de elementos que possibilitam a acessibilidade comunicacional pode gerar barreiras interacionais, atitudinais e fragilizar o empoderamento da pessoa com deficiência mobilizou-me, então, a conhecer a língua de sinais, o braille e a áudio-descrição. Por hora, eu tenho sido a pessoa mais beneficiada neste processo porque desenvolvi outras habilidades, competências, acionei novos campos de aprendizagens e visualizei outros tantos caminhos laborais. Há seis anos tenho estudado a língua de sinais e os alunos com deficiência auditiva são de fato meus instrutores. É uma maravilhosa troca. Também tenho contado com a orientação e os ensinamentos de Jenisson, meu querido amigo e professor de Libras e, por vezes, recorro a Ronaldo, meu aluno, meu amigo, meu instrutor em Libras. Ambos vivem com tenacidade a inclusão na prática docente e nos trabalhos sociais que efetivam, são pessoas dedicadas a disseminar a crença de que todas as pessoas devem ter seus direitos linguísticos e sociais respeitados. Outro processo formativo valoroso tem sido a aprendizagem das técnicas da áudio-descrição. Sob o incentivo do professor Francisco Lima, participei do III e do IV curso de Tradução Visual “Imagens que falam”, respectivamente oferecidos em 2010 e em 2011. Tenho me dedicado a “aprender a ver”. No primeiro curso, conheci Liliana Tavares, grande parceira para os momentos de riso e de dor, conheci também Regina, Roberto, Patrícia, Flavia Machado etc. e junto a estes novos amigos tenho discutido sobre acessibilidade nos espaços de difusão cultural. No decorrer dos cursos de áudio-descrição, em parceira com meu orientador, foram produzidos os seguintes trabalhos: A áudio-descrição ausente nas propagandas eleitorais; Áudio-descrição: promovendo o acesso a informações visuais de pessoas do nosso convívio; Subsídios para a construção de um código de 86 conduta profissional do áudio-descritor; O surrealismo e a construção de imagens: contribuições da áudio-descrição para os alunos com deficiência visual ; Ler imagens: áudio-descrição da narrativa de Orlando Teruz; Áudio-descrição de animação: caminho para o letramento literário das crianças com deficiência visual; Chaves da Legitimação e da Aprendizagem Televisiva: Áudio-Descrição de um Herói Humano e de um Herói Mendigo (Estes artigos foram publicados ao longo das edições da Revista Brasileira de Tradução Visual/ RBTV.). Também escrevemos o texto: “Áudio-descrição: caminho para a acessibilidade e igualdade de condições na escola”, publicado no livro: “Educação: um mapa de múltiplas interpretações”, organizado por Eleta Carvalho, Ivanda Martins e Silvana Pina, publicado pela editora Libertas (2011). Ainda em 2011, construí, em parceria com Liliana Tavares, o relato “Áudio-Descrição Dinâmica e Interativa: O Empoderamento do Consumidor com Deficiência na XII Feira Nacional de Negócios do Artesanato, em Pernambuco”, publicado na RBTV volume 9. Durante os cursos, também refleti sobre as barreiras atitudinais, ratifiquei o entendimento de que ao estudar sobre esses obstáculos sociais inevitavelmente vêm à tona trans-questões que, consoante Tardif (2006, p. 186), “são aquelas que alimentam e atravessam (‘trans’) várias problemáticas e várias disciplinas, várias teorias e campos discursivos, vários projetos políticos, ideológicos, socioeducativos e pedagógicos”. No campo da áudio-descrição, as barreiras atitudinais podem obstar o empoderamento da pessoa com deficiência, fragilizar o serviço da áudio-descrição, quando, por exemplo, o áudio-descritor acreditando que o cliente não conseguirá compreender a obra, oferecer não apenas a tradução, mas a interpretação do que está sendo lido. O processo de inclusão comunicacional surge como resultante de movimentos históricos, ideológicos, filosóficos que se imbricam na compreensão do que é ser pessoa com deficiência e do reconhecimento do direito de todos a todos os eventos sociais. Estar engajado nesse processo, conhecer as ferramentas promotoras da acessibilidade, reconhecer que toda pessoa humana pode desenvolver potencialidades é buscar ser professor inclusivista. 87 O professor inclusivo/inclusivista, sob o manto da ética, é, portanto, aquele que imprime a sua marca, o ethos, à ação docente pautada pela atenção, prudência, sabedoria, ciência, verdade e pelo afeto, equilíbrio, compromisso com todos os alunos. Ao longo do processo formativo compartilhado aqui, mencionei situações, pessoas, questões, desejos, saberes. Falei do lugar do agora e olhei o passado como quem redescobri que o futuro é um contínuo de todas as frestas do que é importante e não apresentei neste espaço, do que desaguou neste momento e do que está no meu caminho singular e coletivo de constituição, de vir-a-ser. A cada pequena-grande etapa desta jornada, foi como se eu chegasse ao cume de longínquos montes, o que me faz relembrar a sensação suscitada por um sábio alerta de Magalhães Júnior: [...] Lembre-se chegar ao cume do monte é apenas parte do desafio. Lembre-se, também, de que para valer a pena, a subida tem que ser divertida, por mais que seja árdua. Quem decidir voltar antes terá minha compreensão e simpatia. Quem perseverar até o cume, ou morrer tentando , terá meu respeito. Quem compreender que o topo é só a metade do caminho e descer com vida é tão importante quanto subir, terá minha admiração. Terá conquistado o pico e transformado a si mesmo no processo. Terá aprendido que a vida continua depois da montanha. Terá aprendido a pedir e dar ajuda. Terá sido carregado e terá resgatado algum colega que ameaçava ficar pelo caminho. Vai compreender, por fim, que escalar um monte não é algo que se possa fazer sozinho, por maior que imaginemos ser a nossa suficiência. Vai entender que é a escala, e não a conquista do topo, que nos define . (2007, p. 199-200). Mergulhar nas memórias, abrir portas, resgatar momentos de crescimento espiritual, científico, fraterno, rememorar apontamentos de aprendizagem foi buscar, qual escafandrista, dentre tantas ostras, a preciosa pérola, a porta, a mola propulsora da minha existência: o amor ao gênero humano, à ciência inclusiva/inclusivista, à educação e mais estritamente, o amor ao divino. Neste trajeto da pesquisa, busco abrir a porta para uma discussão mais profunda acerca de como as barreiras atitudinais foram se cristalizando na sociedade; o que são tais barreiras; como elas tem se manifestado, fechando os caminhos para a interação, cristalizando atitudes inadequadas diante da pessoa com deficiência, incitando barreiras que de tão difíceis de serem removidas se tornaram 88 densos entraves à inclusão, os quais ora são sutis, inconfessos, inadvertidos, inconscientes, ora são ruidosos e propositais. Como veem, daquela pergunta feita por Lívia Guedes, dois caminhos se formaram, “I took the one less traveled by, and that has made all the difference”. Conhecendo-o, se quiserem seguir-me, narro-lhes, no tom da Ciência, mais que o caminho escolhido, mais que um itinerário singularmente partilhado com meu orientador, socializo o esforço, a alegria e a dor de quem fazendo pesquisa, conhece realidades, reflete e se torna, continuamente, pessoa mais humana. 89 Introdução O verbo tece as barreiras atitudinais “Deslocar o sentido do lugar estático da exclusão da diferença para o dinamismo da multiplicidade de formas de existência é um desafio que exige reflexão, ação, compreensão e atitude.” (C. MARQUES, 2001, p.14). Durante milhares de anos, as pessoas com deficiência foram usurpadas do direito de participar da dinâmica social. Nesse percurso, firmado inclusive no lastro da lei, sustentou-se a confusão entre o que elas são, pessoas humanas, e o espaço e a significação delineados por outros agentes sociais que as consideravam como deficientes, improdutivas, inválidas, excepcionais, inaptas. A deficiência foi, portanto, uma das características utilizadas para se legitimar a desqualificação e a submissão das pessoas com deficiência. Quando associada a outros aspectos de ordem racial, etária, de gênero etc., ela serviu como justificativa ao regime de escravidão. Ou ainda, era tida como razão motriz para que pessoas fossem abandonadas, rejeitadas, descartadas do convívio social e tivessem denegado o direito de serem pessoas humanas. Esses procedimentos e atitudes dispensados às pessoas com deficiência, sustentados por modelos de entendimento místico, caritativo, mercantil, leigo, médico mantiveram milhares de pessoas marginalizadas e parece ter nutrido nelas a crença descabida de que são incapazes, dependentes, carentes, limitadas. (ALLAN, 1999; LIMA, 2006). Allan (1999) afirma que há heterogeneidades nos discursos que materializam essas compreensões e esclarece impactos sociais e educacionais que esses modelos trouxeram e/ou trazem à pessoa com deficiência. Por exemplo, no campo educacional, classificar as crianças como deficientes retirou da competência dos professores as possíveis ações pedagógicas que deveriam ser ofertadas em sala de aula convencional. Essa classificação perpassou os vários entendimentos construídos ao longo da história da humanidade acerca da existência e 90 potencialidades da pessoa com deficiência, tal como foi descrito em seus diferentes modelos históricos. Esses modelos de compreensão parecem ter impulsionado iniciativas paternalistas e manifestações de pesar as quais foram fontes significativas para a desumanização das pessoas com deficiência e originaram as barreiras atitudinais, a partir, por exemplo, da manutenção de descrenças, preconceitos, generalizações, estereótipos e estigmas. As barreiras atitudinais são materializadas em discurso e ação, podem ser originadas, nutridas, eliminadas nas relações interpessoais, na tessitura do que os sujeitos sociais constroem, negam, afirmam, registram diante da pessoa com deficiência. Exemplos de algumas delas são a utilização de rótulos, adjetivações, substantivação da pessoa com deficiência como um todo deficiente. (LIMA; TAVARES, 2007). As barreiras atitudinais nem sempre são intencionais ou percebidas. Logo, ninguém, nem mesmo os pesquisadores sociais que se dedicam ao tema da inclusão social e educacional das pessoas com deficiência, está alheio à influência dessas construções, pois várias barreiras sociais são sustentadas não apenas no discurso do senso comum, mas em bases científicas, filosóficas e históricas que têm servido para atribuir à pessoa com deficiência uma condição inferior e, por consequência, tonificam o desrespeito aos direitos humanos. Na verdade, o reconhecimento do indivíduo com deficiência, enquanto pessoa humana, detentora do direito à educação, só ocorre a partir do século XX. Nessa mesma época, também se firma o papel da Universidade, enquanto centro de pesquisa e de difusão do conhecimento, promotor da educação da pessoa com deficiência. Esse ofício da Universidade fica patente no momento em que documentos legislativos reafirmam que esta instituição formadora do conhecimento tem o dever de fomentar atitudes positivas favorecedoras à inclusão. No que concerne ao reconhecimento e a defesa dos direitos humanos, especificamente o direito à educação, é relevante recordar que o primeiro grande 91 documento de abrangência internacional a contemplar todas as pessoas, com ou sem deficiência, foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Ao conjugar o valor de liberdade ao valor de igualdade, a referida Declaração assume que não há liberdade sem igualdade, nem tão pouco igualdade sem liberdade, afastando a discriminação e acolhendo/defendendo o direito à diversidade. Logo, o valor da diversidade se impõe como condição para o alcance da universalidade e indivisibilidade dos Direitos Humanos. (Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948). Dentre outras declarações firmadas e que enaltecem o direito à educação e repudiam a discriminação em toda sua manifestação, está a Declaração Universal dos Direitos da Criança (UNICEF - 20 de novembro de 1959). Este documento ratifica o valor da pessoa humana e reconhece a heterogeneidade constitutiva do gênero humano, ao passo em que enfatiza o tratamento desigual, particular, para igualar em direitos todas as crianças. Tal premissa é enfatizada na Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (Organização das Nações Unidas, 1975). Mais tarde, na década de 80, a opinião das pessoas com deficiência acerca das condições de efetivação dos direitos humanos é firmada a partir do surgimento da luta pelos direitos dessas pessoas (SASSAKI, 2006; JANNUZI, 2006; FIGUEIRA, 2008; MAZZOTTA, 2011). Época em que o boom de instituições especializadas testemunhado na década de 60 dá lugar à percepção de que a integração era insuficiente para acabar com a discriminação e se buscam novas condições para a participação plena das pessoas com deficiência nos contextos sociais, mormente na Educação. É sob essa percepção que em 1981, ocorre em Torremolinos (Espanha) a Conferência Mundial sobre ações e Estratégias para Educação, Prevenção e Integração (UNESCO), a qual origina a Declaração de Sundberg 12. Nesta, há ênfase na estrutura global de educação permanente para as pessoas com deficiência (Art. 4º) e ainda se anuncia a relevância de se tratar da esfera cognitiva das atitudes como elemento crucial para a inclusão das pessoas com deficiência, considerando a 12 Esta Declaração recebeu este nome em memória de Nils-Ivar Sundberg, responsável pelo Programa da Unesco para Educação Especial, no período de 1968 a 1981. 92 mídia como elemento fomentador de opiniões (Art.10). O documento ainda advoga a formação continuada dos professores e defende o incentivo a pesquisas acerca da tecnologia assistiva como caminho promotor da educação, desenvolvimento cultural e emprego para pessoas com deficiência (Art.13). Em 1990, o mesmo princípio desses documentos foi ratificado na Declaração Mundial Sobre Educação para Todos, tendo tomado maior amplitude depois da Conferência Sobre Educação, em Jomtien (Tailândia), no qual se confirmou que a educação é um direito de todos, mulheres e homens, de todas as idades, no mundo inteiro. Logo, é a partir do reconhecimento de que a educação é de fundamental importância para o desenvolvimento das pessoas e das sociedades, bem como favorece o progresso social, econômico e cultural, a tolerância e a cooperação internacional que, então, se almeja uma Educação que contemple a pessoa humana em todas as suas dimensões, sem discriminação ou quaisquer outras formas de barreiras ao seu pleno desenvolvimento de pessoa humana livre e cidadã. Seguindo os princípios mencionados, em 1994, aconteceu em Salamanca (Espanha) uma conferência realizada pelas Organizações das Nações Unidas sobre necessidades educativas especiais13, cujo eixo temático centrou-se no acesso, na qualidade e na atenção educacional de tais alunos. Nessa ocasião, são assinados compromissos; são estabelecidas metas; são sugeridas reformas e são anunciadas propostas na perspectiva de superação do quadro educacional vigente, que demandava por práticas educativas que respeitassem às diferenças. (ARAÚJO, 2007). A Educação para todos, como um princípio, tem suas bases firmadas nos documentos mencionados e em vários outros, inclusive anteriores a esta Declaração, contudo, é a partir dela que várias implicações teóricas e práticas da educação trazem como centralidade a mudança de atitude, o atendimento às necessidades educacionais específicas das crianças, o compromisso dos governos com a Educação para todos como elementos basilares na plataforma das políticas educacionais. 13 Termo utilizado no texto original de Salamanca. 93 Assim, essa Declaração prima pela igualdade de condições, pelo gozo e exercício dos direitos humanos no âmbito educacional, ao propor mudanças a partir de uma Pedagogia centrada na criança, capaz de satisfazer as necessidades educacionais especiais e ser ofertada na escola regular; ao proclamar que escolas regulares, que possuam orientação inclusiva, constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras; ao incentivar cada governo a cumprir a meta de atribuir prioridade política e financeira ao aprimoramento de seus sistemas educacionais no sentido de se tornarem aptos a incluírem todas as crianças e ainda ao propor que este princípio seja consolidado em forma de lei. Na ênfase à informação pública para combater o preconceito e criar atitudes informadas e positivas diante da pessoa com deficiência, como também na ênfase à capacitação docente, à pesquisa, à tecnologia e à gestão situam-se as mudanças requeridas na educação para todos. Essas mudanças não se referem exclusivamente à inclusão do aluno com deficiência, referem-se às nuanças do sistema educacional e à diversidade humana que compõe a escola contemporânea, inclusivista, não-discriminatória, como advogado na Declaração de Washington (1999) e na Convenção Interamericana para eliminação de todas as formas de discriminação contra os portadores de deficiência14 (GUATEMALA, 1999). É, pois, na Declaração de Sundberg (1981) e na de Salamanca (1994) que a pesquisa e a formação continuada de educadores e/ou a capacitação de outros profissionais que trabalham direta ou indiretamente com a informação ou a formação de conceitos e opiniões vêm como componentes de grande relevância na composição da consciência inclusiva, na erradicação da discriminação, do preconceito e das barreiras atitudinais. Essa função precípua da Universidade, referente aos fundamentos da convivência entre ensino e pesquisa, à luz da unidade é, no caso da sociedade brasileira, institucionalizada no discurso da Reforma Universitária de 1968 (Lei nº 14 Expressão presente no documento em tela. 94 5.540/68), que foi revogada pela Lei 9394/96, cujo capítulo V é dedicado a educação da pessoa com deficiência. Considerando os documentos apresentados entre outros, pode-se afirmar que a oferta da educação de qualidade como direito de todos deve fazer parte das pesquisas efetivadas na Universidade. No presente estudo, se parte da hipótese de que tais produções acadêmicas vão além dos muros institucionais, isto é, se estendem da universidade às escolas, alcançando as crianças, imprimindo à prática pedagógica o impacto de novas reflexões e teorias formativas as quais não estão alheias ao processo histórico de existência e manutenção da discriminação, das barreiras atitudinais. As barreiras sociais/atitudinais contra as pessoas com deficiência é objeto de reflexão e combate no mais democrático tratado de direitos humanos produzido, reconhecido e defendido mundialmente: a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo (ONU, 2006). Este tratado de direitos humanos, o primeiro tornado constitucional no Brasil (Decreto Legislativo nº 186/2008 e Decreto nº 6.949/ 2009), esteia-se na tríade: não discriminação, direitos humanos e desenvolvimento social. Assim, desde o preâmbulo e os princípios gerais, demarca e reafirma a dignidade, integralidade, igualdade e não discriminação. É um documento que coloca na centralidade das discussões e da lei a garantia da acessibilidade, em todas as frentes de ação - atitudinal, arquitetônica, programática, metodológica, instrumental, comunicacional (SASSAKI, 2006), e traz uma diferenciação entre deficiência e pessoa com deficiência: A deficiência é um conceito em evolução e resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. (ONU, CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2006, Preâmbulo, letra ”e”; BRASIL, DECRETO LEGISLATIVO nº 186/08, DECRETO nº 6.949/09). Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas. (ONU, CONVENÇÃO SOBRE 95 OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2006; BRASIL, DECRETO LEGISLATIVO nº 186/08, DECRETO nº 6.949/09). De acordo com as definições apresentadas por essa Emenda Constitucional , uma pessoa com deficiência não é apenas aquela que tradicionalmente se reconhecia como pessoa com deficiência, mas também as que, em função da leitura que a sociedade faz da deficiência, experienciam as barreiras atitudinais, a discriminação e a desvantagem, na interação social. Em outras palavras, a perspectiva de entendimento acerca da deficiência não se situa na deficiência em si, mas na equivocada leitura que outros sujeitos sociais efetivam sobre a deficiência e a pessoa que a possui. Justificativa Embora tenha sido gestado no século XX o discurso em prol da inclusão, é comum nos vários segmentos sociais, inclusive na escola, a identificação de atitudes de preconceito e de discriminação, algumas tão danosas que se tornam entraves de difícil resolução para aqueles que são vitimados por tais ações, restando, como saída estratégica e não menos nociva, evadir-se da escola. Traduz-se da percepção deste processo que as fissuras na formação da consciência inclusiva podem estar na construção científica, legislativa, política disponível aos agentes escolares. Logo, a efetivação do direito à educação imprescinde da erradicação de barreiras atitudinais, uma ação cujo ponto de partida pode ser a leitura crítica, consciente e investigativa dos recursos discursivos disponíveis na sociedade e constitutivos da dinâmica escolar. Remover as barreiras sociais dos espaços educativos é, pois, uma ação de complexa natureza, já que se trata de um movimento individual, “de dentro para fora”, consciente, contínuo que deve ser emanado para os outros através de ações concretas. (MITTLER, 2003; CARVALHO, 2006b; LIMA, 2006; LIMA, TAVARES, 2007; GUEDES, 2007). A lei, muitas vezes, acompanha o desenvolvimento dessas relações entre os membros da sociedade. Tais relações exprimem tendências políticas que, embora 96 sejam geradas fora do sistema escolar, afetam diretamente as escolas e as instituições de ensino superior. A universidade, enquanto lócus de produção e reprodução do conhecimento, afeta e é afetada por estas tendências, pelas leis e pelas atitudes, conforme expresso na emenda constitucional supracitada. A legislação, então, leva, por vezes, a Universidade a efetivar pesquisas que contribuem para a ampliação das possibilidades de acesso e permanência das pessoas com deficiência no espaço educativo. Faz isso quando por meio de editais incentiva pesquisas ou quando, por coerção legal, determina transformações dos espaços físicos e sociais na universidade etc. O discurso legislativo-educacional estabelece relações da escola com o Estado-mantenedor e consolida espaços para reconhecimento e execução dos direitos humanos das pessoas com deficiência. A seu turno, a ciência da Educação tem sinalizado que entre as palavras-lei e as práticas sócio-educativas muitos desencontros são tonificados. (RESENDE, 2006; FROÉS, 2007; ARTIOLI, 2008). Tais hiatos têm sido alvo de pesquisas de campo e documentais nas universidades estaduais e federais do país. Pode-se compreender, portanto, que todos os integrantes da escola, inclusive professores e pesquisadores que observam, atuam, interferem na dinâmica escolar são seres políticos que manifestam hegemonia através do dizer e do fazer, quando expressam ideologias, valores, compromissos, entendimentos por meio de atitudes, comportamentos e condutas no espaço formativo. Tal questão, sob o prisma da filosofia da inclusão, poderá revelar, no discurso da pesquisa sobre as pesquisas em educação especial, que a tríade do compromisso ético-moral da Universidade - o ensino, a pesquisa e a extensão pode apresentar, produzir, reproduzir, conservar, transmitir, universalizar, combater, erradicar atitudes que revelam os elementos presentes na gênese da barreira atitudinal. No Brasil, este interesse da comunidade acadêmica em refletir sobre os discursos e encaminhamentos tomados nas pesquisas surgiu em meados da década de 70, quando ocorrera a expansão dos programas de mestrado e doutorado. (SANCHÉS; GAMBOA, 1998; SILVA 1990 ; 1997). 97 Como aludem Nunes et. al. ( 2005 apud FROÉS, 2007), análises e revisões críticas periódicas sobre a produção científica nas diversas áreas são altamente recomendadas para identificar as tendências e as lacunas no conhecimento produzido, pois os textos, produtos sócio-históricos das pesquisas, referem-se “aos pensamentos , sentimentos, memórias, planos e discussões das pessoas, e algumas vezes nos dizem mais do que seus autores imaginam”. (BAUER; GASKELL, 2008, p.4). Compreende-se então que é no diálogo que cada pesquisador trava com a escola, com os sujeitos pesquisados, com as vozes que antecedem o seu objeto de pesquisa que se pode perceber a Universidade como lugar que historicisa e consolida ideologias, através de discursos que socializam os achados da pesquisa. A análise da cultura universitária referente à constituição da escola para todos insere, portanto, este projeto no conjunto que compõe este tipo de estudo oriundo da “necessidade de analisar a proliferação de pesquisas e centros de pesquisas que aparecem a partir dos anos 70 e que têm por objeto a própria pesquisa educacional” (FREITAS; COSTA, 1990, p. 32). À luz dessas considerações, vale destacar que na medida em que se percorreu o contexto histórico, legal e pedagógico referente aos alunos com deficiência, o próprio objeto de reflexão, as barreiras atitudinais, conduziu esta pesquisa ao intento de perceber a existência dessas barreiras no discurso das pesquisas efetivadas/relatadas na universidade. Abordando a produção científica do Programa de Pós-graduação da Universidade Federal de Pernambuco (PPGE/UFPE), especificamente as dissertações de mestrado sobre educação especial produzidas e defendidas no período de 1978 a 2002, o presente trabalho pretende oferecer uma visão abrangente, porém não exaustiva, acerca do desempenho da pesquisa sobre educação da pessoa com deficiência, mormente, da observação ou manutenção das barreiras atitudinais no discurso constitutivo desses documentos. Será, então, no interior do discurso de tais pesquisas, especificamente na análise dos dados e nas conclusões efetivadas por seus agentes, que se pretende encontrar “elementos que existiram em outros lugares sociais, em outros momentos 98 históricos que, sob novas condições de produção, reconfiguram-se e possibilitam outros efeitos de sentidos”. (MARQUEZAN, 2009, p. 30). Vale considerar, neste percurso reflexivo, que o discurso científico contém a memória coletiva, na qual os pesquisadores estão inscritos. Destarte, a análise do discurso em tais trabalhos servirá para catalisar os efeitos dessa construção no dizer, no registro da criticidade e intencionalidade de seus autores. Ou seja, um ponto que o discurso poderá acenar é se a tessitura dos textos dissertativos alude teorias pró ou contra a educação inclusiva. Objetivos A presente pesquisa investiga como as barreiras atitudinais aparecem no discurso das dissertações de mestrado defendidas no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco (PPGE/UFPE), no período de 1978 a 2002, sob o tema educação especial; bem como discute o efeito das barreiras atitudinais no entendimento da sociedade para com as pessoas com deficiência. A partir deste objetivo geral, pretende-se: a) Desenvolver a compreensão a respeito do conceito de barreiras atitudinais e de suas categorias; b) Definir/Apresentar, no discurso das dissertações do PPGE/UFPE, as barreiras atitudinais de acordo com a taxonomia existente; c) Identificar as barreiras atitudinais que podem ser observadas, geradas ou veiculadas nas dissertações de mestrado; d) Analisar as barreiras atitudinais presentes nas dissertações de mestrado; e) Verificar possíveis mudanças na compreensão / concepção a respeito da pessoa com deficiência e do processo educativo a ela devido. 99 Organização do trabalho Este estudo delineou seis capítulos nos quais são contempladas a descrição, análise e interpretação do fenômeno pesquisado: a existência das barreiras atitudinais na produção científica (dissertações) do PPGE/UFPE (1978 a 2002), cujo tema é a educação da pessoa com deficiência. O primeiro capítulo busca desenvolver a compreensão do conceito de barreiras atitudinais, discute sobre os componentes cognitivos, afetivos, sociais que as constituem e, ainda, revisa e busca aprofundar o estudo da taxonomia dessas barreiras. O segundo capítulo indica as contribuições dos documentos legislativos para a efetivação da escola inclusiva. Contempla os documentos que defendem, explícita ou implicitamente, a urgência da erradicação das barreiras sociais para a efetivação da escola para todos e indica, consoante tais textos, que a pesquisa/o discurso científico produzido na universidade é caminho propício à eliminação dessas barreiras. O terceiro capítulo comenta/contextualiza a pesquisa sobre as pesquisas no âmbito nacional e, de modo mais estrito, as realizadas no PPGE/UFPE (1978-2002); discorre também sobre a pesquisa sobre as pesquisas em Educação Especial e a pesquisa sobre os estudos dissertativos que contemplem esse tema no PPGE/UFPE. O quarto capítulo traz uma reflexão sobre a análise do discurso como base para o estudo das barreiras atitudinais e propõe que se considere o conteúdo das barreiras atitudinais como ferramenta para a análise do discurso. O quinto capítulo discorre sobre o percurso metodológico desta pesquisa documental. Um intinerário em que se elege a abordagem qualitativa, se contextualiza o objeto de estudo e, pari passu, se analisa as tendências que se apresentam no discurso científico produzido no PPGE/UFPE sobre Educação Especial e podem, por ventura, reger atitudes a favor ou contra uma educação plenamente inclusiva e inclusivista. 100 O sexto capítulo traz uma leitura das dissertações de mestrado em análise, indica como os trabalhos foram vanguardistas em relação à efetivação da Educação Inclusiva e mostra os elementos que, materializados no discurso científico, são responsáveis pela tonificação de diversas barreiras atitudinais, a começar pelas que prejudicam a construção da identidade social e pessoal da pessoa com deficiência: as barreiras atitudinais de substantivação e de adjetivação. Por fim, nas considerações, condensa-se a leitura da trajetória das barreiras atitudinais nas dissertações e se mapeia a produção científica produzida no PPGE/UFPE (1978 a 2002) sobre Educação Especial, indicando como e onde as barreiras atitudinais presentes no discurso científico são difundidas e acabam por chegar até as escolas. Comenta-se os elementos contributivos para que se tenha no discurso científico produzido neste Programa um espaço oportuno para a existência das barreiras atitudinais, sugere-se como amainar este processo e defende-se que é papel da Universidade, mormente dos PPGEs, promover a compreensão e a prática da inclusão social/educacional. 101 Capítulo 1 Barreira Atitudinal: gênese, conceituação e taxonomia “Ainda existem barreiras que impedem o acesso e a permanência, com qualidade, de muitos alunos com deficiência na escola. São elas físicas [...], pedagógicas e atitudinais. Essas últimas são as mais sérias e difíceis de serem vencidas, pois não se removem por decreto a rejeição, o medo, a estigmatização, os preconceitos, os mecanismos de defesa existentes frente ao aluno tido como diferente.” (MARTINS, 2008, p. 79, grifo da autora). O entendimento acerca da diferença constitutiva da pessoa humana depende fundamentalmente da cultura, uma vez que esta fornece conceituações construídas historicamente e é capaz de delinear o retrato interno que cada pessoa possui de si e do outro. Esta ordenação de códigos de compreensão, esteados muitas vezes em generalizações, no caso das pessoas com deficiência, demarcou a deficiência como a diferença central e reduziu metonimicamente a percepção da existência, humanização e potencialidades dessas pessoas a uma espécie de mecanismo de incapacidade sustentado pela ideia do déficit. Tais códigos de compreensão acerca da identidade social e pessoal das pessoas com deficiência gestaram e fortaleceram diversos obstáculos sociais contra elas. Este capítulo busca, então, refletir sobre a conceituação, a constituição e as formas como essas barreiras se apresentam nos discursos/na dinâmica social. Nessa trajetória, o primeiro passo é compreender e verificar como, ao largo da história, modelos de entendimento da deficiência sustentaram posturas, comportamentos, atitudes vivenciados no interior da escola e em todos os demais espaços sociais. Bianchetti e Freire (1998), Allan (1999) e Carvalho-Freitas (2007) esclarecem que os modelos místico, caritativo, mercantil, leigo, médico, surgidos antes do século XX, são veiculados e nutridos através do discurso científico ou do senso comum os 102 quais trazem à pessoa com deficiência a desvantagem, a desvalorização, o desrespeito aos direitos humanos. Na Grécia Antiga (séc. XII a. C. ao séc. VII a. C.), período considerado o berço da civilização, e no Período Clássico (séc. VI a. C. ao séc. III a. C.) o mundo era compreendido sob a perspectiva mítica. Assim, a matriz de interpretação da deficiência era a de dificultadora da sobrevivência/subsistência do povo. Nesse intervalo histórico, da prática da eugenia chega-se à inserção condicional das pessoas com deficiência na sociedade, ou seja, o direito de elas viverem estava condicionado às condições que apresentavam para trabalhar na Cidade/Estado. E isso tem sérias implicações na forma como as pessoas com deficiência eram tratadas, não havia lugar para elas, logo, para aquela sociedade, abandoná-las era natural, adequado, justificado. Na Idade Média (séc. IV ao séc. XIV), período considerado o corolário da doutrina cristã, surge o modelo místico da deficiência, o qual compreende a deficiência como fenômeno espiritual. Esse modelo é mantido no discurso do senso comum, atrelado a questões que envolvem constructos histórico-religiosos, ao passo em que atribui a deficiência a um motivo sobrenatural, vinculado a castigo divino, purgação de pecados da pessoa com deficiência ou de seus pais, oportunidade para desfazer algo de ruim praticado em existências pregressas etc. (BIANCHETTI; FREIRE, 1998; ALLAN,1999; CARVALHO-FREITAS; 2007). Ainda nesse período, mais especificamente durante o século XII, desponta o modelo caritativo, quando surgem as primeiras instituições para abrigar pessoas com deficiência. No entanto, “é necessário sublinhar que estas instituições não tinham um cunho profissional; eram abrigos ou asilos mantidos pela caridade da Igreja ou das pessoas consideradas normais” (FREITAS, 2011, p.10). Sob esse modelo, a sociedade compreendia e tratava as pessoas com deficiência como objetos de piedade, sofredoras, pessoas que inspiram compaixão, humanismo benevolente. Quase concomitante a aqueles dois modelos, desenvolve-se o modelo médico de interpretação sobre a existência e as potencialidades da pessoa com deficiência, o qual atinge maior vigor no século XVIII, período fortemente marcado 103 pelo desenvolvimento da medicina e pelo deslocamento da compreensão mística da deficiência enquanto castigo para uma compreensão da deficiência enquanto doença. Logo, o médico era o responsável por diagnosticar, prognosticar e determinar o tratamento da deficiência, que deveria se dar em instituições “instrumentalizadas” para este fim. (BIANCHETTI; FREIRE, 1998; ALLAN,1999; CARVALHO-FREITAS; 2007). Outro modelo cuja matriz também se desenvolveu na Idade Média é o modelo mercantil. A presença dele é percebida de forma mais clara na Idade Moderna (séc. XV a XVIII), quando o discurso de profissionais da saúde enfatiza o déficit individual e orienta a escolha mercadológica por instituições especializadas, reconhecidamente eficientes para gerirem os “problemas oriundos da deficiência”. Quanto ao modelo leigo, este veio desenhando-se ao largo da história, perpassando o período da Grécia Antiga, o Período Clássico, a Idade Média, a Idade Moderna e chegando à Idade Contemporânea (séc. XIX aos dias atuais). No decurso da história, este modelo se apresentou de diversas formas e se manifestou por via da prática da rejeição, da subestimação, do estereótipo, da generalização etc. O modelo leigo perpassa os discursos médico e caritativo, o da normalização e, ainda nos dias de hoje, o da educação especial. Esses modelos/teorias sugerem fortes componentes cognitivos, afetivos e sociais transmitidos de geração em geração, favorecedores à expressão de (des)crenças, preconceitos, generalizações, estereótipos e estigmas na interação entre pessoas com e as sem deficiência. Tais componentes, sustentados pela lógica da percepção estereotipada da sociedade em relação a essas pessoas, contribuem não apenas para a manutenção de atitudes negativas, mas para a assunção de posturas pedagógicas impróprias em relação aos alunos com deficiência. É na interação social, portanto, que as pessoas com deficiência podem ser desqualificadas, desinseridas, desafiliadas, apartadas socialmente. (SAWAYA, 2007). Em outras palavras, as atitudes que se tornam limitantes a essas pessoas comprometem a dignidade humana, a capacidade de ser cidadão, a condição humana nos âmbitos social, político, cultural e até moral. A atitude é, pois, um processo complexo e multifacetado, uma configuração de dimensões materiais, 104 políticas, relacionais e subjetivas. É processo sutil que envolve o homem em sua plenitude. (GOFFMAN, 1988). Nesse sentido, as barreiras atitudinais são barreiras sociais geradas, mantidas, fortalecidas por meio de ações, omissões e linguagens produzidos ao longo da história humana, num processo tridimensional o qual envolve cognições, afetos e ações contra a pessoa com deficiência ou quaisquer grupos em situação de vulnerabilidade, resultando no desrespeito ou impedimento aos direitos dessas pessoas, limitando-as ou incapacitando-as para o exercício de direitos e deveres sociais: são abstratas para quem as produz e concretas para quem sofre seus efeitos. (LIMA; TAVARES, 2007). Vale reiterar que as barreiras atitudinais contra as pessoas com deficiência são tão antigas quanto a existência da sociedade humana, repositória de crenças que fornecem os componentes cognitivos (geralmente modelos estereotipados de entendimento da deficiência e da pessoa que a possui), afetivos (sentimentos instigados pela presença ou mera lembrança de indivíduos com deficiência) e comportamentais (geralmente predisposições para a ação discriminatória) materializados no discurso, nas atitudes e nas ações as quais funcionam como obstáculos a efetivação dos direitos humanos dessas pessoas. Na gênese das barreiras atitudinais encontram-se, pois, a dialética inclusão/exclusão, os estereótipos, os preconceitos e a discriminação. Esses elementos gestam subjetividades específicas que incitam a rejeição, o pesar, a rotulação de pessoas em razão não apenas da deficiência, mas de outras características como a compleição física, a etnia, a variação social e/ou linguística, as ideologias, o gênero etc. Tais subjetividades podem determinar e serem determinadas por diferentes formas de legitimação social ou individual e se manifestar em ações concretas, contribuindo para a constituição (in)consciente de identidades, sociabilidade, afetividade e representações sociais, as quais , por vezes, geram equívocos, constrangimentos, desrespeito, mitos diretamente relacionados ao entendimento acerca da normalidade humana e ao consequente estabelecimento de uma hierarquia simbólica violenta entre dois pólos – o deficiente/o normal – em que há 105 uma oposição contundente em relação ao primeiro termo, o qual é marcado obviamente por questões circunstanciais que situam a pessoa e lhe imputam uma condição sub-humana, sustentada pelos mitos. Os mitos são crenças esteadas em conceitos dicotômicos, como por exemplo excepcional/normal, capaz/incapaz, são/louco, normal/patológico. Os mitos reafirmam a origem da humanidade, logo têm nas religiões, nas ciências e no senso comum fontes seguras de constituição e de manutenção. Eles estão na base do preconceito, influenciam ações praticadas pelas pessoas e isso ocorre de modo (in)consciente. Quando os mitos mantêm o preconceito e se materializam na atitude de discriminar pessoas com deficiência tem-se a efetivação de barreiras atitudinais. As barreiras atitudinais, portanto, partem de uma predisposição negativa, de um julgamento depreciativo em relação às pessoas com deficiência, sendo sua manifestação a grande responsável pela falta de acesso e à consequente exclusão e marginalização social vivenciada por todos os grupos vulneráveis, mais particularmente, por aquelas pessoas vulneráveis em função da deficiência. (LIMA; GUEDES; GUEDES, 2009, p. 3) Neste particular, convém destacar que as pessoas com deficiência, receptoras das barreiras atitudinais, geralmente passam pelo processo de desqualificação social, que as empurra para a esfera da inatividade e da dependência de outros ou até de serviços sociais. Assim, tanto a observação direta das diferenças entre os vários grupos, quanto às influências indiretas exercidas pela mídia são os principais responsáveis pela evolução e transmissão das generalizações, dos estereótipos, dos preconceitos, das discriminações e consequentemente das barreiras atitudinais. Quando materializadas na atitude social, essas barreiras revelam, portanto, “o condicionamento da sociedade em repetir antigos padrões de comportamento que a fazem alimentar o ciclo da exclusão/segregação em torno das pessoas com deficiência”. (GUEDES, 2007, p. 54). 106 De acordo com Lima15 (2007), podem-se considerar como barreiras atitudinais as atitudes, as posturas, os comportamentos que se tornam limitantes ou impeditivos ao exercício do outro [...] (Informação verbal). Essas barreiras encontram-se “[...] enraizadas a ponto de competir com os obstáculos concretos que comumente excluem ou marginalizam as pessoas com deficiência [...]”. (GUEDES, op.cit., p. 29). As barreiras sociais afetam a maneira pela qual a informação acerca da existência e potencialidades das pessoas com deficiência é organizada e representada na memória coletiva. Esse processo, segundo Guedes (2007), Lima e Tavares (2007), pode ser sustentado e nutrido nos espaços pedagógicos, na interação entre o professor e os alunos com deficiência, quando as relações interpessoais, ancoradas em estereótipos, forem marcadas por preconceitos explícitos ou implícitos e discriminações ostensivas ou mesmo tão sutis a ponto de fazerem das barreiras atitudinais algo inadvertido para quem as manifesta. As pessoas que recebem a desvalia resultante das barreiras atitudinais geralmente internalizam os estereótipos, o que as conduz a vivenciar um sentimento de inadequação ou de impropriedade, que pode alimentar a relação opressor/oprimido, nos termos da teoria freireana (2005), gerar ansiedade em relação a ser considerado inferior ou desenvolver um sentimento de baixa expectativa a respeito de suas próprias capacidades. Em outras palavras, a confusão entre o que as pessoas com deficiência realmente são, pessoas humanas, e o que se pensa que elas são “deficientes” corrobora com a manutenção da crença na deficiência como [...] sinônimo de doença, dependência, ‘indivíduos sem valor’, sofrimento, objeto de purgação dos males cometidos por seus pais, entre outras. Tais visões estereotipadas sempre marginalizaram as pessoas com deficiência e, por vezes, nutriram nelas a crença descabida de que são incapazes. (LIMA; TAVARES, 2007, p.23-24). Essa ameaça à constituição da identidade da pessoa com deficiência centrase numa dimensão estritamente situacional independendo de qualquer representação interiorizada, sendo mais apropriadamente caracterizada como uma espécie de ameaça que atinge e fragiliza o reconhecimento das pessoas com 15 Informação recebida durante encontro do Centro de Estudos Inclusivos da UFPE, em 2007. 107 deficiência como detentoras do direito a ter preservada sua identidade de pessoa humana. Nessa linha, é relevante recordar que as identidades, assim como as barreiras atitudinais, adquirem sentido por meio da linguagem, dos sistemas simbólicos e sociais que as constituem. A linguagem é um enorme depósito de préconstruções naturalizadas, portanto, ignoradas como tal, que funcionam como instrumentos inconscientes de construção da tessitura social, das hierarquias, da valorização do humano como algo relacional. (SILVA, 2004; BOURDIEU, 2007). A identidade é, pois, estabelecida por uma marcação simbólica relativamente a outras identidades. Assim na afirmação da identidade das pessoas com deficiência, por exemplo, os sistemas representacionais que marcam a diferença podem incluir traços como bondade, infantilização, incapacidade intelectual, assexualidade etc. Essa marcação simbólica da identidade a partir dos estereótipos é o meio pelo qual os sentidos, as práticas e as relações sociais são construídas, definindo, por exemplo, quem é excluído e quem é incluído. Destarte, pode-se dizer que as barreiras atitudinais não são concretas, em essência, na sua definição, no entanto, materializam-se nas atitudes de cada pessoa, constituindo-se como obstáculos de difícil eliminação para que ocorra a inclusão social e educacional da pessoa com deficiência. (GUEDES, 2007; LIMA; TAVARES, 2007). É importante destacar que as barreiras sociais surgem tão imbricadas que se confundem. Assim, numa perspectiva ampla de análise, é possível afirmar que as barreiras atitudinais se fundem, concomitantemente, por meio dos processos inter e intrapessoal e apresentam as dimensões cognitiva, afetiva e social. (HORNE, 1985; BRAGHIROLLI, PEREIRA, RIZZON, 1994; COLL, PALACIOS, MARCHESI, 1995, 2004; GLAT, 1995; CATANIA, 1999; ALLAN, 1999; ATKINSON, ATKINSON, SMITH, BEM, NOELEN-HOEKSEMA, JABLONSKI, 2009). 2002; POZO, 2002; RODRIGUES, ASSMAR, 108 Assim, as atitudes, formadas no processo de socialização iniciado por cada pessoa ainda na tenra idade, levam a uma série de tendências comportamentais e são constituídas por um sistema relativamente estável de organização de experiências, sentimentos e compreensões pró ou contra pessoas, objetos ou eventos com os quais cada indivíduo se depara. Atkinson et. al. (2002) afirmam que as atitudes podem cumprir muitas funções. Assim, as pessoas podem mantê-las por motivos práticos, cumprindo uma função instrumental; para ajudar na compreensão do mundo, cumprindo uma função de conhecimento; para expressar valores ou refletirem autoconhecimento cumprindo uma função de expressão de valores; para proteger da ansiedade ou de ameaças à autoestima, cumprindo uma função de defesa do ego; para manter o sentimento de pertencimento a uma comunidade social, cumprindo o papel de ajustamento social. Independente da função que as atitudes sociais exerçam em um dado momento, consoante Rodrigues et. al. (2009, p.81), elas [...] decorrem de processos comuns de aprendizagem (reforço, modelagem); podem surgir em um atendimento a certas funções; são consequência de características individuais de personalidade ou de determinantes sociais; e ainda podem se formar em consequência de processos cognitivos (busca de equilíbrio, busca de consonância). O processo de aprendizagem das atitudes, iniciado através da percepção social e da interação entre pessoas, origina uma organização duradoura de crenças e determina, em boa medida, o modo como se efetiva a congruência entre aqueles modelos de entendimento acerca da pessoa com deficiência e as predisposições da sociedade à ação excludente. 1. Atitudes diante das pessoas com deficiência: construindo a taxonomia A atitude é um processo fortemente influenciado por predisposições genéticas e elementos fenotípicos oriundos dos discursos construídos, disponíveis ou nutridos pela sociedade. (ATKINSON et. al., 2002). Esses discursos materializados nas relações sociais tendem então a moldar atitudes no processo de interação ou de interatividade. De um lado, a interação é 109 definida por Laplane (2000) como uma cena que envolve dois ou mais indivíduos os quais exercem influência recíproca. De outro, a interavidade é definida por Coll (2004) como o salto teórico e metodológico da interação, situado no âmbito do ensino, e que é regulada de acordo com o conjunto de normas e regras as quais determinam dizeres e fazeres na estrutura de participação que preside a atividade conjunta de professor e alunos. Quando os alunos têm alguma deficiência, as atitudes e o discurso do professor tendem a materializar, durante a interatividade, compreensões, afetos e comportamentos esteados na representação que se tem da deficiência e da pessoa que a possui. Por exemplo, numa pesquisa sobre a inclusão de alunos com deficiência na representação social das professoras, uma das profissionais entrevistadas por Rodrigues (2007, p. 113) afirmou: Muitas coisas eu aprendi no esforço, no dia a dia. Porque formação mesmo... Eu fico com medo. Quando eu falo medo nesse sentido. Nesse ano eu peguei um aluno considerado com deficiência bem leve. É um menino que praticamente você faz esse jogo de tá reforçando, reforçando. Mas se eu pegar um aluno com deficiência visual como é que eu vou trabalhar essa questão? Meu medo é esse. Porque tudo que eu aprendi, aprendi né? Na prática, tem que fazer, eu fui lá e fiz. O medo de não saber como interagir com o aluno com deficiência, o reconhecimento de que aprendeu com a prática e o entendimento de que a educação desse aluno se dá pelo reforço demontram, por exemplo, as dimensões cognitiva e comportamental da atitude do professor. Nesse caso, é relevante refletir que a compreensão equivocada sobre o processo de aprendizagem do aluno com deficiência revela a subestimação das potencialidades desse aluno, o que lhe impede a aprendizagem. A atitude pode ser, portanto, entendida como um processo endógeno que emana para o exterior e traz impactos diretos no processo de construção da identidade individual e grupal dos sujeitos sociais. (ATKINSON et. al., 2002). A atitude pode ser até volátil, razão pela qual alguns discursos, como, por exemplo, o midiático e o pedagógico influenciam, interferem, direta ou subliminarmente, as pessoas no que tange a hábitos, a comportamentos e a ações estimulados pela leitura sócio-histórica da diversidade humana. 110 1.1- Componente cognitivo das atitudes O plano cognitivo de uma atitude está relacionado a alguma representação cognitiva de um objeto, pessoa ou evento. As crenças e os demais componentes cognitivos (conhecimento, maneira de encarar o objeto etc.) relativos à pessoa, objeto ou evento alvo de uma atitude podem constituir a base para atitudes preconceituosas, elaboradas a partir de uma série de cognições acerca do elemento, situação ou indivíduo que é objeto de discriminação. (RODRIGUES, ASSMAR, JABLONSKI, 2009). Essas cognições são também produzidas através de sistemas simbólicos, fabricados no discurso, por meio da marcação, valoração ou desprestígio das diferenças constitutivas da pessoa humana, do contexto social ou do objeto em foco. (SILVA, 2004). Ao observar um trecho da entrevista realizada por Rodrigues (2007), pode-se compreender como o componente cognitivo da atitude, manifesto verbalmente, demonstra o modelo médico de compreensão das possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento das potencialidades da pessoa com deficiência [...] ele não aprende no mesmo tempo que os outros. Não aprende no mesmo tempo que os outros. Eu preciso de um especialista que pudesse me dizer que atividades mais seriam mais apropriadas pra ele? Que atividades seriam essas pra avançar nesse cognitivo dele? E eu não tenho. (ALBUQUERQUE, 2007, p. 127) A comparação enfática da desenvoltura dos alunos com e os sem deficiência, a mensuração do tempo e ritmo de aprendizagem, a busca pela padronização são atitudes pedagógicas que estão ancoradas na percepção do déficit como a característica principal do aluno, portanto, o entendimento equivocado acerca das nuanças do processo de aprendizagem e ainda a percepção turva das potencialidades dos alunos conduziram essa professora a crer que apenas um profissional especializado poderia contribuir para o desenvolvimento de saberes e competências. A professora, sob esse entendimento, retira de si a parcela de responsabilidade com a escolarização do aluno com deficiência, pois, na ausência 111 do especialista, ela assume não ter condições de orientar o aluno no processo educativo. Experiências sociais como essa demonstram que é comum as pessoas buscarem a coerência racional das atitudes, através de justificativas, levando até a exaustão argumentos que expliquem negações, rejeições, sentimentos de pesar. O âmbito cognitivo das atitudes suscita afetos positivos ou negativos e serve como base aos comportamentos, os quais podem se tornar entraves de difícil eliminação no contexto da educação da pessoa com deficiência. 1.2- Componente afetivo das atitudes A vertente afetiva das atitudes está estritamente relacionada à cognição e corresponde ao segmento emocional, sentimental presente nas atitudes sociais. Rosenberg (1960 apud RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 2009) defende que os componentes cognitivo e afetivo das atitudes tendem a ser coerentes entre si. Assim, considerando que, muitas vezes, a representação cognitiva que a pessoa tem de um objeto social é imprecisa ou até errônea, Rodrigues et. al. (Ibid.) explicam que se a representação é imprecisa, o afeto tende a ser pouco intenso e se errônea, em nada interferirá na intensidade do afeto, o qual será consistente com a representação cognitiva que a pessoa faz do objeto, seja ela correspondente à realidade ou não. Por exemplo, na pesquisa realizada por Albuquerque (2007), quando se perguntou sobre uma palavra representativa do conceito de inclusão de alunos com deficiência, obtiveram-se as seguintes respostas de cinco das professoras entrevistadas: Porque você tem que ter amor ao próximo, se você não tem amor ao próximo como dar tudo isso? Se não tiver amor, é mesmo que nada. [...] Para incluir pessoas com deficiência em salas regulares é preciso amor. [...] Se não tiver amor e dedicação, você não consegue mesmo atingir seu objetivo. [...] Sem amor não se consegue desenvolver um bom trabalho principalmente nessa área ou em qualquer área. [...] 112 Porque sem amor você não pode ter dedicação e atenção ao que está fazendo. [...] (ALBUQUERQUE, 2007, p. 137). Dessas construções verbais, depreende-se que as professoras, esteadas no modelo caritativo de compreensão da pessoa com deficiência, julgam que a inclusão dos alunos com deficiência é muito mais um ato de caridade, de amor, de benevolência do que a efetivação de um direito. O afeto suscitado por esse entendimento pode predispor ações de proteção exacerbada, piedade, exaltação das potencialidades percebidas, instigar as professoras ao elogio desmedido ao aluno pela mínima ação que ele realize etc. Nesse caso específico, é possível identificar que as cognições em relação ao aluno com deficiência, provoca afetos (piedade, caridade, tolerância) e esses imputam comportamentos que podem se tornar limitantes ao desenvolvimento pedagógico do aluno (e.g. atitudes protetoras que terminam por fixar uma pseudoparticipação do aluno com deficiência no processo de ensino-aprendizagem). Destarte, nesse contexto pedagógico, é perceptível a congruência entre as dimensões cognitiva e afetiva da atitude. Hovland & Rosenberg (1960 apud RODRIGUES et. al., 2009) explicam que a destruição dessa congruência afetivocognitiva é um meio de alterar um desses componentes e possibilitar o movimento de um processo de restauração o qual, sob certas circunstâncias, poderão conduzir a uma reorganização das atitudes, por meio de mudanças no componente previamente alterado e acionado nas relações sociais com o objeto das atitudes. Assim, é importante considerar que, sob essa perspectiva da reestruturação de cognições para se alcançar a mudança no plano dos afetos e do comportamento social, muitas teorias tem surgido para explicitar caminhos possibilitadores (BRAGHIROLLI, RIZZON, 1994; ATKINSON et.al. 2002; POZO, 2002; PEREIRA, 2002; RODRIGUES et.al., 2009) e vários documentos legislativos, que discorrem sobre os direitos humanos, têm defendido a formação e a informação como bases para a constituição da mentalidade e atitudes includentes. (Declaração de Salamanca, 1994; Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência - ONU, 2006; entre outros). As atitudes são, portanto, resultantes da experiência de cada pessoa e ao mesmo tempo das representações cognitivas mantidas pela sociedade em relação 113 aos objetos sociais (e.g. grupos em situação de vulnerabilidade). O caráter pessoal, idiossincrático e volátil das atitudes demonstra que elas são sempre construídas e vivenciadas de modo relativizado, ou seja, “em relação a” um objeto, situação ou pessoa, variando em intensidade, impacto nas relações travadas com o objeto social. Quando, nas atitudes, as cognições se cristalizam tornam-se de difícil acesso e alteração, adquirem, através da carga emocional, a força motivadora e impulsionadora para a ação. (BRAGUIROLLI; RIZZON, 1994). O componente comportamental da atitude mais do que uma ação efetiva, significa uma tendência, uma predisposição à ação. 1.3- Componente comportamental das atitudes A dimensão comportamental da atitude está vinculada à intencionalidade do comportamento em relação a alguém, a algo ou a uma situação. O comportamento combina, pois, as cognições e os afetos e se refere à vertente ativa da atitude. Ao examinar mais um trecho da entrevista realizada por Albuquerque (2007) com professoras que atuam com alunos com deficiência inseridos em salas regulares do ensino fundamental e ensino médio, pode-se perceber como o comportamento envolve o que as pessoas sentem ou pensam: [...] eu vejo muita dificuldade. Eu tenho muita dificuldade em trabalhar. Por não saber. Por não saber trabalhar? E... é complicado quando no grupo se fala em inclusão se, se a gente não tem como fazer essa inclusão, né. A gente tenta trabalhar aquilo ali, agora é difícil. E principalmente quando você pega uma turma mais avançada: uma primeira, uma segunda, uma terceira série você tem que dá aquele conteúdo, tem que ser trabalhado aquilo ali e aquele seu aluno talvez se sinta um pouco de lado, porque você tem que trabalhar com o restante da turma que tá acompanhado e ele tá ficando um pouco esquecido, né? Na alfa a gente tem mais essa mobilidade, né? (ALBUQUERQUE, 2007, p. 120). A alegação da dificuldade da professora em não saber como lidar com o aluno com deficiência (barreira atitudinal de ignorância) , leva a um comportamento de exclusão do aluno, ao deixá-lo “esquecido”. Conforme Triandis (1971 apud RODRIGUES et. al., 2009, p. 185), 114 O comportamento não é apenas determinado pelo que as pessoas gostariam de fazer, mas também pelo que elas pensam que devem fazer isto é, normas sociais, pelo que eles geralmente tem feito, isto é, hábitos, e pelas consequências esperadas de seu comportamento. (Grifo dos autores). No caso citado anteriormente, o comportamento da professora leva ao “esquecimento” do aluno, acarretando-lhe a exclusão educacional, mesmo ele estando em sala de aula. O que leva a percepção de que um dos fatores evidentes na coerência ou dissonância entre a dimensão cognitiva e a comportamental das atitudes, rumo ao cumprimento de normas sociais, é o grau de pressão da situação. Ou seja, tomando como eixo de reflexão o discurso dessa professora o fato de ela ter recebido um aluno com deficiência e não poder recusá-lo porque legalmente ele tem direito de estar na escola é algo incompatível com o que ela diz em relação à inclusão. A ação imposta pela força da lei não alterou compreensões e afetos, em consequência, a resposta discriminatória da professora continua sendo mantida. E o que resta ao aluno? O discurso e a ação docente já o marcaram como ineficiente, a atitude é uma face do processo social que lhe imputa a chancela da menos-valia e o afasta do gozo aos direitos humanos, mormente da educação de qualidade. Dessas reflexões sobre as dimensões da atitude traduz-se que as vertentes cognitiva e afetiva da atitude indicam predisposições para o comportamento, mas não o determinam. Em geral, as atitudes tendem a prever melhor o comportamento quando “(a) elas são fortes e consistentes; (b) elas têm relação específica com o comportamento previsto; (c) elas se baseiam na experiência direta da pessoa; e (d) o indivíduo tem consciência de suas atitudes”. (ATKINSON et. al., 2002, p. 647). Vale então destacar que, por vezes, há ambivalências entre os componentes que constituem uma atitude, o que pode ocorrer quando os componentes afetivos e cognitivos não são coerentes – por exemplo, quando o profissional da educação compreende que a inclusão é um direito do aluno, mas não consegue se desvencilhar de preconceitos cristalizados (componente afetivo contra a pessoa com deficiência) – muitas vezes é difícil prever se o comportamento será de rejeição ou 115 se o embate entre as duas dimensões da atitude fará com que o professor busque se empenhar e modificar atitudes, consoante ao que se espera dele. Historicamente sabe-se que atitudes negativas direcionadas às pessoas com deficiência sempre existiram em razão das generalizações negativas e das tipificações que são construídas na interação social, as quais são mantidas por meio do discurso, de atitudes e de comportamentos. Berger e Luckman (1985 apud GLAT, 1995) explicam que o processo de tipificação é constituído por esquemas em que as pessoas estabelecem a relação eu versus outros, e nessa construção perceptiva são instituídas as interações sociais, as atitudes e os comportamentos. Assim, na escola, o professor pode apreender o outro como aluno, homem, com deficiência, brasileiro, retraído, tranquilo etc., todas essas tipificações afetam e modelam continuamente as interações face a face. Nesse contexto, vale destacar que quando as tipificações generalizadas são consideradas como verdades universais, elas se constituem nos chamados estereótipos, os quais fundam julgamentos sustentados por crenças equivocadas (preconceitos) e contribuem para a manutenção de estigmas, que funcionam como rótulos e incitam a discriminação. (GOFFMAN, 1988; GLAT, 1995; PEREIRA, 2002; VELHO, 2003). De acordo com Pereira (2002), esse procedimento é considerado arriscado, pois pode induzir a uma concepção enganosa tanto de si quanto do outro. E quem é o outro? Segundo esse autor (Ibid.), qualquer um pode ser o outro e só é possível definir quem é o outro quando fica claro quem está olhando, avaliando, situando a pessoa em esquemas esteados nas crenças advindas da primeira informação recebida, a qual tem considerável impacto sobre as impressões e, em consequência, sobre as atitudes. Esse efeito é chamado de primacial e pode vir a enquadrar o objeto social das atitudes num esquema de crenças complexo e resistente a dados novos. (ATKINSON et. al., 2002). Essas teorias, quando surgem relacionadas às pessoas com deficiência, apontam, buscam explicar e justificar comportamentos sociais dessas pessoas e de outros indivíduos sem deficiência diante delas. Portanto, teorias, esquemas ou modelos de entendimento construídos historicamente podem induzir as pessoas a 116 erros na compreensão, no afeto e na ação social. Um exemplo claro dessa elaboração cognitiva e social é explicitado por Schneider (2003,62) ao mencionar uma das falas de uma professora atuante em classe especial: [...] A senhora aplicou o teste ABC a estas crianças? — Não, o teste ABC só é aplicado em casos de dúvida. Mas, depois de muitos anos de ensino, a gente adquire experiência. Quando comecei com estas crianças, pude ver que a maioria delas era imatura. Estava na cara. Só tive dúvidas em uns poucos casos. E então apliquei o teste. [...] Então, a senhora acha que elas vão ser AEs [alunos excepcionais]? — Sim, muito provavelmente. Já está na cara. Nós podemos dizer quase imediatamente. A generalização que essa professora construiu acerca dos alunos com deficiência fornece cognições que parecem conferir a ela a habilidade de avaliar potencialmente os alunos apenas no primeiro contato, a partir das primeiras impressões. A ciência, nesse caso, serviu como justificativa para a manutenção da crença estereotipada, da autorrealização, da profecia que imprime ao aluno a incapacidade e a imaturidade. A classificação do aluno como excepcional retira, obviamente, da professora a responsabilidade com o processo educativo da criança a quem ela tipifica como desviante. O estereótipo é construído a partir de julgamentos e do estabelecimento de categorias consideradas universais. No âmbito etimológico, o estereótipo deriva de duas palavras gregas: stereos e túpos, significando respectivamente rígido e traço. Essas generalizações rígidas construídas e mantidas pela sociedade a respeito de atributos e comportamentos constituem os mecanismos cognitivos de manutenção de estigmas, os quais funcionam como um processo metonímico em que se faz referência a um atributo depreciativo da pessoa. (GOFFMAN, 1988; GLAT, 1995; VELHO, 2003). De acordo com Pereira (2002), os estereótipos podem ser definidos como crenças sobre predicados típicos de um grupo, que contêm informações não apenas sobre esses predicados, como também sobre o grau com que eles são 117 compartilhados nas interações sociais. Eles influenciam a percepção social, o julgamento e o comportamento, como se pode compreender a partir da seguinte situação ilustrada por Schneider (2003, p. 79) ao mencionar o discurso de uma professora que trabalha com alunos com deficiência: — Viu como eles são fogo? Especialmente João. É um AE [aluno excepcional] típico. — Mas ele parece ser bom aluno. __ É, é surpreendente, mas ele é bom aluno. Sofre, porém, de distúrbio de conduta, como você viu. Ele não é muito bom da cabeça — e apontou para a própria cabeça. — E depois vem de um ambiente terrível. Acho que a mãe dele é alcoólatra; as irmãs todas são prostitutas — as piranhas do morro. Daí você pode imaginar que tipo de criança ele deve ser. É sempre a mesma coisa com essa gente. Os estereótipos afetam as informações e as interpretações a respeito da identidade, das potencialidades e do comportamento do aluno com deficiência. Assim, essa professora traz avaliações infundadas, preconceituosas e busca informações, explicações, justificativas que alimentam a profecia autorrealizadora. Essa tendência reflete uma das três possibilidades indicadas por Pereira (op.cit.) como mecanismo de uso dos estereótipos como instrumentos de racionalização, justificativa para a manutenção de preconceitos e de ações discriminatórias. O autor explicita que [...] num nível mais individual, os estereótipos servem como justificativas para o próprio eu, permitindo que o indivíduo lide melhor e de uma forma mais confortável com as suas próprias atitudes preconceituosas e excludentes. Em um nível mais contextual, os estereótipos também cumpririam uma função de justificar as ações grupais, enquanto em um plano mais geral os estereótipos cumpririam a função de justificar o sistema, oferecendo os recursos cognitivos que permitam a manutenção da estrutura atual da sociedade em que os percebedores se situam. (PEREIRA, 2002, p. 49). Dentre os fatores mais significativos para a caracterização dos estereótipos, destaca-se, então, o consenso, a homogeneidade, a distintividade, os fatores descritivos e avaliativos. (PEREIRA, Ibid.; ATKINSON et. al., 2002). Considerando, pois, o discurso da professora, mencionado anteriormente, é perceptível que esses fatores imprimem a inferiorização não apenas ao aluno com deficiência, mas ao 118 grupo social no qual ele está inserido. Nesse caso, por razão de deficiência e de classe social, a discriminação múltipla é praticada. 1.4- Preconceito Preconceito é um vocábulo de origem latina (praejudicium) o qual demarca o prejuízo social que, em alguma medida, é vivenciado pela pessoa alvo da ação preconceituosa. Na base do preconceito estão as crenças sobre características rígidas e universais que são atribuídas a pessoas ou a grupos. Em outras palavras, o preconceito é uma atitude negativa baseada em generalizações e estabelecida na dimensão da crença, dos juízos de valor, do afeto e não do conhecimento. (GOFFMAN, 1988; GLAT, 1995). Essas opiniões, crenças, teorias admitidas sem ser analisadas influenciam o modo, às vezes inconsciente e ingênuo, como as pessoas agem diante de grupos em situação de vulnerabilidade e comumente estigmatizados. O preconceito é uma atitude (formação de opinião) próxima do estereótipo, que mal se funda em experiência (informação, conhecimento objetivo) e tanto mais em formações imaginadas ou generalizações subjetivas de opiniões, etc. É característica do preconceito também a persistência irrefletida, inflexível e resistente e a ação em sua maioria destrutiva (raramente benéfica) [...] (ADORNO et al 1978 apud DORSCH, 2001, p. 688). Três dimensões parecem sustentar os preconceitos: a social, a afetiva e a cognitiva. Entre os fatores sociais, podem-se destacar as injustiças sociais, o senso de identidade social, a conformidade e o suporte institucional. No caso dos fatores emocionais, podem estar vinculados à frustração-agressão e à personalidade autoritária, enquanto no caso dos fatores cognitivos podem estar situados na categorização, nos estímulos que capturam a atenção e a atribuição de causalidade. (PEREIRA, 2002). O poder e a força do preconceito advêm, portanto, do conjunto de ideias genéricas, pré-estabelecidas e mantidas na e pela sociedade. A exemplo da descrição que uma professora forneceu a Schneider (2003, p. 73) durante a 119 pesquisa: “— Viu como eles são fogo? Especialmente João. É um AE [aluno excepcional] típico.” Depreende-se dessa fala a crença equivocada de que os alunos com deficiência apresentam características comportamentais comuns e impróprias para o ambiente educativo, o que revela que “o preconceito possui um sentido eminentemente pejorativo, designando o caráter irrefletido e frequentemente dogmático dessas crenças, que se revestem de uma certeza injustificada”. (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006, p. 244). A atitude preconceituosa é, pois, fomentada no contexto histórico e cultural de percepção da diversidade humana no qual se sustenta frequentemente a ideia dicotômica da inferioridade e da superioridade, do eficiente e do deficiente, do dominado e do dominante. Um grande problema que se verifica na escola é que na materialização do preconceito o aluno com deficiência jamais é visto de acordo com as suas possibilidades, a visão que o enquadra, seguindo os trilhos da diferença psicológica, física e biológica, parte da referência e da comparação, assim o preconceito intensifica atitudes discriminatórias. 1.5- Discriminação O termo discriminação (do latim discriminatio) significa separar, apartar, distinguir; ação cujo ponto de partida reside nos modelos de compreensão da diversidade humana disponíveis socialmente e nos afetos positivos ou negativos que tais cognições suscitam. Geralmente a conduta (ação ou omissão) da pessoa preconceituosa, baseada em cognições injustas e injustificáveis, infringe os direitos sociais do indivíduo alvo da discriminação. A discriminação é, portanto, um comportamento manifesto, geralmente por uma pessoa preconceituosa, através da adoção de padrões de preferência em relação aos membros do próprio grupo e/ou de rejeição em relação aos membros de grupos externos. (PEREIRA, 2002). Assim, todas as vezes que pessoas com deficiência recebem tratamento diferenciado, esteado em cognições e afetividades coletivas e antigas, e são lesadas 120 nos seus direitos, percebe-se o efeito danoso da discriminação que funciona como um obstáculo social de difícil transposição para que se alcance a inclusão. Em uma das respostas fornecidas a Albuquerque (2007) por uma professora que trabalha com alunos com deficiência essa consequência do estereótipo (elemento cognitivo) e do preconceito (elemento afetivo) resultando em ação excludente fica evidente: O desenvolvimento dele. Eu não vejo ele se desenvolver. Eu não vejo ele desenvolver no geral. Porque ele tá aqui, na 2 ªsérie comigo e o que foi que ele melhorou? Uma tarefa toda ele não consegue fazer. E faz muito mal uma ou duas questões e o resto? Eu não vejo ele crescer aí. Se eu pegasse o caderno dele visse ele fazendo a tarefa, chateado, direitinho, mas ele é assim. Ele foi fabricado pra desenhar. Entendesse? Aí é difícil trabalhar com ele, não é. (ALBUQUERQUE, 2007, p. 120). Traduz-se do discurso dessa professora que a ação pedagógica efetivada por ela tem sido maléfica para todos os alunos, pois a prática de separar a turma em dois grupos, cujo aspecto considerado é a existência da deficiência, só trará a todos uma defasagem nos conteúdos, sobretudo nos atitudinais, e especificamente para o aluno com deficiência, alvo do rótulo, do destino pré-determinado, da marca da incapacidade. Para ele, restará a desqualificação, a rejeição advinda dos demais alunos que, sob a perspectiva da aprendizagem por modelagem ou reforço, poderão apreender com a professora que as pessoas com deficiência tem menores potencialidades e valor. Na atualidade, muitas vezes, o preconceito e a discriminação têm se apresentado de forma distinta da vivenciada e explicitada por essa professora, ou seja, em muitas ocasiões quem discrimina pode ser uma pessoa que professa valores igualitários e que se vê como alguém desprovido de preconceitos. Esse novo estilo de discriminação opera de uma forma bastante sutil, sem que o percebedor se dê conta ou tenha a intenção deliberada de discriminar ao outro e sem que o alvo da discriminação se sinta em condições de reagir de forma semelhante a que provavelmente reagiria se fosse objeto de uma discriminação ostensiva. (PEREIRA, 2002). As várias formas em que o ato discriminatório se manifesta traz danos, às vezes irreversíveis, para o aluno com deficiência, pois lhe atingem a identidade, os 121 direitos de pessoa humana, as oportunidades de interagir socialmente e de contribuir com a construção de bens sócio-culturais. Com base nos estudos sobre a discriminação realizados por Pereira (2002), pode-se afirmar que a forma menos insidiosa das barreiras atitudinais, mas nem por isso menos negativa no plano axiológico, é a rejeição verbal, que se manifesta por meio de comentários ácidos, anedotas ou mesmo insultos verbais (e.g. este aluno foi fabricado para desenhar). Uma forma um pouco mais grave é a evitação que se manifesta quando a pessoa que elicia o comportamento discriminatório adota estratégias cuja finalidade se resume a impedir o acesso ou o contato de pessoas do grupo alvo da discriminação (e.g. é melhor para o aluno com deficiência ser acompanhado por um professor especialista). Outro modo mais intenso impõe não apenas atos que se manifestam em uma dimensão verbal, uma vez que envolve um julgamento explícito em que a pessoa com deficiência é implícita ou claramente desvalorizada (e.g. este aí é um aluno excepcional típico). E uma quarta forma de manifestação de uma barreira atitudinal são os atos de exclusão ou de desigualdade, quando se impede um tratamento igualitário/equitativo entre os indivíduos ou quando os membros do grupo alvo têm o acesso negado a bens, objetos ou eventos (e.g. este aluno não acompanha os outros, não há o que fazer). Enfim, a forma mais insidiosa de materialização de uma barreira atitudinal é aquela que se apresenta através de ameaças, punições, como vem ocorrendo com as crianças e jovens que apresentam transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDH), cujo comportamento é, por vezes, avaliado como proposital. (LEITE; FERREIRA, 2008). Os graus de intensidade, as formas de manifestação das barreiras atitudinais e seus resultados deteriorantes conduzem a reflexão de que essas barreiras envolvem trans-questões, ou seja, situações científicas, sociais, legais, filosóficas, pedagógicas que atravessam cada circunstância de desvantagem vivenciada pela pessoa com deficiência nos espaços sociais. 122 A taxonomia dessas barreiras auxilia a clarificar o modo como elas se apresentam, complementam-se, polarizam-se sempre partindo das tipificações e generalizações equivocadas em relação às potencialidades da pessoa com deficiência e disponíveis historicamente na sociedade. 1.6- Taxonomia das barreiras atitudinais Uma taxonomia é um processo de classificação que, no caso deste estudo, pretende promover a compreensão e a análise da origem e da manutenção de barreiras sociais, as quais, ao longo da história humana, se cristalizaram nas relações interpessoais, nos discursos e nas atitudes conferindo à pessoa com deficiência um destino pré-determinado no limbo social. Segundo Amaral (1999 apud SILVA, 2007), embora se considere importante a reflexão sobre os nomes dados às coisas, pensa-se que esse denominar é apenas uma ponta do iceberg, pois a grande massa gélida que se esconde nas profundezas do oceano da convivência humana é constituída pelo efeito das atitudes cujos resultados são tão danosos que, por vezes, não são possíveis de serem expressos em palavras. Aqui se propõe, então, o conhecimento e a reflexão acerca da proposição taxonômica das barreiras atitudinais, delineada por Lima (2000)16; Lima e Lima, em 200517; revisitada/ampliada por Lima e Tavares, em 2007 18; utilizada em pesquisa de mestrado efetivada no PPGE/UFPE por Guedes, sob orientação de Lima ( 2007). 16 No texto “Questão de postura ou de taxonomia? Uma proposta” publicado na Revista do Instituto Benjamin Constant, nº15, em 2000 e reeditado na Coleção Pedagógica- RN- Natal, em 2003. 17 Relatório intitulado “A Empregabilidade da Pessoa com Deficiência: um Estudo do Potencial Empregador de uma Concessionária de Energia Elétrica”, resultante do projeto “A Empregabilidade da Pessoa com Deficiência e a Celpe: um estudo da potencialidade empregadora de uma empresa concessionária de energia elétrica para a promoção da cidadania da pessoa com deficiência permanente ou temporária” desenvolvido no Programa de Desenvolvimento (P&D) da Companhia Energética de Pernambuco. (CELPE) / (Contrato nº. 4600005024),2005. 18 Reeditado, em 2008, no livro Itinerários da Inclusão Escolar. 123 Depreende-se dos textos desses autores que as barreiras atitudinais comumente impedem as pessoas com deficiência de gerir suas vidas, explorar suas próprias possibilidades. Em outras palavras, esse processo de construção e de manifestação das barreiras atitudinais atribui a pessoa com deficiência o lugar do descrédito social, deteriora-lhe o empoderamento, que consiste no poder pessoal inerente a cada pessoa de fazer escolhas, de tomar decisões etc. (SASSAKI, 2006). No âmbito da educação, de acordo com Carvalho (2000) e Mantoan (2001), essas barreiras estão na base da exclusão, seja quando se impede o acesso e o ingresso de pessoas com deficiência, seja quando se expulsam essas pessoas de forma ostensiva ou sutil, não lhes oferecendo condições possibilitadoras da aprendizagem, imputando-lhes condição inferior em relação aos seus pares. Tais barreiras podem se manifestar de diversas formas e intensidades e sempre veiculam, firmam impedimentos à cidadania da pessoa com deficiência. 1.6.1- Barreira Atitudinal de Substantivação Historicamente os indivíduos com deficiência têm sido chamados de deficientes. Tendo esse termo o sentido de ineficiente, incapaz, imperfeito, defeituoso etc. A barreira atitudinal de substantivação é materializada no discurso quando este se refere à falta de uma parte ou sentido da pessoa como se a parte “faltante” fosse o todo. Ex: o deficiente mental, o cego, o “perneta”, etc. (LIMA; TAVARES, 2007). Neste caso, [...] o nome não tem apenas uma função denotativa, mas implica também em uma função conotativa. O nome “deficiente” exprime um significado específico, e confere ao indivíduo assim nomeado uma identidade social e pessoal estereotipada. [...]. Os outros não se relacionam com as pessoas estigmatizadas em si, mas sim com o seu rótulo: o surdo, o crioulo etc. Criando como lembra Shneider (1985), ‘uma relação de distância e despersonificação’ (GLAT, 1995, p. 24). Esse procedimento nutre na sociedade a barreira social do déficit, da incapacidade, da inferioridade, da pena e sustenta a divisão da sociedade na dicotomia deficiente versus normal. 124 De acordo com essa perspectiva , Berthou (2009, p. 18-19) afirma que em se tratando de pessoa ou de grupos apresentando necessidade ou diferença, [...] o normal estabelecido vem a ser a regra; o resto é exceção. No limite, há a pessoa humana e a pessoa deficiente, ou pior, o deficiente, o louco, o marginal, alguém inferior. O adjetivo se transmuda em substantivo. Esse olhar redutor manifesta um ponto de vista estigmatizante sobre a realidade alheia. Olhar negativo, ele conduz à rejeição ou à proteção. [...]. Fazer referência à deficiência em detrimento do todo da pessoa que a tem, além de ser pejorativo, deteriora a autoestima da pessoa com deficiência, constituindo, pois, numa barreira atitudinal. (LIMA; TAVARES, 2007; LIMA; GUEDES; GUEDES, 2009). Assim como a substantivação da deficiência em deficiente, a substantivação da diferença em diferente constitui barreira atitudinal, pois igualmente reduz o indivíduo à substantivação de uma de suas características. Lima (2006) ao questionar o uso da substantivação “diferente” propõe uma reflexão esteada na ética: o trato honesto para com a pessoa com deficiência. Ao fazê-lo questiona a expressão “portadores de diferenças menores”, dizendo que tanto as pessoas com deficiência não devem ser chamadas de diferentes, quanto não há diferenças menores, visto que a diferença é atributo da humanidade e não exclusiva da pessoa com deficiência. Nas palavras do autor, então, lê-se que “o termo ‘diferente’ é um eufemismo para termos que incluem dizer honestamente que uma pessoa é cega, surda, ou tem deficiência física, intelectual, cerebral, etc.” (Id., Ibid. p. 58). A barreira atitudinal de substantivação sustenta-se na leitura equivocada da deficiência não como algo constitutivo da pessoa humana, mas como sinônimo de diferença, de desvio. Segundo Cruz (1991, p. 19), Diferença pressupõe deficiência; deficiência pressupõe dependência, num mundo preparado para a normalidade. Dependência pressupõe tutela e atitudes paternalistas que, por sua vez, pressupõem irresponsabilidade, incapacidade de autogestão, minoridade. [...] . O processo de substantivação da deficiência tornando o indivíduo deficiente, logo reduzindo-o a uma classe, segmentada e não pertencente a outras, também é 125 visto nas situações de raça, gênero etc. em que um atributo é tomado para definir o todo da pessoa. Este fenômeno atravessa o universo social real representado pela conjunção das categorias sociais classe/ raça/ gênero/idade, vistas normalmente como categorias existentes em separado e não remissíveis umas as outras. (Id. Ibid.). As pessoas com deficiência precisam do respeito de todos. Parte dessa consideração é expressa pelo modo como a elas outros sujeitos sociais se referem. A substantivação não denota respeito às idiossincrasias dessas pessoas. Assim, não considerar a identidade de pessoa humana do indivíduo com deficiência é efetivar uma das múltiplas manifestações da discriminação. 1.6.2 – Barreira Atitudinal de Adjetivação ou de Rotulação A barreira atitudinal de adjetivação é o uso de rótulos ou atributos depreciativos em função da deficiência. Assim como a barreira atitudinal de substantivação, a de adjetivação também predispõe as pessoas sem deficiência a pressupor comportamentos da pessoa que foi rotulada compatíveis com a representação social que foi imposta a ela. Incapaz, pecadora, feia, supranormal, marcada pelo destino, estigmatizada, indesejada, descartável, amaldiçoada, impura, possessa: eis alguns dentre os muitos rótulos desabonadores impostos a uma pessoa com deficiência, pelo simples fato de teimar em continuar existindo. (CERIGNONI, RODRIGUES, 2005, p. 46). A adjetivação, compreendida como uma barreira atitudinal, é, portanto, um processo tão contundente que pode gerar no indivíduo uma identificação total com o papel e as tipificações que lhe são atribuídos. Esse processo conduz as pessoas com deficiência a ver a si próprio como se não fosse nada além do rótulo. (GLAT, 1995). Lima et. al. (2009, p. 18) ao se referirem à barreira atitudinal de adjetivação, em relação à pessoa com deficiência visual, afirmam [...] o uso de adjetivação, tanto deteriora individualmente a identidade das pessoas, como o faz coletivamente, a partir da presunção de que o indivíduo com deficiência visual ou o grupo de pessoas com deficiência visual, por exemplo, seriam formados por pessoas ‘deficientes’ (ineficientes), ao passo que o que são designase, com melhor conceito, de pessoa com deficiência. Nos dois casos, 126 a barreira atitudinal e o desrespeito residem em adjetivar as pessoas de forma depreciativa. Utilizar, pois, adjetivos para classificar ou designar pessoas pejorativamente como “lentas”, “agressivas”, “dóceis”, “difíceis”, “alunos-problema”, “deficientes mentais’” etc. é uma ação que deteriora a identidade das pessoas com deficiência. No âmbito escolar, a rotulação é contraprudecente à excelência educacional. (LIMA, TAVARES, 2007). A designação indica, pois, a imagem profunda que a sociedade constrói acerca da pessoa com deficiência. Os processos de substantivação e de adjetivação atingem uma dimensão preocupante por não considerar na pessoa com deficiência “as múltiplas dimensões do ser humano – quer na sua realidade humana, pessoal por sua presença, quer funcional, por suas capacidades em áreas particulares de expressão”. (BERTHOU, 2009, p.35). 1.6.3- Barreira Atitudinal de Propagação Outra barreira atitudinal cuja expressão pressupõe a deterioração da identidade de pessoa humana, indivisível e capaz é a barreira atitudinal de propagação. Ela é a suposição de que uma pessoa, por ter uma deficiência, tem outras. Neste caso, o estereótipo de diferentes deficiências é aplicado a um indivíduo em função da deficiência que ele tem. Ao se achar, por exemplo, que uma pessoa surda não fala, passa-se a entendê-la como tendo deficiência intelectual. Uma pessoa surda não pode mais ser vista como sendo “surdo-muda”. Ela pode falar em libras ou em qualquer outra língua oral, desde que seja ensinada. A barreira atitudinal de propagação imprime à pessoa com deficiência a incapacidade que ela não tem. A sociedade tem mantido um efeito de propagação da deficiência através da suposição de que a deficiência de uma pessoa implica em outra ou afeta negativamente outros sentidos, habilidades e traços da personalidade. Essa barreira atitudinal surge quando pessoas sem deficiência imaginam, por exemplo, que a pessoa com deficiência auditiva ou física tem também deficiência 127 intelectual; supõem que a pessoa com deficiência visual também tem deficiência auditiva ou intelectual etc. (LIMA; TAVARES, 2007; LIMA; GUEDES; GUEDES, 2009). Quando, portanto, a deficiência é visivelmente identificada, o julgamento advindo da perspectiva do desvio e da propagação da deficiência pode ser mais frequentemente praticado. (GLAT, 1995; VELHO, 2003). Um estudo que derruba a barreira atitudinal de propagação em relação à pessoa com deficiência física é relatado em trabalho recente efetivado por Melo (2010), que ao analisar a inclusão educacional do aluno com deficiência física verifica que a diminuição ou a ausência de motricidade não tem relação com a capacidade cognitiva. Esse autor (Ibid.) afirma que as crianças com deficiência motora grave e incapacidade da fala, consideradas “retardadas mentais” (sic) (barreira atitudinal de propagação), após a implementação de meios alternativos de comunicação e expressão, apresentaram resultados compatíveis aos de crianças consideradas normais. Dessa experiência, depreende-se que a falta de acessibilidade nas escolas promovem o insucesso do aluno com deficiência. Por outro lado, confirma que os rótulos, enquanto barreira atitudinal de propagação, expandem a leitura que se tem da deficiência a outras dimensões da pessoa humana, atribuindo, no caso da pessoa com deficiência física, a deficiência intelectual e a marca descabida da incapacidade. 1.6.4- Barreiras Atitudinais de Estereótipos A barreira atitudinal de estereótipos é a representação social “positiva” ou “negativa”, sobre pessoas com a mesma deficiência, tem origem subjetiva e base, principalmente, cognitiva. Os estereótipos influenciam as interações sociais e incitam uma tendência em enfatizar o que há de similar entre as pessoas, não necessariamente similares, e em 128 agir de acordo com esta percepção com experiências atuais e futuras. (HORNE, 1985; RODRIGUES et.al., 2009). Quando esses esquemas de compreensão surgem, por exemplo, em torno do comportamento e potencialidades da pessoa com deficiência, provocam a manutenção de tipificações sobre todas as pessoas que apresentam aquela mesma deficiência. (LIMA; GUEDES; GUEDES, 2009). Consoante Horne (op.cit.), parece que quanto mais grave a deficiência, mais negativa é a atitude. Essa relação pode indicar que os estereótipos estão bem estabelecidos em nossa sociedade e não podem ser sujeitos a modificações simplistas. Corroborando esse entendimento Sassaki (1997), Carvalho (2000), Mantoan (2001), Lima (2006) e Guedes (2007) afirmam que todas as barreiras atitudinais são de difícil remoção. A barreira atitudinal de estereótipos, de acordo com Lima e Tavares (2007), no ambiente escolar, ocorre quando, a partir da comparação do aluno com deficiência e outros alunos com a mesma deficiência, são construídas generalizações positivas e/ou negativas sobre todos os alunos com deficiência. Horne (1985) corrobora essa ideia e postula que os estereótipos podem afetar o desempenho acadêmico dos alunos rotulados. Nesse caso, “como o estereótipo é, por natureza, depreciativo, todas as potencialidades do indivíduo são subestimadas e ele passa a ser visto apenas como um exemplo do estigma”. (GLAT, 1995, p. 24). Estereotipar pode, portanto, levar a compreensões incorretas e indevidas, principalmente, quando em razão do véu aglutinador dos modelos de entendimento, não se consegue perceber as pessoas com deficiência e suas idiossincrasias. 1.6.5 – Barreira Atitudinal de Generalização Diferente da barreira atitudinal de estereótipos, em que se generaliza a partir de uma representação social que se tem da pessoa com deficiência, a barreira atitudinal de generalização parte da experiência ou conhecimento que se tem de um indivíduo ou grupo com deficiência. Ou seja, essa barreira atitudinal é construída 129 através de um esquema cognitivo baseado numa experiência interacional e essa estrutura representará e fornecerá o pseudoconhecimento acerca de pessoas e situações. Essa barreira atitudinal tem base afetiva e é, principalmente, objetiva. Segundo Lima e Tavares (2007), a barreira atitudinal de generalização ocorre na escola quando professores ou alunos sem deficiência generalizam aspectos positivos ou negativos de um aluno com deficiência em relação a outro com a mesma deficiência, imaginando que ambos terão os mesmos avanços, dificuldades e habilidades no processo educacional. Essa generalização homogeneíza os indivíduos colocando-os numa classe, desconsiderando-lhes as idiossincrasias. Será a partir da barreira atitudinal de generalização que outra barreira se sustentará, a saber: a barreira atitudinal de padronização. 1.6.6- Barreira Atitudinal de Padronização A barreira atitudinal de padronização consiste na provisão de um serviço efetivado do mesmo modo para todas as pessoas com deficiência, a partir de generalizações feitas da experiência com um indivíduo ou grupo. No âmbito pedagógico, essa barreira social pode ser materializada ao se [...] fazer comentários sobre o desenvolvimento dos alunos, agrupando-os em torno da deficiência; conduzir os alunos com deficiência às atividades mais simples, de baixa habilidade, ajustando os padrões ou, ainda, esperar que um aluno com deficiência aprecie a oportunidade de apenas estar na escola (achando que, para esse aluno, basta a integração quando, de fato, o que lhe é devido é a inclusão). (LIMA; TAVARES, 2007, p.29). Ao refletir sobre o enfrentamento dessa barreira atitudinal, Lima et. al. (2009) alertam sobre o fato de que as pessoas com deficiência não formam grupos homogêneos, ainda que tenham características semelhantes. Assim, a eliminação da barreira atitudinal de padronização é possível quando se conjuga o respeito às individualidades de cada pessoa com deficiência e a acessibilidade como promotora desta atenção. (SASSAKI, 2006). 130 1.6.7- Barreira Atitudinal de Particularização A crença em formas restritivas, particulares de a pessoa com deficiência não se desenvolver em todos os ambientes sociais, porém, em apenas num ambiente segregado é o elemento incitador da barreira atitudinal de particularização. Em outros termos, a barreira atitudinal de particularização é a segregação das pessoas em função de uma dada deficiência e do entendimento de que elas atuam de modo específico ou particular por causa dessa deficiência. Esse entendimento, esteado na deficiência como condição determinante e limitante das potencialidades do indivíduo que a tem, promove a compreensão de que há modos particularizados, específicos para a participação das pessoas com deficiência na produção de bens socioeconômicos, no estabelecimento de relações afetivas e profissionais, sendo esse caminho especificamente definido pela natureza da deficiência. A barreira atitudinal de particularização está estritamente relacionada ao processo de padronização, a partir do qual se toma de uma experiência individual ou coletiva e se generaliza a provisão de um serviço ou um produto para todos com a mesma deficiência. Essa barreira atitudinal constitui um processo de segregação, presente no tratamento que é dispensado às pessoas com deficiência, com base na crença de que elas são incapazes de elaborar e conviver com o que diverge da norma. Logo, a particularização se sustenta na crença de que as pessoas com deficiência necessitam ser entendidas, consideradas, tratadas à parte do todo da comunidade humana. No âmbito do ensino, Lima e Tavares (2007) explicam que essa barreira pode ser materializada quando se afirma, de maneira restritiva, que o aluno com deficiência está progredindo à sua maneira, do seu jeito, etc.; ou ainda quando se supõe que uma pessoa com deficiência só aprenderá com outra com a mesma deficiência. Como se vê, essa barreira social, cuja compreensão está aportada na filosofia e práticas segregacionistas do passado, tem efeitos prejudiciais às pessoas com 131 deficiência e à sociedade em geral. Segundo Stainback e Stainback (1999, p. 4344), [...] a ideia de que [as pessoas com deficiência] poderiam ser ajudadas em ambientes segregados, alijadas do resto da sociedade, fortaleceu os estigmas sociais e a rejeição. Para as escolas regulares, a rejeição das crianças com deficiência contribuiu para aumentar a rigidez e a homogeneização do ensino, para ajustar-se ao mito de que, uma vez que as classes tivessem apenas alunos normais, a instrução não necessitaria de outras modificações ou adaptações. Para a sociedade em geral, a rejeição reforçou a mentalidade do “nós contra eles”, o que contribuiu para disseminar a incapacidade de apreciar a diversidade social e cultural e valorizar as coisas significativas que nos unem. Traduz-se da afirmativa desses autores que a particularização gera e é gerada pela segregação. Particularizar tem sido, então, um dos processos responsáveis pela manutenção de sistemas sociais e educacionais distintos, um destinado às pessoas com deficiência e o outro aos considerados normais. Essa construção socioeconômica e simbólica tem reforçado o mito de que, em função da deficiência, as pessoas aprendem, trabalham, interagem, sentem, vivem de maneira tão diferente que requerem métodos, técnicas e recursos cognitivos ou técnicos acentuadamente distintos dos utilizados pela comunidade em geral. (STAINBACK, STAINBACK, 1999; MARTINS, 2002; GUEDES, 2007; LIMA; TAVARES, 2007). 1.6.8- Barreira Atitudinal de Rejeição A barreira atitudinal de rejeição é a recusa irracional de interagir com uma pessoa em razão da deficiência. Essa recusa se faz não por medo, nem por ignorar como agir perante uma pessoa com deficiência. A rejeição não se deve a uma experiência anterior com o indivíduo ou grupo a partir do qual se generaliza uma experiência ruim, ela é a mera expressão da recusa por razão de deficiência, independentemente de quaisquer atributos “positivos” relacionados a uma pessoa ou grupo. A barreira atitudinal de rejeição é perversa, pois na negativa de interagir com a pessoa com deficiência não se lhe dá a oportunidade de quebrar demais barreiras como a subestimação, a adjetivação etc. Quando se pratica essa barreira 132 simplesmente se nega o indivíduo como pessoa humana, colocando-o em um limbo social. 1.6.9- Barreira Atitudinal de Negação A barreira atitudinal de negação é quando se nega a existência ou limite decorrente de uma deficiência. Resulta em um pseudotratamento igualitário que, no entanto, exclui por não considerar os limites reais impostos por uma deficiência. No entendimento de Carvalho (2006, p. 59), a negação é [...] certamente, uma forma de exclusão, talvez mais grave do que a física – que segrega pessoas em espaços restritivos, pois revela sua exclusão dentro de nós, num movimento inconsciente de rejeição à suas diferenças, porque significativas. A barreira atitudinal de negação pode ser manifestada através da existência de uma aparente naturalização da deficiência, em construções discursivas como “todos somos deficientes” ou “não existem normais”. Tal naturalização tanto pode contribuir para uma aproximação das diferenças quanto para reduzir as especificidades a uma “diferença” homogeneizada, não sendo muito distinta, em seus efeitos de sentido, daquela naturalização criada pelos processos segregativos, que atribuía ao indivíduo a responsabilidade pela deficiência. (ANJOS, ANDRADE, PEREIRA, 2009, p. 5-6). Ao desconsiderar, pois, a deficiência como atributo da pessoa humana além de manifestar a barreira atitudinal de negação é uma forma de não reconhecer as necessidades específicas da pessoa com deficiência. Consoante Carvalho (2006, p. 59), Negar a deficiência (sensorial, mental, física, motora, múltipla ou decorrente de transtornos invasivos do desenvolvimento) de inúmeras pessoas é tão perverso quanto lhes negar a possibilidade de acesso, ingresso e permanência bem sucedida no processo educacional escolar, recebendo a educação escolar que melhor lhes permita a remoção de barreiras para sua aprendizagem e participação. Uma das formas da negação da deficiência é a manutenção dos eufemismos. Sassaki (2010, p.2) esclarece que “o ponto frágil do eufemismo é que, na tentativa de dissimular a deficiência, ele acaba não sendo capaz de descrever a especificidade da condição que a pessoa tem”. Portanto, são diversos os prejuízos 133 que esta barreira atitudinal traz às pessoas com deficiência, pois quando há uma naturalização/desconsideração da deficiência a sociedade não se organiza ou se responsabiliza pela inclusão social dessas pessoas. Logo, a acessibilidade permanece inexistente. 1.6.10 - Barreira Atitudinal de Ignorância A barreira atitudinal de ignorância é o desconhecimento que se tem de uma dada deficiência, das habilidades e potenciais daquele que a tem. É comumente expressa pelo não saber/ conhecer a potencialidade/capacidade da pessoa com deficiência e é mais facilmente eliminada pela tomada de conhecimento de que a postura anteriormente tida para com a pessoa com deficiência se deveu aquele ignorar, ao desconhecimento. A barreira atitudinal de ignorância surge, então, do desconhecimento acerca das potencialidades da pessoa com deficiência. Essa barreira atitudinal estea-se em modelos de entendimento acerca da deficiência os quais foram surgindo e sendo revitalizados pelo senso comum. Nesse caso, julga-se frequentemente a pessoa com deficiência pelo não saber, pela falta de informação positiva. desinformação ou as compreensões Pereira (2002, p. 86) explica que a equivocadas podem interferir no comportamento social: Presume-se que se as pessoas vivem em um emaranhado de concepções errôneas sobre as características físicas, psicológicas e sobre as tradições culturais de uma determinada categoria social , acabarão por perder a dimensão exata da realidade em que vivem, adotando consequentemente um comportamento marcado pelos pressupostos etnocêntricos. O etnocentrismo é um conceito antropológico referente à avaliação que se faz de uma pessoa ou grupo tomando como ponto de partida o grupo de origem, os valores e as ideologias do avaliador. Essa avaliação, realizada a partir de um ponto de vista específico, em que o outro é sempre o diferente, é, por definição, preconceituosa e nutre a dificuldade social de pensar e aceitar a diferença como constitutiva do gênero humano. (ROCHA, 1985). 134 Segundo Rocha (Ibid., p. 8), “no plano intelectual, isso pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimento de estranheza, medo, hostilidade, etc.”. Esses aspectos geram, então, a negação de quaisquer características de gênero, compleição física, ideológicas etc. constitutivas da pessoa humana. 1.6.11- Barreira Atitudinal de Medo A barreira atitudinal de medo é o receio em fazer ou dizer “algo errado” diante da pessoa com deficiência. Essa barreira atitudinal pode se manifestar através do uso de eufemismos ou pode se revelar, de forma sutil , na esfera do comportamento, através do receio (medo) de que a pessoa com deficiência faça, diga “algo errado” perante terceiros, na relação social. Assim como a barreira de ignorância, a barreira atitudinal de medo é quebrada no momento em que ocorre a tomada de consciência a respeito de sua causa; no momento em que há uma interação com a pessoa com deficiência, ou seja, essas circunstâncias levam a ruptura da situação de medo, pelo conhecimento de que ele era descabido, desprovido de razão de ser etc. 1.6.12- Barreira Atitudinal de Baixa Expectativa ou de Subestimação A barreira atitudinal de baixa expectativa ou subestimação é o juízo antecipado e sem fundamento (conhecimento ou experiência) de que a pessoa com deficiência é incapaz de fazer algo, atingir uma meta etc. Essa barreira atitudinal atinge negativamente o desenvolvimento das potencialidades da pessoa com deficiência, pois provoca a baixa-estima; torna-se obstáculo para a escolarização, para o labor e para a vida afetiva e social dos indivíduos com deficiência, os quais são alvos da perspectiva limitante imposta pela sociedade. O mais deteriorante desse processo é que as pessoas com deficiência podem internalizar a avaliação depreciativa e se auto-julgar incapazes. A barreira atitudinal de baixa expectativa pode, então, levar a duas situações: estimular as pessoas a 135 não esperarem que o indivíduo com deficiência seja capaz de fazer qualquer coisa, e quando faz, o elogio é grosseiramente desproporcional (barreira atitudinal de supervalorização). Ou incitar nas pessoas a compreensão de que o indivíduo com deficiência sempre produzirá, compreenderá, se desenvolverá emocional e culturalmente menos que outros sem deficiência (barreira atitudinal de inferiorização). Outro exemplo do impacto dessa barreira atitudinal na constituição identitária da pessoa com deficiência pode ser lido em recente estudo efetivado por Maia (2011). O autor realizou algumas oficinas de produção de vídeodocumentário, oferecidas pelo Instituto de Educação e Reabilitação de Cegos do Rio Grande do Norte - IERC/RN, com a participação de pessoas não videntes, com baixa visão e videntes colaboradores da instituição. Nesse estudo, Maia (Ibid., p. 69) diz que [...] alguns dos participantes relataram que haviam se inscrito para constatar se era realmente possível um cego trabalhar produzindo imagens, pois todas as pessoas que elas (sic) conheciam diziam ser impossível a produção de imagens por cegos com tanta veemência que até elas (sic) mesmas passaram a duvidar se era realmente possível. Diante dessa resposta dos participantes, esse autor considera que Essa forma de pensar, de avaliar e de formular concepções fechadas, é construída e absorvida socialmente desde as primeiras experiências da criança e vai sendo reforçada eliminando outros modos possíveis de conhecer e, no caso dos não videntes, de perceber as potencialidades além do que é apresentado como “próprio” para uma pessoa que não enxerga. (Id.,Ibid.). A pessoa com deficiência pode então, desde a tenra idade, hospedar essa imagem distorcida que a sociedade lhe oferece em relação ao que se espera dela enquanto sujeito social. 1.6.13- Barreira Atitudinal de Inferiorização da deficiência A barreira atitudinal de inferiorização é uma atitude constituída por meio da comparação pejorativa que se faz do resultado das ações das pessoas com deficiência em relação a outros indivíduos sem deficiência, atribuindo à deficiência resultados negativos que não são devidos a ela, sob a justificativa de que o que não 136 foi alcançado pelas pessoas com deficiência é inferior, exclusivamente, em razão da deficiência. A base dessa barreira social, segundo Guedes (2007), está na percepção de que a deficiência limita as pessoas de forma determinante e irreversível. No que concerne a empregabilidade da pessoa com deficiência, essa autora defende que o processo de inferiorização [...] têm o poder de “minimizar” a visão dos empregadores/selecionadores a respeito das potencialidades das pessoas com deficiência, vendo-as a partir de suas limitações e subestimando sua capacidade laboral pela crença de que são menos capazes ou completamente incapazes para o trabalho. (Id., Ibid., p. 127) Quando, portanto, na comparação há o destaque para a deficiência, banindo das experiências sociais o reconhecimento justo de atos, contribuições trazidas pelas pessoas com deficiência, tem-se a manutenção da barreira atitudinal de inferiorização. 1.6.14- Barreira Atitudinal de Menos Valia A barreira atitudinal de menos valia consiste na avaliação depreciativa das potencialidades, ações e produções das pessoas com deficiência. Essa avaliação é incitada pela crença de que a pessoa com deficiência é incapaz ou que o que conseguiu alcançar, o que produziu tem menos valor do que trabalho igual ou inferior ao seu, produzido pela pessoa sem deficiência. Isto é, na barreira atitudinal de menos valia, avalia-se para baixo aquilo que a pessoa com deficiência fez, esteando a avaliação na deficiência a qual, sob essa ótica, tudo o que o indivíduo com deficiência produzir terá menor qualidade, não será tão bom quanto o produzido por seu par sem deficiência etc. 1.6.15- Barreira Atitudinal de Adoração do Herói ou de Superestimação A barreira atitudinal de adoração do herói consiste na supervalorização ou superestimação de ações, comportamentos, aprendizagens, produções, atitudes efetivadas pelas pessoas com deficiência; não pelo que essas pessoas atingiram, 137 mas porque delas se esperava algo de inferior intensidade. Em outras palavras, a hipervalorização das construções efetivadas pela pessoa com deficiência é um processo resultante da barreira atitudinal da baixa expectativa ou subestimação. É comum, portanto, que pessoas com deficiência, na medida em que conseguem adaptar-se ao meio sem exigir transformações no mesmo, sejam apontadas como figuras emblemáticas ou exemplares, “exemplos de superação”, como verdadeiros heróis. (CERIGNONI; RODRIGUES, 2005). Como menciona Sinason (1993 apud LOURO, 2003, p. 28) acreditar que a pessoa com deficiência [...] goza de alguma ‘capacidade superior’ porque consegue desempenhar as mesmas tarefas que uma pessoa normal ou, até mesmo, tarefas que exijam habilidades específicas, é postura tão maléfica e equivocada quanto acreditar que, por ser portador de deficiência, não consiga realizar nada de significativo. A baixa expectativa e a adoração do herói são barreiras atitudinais que constituem as duas faces opostas e complementares de um mesmo processo que desqualifica a pessoa com deficiência. Além disso, o processo de exaltação das construções e respostas sociais, o elogio desmedido, também está vinculado às substantivações e adjetivações recebidas pelas pessoas com deficiência: “especial”, “excepcional”, “gênio” (no caso das pessoas com altas habilidades). Termos que por um lado denotam a diferença entendida estritamente como deficiência e, por outro, ressaltam a deficiência como uma excepcionalidade. Exaltar, pois, a pessoa com deficiência não pelo que ela faz, constrói, pensa, expressa, produz, mas pelo que ela é: pessoa com deficiência, tem sido um comportamento social quase comum. Como afirma Louro (2003, p. 28), Muitos acreditam que pelo fato dessas pessoas terem uma dificuldade acentuada em algum aspecto, tudo que ele (sic) faça, mesmo que sua deficiência não interfira em modo algum nesse fazer, é melhor, ou mais importante que os demais. Sendo assim, ele (sic) recebe mais elogios por parte dos amigos, mais atenção por parte dos familiares, mais notas por parte dos professores, entre outras situações. 138 Ao tornar fáceis as coisas imprimindo às pessoas com deficiência uma pseudoconstrução ou elogiar de modo desmedido as ações realizadas por elas são barreiras atitudinais equivalentemente prejudiciais à identidade de pessoa humana. 1.6.16- Barreira Atitudinal de Exaltação do Modelo A barreira atitudinal de exaltação do modelo ocorre quando se compara a pessoa com deficiência e a pessoa sem deficiência usando a primeira como um modelo a ser seguido, justificando a “vantagem”, o “desempenho” da primeira meramente pela deficiência. Isto é, enquanto que na barreira atitudinal de menos valia ou de baixa expectativa/subestimação se coloca a pessoa com deficiência “abaixo”, na barreira atitudinal de exaltação do modelo, a pessoa com deficiência “está acima” ou “é melhor”, justificado por ter a deficiência. Em outras palavras, a barreira atitudinal de exaltação do modelo é vivenciada todas as vezes em que se utiliza a deficiência do indivíduo para ressaltar uma qualidade ou habilidade que ele apresente. No âmbito do ensino, de acordo com Lima e Tavares (2007), essa barreira atitudinal é manifestada quando se utiliza a imagem do estudante com deficiência como modelo de persistência e coragem diante dos demais alunos. Nesse caso, o fato de ter uma deficiência é o que eleva a pessoa. 1.6.17- Barreira Atitudinal de Compensação A barreira atitudinal de compensação é quando se favorece, privilegia e paternaliza a pessoa com deficiência com algum bem ou serviço, por piedade e percepção de déficit. Esse processo leva ao favorecimento/vantagem das pessoas com deficiência. Muitas são as formas e os danos trazidos por essa barreira social entre eles: [...] facilitar as coisas que poderiam ser conquistadas como outra pessoa qualquer, ou, não aceitá-lo como capaz de alcançar determinados objetivos, são posturas comuns e equivalentemente prejudiciais, pois, ou lhes empregam limites demasiados, ou não lhes dão parâmetro algum de limites. (LOURO, 2003, p.2). 139 Nesse caso, marcam-se as pessoas com deficiência como “coitadinhas”, temse com elas cuidados excessivos. E esses exageros se dão em razão da tendência da sociedade imaginar e mensurar o sofrimento que as pessoas com deficiência passam. 1.6.18-Barreira atitudinal de dó ou de pena É a expressão e/ou atitude piedosa manifesta para com às pessoas com deficiência, restringe-as e mesmo as constrange pelas atitudes que se tem para com elas. Essa barreira atitudinal é aparente no uso de diminutivos e de outras expressões de comiseração, tanto quanto em comportamentos de “proteção desmedida”. 1.6.19- Barreira Atitudinal de Superproteção Por temer que as pessoas com deficiência sofram, experienciem insucessos e dificuldades, além da barreira atitudinal de compensação, de dó ou pena a sociedade tem manifestado a barreira atitudinal de superproteção. A barreira atitudinal de superproteção é a proteção desproporcional esteada na piedade ou na percepção de incapacidade do sujeito realizar algo, tomar decisão por si só, avaliar adequadamente perigo etc. Essa barreira social impede as pessoas com deficiência de tomarem suas próprias decisões, efetivarem ações com independência, pois, a crença e o medo de que elas fracassem deterioram-lhes o empoderamento. Outro modo de apresentação dessa barreira é o paternalismo o qual pode ser compreendido como [...] um vínculo vertical, caracterizado pelo domínio de uma pessoa sobre a outra com base em benefícios que a primeira realiza para a segunda, tornando-se esta ‘devedora’ daquela. Expressa-se por meio de uma ajuda caritativa que serve para sustentar o poder dos ‘benfeitores’ sobre os ‘beneficiários’, impedindo este último de avançar no sentido da própria autonomia. No contexto paternalista, a pessoa com deficiência é tratada como alguém cronicamente 140 dependente, incapaz e evoluir e atingir autonomia. (CERIGNONI; RODRIGUES, 2005, p. 41) A barreira atitudinal de superproteção impede que as pessoas com deficiência experimentem suas próprias estratégias de aprendizagem e de produção. A manutenção e os efeitos de todas essas barreiras atitudinais desvirtuam as potencialidades e, por vezes, até a humanidade da pessoa com deficiência, pois revelam e nutrem o espírito coletivo e dicotômico do “nós contra eles”, do “normal contra o patológico” , do “eficiente contra o incapaz” etc. sustentado pela ideia do déficit, pelo sentimento de dó, pela rejeição. (STAINBACK; STAINBACK, 1999; BERTHOU, 2009). As barreiras atitudinais se renovam, então, através de crenças, preconceitos, posturas que limitam, excluem, prejudicam, marginalizam a pessoa com deficiência. Essas barreiras também são potencialmente danosas porque induzem o indivíduo com deficiência a uma concepção enganosa de si e, muitas vezes, a autoimagem advinda desse processo social deteriora a capacidade do indivíduo exigir seus direitos e de contribuir com as produções socioeconômicas e culturais. As barreiras sociais, compostas por componentes cognitivos, afetivos e sociais são vivificadas pela falta de um repertório informacional adequado/positivo acerca da deficiência e da pessoa que a tem. Essa é a razão para que nos diversos documentos legais internacionais e nacionais (conforme se verificará no capítulo 2) se vise à erradicação do preconceito, da discriminação e das barreiras atitudinais contra a pessoa com deficiência como centralidade para a construção de uma sociedade inclusiva. 141 Capítulo 2 A eliminação atitudinais: das barreiras contribuições do discurso da legislação “A discursividade produzida na legislação [sobre a pessoa com deficiência] define, identifica, classifica, determina o que, como e quando fazer e quem vai fazer. Designa um lugar/não lugar, uma forma/não forma de significar.(...) [Assim] colocando-se o dito em relação com o não dito no discurso, ouvindo naquilo que o sujeito legislador diz o que ele não diz, mas que igualmente produz sentido, pode-se interpretar a sua ação.” (MARQUEZAN, 2009, p.152). Há milhares de anos, pessoas em condições de vulnerabilidade vêm sendo vitimadas pela forma desigual em que os direitos humanos são vivenciados. Entre as barreiras que pessoas com deficiência se deparam no decurso de suas vidas estão as atitudinais. Essas barreiras caracterizam os indivíduos com deficiência como desviantes; confirmam e perpetuam a chancela da ineficiência ou, nas palavras de Velho (2003), nutrem o rótulo que, eventualmente, se prolonga durante toda a vida. O tratamento desigual e a discriminação contra indivíduos são tão frequentes que, historica e politicamente, se tornou necessária a produção e publicação de documentos legais contingenciados por fatores de ordem socioeconômica, destinados a promover a ordem e a equidade de direitos, inclusive o de acesso à escola e a permanência nela. Partindo desse pressuposto, este capítulo objetiva refletir acerca das diretrizes internacionais e legislações nacionais que orientam e defendem a erradicação de barreiras atitudinais ou de elementos que se encontram na gênese de tais barreiras - (des)crenças, preconceitos, estereótipos e estigmas. É na educação que se materializa tais documentos. 142 Nesse sentido, as prescrições oficiais são percebidas, interpretadas e corporificadas nas escolas e nas instâncias de nível superior. Em ambos os casos são campos privilegiados da educação, lugar em que as práticas pedagógicas se constituem. No entanto, é na Universidade que haverá a formação e reflexão sobre os elementos constitutivos da prática educacional que pode sedimentar possíveis interpretações de práticas arraigadas, costumes cristalizados, valores em jogo na sociedade, que se estendem às escolas. Enfim, talvez esse seja o lócus das práticas discursivas e das produções de sentidos que se afiliam à perspectiva do direito à Educação e que se materializam nas pesquisas das Pós-graduações nas mais diversas instituições do nosso país. É claro que o debate contemporâneo, situado na legislação internacional e nacional, acerca da eliminação da discriminação e do preconceito, situa o momento histórico em que a genealogia das barreiras atitudinais começou a ter visibilidade frente ao legislador e à sociedade civil. Nesse contexto, é relevante recordar que a lei visa estabilizar os sentidos e produzir efeitos previsíveis, assegurando a reprodução social (MARQUEZAN, 2009), assim, a análise de alguns dos mais relevantes documentos legislativos oportuniza a percepção das contribuições do discurso-lei para a eliminação dos obstáculos sociais. É igualmente importante que se considere que o discurso materializa entendimentos históricos acerca da genericidade humana e da conceituação de quem são os sujeitos do direito. Destarte, alguns dos documentos em estudo, neste trabalho, não estão livres de, em outras leituras, revelarem retrocessos e barreiras sociais, mesmo tendo sido originados para defender os direitos das pessoas com deficiência. A necessidade da produção, ampliação, renovação e excesso da legislação sobre esse grupo vulnerável revela as contradições presentes na sociedade e impressas ao discurso legislativo. 143 Nesse sentido, dois subtópicos se fizeram necessários. O primeiro desvela a erradicação das barreiras atitudinais tomando como análise os documentos internacionais e o segundo busca uma interlocução com os documentos nacionais. 2.1- A erradicação de barreiras atitudinais através do fortalecimento do marco legal: análise de documentos internacionais Na leitura e análise dos documentos legais que discorrem sobre os direitos humanos, percebe-se que o discurso includente de agora está ancorado na história mundial e nacional de reconhecimento e garantia dos direitos sociais da pessoa com deficiência. Os direitos sociais visam à garantia da igualdade material. São direitos que têm a finalidade de, com sua concretização, permitir aos indivíduos a possibilidade não somente de subsistência, mas de inserção plena na vida em sociedade. Parte-se da idéia (sic) de que nada adianta a positivação de um rol de liberdades, sem a correspondente garantia de um mínimo necessário para a vida humana. (GALINDO, 2009, p. 21). Esses direitos vinculados ao direito de igualdade, influenciado por valores sociais (solidariedade, justiça, honestidade, dignidade etc.)19, têm fomentado políticas e práticas sociais e educacionais centralizadas no respeito ao gênero humano. Olhar, pois, a superfície do discurso sobre a pessoa com deficiência, produzido pelas legislações e pelas políticas é também perceber a busca e determinação legal da igualdade entre pessoas com ou sem deficiência, mulheres, homens, crianças, negros, índios, jovens, idosos; enfim é perceber que de tão maléfica que é a fronteira entre os que vivem em condições de subalternidade e os que se julgam ter o poder de gerir a vida desses, que a força da lei faz-se necessária para combater as desvantagens sociais advindas da prática de preconceitos, discriminação e materialização de barreiras atitudinais. Documentos redigidos sob o impacto do desrespeito às idiossincrasias do ser humano 19 começaram, então, a gestar um novo tipo de sociedade e, Do ponto de vista ético, os valores são os fundamentos da moral, das normas e regras que prescrevem a conduta correta. (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006, p. 275). 144 consequentemente, uma nova face da educação, em que o maior princípio axiológico dos direitos fundamentais é a igualdade de oportunidades. Da década de 40 ao ano de 2006, no que se refere aos direitos das pessoas com deficiência, percebe-se que a legislação internacional indica que as barreiras atitudinais devem ser eliminadas para que os direitos fundamentais sejam respeitados. Também se observa a ênfase na informação e formação de profissionais que ao atuarem contribuam para a erradicação de compreensões equivocadas acerca da existência e potencial desse grupo vulnerável. Na década de 40 surge o primeiro documento para combater a violação dos direitos humanos: a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU 20, 1948). Nesta já se propunha a solidificação de ideais de igualdade, liberdade e fraternidade através da educação em direitos humanos. Esse esforço sistemático na busca da construção de uma sociedade mais humana, na qual a educação assume sua função de promover a reflexão, a compreensão dos eventos sociais e a mudança de mentalidades, é encontrado em várias Convenções, Declarações, Tratados, Leis, todos oriundos do empenho da sociedade civil organizada em lutar pela efetivação de uma dinâmica social mais humanizada. Já no ano de 2006, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006) advoga que para que estes e outros princípios sejam respeitados faz-se necessária a acessibilidade em todas as frentes de ação, principalmente a atitudinal. No entremeio desse espaço de tempo várias foram as políticas que buscaram, de alguma maneira, erradicar as barreiras atitudinais no âmbito internacional e, na sustentação dessas políticas surgiram vários documentos legais, os de maiores destaques foram contempladas nos subitens abaixo. 20 Em 1945, com o objetivo de promover a paz, a segurança internacional, aprofundar a cooperação e o desenvolvimento mundial, foi fundada a Organização das Nações Unidas - ONU, sucessora da Sociedade das Nações. 145 2.1.1- Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) A Declaração Universal dos Direitos Humanos, lançada em meados do século XX, surgiu num período em que a sociedade vivenciava os impactos da Segunda Guerra Mundial. Este documento consagrou ideais da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade entre os homens e reconheceu a equidade de direito de acesso ao serviço público (Art. XXI), bem como a compatibilidade do regime democrático ao pleno exercício de cidadania (Art. XXIX). Assim, o reconhecimento da igualdade essencial de todas as pessoas, o respeito à dignidade humana e a proibição de qualquer forma de discriminação ou exclusão são defendidos nesta Declaração. Artigo 1º Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. Artigo 2º Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. A declaração inaugura, portanto, uma nova compreensão social que implica em compreender que todos os cidadãos são iguais em dignidade e direitos, independentemente de suas idiossincrasias. Logo, se a lei fosse determinante das práticas sociais e educativas, o princípio da igualdade e da não-discriminação afirmados nessa Declaração, colocaria em xeque atitudes de rejeição, piedade, assistencialismo que foram contundentemente sustentadas mesmo após a publicação destas orientações legais. Nesse caso, revelam-se retrocessos e barreiras sociais, mesmo que o documento oficial tenha sido originado para defender os direitos da pessoa com deficiência. Da década de 40, marcada pela definição de direitos presentes na Declaração Universal dos Direitos Humanos, traduz-se que a ideia de superioridade de alguns 146 grupos sobre outros, em razão inclusive da deficiência, põe em risco a paz social (fraternidade) e a sobrevivência da humanidade. Como virtude cívica, mais tarde concebida como princípio jurídico, a fraternidade, um dos pilares desse documento, ratifica o valor da pessoa humana. Dessa orientação, depreende-se a urgência de se erradicar quaisquer obstáculos nas relações sociais. Alguns desses obstáculos foram perpetuados por tradições históricas que remontam o período da sociedade primitiva: o descaso, o abandono, a eugenia de pessoas com deficiência. Os primeiros a serem vitimados por essas barreiras sociais são as crianças, pois é na família que, muitas vezes, elas começam a busca por firmar um lugar no mundo, na sala de aula, na construção sócio-econômico-cultural do Estado Parte em que vivem. Esse parece ser mais um novo paradoxo encontrado na efetivação do documento aqui analisado. 2.1.2- Declaração Universal dos Direitos da Criança (UNICEF 21 - 20 de novembro de 1959) Esta Declaração amplia, através de seus dez princípios, o conjunto de direitos das crianças. As diretrizes presentes nesse documento advogam que todas as crianças, independentemente das características que as constituem, não podem ser vitimadas por preconceito ou discriminação: PRINCÍPIO 1º A criança gozará todos os direitos enunciados nesta Declaração. Todas as crianças, absolutamente sem qualquer exceção, serão credoras destes direitos, sem distinção ou discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição, quer sua ou de sua família. PRINCÍPIO 10º A criança gozará proteção contra atos que possam suscitar discriminação racial, religiosa ou de qualquer outra natureza. Criar21 O Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para as Crianças (UNICEF), posteriormente denominado Fundo das Nações Unidas para a Infância, foi criado no dia 11 de dezembro de 1946. Os primeiros programas do UNICEF forneceram assistência emergencial a milhões de crianças no período do pós-guerra na Europa, no Oriente Médio e na China. No Brasil, o UNICEF foi instalado em 1950, em João Pessoa (PB), objetivando proteger a saúde de crianças e gestantes no nordeste. 147 se-á num ambiente de compreensão, de tolerância, de amizade entre os povos, de paz e de fraternidade universal e em plena consciência que seu esforço e aptidão devem ser postos a serviço de seus semelhantes. O espírito de fraternidade e de respeito à pessoa humana é novamente enfatizado através desta Declaração. Depreende-se do artigo 10 que as crianças devem receber orientação/educação para que na efetivação da plena consciência elas estejam a serviço de seus semelhantes. Assim, as situações protagonizadas pelas próprias crianças precisam ser convergentes ao princípio da não-discriminação, da erradicação de barreiras atitudinais, as quais muitas vezes são vivenciadas na escola quando, por exemplo, sob reflexo de posturas e entendimentos assimilados no ambiente em que vivem, as crianças apresentam receio, recusa em relação à outra criança por motivo de deficiência, etnia etc. Acredita-se, então, que a formação da criança , de acordo com a filosofia includente, será o momento de inscrever nos comportamentos sociais a habilidade de acolher a diversidade de indivíduos. Nesse sentido, proteger as crianças contra atos que possam suscitar discriminação ou barreiras atitunais será uma questão de ética. A ética deve estar inscrita no ethos de cada agente educacional, pois os ditames éticos do reconhecimento do homem pelo homem constituem a base para uma sociedade de cooperação, de respeito e de sabedoria. (LIMA, 2006). Para garantir que todas as crianças tenham acesso à orientação educacional adequada e sejam instrumentalizadas para contribuir na construção de “um ambiente de compreensão, de tolerância, de amizade entre os povos, de paz e de fraternidade universal” (Art.10), essa Declaração, em seu princípio 5, determina: “À criança incapacitada física, mental ou socialmente serão proporcionados o tratamento, a educação e os cuidados especiais exigidos pela sua condição peculiar”. O tratamento desigual para igualar em direitos é um elemento filosófico e sócio-político da inclusão social e educacional, sinalizado neste princípio, o qual prima pelo direito à educação e considera as especificidades de cada aluno. Esta orientação é ratificada no princípio 7, o qual afirma que a toda criança será 148 [...] propiciada uma educação capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la a, em condições de iguais oportunidades, desenvolver as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade moral e social, e a tornar-se um membro útil da sociedade. [...] Assim sendo, a igualdade de oportunidades é um elemento constitutivo das práticas sociais includentes, quando não se efetiva essa diretriz, vê-se, com clareza solar, que a materialização de barreiras atitudinais pode obstar o acesso dos alunos com deficiência à escola e a permanência nela. Assim, por exemplo, se a uma criança cega não for ofertada as condições de participar equitativamente das atividades escolares, esta estará em desvantagem no processo formativo. Nesse caso, se o professor, esteado na avaliação depreciativa da capacidade da criança cega, não oferecer a áudio-descrição ou quaisquer outros recursos de tecnologia assistiva, ele (o docente) estará materializando e nutrindo a barreira atitudinal de percepção de menos-valia. (LIMA; TAVARES, 2007). Para tornar a criança um membro útil da sociedade, capaz de contribuir com o crescimento socioeconômico e com a paz mundial é relevante que a ela sejam ofertadas oportunidades iguais às disponíveis aos seus pares. Nessa direção, Martins (2006, p. 18), afirma que “[...] a inclusão, no ambiente comum de ensino, daqueles que são comumente excluídos [...] é essencial para a sua dignidade e para o exercício dos seus direitos humanos.” Reconhecer, como prega essa Declaração, que toda criança tem direito à educação e a ser tratada no ambiente educativo sob as lentes do respeito e da fraternidade é considerar que os direitos das crianças com deficiência precisam estar na ordem do dia, pois a compreensão negativa sobre a deficiência associada a características como etnia, gênero, classe social etc. traz impactos danosos ao processo de escolarização das crianças e a efetivação dos direitos humanos. É sob a percepção das desvantagens vivenciadas nos espaços sociais que surgem os documentos que defendem, pontualmente, os direitos de todas as pessoas que possuem alguma deficiência. O primeiro destes documentos foi a Declaração de Direitos do Deficiente Mental (ONU, 1971), onde se advoga, no artigo 1º, que a pessoa com deficiência intelectual deve gozar de todos os direitos humanos e, no artigo 2º, defende-se o acesso à educação. Esse documento surge 149 da necessidade de salvaguardar os direitos da pessoa com deficiência e é ratificado na Declaração de 1975. 2.1.3 - Convenção relativa à Luta contra a Discriminação no campo do Ensino (UNESCO, 1960) A Convenção relativa à luta contra a discriminação no campo do ensino foi adotada pela Organização das Nações Unidas para a Educação e a Cultura (doravante, UNESCO), em 1960. É um documento que defende o princípio inclusivista da não-discriminação e busca instituir “a colaboração entre as nações para assegurar a todos o respeito universal dos direitos do homem e oportunidades igual de educação” (Ibid., p. 2). As diretrizes dessa Convenção demonstram, com clareza, a urgência de se erradicar a discriminação no âmbito do ensino. O documento é vanguardista em relação ao que se anuncia hoje acerca da educação inclusiva: equidade de oportunidades e de tratamento. Nesse sentido, o artigo 1º da referida Convenção desvela a impossibilidade de aceitação de tratamento desigual e desbonificador com base nas características da pessoa humana: Artigo 1º Para os fins da presente Convenção, o termo "discriminação" abarca qualquer distinção, exclusão, limitação ou preferência que, por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião pública ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social, condição econômica ou nascimento, tenha por objeto ou efeito destruir ou alterar a igualdade de tratamento em matéria de ensino, e, principalmente: a) privar qualquer pessoa ou grupo de pessoas do acesso aos diversos tipos ou graus de ensino; b) limitar a nível inferior à educação de qualquer pessoa ou grupo; c) sob reserva do disposto no artigo 2º da presente Convenção, instituir ou manter sistemas ou estabelecimentos de ensino separados para pessoas ou grupos de pessoas; ou d) de impor a qualquer pessoa ou grupo de pessoas condições incompatíveis com a dignidade do homem. 150 Como pode ser observado, o conceito que o documento traz sobre a discriminação aponta para ações relevantes para a erradicação de barreiras sociais. Depreende-se desse documento que para atender ao conjunto de necessidades e características de todos os alunos a escola precisa ser um ambiente acolhedor, desmitificador, promotor da justiça social e da equinânime produção sociocultural. Para atingir essa meta a Convenção institui, em seu artigo 3º, que os Estados Partes devem “tomar as medidas necessárias, inclusive legislativas, para que não haja discriminação na admissão de alunos nos estabelecimentos de ensino.” A necessidade de se estabelecer numa Convenção uma diretriz legal para que todos os alunos tenham acesso à educação clarifica a situação social vivenciada por muitos alunos: a barreira atitudinal da rejeição. Apesar de todos os contributos trazidos na década de 60, essa e outras barreiras ainda são percebidas e registradas na legislação como elemento a ser combatido com firmeza e determinação. 2.1.4- Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (ONU, 1975). A história descreve que desde meados do século XX, na luta contra a discriminação, a sociedade começou a buscar alternativas, para exigir que os direitos dos grupos vulneráveis fossem resguardados. Nesse período surgiram substantivas iniciativas contra as desvantagens e discriminação vivenciadas pelas pessoas com deficiência. É sob o manto da reivindicação de direitos que surgiu a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (ONU, 1975), instituída a partir da Declaração de Direitos do Deficiente Mental (1971) e da Resolução XXX/3.447. Depreende-se da tessitura dessa Declaração que há uma orientação para que se compreenda a deficiência como uma das características da pessoa humana; nesse caso, o substantivo pessoa deve agregar o sentido de pertencimento ao gênero humano. 151 Em relação a esse aspecto Sassaki (2003) esclarece que em 1981, sob pressão das Organizações das Nações Unidas, o valor “pessoas” foi ratificado àqueles que tinham deficiência, igualando-os em direitos e dignidade à maioria dos membros de qualquer sociedade ou país. Assim, esse ano foi considerado o “Ano Internacional das Pessoas Deficientes” (“Participação Plena e Igualdade”) e trouxe significativas contribuições para a percepção de que a sociedade precisava mudar para acolher a diversidade humana. Como se vê, o termo “pessoa com deficiência” revela valores e ideologias percebidos numa fase da história da humanidade, é mais que a mudança de nomenclatura. Logo, evitar termos como “o deficiente”, “o surdo” etc. cuja expressão seja metonímica ao todo da pessoa com deficiência é buscar erradicar a barreira atitudinal de substantivação da deficiência. (LIMA; TAVARES, 2007). A Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (ONU, 1975), nos artigos 2º e 3º, defende que as pessoas com deficiência, em pleno gozo de seus direitos e consideração da dignidade de pessoa humana, jamais podem ser discriminadas em razão da deficiência, nem tão pouco com base em outras características linguísticas, étnicas, de gênero, etárias etc. 2º - As pessoas com deficiência gozam de todos os direitos estabelecidos nesta Declaração. Estes são reconhecidos a todas as pessoas com deficiência sem qualquer exceção e sem distinção ou discriminação com base em questões de raça, cor, sexo, língua, religião, opiniões políticas ou outras, origem social ou nacional, estado de saúde, nascimento ou qualquer outra situação que diga respeito à própria pessoa com deficiência ou a sua família. 3º - As pessoas com deficiência têm o direito inalienável ao respeito pela sua dignidade humana. As pessoas com deficiência, qualquer que seja a origem, natureza e gravidade de suas deficiências, têm os mesmos direitos fundamentais que seus concidadãos da mesma idade, o que implica, antes de tudo, o direito de desfrutar de uma vida decente, tão normal e plena quanto possível. Muitas vezes, na escola, as pessoas com deficiência foram discriminadas ao fazer parte de um sistema educacional separado do regular e receber atendimento educacional diferenciado em relação aos alunos de sua mesma faixa etária. Na década de 60, período da institucionalização, e na década de 70 até meados de 80, período da integração, tal fato decorria da visão que se tinha da 152 deficiência – percebida como doença – e do próprio aluno, visto como um doente, como um ser incapaz de aprender com os demais alunos. (MARTINS, 2002). Essa teoria pedagógica, onde as crianças deveriam se ajustar ao sistema educacional a elas ofertado, esteada nas barreiras atitudinais de inferiorização, baixa expectativa, ignorância, rejeição, percepção de incapacidade intelectual, atitude de segregação e assistencialismo, segundo Martins (Ibid.), só conduziu à sociedade a negação da função precípua da escola: ensinar. O documento da ONU (1975) aqui analisado também traz algumas garantias às pessoas com deficiência, entre essas, o direito à educação que possibilite “desenvolver ao máximo as suas capacidades e aptidões e a acelerar o processo de sua integração ou reintegração social” (Art. 6º). Esta ênfase na capacidade das pessoas com deficiência, um preceito da inclusão social e educacional, é percebida também nos artigos 5º e 7º. O artigo 13 reporta sobre a relevância de as pessoas com deficiência, suas famílias e comunidades estarem cientes dos direitos assegurados por esta Declaração. A informação instrumentaliza a pessoa com deficiência e todos os que estão engajados numa perspectiva de construção social includente a aquilatar o cumprimento dos direitos sociais. Traduz-se dos artigos que constituem essa Declaração que a erradicação da discriminação seria condição sine qua non para a efetivação da reestruturação da cultura, da política e das práticas pedagógicas vivenciadas nas escolas de modo que essas respondam à diversidade de alunos. 2.1.5 - Declaração de Sundberg (UNESCO, 1981) Em 1981, “Ano Internacional das Pessoas Deficientes”, houve em Torremolinos, Espanha, a Conferência Mundial sobre Ações e Estratégias para Educação, Prevenção e Integração, organizada pelo Governo Espanhol em cooperação com a UNESCO. Ao considerar as contribuições, orientações e determinações presentes na Declaração Universal dos Direitos Humanos e outros relevantes instrumentos das 153 Nações Unidas e, particularmente, na Declaração dos Direitos da Criança, na Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes e na Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes Mentais, a Declaração de Sundberg tornou-se, segundo Sassaki (2004), fundamental para que a Década das Nações Unidas das Pessoas com Deficiência (1983-1992) pudesse trazer contribuições significativas no contexto mundial, no que concerne à inclusão social de pessoas com deficiência. Sassaki (op.cit.) faz um alerta para que na leitura deste documento sejam visualizados vários dos princípios inclusivistas, muitas vezes designados por outras nomenclaturas, mas que trazem um conteúdo atual, includente e respeitoso às idiossincrasias de seu público. O primeiro desses conceitos é o da integração o qual, nesta Declaração, significa “modificar e adequar a sociedade às necessidades das pessoas com deficiência e nela incluí-las.” Esta Declaração além de reportar sobre o objetivo da legislação em promover e assegurar a plena participação das pessoas com deficiência na vida social enfatiza a informação, as atitudes, a pesquisa e a atuação da Universidade como garantidoras da construção e manutenção de um nível de consciência social promotor da solidariedade e da justiça. Na tessitura da Declaração de Sundberg (UNESCO,1981) surgem conceituações que configuram os princípios da inclusão social e educacional, nos termos utilizados hoje. A atenção a estes conceitos é fundamental para o entendimento das atitudes e comportamentos sociais. Segundo Sassaki (1997), os conceitos moldam ações sociais e permitem à sociedade analisar programas, serviços e políticas sociais, pois os conceitos acompanham a evolução de certos valores éticos. Conhecer, identificar, compreender os conceitos e as mudanças sociais que eles sinalizam são ações que instrumentalizam todas as pessoas, agentes da inclusão, a fortalecer as raízes e diretrizes do movimento em prol da construção de uma sociedade de e para todos. Muitos conceitos inclusivistas surgidos a partir deste período encontram-se registrados nos dezesseis artigos que compõe a Declaração de Sundberg (1981). 154 Os artigos 2º e 12 defendem a plena participação e o empoderamento (empowerment) o qual significa [...] o processo pelo qual uma pessoa, ou um grupo de pessoas, usa o seu poder pessoal inerente à sua condição – por exemplo: deficiência, gênero, idade, cor – para fazer escolhas e tomar decisões, assumindo assim o controle de sua vida. (SASSAKI, 1997, p. 37) Nesse sentido, a participação e o empoderamento são relevantes para a eliminação das barreiras atitudinas, pois quando essas não são erradicadas, pessoas com deficiência têm sido alijadas do direito de decidir sobre suas próprias vidas e exercem uma pseudoparticipação nos eventos que lhes dizem respeito, inclusive quando, na escola, o ambiente social é segregador ou imprime a elas a marca da ineficiência, do pesar, da compensação. Já a ênfase nos aspectos educacionais da pessoa com deficiência e no acesso à informação que deve ser ofertado a elas e aos seus pais, surge nos artigos 1º, 4º, 6º, 7º, 8º os quais advogam, entre outros aspectos, que a inclusão deve ser iniciada o “mais cedo possível” como forma de ampliar a eficácia de programas educacionais, culturais e econômicos; assegurar a cooperação da família e, ainda, conjugar esforços conjuntos de governos e organizações não governamentais envolvidas no processo inclusivista. Nos artigos 5º, 11 e 13, a equiparação de oportunidades, a acessibilidade, as tecnologias assistivas22 (TA) e as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) são consideradas aspecto motriz para a participação nos programas supramencionados. Nesta linha, é relevante esclarecer que as tecnologias são consideradas assistivas quando usadas para auxiliar pessoas com deficiência “no desempenho funcional de atividades, reduzindo incapacidades para a realização de atividades da vida diária e da vida prática, nos diversos domínios do cotidiano”. (SILVA, 2010, p. 296). 22 O termo Assistive Technology, traduzido no Brasil como Tecnologia Assistiva foi criado em 1988, como importante elemento jurídico dentro da legislação norteamericana. (SILVA, 2010, p. 295). 155 Silva (Ibid.) afirma que as ajudas técnicas ou tecnologias assistivas só adquirem funcionalidade quando são respeitadas as potencialidades de cada indivíduo. O reconhecimento das potencialidades das pessoas com deficiência é valorado no artigo 3º desta Declaração. Neste, traduz-se que considerar as capacidades de cada pessoa é oportunizar a participação plena e fomentar nelas o desejo e o compromisso de contribuir para o melhoramento da sociedade. Uma vez tendo desvelado o conceito que imprime o significado das tecnologias assistivas, busca-se agora a retomada da análise do referido documento em seus demais artigos. Nesse sentido, merece destaque, neste contexto, a formação e qualificação de educadores e dos profissionais que atuam diretamente com a construção e manutenção de programas educacionais, culturais e informacionais, como também a capacitação dos profissionais da mídia. De acordo com os artigos 9º e 10, estes profissionais devem ser orientados para lidar com as situações e necessidades específicas das pessoas com deficiência. E, neste caso, as associações dessas pessoas devem ser consultadas e ter suas experiências valoradas e consideradas no delinear desses programas. A ênfase na colaboração desse grupo à produção sócio-econômica-cultural contribui para erradicar a crença de que incluir pessoas com deficiência nos espaços sociais é uma ação que apenas beneficia a essas pessoas. Esse entendimento equivocado ancora-se na pseudoconcepção da inclusão social e educacional, nutrida na barreira atitudinal de ignorância, a qual consiste, segundo Lima e Tavares (2007), no desconhecimento das potencialidades da pessoa com deficiência. Diante desse contexto, as universidades precisam desempenhar um papel significativo, sendo responsáveis pela formação inicial e continuada desses profissionais que devem ser capazes de estabelecer vínculos fortes e duradouros entre o universo da pesquisa acadêmica e o mundo exterior. Assim, através de ações de ensino, pesquisa e extensão, poderão promover um trabalho de orientação fecundante, promotor da mentalidade includente e, em consequência, da transformação social; pois as mentalidades se exprimem no olhar e na linguagem, 156 nas atitudes, nas relações e no tratamento dispensado aos grupos cujo status social é desfavorecido. (BERTHOU, 2009). De acordo com o artigo 13, o incentivo e socialização de pesquisas que ampliem o conhecimento sobre a inclusão e que versem, inclusive, sobre tecnologia assistiva precisam ser socializados: Devem ser incentivadas as pesquisas voltadas ao aumento do conhecimento e à sua aplicação em apoio aos objetivos desta Declaração, especialmente para adaptar a moderna tecnologia às necessidades das pessoas com deficiência e para reduzir o custo de fabricação dos equipamentos; e os resultados de tais pesquisas devem ser disseminados amplamente a fim de se promover a educação, o desenvolvimento cultural e o emprego de pessoas com deficiência. (Declaração de Sundebeg. Art. 13.) A informação e a formação científica auxiliam as pessoas a revisarem seu sistema cognitivo e suas atitudes, por conseguinte, a promover a constituição e a renovação da consciência includente. Com efeito, esta disposição cognitiva, psíquica e afetiva que compõe as atitudes deve estar na centralidade das ações formativas anunciadas a todas as crianças com ou sem deficiência. As primeiras, porque, muitas vezes oprimidas, são vitimadas pela barreira atitudinal de menos valia; as segundas, porque precisam reconhecer o sentido de complementaridade e a riqueza de oportunidades advindas da interação com todas as pessoas, reconhecendo que cada ser humano constrói, ao longo de sua trajetória de vida, habilidades e competências as quais devem desatravancar o caminho da fraternidade, da ciência e do crescimento justo da comunidade humana. Por fim, nos artigos 14, 15 e 16, respectivamente exige-se que o governo e a sociedade em geral propiciem oportunidades laborais para as pessoas com deficiência, defende-se a cooperação internacional como ação urgente para que a inclusão se efetive e advoga-se que os Estados devem tomar medidas legislativas, bem como assegurar a participação das pessoas com deficiência, a fim de fazer valer todos os direitos humanos. 157 2.1.6 - Convenção dos Direitos das Crianças23 (ONU,1989) Esta Convenção teve seu esboço iniciado, por um grupo estabelecido pela comissão de Direitos Humanos, três anos antes de sua publicação, período em que se vivenciou o Ano Internacional da Criança (1979). Com mais de 140 países tendo assinado este tratado e mais de 80 ratificado, em 1990 a referida convenção entrou em vigor, defendendo que as crianças devem ter direitos civis, econômicos, sociais, culturais e políticos semelhantes aos dos adultos, como também precisam ser educadas, “em particular, em um espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade” (ONU, 1989, p. 1). Este documento considera a vulnerabilidade das crianças, a necessidade que elas apresentam de serem protegidas pela família e pela sociedade em geral. Enfatiza a relevância da cooperação internacional para que estas diretrizes sejam atendidas. A Convenção dos Direitos das Crianças (ONU, 1989) traz significativas contribuições para a construção de uma sociedade e escola includente, pois coloca na agenda das obrigações do Estado Parte a garantia de que as crianças sejam protegidas contra a discriminação, por quaisquer aspectos: “raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra da criança, de seus pais ou representantes legais, ou da sua origem nacional, étnica ou social, fortuna, incapacidade, nascimento ou de qualquer outra situação” (Art. 2º). Nessa Convenção, valoriza-se também a formação de profissionais para atuar com as crianças com deficiência, especificamente no âmbito médico, psicológico e funcional. cooperação Assim, no artigo 1º defende-se que a troca de informações e a internacional devem atingir às necessidades dos países em desenvolvimento no que concerne , entre outros aspectos, a esta formação. 23 Em 1924 foi aprovado o primeiro documento internacional sobre os direitos da criança, conhecido como "A DECLARAÇÃO DE GENEBRA”. Esta Declaração foi construída por membros da ONG “Save the Children” e é considerada o documento que motivou a origem da “Convenção dos Direitos da Criança” (1989). 158 Essa Convenção também defende que as crianças com deficiência devem ter uma vida plena e digna, com vistas à autonomia e à inclusão social. Determina a gratuidade de serviços prestados a estas crianças e o acesso [...] à educação, à formação, aos cuidados de saúde, à reabilitação, à preparação para o emprego e a atividades recreativas, e beneficie desses serviços de forma a assegurar uma integração social tão completa quanto possível e o desenvolvimento pessoal, incluindo nos domínios cultural e espiritual. (Art.1º) A educação é concebida, então, como um direito assegurado a todas as crianças e esteado nos princípios inclusivistas da igualdade de oportunidades e da acessibilidade. A Convenção ressalta, pois, a função da educação em promover a construção da mentalidade includente ao inculcar valores humanos e os princípios de justiça, respeito, tolerância, resguardando e constituindo a sua própria identidade, enquanto, num espírito fraterno, desenvolve seu potencial e contribui para a constituição de uma sociedade livre e responsável pela espécie humana e pelo meio ambiente, conforme artigo 29, no seu inciso primeiro, que afirma o seguinte: 1. Os Estados Partes acordam em que a educação da criança deve destinar-se a: a) Promover o desenvolvimento da personalidade da criança, dos seus dons e aptidões mentais e físicos na medida das suas potencialidades; b) Inculcar na criança o respeito pelos direitos do homem e liberdades fundamentais e pelos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas; c) Inculcar na criança o respeito pelos pais, pela sua identidade cultural, língua e valores, pelos valores nacionais do país em que vive, do país de origem e pelas civilizações diferentes da sua; d) Preparar a criança para assumir as responsabilidades da vida numa sociedade livre, num espírito de compreensão, paz, tolerância, igualdade entre os sexos e de amizade entre todos os povos, grupos étnicos, nacionais e religiosos e com pessoas de origem indígena; e) Promover o respeito da criança pelo meio ambiente. [...] (Art. 29) Esta atenção na potencialidade das crianças, na preservação da identidade e da dignidade, na promoção da equiparação de oportunidades nos ambientes sociais e educativos demonstram que os elementos constitutivos da inclusão são ratificados na presente Convenção. Logo, a contribuição primeira desse documento é cuidar 159 para que as crianças sejam herdeiras de um destino de igualdade social, o qual as conduzirá a experienciar o lugar de cidadãos e cidadãs, sujeitos de direitos e de deveres, providos de potencialidades, acolhidos na escola e em todos os espaços sociais como membros da família humana. 2.1.7 - Declaração mundial sobre educação para todos ( ONU,1990) Um marco no século XX, para a constituição da Educação Inclusiva foi a Conferência realizada na Tailândia (Jomtien), em 1990, momento em que se produziram dois relevantes documentos: a Declaração Mundial e o marco de ação para a Educação Básica. Esses documentos definiram as metas a serem alcançadas pelos diferentes países. Contudo, algum tempo depois, a partir da percepção de que era insuficiente criar apenas uma declaração, os partícipes da conferência criaram algo para dar maior visibilidade à legislação que estava sendo construída e à ação de todos os países envolvidos no processo de construir uma política de educação para todos. Criou-se então o fórum permanente, o qual objetivava ajudar os países a implementar tal política. Com a efetivação do fórum, ficou perceptível o valor dessas ações na passagem do pensar acerca da educação para todos e a busca mundial por caminhos de concretização. O discurso inclusivista caminha para a prática de uma melhor qualidade impressa à educação. Nos três fóruns promovidos pela UNESCO em Paris (1991), Nova Delhi (1993) e Amã (1996), as limitações foram apontadas e as metas, revisitadas. Entre as estratégias definidas, merecem destaque, no contexto da acessibilidade: satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem de todos, valorizar o ambiente para a aprendizagem, ampliar o alcance e os meios da Educação Básica. No Artigo 1º, da declaração lê-se: 1. Cada pessoa - criança, jovem ou adulto - deve estar em condições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem. Essas necessidades compreendem tanto os instrumentos essenciais para a aprendizagem (como a leitura e a escrita, a 160 expressão oral, o cálculo, a solução de problemas), quanto os conteúdos básicos da aprendizagem (como conhecimentos, habilidades, valores e atitudes), necessários para que os seres humanos possam sobreviver, desenvolver plenamente suas potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida, tomar decisões fundamentadas e continuar aprendendo. A amplitude das necessidades básicas de aprendizagem e a maneira de satisfazê-las variam segundo cada país e cada cultura, e, inevitavelmente, mudam com o decorrer do tempo. (Grifos nossos). A ênfase na provisão de instrumentos/recursos para a oferta de oportunidades educativas voltadas às necessidades de todos os alunos se alinha ao que já vinha sendo defendido por vários documentos internacionais: a defesa dos direitos humanos e a promoção da educação para todos, ações esteadas no princípio da igualdade entre as pessoas. Essa igualdade é um valor essencial quando o assunto em tela é a escola para todos. “Podemos encará-lo de vários ângulos, mas em todos, o sentido da igualdade não se esgota no indivíduo, expandindo as considerações para aspectos de natureza política, social e econômica.” (MANTOAN , 2001, p. 55). Por esse motivo, a exemplo da Declaração de Jomtien, muitos documentos internacionais que reportam sobre os objetivos sócio-político-culturais da educação, quase sempre, fazem referência à cooperação internacional e à permuta de experiências formativas e científicas. Essa Declaração, desde o preâmbulo, defende que a educação assume papel fundamental para a mudança do “quadro sombrio” vivenciado pela humanidade: degradação humana e ambiental. O documento em estudo insta a cooperação internacional e sinaliza que a erradicação de preconceitos e estereótipos, elementos constitutivos das barreiras atitudinais, é condição fundamental para a garantia da educação de qualidade para todos. O artigo 1º defende que cada pessoa tem, no âmbito educacional, a necessidade básica de compreender e praticar valores e atitudes. Aqueles entendidos como “os princípios ou as ideias éticas que permitem às pessoas emitir um juízo sobre as condutas e seu sentido. São valores: a solidariedade, o respeito, a responsabilidade, a liberdade etc.” (ZABALA, 2007, p. 46) e estas, como “tendências 161 ou predisposições relativamente estáveis das pessoas para atuar de certa maneira. São a forma como cada pessoa realiza sua conduta de acordo com os valores determinados” (Ibid.). Ambos os conceitos constituem as bases dos conteúdos atitudinais, implicitamente mencionados nesta Declaração e em outros documentos legislativos que discorrem sobre a educação, a informação e a formação científica ofertada nos espaços formativos (escolas, universidades, mídia etc.). Na escola para todos, cada partícipe deve ter, portanto, a 2. [..] possibilidade e, ao mesmo tempo, a responsabilidade de respeitar e desenvolver sua herança cultural, linguística e espiritual, de promover a educação de outros, de defender a causa da justiça social, de proteger o meio-ambiente e de ser tolerante com os sistemas sociais, políticos e religiosos que difiram dos seus, assegurando respeito aos valores humanistas e aos direitos humanos comumente aceitos, bem como de trabalhar pela paz e pela solidariedade internacionais em um mundo interdependente. (Art.1º). A interdependência, assim como a vivência de valores culturais e morais, rege a constituição identitária de cada agente escolar e promove o respeito à dignidade humana e a percepção de complementaridade, fraternidade, ou nas palavras da Declaração, de calor humano (Art.6º). Para que a constituição da escola para todos seja possível, A sociedade deve garantir também um sólido ambiente intelectual e científico à educação básica, o que implica a melhoria do ensino superior e o desenvolvimento da pesquisa científica. Deve ser possível estabelecer, em cada nível da educação, um contato estreito com o conhecimento tecnológico e científico contemporâneo. (Art. 8º. Grifos nossos). A ênfase nesse movimento cíclico: escola – universidade – escola, evoca a universidade a cumprir seu papel como promotora da produção de saberes, da reflexão, da análise de teorias e práticas já cristalizadas no seio das instituições escolares e formativas. De acordo com essa Declaração, a construção e eficácia de um plano de ações em que se busque a educação para todos dependerá da capacidade de cada 162 país na formação de capacidades para a pesquisa, planejamento e inovações em pequena escala. Para isso, será indispensável uma sólida base de conhecimentos, alimentada pelos resultados da pesquisa, lições aprendidas com experiências e inovações, tanto quanto pela disponibilidade de competentes planejadores educacionais (ONU, 1990, p. 38). É, pois, o reconhecimento da educação como uma dimensão fundamental de todo projeto social, cultural e econômico (Art. 9º) que traz para os agentes escolares e para as instituições de curso superior a necessidade de determinar individual e coletivamente o compromisso ético de fazer valer o desenho universal da educação (Art. 10, 15 e 17). Na Declaração de Jomtien, os Estados Partes firmam o compromisso de “desenvolver programas que objetivem erradicar barreiras sociais e culturais que têm desencorajado pessoas a participarem das escolas, principalmente mulheres e meninas” (ONU, 1990, p. 37). Esse documento prima pela educação acessível, de qualidade e traz algumas diretrizes para uma ação conjunta e colaboração regional em prol da educação para todos, a saber: 40. [...] (i) capacitação de pessoal-chave, como planejadores, administradores, formadores de educadores, pesquisadores, etc.; (ii) esforços para melhorar a coleta e análise da informação; (iii) pesquisa; (iv) produção de material didático; (v) utilização dos meios de comunicação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem; e (vi) gestão e uso dos serviços de educação à distância; (p. 32) Nessas seis áreas sugeridas para uma ação colaborativa entre os países, merece destacar, mais uma vez, a ênfase na pesquisa, pois se a fraternidade, as atitudes, os comportamentos, a construção de valores tem lugar garantido na constituição da escola para todos, a percepção e melhoramento destes só podem ser possíveis através das lentes da ciência, da criticidade, do olhar investigativo e da socialização daquilo que se depreende na relação entre teoria e prática. 163 2.1.8- A Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) Em 1994, mais de 300 participantes, representando 92 governos e 25 organizações internacionais, reuniram-se em Salamanca (Espanha), com o objetivo de, à luz da Declaração de Jomtien, analisar quais eram as mudanças necessárias para o desenvolvimento da Educação Inclusiva. A Conferência foi organizada pelo governo espanhol em cooperação com a UNESCO, [...] congregando altos funcionários da educação, administradores, responsáveis pela política e especialistas, assim como representantes das Nações Unidas e das Organizações Especializadas, outras organizações governamentais internacionais, organizações não-governamentais e organismos financiadores. (UNESCO, 1994, p.1). A “Declaração de Salamanca – Sobre Princípios, Políticas e Práticas na área das Necessidades Educativas Especiais e o Enquadramento da ação”, adotados nesta Conferência, propõem uma Pedagogia centrada na criança e que considere normais as diferenças humanas. Tem-se, pela primeira vez em um documento legislativo, a expressão Educação Inclusiva, ou seja, o que foi construído em 1990, com a Declaração do Jomtien, foi ratificado em 1994, já tecendo a expressão educação inclusiva. Esta Declaração e o enquadramento da ação são considerados grandes promotores da educação inclusiva em todo o mundo. Ela é resultante de uma tendência mundial de busca e consolidação por uma educação para todos, cuja gênese é atribuída à reivindicação de movimentos sociais os quais, ainda na década de 70, começaram a lutar pela desinstitucionalização manicomial. O documento em estudo incita todos os governos a “adotar o princípio de educação inclusiva em forma de lei ou política, matriculando todas as crianças em escolas regulares” (UNESCO, 1994, p. 5), inclusive as que apresentarem necessidades educativas especiais. Na Declaração, defende-se o princípio que orienta a estrutura da escola inclusiva: o acesso e permanência de todas as crianças: 164 [...] crianças com deficiência e superdotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias linguísticas, étnicas ou culturais, crianças de outros grupos em desvantagem ou marginalizados (UNESCO, 1994, p. 3) . Assim como as crianças que estejam apresentando dificuldades educativas permanentes ou temporárias, as que estão em repetência de séries escolares, as que vivem em condições de pobreza, são desnutridas ou experienciam a desestrutura familiar, as que são vitimadas por situações de conflitos sociais, as que sofrem abusos físicos, emocionais e sexuais, as que são discriminadas multiplamente, enfim, todas as que estão fora da escola, deixando de gozar o direito à educação, são consideradas com necessidades especiais e precisam ter garantido o direito de uma formação plena, contínua e centrada nos valores universais, despida de barreiras sociais, para que as bases de uma sociedade mais humana sejam fortalecidas pelas novas gerações. Neste contexto, o termo necessidades educacionais especiais, o qual teve origem no Relatório de Warnock (Grã-Bretanha, 1979), refere-se a todas aquelas crianças ou jovens cujas necessidades educacionais especiais se originam em função de deficiências ou de dificuldades de aprendizagem. E o consenso de que essas pessoas devem estar interagindo com outras que não apresentem tais características foi um elemento impulsionador na busca pela escola inclusiva. (UNESCO, 1994). Para que as escolas possam então acolher todas as crianças, a Declaração propõe que os governos garantam, “no contexto de mudança sistêmica, os programas de formação de professores, tanto em nível inicial como em serviço, incluam as respostas às necessidades educativas especiais nas escolas inclusivas.” (Id., Ibid., p. 2). Esse seria um dos relevantes passos para erradicar atitudes que foram, por um tempo demasiadamente longo, impresso pela sociedade às pessoas com deficiência, pois o sucesso ou as dificuldades experienciadas na escola eram atribuídos unicamente a essas pessoas. Nesse sentido, merece destacar que a Declaração de Salamanca sugere algumas ações contributivas para o combate ao atendimento educacional situado na 165 perspectiva das limitações funcionais, promotor da discriminação e das barreiras atitudinais. Ela sinaliza que um caminho valoroso é a capacitação de profissionais e a pesquisa levada a cabo em níveis nacional e regional, no sentido de desenvolver sistemas tecnológicos de apoio apropriado à educação especial situada na escola inclusiva. Esta capacitação, além dos saberes científicos, deve fomentar atitudes positivas diante do aluno com deficiência. (UNESCO, 1994). Nesse documento, a ênfase nas atitudes positivas, na informação e na pesquisa, como caminhos contributivos para a construção de uma mentalidade includente e para a sistematização da escola inclusiva, é reforçada em diversas passagens: 36. A disseminação de exemplos de boa prática ajudaria o aprimoramento do ensino e aprendizagem. Informação sobre os resultados de estudos que sejam relevantes também seria valiosa. A demonstração de experiências e o desenvolvimento de centros de informação deveriam receber apoio a nível nacional, e o acesso a fontes de informação deveria ser ampliado. 37. A educação especial deveria ser integrada dentro de programas de instituições de pesquisa e desenvolvimento e de centros de desenvolvimento curricular. Atenção especial deveria ser prestada nesta área, a pesquisa-ação locando em estratégias inovadoras de ensino-aprendizagem. Professores deveriam participar ativamente tanto na ação quanto na reflexão envolvidas em tais investigações. Estudos-piloto e estudos de profundidade deveriam ser lançados para auxiliar tomadas de decisões e para prover orientação futura. Tais experimentos e estudos deveriam ser levados a cabo numa base de cooperação entre os países. (UNESCO, 1994, p. 10). A atenção que deve ser dispensada à inclusão da pessoa com deficiência na escola inclusiva reafirma o compromisso da universidade em contribuir para a erradicação de diversas barreiras, tanto nos espaços físicos, quanto pedagógicos e nas interações sociais. Tem-se, portanto, a [...] convicção de que a implementação de políticas de qualidade voltadas à inclusão está diretamente influenciada pelo papel e pela responsabilidade social da universidade, sobretudo, da universidade pública, na produção de conhecimento para a formulação e o debate crítico sobre as políticas educacionais, na formação de profissionais e na criação de parcerias e iniciativas inovadoras com a comunidade. (JESUS et. al. 2007, p. 130). A constituição de escolas inclusivas requer, portanto, além do investimento na formação dos professores, na tecnologia e nos recursos de acessibilidade, o 166 incentivo às famílias para que participem do processo educativo, o estímulo à manutenção de redes de apoio e a pulverização de “informações públicas que ajudem a combater o preconceito e a criar atitudes informadas e positivas”, neste processo, a mídia, os políticos e todos os agentes educacionais poderão e devem provocar a erradicação de barreiras atitudinais. (UNESCO, 1994). O documento defende, portanto, a erradicação de entendimentos e ações equivocados e prejudiciais à pessoa com deficiência, tais como a discriminação múltipla e as atitudes inadequadas trazidas por uma sociedade que inabilita as pessoas com deficiência e, por consequência, priva-lhes de vivenciar os direitos humanos, fragiliza-lhes o acesso à escola e a permanência nela. Na Declaração de Salamanca, insurge a reflexão acerca do valor do processo de conscientização pública, pesquisa, tecnologia, formação continuada dos profissionais, cooperação regional e internacional e da educação que contemple todas as pessoas indistintamente. Reafirma-se, portanto, o compromisso ético de todos os Estados Partes de planejar linhas de ação que garantam a estruturação da escola e da sociedade como um todo numa atmosfera de mobilização conjunta, apoio, fraternidade, justiça e ciência. 2.1.9- Declaração de Washington (ONU, 1999) De 21 a 25 de setembro de 1999, em Washington (EUA), os líderes do Movimento de Direitos das Pessoas com Deficiência e de Vida Independente dos 50 países participantes da Conferência de Cúpula Perspectivas Globais sobre vida Independente para o Próximo Milênio, entre outras ações, celebraram as conquistas mundiais do movimento de vida Independente. Este movimento surgiu, nos Estados Unidos, no final dos anos 60 e meados da década de 70, por meio de um grupo pessoas com deficiência que estavam mantidas isoladas, em instituições terminais e outras “no fundo do quintal” pelos familiares. O movimento oportunizou a descoberta de potencialidades e a independência. Esta última, neste contexto, passou a significar não-dependência em relação à autoridade (institucional e/ou familiar). (SASSAKI, 2004). 167 Além da independência, a autonomia e o empoderamento também são conceitos que se fazem presentes nos princípios básicos da Vida Independente os quais foram reafirmados na Declaração de Washington, um documento que defende o direito de todas as pessoas participarem plenamente da sociedade e vivenciarem uma educação inclusiva e igualitária. Esta Declaração traz como um dos aspectos centrais para o plano de ação e promoção da Filosofia da Vida Independente as contribuições das universidades e das mídias. Considerando de grande relevância: h. Firmar parcerias com universidades e instituições acadêmicas para que incorporem os Princípios de Vida Independente, criem maior acessibilidade para estudantes e professores com deficiência e ofertem cursos sobre estudos referentes a deficiências; i. Utilizar a mídia para promovermos a igualdade, imagens positivas e a Filosofia da Vida Independente; (p.2) Neste sentido, tomando como referência o exposto acima, as universidades são triplamente importantes no processo de formação da escola e sociedade includentes. Primeiro porque devem promover o acesso das pessoas com deficiência ao curso superior, o que demanda uma reavaliação da estrutura física, pedagógica e atitudinal ofertada a todos os alunos. Segundo porque são, por excelência, lugares em que a investigação e a criticidade devem ser palavras de ordem traduzidas em benefício para a família humana. E, por fim, porque elas devem promover, através da formação inicial e continuada de profissionais, a socialização das pesquisas cujos temas possam contribuir para o fortalecimento da educação e sociedade inclusiva. Quanto às mídias, se forem disponibilizadas por profissionais conhecedores da filosofa includente, elas poderão fomentar na consciência pública as conceituações positivas e gestarem os comportamentos sociais adequados, permeados por valores humanos. 168 2.1.10 - Convenção Interamericana para eliminação de todas as formas de discriminação contra os portadores de deficiência (1999) 24 A Convenção Interamericana para eliminação de todas as formas de discriminação contra os portadores de deficiência (1999), documento também conhecido como Convenção da Guatemala, defende o direito das pessoas com deficiência não serem submetidas à discriminação, com base na deficiência e considera que este princípio emana da dignidade e da igualdade inerentes a todo o ser humano. A Convenção define deficiência e discriminação: 1. Deficiência O termo "deficiência" significa uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social. (Art.1º. Grifos nossos). Depreende-se, dessa conceituação, que a deficiência surge como uma característica que, associada a barreiras econômicas e sociais, restringe a pessoa humana na execução de suas atividades de vida diária. Essas barreiras podem estar associadas e serem fortalecidas pela discriminação. De acordo com esta Convenção, discriminação significa [...] toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente de deficiência, consequência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais. (Art.1º). Ao advogar a erradicação do impacto negativo provocado pela discriminação e pelas barreiras sociais, a Convenção de Guatemala considera a mídia como 24 Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência(1999): apesar de não se referir diretamente à educação, é de suma importância nessa temática. Tal Convenção, ratificada e promulgada no Brasil (Dec. 3.956/2001), proíbe qualquer diferenciação que implique em exclusão ou restrição de acesso a direitos fundamentais e a educação, pelos menos na etapa do ensino fundamental, é um deles. (FÁVERO, 2004, p. 29-30). 169 ferramenta para promover a consciência pública includente, conforme aponta o artigo 3º da referida declaração, na sua alínea c: c) sensibilização da população, por meio de campanhas de educação, destinadas a eliminar preconceitos, estereótipos e outras atitudes que atentam contra o direito das pessoas a serem iguais, permitindo desta forma o respeito e a convivência com as pessoas portadoras de deficiência. (Art. 3º). Além da contribuição dos canais de comunicação para minorar e, quiçá, erradicar atitudes inadequadas diante das pessoas com deficiência, a Convenção propõe que os Estados Partes se comprometam a colaborar com a “pesquisa científica e tecnológica relacionada com a prevenção das deficiências, o tratamento, a reabilitação e a integração na sociedade de pessoas portadoras de deficiência” (Art.4º). Destarte, as pesquisas sobre a inclusão das pessoas com deficiência nos contextos sociais, de acordo com a Convenção de Guatemala, devem ser incentivadas e terem seus resultados socializados em nível nacional e internacional. Essa rede de pesquisa e socialização dos percursos e obstáculos percebidos por cada governo tem sido solicitada pelos legisladores ao longo da história legislativa e científica da inclusão social. A ciência que num período remoto já serviu para excluir, hoje é a chave para visualizar possíveis itinerários de humanização nas interações, produções e bens construídos culturalmente. 2.1.11 - Declaração de Dakar (2000) Em abril de 2000, os participantes da Cúpula Mundial de Educação reuniramse em Dakar e firmaram um compromisso coletivo para a ação em prol da “Educação para Todos”. Também, apontaram a importância de parcerias no âmbito de cada país e da cooperação de agências e instituições regionais e internacionais, para possibilitar o alcance de objetivos e metas. Comungando com as concepções contidas na Declaração Mundial de Educação para Todos (Jomtien, 1990), o documento reafirma que [...] toda criança, jovem, adulto, têm o direito humano de se beneficiar de uma educação que satisfaça suas necessidades básicas de 170 aprendizagem, no melhor e mais pleno sentido do termo, o que inclui aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. (p.1). Na centralidade dos objetivos de aprendizagem está o verbo “aprender” o qual denota mobilização de todos, que na condição de alunos ou de eternos aprendentes, precisam resignificar e ampliar saberes conceituais e atitudinais. Estes últimos saberes podem trazer significativas contribuições na efetivação da inclusão social e educacional. Aprender a ser promove a erradicação de barreiras atitudinais que são internalizadas pelas pessoas com deficiência, por exemplo, a crença descabida de que são incapazes, ineficientes, uma marca que fragiliza a construção da identidade, principalmente, naquelas situações em que se vivencia a múltipla discriminação. Aprender a ser também insta as pessoas sem deficiência a reconhecer que são atores da construção social e que apenas juntos a outros agentes de origem, compleição física, faixa etária, características distintas poderão ter êxito, praticar a justiça e promover a paz. Aprender a conviver é um conteúdo atitudinal que solicita a todos a prática de valores humanos como: justiça, honestidade, fraternidade, solidariedade e tolerância. Essa ideia interliga-se ao Relatório Jacques Delors (1998), em que a dinâmica do verbo aprender carrega em si a centralidade da educação como uma formação permanente tanto para o professor quanto para o aluno. Depreende-se desse relatório que os saberes que permeiam a formação docente não podem ser minimizados ao aspecto cognitivo, mas compreendem dimensões existenciais, pragmáticas e sociais que devem servir de base para a prática pedagógica. A Declaração de Dakar reafirma que a educação é o caminho para assegurar “a paz e a estabilidade dentro e entre países, portanto, um meio indispensável para alcançar a participação efetiva nas sociedades e economias do século XXI” (p.1). Para que esse caminho seja percorrido, como sinaliza a própria Declaração, são necessárias ações/mudança de atitudes diante da pessoa com deficiência e uma contínua aprendizagem. 171 2.1.12-- Declaração de Madri (2002) Em 2002, mais de 400 participantes no Congresso Europeu sobre deficiência, reunidos em Madrid, estavam juntos para comemorar e proclamar o Ano Europeu das Pessoas com Deficiência (2003), instando a atenção da sociedade para as perguntas: O que nós, enquanto sociedade organizada, podemos fazer pelas pessoas com deficiência? O que fazer, o que legislar para combater as situações de desvantagens ainda vivenciadas por estas pessoas? Em Madri, origina-se um importante documento cuja intenção é de modificar a legislação de todos os países da comunidade europeia e atingir a política a nível comunitário, nacional, regional e local. A Declaração de Madri é um documento que reforça o posicionamento político de bases inclusivas. Considera as pessoas com deficiência como detentoras de direitos, cidadãos e consumidores autônomos, responsáveis, independentes e capazes de tomar decisões. Este documento reflete não apenas acerca da educação, mas coloca no centro das atenções a sociedade como um todo. Também, reafirma diretrizes para combater o preconceito social e o estigma. Ela reconhece que as pessoas com deficiência são dotadas de aptidões e potencialidades, defende o desenho universal da educação e a transformação da sociedade para incluir e adaptar-se às necessidades de todos os cidadãos. A Declaração de Madri também reconhece os entraves para a inclusão social e educacional. Indica que são as barreiras sociais (invisibilidade, discriminação, preconceito, ignorância, descaso, desprezo, caridade) que geram a discriminação e a exclusão social. No documento em estudo, as barreiras atitudinais são conceituadas como aquelas que levam as pessoas a não serem capazes de exercer plenamente os seus direitos fundamentais e a serem excluídas socialmente (p. 1 -2). Consoante à Declaração, para erradicar esses obstáculos, fazem-se necessários alguns elementos: a conscientização pública, a educação, a ciência, a mudança de atitude e a publicação de legislações amplas que contemplem os direitos humanos de todas as pessoas. 172 A conscientização pública pode ser fomentada pela informação disponível através da mídia. Por isso, na Declaração de Madri essa contribuição é mencionada de modo pontual: 6. A mídia deve criar e fortalecer parcerias com as organizações de pessoas com deficiência a fim de melhorar a descrição de pessoas com deficiência nos meios de comunicação de massa. Mais informações sobre pessoas com deficiência devem ser inseridas na mídia em reconhecimento à existência da diversidade humana. Quando se referir a questões de deficiência, a mídia deve evitar quaisquer abordagens condescendentes ou humilhantes e deve focalizar as barreiras enfrentadas por pessoas com deficiência e as contribuições positivas que as pessoas com deficiência podem dar à sociedade quando essas barreiras tenham sido removidas. (p.7) Atitudes e comportamentos sociais paternalistas e condescendentes podem originar e nutrir barreiras atitudinais de assistencialismo e superproteção. Para combatê-las, Uma legislação antidiscriminatória abrangente precisa ser aprovada sem demora para se remover barreiras e evitar a construção de barreiras contra pessoas com deficiência na educação, no emprego e no acesso a bens e serviços, barreiras que impedem pessoas com deficiência de realizar plenamente seu potencial de participação social e autonomia. [...] (p.3). Muitas vezes, alguns entraves sociais só são visualizados e tratados com rigor quando sofrem intervenção da legislação. Contudo, ao considerar o percurso legal efetivado até o ano de publicação dessa Declaração, percebe-se que foram muitos os avanços, mas que a letra da lei dissociada de um movimento de conscientização, não é suficiente para a mudança de atitudes. Legislações antidiscriminatórias provaram ser bem sucedidas para provocar mudanças atitudinais em relação a pessoas que têm deficiência. Contudo, a lei não é suficiente. Sem um forte compromisso de toda a sociedade, incluindo a participação ativa de pessoas com deficiência e suas organizações para defender seus direitos, a legislação permanece como uma concha vazia. Portanto, torna-se necessário educar o público para dar suporte às medidas legislativas, para aumentar a sua compreensão sobre os direitos e necessidades das pessoas com deficiência na sociedade e para combater preconceitos e estigmas que ainda existem nos dias de hoje. (p.3). 173 A conscientização pública impulsiona movimentos sociais e recebe influência direta da mídia e da ação educacional promovida pelas escolas e universidades. As escolas inclusivas precisam, portanto, assumir a função fundamental de disseminar entendimentos precisos, compreensão adequada acerca da existência e potencialidades das pessoas com deficiência. Essas instituições, como promotoras da ciência e da aquisição de valores éticos e morais, precisam ajudar a banir os mitos, as falsas concepções, as barreiras atitudinais de medo, rejeição, pesar, generalização, particularização. Devem, portanto, apoiar e acolher a comunidade humana e a diversidade que a constitui. Destarte, As escolas, faculdades e universidades devem, em cooperação com ativistas de movimentos ligados à deficiência, desencadear palestras e oficinas de conscientização sobre assuntos de deficiência, dirigidas a jornalistas, publicitários, arquitetos, empregadores, profissionais de saúde e de serviços sociais, atendentes familiares, voluntários e membros de governos locais. (p.7). Para combater as barreiras atitudinais, as instituições pedagógicas devem oportunizar a todos os alunos o reconhecimento mais positivo das diferenças e orientar os alunos com deficiência a desenvolver neles mesmos e nos outros um senso de individualidade em relação à deficiência. Nesse percurso constitutivo da consciência includente, vale salientar, mais uma vez, a função da universidade, considerando as experiências vivenciadas pelos movimentos sociais relacionados à inclusão, devendo promover situações formativas dirigidas a vários profissionais, para que as ações destes nas diversas áreas em que atuarem estejam esteadas no desenho universal da sociedade. A Declaração de Madri busca promover ambientes acessíveis e apoia a eliminação de todos os tipos de barreiras; propõe a revisão de culturas, de políticas e normas sociais; funda uma nova visão. Essa nova visão instituída em Madri é justificável porque a legislação pouco a pouco começa a responsabilizar os governos pela inclusão das pessoas com deficiência. O lema é uma sociedade inclusiva para todos e a proposta dessa Declaração é que as autoridades públicas além de iniciar investigações acerca das restrições e barreiras discriminatórias, que limitam a liberdade das pessoas com 174 deficiência de participar plenamente da sociedade, tomem quaisquer medidas que sejam necessárias para remediar essa situação. A referida Declaração ainda não se constitui como uma legislação, contudo, ela impulsiona a mobilização da sociedade para que esta nova legislação seja criada e tenha grande alcance para dar conta da erradicação das discriminações e barreiras atitudinais que as pessoas com deficiência ainda vivenciam, mesmo após vários avanços legais e sociais. A substantiva mensagem que se apreende dos documentos formulados internacionalmente, até esse período histórico-social, é que as pessoas precisam ser educadas num novo comportamento, numa nova visão, numa nova possibilidade de ser. Esta é, pois, a atmosfera em que emerge o tratado de direitos humanos que conjuga saberes, expectativas e direitos de todas as pessoas: A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006). 2.1.13- Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (doravante CDPD) e seu Protocolo Facultativo (ONU, 2006) 25 A garantia dos direitos humanos às pessoas com deficiência culmina no engajamento da comunidade internacional (governos, ongs, cidadãos) num esforço de incidência política que resultou na elaboração de diversos documentos 26 e, recentemente, na construção da Convenção sobre os direitos das Pessoas com Deficiência, um tratado de direitos humanos que demarca e reafirma princípios universais (dignidade, integralidade, igualdade e não discriminação). Segundo Don Mackay, embaixador da Nova Zelândia, 70% deste tratado se deve às organizações de pessoas com deficiência. Essas pessoas firmaram o 11 Esta Convenção foi ratificada pelo Brasil com equivalência de Emenda Constitucional, conforme Decreto Legislativo nº 186/2008, promulgado pelo Presidente do Senado Federal, e o Decreto nº 6.949/2009, pelo presidente da República. 12 Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); Declaração dos Direitos do Retardado Mental (1971); Declaração da Pessoa Deficiente (1975); Declaração de Jomtien(1990); Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência (1993); Declaração de Salamanca (1994); Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Pessoas Portadoras de Deficiência ( 1999); etc. 175 slogan “Nada sobre nós, sem nós” 27 e o transformaram num princípio não- negociável dos direitos das pessoas com deficiência. Durante a sistematização deste tratado, a partir de 2002, ocorreram as sessões do Comitê Ad Hoc, presidido por Don Mackay. O comitê foi criado para construir, negociar e implementar a CDPD. Nessa ocasião, as pessoas com deficiência defenderam condições de vida digna e a emancipação de cidadãos e cidadãs com deficiência. Esse comitê também assegurou a participação ativa da sociedade civil na negociação durante a convenção. (LOPES, 2009). Nesse sentido a tríade: não discriminação, direitos humanos e desenvolvimento social, sedimenta a ancoragem do documento construído e coloca na centralidade das discussões e da lei a garantia da acessibilidade, em todas as frentes de ação - atitudinal, arquitetônica, programática, metodológica, instrumental. (SASSAKI, 2006). Esse tratado, diferentemente ao ocorrido em Madri, traz agora uma diferenciação entre deficiência e pessoa com deficiência: A deficiência é um conceito em evolução e resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. (ONU, CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2006, Preâmbulo, letra ”e”; BRASIL, DECRETO LEGISLATIVO nº 186/08, DECRETO nº 6.949/09). Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas. (Id., Ibid., p.22). De acordo com essas definições contempladas nesta Convenção, uma pessoa com deficiência é não só aquela que tem deficiência, mas também as que experienciam as barreiras atitudinais, a discriminação e a desvantagem em razão da deficiência. A perspectiva de entendimento não está na deficiência das pessoas, mas na desigualdade advinda da leitura que outros sujeitos sociais efetivam sobre a deficiência e a pessoa que a possui. 11 Desde 1992 comemora-se em 3 de dezembro o Dia Internacional da Pessoa com deficiência. A partir do ano de 1998, a ONU escolheu um tema específico para cada ano. Em 2004, o tema escolhido foi “Nada sobre nós, sem nós”. 176 No documento em estudo, as obrigações internacionais dos Estados Partes de salvaguardar e garantir os direitos das pessoas com deficiência são enfatizadas nas conceituações de desenho universal, adaptação razoável e acessibilidade, as quais sinalizam o impacto que a perspectiva inclusivista deve imprimir a Educação nos próximos anos. Perspectiva que se traduz nas palavras proferidas por Luis Astorga (Director Ejecutivo para América Latina del Instituto Interamericano Sobre discapacidad y desarrolo inclusivo -IIDI) no VI encuentro internacional de inclusión educativa: Os Estados devem criar as condições para que as pessoas com deficiência possam acessar uma educação primária e secundaria inclusiva de qualidade e gratuita, em igualdade de condições com os demais, na comunidade em que vivem. Para efetivar este direito os Estados: devem fazer ajustes razoáveis em função das necessidades individuais; devem prestar apoio necessário as pessoas com deficiência , no marco do sistema regular de educação, para facilitar a sua formação efetiva. devem facilitar medidas de apoio personalizadas e efetivas em ambientes que fomentem ao máximo o desenvolvimento acadêmico e social , em conformidade com o objetivo da plena inclusão. (ASTORGA, 2010, p.3. Grifos nossos). Nesse sentido, é relevante salientar que a Convenção coloca como obrigação geral dos Estados Partes o desenvolvimento da pesquisa como caminho promotor do desenho universal da sociedade, a ser desenvolvido através de produtos, serviços, equipamentos ou instalações que possibilitem a participação plena das pessoas com deficiência em todos os contextos sociais (Art. 4º). Além do desenvolvimento científico e social e da formação de profissionais aptos a compreender e a acolher a diversidade humana, o incentivo à conscientização pública faz parte das diretrizes delineadas na Convenção: Artigo 8º - Conscientização 1) Os Estados Partes se comprometem a adotar medidas imediatas, efetivas e apropriadas para: a) Conscientizar toda a sociedade, inclusive as famílias, sobre as condições das pessoas com deficiência e fomentar o respeito pelos direitos e pela dignidade das pessoas com deficiência; 177 b) Combater estereótipos, preconceitos e práticas nocivas em relação a pessoas com deficiência, inclusive aqueles relacionados a sexo e idade, em todas as áreas da vida; c) Promover a conscientização sobre as capacidades e contribuições das pessoas com deficiência. 2) As medidas para esse fim incluem: a) Lançar e dar continuidade a efetivas campanhas de conscientização públicas, destinadas a: i) Favorecer atitude receptiva em relação aos direitos das pessoas com deficiência; ii) Promover percepção positiva e maior consciência social em relação às pessoas com deficiência; iii) Promover o reconhecimento das habilidades, dos méritos e das capacidades das pessoas com deficiência e de sua contribuição ao local de trabalho e ao mercado laboral; b) Fomentar em todos os níveis do sistema educacional, inclusive em todas as crianças desde tenra idade, uma atitude de respeito para com os direitos das pessoas com deficiência; c) Incentivar todos os órgãos da mídia a retratar as pessoas com deficiência de maneira compatível com o propósito da presente Convenção; d) Promover programas de formação em sensibilização a respeito das pessoas com deficiência e sobre os direitos das pessoas com deficiência. Muitas dessas medidas trazidas como obrigações dos Estados Partes em relação ao desenho universal da sociedade e da educação, se levadas a cabo, certamente contribuirão para que em todos os níveis de escolarização as pessoas com deficiência sejam percebidas pelas lentes da dignidade, do respeito, da consideração e da fraternidade. Contudo, esse objetivo, só poderá ser alcançado, como sinaliza o artigo supramencionado, se a mídia e, principalmente, a universidade forem sensíveis à defesa dos direitos humanos e se comprometerem, através das situações de comunicação, informação ou formação, a combater compreensões equivocadas, estereótipos, preconceitos, práticas nocivas, barreiras atitudinais existentes quando o assunto em tela é a inclusão da pessoa com deficiência na escola, no trabalho, no lazer, na política local e mundial. Diante do exposto, o respeito à dignidade dos partícipes da escola; a garantia de condições equitativas de oportunidades formativas; a erradicação de barreiras; a preservação da identidade de crianças, mulheres e homens com deficiência; a formação contínua e tenaz dos professores e a elaboração de políticas nacionais que assegurem as medidas já mencionadas (Art.24), inclusive planejadas em outros 178 documentos internacionais (e.g. Declaração de Jomtien/1990, Declaração de Salamanca/1994 etc.), assumem caráter de emergência e serão acompanhadas/monitoradas pela ONU. O tratado é, pois, uma norma vinculante que obriga os Estados a prestar contas de como estão implementando essas transformações, principalmente aqueles que assinaram o Protocolo Facultativo. Ou seja, a ratificação do Protocolo Facultativo realizada pelo Brasil e por vários outros países significa que estes Estados poderão ser interpelados internacionalmente e receber sanções, caso ocorram violações dos direitos das pessoas com deficiência. Essa Convenção assinala, com a força da lei, a mudança da perspectiva assistencialista dirigida às pessoas com deficiência para o atendimento baseado no modelo de direitos. Ao reafirmar que o direito à vida deve ser sustentado pela participação plena, autonomia, independência e empoderamento, a CDPD reconhece que a deficiência é uma parte constitutiva da pessoa humana e que os limites advém das barreiras construídas e mantidas na e pela sociedade. Nesse sentido, Astorga (2010, p. 4) alerta: A Convenção não será implementada se não houver instituições, organizações e pessoas que impulsionem a sua implementação quer através de formulações de políticas públicas e programas inclusivos e transversais como através da harmonização legislativa, derrogando normas, reformando normas. Sem ação não há direito. Sem ação consciente dos formuladores e formuladoras das políticas públicas, as disposições do tratado não se converterão em programas públicos. Assim se faz necessário aqui mencionar que na condição embrionária da formulação da Convenção, as negociações, assim como o texto que surgiu delas, estabeleceram um novo paradigma para a participação popular. Esse aspecto da CDPC originou direitos híbridos (compostos por componentes civis e políticos, sociais e econômicos) os quais fortaleceram a indivisibilidade do discurso acerca da jurisprudência dos direitos da pessoa com deficiência. Nesse caso, as atitudes dos atores sociais e educacionais devem ser consoantes a tais direitos, pois como diria Lima (2008), a inclusão exige que a sociedade se transforme para respeitar, acolher e atender as necessidades de todos 179 os seus membros, num contínuo fazendo. Logo, apenas conhecer a Convenção, compreender o processo histórico, social, jurídico que a sustenta não será suficiente para uma mudança radical nas bases excludentes da sociedade e na dinâmica classificatória e meritocrática da escola. É preciso observar se o que está posto na lei está sendo materializado. É preciso, junto a todos os que contribuíram para a construção da Convenção, reconstruir o termo direitos humanos. É preciso encontrar os fundamentos da consciência includente e materializá-los no discurso, nas atitudes, na dinâmica social e educacional esteada nos princípios de igualdade, não discriminação, respeito à diversidade, equiparação de oportunidades, acessibilidade, empoderamento. Esse tratado internacional, sem dúvida, é um caminho valoroso na constituição de cidadãos e cidadãs conscientes do valor da diversidade humana. A Educação, por seu turno, é o motor para o desenvolvimento dessa consciência inclusivista. A rua de acesso a esse processo não tem fim, pois a inclusão é, em sua essência, mais um processo do que um destino. A inclusão representa, de fato, uma mudança na mente e nos valores para as escolas e para a sociedade como um todo. (MITLER, 2003). Em busca de efetivar as diretrizes inclusivistas trazidas pelos documentos já comentados, surgiram, pois, novas perspectivas de vida em sociedade, novas formas de compreender, considerar, interatuar com a pessoa humana e perceber a diversidade que a constitui. Mais adiante, analisa-se na legislação brasileira como o entendimento da educação como input a transformação social é fortalecido; como a busca pelas origens, causas da manutenção, modos de eliminação das barreiras sociais, que atravancam este percurso, é renovada a cada palavra-lei e a cada filete da constituição da mentalidade includente. 2.2 - A erradicação de barreiras atitudinais através do fortalecimento do marco legal: análise de documentos nacionais O direito internacional e o direito interno precisam estar eficazmente integrados na proteção e promoção dos direitos humanos. Assim, é relevante 180 considerar que a legislação internacional trouxe significativas contribuições e, por vezes, determinações para que o Brasil se torne um país em que todos tenham acesso à educação e gozem dos direitos humanos e liberdades fundamentais. Contudo, a extensa legislação e literatura científica relacionada à inclusão demonstram que na sociedade e, especificamente, nas escolas brasileiras ainda não se alcançou a prática inclusivista, em razão dos obstáculos arquitetônicos, metodológicos, instrumentais, programáticos, comunicacionais e atitudinais. Sobre este último, Mantoan (2001, p.65) recomenda: As barreiras atitudinais às diferenças raciais, culturais, de gênero, religiosas, familiares, de origem social, a certos talentos e habilidades, a aspectos ligados ao físico e demais estereótipos podem ser removidas, gradualmente, na medida em que enfocamos cada situação preconceituosa e/ou discriminatória com o cuidado necessário, sem banalizar os sentimentos e trivializar os costumes envolvidos. No Brasil, a luta pela erradicação destes obstáculos começa timidamente, no século XX, na década de 50. Período em que se teve o marco inicial da educação especial com a criação do “Imperial Instituto dos Meninos Cegos”, em 1854 (Decreto Imperial nº 428) e o “Imperial Instituto de Surdos-Mudos” (Decreto lei nº 839/ 57). Um período marcado pelo modelo médico da deficiência, contudo, um momento histórico em que se reconheceu que as pessoas com deficiência têm capacidades e podem aprender quando a elas é oportunizado o acesso ao processo formativo. A Educação Especial Brasileira pode ser dividida, segundo Figueira (2008), em três períodos distintos: o nascimento das instituições e entidades, o desenvolvimento de legislações específicas e a era da Inclusão social. Todas as etapas foram fundamentais para que se desenhasse a política educacional direcionada ao acesso e a permanência de todos na escola. Contudo, os ranços da segregação presentes na fase histórica inicial da educação da pessoa com deficiência ainda precisam ser analisados e erradicados, à luz da mentalidade includente. A legislação, num movimento de avanços e, às vezes, de contradições, trouxe suas contribuições. Ao analisá-la, com vagar e atenção, percebe-se o quanto todas as pessoas envolvidas no contexto educativo precisam estar engajadas no ideário do desenho universal da educação e da sociedade. 181 Do mesmo modo como sinalizado no âmbito internacional, no plano nacional a universidade brasileira, a fim de efetivar o que está posto na lei, deve contribuir com a efetivação desse processo social, bem como deve promover atividades de ensino, pesquisa e extensão que tragam à comunidade humana o benefício natural da ciência. Em outras palavras, por meio da atuação da universidade, espera-se que ocorra a análise das legislações, da tessitura do discurso científico e dos entraves nas práticas sociais. A cada nova etapa da educação das pessoas com deficiência as contribuições diretas da universidade podem ser visualizadas, a exemplo, já no século XX, na década de 60, por meio do boom da institucionalização e mais tarde da perspectiva da integração. Momentos históricos e educacionais que impulsionaram as universidades, a partir dos anos 70, a oferecer cursos de pósgraduação com objetivos de formar especialistas na área de Educação Especial. A formação de profissionais, o funcionamento e função dos ambientes escolares, as práticas pedagógicas são previstas na legislação do Brasil, a qual é vasta em relação ao processo de inclusão educacional dos alunos com deficiência. Deste acervo alguns pontos significativos merecem atenção especial, dentre eles destacam-se: 2.2.1- Lei nº 4024/61 Em meados do século XX, já no final da década de 50 e início da década de 60, o Brasil vivencia um período marcado por movimentos sociais reivindicatórios em prol da participação social das pessoas com deficiência. Algumas campanhas ocorreram neste período, tais como: a Campanha para Educação do Surdo Brasileiro (CESB), pelo Decreto Federal nº 42. 728/ 57; a campanha Nacional de Educação de Cegos (CNEC) (Decreto nº 48.252 /60) e a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais – CADEME (Decreto nº 48.961/60). As duas últimas subordinadas ao Gabinete do Ministro da Educação e Cultura. (FIGUEIRA, 2008). 182 Essas campanhas atreladas às pressões de entidades públicas e filantrópicas, como a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) e a Associação Pestalozzi, estimularam a construção e acréscimo de um capítulo (composto por dois artigos) sobre a educação de pessoas com deficiência na primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, conforme descrito abaixo: Título X – Da Educação de Excepcionais Art. 88 - A educação dos excepcionais deve, no que for possível, enquadrar-se no sistema geral da educação a fim de integrá-los na comunidade. Art.89 - Toda iniciativa privada considerada eficiente pelos Conselhos Estaduais de Educação e relativa à educação de excepcionais receberá tratamento especial mediante bolsas de estudo, empréstimos e subvenções. Apesar da atribuição do direito à educação, firmado desde a Declaração dos Direitos Humanos (ONU, 1948), é relevante observar que o Estado brasileiro transfere a responsabilidade da educação especial para a rede particular de ensino, tal como pode ser observado no artigo mencionado acima. Nesse período, em que se vivenciava uma pedagogia mais voltada para o treinamento e a reabilitação, nutria-se a barreira atitudinal da descrença nas potencialidades dos alunos com deficiência, pois os enfoques educacionais traduziam, sobretudo, a consideração centrada na deficiência. (JANUZZI, 2006). A década de 60 trouxe duas outras situações relevantes: o Plano Nacional de Educação (1962), que através do Fundo Nacional de Ensino Primário alocou uma verba de 5% do total da arrecadação econômica e criou recursos, bolsas de estudos, para a educação de alunos com deficiência; e a Semana Nacional da Criança Excepcional (Decreto nº 54.199/ 64, promulgado pelo Marechal Castelo Branco). Esta Semana, período de 21 a 28 de agosto, apresenta uma característica peculiar: de um lado, deixava no limbo jovens e adultos com diversos tipos de deficiência que clamavam por reconhecimento e visibilidade. Além disso, fazia uma insólita alusão ao ato ou efeito de ‘comemorar’ e discriminava as crianças ‘excepcionais’ como se elas não fossem dignas de comemorar, em outubro, o “Dia das Crianças”. Para o bem de quase todos, lá se foram a ditadura, o marechal e o decreto. (NASCIMENTO, 2011). 183 De outro, consiste num período em que as ações em prol da educação, e qualidade de vida das pessoas com deficiência são assuntos colocados em visibilidade e, a partir de campanhas, fóruns, seminários, encontros etc. , efetivados por ativistas dos movimentos sociais e pela sociedade civil, reafirma-se compromissos, reivindica-se novos encaminhamentos com metas a efetivação de direitos. Em 1968, alguns paradoxos políticos e legais se instalam. Em meio a um clima político extremamente tenso em todo o país, foi promulgada a Lei nº 5540/68 que trazia a Reforma Universitária, desvinculando o ensino superior da LDB então vigente. Posteriormente, sob a supervisão geral da Campanha Nacional de Educação e Cultura constituiu-se uma Comissão Especial destinada a elaborar e apresentar subsídios para o estudo de regulamentação de cursos de formação e especialização em Educação Especial e Integrada, atendendo às conclusões oriundas do II Curso Intensivo de Atualização Cultural sobre Educação de Deficientes Visuais. (SILVA; BURNER; FERREIRA, 2001). Nesse período, o Brasil seguindo uma tendência mundial, inicia a luta contra a discriminação de pessoas com deficiência. Vale ressaltar, então, as contribuições advindas do Decreto nº 63.223/68, correspondente a Convenção Relativa à Luta Contra a Discriminação no Campo do Ensino (UNESCO, 1960), em que ficou estabelecido que nenhuma distinção seja por motivo de raça, sexo, origem nacional ou social, tenha por objeto destruir ou alterar a igualdade de tratamento em matéria de ensino, e conforme , o DOCUMENTÁRIO EBSA (1968, p.09 ): a) privar qualquer pessoa ou grupo de pessoas do acesso aos diversos tipos de graus de ensino; b) limitar a nível inferior a educação de qualquer pessoa ou grupo; c) instituir ou manter sistemas ou estabelecimentos de ensino separados para pessoas ou grupo de pessoas; d) impor a qualquer pessoa ou grupo de pessoas condições incompatíveis com a dignidade do homem. (SILVA; BURNER; FERREIRA, 2001, p.8) Essa compreensão advinda da análise atenta do atendimento educacional da época anunciava o respeito às singularidades dos alunos com deficiência, contudo, na prática, a efetivação de uma proposta educacional inclusivista continuou frágil, permeada por incoerências e retrocessos registrados nas legislações subsequentes. 184 2.2.2 – Lei nº 5.692 / 71 Na Lei nº 5.692/71, o artigo 9º, referente à educação especial, causa controvérsias no cenário educacional brasileiro. Art. 9º – os alunos que apresentam deficiências físicas ou mentais, os que se encontram em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados deverão receber tratamento especial, de acordo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação. O sentido clínico e/ou terapêutico explicitamente permeava o que estava sendo advogado no artigo: a educação especial. Desse artigo, tem-se uma primeira polêmica originada da percepção de que a qualificação dos alunos como ineficientes, advinha da identificação de patologias médicas, resultava na manutenção de diversas barreiras atitudinais, entre essas, a de percepção de menos-valia, que consiste na avaliação depreciativa da capacidade dos alunos com deficiência. (LIMA; TAVARES, 2007). A segunda polêmica originou-se da orientação de que os alunos em defasagem idade/série tinham de ir para as classes especiais. O que implicou no aumento do quantitativo de alunos nas salas especiais e, por outro lado, afastou, contundentemente, uma parcela deste grupo do processo de escolarização. Também se questionou, na leitura desse artigo, “a exclusão dos estudantes com deficiência visual, auditiva, visual/auditiva e dos que apresentavam condutas típicas das síndromes neurológicas, psiquiátricas ou psicológicas graves.” (CARVALHO, 1997, p.66). Outro tema polêmico, de acordo com Carvalho (Ibid.), foi a determinação do "tratamento especial", objeto de pronunciamento do Conselho Federal de Educação, na pessoa do Prof. Walnir Chagas (1972). Segundo ele, o Art. 9º deixa clara a definição da educação de excepcionais como um aspecto do ensino regular, o que significa um compromisso dos vários sistemas educacionais e a garantia de assistência técnica e financeira. Considerando a efervescência provocada pela tessitura e implicações do artigo, esse conselheiro propõe três grandes medidas em âmbito nacional: o desenvolvimento de técnicos nas várias manifestações de excepcionalidade; o 185 preparo e aperfeiçoamento de pessoal e a instalação e melhoria de escolas ou “seções” escolares especializadas nos diversos sistemas de ensino. A ênfase na formação de especialistas impulsiona as faculdades a reformularem seus currículos. Assim, a década de 70 vai criar, nos seus currículos acadêmicos, os supervisores, orientadores, administradores e, além disso, nas universidades vão acontecer os cursos de pós-graduação que se destinam à educação especial. Surgem também escolas que se especializam em um tipo de deficiência. A maioria delas pertencentes à iniciativa privada. E a proposição de Chagas de que a educação sendo direito de todos exigia a qualificação de profissionais serviu erroneamente para que se continuasse a sustentar dois sistemas separados: [...] o regular e o especial, envolvendo pressupostos político– educacionais específicos , formas de administração e pessoal técnico – pedagógico e orçamentos próprios, meios de transporte segregados, programas especiais, formação docente separada , e consequentemente, alunos diversos. (MARTINS, 2002, p. 23). O modelo médico da deficiência, claramente imputado à prática pedagógica, nutriu o entendimento de que os alunos com deficiência apresentavam limitações que só um especialista na deficiência poderia compreender e estabelecer as metas educacionais. Essa compreensão distorcida ainda está na base cognitiva das atitudes equivocadas em relação à inclusão educacional das pessoas com deficiência. 2.2.3- Constituição Federal (1988) Em 5 de outubro de 1988, foi promulgada a Constituição Federal Brasileira, um documento que defende a valorização dos direitos humanos e o combate a toda e qualquer forma de discriminação. As ações garantidoras da inclusão podem ser observadas desde o preâmbulo desta Carta: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia (sic) Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade 186 e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos [...]. Além da determinação de que a igualdade, entre outros valores, deve ser assegurada a todos os cidadãos, este documento traz como princípio fundamental “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (Art.3º). É relevante destacar que, na Carta Constitucional, o Brasil incorporou vários dispositivos referentes aos direitos das pessoas com deficiência, nos âmbitos da saúde, educação, trabalho, assistência. Também se comprometeu a aplicar o princípio da igualdade, portanto, a promover a equiparação entre pessoas com e sem deficiência em todos os contextos sociais. Especificamente em relação ao campo educacional, este documento registrou o direito público subjetivo à educação de todos (Art. 208) e firmou o compromisso do Brasil em promover “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” (Art.206); ofertar “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino” (Art. 208); primar pela “universalização do atendimento escolar” (Art.214). Esses compromissos postos à nação brasileira estão vinculados à promessa de uma sociedade mais “humanística” (Art.214), em que o tratamento desigual, por exemplo, o atendimento educacional especializado, busca igualar as pessoas humanas em condições de participação plena. Nesse contexto, a Constituição, ao afirmar que as universidades devem obedecer ao princípio de indissociablidade entre ensino, pesquisa e extensão (Art. 207), clarifica e firma o compromisso da universidade em promover as mudanças sociais e educacionais garantidoras da não exclusão. 2.2.4- Lei 7853/89 A Lei 7.853/89 reafirmou a obrigatoriedade da oferta da educação especial em estabelecimentos públicos de ensino; ratificou os valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, do respeito à dignidade da pessoa 187 humana, do bem-estar, e outros, indicados na Constituição ou justificados pelos princípios gerais de direito (Art 1º § 1º) e definiu como crime punível o ato de [...] recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da deficiência que porta; ( Art. 8º) Com a força da lei, buscou-se erradicar o desrespeito que se impunha à pessoa com deficiência, quando da recusa de sua matrícula em estabelecimento de ensino. Esse documento reafirmou a obrigação nacional de afastar a discriminação e o preconceito (Art. 1º.§ 2º). E trouxe contribuições para a erradicação das barreiras atitudinais, entre estas, as de rejeição, atitude de segregação e percepção de incapacidade intelectual. 2.2.5- Estatuto da Criança e do Adolescente (13 de julho de 1990) O Estatuto da Criança e do Adolescente, relevante documento de defesa dos direitos humanos, surgiu a partir das contribuições e reivindicações de vários segmentos e movimentos sociais envolvidos com a causa da infância no Brasil. Esta Lei de número 8.069/90 se reporta aos direitos estabelecidos pela Constituição Federal (1988) e se inspira nas diretrizes internacionais fornecidas pela Declaração dos Direitos da Criança (ONU, Resolução nº 1386/59). Esse documento assegura à criança as condições de liberdade, dignidade e de não discriminação (Art. 3º, 4º, 5º). Com efeito, analisando-se os dispositivos do estatuto, conclui-se que ele é um importante documento de consolidação do direito à educação inclusiva, pois advoga a equidade de direitos, a dignidade, a cidadania, o pleno desenvolvimento da pessoa humana. No capítulo IV – Do direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao lazer, Artigo 53, defende-se, entre outros aspectos, a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e o direito da criança ser respeitada pelos professores. Se essas orientações, associadas ao atendimento especializado (Art.11) e as bases sócio-políticas do estatuto, fossem levadas a cabo, todas as crianças 188 indistintamente seriam beneficiadas e emanaria para a comunidade humana respeito, consideração, fraternidade. Uma vez orientadas no espírito de igualdade, as crianças teriam condições de trazer contribuições socioeconômicas e culturais justas. Quanto ao respeito emanado pelo professor ao interagir e orientar seus alunos só é possível quando esse agente educacional, situado na mentalidade includente, tem condições de reconhecer e eliminar as barreiras atitudinais (CARVALHO, 2000; LIMA; TAVARES, 2007). Não há respeito à identidade do aluno quando se o substantiva ou se constrói qualquer entrave social danoso ao seu desenvolvimento de pessoa humana. 2.2.6- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (20 de dezembro de 1996) A década de 90 é marcada por significativos passos rumo à educação para todos. Um deles, antecedente a LDB nº 9394/96, foi o Plano Decenal de Educação para Todos, inspirado na Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtien, Tailândia, em 1990, ocasião em que os Estados Partes, inclusive o Brasil, comprometeram-se a universalizar a educação básica. O Plano, elaborado pelo Ministério da Educação em 1993, colocava em situação de visibilidade as pessoas com deficiência como sujeitos merecedores de atenção especial nos esforços para o alcance da universalização da educação com qualidade e equidade. E é sob o manto da busca pela equidade no contexto educacional que o Brasil acolhe as diretrizes de outra conferência mundial, realizada em Salamanca em 1994. Consoante, Carvalho (2000?), quatro temas foram estruturantes do trabalho realizado na Conferência de Salamanca: Política e Legislação; Perspectivas Escolares; Perspectivas Comunitárias e Parceria e Construção de Redes. Ocorreram palestras seguidas de discussões em grupos e sessões plenárias para análise das 189 contribuições dos grupos. No texto final divulgado no Brasil28 aparecem esses mesmos temas, mas com outros títulos: Política e organização; Fatores escolares; Contratação e formação do pessoal docente; Serviços externos de apoio; Áreas prioritárias; Participação da comunidade e Recursos necessários. Essa autora (Ibid.), tomando como foco o tema “Política e a Organização”, esclarece que alguns indicadores extraídos das dez diretrizes, geradas a partir da Conferência de Salamanca, trazem como resposta a substituição da LDB nº 4024/61 e a de nº 5692/71 pela de nº 9394/96, a qual possui um capítulo sobre a educação especial. A promulgação da LDB 9394/96 representou um passo significativo na construção de uma nova concepção de ensino. E em relação à educação das pessoas com deficiência, esta lei definiu a educação especial como “a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais” (Art. 58, LDB) e situou a educação especial como transversal. Contudo, a lei é passível de muitas interpretações e a expressão “preferencialmente” foi alvo de muitos embates situados entre a aceitação do aluno com deficiência na sala regular e a aceitação de que a escola é por excelência o ambiente de Todos. Segundo Carvalho (2000?, p. 8) essa LDB contribuiu para que a educação da pessoa com deficiência no Brasil evoluísse da visão substantiva da educação especial, como subsistema, para o enfoque adjetivo. Em vez de tratamento para alunos “especiais”, a LDB determina que especiais sejam os currículos, métodos, técnicas, recursos e organização específicos para atender às necessidades dos alunos. É a resposta educativa que deve ser adjetivada como especial! O olhar é para as necessidades especiais dos alunos e não para os alunos com necessidades especiais, como se fossem os únicos a apresentá-las porque são portadores de deficiências ou porque superdotados. Nesse sentido, especial seria um adjetivo utilizado para todos os alunos por trazerem para os espaços educativos: conhecimentos, habilidades, competências, necessidades, aspirações. Especial seria a escola que soubesse fazer perceber a 28 Trata-se do documento divulgado gratuitamente em 1977, pela Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa com Deficiência (CORDE) do Ministério da Justiça. 190 diversidade humana como riqueza existencial. Especial seria o professor que conseguisse ministrar suas aulas para todos os alunos, situando-as na abordagem do desenho universal. Assim, a ação de substantivar um aluno com deficiência como especial, simplesmente em razão da deficiência, é uma barreira atitudinal nociva ao processo de escolarização dele, primeiro porque enfatiza a deficiência em detrimento do todo, segundo, fragiliza-lhe a identidade de pessoa humana. Vale destacar também que a LDB 9394/96 não menciona a educação das pessoas com deficiência no curso superior. E é apenas por imposição da Portaria MEC 1779/99 (que especifica condições de acessibilidade nas Instituições de Ensino Superior/ IES, para fins de autorização e reconhecimento de cursos) que a educação deste grupo traz reflexões relacionadas ao acesso e condições de permanência no 3º grau. Muito se discute, então, em relação a esta lacuna na LDB, pois talvez a crença descabida de que as pessoas com deficiência não teriam interesse ou condições de chegar ao curso superior teria levado o legislador a cometer esta lacuna, e, por consequência, a contribuir com a manutenção das barreiras sociais. 2.2.7- Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica CNE / CEB Nº 17/2001 As diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica foram instituídas pela Resolução nº 02/2001, da Câmara de Educação do Conselho Nacional de Educação, e trouxe contribuições substantivas para a universalização da educação. O Parecer CNE/CEB nº 17/2001 (MEC/SEESP, 2001) trata destas diretrizes, nos âmbitos político, técnico-científico, pedagógico e administrativo, e destaca que o direito à educação deve estar fundamentado em três princípios: a preservação da dignidade humana, a busca da identidade e o exercício de cidadania. (BRASIL, 2001). O documento prima pelo convívio e a valorização das diferenças como bases para uma verdadeira cultura da paz. Incita o combate ao preconceito e ao apartheid 191 estabelecido na escola em relação à provisão de serviços educacionais oferecidos aos alunos com e aos sem deficiência. Para banir práticas sociais e educacionais excludentes, o documento defende que se deve combater, no exercício da educação e da formação da personalidade humana, a atitude de comiseração, como se os alunos com deficiência fossem dignos de piedade. Os indivíduos com deficiência, vistos como ‘doentes’ e incapazes, sempre estiveram em situação de maior desvantagem, ocupando, no imaginário coletivo, a posição de alvos de caridade popular e da assistência social, e não de sujeitos de direitos sociais, entre os quais o direito à educação. Ainda hoje, constata-se a dificuldade de aceitação do diferente no seio familiar e social. (BRASIL, 2001, p. 7). Para erradicar as barreiras atitudinais, como a piedade, advindas dos equívocos em relação à existência e potencialidades da pessoa com deficiência, o documento reafirma que o compromisso político com a educação inclusiva deve ser efetivado por meio de estratégias de comunicação e de atividades comunitárias, entre outras, as que “fomentarem atitudes pró-ativas das famílias, alunos, professores e da comunidade escolar em geral” e as que contribuam para a “superação de obstáculos como ignorância, medo e preconceito” (Id.,Ibid., p. 17). Nesse contexto, nos fundamentos da política nacional de educação básica está a busca pela erradicação das barreiras atitudinais e a definição da educação especial como o atendimento transversal ofertado aos alunos com necessidades educacionais específicas nos diferentes níveis de educação e de ensino. Igualar os alunos em direitos é a palavra de ordem. O início do século XXI traz inúmeras contribuições à efetivação da educação para todos. Em 2001, além do avanço advindo das orientações e contribuições deste documento, é relevante destacar a promulgação do Decreto nº 3.956 que oficializa a Convenção de Guatemala, ao determinar o combate à discriminação, exigindo que a educação especial seja reestruturada e assuma uma natureza transversal garantidora do acesso à educação. No ano seguinte, surge a Lei nº 10.436/02 a qual reconhece a Língua Brasileira de Sinais como meio legal de comunicação e expressão. E surge também 192 a Portaria nº 2.678/02 do MEC para o uso, o ensino, a produção e a difusão do sistema Braille em todas as modalidades de ensino. Ambos documentos relevantes para que as pessoas com deficiência auditiva e/ou visual possam participar da dinâmica escolar com maior autonomia e que a acessibilidade, garantida pela Lei nº 10.098/00, ocorra em todas as dimensões do trabalho pedagógico. De acordo com Dantas (2010), todas estas diretrizes legais retiram o foco do diagnóstico da deficiência e o redireciona sobre as necessidades de aprendizagem, ou seja, ao invés de [...] focalizar a deficiência da pessoa, enfatiza o ensino e a escola, bem como as formas e condições de aprendizagem; em vez de procurar, no aluno, a origem de um problema, defini-se pelo tipo de resposta educativa e de recursos e apoios que a escola deve proporcionar-lhe para que obtenha sucesso escolar; por fim, em vez de pressupor, que o aluno deve ajustar-se a padrões de “normalidade” para aprender, aponta para a escola o desafio de ajustar-se para atender à diversidade de seus alunos. (BRASIL, 2001, p.15). A escola delineada pelas diretrizes da educação especial, portanto, caracteriza-se como um espaço em que a atenção às necessidades educacionais de todos os alunos é prevista no desenho universal de cada situação pedagógica. 2.2.8. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (MEC/SEESP / Portaria nº948/2007) A primeira década do século XXI foi marcada por movimentos sociais que trouxeram impactos a política internacional e local referente à inclusão social e a constituição da escola para todos. Um fato cabal para o reconhecimento das contribuições advindas da união, força, conscientização e luta do povo brasileiro é a Lei nº 11.133/05 que institui o Dia Nacional de Luta da Pessoa Portadora de Deficiência, o qual teve origem em 1982, ano em que se escolheu o 21 de setembro “pela proximidade com a primavera e o dia da árvore numa representação do nascimento de reivindicações de cidadania e participação plena em igualdade de condições.” (http://www.cedipod.org. br/dia21.htm). 193 O movimento das pessoas com deficiência preconizava, então, com maior vigor, que a sociedade deve promover as adequações necessárias, favoráveis a todos no que concerne ao pleno acesso aos eventos e bens sociais. Em 2007, esta defesa do direito de todos ao que está disponível na sociedade desencadeou a construção da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (MEC/SEESP / Portaria nº 948/2007), um documento que defende a inclusão; a não-discriminação; a equidade de oportunidades; a acessibilidade; a igualdade e a diferença como valores indissociáveis. Este documento reafirma que a escola deve confrontar práticas discriminatórias e criar alternativas para superar a lógica da exclusão. Enfatiza que o uso de classificações ou conceituações em torno da deficiência deve ser contextualizado. Assim considera pessoa com deficiência [...] aquela que tem impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental ou sensorial que, em interação com diversas barreiras, podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade. (BRASIL, 2007, p.9). Essa conceituação está intrinsecamente relacionada a que foi construída e publicada na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006). É um conceito que atribui à escola a tarefa de minorar os diversos tipos de barreiras e assegurar que o tratamento diferenciado seja ofertado ao aluno com deficiência para que se promova a igualdade de oportunidades. Nesta linha, o atendimento educacional especializado assume a função de identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas. (BRASIL, 2007, p.10). Esse comprometimento com a valorização dos diferentes ritmos, processos e condições de aprendizagem exige que o professor perceba as barreiras atitudinais tão comumente nutridas nas interações, se desvencilhe delas e tenha uma atitude proativa de forjar práticas sociais positivas, educativas, reveladoras de um compromisso ético com a humanização da escola e da sociedade como um todo. 194 O respeito à cultura, as potencialidades, as idiossincrasias de todos os atores escolares é fortalecido no Decreto nº 186/2008, no qual o Brasil estabelece o compromisso de erradicar barreiras atitudinais e eliminar todos os demais obstáculos que fragilizem ou impossibilitem a constituição e manutenção da escola inclusiva. 2.2.9- Decreto nº 186/2008 O Brasil, como país signatário da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006), assume legal e socialmente o compromisso com a educação inclusiva em todos os níveis de ensino e de educação, através do Decreto nº 186/2008. Esse documento considera que as dificuldades em se alcançar uma educação de qualidade para todos reside nas barreiras atitudinais e na falta de acessibilidade que restringe e limita as pessoas com deficiência no processo de escolarização. Reflete que o respeito ao gênero humano e a crença nas potencialidades de todos os alunos constituem a díade que pode sustentar a educação comprometida com a pesquisa, a tecnologia, a ciência e, principalmente, o espírito de solidariedade, fraternidade e humanização. Nesse Decreto, em que se aprova e oficializa a Convenção, o Brasil assume o dever de, a partir de uma nova postura social e política, rever o modo como a educação se estrutura e fomentar, através das ações efetivadas pela universidade, a formação de profissionais que possam contribuir para a informação e formação pública acerca da existência, potencialidades e direitos das pessoas com deficiência. Cientes de que esse processo é uma conquista de todos, cada pessoa em particular e cada Estado Parte devem estar inseridos numa rede em que o ordenamento jurídico pátrio, os tratados e convenções internacionais, principalmente esta última convenção proclamada pela ONU, tornem-se bases firmes para atitudes positivas diante da diversidade humana. Considera-se, portanto, que todos os documentos legislativos, estudados e analisados neste capítulo, eleitos como de indescritível relevância no processo de 195 amadurecimento da consciência includente coletiva influem no processo, mas não o determinam em seu conjunto. (MACHADO; LABEGALINI, 2007). De um modo geral, as recomendações sugeridas pelos organismos internacionais trouxeram impactos positivos à educação brasileira, contudo, sem o efetivo compromisso de todos os membros da escola, em particular, e da sociedade, em geral, fatalmente os obstáculos sociais continuarão a existir e a tolher o direito à educação. Pensar essa reconstrução da educação para todos é, portanto, reconhecer que O maior problema que se enfrenta, hoje, não diz respeito à inclusão escolar, em si. Na realidade, está naqueles que constituem o sistema escolar – planejadores, dirigentes, supervisores, coordenadores, docentes – que , em decorrência do desconhecimento a respeito das reais condições das pessoas com deficiência e com outras necessidades educacionais especiais, assim como da sua falta de preparação, apresentam barreiras atitudinais, limites conceituais e, consequentemente, incapacidade de planejar um mundo diferente, um sistema escolar não homogêneo, no qual cada pessoa possa progredir em seu ritmo próprio e de maneira conjunta com a turma onde está inserida. (MARTINS, 2008, p. 88). O desenvolvimento de práticas planejadas, contributivas à promoção da cidadania perpassa pelo compromisso da universidade em gerar reflexão acerca das práticas cristalizadas e, através da pesquisa, identificar os elementos que sustentam tais práticas, combatê-los, sob a lente das ciências, e apontar alternativas, encaminhamentos, questões empreendedoras que emanem o que está posto na lei: uma educação comprometida com o processo de mudança de cada pessoa e de todas ao mesmo tempo. Assim, é partindo da compreensão de que a pesquisa é uma prática reflexiva, crítica, social, contínua, atravessada por formações discursivas e por um movimento cíclico onde a universidade recebe demandas da sociedade e a sociedade recebe demandas da universidade que, no próximo capítulo, discute-se sobre a efetivação das pesquisas sobre as pesquisas efetivadas no âmbito nacional e, mais especificamente, no PPGE/UFPE (1978 a 2002). 196 É nessa esfera que emerge o debate sobre o surgimento das pesquisas sobre as pesquisas em educação especial e oportunamente a pesquisa sobre educação especial/educação inclusiva efetivadas no Brasil e nesse importante Centro de difusão de cultura. 197 Capítulo 3 A pesquisa sobre Educação da pessoa com deficiência: contextualizando a produção científica no PPGE/ UFPE “[...] o labor científico caminha sempre em duas direções: numa, elabora suas teorias, seus métodos, seus princípios e estabelece seus resultados; noutra, inventa, ratifica seu caminho, abandona certas vias e encaminha-se para certas direções privilegiadas. E ao fazer tal percurso, os investigadores aceitam os critérios da historicidade, da colaboração e, sobretudo, imbuem-se da humildade de quem sabe que qualquer conhecimento é aproximado, é construído.” (MINAYO, 1996, p. 12-13). O labor científico é um desafio, assim como o é desafiante comunicar a ciência em construção. A pesquisa, em educação, retroalimenta a prática docente e as teorias pedagógicas. A pesquisa não se subordina ao já existente, ela confirma ou retifica caminhos, é guiada por perguntas motrizes que infinitamente mostram que qualquer conhecimento advindo dela é passível de que se torne ponto de partida para novas indagações. Essa perspectiva é, consoante Serrano (2011, p.43), o que faz “a Universidade exercer o papel nuclear de ambicionar a conquista de novos ‘saberes’ inéditos, de novas contribuições que possam ser adicionadas ao reservatório do conhecimento universal.” Para cumprir essa atividade, os pesquisadores sociais não podem ser “trapezistas sem rede” (Id., Ibid., p. 45). Eles precisam de um instrumental que lhes possibilite conhecer os itinerários possíveis, já percorridos, já sinalizados ou ainda pouco desvelados. Partindo desse pressuposto, este capítulo objetiva apresentar brevemente o contexto das pesquisas sobre as pesquisas realizadas nacionalmente e, de modo 198 mais estrito, no PPGE/UFPE, principalmente aquelas cuja contingência é a da análise da educação especial. Essa discussão coloca, então, como primeiro plano a percepção de que os rumos da pesquisa em Educação é ferramenta valorosa porque pode revelar aos pesquisadores sociais: valores, contextos, contradições, inquietações, avanços, retrocessos, lacunas, caminhos etc., através da contemplação e da análise das manifestações discursivas em que o labor científico é ao mesmo tempo processo e produto da construção dialógica de saberes. Nesse sentido, vale destacar o valor que a pesquisa sobre as pesquisas tem assumido no contexto da Ciência da Educação no Brasil. Primeiro, tais trabalhos, mais frequentes a partir da década de 90, têm situado os Programas de Pósgraduação em seus respectivos êxitos e emergências, principalmente epistemológicas. Segundo, porque o valor do resgate do conteúdo destes trabalhos é mais que um procedimento historicizante, é a efetivação da busca pela compreensão de ideologias, representações sociais, atitudes e comportamentos que estão na gênese dos problemas que, por exemplo, dificultam a constituição de uma sociedade/ de uma escola inclusiva. (WARDE, 1990; ALVES, 1992; KUENZER E MORAES, 2005; LIMA, 2001; MENDES, NUNES e FERREIRA, 2004; SILVA, 2003; 2004; MANZINI, 2003; 2006; FROÉS, 2007; CERQUEIRA, 2008; NAUJORKS, 2008; ALMEIDA, 2010). Em outras palavras, no âmbito nacional, as pesquisas sobre as pesquisas mostram, além do cenário das produções, as tendências, os paradigmas, a cristalização de crenças etc. Assim, as pesquisas sobre as pesquisas terminam por se tornarem historiantes, catalisadoras do que tem sido construído numa área, numa época, sobre um tema ou até num Programa. (op. cit.). Essas pesquisas denominadas, muitas vezes, de “Estado da Arte” ou “Estado do Conhecimento” tem sido definidas como de caráter documental ou bibliográfico e parecem trazer em comum [...] o desafio de mapear e de discutir uma certa produção acadêmica em diferentes campos do conhecimento, tentando responder que aspectos e dimensões vêm sendo destacados e privilegiados em diferentes épocas e lugares, de que formas e em que condições têm 199 sido produzidas certas dissertações de mestrado, teses de doutorado, publicações em periódicos e comunicações em anais de congressos e de seminários. Também são reconhecidas por realizarem uma metodologia de caráter inventariante e descritivo da produção acadêmica e científica sobre o tema que busca investigar, à luz de categorias e facetas que se caracterizam enquanto tais em cada trabalho e no conjunto deles, sob os quais o fenômeno passa a ser analisado. (FERREIRA, 2002, p. 1). Essa autora (Ibid.), tomando como referência o Brasil, cita como exemplos de pesquisa do tipo “Estado da Arte” os seguintes trabalhos: Alfabetização no Brasil - o estado do conhecimento (Soares, 1989); Rumos da pesquisa brasileira em Educação Matemática: o caso da produção científica em cursos de pós-graduação (Fiorentini, 1994); Tendências da pesquisa acadêmica sobre o ensino de ciências no nível fundamental (Megid, 1999); Pesquisa em Leitura: um estudo dos resumos e dissertações de mestrado e teses de doutorado defendidas no Brasil, 1980 a 1995 (Ferreira, 1999); Estado da arte sobre formação de professores nas dissertações e teses dos programas de pós-graduação das universidades brasileiras, 1990 a 1996 (André e Romanowski) e Estado da arte sobre a formação de professores nos trabalhos apresentados no GT 8 da Anped, 19901998 (Brzezinski e Garrido, 1999). De acordo com Ferreira (op.cit.) esses e outros pesquisadores sociais que trilham o caminho da pesquisa sobre as pesquisas são [...] sustentados e movidos pelo desafio de conhecer o já construído e produzido para depois buscar o que ainda não foi feito, de dedicar cada vez mais atenção a um número considerável de pesquisas realizadas de difícil acesso, de dar conta de determinado saber que se avoluma cada vez mais rapidamente e de divulgá-lo para a sociedade, todos esses pesquisadores trazem em comum a opção metodológica, por se constituírem pesquisas de levantamento e de avaliação do conhecimento sobre determinado tema. No elenco dessas motivações, poderia ser acrescentado o fato de as pesquisas sobre as pesquisas resgatarem trabalhos que foram esquecidos nas prateleiras das bibliotecas ou que estão deteriorados pela ação do tempo, trabalhos que se mostram vanguardistas ao que hoje é discutido em educação, trabalhos que historiam, por exemplo, a construção da identidade social e pessoal de indivíduos em situação de vulnerabilidade etc. Soares (1987, p. 3 apud Ferreira 2002, p. 2) ratifica essa assertiva ao dizer que a pesquisa sobre as pesquisas são relevantes porque possibilitam a 200 [...] compreensão do estado de conhecimento sobre um tema, em determinado momento, é necessária no processo de evolução da ciência, afim de que se ordene periodicamente o conjunto de informações e resultados já obtidos, ordenação que permita indicação das possibilidades de integração de diferentes perspectivas, aparentemente autônomas, a identificação de duplicações ou contradições, e a determinação de lacunas e vieses. As pesquisas sobre as pesquisas podem ainda compilar e mostrar o projeto de sociedade, o projeto de educação e o projeto de pós-graduação que se tem fomentado a partir da produção de pesquisas. Mostra o projeto de sociedade quando cada estudo reflete interdiscursos e o olhar do pesquisador sobre o fenômeno observado. Esse olhar, obviamente, não é neutro, através dele é projetado, por vezes (in)conscientemente, o projeto de sociedade gestado em uma dada época. Mostra o projeto de educação quando cada estudioso traz o registro das práticas educativas vivenciadas por um período, na mesma instituição, em instituições diversas etc. e culmina com as ponderações sobre a educação que se tinha (tem) e a educação que se delineia no agora da pesquisa para o futuro. Mostra o projeto de Pós-graduação quando, ao analisar produções de cursos diversos termina por sinalizar os objetivos formativos dos PPGs, a atuação deles diante das comunidades intra e extracadêmica, os vieses epistemológicos que orientam as produções, enfim, a identidade dos cursos e dos programas em que os trabalhos em análise estão situados. As pesquisas sobre as pesquisas desenvolvidas aqui no Brasil servem para que se mapeiem os assuntos, os problemas, as indagações que tem tornado possível o papel da Universidade, qual seja, o de, no caso dos cursos de graduação e pós-graduação em Educação, pensar a escola e propor caminhos para sua contínua transformação. Nesse itinerário, a sociedade e a escola trazem suas demandas para a Universidade e esta deve assumir o compromisso ético de, junto àquelas, revisitar a ciência, ratificar ou retificar o que já está posto e, principalmente, produzir ciência com vistas à prática de atitudes que engendrem um processo de mudanças rumo à constituição de uma sociedade mais humana, respeitosa à diversidade que a constitui. Essa função se sustenta porque o papel da universidade não é o de se apropriar e de armazenar produtos, mas de apreender processos, é o de construir 201 conhecimento como elemento específico fundamental no delinear do destino da humanidade. (SEVERINO, 2007). A universidade, voltada para o contexto da busca pela qualidade do/no ensino, deve, pois, não apenas estar incorporada ao contexto da produção da ciência, mas precisa (re)examiná-lo, recriá-lo, questioná-lo, complementá-lo e fazêlo chegar a cumprir a difusão da cultura local, nacional, universal. Tais compromissos da universidade fazem urgente a prática de pesquisas sobre as pesquisas, pois essas, conforme discutido, trazem à reflexão a estrutura, a organização, as ideologias, as teorias, as práticas do fazer ciência nos PPGs e, geralmente, servem (ou deveriam servir), através de seus achados, como input para a mudança. 3.1 - A pesquisa sobre as pesquisas no contexto nacional A pesquisa científica é de importância ímpar no processo de extensão do conhecimento científico à sociedade. Esse fato indica que o conhecimento produzido [...] para se tornar ferramenta apropriada de intencionalização das práticas mediadoras da existência humana, precisa ser disseminado e repassado, colocado em condições de universalização. Ele não pode ficar arquivado. (SEVERINO, 2007, p. 34). Destarte, as pesquisas sobre as pesquisas são estudos que possibilitam compilar e universalizar o conhecimento, daí sua importância para que um número cada vez maior de pessoas possam, acessando-as, conhecer realidades. Esses estudos trazem [...] produtos do conhecimento, instrumentos mediadores do existir humano, bens simbólicos que precisam ser usufruídos por todos os integrantes da comunidade, à qual se vinculam as instituições produtoras e disseminadoras do conhecimento. (Id., Ibid.) No presente trabalho, a busca por perceber como tem se dado esse processo fez necessário conhecer o estado da arte referente: a) a pesquisa sobre as pesquisas realizadas no Brasil; b) a pesquisa sobre as produções científicas relacionadas à educação da pessoa com deficiência. A pesquisa científica como centralidade do sistema de pós-graduação foi consolidada no Brasil desde o final dos anos 60 , quando este nível de ensino foi 202 regulamentado em 03 de dezembro de 1965, através do Parecer CFE n° 977/65. Este parecer “conferiu ao Conselho Federal de Educação a responsabilidade pelo reconhecimento e pela avaliação dos programas de pós-graduação.” (BALVACHEVSKY, 2005, p.291). Antes deste parecer, a pós-graduação já havia sido contemplada na Lei nº 4.024 de 1961, Art. 69, letra b (LDB), contudo, não havia sido ainda objeto de uma conceituação, definindo sua natureza e formas de organização. Havia então no ambiente universitário um conflito onde cursos de especialização e até de extensão eram imprecisamente considerados como Pós-Graduação. O parecer conceitua os cursos de pós-graduação e ainda os divide em duas categorias – Stricto Sensu, que visa prioritariamente à formação do pesquisador e Lato Sensu, dirigido à especialização profissional – e estabelece as categorias de mestrado e de doutorado para o Stricto Sensu. O marco legal ficou conhecido como “Parecer Sucupira”, referência a seu relator, o professor emérito da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Newton Sucupira. Nesse período, à luz de uma concepção crítica do processo de conhecimento, os pareceres 977/65 e 77/69, legislação básica da pós-graduação no Brasil, situam a realização da pesquisa científica no âmago do investimento acadêmico exigido nesse nível de formação, o qual é marcado pela finalidade de “desenvolver uma pesquisa que realize, efetivamente, um ato de criação de conhecimento novo, um processo que faça avançar a ciência na área.” (SEVERINO, 2007, p. 212-213). A pós-graduação brasileira cresceu rápida e intensamente. Em 1965, quando os primeiros estudos pós-graduados foram reconhecidos, o Conselho Nacional de Educação identificou ao todo 38 programas de pós-graduação: 27 mestrados e 11 doutorados. Dez anos depois, em 1975, o Brasil já contava com 429 programas de mestrado e 149 de doutorado. Desde então esses números não pararam de crescer. Em 2002, tínhamos 1506 programas de mestrado e 841 de doutorado. (BALBACHEVSKY, 2005, p. 281). Em 2009, a CAPES informou a existência de 2.718 programas reconhecidos: 40 doutorados, 243 mestrados profissionais, 1.054 mestrados, 1.382 mestrados /doutorados (http://geocapes.capes.gov.br/geocapesds/#). 203 A partir dos anos 70, como se pode observar, houve significativa expansão dos programas de mestrado e doutorado e, em consequência, um considerável aumento na produção científica do Brasil. Esse fato mobilizou alguns pesquisadores a se preocuparem com o caminho registrado, adotado, impulsionado por essa produção. O que se justifica porque a construção de um robusto sistema de ciência era vista como um importante instrumento para o desenvolvimento econômico do país. (BALBACHEVSKY, 2005). Na área educacional essa década é, portanto, marcada por vários estudos focalizados na análise da produção desenvolvida nos mestrados e doutorados. Silva (2004; 2010) sinaliza que autores como Gouveia (1971), Almeida (1972), Di Dio (1976) e Cunha (1979) buscaram descobrir as tendências da pesquisa desenvolvida nesse setor. Nos anos 80, iniciaram-se as pesquisas cujos objetos de estudo eram (são) a produção científica na área de Educação Especial. Nunes, Ferreira e Mendes (2003) ressaltam que o trabalho pioneiro nessa área foi efetivado por Dias e Goyos et.al. (2003) que analisaram resumos de dissertações defendidas no Programa de PósGraduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos (PPGE/UFSCar) e verificaram que no período de 1981 a 1987 os estudos estavam voltados para o ensino-aprendizagem no âmbito familiar e escolar e algumas pesquisas para interações em contextos mais amplos. Na década de 90, merecem destaque os trabalhos desenvolvidos por Warde (1990), Alves (1992) e Costa (1994) que discutem o papel da pesquisa na pósgraduação em Educação e destacam as fragilidades na constituição desse gênero acadêmico, a exemplo da efetivação dos objetivos delineados nos trabalhos investigados, da análise crítica do estado atual do conhecimento na área de interesse e até mesmo da delimitação do tema. É importante destacar que no ano de 1995 um grupo de pesquisadores 29 iniciou um projeto de análise da produção discente no âmbito dos programas de Pós-Graduação voltada para o indivíduo com “necessidades educacionais 29 Este grupo de pesquisadores era coordenado por Leila R. D’Oliveira de P. Nunes ( UERJ), Rosana Glat ( UERJ), Júlio R. Ferreira ( UNIMEP) e Enicéia Gonçalves Mendes ( UFScar) (SILVA,VIDAL, SOUSA. s/d, p. 4) 204 especiais”, projeto este intitulado “A Pós-Graduação em Educação Especial: Caracterização e Perspectivas dos Programas e Análise Crítica da Produção Discente” (PRODISC /1995-2003), cujo objetivo, consoante Silva (2010), era o de identificar temas estudados, tendências teóricas e metodológicas; as principais descobertas; as lacunas nesse conhecimento e as implicações teóricas e práticas dessa produção. Em 2000, foi realizado um maior quantitativo de trabalhos cujo objeto de estudo é a pesquisa realizada nos programas de pós-graduação. Nesse período, Kuenzer e Moraes (2001) retomaram alguns pontos da história da pós-graduação no país, indicaram uma inflexão importante nesse processo e discorreram sobre as mudanças induzidas pela avaliação da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) de 1996/1997 que, entre outros impactos, redesenhou o perfil da pós-graduação brasileira, que passou a priorizar fundamentalmente as atividades de pesquisa e de formação de pesquisadores. Lima (2001) investigou as tendências paradigmáticas na pesquisa educacional por um período semelhante 1995-1998, Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Em 2003, Silva analisou 27 documentos produzidos na UFSCar, do período da implantação do mestrado nesta universidade (1981) ao ano de 2002. Este autor (Ibid.) analisou, a partir das abordagens metodológicas, as implicações epistemológicas das dissertações e teses e concluiu que o paradigma positivista ainda era prevalecente nestes trabalhos. Silva (Ibid.) advoga que para compreender com maior profundidade a produção científica (dissertações e teses), não se pode perder de vista as condições sócio-históricas, nas quais se desenvolvem as atividades sociais. Em 2005, Eduardo José Manzini mapeou dissertações de mestrado e teses de doutorado que tinham utilizado, na pesquisa sobre educação especial, a técnica da entrevista para coleta de dados. Esse estudo foi apresentado no texto “Considerações Sobre a Entrevista para Pesquisa em Educação Especial: Um Estudo sobre Análise de Dados”. (SIMÓ; SILVA, 2009). 205 Posteriormente, Froés (2007), na UFSCar, realizou uma análise de dez dissertações produzidas em 2001, na área de Educação Especial, considerando o discurso sobre a deficiência, a relação entre Educação Especial e a Educação Regular e sobre a Educação Inclusiva. Os trabalhos analisados foram produzidos nos diversos Programas de Pós-graduação em Educação e em Educação Especial das Universidades Federais Brasileiras, encontradas no Banco de Teses da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. De acordo com Froés (Ibid.), a concepção de deficiência entre as autoras das dissertações é pré-determinista, uma vez que a maioria se posiciona num discurso clínico e trata a educação dos alunos com deficiência de forma dicotomizada, ou seja, algumas defendem o isolamento do indivíduo com deficiência ou propõem que antes de inserir as crianças com deficiência no espaço regular de ensino, seja realizada uma avaliação para se verificar o nível de comprometimento, para a partir desta observação decidir se elas devem ou não ser inseridas nas salas de aula comuns. É relevante considerar que as dissertações analisadas por Froés (2007) foram produzidas no mesmo ano, contudo em estados brasileiros diferentes, e a partir delas foram publicados artigos, trabalhos foram apresentados em congressos etc., fica latente o quanto é prejudicial à escola inclusiva a materialização e divulgação de um discurso científico permeado por entendimentos equivocados em relação ao aluno com deficiência e ao processo de inclusão educacional. Em 2008, José Geraldo Silveira Bueno apresentou sua pesquisa com o tema “A Produção Acadêmica sobre Inclusão Escolar e Educação Inclusiva”. O pesquisador buscou “mapear as produções científicas sobre os processos de inclusão escolar fazendo um balanço detalhado sobre a produção”. (SIMÓ; SILVA, 2009). Nesse mesmo ano, consoante essas autoras (Ibid.), mais dois trabalhos sobre as pesquisas em Educação Especial foram divulgados: o de Altemir José Gonçalves Barbosa, Camila Serrani Setani, Wesley Heleno de Oliveira, Danielle Lucílio da Silva e Thays Correia Santana, intitulado “Produção Científica Sobre Inclusão Escolar em Periódicos Nacionais de Educação e Psicologia” e o de Célia Regina Vitalino, 206 intitulado “Diagnóstico das Necessidades de Preparação dos Professores de Cursos de Licenciatura para Incluir Estudantes com Necessidades Especiais e Formar Futuros Professores Aptos a Promover a Inclusão”. O primeiro estudo teve como objetivo: [...] realizar uma análise cienciométrica de artigos sobre inclusão escolar publicados em periódicos brasileiros ao longo de uma década, tendo a Declaração de Salamanca como ponto de partida do intervalo temporal considerado. Especificamente, analisaram-se as variáveis; autoria, tipologia de artigos, distribuição temporal, periódicos-chaves, temas estudados e abordagem das necessidades especiais educacionais adotada. (BARBOSA et. al. 2008 apud SIMÓ; SILVA, 2009, p.8-9 ). E a pesquisa de Célia Vitalino pretendeu: [...] analisar as instituições de ensino superior de nosso país a fim de verificar se estão propiciando a formação dos professores com vista à inclusão dos alunos com necessidades especiais educacionais, ou seja, se estão cumprindo sua responsabilidade em relação a essa questão. (VITALINO , 2008 apud SIMÓ; SILVA, 2009, p.8-9 ) Em 2010, Almeida busca compreender os enfoques epistemológicos dos trabalhos produzidos na área de Educação Especial, no período de 1999 a 2008. O autor concluiu que as condições da produção da pesquisa são marcadas pela presença de professores formados dentro de determinadas tradições teóricas, além da organização curricular de cada universidade 30 . Com a análise dos trabalhos brevemente apresentados acima, percebe-se que [...] as pesquisas que têm como foco analisar até onde vai o conhecimento da área de educação e educação especial, preocupam-se com os temas que estão sendo abordados, verificam os assuntos que estão sendo explorados nesta área e como estão sendo divulgados, analisam os impactos na sociedade tanto no âmbito nacional como mundial. Percebe-se o interesse em verificar se a formação de professores está sendo eficaz na inclusão de pessoas com necessidades especiais e o mais importante [...] são os estudos que tiveram a intenção de verificar a contribuição efetiva das pesquisas para a área e aqueles que utilizaram a análise dos trabalhos para contribuir com acesso e a melhoria na qualidade de ensino. Verifica-se o esforço dos pesquisadores em não apenas realizar produções que tenham como foco principal a área de 30 Esta afirmação de Almeida (2010) nos remete a relevância da disciplina “Tópicos atuais da Educação: Barreiras Atitudinais e Acessibilidade, ofertada no curso de Mestrado da Universidade Federal de Pernambuco (2006) 207 educação especial, mas também a produção de pesquisas que aborde em um único trabalho os temas mais relevantes e mais explorados, no intuito de universalizar o conhecimento produzido nos últimos anos. (SIMÓ, SILVA, 2009, p.10). A análise da produção em Educação Especial é um importante indicador para verificar as tendências de pesquisa no campo específico. Com esse indicador seria possível verificar se as políticas delineadas para a área estão sendo alcançadas ou se é imperativo um redirecionamento de empenhos para, realmente, atingir as necessidades prementes. A pesquisa sobre as pesquisas em Educação Especial possibilita, portanto, a caracterização do estágio de desenvolvimento da área e a hierarquização das suas prioridades. (MANZINI, 2003; CERQUEIRA, 2008; NAUJORKS, 2008). É, então, importante considerar que no percurso da pesquisa sobre a pesquisa em Educação/ Educação Especial o diálogo entre a Psicologia e a Educação se fortaleceu e impulsionou a construção científica sobre o processo de ensino aprendizagem vivenciado pela pessoa com deficiência. A exemplo de Mendes, Nunes e Ferreira (2002) que após investigar 81 dissertações e teses sobre atitudes e percepções acerca das pessoas com deficiência concluíram que “as representações sociais, em geral de cunho negativas, se infiltram nos pais e profissionais permeando suas ações e induzindo ao conformismo e falta de responsabilidade na oferta de uma educação de qualidade”. (p.3). Esses autores (Ibid.) ainda afirmam que um ponto fulcral no estudo acerca das atitudes dos agentes escolares diante da pessoa com deficiência é a percepção da demanda por melhoria nos programas de formação. Para eles, cotejar visões de responsabilidade ou de culpa nas relações sociais, na atual situação, é pouco em relação ao elevado compromisso social dessas pesquisas. É preciso, pois, como afirma Guedes (2007), ao produzir a primeira dissertação no Brasil sobre o tema barreiras atitudinais, erradicar essas barreiras que de tão danosas ao processo educativo chegam a impedir o acesso dos alunos à escola e permanência nela. 208 3.2- A pesquisa sobre Educação Especial/Educação Inclusiva no Brasil O conhecimento produzido sobre a Educação Especial, em sua gênese, tem vínculos estreitos com a Psicologia, pois, ao analisar o contexto da educação dispensada às pessoas com deficiência, muitas vezes, o foco do estudo incidia (incide) na suposta anormalidade/diferença apresentada por essas pessoas tanto na produção do conhecimento científico quanto nas interações. Essa visão individualista, patologizante, esteada em barreiras atitudinais, fez com que o campo de conhecimento acerca da educação especial estivesse polarizado e descontextualizado da Educação como um todo. (LAPLANE; LACERDA; KASSAR, 2006). Vale lembrar, portanto, que na década de 80 se inicia, com maior vigor, a interlocução entre a Educação Especial e a Educação como um todo. Essa aproximação ocorre em função do empreendimento de pesquisas históricas e sociológicas que traziam aos PPGs a possibilidade de se ter análises diversificadas do processo educativo. (Idem.). É interessante ressaltar que, na década de 80, o estado de São Paulo foi vanguardista ao estudo da Educação especial. O PPGEEs/ UFSCar foi o primeiro programa do Brasil implantado para tratar a Educação Especial e, desde então, constitui-se no único programa específico na área. Atualmente existem apenas programas, particularmente na área de Educação, que contam com eixos temáticos, núcleos ou linhas de pesquisas dedicados à Educação Especial. (Jornal da Ciência, 2007). Essa nota registrada no Jornal da Ciência (2007) pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) possibilita que se apreenda que os PPGEs não têm cumprido o que, em razão de demandas trazidas para a Universidade, a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior) , desde 2001, recomendou, ou seja, a [...] ampliação das fronteiras temáticas de formação, identificando cinco temas que se vinculam a essa demanda: avaliação institucional e de sistemas, educação ambiental, educação especial, educação à distância, informática e educação e, ainda, a área de métodos quantitativos em educação. (SANTOS, 2008, p. 108). 209 Na UFSCar tem-se o primeiro Programa em Educação Especial que guarda em sua origem forte influencia da Psicologia experimental e através de suas produções tem ao longo dos anos, desenvolvido pesquisas em todos os níveis educacionais, buscando catalisar as bases, o desenvolvimento da educação que hoje se diz inclusiva. (Id., Ibid.). Nesse Programa, de forma explícita, o candidato ao curso de mestrado tem ciência de que a área de concentração do curso é “Educação do indivíduo Especial” e a área de conhecimento: “Educação Especial”. O candidato também tem acesso à informação sobre a atuação do Programa, a qual tem sido [...] presidida por princípios teóricos e filosóficos emanados da evolução conceitual e da definição de políticas para a Educação Especial, enquanto área de conhecimento e campo de atuação profissional, buscando contribuir, de maneira intencional e planejada, para a superação de uma Educação Especial equivocada: a que responsabiliza o deficiente ou o seu meio próximo pelas dificuldades de aprendizagem e de adaptação ao meio, exerce uma função segregadora e excludente, e atua contra os ideais de inclusão e integração social de portadores de deficiências e a garantia de sua plena cidadania. (Informação coletada no site do Programa). Os objetivos dessa formação também são claros: A estrutura curricular foi programada com base na necessidade de fornecer aos alunos formação para: 1. Docência Universitária: o que implicaria em oferecer formação conceitual e nas habilidades requeridas pela educação especial, de forma que o aluno seja capaz de analisar as variáveis envolvidas no processo ensino-aprendizagem, planejar, aplicar e avaliar procedimentos e atividades de ensino. 2. Pesquisa em Educação Especial: o que implicaria em oferecer ao aluno fundamentos da teoria da ciência e do conhecimento, princípios de metodologia científica, e história da ciência que o habilitem a realizar pesquisas experimentais e descritivas na área. 3. Assessoria a programas e serviços de Educação Especial para portadores de deficiência mental: o que implicaria em oferecer conhecimento sobre as peculiaridades das instituições e situações de Educação Especial no Brasil, e ensinar ao aluno habilidades para treinamento de pessoal, planejamento e avaliação de programas e de recursos tecnológicos para serviços educacionais especializados. (Informação coletada no site do Programa). 210 Como linhas de pesquisa o PPGEEs/UFScar traz: Linha 1 - Aprendizagem e cognição de indivíduos com necessidades especiais de ensino; Linha 2 - Currículo funcional: implementação e avaliação de programas alternativos de ensino especial; Linha 3 - Práticas educativas: processos e problemas; Linha 4 - Atenção primária e secundária em Educação Especial: prevenção de deficiências; Linha 5 - Produção científica e formação de recursos humanos em Educação Especial. Como se vê, nesse Programa a Educação Especial surge como área transversal que perpassa estudos sobre o currículo, a avaliação, as práticas educativas, a formação de profissionais, a produção científica. Neste último tópico, constitutivo do foco de uma linha de pesquisa, infere-se que o PPGEEs/UFSCar ao produzir os gêneros acadêmicos analisa também a produção científica interna ou externa ao Programa. Abre, portanto, espaço para a realização da pesquisa documental, dá visibilidade e valoriza a [...] importância de se analisar o conhecimento produzido em Educação Especial no Brasil, para que possa fundamentar a formação de profissionais habilitados a avaliar, implantar, administrar e orientar programas e serviços em Educação Especial. (BARBOSA, 2008 apud SIMÓ; SILVA, 2009, p. 7). No site do curso e nos editais de mestrado do PPGEEs/UFSCar, a comunidade intra e extra-acadêmica encontra fontes seguras, seja para o caso de se buscar orientação quanto à educação especial, seja para o caso de que se deseje responder a alguma inquietação científica. Reconhecer, então, a identidade do curso, seus objetivos e linhas como percurso para se pesquisar, discutir e reavaliar a educação especial é, então, ação sine qua non para se delinear um trajeto de pesquisa bem situado na área de educação especial/educação inclusiva. Uma análise pormenorizada das pesquisas realizadas nos espaços formativos, ou seja nos PPGs, poderá ser “um indicativo, dentre outros aspectos, do tipo, qualidade e quantidade do conhecimento produzido”. (MANZINI, 2007, p. 176). Esse autor, no texto “Que tipo de conhecimento as pesquisas de pósgraduação tem fornecido sobre inclusão?” (2007), propõe que se reflita, a partir dos resultados de vários estudos, entre eles o estudo documental de 95 artigos 211 publicados entre 1992 a 2002, na Revista Brasileira de Educação Especial, sobre a percepção de que “os temas menos referidos nas pesquisas em educação especial são: acessibilidade, ética, história da educação especial e análise de programa e de produção em cursos de pós-graduação”. (Id., Ibid., p. 178). A Revista, cuja intenção é de disseminar o conhecimento em Educação Especial, é uma publicação trimestral mantida pela Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial - ABPEE, a qual foi elaborada durante a realização do III Seminário de Educação realizado em 1993, na cidade do Rio de Janeiro. Ela publica trabalhos originais, especialmente textos científicos resultantes de pesquisas. Essa Revista é, portanto, um espaço que contempla produções de diversos autores, nos variados estados brasileiros. Logo, quando ela sinaliza, através do trabalho de Manzini (2007), que durante dez anos, os quais são contemplados no presente estudo, pouco se investigou sobre a ética, necessária para a promoção da inclusão, e sobre a análise de Programas e de produções da Pós-graduação, o autor indica que nacionalmente esses, entre outros temas, estão em posição secundária nas pesquisas de pós-graduação sobre inclusão. Marques (2007) ao comentar o estudo “A pesquisa em educação especial no Brasil: aspectos epistemológicos”, iniciado em 2005, procura conhecer a literatura sobre a produção científica na área de Educação Especial no Brasil; sobre esta produção na área específica de educação especial; como também sobre a questão da epistemologia na pesquisa educacional. A autora utiliza como corpus de análise quatro teses e onze dissertações todas sobre Educação Especial, produzidas em 2001, nos programas de pós-graduação stricto sensu de nove instituições: PUC-RS, PUC-SP, UFES, UFJF, UFSC, UFSCar, UFSM, UNESP/Marília e USP. Marques (Ibid.) afirma encontrar, nas produções em análise, entre outros equívocos, o da não inserção das pesquisas em Educação Especial na Educação em Geral em função disso a autora recomenda: [...] inserir a discussão que está sendo feita na área da educação especial no contexto maior das discussões na área da educação, considerando que isto daria maior consistência à área de educação especial no cenário da educação geral. (Id., Ibid., p. 239). 212 Traduz-se, então, que as pesquisas em educação especial, muitas vezes, são apartadas de um contexto de produção ampla do conhecimento. As universidades fazem isso quando, na agenda de suas atividades produtivas não dão visibilidade a área em equiparação a outros temas de estudo. Vale reiterar que ainda são poucas as universidades que apresentam Programa sobre Educação Especial ou uma linha de pesquisa. Em outros termos, além da UFSCar, outras universidades tem se dedicado à pesquisa na área de Educação Especial/ Educação Inclusiva, mas como um eixo temático, como uma linha, como é o caso da Universidade Estadual do Rio de Janeiro; ou como uma subárea, conforme tratou a Universidade Federal de Pernambuco, no período de 2005 a 2010. 3.3 - A pesquisa sobre as pesquisas no PPGE/UFPE O movimento de estruturação do Programa de Pós-graduação em Educação da UFPE iniciou-se em meio a um contexto social turbulento e a intensos debates, no âmbito nacional, sobre esse nível de formação. (SILVA et. al. 2008). Segundo esses autores (Ibid., p. 36), O Curso de Mestrado em Educação da UFPE, tendo como área de concentração Planejamento Educacional, foi aprovado pelo Conselho Coordenador de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFPE, em 29/04/1977 e recomendado pelo Grupo Tecnico e Coordenação (GTC), do Conselho Nacional de Pós-Graduação, em 1978. Essa área de concentração inicial do PPGE/UFPE se desdobrou em duas linhas de estudo: O estado e a Política Educacional no Nordeste e Política Educacional e Prática Pedagógica. Desde a implantação do mestrado em Educação na UFPE (1978) ao corrente ano, há apenas duas pesquisas sobre as pesquisas produzidas no PPGE: a dissertação de mestrado “Pesquisando sobre a Pesquisa Educacional - A produção Científica no Centro de Educação da UFPE: Relatório de Pesquisa” (FREITAS; COSTA, 1990) e recentemente o livro “Programa de Pós-graduação em Educação da UFPE: 30 anos de uma história”. (SILVA et. al., 2008). Os autores desses 213 trabalhos não se debruçam sobre as pesquisas em educação especial/educação inclusiva. Vale, então, ressaltar que as pesquisas sobre as pesquisas nesse Curso poderiam historiar os objetivos, a natureza, o currículo do Programa e mostrar de que forma ele tem avançado para cumprir, inclusive, o que a própria CAPES, conforme mencionado, recomenda: uma ampliação das fronteiras temáticas de formação, incluindo avaliação institucional e de sistemas, educação ambiental, educação especial, educação à distância, informática e educação e, ainda, a área de métodos quantitativos em educação. (Infocapes , 2001). 3.4- A pesquisa sobre as pesquisas em Educação Especial/ Educação Inclusiva no PPGE/UFPE A partir da pesquisa no acervo da biblioteca do Centro de Educação da UFPE e da listagem de dissertações defendidas informada pela secretaria do curso de Pós-graduação em Educação (PPGE/UFPE), verificou-se que no intervalo temporal focalizado neste estudo (1978-2002), foram produzidas 191 (cento e noventa e uma) dissertações de mestrado, sendo a primeira defendida em 1982. Neste número substantivo de produções situadas nos diversos temas da ciência da Educação, foram construídas 5 (cinco) dissertações que discorrem sobre a Educação da Pessoa com Deficiência. Essas dissertações são partes relevantes da literatura científica sobre educação da pessoa com deficiência. A partir de uma primeira leitura situada nos títulos, temas e resumos de tais trabalhos percebeu-se a preocupação dos pesquisadores quanto à configuração do campo de pesquisa em educação especial e as dimensões do impacto das teorias e da política no processo de escolarização das pessoas com deficiência. Alguns desses trabalhos estão fisicamente deteriorados 31. Assim, a pesquisa documental resgata os achados registrados nessas dissertações e contribui para que se verifique se há mudanças nos eventos e atitudes vivenciados desde a década em que o mestrado em educação foi implantado na UFPE (1978) até o 31 Vide fotografia de dissertação de mestrado utilizada no corpus da presente pesquisa - Anexo F. 214 período em que o Brasil inicia a política de educação especial na perspectiva da educação inclusiva(1996, com a LDB 9394/96). Até a presente data, no PPGE/UFPE não foi realizada pesquisa sobre as pesquisas em Educação Especial/ Educação inclusiva. Um estudo dessa natureza e com recorte longínquo poderia possibilitar que o Programa visualizasse o quanto e como tem contribuído para que a sociedade, em seus mais diversos espaços formativos, culturais, sociais, perceba o movimento do PPGE/UFPE para que a pessoa com deficiência tenha seus direitos sociais garantidos, mormente o da educação, que é objeto de reflexão do Programa. O estudo das pesquisas sobre as pesquisas poderia trazer à baila, por exemplo, quais as teorias utilizadas para se ler a educação especial/educação inclusiva nos trabalhos realizados no Programa; poderia revelar quais os temas mais recorrentes e se estes surgem de uma demanda extra ou intrainstitucional etc. 3.5- A pesquisa sobre Educação Especial/ Educação Inclusiva no PPGE/UFPE Nos vinte e quatro primeiros anos de existência do PPGE/UFPE (1978-2002), foram construídas cinco dissertações que discorrem sobre a Educação da Pessoa com Deficiência, a saber: Educação para Todos: a prática e o discurso (BACELAR, 1988); Aluno portador de deficiência: problema médico-pedagógico ou conquista da cidadania? A Educação especial em Pernambuco (ROSA, 1990); Ser diferente numa sociedade massificada – um estudo sobre a política de integração do portador de deficiência (Nery, 1996); Expressões e silêncios dos discursos cidadania-deficiência mental. Uma abordagem histórico-discursiva do Plano Estadual de Educação – PE – 1988/1991 (MOREIRA, 1997); Quando as (in)certezas e as esperanças se (des)encontram: um estudo das representações sociais dos professores sobre educação especial na rede estadual de ensino (BAZANTE, 2002). Vale observar que a produção de trabalhos sobre Educação Especial/ Educação Inclusiva não ocorreu no PPGE/UFPE no intervalo de 1998 a 2001. É relevante também destacar que os títulos temáticos desses trabalhos situam as pesquisas num contexto histórico-discursivo, em que a memória, a situação e os sujeitos envolvidos são chamados a interagir. 215 Essa tríade faz parte dos pilares conceituais da análise do discurso, uma teoria que serve como instrumental para a pesquisa sobre barreiras atitudinais, a qual só é possível se o pesquisador interrogar os sentidos do discurso sob a égide da própria teoria das barreiras sociais. É dentro desta perspectiva que se delineia o próximo capítulo. 216 Capítulo 4 Análise do discurso: um suporte para o estudo das barreiras atitudinais [...] “Para que nossas falas ditas não sejam emissárias do estigma e preconceito historicamente produzidos contra as muitas minorias, por vias não ditas, é imperioso que exercitemos a inclusão plena não como um conceito teórico dos livros e leis de papel, mas como uma prática diária, onde agir é respeitar o "ser" humano de cada um e de TODOS, nas suas idiossincrasias e nas suas características gerais de simplesmente cidadãos.” (LIMA et. al., 2003, p. 10). Nas práticas sociais e, não menos, no discurso científico, as barreiras atitudinais, em geral, surgem, são apresentadas, fortalecidas, difundidas na linguagem, entre os ditos e os não ditos que constituem o discurso, e levam e/ou resultam no desrespeito ou impedimento aos direitos das pessoas com deficiência. Olhar para a superfície das palavras, então, se torna ação vã, quando se quer encontrar/identificar as barreiras atitudinais, assim como entender-lhes o efeito na vida das pessoas com deficiência. Para, portanto, investigar a existência dessas barreiras no discurso é preciso compreender que por trás do tecido constituído pelas palavras há mais do que seus autores imaginam. (LIMA, 2003; BAUER, GASKELL, 2008). Por isso, é importante que o discurso seja visto não apenas em sua materialidade linguística, mas como produto social e histórico que veicula compreensões, incita afetos e estimula ações; que quando o discurso vem embotado de barreiras atitudinais prejudica a interação entre as pessoas com e as sem deficiência, limitando as primeiras no excercício dos seus direitos e deveres sociais ou as incapacitando, quando a deficiência apenas lhes impõe limites superáveis pessoal e tecnologicamente. (LIMA,2000a). Com efeito, as palavras não significam, em si mesmas, ainda que tragam significados; elas precisam ser tomadas e traduzidas no texto e tornam necessário 217 um olhar investigativo que conjugue a análise da linguagem em seu contexto, a análise das ideologias/crenças/valores que ela expressa e a análise do poder que ela toma para si e a ela é atribuído. Para tanto, é exigido do pesquisador social que interrogue o quê o texto significa, isto é, o sentido que ele tem ou traz na opacidade do seu discurso, no discurso por trás do discurso. Essa busca pelos sentidos do discurso para identificar as barreiras atitudinais só é possível se o investigador estear-se na teoria da inclusão, especificamente na compreensão do que são e como se manifestam as barreiras atitudinais. No campo científico constituirá importante ferramenta para o investigador das barreiras atitudinais o estudo da teoria da análise do discurso. De um lado, a teoria da inclusão fornecerá as lentes para se ler o discurso; de outro, a análise do discurso permitirá relacionar a linguagem à sua exterioridade, considerar que a linguagem não é transparente, afirmar que ela é igualmente constituída por ditos e não-ditos e indicar o percurso para o analista. (ORLANDI, 2000, 2006). Posto, então, que o reconhecimento de que as barreiras atitudinais contra a pessoa com deficiência são manifestadas na linguagem, na opacidade do texto, nos ditos e não ditos (LIMA, 2003; LIMA, TAVARES, 2007; DUARTE, 2011) reitera-se a pertinência de se buscar na análise do discurso o suporte para que se perceba como as barreiras sociais são materializadas nos entremeios das palavras, nas contradições e nos silêncios. Este capítulo versa, portanto, sobre como surgiu a análise do discurso e comenta alguns dos constructos dessa teoria que são de relevância ímpar para que se desvele como as barreira atitudinais podem ser apresentadas, praticadas, tonificadas, difundidas através do discurso. 4.1- Análise do discurso: origem e filiações teóricas A análise do discurso, uma alternativa metodológica originada na França, por volta dos anos 60, foi estabelecida por Michel Pêcheux, o qual lança em 1969 o livro 218 Análise Automática do Discurso, obra considerada por muitos estudiosos desta teoria como marco de sua fundação. A análise do discurso é, por assim dizer, um percurso de análise que, como o próprio nome indica, se ocupa em estudar o discurso, ou seja, objetiva “compreender como um texto funciona, como ele produz sentidos, sendo ele concebido enquanto objeto linguístico-histórico”. (ORLANDI, 1996, p. 56). Essa teoria é resultante das interlocuções que seu fundador estabeleceu com três domínios disciplinares: a Linguística, o Marxismo e a Psicanálise. O primeiro domínio favorece, entre outros entendimentos, o da compreensão da opacidade da linguagem, mostra que a relação “linguagem/pensamento/mundo não é unívoca, não é uma relação direta que se faz termo-a-termo, isto é, não se passa diretamente de um a outro. Cada um tem sua especificidade”. (Id., 2000, p. 19). O Marxismo contribui para que se perceba que o homem é, a um só tempo, aquele que produz a história da sociedade e é também produzido por essa mesma história, a qual lhe é intransparente. E a Psicanálise favorece o “deslocamento dessa noção de homem para a de sujeito”, o qual é considerado resultante de sua relação com o simbólico, na história. (Id., Ibid.). É relevante esclarecer que a interlocução entre esses três campos dos saberes não deságua em uma união passiva para se formar a perspectiva da análise do discurso, pois Pêcheux não é subserviente a elas ao trabalhar a língua, a história e o sujeito. Na verdade, a teoria da análise do discurso desenvolvida pelo autor é pressuposta a opacidade da língua, a opacidade da história e a opacidade do sujeito, e essas a pressupõe na medida em que relaciona aqueles três campos, tocando-lhes na criação de um espaço teórico propício à edificação de uma teoria e método em que o objeto de análise é o texto em sua materialidade, é o texto enquanto unidade de sentido. Em outras palavras, a análise do discurso, cujo objeto de estudo é o discurso/o funcionamento da linguagem, é uma disciplina de entremeio que investiga como os sentidos do texto significam e como os sujeitos são afetados por eles. Torna-se uma disciplina de entremeio porque não é somente sob aquela tríplice opacidade (da língua, da história e do sujeito) que ela vai operar, mas nos espaços 219 em que as três teorias se contradizem. Para melhor dizer, a análise do discurso fazse no espaço entre a linguística e as ciências sociais, “interrogando a linguística que pensa a linguagem mas exclui o que é histórico-social e interrogando as ciências sociais na medida em que estas não consideram a linguagem em sua materialidade.” (ORLANDI, 2006, p.14). Assim, uma das questões que move a análise do discurso, consoante a perspectiva delineada por Pêcheux, é a compreensão de como as relações de poder são estabelecidas, significadas através da linguagem, do funcionamento discursivo, sendo este ligado às condições de exterioridade da própria linguagem. Essa perspectiva se sustenta em função do discurso guardar em si faces que precisam ser decifradas, faces que vão além de sua literalidade, que ocultam um sentido por trás de outro e que fazem dos enunciados suscetíveis de engendrar outros diferentes dos primeiros ou, como discurso é palavra em movimento, os fazem se deslocar discursivamente para resultar para um outro. (PECHÊUX, 1983 apud ORLANDI, 2005). Logo, as palavras por trás das palavras, os sentidos que delas emanam e por elas são alimentados/propagados interessam a análise do discurso tanto quanto os espaços em branco no texto, os silêncios. Destarte, essa disciplina considera que cada sujeito apresenta um corpo linguagem formado por escolhas, muitas dessas (in)conscientes, que firmam, confirmam não apenas um modo de expressão como ingenuamente poderia se pensar, mas as ideologias, crenças, posturas esculpidas através da linguagem, difundidas ao largo da história e arquivadas no inconsciente social e pessoal. Sob essa compreensão, faz-se premente a definição de: linguagem, língua, discurso, texto, formação discursiva, condições de produção, interdiscurso, intertexto, sentido, sujeito, silêncio e ideologia, pois tais definições esclarecem o modo como o dizer se relaciona a sua exterioridade, a qual o constitui e o firma no caminhar por uma construção compartilhada de sentidos pelos interlocutores do discurso. 220 4.2- Algumas conceituações basilares à análise do discurso A análise do discurso, enquanto disciplina que se ocupa em investigar as produções verbais no interior de suas condições sociais de produção, traz conceituações que conduzem o analista a considerar a língua para além de sua face abstrata, ou seja, a língua no mundo, produzindo sentidos e operando no simbólico e na significância para e com os sujeitos. (ORLANDI, 2000; PAVEAU, 2006). Tais conceitos surgem esteados num movimento interdisciplinar que fez surgir a análise do discurso, conforme discutido anteriormente. Apreendê-los é, pois, compreender como o objeto simbólico (o texto, entre outros) produz, dimana, resgata e resignifica sentidos e como o sujeito produtor do texto nele se inscreve. 4.2.1- Linguagem e língua Na ótica da análise do discurso, o conceito de linguagem transcende o de instrumental para a interlocução; nela a linguagem é concebida como espaço em que se engendram conflitos, confrontos, negociações de sentidos, identidades etc., o que a torna passível da análise de sentido no processo de movimento. Já a língua, nesse contexto, pode ser compreendida como a materialidade específica do discurso (ORLANDI, 2006). Ambos conceitos primam por indicar ao analista que o discurso não pode ser apartado das condições sócio-históricas que o fazem emergir, pois são essas condições que engendram aquelas ocorrências enquanto se corporificam através da língua. 4.2.2- Discurso e texto A etimologia da palavra discurso revela a ideia de linguagem em curso, em movimento. Sob a égide da análise do discurso, essa palavra é conceituada como prática linguística inserida num contexto histórico-social, posta em funcionamento por interlocutores que produzem sentidos, numa relação que não é linear. (ORLANDI, 2000; ORLANDI, 2006). Assim, o discurso diferencia-se da língua e da fala, em razão da relação que ele assume com a exterioridade da linguagem, envolvendo, portanto, aspectos que 221 ultrapassam a natureza linguística e se movem para os sentidos históricos e ideológicos que são evocados na linguagem em uso. Na análise do discurso, o objeto teórico é o discurso e o objeto empírico (analítico) é o texto. Então, enquanto aquele é definido como “um objeto sócio- histórico em que o linguístico intervém como pressuposto” (ORLANDI, 2000, p.16), este é definido, pragmaticamente, como “a unidade complexa de significação, consideradas as condições de sua produção”. (ORLANDI, 2001, p. 21). Vale, então, considerar que o texto do discurso, além de ser produto de enunciados advindos das mais variadas formações discursivas, marca as diferentes posições do sujeito e evoca sentidos distintos. Destarte, tomar a palavra, dizê-la, materializar o discurso é “um ato social com todas as suas implicações: conflitos, reconhecimentos, relações de poder, constituição de identidades, etc.” (Id., Ibid.). E assim o é porque os interlocutores falam de acordo com as condições de produção do discurso, as quais envolvem essencialmente os sujeitos, a situação e a memória. Marquezan (2009) robustece essa compreensão ao defender que a natureza do discurso e do texto implica em, quando da análise de um discurso, o pesquisador não apenas ultrapassar o conceito de texto como um tecido fechado em si mesmo, em sua condição material, mas ter presente que para indagar os sentidos do discurso é necessário ter ciência das condições socioideológicas dessa produção. 4.2.3- Formação discursiva O discurso guarda em si e ao mesmo tempo agencia a movência de sentidos. Assim, para assumir um sentido determinado e não outro, o discurso precisa estar inscrito em uma determinada formação discursiva. Essa formação define o que pode ser dito e o que não deve ser proferido numa determinada conjuntura, ou seja, a formação discursiva carrega em sua constituição as chaves do sentido do discurso, é uma “projeção, na linguagem, das formações ideológicas”. (ORLANDI, 2006, p. 17). 222 Em outras palavras, a formação ideológica é a fonte da formação discursiva, sendo esta, em essência, consoante Brandão (1998), heterogênea, perpassada por outras formações e emergente da configuração e do trânsito de interdiscursos. 4.2.4- Condições de produção, interdiscurso e intertexto As condições de produção do discurso, de acordo com a teoria da análise do discurso, são essencialmente: os sujeitos, a situação e a memória. Orlandi (2000) esclarece que ao considerar as condições de produção, em sentido mais estrito, chega-se às circunstâncias da enunciação. Então, conforme a autora, esse sentido está relacionado à história, à produção de acontecimentos e ao imaginário que afeta os sujeitos em suas posições políticas. No itinerário da formação das condições de produção discursiva, os discursos exprimem uma memória coletiva, na qual se inscrevem sujeitos que podem estar em diferentes grupos culturais. (MARQUEZAN, 2009). Assim, a memória, quando pensada no contexto da análise do discurso, é compreendida como um interdiscurso e este como dizeres que já se falavam em outro lugar antes de o sujeito tomá-lo para si e se inscrever. Essa memória, adjetivada de discursiva, exprime o saber discursivo, o acervo linguístico que torna possível a materialização do discurso, como algo que se sustenta no dizível, no já dito, no pré-construído em distintos lugares e tempos por diferentes sujeitos. Orlandi (2000, p. 33), citando Pêcheux (1983), afirma que [...] o interdiscurso especifica as condições nas quais um acontecimento histórico (elemento histórico descontínuo e exterior) é suscetível de vir a escrever-se na continuidade interna, no espaço potencial de coerência próprio a uma memória. Assim, pode-se considerar que o interdiscurso está para o conjunto de formulações feitas que direcionam e até determinam o que os sujeitos dizem. Essa compreensão faz com que a distinção entre ele e o intertexto seja mais cristalina, pois o intertexto reduz-se à interação de um texto com outros textos; enquanto o interdiscurso entrelaça-se a discursos que lhes são pressupostos, vindos de 223 momentos históricos, fontes e autores diferentes, mas cujas formulações caem no esquecimento e exercem poder de determinação no que os sujeitos expressam através do discurso. 4.2.5- Sentido, silêncio, sujeito e ideologia A análise do discurso define o sentido como algo constituído no contexto, na exterioridade da palavra, na sua discursividade. Em outros termos, para o analista do discurso, o sentido é determinado na historicidade dos sujeitos que utilizam o discurso e/ou o interpela, consoante a posição que ocupam socialmente. Os sentidos não são inerentes ou estão imbricados rigidamente às palavras, não dependem apenas da intencionalidade dos sujeitos, por esta razão as palavras assumem sentidos distintos, concordantes com as ideologias dos interlocutores, cujos papéis sociais indicam as posições discursivas e estas o sentido da enunciação em lugar de outro(s). Os sentidos vêm, por assim dizer, através da memória, das filiações ideológicas, do jogo da língua que “vai se historicizando aqui e ali, indiferentemente, mas marcada pela ideologia e pelas posições relativas ao poder”. (ORLANDI, 2000, p. 31). Eles não se firmam apenas nos ditos, mas nos não ditos, nos espaços em branco, no silêncio do/no discurso. O silêncio, nessa perspectiva, deve ser compreendido como constitutivo do discurso porque o antecede, o atravessa, ajuda a palavra a significar e torna possível a movência dos sentidos. O silêncio é o nãodito no interior da linguagem, sem ele não há sentido. ( ORLANDI, 1995; LAPLANE, 2000). Para a teoria da análise do discurso, o sujeito que enuncia esses sentidos, nos falares e no silêncio, não é considerado homogêneo ou subserviente aos sentidos, porque ele (o sujeito) é quem os confere, inconsciente ou conscientemente. Assim é coerente que se pense que “a voz do sujeito revela o lugar social de onde ele significa e expressa um conjunto de outras vozes componentes da mesma realidade social.” (MARQUEZAN, 2009, p. 32). 224 É importante considerar, então, que essa voz é polifônica, é constituída pelo entrecruzamento de ideologias que estão na matriz de cada discurso, ao mesmo passo em que deles também dimana. De acordo com esse autor (Ibid.), o sujeito discursivo é aquele que tem existência em um espaço social e ideológico, assume uma determinada posição e se insere em um específico momento da história. Nesse sentido, as formações ideológicas do sujeito são representadas nas formações discursivas. Logo, surgem a partir de “uma posição dada em uma conjuntura sócio-histórica dada”. (ORLANDI, 2000, p. 43). A ideologia, nessa perspectiva teórico-discursiva, está materialmente ligada ao inconsciente, é a “condição para a constituição do sujeito e dos sentidos”, sendo função dela “a produção de evidências as quais colocam o homem na relação imaginária com suas condições materiais de existência”. (Id., Ibid.). Vale, então, reiterar que o sujeito é atravessado, a um só tempo, pela ideologia e pelo inconsciente. E isso ocorre em função da construção dos sentidos, da intervenção histórica existente nesse processo, dos equívocos e opacidades presentes no discurso. 4.3- Discurso, poder e constituição de identidade O discurso é um modo de ação, uma prática social que carrega em si o poder de inscrever os sujeitos no mundo e de alterar o mundo através dos sentidos que esses mesmos sujeitos, constitutivamente heterogêneos, dispersos e esteados em interdiscursos, constroem, socializam, (re)significam. O poder do discurso é, portanto, intrinsecamente, relacionado as distintas posições sociais assumidas (in)conscientemente pelos sujeitos e firmadas por meio das formações discursivas e das formações ideológicas. Essa assertiva relaciona a noção de sujeito à noção de identidade propostas pela análise do discurso como sendo de produção ininterrupta, um constante vir-aser, o qual se constitui em diversos lugares, espaços, tempos e interações, conforme os papéis que cada pessoa assume na dinâmica social. 225 Vale, então, destacar que o discurso, interferindo na manutenção de entendimentos, crenças e valores, demarca as posições do sujeito enquanto lhe impõe constructos para a edificação de uma identidade social e pessoal. Assim, o poder do discurso validado como legítimo em razão de ter sido construído e veiculado por fontes autorizadas, confiáveis ou críveis, muitas vezes, faz a sociedade crer, erroneamente, que a identidade é imutável, fixa. Essa compreensão, por vezes, tem proporcionado à sustentação de modelos de compreensão equivocados sobre as pessoas com deficiência e, inferiorizando-as, demarca as identidades sociais e pessoais que as mantêm, através de uma linguagem de atributos, apartadas da sociedade considerada hígida. A linguagem de atributos, ao estigmatizar as pessoas com deficiência, exerce o poder de confirmar a normalidade de outrem. (GOFFMAN, 1988). Nesse processo, o discurso científico, concebido como aquele que registra, veicula conhecimento, torna-se essencial para a construção discursiva sobre a pessoa com deficiência, pois ao assumir fórum de verdade científica, embora esta possa ser contestada, faz com que o conhecimento nele expresso contenha o poder do controle do sentido do sujeito/pessoa com deficiência. Marquezan (2009, p. 90 91) esclarece que O conhecimento constrói uma terminologia e dá origem a uma prática que vai influenciar as ações posteriores com/sobre o sujeito deficiente. Também é o conhecimento que viabiliza a construção de uma categorização social para explicar as percepções e as relações entre as pessoas e os grupos. A classificação, por meio do estabelecimento de categorias, possibilita a interpretação e o controle do ambiente físico e social. O pertencimento a uma categoria assegura, ao mesmo tempo, um conjunto de características comuns aos membros do grupo e também o não pertencimento de integrantes com características distintas. O conhecimento, veiculado no discurso científico, pode corroborar com a manutenção de identidades que se firmam na lógica do Nós versus Outros. E, conforme esse autor, “a diferença que confronta o sujeito sadio com o sujeito doente abala a identidade daquele, impelindo-o a criar barreiras simbólicas que assegurem essas duas diferenças”. (Id., Ibid., p. 91-92). A análise do discurso ao reconhecer, então, que o sujeito é um ser histórico, social, heterogêneo, de identidade fluida, inserido numa conjuntura sócio-ideológica 226 clarifica que a identidade está vinculada ao reconhecimento da alteridade. E esta é estabelecida na diferença entre si e o outro, pois não é possível a consciência de si sem consciência do outro. Contudo, o que ocorre, muitas vezes, é que a marcação da diferença entre os sujeitos (a construção da alteridade) situa discursivamente, com rigidez, a posição dicotômica entre o “Nós da normalidade” e o “Outro deficiente”. Assim, a “identidade colocada em relação à” (ORLANDI, 2000) ou delineada como “a diferença entre”, engendra processos discursivos, os quais baseados na identidade idealizada e fixa, mantenedora de modelos arbitrários, excludentes, reificados, confinam a pessoa com deficiência a pertencer a uma categoria sub-humana. (MANTOAN, 2011). Nesse processo, os padrões que a sociedade incorpora através dos discursos e ao mesmo tempo nutre-os podem levar a pessoa com deficiência a concordar que ela realmente é ou está abaixo do que deveria ser. É assim que a pessoa com deficiência aprende, desde a tenra idade, “o que é”, em meio aos significados atribuídos pela sociedade. (GOFFMAN, 1988; LIMA, 2006; LIMA; TAVARES, 2007). A identidade de “deficiente” simbolicamente construída é difundida por meio dos discursos científicos, é uma [...] construção que resulta do conhecimento do médico, do psicólogo, do pedagogo. O discurso que esses profissionais possuem/produzem sobre o sujeito deficiente é compreendido (e aceito) como aquilo que é. Materializado no discurso profissional, esse conhecimento que descreve, ao mesmo tempo, constitui o sujeito deficiente. As narrativas desses profissionais constituem-se em representações sociais, ou seja, tornam-se conhecimentos partilhados que contribuem para a construção de uma realidade comum a um segmento social. (MARQUEZAN, 2009, p. 91). A manutenção dessa “realidade comum” só é possível porque nas formações discursivas e nas formações ideológicas a sociedade manipula regularidades simbólicas que fazem com que as identidades, enquanto criações sociais, culturais e linguísticas, sustentadas pelo entrecruzamento de diversos discursos, pareçam naturalizadas. Esses discursos exercem o poder de identificar, classificar e orientar/determinar as atividades a que a pessoa com deficiência será submetida ou 227 as posições sociais que ela deverá assumir. É um discurso feito sobre a pessoa com deficiência, que preenche e atesta o espaço em que ela significa. Como afirma Marquezan (Ibid., p. 117), é um discurso que [...] fala do lugar do sujeito deficiente, fala por e fala sobre ele. Fala como o representante do sujeito deficiente legitimado pela verdade da ciência e pela autoridade da lei. Assim, ocupando seu espaço, tenta interditá-lo e impedir que ele fale. Significa por ele. O discurso sobre a deficiência abre e ao mesmo tempo fecha e consolida um espaço de enunciação em que tenta impedir o sujeito deficiente de significar, mas autoriza os outros, como o Estado, os profissionais, a significar por ele. O discurso desses mediadores vai produzir sentidos e constituir os sujeitos, nesse caso o sujeito deficiente. Desse modo, falar sobre implica o silenciamento do sujeito deficiente. É assim que a percepção da ideologia existente na construção dos sentidos que se movem interdiscursivamente e a constituição do sujeito, ambas situadas na perspectiva delineada por Pêcheux (1997), clarificam como “ambas assentam-se na figura da interpelação: fala-se do/sobre o sujeito, fala-se para o sujeito antes que ele fale”. (Id., Ibid.,p.35). Ao considerar, então, que o indivíduo ao ser interpelado pela ideologia é que se faz sujeito, é possível compreender como a existência e as potencialidades da pessoa com deficiência foram e são marcadas por um sistema de significações que adquire sentidos estereotipados e inferiorizantes na dinâmica sócio-ideológica, cujas condições de produção “inscritas na materialidade da linguagem e na relação desta com o sujeito produzem o efeito-sujeito, o sujeito deficiente, identificado em tais condições”. (Id., Ibid., p. 118). Esses sentidos deslocam-se entre os ditos e os não ditos do discurso, na opacidade da linguagem, vêm do entrecruzamento de posições-sujeito, decorrem e são atravessados por diversas formações discursivas, resultam de diversos contextos históricos, de diversos lugares e chegam à prática da linguagem que rotula, inferioriza e fixa uma identidade de “anormal”, de “deficiente". Nesse processo histórico de demarcação da identidade pela deficiência, tornou-se urgente que, no discurso científico, dentre outros, estejam cimentadas informações positivas e legítimas sobre as pessoas com deficiência, para que tais conhecimentos engendrem, no funcionamento da linguagem, a formação contínua de identidades sociais e pessoais dos indivíduos com deficiência de modo que a 228 eles a condição de pessoa humana seja legitimada, conforme, inclusive, determinação, prescrição, coerção advinda de outro discurso: o legal, conforme discutido no segundo capítulo do presente trabalho. A identidade, sob a égide da análise do discurso, é vista como algo estruturalmente aberto, móvel, mutável. A identidade, sob a égide da inclusão, consoante Mantoan (2011), tem sua estabilidade colocada em xeque, pois essa teoria não admite que a identidade e a diferença sejam firmadas através de critérios que implicam oposições binárias, que desconhecem a instabilidade e a capacidade multiplicativa da diferença. E isso se dá porque a teoria da inclusão não admite conter a identidade e a diferença “nas malhas das categorizações firmadas pelo poder da sociedade em criar critérios de identificação e de diferenciação estáticos e discriminatórios”. (Id., Ibid., p.103). Assim, o reconhecimento de que a construção da identidade é tanto simbólica quanto social, é marcada pela diferença, muitas vezes hierarquizadas como mais importantes que outras (SILVA, 2004), faz urgente no discurso inclusivista, tanto quanto em outros espaços de difusão da ciência, que seja esclarecido que [...] as pessoas não se reduzem a modelos estabelecidos arbitrariamente e produzidos pela dificuldade de lidarmos com o caráter emergente, imanente e inacabado do sujeito em todas as fases de sua existência. (MANTOAN, 2011, p. 103). Essa compreensão precisa ser pavimentada nos discursos para que, na movência dos sentidos que os constituem, as estruturas simbólicas, que são verdadeiros apelos a antecedentes históricos da exclusão, sejam colocadas em tensão e possam ter seus danosos resultados (as barreiras atitudinais) amainados, ou melhor, erradicados. 4.4- A análise do discurso como base para o estudo das barreiras atitudinais e as barreiras atitudinais como ferramenta para a análise do discurso Como visto, a teoria da análise do discurso serve como suporte para o estudo das barreiras atitudinais, pois ela oferece instrumentos de indagação que fazem emergir os sentidos que essas barreiras encerram sobre a pessoa com deficiência. 229 No entanto, será o conhecimento sobre as barreiras sociais que permitirá reconhecer, numa dada fala ou prática social, as barreiras atitudinais. Logo, o conteúdo das barreiras atitudinais, retroalimentando o discurso, serve igualmente na análise desse discurso, pois, como dizem Lima (2000a), Lima et. al. (2003) e Lima e Tavares (2007), para o estudo e análise desses obstáculos sociais tem de ser considerado que: a) A linguagem é opaca e passível de ter seus sentidos desvendados à luz da sua exterioridade; b) A linguagem, em seu funcionamento, denuncia o que uma pessoa não quer dizer ou gostaria de omitir (miniteorias, preconceitos, discriminação), mesmo que inconscientemente; c) As ações da sociedade se dão na e pela linguagem. Logo, a linguagem é o terreno para a edificação dos mecanismos de excludência ou de posturas inclusivistas; d) Os ditos e não ditos representam posições ideológicas que se movem, inclusive, no silêncio do discurso e promovem o fortalecimento e a difusão das barreiras atitudinais; e) A fala não dita a respeito da deficiência ou da pessoa com deficiência pode ter efeito incapacitante, direto e/ou indireto, sobre aqueles que versa; f) Os silêncios no discurso pode ser o espaço para a movência de representações sociais, de ideologias, de sentidos contra a pessoa com deficiência; g) A crença, não dita, na incapacidade das pessoas com deficiência se mostra manifesta nos discursos e é elemento que gera/fortalece barreiras atitudinais; h) Os discursos são constituídos por interdiscursos (memórias) que resgatam, vivificam construções discursivas já ditas, caídas no esquecimento, mas que significam nos discursos em que aparecem e resgatam expressões e sentidos que terminam por incitar disposições afetivas negativas em relação à pessoa com deficiência e levam a sociedade à prática da discriminação; 230 i) Os discursos podem atribuir predicativos pejorativos às pessoas com deficiência e se tornarem mecanismos de uma profecia social de autorrealização; j) Os discursos firmam identidades sociais e pessoais das pessoas com deficiência; k) A pessoa com deficiência, numa prática social específica, ao nascer e se desenvolver ouvindo o que a sociedade construiu acerca dela e de suas potencialidades, pode assumir uma posição-sujeito de “anormal”, de “deficiente”, por assim ser a ela creditada uma identidade. Nesse processo, a própria pessoa com deficiência poderá reproduzir barreiras atitudinais no discurso, nas ações diante de outros sujeitos que também apresentem essa característica. l) A linguagem firma ideologias, crenças, posturas que são difundidas ao largo da história e arquivadas no inconsciente social e pessoal. Em razão desses aspectos, a prática de barreiras atitudinais não é proposital; m) As palavras mudam de sentido segundo as posições mantidas por aqueles que as empregam. Assim, uma palavra que historia compreensões equivocadas sobre a pessoa com deficiência pode, dependendo do contexto, assumir um sentido inclusivista. Logo, o discurso inclusivo/inclusivista é, para além da escolha taxonômica adequada, uma questão de postura/de atitude. n) As posições-sujeito dizem mais do que supõe os autores do discurso porque as palavras soam, encerram, produzem e proclamam ações e argumentos para o exercício da inclusão ou da própria exclusão; o) No discurso de profissionais que se pretendem defensores da diversidade, da "diferença", da multiplicidade e de outros conceitos correlatos também se podem encontrar barreiras atitudinais manifestas. O que se dá porque essas barreiras transitam por entre a linguagem em funcionamento, a história e o inconsciente, e fazem com que ninguém esteja livre de internalizá-las e difundi-las , ao tecer o discurso, ao ser inscrito e se inscrever na história, ao ter acesso e alimentar as construções simbólicas e o inconsciente coletivo. p) Novos contextos deparam-se com novas barreiras que surgem de diferentes formas. Logo, não há como definir as barreiras atitudinais e enquadrá-las 231 com exatidão, na superficialidade das palavras. Elas só podem ser percebidas na exterioridade, nos ditos, nos não-ditos e nos silêncios do discurso. q) Os sentidos do discurso precisam ser interrogados, num movimento contínuo de reflexão e de autoavaliação do sujeito sobre como o seu próprio discurso pode apresentar, fortalecer e difundir barreiras atitudinais, sendo esse o início do processo que se pode chamar de formação da consciência inclusiva/inclusivista com vistas à prática da inclusão plena. Esses são alguns dos substantivos aspectos que transitam na conceituação das barreiras atitudinais e servem ao pesquisador para que ele construa o instrumental analítico que dê conta de trazer à luz a ocorrência dessas barreiras na opacidade do discurso. Em resumo, para se compreender como indagar e desvelar os sentidos do discurso e encontrar as formas de apresentação das barreiras atitudinais, os primeiros passos são dados quando há a compreensão de que: i) os discursos não apenas existem em sua materialidade linguística, mas como produto social e histórico que veicula compreensões, incita afetos e estimula ações (des)favoráveis à inclusão da pessoa com deficiência; ii) os sentidos, assim como o sujeito discursivo, não estão fixados à essência da palavra, logo, não podem ser qualquer um; há um contexto/ uma injunção histórica para sua constituição; iii) os discursos constituem a via para a manutenção de identidades sociais e pessoais dos indivíduos; iv) a presença das barreiras atitudinais revela representações sociais compartilhadas e negativamente orientadas acerca da existência, da identidade e das potencialidades da pessoa com deficiência; v) reconhecer a existência das barreiras atitudinais contribui para a eliminação desses obstáculos. Corrobora esse entendimento Lima (2003, p. 4-5) quando exemplifica como o discurso revela compreensões equivocadas sobre a pessoa surda: Ao se alegar, por exemplo, que "um indivíduo surdo só pode aprender a língua de sinais (Libras) se for em instituições para surdos, com seus colegas surdos e com professores especializados em surdos" ou que "a escola comum/regular não está preparada para atender esses alunos, pois seus professores não detêm os conhecimentos necessários para ensinar alunos surdos", embute-se, numa fala não dita, a crença de que surdos são seres que aprendem, 232 se é que aprendem, na visão dessas pessoas, de maneira tal e diferente, que é preciso confiá-los a instituições especializadas, para que possam ser treinados para um convívio social mais amplo. Crença essa, infundada e descabida, quando sabemos que as pessoas com limitação auditiva, parcial ou total, congênita ou adventícia, são dotadas de igual potencial de aprendizagem como quaisquer outras crianças, jovens e adultos, mesmo quando precisam de metodologia de ensino específica, como para aprender Libras. O desdobramento das barreiras atitudinais é possível através das designações utilizadas pela sociedade para fazer referência às pessoas com deficiência, o que se dá em razão da nomeação promover [...] um isolamento que permite a comparação, a avaliação e, com isso, a classificação dos sujeitos. O trabalho de classificação revela o desejo de conhecer o outro, de torná-lo transparente, previsível, para que não possa representar surpresa e ameaça. Do ponto de vista da análise discursiva do silêncio, a ação de classificar o outro realiza um movimento de quebrar como silêncio e ali fixar, encher o lugar dos sentidos. A fixação de sentidos dá a ilusão de que o dizer limita a profusão de sentidos, ao passo que o silêncio pode gerar muitos sentidos. (MARQUEZAN, 2009, p. 14). A classificação das pessoas com deficiência por motivo da deficiência, consoante esse autor (Ibid.), representa uma tentativa de fazer o sujeito/pessoa com deficiência conhecido, de demarcar suas características de identidade e suas diferenças para torná-lo interpretável e pertencente ao mesmo grupo, classificado hierarquicamente para menos, através de uma discursividade que sobredetermina os sentidos e o sujeito/ a pessoa com deficiência. Assim, trazer o que emana do discurso é trazer à balia o modo como as barreiras atitudinais se fortalecem e aparecerem (in)confessas, (in)voluntárias, (in)advertidas e (in)conscientes. Nesse decurso discursivo e analítico, focaliza-se também o papel da Universidade e da Pós-graduação. A primeira entendida como um espaço que consolida compreensões acerca da pessoa com deficiência e do processo educativo a ela devido; e a segunda, como sendo, por excelência, o tempo/espaço em que se prioriza a ação reflexiva acerca das práticas pedagógicas, como sendo o período de formação que aglutina interesses múltiplos que devem favorecer a educação para Todos e impulsionar as ações formativas na própria Universidade. Central a essa discussão é o delinear de como reconhecer nos enunciados do discurso científico as dimensões que se intercruzam num ponto que é produto e 233 caracteriza a contingência universitária e é produtor da dinâmica social/ das atitudes, em constante formação, tonificação e difusão por meio do planejamento, construção e socialização de pesquisas. O delinear desse itinerário para trazer à luz o objeto da presente pesquisa é apresentado no próximo capítulo. 234 Capítulo 5 Percurso metodológico “É necessário que o cientista e sua ciência sejam, primeiro, um momento de compromisso e participação com o trabalho histórico e os projetos de luta do outro, a quem, mais do que conhecer para explicar a pesquisa, pretende compreender para servir.” (BRANDÃO, 1987, p.12). A operacionalização da presente pesquisa segue este trilho: “mais do que conhecer para explicar, pretende compreender para servir”. Ou seja, este estudo busca refletir e sistematicamente desvelar a trajetória das barreiras atitudinais, isto é, como elas são apresentadas, observadas, geradas ou veiculadas nas dissertações de mestrado sobre Educação Especial produzidas no PPGE/UFPE, no período de 1978 a 2002. Assim, é também meta deste trabalho servir à ciência e à sociedade com as ponderações formuladas a partir de uma leitura de abordagem qualitativa, que contextualiza o objeto de estudo e, pari passu, analisa as tendências que se apresentam no discurso científico produzido no PPGE/UFPE sobre Educação Especial /Educação Inclusiva e podem, por ventura, reger atitudes a favor ou contra uma educação plenamente inclusiva e inclusivista. Nesse caso, faz-se valoroso recordar que, no Brasil, as pesquisas sobre a educação da pessoa com deficiência atingem maior vigor a partir da década de 80 e que a Universidade Federal de Pernambuco, seguindo esta tendência, também tem promovido pesquisas na área, principalmente pesquisas de natureza qualitativa. (Cf. percebido nas dissertações produzidas nesse Centro as quais fazem parte do referencial teórico deste estudo). Este tipo de pesquisa é caracterizado por ser uma atividade [...] situada que localiza o observador no mundo. Consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão visibilidade ao mundo[...]. Nesse nível, a pesquisa qualitativa envolve uma abordagem naturalista, interpretativa, para mundo, o que significa 235 que seus pesquisadores estudam as coisas em seus cenários naturais, tentando entender , ou interpretar, os fenômenos em termos dos significados que as pessoas a eles conferem. (DENZIN; LINCOLN et. al. 2006, p. 17). Os entraves sociais que impedem a inclusão social/educacional da pessoa com deficiência é o fato do qual se busca entender o significado conferido pela sociedade/pelos autores das dissertações sobre Educação Especial. Este estudo, quanto à abordagem, não foge, então, ao fluxo maior, ou seja, assume, como afirmado, as diretrizes da perspectiva da análise qualitativa, a qual tem, entre outras, as seguintes características: [...] a imersão do pesquisador nas circunstâncias e contexto da pesquisa, a saber, o mergulho nos sentidos e emoções; o reconhecimento dos atores sociais como sujeitos que produzem conhecimentos e práticas; os resultados como fruto de um trabalho coletivo resultante da dinâmica entre pesquisador e pesquisado; a aceitação de todos os fenômenos como igualmente importantes e preciosos: a constância e a ocasionalidade, a freqüência (sic) e a interrupção, a fala e o silêncio, as revelações e os ocultamentos, a continuidade e a ruptura, o significado manifesto e o que permanece oculto. (CHIZOTTI 1991 apud PAULILO, 1999, p. 1). Destarte, considerando o objetivo central desta pesquisa (a investigação de como as barreiras atitudinais aparecem no discurso das dissertações de mestrado sobre educação especial defendidas no PPGE/UFPE, de1978 a 2002; bem como a discussão sobre o efeito das barreiras atitudinais no entendimento da sociedade para com as pessoas com deficiência) a abordagem escolhida implica no compromisso de ressaltar, nos trabalhos em estudo, “a natureza socialmente construída da realidade, a íntima relação entre pesquisador e o que é estudado, e as limitações situacionais” (DENZIN; LINCOLN et. al. 2006, p. 23) que influenciaram o pesquisador a não percepção de barreiras atitudinais nos discursos: científico, legal, de depoentes, de autores, do próprio pesquisador. Nestes termos, a pesquisa qualitativa aqui delineada considera a interação vital, singular, situacional, temporal entre o pesquisador e o objeto de estudo. Esta foi a razão de ser compartilhado, no texto proêmio deste trabalho, o itinerário formativo da pesquisadora. Considera também que o objeto de estudo “carece de uma interpretação dos fenômenos à luz do contexto, do tempo, dos fatos”. (MICHEL, 2009, p. 36-37). Por esta razão, historia, no primeiro e segundo capítulos, como 236 surgiram as barreiras atitudinais e como a sociedade, através da força da lei, tem se preocupado em removê-las. Aquela compreensão de que a interpretação dos fenômenos necessita de contextualização também levou a: I) no terceiro capítulo, situar este estudo num contexto geral e estrito sobre a Pesquisa das pesquisas em Educação Especial/Educação Inclusiva; II) no quarto capítulo, registrar como o discurso científico, atravessando o contexto, o tempo e os fatos, indica a trajetória das barreiras atitudinais; e, principalmente conduziu a : III) no sexto capítulo, referente à análise dos dados, considerar e buscar registrar elementos extratextuais que influenciaram a construção das dissertações em estudo. Além da abordagem qualitativa, neste trabalho, recursos da abordagem quantitativa também foram utilizados em função da necessidade de se atuar em níveis da realidade estudada nos quais tais dados são relevantes para trazer à luz fenômenos, indicadores e tendências observáveis, como indicam Sanches & Minayo (1993a; 1993b) e Paulilo (1999). Especificamente tais recursos aparecem na forma de levantamento do: a) percentual de trabalhos produzidos no PPGE/UFPE sobre Educação Especial, no período de 1978 a 2011; b) os autores mais citados nos trabalhos; c) as obras mais referenciadas nas dissertações em estudo; d) o percentual de autores estudiosos da inclusão presentes no referencial teórico dos trabalhos em análise. Esses dados contribuem para a observação de tendências das pesquisas realizadas no PPGE/UFPE e, de modo mais estrito, tendências do foco de leitura da Educação Especial materializadas nas dissertações em estudo. O alto grau de complexidade de investigação das barreiras atitudinais no discurso científico requer a intersecção de dados quantitativos para se compreender qualitativamente o objeto de análise que aparece no discurso. Em outras palavras, o uso de dados quantitativos serve, nesta pesquisa, para reiterar a sustentação da análise no estudo qualitativo, o qual se caracteriza por uma imersão na esfera da subjetividade, do simbolismo, dos modelos de entendimento sobre a diversidade humana etc., conteúdos firmemente enraizados no contexto social do qual emergem. A abordagem qualitativa, junto ao método e técnicas que lhe competem, é, pois, o caminho para se penetrar nas intenções e motivos, a partir dos quais ações e 237 relações adquirem sentido, validade, relevância. E, no caso deste estudo, indicam as razões da manutenção das barreiras sociais praticadas contra as pessoas com deficiência. É relevante reiterar que esta dissertação, assume um foco eminentemente qualitativo por ser este o que se propõe em compreender e explicar “a dinâmica das relações sociais, que, por sua vez, são depositárias de crenças, valores, atitudes, hábitos e discursos”. (MINAYO, 1999, p.24). Além disso, a natureza desse trabalho o insere no contexto da pesquisa sobre as pesquisas em Educação Especial. 5.1- Caracterização da Pesquisa Caracterizar uma pesquisa é situá-la em uma teoria, em uma ciência, em um status de caminho para se conhecer uma realidade. Esta pesquisa ampara-se em bases da teoria inclusiva e inclusivista, em seus aspectos legais e sociais, os quais refletem alguns dos objetos que são comuns a abordagem qualitativa, eg. as atitudes, as interações, as crenças etc. (Cf. MINAYO, Ibid.). 5.1.1- Caracterização da pesquisa quanto à natureza das fontes utilizadas Quanto à natureza das fontes utilizadas para a abordagem e o tratamento do objeto deste estudo, a pesquisa é caracterizada como documental. Consoante Severino (2007, p. 122), no sentido amplo, a pesquisa documental é aquela que contempla não só [...] documentos impressos, mas sobretudo de outros tipos de documentos, tais como jornais, fotos , filmes, gravações, documentos legais. Nestes casos, os conteúdos dos textos ainda não tiveram nenhum tratamento analítico, são ainda matéria-prima, a partir da qual o pesquisador vai desenvolver sua investigação. Esse autor explicita a forma como amplamente tem sido compreendida a documentação: Documentação: É toda forma de registro e sistematização de dados, informações, colocando-os em condições de análise por parte do pesquisador. Pode ser tomada em três sentidos fundamentais: como técnica de coleta, de organização e conservação de documentos ; como ciência que elabora critérios para a coleta, organização, sistematização, conservação, difusão de documentos; no contexto da 238 realização de uma pesquisa, é a técnica de identificação, levantamento, exploração de documentos, fontes e que serão utilizadas no desenvolvimento do trabalho. (Id., Ibid., p. 124). No caso da presente pesquisa as dissertações são documentos que ainda não tiveram nenhum tratamento analítico, são ainda matéria-prima, no que concerne ao tema deste trabalho, o qual é o primeiro estudo da pesquisa sobre as pesquisas em Educação Especial no PPGE/UFPE. A documentação, neste particular, foi utilizada como ciência que elabora critérios para a coleta, como técnica de identificação e técnica de coleta e organização dos textos. Esses sentidos da pesquisa documental serão, pois, comentados nos itens subsequentes. 5.1.2- Caracterização da pesquisa quanto aos objetivos Quanto aos objetivos, esta pesquisa é caracterizada como exploratória e explicativa. É exploratória porque busca “levantar informações sobre um determinado objeto” (a trajetória das barreiras atitudinais no discurso cientifico produzido no PPGE/UFPE), “delimitando assim um campo de trabalho” (as dissertações de mestrado produzidas especial/educação Inclusiva), “mapeando naquele as Centro sobre Educação condições de manifestação desse objeto” (análise do contexto em que as barreiras atitudinais são manifestas, denunciadas, apresentadas nas dissertações de mestrado em estudo). (SEVERINO, 2007, p. 123). Na verdade, consoante Severino (Ibid.), a pesquisa exploratória é uma preparação para a pesquisa explicativa. O autor esclarece, então, que a pesquisa é explicativa quando não apenas registra e analisa, mas busca identificar as causas do fenômeno estudado, “seja através da aplicação do método experimental/matemático, seja através da interpretação possibilitada pelos métodos qualitativos”. (Id., Ibid.). 239 5.2- Corpus discursivo De modo especial, o presente estudo busca conhecer a trajetória das barreiras atitudinais contra a pessoa com deficiência e as contribuições do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco (PPGE/UFPE) para a erradicação de tais barreiras e tem como corpus discursivo as dissertações de mestrado que tratam de questões relacionadas à Educação Especial. Em outros termos, a presente pesquisa investiga a existência de barreiras atitudinais em cinco trabalhos defendidos no PPGE/UFPE, no período de 1978 a 2002, cujos temas envolvem a Educação Especial. As obras foram selecionadas de uma lista de 313 dissertações fornecida pelo PPGE/UFPE (Anexo G), bem como da pesquisa junto ao banco de dados da biblioteca Central da UFPE e da Biblioteca do Centro de Educação da UFPE , a partir de palavras-chaves tais como: educação especial, educação inclusiva, deficiente, pessoa com deficiência, classes especiais, escola especial, necessidades especiais, deficiente visual, deficiente mental, excepcional, síndrome de Down, surdo, integração, educação para todos, dislexia, autismo, hiperatividade, TDAH, cego. 5.3- Técnicas de Coleta de dados Quanto aos procedimentos operacionais para a realização desta pesquisa, procurou-se delineá-los de modo que estejam ajustados ao método adotado. Assim, considerando que, de acordo com Michel (2009), as técnicas são instrumentos utilizados com fins de coletar os dados e as informações que possibilitem analisar e explicar, com fidelidade, fidedignidade, completude e relevância o objeto do presente estudo elegeu-se a observação indireta e a análise documental como percurso operacional. Essa autora define a coleta de dados como a observação da vida. No caso da presente pesquisa, a observação da vida, através da análise do discurso científico, busca catalisar como a sociedade vem apresentando, fortalecendo, 240 difundindo barreiras sociais, que são verdadeiros fósseis na interação humana, tão profundos que se fazem presentes no silêncio do discurso tanto quanto em sua histórica polifonia. O levantamento de dados, consoante Michel (2009), pode ser classificado quanto a sua natureza em: dados primários, dados secundários e dados terciários. No contexto deste estudo, os dados são considerados secundários. A autora (Ibid., p. 65) explica que os dados secundários são “coletados através de análise documental, ou seja, em documentos, relatórios, livros, revistas, jornais, sites etc”. Michel faz também um alerta: “neste caso, deve-se, obrigatoriamente, manter a autoria das ideias e falas, através da informação do autor, ou seja, de forma literal ou parafrásica”. (Id., Ibid.). 5.3.1- Observação indireta A observação indireta consiste na busca de dados efetivada indiretamente, ou seja, [...] não através das pessoas, mas de documentos pessoais ou institucionais, material gráfico, quadros, tabelas, fotografias etc., produzidos por pessoas e/ou instituições constantes da população definida na metodologia proposta para a pesquisa. São, portanto, dados secundários. Os dados são feitos e analisados a partir da leitura e interpretação do material disponibilizado. (MICHEL, 2009, p. 65). Na presente pesquisa, os materiais utilizados na observação indireta foram: a listagem de dissertações defendidas sobre Educação Especial no PPGE/UFPE de 1978 a 2011, num quantitativo total de 45 (quarenta e cinco) páginas; as dissertações de mestrado sobre Educação Especial defendidas no intervalo de 1978 a 2002, o que corresponde ao total de 910 (novecentas e dez) páginas para análise; os editais de mestrado publicados no período de 1978 a 2012, num quantitativo de 173 páginas (cento e setenta e três); os currículos lattes impressos dos professoresorientadores das pesquisas, num quantitativo total de 155 (cento e cinquenta e cinco) páginas, e os currículos lattes dos autores das dissertações, disponíveis na plataforma em 29 de fevereiro de 2012, os quais foram impressos num quantitativo total de 70 (setenta) páginas. 241 5.3.2- Análise documental Conforme sinalizado no item anterior, a observação indireta se faz através da técnica da análise documental, que significa consulta a “documentos, registros pertencentes ou não ao objeto de pesquisa estudado, para fins de coletar informações úteis para o entendimento e análise do problema”. (MICHEL, 2009, p. 65-66). A autora orienta que este tipo de documento precisa ser consultado com fins de se ampliar o conjunto de informações sobre o objeto de estudo. Ela ainda explica que esse procedimento se dá em função da importância dos documentos para a análise e interpretação dos dados da pesquisa. A autora reitera: “Os dados obtidos na observação indireta são chamados de secundários”. (Id., Ibid.,p. 66). Em razão daquela orientação e para investigar a trajetória das barreiras atitudinais nas dissertações sobre educação especial no PPGE/UFPE, foram, inicialmente, realizadas as seguintes ações: levantamento bibliográfico sobre o tema (o estado da arte, o qual auxiliou na composição dos capítulos do referencial teórico); investigação e listagem de todas as dissertações produzidas sobre educação especial no PPGE/UFPE até o ano de 2012; levantamento de estudos que contemplam a pesquisa sobre a pesquisa em educação especial/educação inclusiva no âmbito nacional e, de modo mais estrito, nesse Centro. Assim, a fim de pesquisar a existência de barreiras atitudinais nas dissertações foram lidos e analisados inicialmente, nas dissertações, os capítulos de análise de dados e de conclusão/considerações finais, à luz do suporte teórico da teoria da análise do discurso (PÊCHEUX, 1983, 1990; ORLANDI,1987, 1990, 1992, , 1995,1996, 2006) e da literatura sobre barreiras atitudinais, desenvolvida por Lima (2000a; 2000b; 2006; 2007), Guedes (2007), Lima & Tavares (2007), Lima (2008), Lima, Guedes; Guedes (2009), Lima (2011) entre outros autores. Então, a análise é iniciada com a reflexão sobre as barreiras atitudinais que se mostram, são fortalecidas ou difundidas através das dissertações. A escolha por iniciar a leitura e a análise das dissertações a partir dessas seções se justifica por ser nesses itens textuais o espaço em que o pesquisador manifesta seu ponto de 242 vista sobre os dados encontrados, os resultados obtidos, enfim, sobre o que emana daqueles e sobre o alcance desses. (SEVERINO, 2007). A fim de viabilizar a busca pelas informações, situações discursivas que apresentavam, difundiam, denunciavam barreiras atitudinais, um dos procedimentos foi fotocopiar as cinco dissertações encontradas, demarcar com cores distintas os trechos do discurso em que explicita ou implicitamente e aquelas situações discursivas eram percebidas fichar as dissertações, percorrendo, pois, caminho sugerido por essenciais para a visualização de categorias um Moreira (2005) que coloca esses procedimentos como que emanam dos diferentes documentos analisados. No percurso da investigação, em razão do desdobramento ocorrido durante a coleta de dados, se fez necessário o aprofundamento da leitura dos documentos dissertativos, incluindo no roteiro previamente exposto a inclusão da leitura de: elementos pré-textuais (capa, título, capa de rosto, sumário e resumo), elementos textuais, e até elementos pós-textuais como referências, anexos. Ao todo, neste trabalho, foi contemplado um total de 910 páginas dos documentos dissertativos, lidos, analisados e demarcados quanto às nomenclaturas utilizadas para fazer referência à pessoa com deficiência por pesquisadores, autores, nos documentos citados ou presentes nas falas de depoentes. Em razão de 80% das dissertações versarem sobre o tema política, e de não se ter, nas dissertações, a informação precisa sobre as áreas ou linhas de pesquisa a que os trabalhos estavam vinculados, foi necessária a pesquisa em documentos (editais de mestrado de 1978 a 2002 e depois os de 2002 a 2012), um total de 173 páginas de documentos, e em publicação sobre os 30 anos do PPGE (SILVA et. al., 2008), num total de 143 páginas. Como nos editais disponíveis as informações quanto às linhas de pesquisa não foram encontradas em sua totalidade, recorreu-se à pesquisa dos currículos dos orientadores e dos pesquisadores, na plataforma lattes. Em outro momento, examinou-se os currículos dos pesquisadores para mapear suas produções, ou seja, buscar as informações de onde e quando os 243 trabalhos desses pesquisadores foram utilizados, primeiro por eles em palestras, conferências, minicursos, artigos, trabalhos apresentados em congressos etc.; depois por outros, como citações em dissertações, artigos etc. Isso foi necessário para investigar como e onde as barreiras atitudinais são difundidas, disseminadas por meio do discurso científico. 5.4- Procedimentos de análise dos dados A pesquisa qualitativa, comumente, gera significativo volume de dados os quais necessitam de sistematização para que sejam compreendidos. Conforme Alves-Mazzotti; Gewandsnajder, 1998, p. 170) [...] Isto se faz através de um processo continuado em que se procura identificar dimensões, categorias, tendências, padrões, relações, desvendando-lhes o significado. Este é um processo complexo, não linear, que implica um trabalho de redução, organização e interpretação dos dados que se inicia já na fase exploratória e acompanha toda a investigação. À medida que os dados vão sendo coletados, o pesquisador vai procurando tantavivamente identificar temas e relações, construindo interpretações e gerando novas questões e/ou aperfeiçoando as anteriores, o que, por sua vez, o leva a buscar novos dados, complementares ou mais específicos, que testem suas interpretações, num processo de “sintonia fina” que vai até a análise final. No caso da presente pesquisa, à medida que os dados foram sendo coletados, identificaram-se temas e relações, construíram-se interpretações e geraram-se novas questões e/ou aperfeiçoaram-se as anteriores, o que guiou a pesquisa à urgência de novos dados, complementares ou mais específicos. O referencial teórico deste trabalho permitiu destacar dimensões e categorias analíticas de análise, especificamente através da proposição da taxonomia de barreiras atitudinais, delineada, por Lima (2000); Lima e Lima (2005); revisitada/ampliada por Lima e Tavares (2007); utilizada em pesquisa de mestrado efetivada no PPGE/UFPE por Guedes, sob orientação de Lima (2007). (Cf. discutido no primeiro capítulo desta dissertação). A análise dos dados, esteada nessa taxonomia, foi, então, desenvolvida durante toda a investigação, seguindo diretrizes fornecidas por Alves-Mazzotti e 244 Gewandsnadjer (1998) para a pesquisa documental, o que se deu por meio de teorizações progressivas em um processo interativo com a coleta de dados. Para a fundamentação da análise, além do uso da taxonomia de barreiras atitudinais propriamente dita, valeu-se da teoria da análise do discurso, tendo na primeira a fonte das categorias e na segunda a de procedimentos. As categorias eleitas para este estudo foram as que abaixo se seguem, as quais são definidas, sob a égide do discurso por trás do discurso, ou conforme Lima (2003), do dito na fala de quem não diz. São elas: Barreira Atitudinal de Substantivação, Barreira Atitudinal de Adjetivação ou Rotulação, Barreira Atitudinal de Propagação, Barreiras Atitudinais de Estereótipos, Barreira Atitudinal de Generalização, Barreira atitudinal de Padronização, Barreira Atitudinal de Particularização, Barreira Atitudinal de Rejeição, Barreira Atitudinal de Negação, Barreira Atitudinal de Ignorância, Barreira Atitudinal de Medo, Barreira Atitudinal de Baixa Expectativa ou Subestimação, Barreira Atitudinal de Inferiorização da deficiência, Barreira Atitudinal de Menos Valia, Barreira Atitudinal de Adoração do Herói ou Superestimação, Barreira Atitudinal de Exaltação do Modelo, Barreira atitudinal de Compensação; Barreira Atitudinal de Dó ou de Pena; Barreira Atitudinal de Superproteção. (LIMA; TAVARES, 2007). A partir da compreensão dessa taxonomia, o discurso das dissertações foi analisado em seu funcionamento, como orienta Orlandi (2006). Em outras palavras, cumprindo as orientações dessa autora, as seguintes etapas foram vivenciadas: a) “em um primeiro passo da análise, tomou-se o material bruto linguístico como tal (o corpus, os textos) e por um primeiro lance de análise procedeu-se à de-superficialização desse material, sua de-sintagmatização” (Id., Ibid., p. 17), ou seja a demarcação e o fichamento da análise de dados e das conclusões dos trabalhos; o destaque das nomenclaturas utilizadas no todo das dissertações para fazer referência à pessoa com deficiência. Através desses procedimentos, chegou-se ao objeto discursivo, o qual, consoante Orlandi (Ibid.) “não corresponde ao material analisado, mas já resulta um passo da análise. Nele já começamos a pressentir o desenho das formações discursivas que presidem a organização do material”; 245 b) Em um segundo passo da análise, procurou-se no objeto discursivo ( o discurso das dissertações sobre Educação Especial produzidas no PPGE/UFPE) determinar que relação este estabelece com as formações ideológicas. Nesta etapa, após a releitura do todo das dissertações, foram analisados os títulos e buscou-se nos resumos, na análise das tendências teóricas prevalecentes (percepção obtida a partir da análise dos referenciais teóricos e das referências dos trabalhos), na análise da área ou linha de pesquisa em que os trabalhos estavam situados (dado obtido a partir da leitura dos editais de mestrado, do currículo lattes de pesquisadores); no contexto do uso de designações orientadores e dos utilizadas para fazer referencias às pessoas com deficiência. Através desses procedimentos, tem-se, pois a chegada ao processo discursivo, ou seja, o trânsito do material bruto da análise ao objeto discursivo e deste ao processo discursivo; c) Chega-se então a mais um estágio, o qual é explicitado por Orlandi (Ibid., p. 17): Após conhecer o processo discursivo podemos dispensar o material da análise inicial, pois estaremos de posse do funcionamento discursivo que pode ser generalizado para outros conjuntos de materiais, outros textos. O processo discursivo é definido por M.Pêcheux (1975) como sistema de relações de substituição, paráfrases, sinonímias etc. que funcionam entre elementos linguísticos – significantes – em uma formação discursiva dada. Ou seja, nesse estágio foram utilizados os fichamentos em que as barreiras atitudinais apareciam no discurso, foram construídas tabelas com as designações utilizadas para fazer referência a pessoa com deficiência e tabelas para o registro do levantamento de autores e documentos que mais substantivamente fundamentaram os trabalhos. Todo esse material foi analisado sob a égide da teoria da inclusão e do estudo das barreiras atitudinais, nas ponderações considera-se, pois, não apenas a memória, o sujeito e o contexto dos discursos, mas o que deles emana na materialização das palavras, nas frestas discursivas, no funcionamento do discurso. É nessa dialética entre o dito e o não dito que, no próximo capítulo, discorrese sobre como os discursos científicos produzidos no PPGE/UFPE apresentam a trajetória das barreiras sociais e as contribuições da Universidade no processo de inclusão social/educacional da pessoa com deficiência. 246 Capítulo 6 O itinerário das barreiras atitudinais: um registro nas dissertações do PPGE/UFPE “Só por sua existência, todo discurso marca a possibilidade de uma desestruturação-reestruturação de redes e trajetos: todo discurso [inclusive o científico] é o índice potencial de uma agitação nas filiações sócio-históricas de identificação, na medida em que ele constitui ao mesmo tempo um efeito dessas filiações e um trabalho (...) de deslocamento no seu espaço”. (PÊCHEUX, 1997, p. 56). O discurso científico, através da relação entre a ordem do real da língua (neste caso situado na construção do gênero dissertação de mestrado) e do real da história (os interdiscursos), filia-se e/ou desloca-se ideologicamente, engendrando atitudes, incitando a construção de realidades. Será que esse movimento, no caso das pesquisas efetivadas no PPGE/UFPE, espelha as possibilidades de na desestruturação-reestruturação de redes e trajetos promover laços entre o lócus da ciência e o campo humanizadas/includentes social ou com esse vistas itinerário a construir revela, na realidades materialização mais da linguagem/nos interdiscursos, a cristalização de obstáculos sociais? Nesta linha de debate, é mister relembrar que desde a mais remota história do gênero humano, os obstáculos sociais estão presentes, cristalizando-se, nutrindo-se nas relações humanas, através do discurso, de ações e de atitudes que foram se perpetuando e consolidando mecanismos de exclusão. O discurso, como fio condutor de expressão de valores, ideologias, sentimentos, intenções e compreensões tem atuado na base cognitiva das ações e das atitudes, servindo ao propósito de fornecer um padrão mental para a leitura, a aceitação ou a rejeição da diversidade humana. Este capítulo, a partir destas reflexões, discurso científico são busca explicitar como através do produzidos sentidos, são sustentados mecanismos 247 ideológicos, modelos de compreensão que são responsáveis pelo fortalecimento e difusão de barreiras atitudinais praticadas contra as pessoas com deficiência. A análise discursiva, realizada na presente dissertação, estea-se, entre outros estudos, nos trabalhos de Orlandi (1987; 1990; 1992; 1995; 1996;1998; 2000; 2001; 2006), os quais são comunicantes com a Escola Francesa de Análise de Discurso (PÊCHEUX,1983;1990;1997), e na conceituação e taxonomia das barreiras atitudinais, explicitadas na literatura de Lima (2000a); Lima (2000b); Lima (2006); Lima; Lima; Moura (2003); Guedes (2007); Lima & Tavares (2007); Lima (2008); Lima; Guedes; Guedes (2009); Lima (2011). Para Orlandi (op. cit.), compreender o texto é relacionar os distintos modos de significação que nele se conformam, reconhecendo tais modos como o resultado da história dos sujeitos e dos sentidos impostos a eles no ato de produzir e serem produzidos pelo discurso, o qual está situado num movimento social. Esse movimento é, pois, constituído por práticas discursivas por meio das quais os sujeitos constroem suas identidades e aqueles sentidos adquirem unidade, significado e validez. É nessa linha de compreensão que aqueles estudiosos têm buscado delinear o conceito e a taxonomia das barreiras atitudinais. Ou seja, eles analisam como, no funcionamento do discurso e nas interações sociais, orbitam os elementos que fazem surgir, disseminam, fortalecem as barreiras atitudinais ou, quiçá, contribuem para a eliminação delas. Em outras palavras, os pesquisadores atuam sob o entendimento de que, conjugando significado e validez, as representações sociais e o poder do simbólico estão presentes no discurso, consolidam compreensões e atitudes diante da pessoa com deficiência. Nesse sentido, o discurso, mormente o produzido na academia, alcançando o lugar de reconhecimento e valoração, pode servir à manutenção das barreiras atitudinais, a elas dar origem ou ainda difundi-las, incitando atitudes danosas ao processo de escolarização da pessoa com deficiência. Destarte, vale destacar que as pesquisas em Educação Especial/ Educação Inclusiva e o discurso científico resultante delas trazem o registro da historicidade, 248 contribuições, avanços e retrocessos da sociedade no que concerne à prática ou à eliminação das barreiras atitudinais. É, pois, sob essa percepção que se analisa, a seguir, o discurso das cinco dissertações de mestrado produzidas no PPGE/UFPE, no período de 1978 a 2002, as quais discorrem sobre Educação Especial. Neste percurso de análise, considera-se que não é de hoje que o sistema de ensino regular nutre barreiras atitudinais praticadas contra os alunos que não se enquadram no rigoroso sistema estabelecido nas unidades escolares. Em consequência a este processo, sustenta-se o quadro de evasão e/ou de reprovação vivenciado na escola brasileira, de modo substantivo a partir da década de 70, fato investigado pela Universidade Federal de Pernambuco a partir de 1978, principalmente através de trabalhos como o de Inalda Bacelar, construído quase dez anos após a constituição do PPGE/UFPE. Bacelar, em sua dissertação “Educação para Todos: a prática e o discurso”, sob orientação da professora Iracema Pires Ferreira, não menciona especificamente o processo de Educação Especial/Educação Inclusiva que se delineava no Brasil no período, contudo, o título e a tônica do trabalho demonstram um despertar da Universidade para a necessidade de se pesquisar sobre a Educação em Pernambuco, no que diz respeito “à efetivação da obrigatoriedade do ensino, ao caráter ilusório da escola para todos e a função ideológica da legislação do ensino”. Obviamente, quando a pesquisadora fala na “educação para Todos”, nesse “Todos” insere-se as pessoas com deficiência, sujeitos a quem a educação deve ser ofertada em razão de constituir um direito humano, fundamental, indisponível, assegurado pela legislação nacional. A autora ressalta, contudo, as contradições do discurso legislativo e a prática da educação para Todos: “o discurso oficial, ao proclamar o direito de todos à educação, na prática, nega esse direito para uma parcela da população”. (BACELAR, 1988, p. 1). Marquezam (2009) tonifica essa assertiva ao afirmar que a legislação inscreve, historica e ideologicamente, as posições do sujeito; isto é, demarca um território de possibilidades, de limites, de onde o sujeito vai/pode significar. 249 Atenta às contradições sustentadas no hiato entre o discurso oficial e a prática educacional, Bacelar (1987) discute [...] o desempenho, em termos dos resultados quantitativos, do sistema educacional de Pernambuco, quanto ao cumprimento da obrigatoriedade escolar, nos períodos 1964/71 e 1978/85, sob a vigência das Leis 4024/61 e 5692/71, respectivamente. (Ibid., p.2) O trabalho mostra que “a expansão escolar foi um fato, tanto num período, como no outro; entretanto, que ao lado dela, também se expandiram os mecanismos de excludência”. (Id.,Ibid.) Esses mecanismos, segundo a autora, excluem antecipadamente uma parcela da população, quando não, a exclusão se dá no início do ingresso no sistema escolar. Bacelar observa que [...] aqueles que mais sofrem essa ação são as crianças provenientes das camadas populares, que ao ingressarem na escola encontram barreiras que as levam a acreditar antecipadamente no seu fracasso escolar (Ibid., p. 1). Em outro trabalho dissertativo produzido no PPGE/UFPE três anos depois, a autora, Ester Rosa, corrobora essa afirmativa ao analisar que algumas crianças provenientes das camadas populares eram, em Pernambuco, encaminhadas para o setor de diagnóstico e rotuladas como clientela da educação especial. Traduz-se desse processo que a manutenção da excludência na escola gera a demanda da educação especial e mantém o transcurso da profecia, da autorrealização, da hegemonia, de interesses particulares em detrimento do direito das crianças a uma educação de qualidade e para todos. Para explicitar os fatores que vivificam esse procedimento, Bacelar (Ibid.) menciona um documento construído pelo Ministério da Educação e Cultura: “Educação para Todos: um caminho para a mudança” (1985), no qual se publica a situação de escolarização interrompida ou a má formação vivenciada no Brasil. Consoante a autora, o MEC demonstra então que a evasão, a repetência e a formação inadequada dos professores permanecem tornando inviável o direito de todos à educação. Bacelar (1987) afirma que para que tais condições sejam modificadas é necessário que a forma de operar da escola seja tecnicamente adequada às 250 características das crianças e que as lacunas na formação do professor sejam urgentemente preenchidas. A autora caracteriza a competência que deveria ser assegurada nesta formação como: [...] o domínio adequado do saber escolar a ser transmitido, juntamente com a habilidade de organizar e transmitir esse saber de modo a garantir que ele seja efetivamente apropriado pelo aluno. Em segundo lugar, uma visão relativamente integrada e articulada dos aspectos relevantes mais imediatos de sua própria prática (...). Em terceiro, uma compreensão das relações entre o preparo técnico que recebeu, a organização da escola e os resultados de sua ação. Em quarto, uma relação mais ampla das relações entre a escola e a sociedade. (MELLO, 1982, p. 15 apud BACELAR, 1988, p.32). A carência de competências como essas na formação do professor faz valer critérios subjetivos de avaliação das crianças, assim, é a padronização, a generalização, a inferiorização e, por vezes, a menos valia, os procedimentos atitudinais que partindo do professor, cuja formação é deficitária, provocarão a evasão, a repetência e o surgimento de outro sistema de ensino para que se possa efetivar o caráter seletivo e até higienizante da escola, ao distinguir, classificar, rotular, separar bons e fracos, aptos e inaptos, eficientes e deficientes. Quanto àqueles elementos, enumerados pelo MEC como constitutivos dos impedimentos à educação para todos, Bacelar (Ibid., p. 34) esclarece: Em seu conjunto, ou seja, a oferta insuficiente, o rendimento interno do sistema escolar e a discriminação social formam a barreira para que a educação não se efetive como um direito de todos. Constatados tais obstáculos, é necessário afirmar que não se deve admitir a perpetuação dos mesmos, visto que o próprio povo sofre os efeitos de tais medidas, revela condições para superá-los, enquanto força a expansão do ensino. Depreende-se desta assertiva que a discriminação social, ao mesmo tempo elemento motriz e resultante de barreiras atitudinais, pode ser compreendida como base para os outros dois fatores. Assim, entende-se que a discriminação é uma fonte que impulsiona uma educação insuficiente, por vezes, ineficiente, inadequada, distante da realidade vivenciada pelos alunos e, em consequência, impulsiona a fragilidade no rendimento interno do sistema escolar, ambos os fatores são constitutivos do critério basilar da educação especial, uma educação pensada para quem não correspondia aos subjetivos padrões de normalidade e de produtividade ditados pela sociedade. 251 Um caminho para que os profissionais da educação possam amainar os prejuízos decorrentes desse processo é “insistir na efetivação do direito de todos à educação, traduzindo esse direito no acesso e permanência na escola, de todos, sem discriminação de qualquer natureza”. (BACELAR, 1988, p. 34). Essa tarefa é, então, “necessária àqueles que trabalham na área educacional e acreditam na importância da educação para a participação do homem na sociedade em que se insere”. (Id.Ibid.). A tônica de defesa da promoção da acessibilidade para fazer valer o direito de todos à educação é acolhida pela autora ao longo da dissertação, o que se traduz dessa postura é que a pesquisa se incorpora à luta dos que vêm denunciando que esse direito, por vezes, permanece no plano dos ideais, tornando o espírito da lei palavra morta. Bacelar (Ibid., p. 25) defende: O não acesso de todos à educação espelha a desigualdade sócioeconômica, no entanto, mesmo numa sociedade desigual, postula-se que a escola tem um espaço próprio e que dele todos têm o direito de auferir seus benefícios. O direito igualitário ao acesso à educação é assegurado, como discutido no segundo capítulo do presente trabalho, em documentos legais, contudo, a universalização do ensino, por vezes, não se concretiza em razão do discurso explícito ser diferente do real, ou seja, proclamar uma coisa, enquanto deseja e visa a outra. (SEVERINO, 1986 apud BACELAR, 1987). Uma forma de prejuízo aos alunos, decorrente da contradição entre o que o discurso legislativo apregoa e a efetivação, pode ser verificada, segundo Bacelar (Ibid.), no desempenho insatisfatório do professor junto aos alunos. Esse baixo desempenho, segundo a autora, pode ocorrer por motivos vários que deságuam nesta problemática: primeiro o fato de que a expansão escolar implicou necessariamente na maior absorção de professores; segundo porque esses professores demonstraram preparo inadequado para lidar com alunos provenientes das camadas populares; terceiro, porque [...] o processo legalmente previsto para admissão no setor público é o do concurso público e este foi nas duas últimas décadas, relegado dando lugar a uma política clientelista, através da qual o ingresso do professor se fazia. Outro fator importante, na questão do professor, é o nível de marginalização que esse segmento sofre em relação ao 252 aspecto salarial, o que poderá ser um dos indicadores do desestímulo à atividade docente. (Id.Ibid., p. 74) Hoje se pode acrescentar a essa enumeração de fatores a formação aligeirada, descontextualizada e com fins a atender tão somente as necessidades imediatas do mercado de trabalho. Esse pode ser um elemento tonificador dos mecanismos de excludência, sinalizados por Bacelar (Ibid.), os quais evitam a transformação da escola e a oferta da educação para todos. Consoante a autora, para que a educação para todos seja uma realidade é necessário mais que a legislação, é preciso que a mudança ocorra [...] a partir das próprias condições internas da escola e da vontade política de todos os agentes escolares, através de um compromisso em torná-la de fato, um direito de todos. Mesmo reconhecendo-se a força dos determinantes sócio-econômicos (sic), acredita-se na democratização do ensino e esta deve estar ligada ao esforço de democratização da própria sociedade. (Id., Ibid., p. 82). A vontade política atrelada à consciência inclusiva e inclusivista, à compreensão de que a educação é direito inalienável de todos é um fator singular que pode emanar da, na e para a coletividade os elementos contributivos a erradicação das barreiras atitudinais, a exemplo da compreensão da diversidade humana como algo natural, inevitável, imprescindível, constitutivo da comunidade humana. É desse lugar de respeito ao gênero humano, à pessoa com deficiência como cidadã que Ester Calland de Sousa Rosa realiza no PPGE/UFPE, sob orientação da professora Silke Weber, o primeiro estudo específico sobre o tema Educação Especial. Na dissertação intitulada “Aluno portador de Deficiência: problema médicopedagógico ou conquista de cidadania? A Educação Especial em Pernambuco” (1990), Rosa comenta a intervenção estatal, no âmbito da educação especial, definida politicamente na década de 80. Pernambuco foi o estado escolhido pela pesquisadora para a efetivação do estudo de caso. Esse estado foi selecionado por ser “pioneiro no atendimento educacional do portador de deficiência e contar com uma rede estadual de educação especial compatível com as diretrizes propostas nacionalmente”. (ROSA, 1990, p. 7). 253 A pesquisadora procura compreender o papel dessa modalidade de ensino para a escola pública e para o debate sobre os direitos educacionais das pessoas com deficiência. Questiona se os avanços observados na política de educação especial referentes ao “atendimento dos direitos sociais do portador de deficiência, resultantes de conquistas de sua organização, na prática, permitiram a superação do modelo médico tradicional”. (Ibid.) O fio discursivo dessa dissertação retoma questões apresentadas/ refletidas no trabalho de Bacelar (1987): a excludência, a evasão, a avaliação subjetiva de potencialidades dos alunos, a formação deficitária do professor, o preconceito, a discriminação contra crianças das camadas populares e suas famílias e , ainda, traz à discussão os mecanismos de rejeição, classificação, rotulação de crianças com deficiência. Mais uma vez, em pesquisa realizada no PPGE/UFPE, analisa-se as fissuras da escola para todos e os obstáculos subjetivos, metodológicos, científicos, do senso comum que estão na gênese dos impeditivos ao acesso igualitário e equitativo à educação. O trabalho de Ester Rosa é um relevante passo que traz de modo vívido, consciente, coerente as contribuições das pesquisas efetivadas neste Programa para que se perceba as barreiras atitudinais que podem se fazer presentes na formação e no exercício do docente. A autora denuncia os efeitos da prática do modelo médico-pedagógico, dos danos causados pela perspectiva de institucionalização que gerou e tem munido diversas barreiras atitudinais na escola. Tais impeditivos podem ser percebidos a partir das formas discursivas que a sociedade utilizava para se referir à pessoa com deficiência. Muitas dessas nomenclaturas, mencionadas na dissertação em análise, demonstram a visão que se tinha das pessoas com deficiência: anormais, indigentes, idiotas, imbecis, débeis etc. Essas substantivações/adjetivações remontam os princípios do atendimento higienista, os quais [...] pretendiam penetrar nos interstícios da escola, na sua organização espacial, nas relações entre seus membros e até na determinação de estratégias pedagógicas, a fim de garantir 254 condições para a formação de uma juventude hígida e instruída. (ROSA, 1990, p.230). Nesse contexto, é, pois, relevante recordar que o período higienista ao qual a autora se refere, fortemente vivenciado na segunda metade do século XIX, tinha como foco de atenção o controle de epidemias, a promoção da saúde pública. A deficiência era, então, compreendida como doença, mal, “chaga”, um problema inerente à pessoa. Por essa razão, não se tinha nenhuma preocupação com intervenções pedagógicas destinadas às crianças com deficiência. O diagnóstico e os testes de QI (Quoeficiente de inteligência) forneciam os subsídios necessários para se apartar as crianças em diferentes níveis de normalidade e, em consequência, situá-las em unidades escolares compatíveis ao resultado desse subjetivo e nocivo processo, sustentado pela Psicologia, pela Medicina, pela Pedagogia e pelo senso comum. É, então, nesse decurso que o médico assume o papel de cientista que demarca na escola a separação das crianças “normais” das “anormais”; a medicalização da educação obtém fontes seguras; proteger os membros da sociedade hígida das “anormalidades” era o objetivo perseguido e executado através da ação de triangular etiologia, prognóstico e a escolha do tratamento. É por esta orientação que o serviço de diagnóstico parece pautar-se, na tentativa de estabelecer relações de causa-e-efeito entre fatores patógenos e aparecimento de sintomas, fazer predições e “curar”, especialmente a partir de interpretações psicológicas para comportamentos inadaptados à escola. Tal modelo, no entanto, não é exatamente o que se espera de práticas eminentemente pedagógicas, ou seja, voltadas para o desenvolvimento de potencialidades, o que leva a pensar num distanciamento dos objetivos de serviços de diagnóstico e do que se pretende normalmente em instituições de ensino. Assim, “o setor saúde incorpora a educação, aplicando-lhe seu raciocínio clínico tradicional, privilegiando relações causais lineares e explicações fisiopatológicas” tendo como resultado mais gritante, a “medicalização do fracasso escolar” (COLLARES e MOYSÉS, 1985, p. 10). Isto considerando que o motivo de encaminhamento para o diagnóstico está, muito frequentemente, associado a dificuldades de aprendizagem do aluno, acompanhadas do histórico escolar com várias repetências, realidade para a qual se busca causas e soluções médicas, em nível organicista ou psicológico e individual. (ROSA, 1990, p, 217). É perceptível que nesse processo a medicalização da educação e a pedagogização da atuação médica são resultantes das lacunas presentes na formação profissional ofertada na época; uma formação cujas fragilidades 255 implicaram numa prática laboral contributiva aos mecanismos de excludência e de fracasso escolar, através da construção de diagnósticos imprecisos e determinantes das potencialidades da clientela atendida na escola. A respeito desse transcurso, Rosa elucida: Esse processo [o da medicalização do fracasso escolar] parece relacionar-se com o tipo de formação tanto de profissionais da área de saúde (que não se especializa nos conhecimentos de características das crianças em idade escolar, e de possíveis anomalias), quanto de educadores (que não tem contato com questões elementares de saúde). Em consequência, pode-se supor que “ambos se tornam extremamente receptivos à difusão de conceitos médicos em seus aspectos mais simplistas, despidos de toda a controvérsia existente na literatura médica, contribuindo, assim para isentar de responsabilidade sobre o fracasso escolar e, ao mesmo tempo, dar conotação “educativa” a serviços de assistência médica e social, supostamente serviços de acesso público sob gerência do Estado. Assim como é possível falar numa perspectiva de medicalização da relação pedagógica, a ação médica também assume caráter pedagógico, ‘a partir da tentativa de estruturação simbólica, para toda a sociedade, das representações de saúde e doença’ elaborados cientificamente e que acabam por ‘regular a vida privada, em particular dos estratos sociais inferiores’ (DONNANGELLO, 1979, p. 43) ao determinar como normais e universalmente válidos , padrões de conduta típicos de apenas algumas camadas da população. ( Ibid., 1990, p, 217). A família e a escola, como partes constitutivas dessa estrutura, foram se tornando objetos do movimento higienista e, consequentemente, contribuíram com a manutenção de barreiras atitudinais quando ratificavam, cooperavam para que se percebessem na criança os desvios e os limites salientados no atendimento médico. Essa perspectiva consolidou a ideia de que a educação e a aprendizagem eram homogêneas. Logo, a sistematização de uma escola baseada nesse princípio resultaria no êxito de uma postura racional, planejada, produtiva e principalmente eugênica, que poderia lograr lucros ao sistema capitalista. A educação especial, sob essa atmosfera, deveria cumprir a meta de educar e “normalizar” a pessoa com deficiência tornando-a apta a conviver com os outros e a produzir. Consoante Lima (2006, p. 61), normalizar é ato que exprime interesses e mecanismos de excludência manifestos através de uma “sincronicidade histórica, regional, social etc”. A normalização é, portanto, algo virtual, arbitrário que se faz presente na gênese das barreiras atitudinais. Nas palavras desse autor, 256 Considerar-se normal é considerar a existência de outros, cujos atributos diferem dos que você elegeu para a normalidade, ao fazêlo, promoveu a exclusão dos que desses atributos não partilham, ou apenas não são considerados capazes de partilhar .(Id., Ibid.). A prática discricionária da normalização servia para avalizar o encaminhamento do aluno com deficiência à educação especial. Rosa (1990, p. 223) comenta que uma estratégia comum empregada pela equipe médicopedagógica era a de “buscar uma normalidade familiar à semelhança da normalidade individual esperada do comportamento do aluno”. A autora reflete sobre essas situações que, fundadas no modelo médicopedagógico, sedimentam barreiras atitudinais e distanciam a educação da tônica do direito. A pesquisadora, mencionando as palavras de Ulisses Pernambucano (1918), traz uma conceituação de ensino especial que se atualiza ao refletir alguns dos preceitos da educação/escola inclusiva configurada como aquela que [...] seja “livre e individual”, afastada de disciplina sistemática e de regimes severos, nada de regras fixas para ensino de tal ou qual matéria, nada de quietude obrigatória” pelo contrário, “liberdade, exercícios físicos, trabalho intelectual frequentemente interrompido”, já que “ cada inteligência tem seu aspecto próprio deve ter ensino relativo. (MELLO, 1918 apud ROSA, 1990, p.115-116). Esse conceito de escola especial expresso por Ulisses Pernambucano destoa dos princípios básicos da Educação Especial, a saber, consoante Martins (2006, p. 25), “a normalização e a integração”, os quais fundaram a compreensão de que a criança tinha de se adaptar às exigências escolares. Portanto, a escola descrita e defendida por Ulisses apresentava bases inclusivistas, pressupunha prática pedagógica aportada na historicidade dos alunos, na individualidade, na liberdade de criação e de expressão, nas inteligências e potencialidades múltiplas. Em outros termos, implicava [...] a prática [de] conhecer no outro (pessoa com deficiência ou não) o potencial para aprender e a capacidade de ser. Isso significa quebrar tabus em relação à pessoa com deficiência, implica em pôr por terra barreiras atitudinais; pressupõe um novo modo de ser e viver, sob valores éticos sociais e humanos. Pressupõe viver na cooperação, na parceria, no respeito e, por que não no amor. (LIMA, 2006, p. 64). Rosa (1990), ao refletir sobre a educação ofertada à pessoa com deficiência, considera a educação especial como produto de condições sociais concretas, e não 257 como decorrência inevitável da existência de “indivíduos portadores de deficiência” (Id., Ibid., p.116). Tais condições são refletidas nos resultados da pesquisa em comento: [...] há alunos especiais que não estão em classes especiais ou escola especial por não ser constatada deficiência física, sensorial ou mental que intervenha no seu aprendizado escolar, mas por apresentarem inadaptação à escola regular são tomados apenas secundariamente como aluno, sendo interpretada a sua inadaptação como doença, levando à prescrição de “tratamento pedagógico” efetuado por agentes de saúde da rede especial de ensino”. ( Id., Ibid.). Desse processo denunciado por Rosa (1990), percebe-se que a inadaptação sempre recai sobre o aluno e nunca sobre a escola. Esse procedimento foi identificado pela pesquisadora ao analisar que a orientação para que se alterasse o ambiente escolar [...] só apareceu em dois dos trinta casos examinados, o que parece estar relacionado com expectativas geradas em torno da identidade de deficiência no aluno testado e só em último caso associadas circunstancialmente à situação escolar onde foram detectadas. Mesmo quando é sugerida alteração no ambiente escolar, esta é referida ao relacionamento interpessoal professor-aluno e não à didática ou condições ambientais necessárias à aprendizagem, o que traduz, novamente, uma visão “psicológica” da inadaptação escolar. (ROSA, 1990, p. 218). Traduz-se desse fato que a percepção e a avaliação do professor acerca dos desvios da conduta esperada é um passaporte para que se perceba o aluno como um típico “doente”, que precisa ser encaminhado para “tratamento pedagógico” e não mais deve retornar a sala de origem. [...] a expectativa após o encaminhamento da professora, é que o aluno não retorne à classe de origem, sendo inclusive “mal visto” o reenvio à sala comum, porque aparentemente não foi cumprido o papel de diagnosticar e recomendar respectivos tratamentos, confirmando, assim a patologia suspeitada. Isto provavelmente porque o prognóstico a respeito destes alunos precede a avaliação diagnóstica, que é solicitada, possivelmente, mais com caráter de confirmação científica para o conhecimento empírico da professora no que diz respeito à “deficiência” de seu aluno. [...] Em alguns casos, também segundo informação de técnicos do diagnóstico, o encaminhamento é para que haja uma mudança de sala, já prevendo que haverá rejeição por parte da professora, que resiste ao retorno do aluno testado. Na realidade esta possível expectativa da professora tem respaldo legal na Resolução nº15/78 do CEE-PE, que considera “evidente ser deficiente o aluno que apresenta inadaptação escolar, 258 recomendando a avaliação médica e psicológica sempre que o professor julgue conveniente”. (Id. Ibid.p. 220) O diagnóstico era, portanto, construído de modo arbitrário, unidirecional, esteado na delimitação do desvio que se define por fatores sociais, legais, educacionais, políticos, pelo julgamento científico etc. Destarte, a relatividade das normas de julgamento para que se avalize e se agrupe os alunos com deficiência não pode ser desconsiderada, pois tal relativismo cumpre o ritual de manutenção de barreiras atitudinais quando o rótulo de deficiente serve de máscara para se justificar o porquê da sustentação de dois sistemas educacionais: o regular e o especial, legitimados por determinações médico-pedagógicas. Rosa (Ibid.) acredita que a educação especial pode funcionar satisfatoriamente, contudo, questiona esse percurso de construção do diagnóstico. Para a autora, ao que parece, era necessário o diagnóstico preciso, bem feito, adequado, pois assim seria ofertado o melhor tratamento aos alunos com deficiência. Na perspectiva da educação inclusiva, o diagnóstico coerente é reconhecido como contributivo ao atendimento educacional dos alunos. Consoante Lima (2009, p. 196), O conhecimento do diagnóstico deve ser para o benefício do aluno e, certamente, não para o rotular/classificar em algum protocolo. Quando pensamos em Inclusão Educacional, portanto, o diagnóstico que a família nos traz de seus filhos é a deixa para que possamos melhor educá-los e não para justificar nossa atitude de ‘não fazer’. Esse autor alerta para que se perceba e se erradique os danos causados pelo pseudo-diagnóstico construído sob o modelo médico-pedagógico, o qual nutre os mecanismos de fracasso escolar e de excludência. A tentativa de a escola rotular seus alunos, usando de um pseudo diagnóstico para sustentar a repetência (hoje se diz retenção) da criança em séries anteriores, nada mais é que uma forma grosseira de discriminação por razão de deficiência, tanto quanto o é, quando a escola quer restringir o número de alunos com deficiência numa sala de aula. (Id., Ibid., 195) A restrição do número de alunos em sala de aula é a restrição de direitos garantidos pela Constituição Federal (BRASIL, 1988). Fato que demonstra que a hegemonia perversa da prática das barreiras atitudinais enfraquece o espírito da lei. 259 Atualmente, muitas escolas ainda se baseiam no diagnóstico unilateral e mantêm práticas como essas sob o argumento de que se está fazendo o melhor para a pessoa com deficiência. Lima (Ibid., p. 195) observa que [...] muitas escolas que se dizem inclusivas usam desse subterfúgio, valendo-se de um golpe baixo chamado de ‘é melhor para a criança’, aqui travestido pela alegação de que se houverem muitos alunos com deficiência numa sala, esta se torna sala especial e não inclusiva. Depreende-se, portanto, que muitas escolas, travestidas do discurso inclusivista, têm gerado, difundido, tonificado barreiras atitudinais e, nesse percurso, o diagnóstico, ainda construído sob lentes subjetivas, tem servido de elemento motriz ao processo de excludência. Através da literatura de Rosa (1990) é possível compreender que essa prática tem raízes longínquas e envolve a comunidade extra e intraescolar; possibilita o atendimento de causas pessoais ou familiares quando torna a medicalização a alternativa para que se explique, ou melhor, se justifique a evasão, a repetência de uma considerável parcela que não se enquadra na fôrma imposta pela escola e sustentada pelo modelo médico-pedagógico. A predominância de alunos testados em processo de psicoterapia individual e o fato de que poucos dos alunos que passam pelo serviço de diagnóstico conseguem sair dele sem nenhuma recomendação de tratamento leva a supor que ali se estabeleçam formas de patologização de queixas de professores das séries iniciais do ensino regular quanto à inadaptação escolar, em detrimento da prestação de serviços especializados eminentemente voltados ao atendimento de direitos do portador de deficiência a padrões educacionais e de saúde semelhantes à população em geral. Os poucos casos para os quais se recomenda reforço pedagógico ou alterações no ambiente escolar também reforçam o argumento de que os testados no serviço de diagnóstico tem na sua escolarização uma preocupação apenas secundária, ou no máximo, deverá ser atendido nalguma das formas convencionais de educação especial (predominantemente em classes especiais). Além disso, a pouca praticidade na escolha dos cursos profissionalizantes oferecidos na própria instituição de diagnóstico e tratamento também corrobora a interpretação de que o serviço não se volta, de fato, à criação de condições efetivas de disputa igualitária do portador de deficiência no mercado de trabalho, sendo o trabalho encarado também como “terapia” para a anormalidade e não como direito de cidadãos. (ROSA, 1990, p. 213). Em outras palavras, consoante a autora, o prognóstico já estava estabelecido no momento em que o aluno era admitido no serviço de diagnóstico. Assim, o ato de 260 encaminhar alunos para a educação especial emerge como uma ação estrategicamente coordenada, como resultado de uma negociação fundada em uma racionalidade cognitivo-instrumental, técnica, que surge e persiste na definição de objetos e processos escolares (FROES, 2007), os quais se sustentavam num fazer pedagógico padronizado, numa avaliação meritocrática e punitiva que, encontrando abrigo na institucionalização, apregoava que os insucessos, retrocessos, inadaptações na escola eram decorrentes de “doenças”, de “deficiências” do aluno. Assim, quem não se ajustava à massa dos bem adaptados e úteis ao sistema deveria compor uma escola, uma classe apartada do todo concebido, pela sociedade, como homogêneo. O aluno especial parece figurar aí como um representante legítimo da “doença”, e que precisa ter seu comportamento disciplinado através da “instauração de um método , e, para dizer melhor, de um discurso que permite constituir como fatos elementos que, sem ele, permaneceriam puramente contingentes, inessenciais. Tal discurso torna-se normativo na medida em que “implica que ele tenha sansão , a sanção terapêutica , que autoriza seu agente (individual ou institucional) a uma ação reguladora do comportamento “desviante” da norma de saúde. (ROSA, 1990, p.98). Nesse processo, a barreira atitudinal de rejeição encontra campo fértil para fortalecer-se na recusa do professor por não querer ou não saber promover em sua sala de aula a educação para todos. No caso da segunda situação, estaria o professor agindo sob o manto da barreira atitudinal da ignorância. Para erradicar essa e outras barreiras, Rosa (Ibid.) indica como caminho promissor o fornecimento de informações positivas acerca da pessoa com deficiência: Além do âmbito governamental, a possibilidade de veiculação dos conteúdos deste debate nos meios de comunicação de massa parece refletir um novo estágio de participação e conscientização, extrapolando a ação intraescolar, como ocorreu, por exemplo, na Semana Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência, de 21 a 28 de agosto, de 1988, que contou com o apoio de todas as emissoras de rádio sediadas no Recife, “as quais cederam espaços nas suas respectivas programações, para que o assunto seja debatido e consequentemente chegue ao conhecimento da sociedade. (Diário de Pernambuco, Domingo, 21/08/1988, p. 11 apud ROSA, 1990, p. 156). A autora, além de reconhecer que é papel da mídia, como elemento fomentador de atitudes, participar amplamente da difusão de informações coerentes e positivas em relação à pessoa com deficiência, reconhece que falar e vivenciar a 261 inclusão é algo que deve extrapolar o espaço educativo e alcançar a sociedade como um todo, pois ambas, sociedade e escola, se retroalimentam, uma é reflexo e resultado da outra. Obviamente, nesse trajeto, as comunidades intra e extraescolar devem reconhecer e advogar que o empenho para que a conscientização da sociedade e a participação das pessoas com deficiência ocorram não deve ser unilateral. Contudo, uma questão emana da reflexão proposta por essa pesquisadora: como modificar o quadro de responsabilidade unilateral das pessoas com deficiência, no que concerne a educação para todos, se o esforço dessas pessoas era o exclusivo caminho salientado nos cursos de formação? A possibilidade de viver “normalmente” é proposta a partir de esforço praticamente unilateral por parte do portador de deficiência, proposta semelhante à orientação seguida nos cursos oferecidos ao pessoal técnico e professores de educação especial no Estado de Pernambuco quando se enfatiza o “esforço próprio” do portador de deficiência como elemento fundamental de sua escolarização já que por sua natureza ele seria resistente ao “processo educativo normal”, apoiada, por sua vez, no princípio da normalização estabelecido como uma das diretrizes da política nacional [...]. (Id. Ibid., p. 148). O equivocado entendimento de que a pessoa com deficiência tem “uma natureza resistente ao processo educativo normal” nutre a barreira atitudinal de particularização ao passo em que se entende erroneamente que todos os alunos com deficiência apresentam um caráter, temperamento, comportamento, dificuldades que os fazem “resistentes” ou menos capazes de experienciar a educação regular. Outra situação de prática de barreira atitudinal é percebida e denunciada pela autora, ao analisar materiais elaborados pelo Departamento de Educação Especial de Pernambuco, especificamente produzidos no ano de 1986. Os folhetos orientam pais de crianças com deficiência visual ou auditiva a lidar com as singularidades dos filhos; tem-se então um discurso que surge vinculado à barreira atitudinal de generalização, uma vez que as crianças são homogeneizadas a partir da deficiência. Essa barreira social pode conduzir os pais, destinatários desses textos, a praticar a barreira atitudinal de padronização, ao buscarem efetuar ações educativas baseadas no discurso generalizante. compreensão de que Imbricada a esse processo pode ainda surgir a crianças com deficiência tem uma “natureza”, um modo 262 específico de agir, diverso do utilizado por outras crianças sem deficiência (barreira atitudinal de particularização). O enlace desses três tipos de barreiras atitudinais pode conduzir a ações semelhantes às vivenciadas durante o fim do século XIX e início do século XX: a criação e a manutenção da [...] teoria dos dois espaços ou das duas casas, onde as crianças são consideradas normais ou portadoras de excepcionalidade e a educação, por sua vez, se ajustava a um modelo comum ou segregado, combinando com um agrupamento homogêneo de educandos. (MARTINS, 2002, p. 23). Refletir sobre essa questão é, pois, retraçar a linha naturalista dos movimentos higienistas e eugenistas fortemente vivenciados nesse período e que ressoam até os dias atuais. Tais movimentos tiveram no instrumental da Medicina, da Psicologia e da então delineada Pedagogia o esquadrinhamento e classificação de indivíduos em “sãos” ou “doentes”, o que incitou a equivocada compreensão da deficiência como continente ou sinônimo de doença. A medicalização torna-se, pois, o cerne do pensamento higienista e da ação eugênica, ambos envolvidos no objetivo de formar uma nação hígida, contribuíram para dar sustentação “a diferentes formas de encaminhamentos das instituições brasileiras, no caso, circunscrevendo a discussão às questões sociais no Brasil” (BOARINI, YAMAMOTO, 2004, p.3). Nessa linha, é importante destacar que os movimentos higienista e eugenista se aproximaram tanto que o segundo tornou-se componente do primeiro. Boarini e Yamamoto (Ibid., p.5), citando Renato Kehl (1935, p. 46), trazem a discriminação desses termos: (...) a higiene, por exemplo, procura melhorar as condições do meio e as individuais, para tornar os homens em melhor estado físico, a eugenia, intermediária entre a higiene social e a medicina prática, favorecendo os fatores sociais de tendência seletiva, se esforça pelo constante e progressivo multiplicar de indivíduos “bem dotados” ou eugenizados. A escola, sob influencia desses movimentos deveria ser “higienizada” e, na atuação dela, o corpo estaria no foco de tratamento e atenção. Logo, “a infância - e 263 a sua entrada na escola - era apontada como o momento ideal para a criação de hábitos que possibilitariam a ‘higienização’ dos indivíduos” (Id. Ibid.). A higienização na escola consistia na separação das crianças em razão de deficiência, ou seja, a deficiência, uma vez compreendida como doença, justificava a ação segregativa. A eugenia defendia a relação entre pares hígidos para que se produzisse mais e melhor, consoante os ideiais de força, beleza, intelectualidade e manufatura. Boarini e Yamamoto (2004, p. 2) ratificam que é nos limites tênues [...] entre Educação/Psicologia/Saúde que as idéias higienista e eugenista encontram seu elixir da juventude. A título de ilustração, diríamos que é fato corriqueiro para o psicólogo, sobretudo o que atua nos serviços de Saúde Mental da Saúde Pública, receber uma grande demanda aos seus serviços oriunda da escola com a queixa de “problemas de aprendizagem” ou “problemas de disciplina”. Detalhe interessante a destacar é que, antes mesmo da avaliação do aluno pelo profissional da saúde ou até antes do encaminhamento à saúde, a queixa do mau rendimento escolar já tem sua explicação: “o aluno é assim porque tem muito piolho e o piolho dá anemia”; ou “são crianças que nascem de ventre podre” ou “porque os pais são separados”, ou “porque o pai bebe”, ou “porque mora na periferia” etc. Situações como essas são fontes de vivificação das barreiras atitudinais, pois a higienização e a eugenia justificam a segregação, situam as dificuldades, as lacunas, os problemas, os insucessos no individual, mitificando as razões do fracasso escolar e da excludência. Rosa (1990, p.147-148) traz esse processo à reflexão ao analisar trechos dos folhetos em comento: [...] Aspectos como “birra” são atribuídos à “ natureza da deficiência”, que leva a criança com déficit auditivo, por exemplo, a sentir-se frustrada com facilidade por não ouvir e entender o que os outros dizem”, recomendando-se como estratégia de controle se “o seu filho está irritado”: “ não o segure, não o engane, não o adule, não perca a calma, não o ameace”. A solução apresentada quando “ seu filho tiver uma atividade inadequada em público” é que “ o melhor caminho é o de casa” (Secretaria de Educação de Pernambuco. Diretoria de Serviços Educacionais. Departamento de Educação. Divisão de Educação Especial. Guia de Pais – Deficientes auditivos, 1986, 15-16) [...] Aqui é possível identificar semelhanças com a proposta higienista, já mencionada, de educação de pessoas portadoras de deficiência num clima de 264 “liberalidade” e de respeito às diferenças individuais como se essas questões fossem relativas à singularidade deste grupo e não princípios gerais de educação de crianças. A partir da análise do discurso presente nesses folhetos e em outros documentos construídos e publicados pelo MEC, a autora considera que a política educacional tornou-se palco de contradições, cuja ambiguidade discursiva reforça a exclusão. Para a pesquisadora, falar sobre a educação especial é refletir sobre as fragilidades da escola como um todo. [...] o estudo desse específico da escola, diz respeito à própria escola e ao ensino regular. Sabendo que a forma atual de conceber e praticar a educação especial é oficialmente dirigida por uma política nacional que supostamente norteia a prática, pode-se concluir que, no que diz respeito à política, ela é reforçadora das deficiências, devido ao próprio entendimento de que necessidades especiais implicam na separação entre os espaços educacionais “normais” e “especiais” ou patológicos, como se queira. Com isso são criadas condições artificiais de aprendizagem e de convivência, onde só os iguais podem estar juntos. Integração é entendida dentro desses limites, sendo a própria estruturação institucional desvinculada da educação “comum”. Mesmo quando se fala que há limites na escola que dificultam a integração do portador de deficiência, essa “denuncia” não é suficiente para que se proponham mudanças neste ensino, tratando como questão individual, uma problemática eminentemente social. (ROSA, 1990, p. 237). Quando, portanto, a pesquisadora afirma que a política é reforçadora das deficiências, compreende-se que “as condições superficiais de aprendizagem e de convivência”, funcionando como elementos potencializadores das limitações advindas da deficiência e impostas pela sociedade, conduzem a pessoa com deficiência a uma situação de dependência demasiada, de menos valia, de estagnação de potencialidades. A autora ratifica: “não se pode tratar como questão individual uma problemática eminentemente social”. Logo, depreende-se que toda a sociedade deve ser colaboradora para que se erradiquem os impeditivos à efetivação de uma escola de qualidade de, para e com todas as pessoas. Rosa (1990), esteando-se no texto “Os deficientes: perguntas e respostas”, publicado em 1988 pela Secretaria de Educação de Pernambuco, numa ação conjunta do Departamento de Ensino e a Divisão de Educação Especial, reconhece que os recuos identificados em situações como, por exemplo, a de se responsabilizar a pessoa com deficiência pelo insucesso, inadequação sistema são resultantes de incoerências, de barreiras visíveis e invisíveis: ao 265 [...] o princípio da normalização conforme é definido como princípio da política nacional, já que se propõe a convivência com a diferença, com a eliminação de barreiras “visíveis e invisíveis” e não o esforço apenas do portador de deficiência em adequar-se às condições “normais” de vida. (Ibid., p. 164-165). A autora, ainda tomando como referência o documento supramencionado, de autoria do MEC, afirma que dentre os procedimentos para que se modifique esse quadro de manutenção de barreiras e o desrespeito ao direito à educação é emergencial que se conceba e se pratique ações como [...] ‘participação em iniciativas que levem à divulgação correta dos problemas das pessoas deficientes e à eliminação dos preconceitos’, ‘incentivo às pessoas deficientes a se organizarem, e lutarem, por seus direitos’, ‘trabalho junto às iniciativas comunitárias, governamentais e privadas para que não discriminem as pessoas deficientes’ e ‘denuncia e conscientização dos meios de comunicação que veiculam imagens distorcidas das pessoas deficientes’, além de se considerar a contribuição dos educadores, através do ‘fornecimento de informações corretas sobre as mesmas e sobre suas necessidades’, devendo ser dado aos alunos deficientes ‘tratamento igual aos demais alunos, auxiliando-os quando necessário, como se auxiliaria qualquer outro, estimulando a sua independência e integração’. ( ROSA, 1990, p. 164-165). A não efetivação dessas ações nutre e revela discursos e posturas que alimentam as barreiras invisíveis contra todos aqueles considerados pertencentes à massa dos deficientes, dos infecundos, dos inadaptáveis e dos improdutivos. A manutenção dessa condição sobreposta à pessoa com deficiência e a todos os que são vistos pela sociedade como destoantes do padrão é um elemento que está na essência da educação especial. [...] a educação especial no Brasil tem se caracterizado como processo de conquista de escola por parte do portador de deficiência, na medida em que logra superar concepções de invalidez, anormalidade e excepcionalidade. Mesmo assim, parece persistir a concepção de educação especial como espaço de aglutinação dos “diferentes” e desviantes na escola e não exclusivamente do portador de deficiência, levando, como consequência, à negação de escolarização universal, justificada como decorrência natural de diferenças biológico-psicológicas. (Id.,Ibid., p. 96). Assim, além dos alunos com deficiência e/ou dificuldade de aprendizagem eram encaminhados para a educação especial todos aqueles que, sofrendo preconceito de classe, tinham o comportamento avaliado como “agressivo”, “antissocial”, “inadaptável”. Logo, os alunos que se recusassem a serem moldados, igualados, pressionados, punidos, rebaixados, amedrontados constituíam público 266 certo para a educação segregada. Tudo em nome da arbitrariedade com que se estabeleciam “critérios de avaliação da deficiência” (Ibid., p.94) e esses, segundo a autora, serviam para que se praticasse a educação especial [...] como um “beneficio” e não como um direito adquirido, englobando como clientela, além de portadores de deficiência, alunos desviantes em termos comportamentais ou com dificuldades de aprendizagem preferencialmente tratados através de programas de reforço psicopedagógico ou psicoterapêutico. (ROSA, 1990, p. 99). Os professores poderiam encontrar na psicologia os subsídios para confirmar suas suspeitas da anormalidade do aluno. O que vem a comprovar que na trajetória das barreiras atitudinais a ciência também colaborou, e por vezes ainda coopera, com rituais que as perpetuam. De acordo com Rosa (Ibid.), todos os alunos encaminhados à escola especial precisavam ter seus sinais de “evidente excepcionalidade” reconhecidos por médicos e/ou psicólogos, a partir de queixas eminentemente pedagógicas como inadaptação ao currículo e aos métodos da classe comum. Ou seja, questões pedagógicas poderiam ser resolvidas por profissionais da área da saúde, cujo campo de ação restringia-se agora ao aluno e não mais ao ambiente escolar como definiam os higienistas. O peso conferido ao CEESP [Centro de Educação Especial] na determinação de quem são os alunos especiais da escola, e o que fazer deles, respaldado no suposto saber médico ali instituído parece contribuir para que se focalizem apenas características do aluno examinado, e não da situação escolar como elementos de diagnóstico. Questões pedagógicas como por exemplo, o que fazer para garantir a aprendizagem de alunos que diferem da média , não parecem caber neste viés de análise, talvez porque a preocupação central continue sendo “garantir a marcha geral”, como pressuposto décadas antes , e não experimentar inovações pedagógicas adequadas às diferenças individuais. As diferenças individuais do portador de deficiência são então referidas como obstáculos à aprendizagem [...] (Id. Ibid, p. 135-136). Na verdade, as referências às “diferenças individuais” dos alunos com deficiência assumiam a forma de barreira atitudinal de adjetivação, de substantivação, de rejeição, de particularização praticadas todas as vezes em que, no espaço educativo, esses alunos eram rotulados, estigmatizados, recusados explicitamente em razão da deficiência , ou numa situação não menos nociva, a 267 sociedade, utilizando-se da leitura equivocada dessas “diferenças individuais” , culpabilizava os alunos pelo fracasso escolar e praticava danosas formas de rejeição, expressas em atitudes de descaso e de invisibilidade. Em outras palavras, sob essa atmosfera, a preocupação com a acessibilidade, o desenho universal da educação, os processos e os procedimentos pedagógicos, a superação das barreiras invisíveis referidas em vários documentos legais e o como lidar com a diversidade das crianças não compunham o foco do trabalho, era unânime a compreensão, como dito anteriormente, de que apenas as características do aluno diagnosticado eram os obstáculos à “marcha geral” do processo educativo. Para combater essa educação em que a sociedade renunciava (renuncia) o singular, as características individuais e nutria (nutre) estereótipos, padronizações, generalizações e excludência, a autora sugere que no atendimento médicopedagógico os profissionais devem: [...] tirar o sintoma do centro do processo diagnóstico e passar a lidar com o aluno especial como sujeito com potencialidades e possibilidades de crescimento. O deslocamento seria, portanto, da identificação do que o aluno não tem para o que fazer para mudar a situação em que ele se encontra [...] (Id. , Ibid., p. 222). Nesse sentido, é relevante perceber que emana das palavras da autora a crença nas potencialidades das pessoas com deficiência e, ainda, nas contribuições que podem advir delas para que se projete e se efetive uma nova escola, respeitosa as idiossincrasias de todos e ao direito de cidadania. Essa compreensão é ratificada quando, mais adiante, a pesquisadora afirma que para que sejam superadas as situações de excludência na escola é necessário: “[...] a progressiva participação de deficientes e de instâncias não governamentais de interesse público, no estabelecimento de diretrizes e práticas [...]”. (ROSA, 1990, p. 235). A participação das pessoas com deficiência na construção de diretrizes e de práticas inclusivistas é indicada por Rosa (Ibid.) como algo emergente e relevante. Na verdade, a autora construiu uma percepção e texto vanguardista acerca de um princípio inegociável para todos os que estão engajados no discurso e prática inclusivista: a efetiva participação das pessoas com deficiência, o “Nada de nós sem nós”, tema escolhido pela ONU (Organização das Nações Unidas) para as reflexões 268 propostas em 2004, na ocasião do 12º ano de celebração do dia internacional das pessoas com deficiência. Esse preceito pode ser compreendido não apenas como instrumento que possibilita a efetivação de processos democráticos que se reproduzem nas instituições administrativas, políticas e judiciárias, mas também como [...] mecanismo ou dispositivo que compõe cada etapa do processo de socialização e inclusão das pessoas. Assim, não se cria espaços para garantir a participação; a participação é que resultou na criação de espaços e assim a participação é um componente e não um produto. (SANTOS, 2011, p. 2). A participação é um componente da inclusão social/educacional das pessoas com deficiência. Ele contribui para que se erradique o processo instituído socialmente de invisibilização, de negação do exercício da cidadania dessas pessoas em todas as instâncias. A pesquisadora Rosa (1990) além de defender esse princípio includente , nas conclusões do estudo que realizara, traz mais uma indicação de caminho contributivo à erradicação das barreiras invisíveis. De um lado ela apresenta que historicamente a deficiência era compreendida como “falha” ou como algo “anormal”. De outro, a partir da percepção de que essas conceituações são inadequadas, prenhes de barreiras sociais, a autora propõe que se entenda a deficiência como característica natural, comum, existente, presente na pessoa humana. Essa percepção possibilita que se pense na emergência de uma educação em que se acolha o singular na escuta, na atenção, nas atitudes e concomitantemente se tenha o universal como princípio norteador, articulado a individualidade. Possibilita ainda que se reflita sobre como aquela percepção da deficiência enquanto “falha” contribuiu para a manutenção de práticas segregadoras as quais, por seu turno, também geraram e foram guiadas por um corpo teóricoconceitual que pressupunha uma série de métodos especiais para pessoas com “déficits”. A despeito de já terem sido todos aqueles elementos apresentados, denunciados, refletidos por Rosa (1990), enquanto fatores mantenedores das 269 barreiras atitudinais, em outra pesquisa efetivada no PPGE/UFPE, em 1996, o processo de manutenção de tais fatores é constatado. Tem-se agora as políticas sociais, especificamente as de educação, em análise orientada pela professora Maria Wanderley Neves e efetivada por Tânia M. O. Nery, na pesquisa: “Ser diferente numa sociedade massificada: um estudo sobre a política de integração do portador de deficiência”. Nesse percurso de investigação, a autora parte da relação entre capitalismo monopolista e políticas sociais, especificamente políticas de educação, para compreender o processo de conquista da cidadania vivenciado pela pessoa com deficiência no período que se estende do final do século XIX a 1998. O objeto de estudo é [...] a política de educação do portador de deficiência – cego, surdo, deficiente mental e deficiente físico – correspondente a cada fase de desdobramento do processo de modernização capitalista no Brasil e no mundo até 1989, momento tomado como corte para finalizar a análise, uma vez que, no caso da sociedade brasileira, nesse ano, consolidando lutas anteriores, é sancionada a Lei nº 7.853, que ‘dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social’, e sobretudo, à mesma época, com a promulgação da Constituição de 1988, novas relações sociais começam a se estabelecer a partir da implantação do projeto neoliberal, em 1990. (NERY, 1996, p. 16). Para ampliar o campo de estudo, a autora analisa a “documentação governamental e não-governamental dentro de cada bloco histórico no mundo e no Brasil” (Id.,Ibid.). E para completar as informações, realiza “entrevistas com representantes de entidades governamentais e líderes de associações de portadores de deficiência” (Id., Ibid.). Na dissertação em comento, corroborando a percepção de Rosa (1990), a autora afirma que, em nome da “marcha geral” e da produtividade, a interação de crianças com deficiência era vista como obstáculo a aprendizagem de seus pares ditos normais. No fim do século XIX e início do século XX, na etapa inicial do capitalismo monopolista, o enfoque europeu e americano, na defesa da educação do deficiente em escolas e salas próprias, se dava em nome da ‘ordem e progresso’, tendo em vista evitar a germinação de criminosos e desajustados de toda espécie, bem como justificava-se 270 em função da criança normal, pois acreditava-se que a convivência com os deficientes atrapalharia o seu desenvolvimento. Este discurso se insere no movimento pró-infância, contra o perigo da vagabundagem das ruas, que os predisporia ao crime, ao roubo, etc. (NERY, 1996, p. 29). Percebe-se, nesse extrato, que a escola, em oposição à função que ela deveria assumir: a de promotora da cidadania e do desenvolvimento da ciência, era o lugar em que as barreiras atitudinais de subestimação, de rejeição, entre outras, tonificavam-se, prejudicando as crianças e tolhendo das que tinham deficiência o direito à igualdade de oportunidades nas experiências educativas. Esse processo engendrava, portanto, mecanismos de excludência ao selecionar e situar os alunos em lugares demarcados pela escola. Essa prática , segundo Santos (1917, p. 153 apud Nery, Ibid., p. 31), se fazia presente no discurso e nas ações seletivas vivenciadas no Brasil: Em 1917, está presente [...] a preocupação com a ordem, com um trabalho que torne os anormais capazes de produzir de acordo com o que socialmente é colocado como produtivo, isto é, para produzir mercadorias, lucro. Daí a alegação de que os anormais não devem ser parasitas. Todos devem ser aproveitados, em algum sentido, devendo a escola selecioná-los para o seu devido lugar. (Grifos nossos). Nessa assertiva, há duas possibilidades de interpretação. A primeira é a de que compete à escola “selecionar a pessoa para o seu devido lugar”, um lugar que prime pela produção, que busque aproveitar as potencialidades de cada pessoa. Essa percepção da potencialidade fragiliza aquela compreensão de que a pessoa com deficiência é incapaz de colaborar com a produção de bens sócio-culturais. Em outras palavras, o reconhecimento das potencialidades da pessoa com deficiência e a busca pela oferta de serviços acessíveis que tornem possível o desenvolvimento dessas são pilares da educação inclusiva. A segunda possibilidade de tradução daquela afirmação consiste na percepção de que a escola, como instituição reprodutora de interesses de classes, assume uma postura eugênica, ao “selecionar os alunos para seus devidos lugares”. Essa seleção optou pelo modelo de excluir a pessoa para um asilamento institucional e incitou a manutenção da barreira atitudinal de segregação, de rejeição, principalmente, quando a escola, sob a perspectiva do inatismo, do dom, 271 avalizava e rotulava as crianças como “doentes”, ”incapazes”, “típicas excepcionais” antes mesmo do ingresso delas na escolarização. Na leitura do documento, Nery (1996), esteada no discurso de Santos (1917 apud JANUZZI, 1985), ratifica essa compreensão. Logo, a autora não considera que o P.E.E. de 1977 também apresenta conceitos e entendimentos que estão na gênese da educação para todos, a exemplo, do reconhecimento de que as pessoas com deficiência são capazes, têm seus dons e potencialidades, de que são indivíduos produtivos a quem a escola deve ofertar a oportunidade e as condições de produção do conhecimento e de outros bens. As lentes com que nos idos de 1996 a autora leu/analisou o texto sinalizam, portanto, a compreensão limitante da escola enquanto instituição avalizadora da normalidade e deixam de reconhecer os avanços do discurso do MEC no que concerne ao despertar da sociedade acerca das potencialidades da pessoa com deficiência e da urgência em possibilitar que essas sejam desenvolvidas na escola e em outros campos de produção. A percepção de tais avanços é imprescindível para que se compreenda que a educação inclusiva foi sendo tecida ao longo da história da educação, da percepção dos fracassos escolares e da compreensão de que o acesso e a qualidade na formação é direito de todos. Essa tônica da educação enquanto direito constitucional pode ser percebida no discurso e nas ações do MEC. O P.E.E. de 1977, por exemplo, surgiu para atender aos debates em matéria de educação, consoante nacional e internacional. diretrizes dos planos Já naquele período, o tratamento diferenciado para a pessoa com deficiência para que se promovesse a igualdade de oportunidades marcou um discurso que ao traçar uma atuação diferente para os profissionais da educação quer assumir a tônica da cidadania: [...] essa atuação é agora, encarada não apenas em termos de ingresso no sistema educacional, mas de acesso a um tratamento diferenciado adaptado às condições pessoais desses educandos, e de ascensão até o grau de ensino mais elevado, compatível com suas aptidões. (MEC, CENESP, 1977, p. 15 apud NERY, 1996, p. 82). Mais adiante o documento acrescenta que 272 [...] igualdade de oportunidade, vista por este prisma, implica, portanto, em oferecer a cada criança todas as possibilidades de desenvolver plenamente seus dons pessoais, tais como se apresentam no momento em que ela entra no circuito da educação (Id., Ibid., p.82). Nessa afirmação, o MEC novamente reconhece a pessoa com deficiência como sujeito de potencialidades e, por outro lado, deixa a impressão de que o professor faria o diagnóstico e trabalharia consoante o dom. Em outros termos, depreende-se que há o respeito às habilidades do sujeito e que o professor seria o profissional responsável por diagnosticar e dar as condições para que o aluno com deficiência se desenvolvesse. É relevante, nesse contexto, a percepção de que no Plano de 1977 há explicitamente a ênfase no potencial humano, no dom e no reconhecimento de que existem necessidades pessoais que devem ser atendidas para que se atinja a igualdade de oportunidades. A propositura da igualdade de oportunidades e do respeito às idiossincrasias dos alunos [...] contempla a compreensão do diferente como elemento da igualdade no Estado. Ao contrário do que significa idêntico (de origem no idem), que remete ao mesmo, igual não é o antônimo de diferente. Logo, a diferença é conteúdo da igualdade, pois pressupõe um processo que decorre da construção comparativa de igualdade pela diversidade dos envolvidos, ou seja, só se pode pleitear igualdade quem não é idêntico, quem traz o diverso para as arenas políticas de ação democrática. (SANTOS, 2011, p. 8). De acordo com esse autor (Ibid.), a tomada de consciência das diferenças individuais pode desencadear reivindicações, uma nova ordem política em que a diversidade reconhecida como elemento constitutivo do gênero humano representa a força decisiva para o desenvolvimento de um projeto intercultural, inclusivista de sociedade, no qual o dom de cada pessoa deve ser valorizado. Essa perspectiva de valorização do dom e das potencialidades pode apresentar outra face, mais meritocrática e, em consequência, ser responsável por nutrir mecanismos de excludência. É sob essa ótica que Nery (1996, p.83) analisa aquela afirmação do MEC: Diante das argumentações apresentadas, duas observações merecem ser feitas: primeiramente, o Plano considera como inatas as aptidões humanas; e segundo, o Plano deixa transparecer uma 273 indução de perspectivas baixas em relação aos portadores de deficiência enquanto possuidores de dons. A análise realizada pela autora sinaliza a existência de contradições dos planos e políticas educacionais, sugere que no P.E.E. de 1977 ocorre a manutenção de barreiras atitudinais. Mas, não visualiza o que estava sendo delineado no que se refere à educação para todos. Em outros termos, o modo como Nery (Ibid.) analisa esse documento e socializa, em sua dissertação, a percepção de contradições demonstra contribuições de estudos realizados na Pós-graduação em Educação (UFPE) para que se compreenda os obstáculos cristalizados na escola, no que concerne ao processo da inclusão de todos. Mas, por outro lado, oferece uma leitura que não auxilia os possíveis leitores do estudo a perceber o momento em que a tônica da educação para todos vai surgindo nos documentos que regem a educação. A análise efetivada pela autora explicita, no entanto, os obstáculos que fizeram com que um significativo contingente de alunos advindos das camadas populares fosse adjetivado como especial. De acordo com Nery (1996, p.83), como consequência desse processo, a escola começou a oferecer [...] uma educação compensatória, relacionando crianças carentes de ordem social que, segundo esta linha de pensamento, por conseguinte, apresentariam perturbações ora de ordem intelectual ou linguística, ora de ordem afetiva, com crianças que precisam de educação especial (métodos pedagógicos adequados). A pesquisadora, assim como Bacelar (1988) e Rosa (1990), demonstra que o diagnóstico era utilizado para segregar os alunos. O ensino especial, como mantenedor desse processo, passou a ser o espaço em que os alunos, responsáveis “pelo próprio fracasso” e “pela própria incapacidade”, foram sendo agrupados. (NERY, 1996, p, 78). Assim, a ideologia do dom, consoante a pesquisadora (Ibid.), estava sedimentada no II Plano Setorial de Educação e Cultura (1975/79) e revela subjetivos mecanismos de avaliação e de manutenção de obstáculos sociais. A autora analisa que O Plano enfatiza, nas suas avaliações, que a qualidade da educação é variada por depender da capacidade de aprendizagem do aluno e 274 das possibilidades de a escola regular adequar seu desempenho a essa capacidade. (Ibid., p. 78). Essa competência de a escola se adequar ao aluno estava, segundo a autora, na esfera do contraditório discurso do Plano e não na esfera da ação. Nas palavras de Nery (Ibid., p.78-79), a breve referência à educação especial busca justificar a contradição no P.E.E. Nesse II Plano Setorial de Educação, a referência à educação especial é muito superficial. Coloca-se como obstáculos ao seu desenvolvimento a escassez de pessoal técnico qualificado e a não existência de currículos adaptados às peculiaridades das diversas categorias de excepcionais, em classes comuns. [...] O Plano não leva em conta, enfim, que não adianta adaptar currículos se não se garantir os meios, através de metodologia e material adequados, para o processo de ensino-aprendizagem destes alunos. (Grifos nossos). A autora afirma que a educação especial, com seu currículo adaptado, não estava sendo planejada e compreendida como a configuração de uma situação educacional em que as metodologias diferenciadas assegurariam a igualdade de oportunidades, garantida constitucionalmente. Consoante Nery (Ibid., p. 75), a definição de educação especial registrada no Plano tinha presente a ideia de [...] incapacidade dos ‘excepcionais’ ou, ainda, de sua ‘anormalidade’, em vez de considerar a sua diferença. Diferença essa que requer, exceto no caso dos deficientes mentais mais comprometidos, não uma adequação curricular, mas, sim, uma metodologia e meios de comunicação que garantam o acesso a esse currículo da escola regular. Evidencia-se portanto uma grande contradição, dado que ao mesmo tempo em que os portadores de deficiência são considerados cidadãos e trabalhadores, os documentos se referem aos mesmos como “excepcionais” e, além disso, consideram o seu comportamento afastado do ‘normal’ a ponto de requerer um currículo adaptado, ao invés de um currículo regular. Parece óbvio que, se o currículo elaborado para as escolas regulares é o necessário para o desenvolvimento pleno do cidadão dirigente e trabalhador, ele é necessário, também, para garantir o desenvolvimento pleno dos trabalhadores portadores de deficiência. (Grifos nossos). Depreende-se da análise realizada pela pesquisadora (Ibid.) que a substantivação da pessoa com deficiência como “excepcional” em polarização a “cidadãos trabalhadores” revela a carga estigmatizante, excludente que o tratamento da pessoa como um todo deficiente pode ocasionar. 275 As “categorias de excepcionais”, mencionadas pela autora, é outro aspecto que merece atenção, pois revela que aquele processo de substantivação/adjetivação surge imbricado a outras barreiras atitudinais que resultam na inacessibilidade à educação, à cultura, à efetivação equitativa de direitos. Destarte, é relevante que se compreenda que o processo de categorização das pessoas com deficiência conduzia a uma construção e efetivação fragilizada de currículo. Esse processo revela que as barreiras atitudinais de baixa expectativa, de inferiorização e de menos valia materializando-se em comparações entre alunos com ou sem deficiência resultavam numa adaptação curricular pensada para o grupo dos “incapazes”, dos “deficientes”. É importante salientar que essa criação e recriação de “categorias de excepcionais” indicam intenções que se situam em fatores de ordem econômica, política, cultural e histórica e servem, obviamente, de força motriz para que as barreiras atitudinais se tonifiquem e os mecanismos de excludência sejam mantidos. Em outras palavras, o padrão de normalidade instituído pela sociedade e a classificação hierarquizante de pessoas de acordo com essa padronização, fazem com que a escola assuma um modo estigmatizado de perceber a deficiência como diferença inferiorizante, deteriorante, maléfica, sinonímica de má sorte, de purgação de pecados, de anormalidade. Essa percepção da deficiência como “diferença”, quando se trata da (re)categorização de pessoas com deficiência está calcada numa perspectiva qualitativa de valoração da pessoa humana e de suas potencialidades. Em outros termos, a escola, ao (re)categorizar os alunos, coloca-os numa escala de mais ou menos inteligentes, mais ou menos capazes, mais ou menos eficientes, mais ou menos “normais”. As barreiras atitudinais advindas ou nutridas nesse processo demarcam as desvantagens e o descrédito experienciados pela pessoa com deficiência, no âmbito das oportunidades formativas situadas nos “padrões de qualidade” aos quais o Plano (1975/79) se refere. 276 Deve-se sublinhar, portanto, que aquele processo de percepção dos “níveis de comprometimento mental” e os encaminhamentos pedagógicos esteiados nele foram estudados em pesquisa realizada no PPGE/UFPE por Moreira em 1997; um período em que se analisou o surgimento do discurso “cidadania-deficiência mental”, sob a percepção de que a pessoa com deficiência estava contemplada mais na esfera discursiva do que na da experiência de tais padrões de qualidade educacional e de efetivação da cidadania. Nery (1996), em sua dissertação, considera que a categorização era fortalecida pela perspectiva higienista e sustentada pela prática do modelo médicopedagógico mantido pela precariedade de diagnósticos, que resultavam no prenúncio de que várias crianças das camadas populares tinham “deficiência mental”: Pela precariedade dos diagnósticos utilizados para triagem de alunos para classes especiais, muitas crianças de inteligência normal foram confundidas com deficientes mentais e, por outro lado, o seu encaminhamento para um tratamento especial não se traduziu na utilização de recursos e metodologias que atendessem as suas especificidades, o trabalho com os mesmos não diferiu daquele realizado no ensino regular e não possibilitou, assim, que tais crianças saíssem da situação em que se encontravam [...]. Duas explicações podem ser inferidas para a análise do fato: ou a deficiência tem relação direta com a população atendida na rede pública ou a rede pública ‘faz’ estes excepcionais em sua relação com sua clientela. (NERY, 1996, p.70-71, grifos nossos). É, pois, importante ressaltar que a análise feita por Nery (Ibid.) propõe que como a escola pública brasileira tem sido composta predominantemente por crianças, jovens e adultos das camadas sociais populares, as quais foram marcadas por uma longa trajetória de excludência e de fracassos, comumente atribui-se a sua clientela a “fatalidade da deficiência”. Corroborando esta perspectiva, Cerignoni e Rodrigues (2005, p. 27-28) enumeram fatores que constituem os motivos para que se tenha expressivo número de pessoas com deficiência no Brasil, o que justificaria o entendimento inviesado de uma relação inexorável entre pobreza, deficiência e fracasso escolar: as guerras e suas consequências , e outras formas de violência e destruição: a fome, a pobreza, as epidemias e os grandes movimentos migratórios; 277 a elevada proporção de famílias carentes e com muitos filhos, as habitações superpovoadas e insalubres, a falta de condições de higiene; as populações com elevada percentagem de analfabetismo e falta de informação em matéria de serviços sociais, bem como de medidas sanitárias e educacionais; a falta de conhecimentos exatos sobre deficiências, suas causas, modos de prevenção e reabilitação; isso inclui a estigmatização , a discriminação e ideias errôneas sobre as deficiências; obstáculos, como a falta de recursos , as distâncias geográficas e as barreiras sociais, que impedem que muitos interessados se beneficiem dos serviços disponíveis; a canalização desproporcional de recursos para serviços altamente especializados, irrelevante para as necessidades da maioria das pessoas que necessitam desse tipo de ajuda; falta absoluta ou situação precária, dos serviços ligados à assistência social, saneamento, saúde , educação, formação e colocação profissionais; o baixo nível de prioridade concedido, no contexto do desenvolvimento social e econômico, às atividades relacionadas com a equiparação de oportunidades, a prevenção de deficiências e a sua reabilitação; os acidentes na indústria, na agricultura e no trânsito, a poluição e destruição do meio ambiente; o estado de tensão e outros problemas psicossociais decorrentes da passagem de uma sociedade tradicional para uma sociedade moderna; o uso indevido de medicamentos , e o uso ilícito de drogas nocivas e estimulantes; o tratamento incorreto dos feridos em momentos de acidentes; fatores genéticos e doenças. (Grifos nossos). Ao falar dos múltiplos aspectos que podem originar a deficiência, Nery (1996), assim como os autores supramencionados, sinaliza que a falta de informação engendra a discriminação, gera barreiras sociais e “produz deficiências”. Para ratificar essa assertiva, a pesquisadora cita um trecho da Resolução nº 37, concebida pela ONU em 1982, na qual se explicita que os fatores que contribuem para o aumento do contingente de pessoas com deficiência são: [...] a falta de conhecimentos exatos sobre a deficiência, suas causas, prevenção e tratamento; isso inclui a estigmatização, a discriminação e ideias errôneas sobre deficiência; [...] obstáculos, como falta de recursos, as distâncias geográficas e as barreiras sociais, que impedem que muitos interessados se beneficiem dos serviços disponíveis; [...]. (A RESOLUÇÃO Nº 37, SUPLEMENTO Nº 53, DA Assembléia Geral das Nações Unidas, em 13 de dezembro de 1982 apud NERY, 1996, p. 48, grifos nossos). 278 Depreende-se das palavras desses três autores e do discurso da Resolução nº 37 (ONU, 1982) que a deficiência surge não apenas em razão de impedimentos congênitos ou adquiridos, nos aspectos físicos, mentais, intelectuais ou sensoriais, mas na convergência e potencialização desses com a estigmatização, a discriminação enfim, com as barreiras sociais vivenciadas pela pessoa com deficiência. (Decreto Legislativo 186- 09/07/2008 – Decreto nº 6.949 – 25/08/2009 – CDPC). Assim, é relevante esclarecer que a relação que se faz, como indica Nery (1996), da deficiência com a população atendida na escola pública, é, na verdade, um contundente exemplo de efetivação de barreiras atitudinais, sustentadas pela discriminação múltipla. Quando, contudo, a pesquisadora sugere que se pense numa segunda alternativa que justifique os mecanismos de excludência escolar mantidos pelo modelo médico-pedagógico, ela propõe que se reflita se “a rede pública ‘faz’ estes excepcionais em sua relação com sua clientela”, ou seja, a reflexão transita necessariamente pela percepção da articulação entre a discriminação às classes populares e o fracasso escolar. Em outros termos, o processo instituído com o sentido de justificar a evasão, a repetência e os insucessos da e na escola passa a restringir-se à averiguação de quem são, na ótica da escola, “os deficientes”. Esse movimento expressa claramente momentos em que o senso comum e a ciência servem à manutenção de barreiras atitudinais, à obstrução da efetivação de direitos. A construção social da deficiência sustenta-se, pois, na ambivalência da escola, posto que, as pessoas-alvo da justificativa do fracasso escolar são recebedoras de um discurso e de uma prática aportados no princípio da igualdade, o qual na práxis escolar é efetivado através do tratamento homogêneo que subordina a pessoa à exaltação (barreira atitudinal de supervalorização) ou à ocultação de uma de suas particularidades (barreira atitudinal de negação). Esse processo de manutenção de barreiras atitudinais encontra eco no âmbito laboral, em que pessoas com deficiência foram excluídas, por exemplo, nas 279 situações em que era necessário modificar os espaços ou formas de trabalho para inseri-las. Nesse contexto, Nery (1996, p.33) observa que [...] adaptar um trabalhador portador de deficiência sensorial, motora ou mental requer adaptações nas formas de trabalho ou nos locais de trabalho. Isso contribuiu para que, inicialmente, os portadores de deficiência permanecem excluídos do processo de trabalho. A exclusão das pessoas com deficiência nos espaços escolares, de empregabilidade entre outros campos sociais contribuiu para que fosse criada a Organização das Nações Unidas (ONU), na Conferência de São Francisco (1995). Desde então, consoante Nery (Ibid., p.35), a ONU, objetivando combater o processo de exclusão e ampliar a efetivação de direitos, vem sendo responsável por pressionar os países [...] quanto aos direitos humanos, direitos das crianças, direitos dos Portadores de deficiência. E tem, também, contribuído no trabalho de mudança na concepção de portador de deficiência, visto que a maior dificuldade enfrentada por eles é o preconceito disseminado a respeito das suas condições de desenvolvimento enquanto ser produtor e criador. (Grifos nossos). Em outras palavras, as barreiras atitudinais foram percebidas pela ONU e indicadas pela pesquisadora como fortes entraves que prejudicam, deterioram a dignidade, a autonomia, a independência, o empoderamento, a socialização, o desenvolvimento de potencialidades, a produção social, cultural, política e econômica da pessoa com deficiência. É, pois, sob o manto da defesa dos direitos humanos, incitada pela ONU, que, segundo Nery (Ibid.,p.35), a sociedade começa a repensar as atitudes sociais geradas na tensão igualdade/diferença. Nesse contexto, conforme a autora, desponta a busca por atitudes positivas: As atitudes positivas com relação aos portadores de deficiência, aos loucos, as crianças carentes, embora não apareçam como reparação de um erro histórico, aparecem associadas a um maior questionamento e engrandecimento do conceito de DIREITOS HUMANOS. A pesquisadora, retomando o discurso apregoado pela ONU, ratifica que a cidadania da pessoa com deficiência só será uma verdade quando os obstáculos sociais forem removidos e as atitudes positivas estiverem, ao mesmo tempo, na base e no cume das práticas sociais. 280 Dentre as atitudes positivas, a autora, ao referendar documentos construídos pela Organização das Nações Unidas, defende a emergência do tratar diferentemente as pessoas para igualá-las em condições e em direitos: No documento da ONU nº A/34/158, de 13 de junho de 1979, a ONU propõe, como mudanças emergenciais necessárias com relação à cidadania dos portadores de deficiência, que [...] as pessoas com deficiência devem ter o mesmo direito que qualquer cidadão ao beneficio de serviços prestados pelos Estados e Sociedades em geral a seus cidadãos. Pessoas portadoras de deficiências deveriam ser consideradas cidadãs comuns, com problemas especiais, em vez de uma categoria especial de pessoas com necessidades diferentes daquelas de outros cidadãos. “Plena participação” deveria ser entendida como participação em todos os aspectos da vida comunitária, em atividades políticas, econômicas, sociais, culturais e esportivas. Assim, medidas que forem necessárias para tornar essa participação possível deveriam ser adotadas e colocadas em prática. Foi reconhecido que os obstáculos mais detectados para a plena participação são as barreiras físicas, os preconceitos, as atitudes discriminatórias e que atividades devem ser desenvolvidas para ter esses obstáculos removidos. Foi também reconhecido que a sociedade, ao desenvolver seus ambientes modernos, tende a criar novas e adicionais barreiras, a menos que requisitos de pessoas portadoras de deficiência sejam levados em consideração nos estágios de planejamento. (ONU, 1979 apud NERY, 1996, p. 43, grifos nossos). A significação desse documento, incorporada ao contexto educacional, indica e defende que a plena participação dos alunos com deficiência na escola está vinculada a erradicação das barreiras sociais, as quais nulificam, entre outros princípios inclusivistas, o tratar diferentemente os desiguais para igualá-los em oportunidades. Nery (Ibid.) cita aquele documento da ONU para relatar que as pessoas com deficiência começaram a fazer conhecer seus pontos de vista aos que detinham o poder de decisão. Logo, foi também a partir das contribuições da própria ONU que a sociedade civil organizada começou a mudar o comportamento, a contribuir para a eliminação daquelas barreiras. Contudo, a ambivalência da sociedade continua tecendo na escola novas categorias de “deficientes” e baseada na seletividade dos mais aptos faz surgir a classificação “deficientes mentais periféricos ou leves”. A partir desse ponto, o discurso “cidadania-deficiência mental” se instala no Brasil e em Pernambuco tem-se a pesquisa realizada por Fabiana Wanderley de Souza Moreira (1997) no 281 PPGE/UFPE, a qual traz o registro das contradições desse discurso germinado e fortalecido em Pernambuco no final da década de 80 e início da de 90. A pesquisa orientada pelo professor Flávio Brayner, intitulada “Expressões e silêncios do discurso cidadania-deficiência mental - Uma abordagem históricodiscursiva do Plano Estadual de Educação – PE/ 1988-1991”, surge, então, aportada ao eixo teórico do conceito de episteme de Michel Foucault, respaldado pelo instrumental histórico-discursivo; e com o intento de “apreender os elementos dinâmicos das políticas e das práticas discursivas sobre educação para portadores de deficiência no Brasil” e de “retraçar o sentido da intervenção estatal no âmbito da Educação Especial, com um enfoque na política definida nos anos 80, especialmente em Pernambuco (1988-1991)”. (MOREIRA,1997, p. 7) Fabiana Wanderley S. Moreira, sob a percepção do desencontro entre o discurso da cidadania, respaldado institucionalmente, e a efetivação dos direitos humanos que o conforma, constata que os indivíduos com deficiência intelectual são colocados no bloco dos excluídos, junto a outros sujeitos cujas idiossincrasias de natureza econômica, cultural e psicológica eram igualmente reduzidas, fazendo os primeiros pertencentes à massa dos desabonados, dos marginalizados. Essas evidências mobilizaram a autora a construir o instrumental de abordagem do universo da pesquisa: “instituições e escola especial para portadores de deficiência mental da cidade do Recife” (Id., Ibid., p.19 e p.108), situando estritamente o estudo na realidade da Educação especial em Pernambuco, no período da 2ª gestão de Arraes. Esse caminho sócio-político de construção do cenário da pesquisa foi escolhido em razão do entendimento de que “[..] o discurso governamental se filiava ao discurso da cidadania, o qual possuía características especiais, ao criar a ideia dessa cidadania ser exercida por todos indistintamente”. (MOREIRA, 1997, p. 109). Em outros termos, a apreensão da intencionalidade do discurso político na gestão de Arraes gerou, consoante a autora, “o interesse de saber se era possível e de que forma integrar o D.M. no elenco dos excluídos, que podiam exercer virtualmente uma cidadania real nos mesmos moldes de outros tipos de clientela.” (Id., Ibid.). 282 A dissertação em estudo, construída sob a interrelação entre a Educação e a Psicologia, coloca a escola autoritária e reprodutora de contradições sociais como foco de análise, de pesquisa e de reflexão. Na efetivação concomitante desses três processos, Moreira (Ibid., p.17) menciona o objetivo teórico-discursivo e empírico do Plano de Educação do Estado de Pernambuco (Doravante, P.E.E./PE) de 19881991: [...] a Política de Educação do Estado de Pernambuco, através do Plano Estadual 1988-1991, propunha resgatar a cidadania como uma de suas metas básicas e visualizava a Educação não só como “espaço escolar”, mas como universo complexo de relações entre os indivíduos. Nesse contexto, as ações eram direcionadas para garantir o acesso da população a uma escola pública de qualidade, como também investir na democratização dessa escola, por reconhecê-la autoritária e reprodutora de contradições sociais, e transformá-la num elemento constituinte dos direitos de cidadania, extensivo aos portadores de deficiência. A operacionalização do Plano contemplava a tríade família - comunidade - escola, através de ações que promoviam a discussão em torno dos direitos do indivíduo portador de deficiência, na tentativa de melhor compreender e intervir na realidade. (Grifos nossos). Depreende-se que esse Plano pretendia promover a construção de um espaço educativo em que as atitudes, o universo complexo de relações humanas, germinado e/ou acolhido na escola, estivesse sob o entendimento de que tais relações geradas e tonificadas na interação família, comunidade e escola deveriam conexar o princípio da cidadania. Essa tríade mencionada no P.E.E./PE (1988-1991) coloca em primeiro foco a família e a comunidade por serem essas instâncias as primeiras a contribuírem com a formação identitária do aluno. A escola, como espaço promotor de atitudes reflexivas, emancipatórias, políticas, surge como terceiro e último pilar. Colocados lado a lado os componentes dessa tríade interatuam e situam-se na base da inclusão social e educacional. (LIMA, 2009). Na dissertação em análise, a autora discute como a família e a escola se aproximaram da prática discursiva política que tentava articular cidadania e “deficiência mental” e mostra como, em alguns momentos, tais instituições sociais polarizaram-se a essa tônica, em razão de obstáculos sociais advindos da manutenção do modelo médico-pedagógico. Acerca desse modelo, a pesquisadora afirma: 283 No século passado, a partir da criação de institutos especializados para D.M., as práticas discursivas receberam influência maciça de um modelo médico/psicologizante, impregnado das concepções de invalidez, anormalidade e excepcionalidade. Essa perspectiva começou a cristalizar a concepção da educação especial como espaço de aglutinação dos ‘diferentes’ e desviantes na escola e trouxe como consequência a negação da escolarização universal, justificada como decorrência natural de diferenças biológicopsicológicas. Dessa forma, a educação especial pode ser considerada, em muitos momentos, como uma modalidade pedagógica e de assistência a saúde. Junto com esse tipo de prática, pode-se supor que é introduzido, nas escolas, o discurso médico. Ele é construído numa complexa dinâmica econômica e política na qual se expressam interesses e o poder de diversas classes sociais e posto a serviço da estruturação simbólica, extensiva a todo o sistema escolar, das representações de saúde e de doença, delimitando os seus respectivos campos de manifestação. O aluno especial parece figurar como representante legítimo da ‘doença’ e que precisa ter seu comportamento disciplinado através da instauração de um método, e, para dizer melhor, de um discurso sobre a doença. (MOREIRA, 1997, p. 106, grifos nossos). A autora, ratificando compreensões registradas em outras dissertações aqui analisadas, afirma que um dos prejuízos advindos do modelo médico-pedagógico é a negação da escolarização universal. Nesse contexto, a barreira atitudinal de rejeição e o consequente processo de segregação escolar eram justificados em nome das “diferenças naturais”, ou seja, do processo metonímico-social (o qual sustenta barreiras atitudinais de substantivação e/ou de adjetivação) em que a deficiência é compreendida como diferença inferiorizante/polarizante e assume fórum de doença. A aglutinação dos alunos com deficiência sustentava-se, pois, na ênfase à perspectiva individual do fracasso escolar em que se elege, segundo Mcdermott et.al. (1996) citados por Wanderley (2010, p. 66), “um grupo de aspectos individuais (a mente, o cérebro, o estado emocional, as deficiências) para explicar a performance do sujeito no meio escolar”. Esse processo engendrou barreiras atitudinais de baixa expectativa, de inferiorização e de menos valia quando, segundo essa autora, a educação oferecida àqueles alunos, sob uma perspectiva médica, produziu desabilidades e impossibilidades, construindo, perversamente, o espaço, a cultura, a educação para e dos “incapacitados”. 284 A fundação desse sistema de manutenção de uma classe de alunos deficitários estava sob a análise dos dirigentes que atuaram na 2 ª gestão de Arraes. Eles, a partir do P.E.E./PE (1988-1991), objetivavam que o professorado “caminhasse no sentido de formar ‘consciências críticas’, rompendo com a prática pedagógica que tentava normalizar o D.M., ou seja, tratar o desigual como se igual fosse”. (MOREIRA, 1997, p. 183). Na ótica da inclusão, o “tratar o desigual como igual” não significa negar a deficiência, homogeneizar, padronizar pessoas, mas consiste em compreender que a igualdade, na esfera político-institucional e jurídica, traduz-se em tratar desigualmente os indivíduos para garantir a legítima e equitativa participação deles na produção do direito, de modo que os destinatários se percebam como protagonistas sociais (SANTOS, 2011). Nesse contexto, a Educação, ao priorizar a formação da consciência crítica e a atuação político-social, precisa se desvencilhar do legado de impossibilidades advindas do modelo médico-pedagógico e fixadas no aluno com deficiência. Esse legado tende a se esmaecer a partir da década de 80. Consoante Moreira (1997), é nesse momento que o debate sobre a deficiência, situado concomitantemente no campo médico, pedagógico e no campo político, vai tornar, cada vez mais, a educação especial uma modalidade pedagógica “definida de acordo com diretrizes de políticas educacionais e afastando-se, assim, da tradição médica” (Id., Ibid., p. 107). O discurso político surge, então, como um elemento que busca consolidar o espaço da cidadania para a pessoa com deficiência. O discurso de que todos os cidadãos são iguais e, portanto, ninguém deve ser excluído do convívio social foi uma ideia (sic) bastante difundida na política educacional do governo Arraes, que pretendia expandir a educação a todos os contingentes sociais excluídos. Esse discurso foi abraçado pelos profissionais que atuavam na educação especial desse período, mas não podemos dizer que foi suficientemente capaz de extirpar a perpetuação dos estigmas sociais que muitos desses profissionais continuavam a reproduzir, à medida que diagnosticavam pela aparência (‘já dava para ver’) e anunciavam que o D.M, não poderia aprender (‘é um fenômeno um mongol aprender a ler’). Assim parece-nos que nos mesmos mecanismos que produzem os estigmas diferenciadores na sociedade produzem essa idéia de integração, através do discurso de que ‘todos os cidadãos são iguais, inclusive o deficiente mental’. (MOREIRA, 1997, p. 211, grifos nossos). 285 O P.E.E. (1988-1991) sublinha, portanto, a necessidade de, através do discurso que articula “cidadania e deficiência mental”, reconhecer as pessoas com deficiência intelectual enquanto cidadãos, partícipes da sociedade, por exemplo, por intermédio da profissionalização. Contudo, de acordo com a pesquisa efetivada por Moreira (1997), este Plano não conseguiu mobilizar atitudes consonantes com o que ele apregoava. Vale destacar, então, que a tônica do discurso do P.E.E./PE (1988-1991) “todos os cidadãos são iguais e, portanto, ninguém deve ser excluído do convívio social” elege a igualdade de pessoas como mecanismo para “expandir a educação a todos os contingentes sociais excluídos”. Assim, a transformação social e educacional podem não ter sido alcançadas porque a igualdade de pessoas e a igualdade entre as pessoas são constructos distintos. O primeiro, ao supor que pessoas diferentes são idênticas, sugere o apagamento de identidades, a homogeneização e polariza-se ao entendimento de que A consciência do direito de constituir uma identidade própria e do reconhecimento da identidade do outro traduz-se no direito à igualdade e no respeito às diferenças, assegurando oportunidades diferenciadas (equidade), tantas quantas forem necessárias, com vistas à busca da igualdade. (MEC/SEESP, 2001). O segundo, situado na ótica da inclusão, sugere uma transformação social em que a revolução consiste em entender que o fato das pessoas serem todas diferentes é o que as torna igualmente humanas e detentoras de direitos. (LIMA, 2006). Como esclarece D’Adesky, (2003, p. 1) Todos são considerados iguais em referência a qualidades constitutivas da natureza humana como a razão, a responsabilidade moral, a liberdade. Nesse sentido, a igualdade supõe que consideremos as pessoas diferentes como equivalentes, mas não forçosamente idênticas. De acordo com essa lógica, as desigualdades de condição social existem, devendo ser eliminadas ou corrigidas mediante um tratamento igualitário. Esse tratamento igualitário para que seja real, tem que ser relativo, ou seja, deve considerar que [...] as pessoas são diferentes, têm necessidades diversas e o cumprimento da lei exige que a elas sejam garantidas as condições apropriadas de atendimento às peculiaridades individuais, de forma 286 que todos possam usufruir as oportunidades existentes. Há que se enfatizar aqui, que tratamento diferenciado não se refere à instituição de privilégios, e sim, a disponibilização das condições exigidas, na garantia da igualdade. (MEC/SEESP, 2004). A igualdade é um elemento que esteve na centralidade das discussões sobre cidadania propostas no P.E.E. (1988-1991). Moreira (1997) afirma que apesar do discurso em prol desse tema ter sido bem aceito pelos profissionais que atuavam na equipe dirigente da 2ª gestão Arraes, na equipe de triagem ou na equipe pedagógica as atitudes continuavam ritualizando processos fortemente vivenciados sob a tônica da compreensão médico-pedagógica. Esses processos, ancorados num diagnóstico perverso e sem sentido, nutriram barreiras atitudinais de ignorância, de estereótipos, de baixa expectativa, de inferiorização e de menos valia ao passo em que o diagnóstico, ao anunciar a incapacidade dos alunos, avalizava-os como improdutivos e impunha a condição de não cidadãos. O desejo de marcar o estatuto da cidadania para a pessoa com deficiência é revelado numa cuidadosa operação discursiva materializada no P.E.E. /PE(19881991), na qual o ressoar atitudinal de seus operadores evoca o tempo da excludência, por vezes aludido de forma oblíqua, conferindo sentido e legitimidade à história pessoal, marcada por estereótipos e por estigmas, os quais vêm constituir obstáculos sociais. Falando do efeito desses obstáculos, Denari (2006, p. 209) esclarece que [...] são de caráter atitudinal, isto é, aqueles que dão corpo e forma à visão preconceituosa e estereotipada das pessoas deficientes, especialmente com deficiência mental, que implica na não integração destas nos diversos contextos da comunidade onde devem ser exercitados seus direitos e deveres enquanto cidadãos; e, ainda, onde deve ser experienciada a sua realização pessoal; e, finalmente, onde se deve exercer a responsabilidade individual num contexto interindividual [...]. A respeito da cidadania das pessoas com deficiência intelectual, Moreira (1997) diz que o paradoxo: a formação de um corpus discursivo político de conhecimento sobre a cidadania é paralelo e não necessariamente oposto ao passado de excludência, de condição sub-humana a que as pessoas com deficiência intelectual foram submetidas. 287 Ao refletir sobre esse processo, Moreira (1997) abre um campo rico para que se perceba as barreiras atitudinais materializadas no discurso do P.E.E./PE (19881991) e nas atitudes dos técnicos em educação especial, dos médicos, da equipe de triagem, do professorado, dos pais, de integrantes de associações de pessoas com deficiência e da própria equipe dirigente na 2ª e na 3ª gestão Arraes. Como se verá mais adiante, nessa circunstância, nem a própria pesquisadora esteve livre de tonificar os obstáculos sociais, seja quando ela deixou de sinalizar a existência deles no discurso desse Plano ou na fala de processo de manutenção da educação especial, pessoas envolvidas no seja quando ela (a autora), trouxe construção discursiva que inconscientemente demonstra tais barreiras. Assim, no próprio P.E.E./PE (1988-1991), a despeito das contribuições para que se assegure a educação da pessoa com deficiência, é possível identificar barreira atitudinal de particularização, quando esse afirma que é de competência dos professores “contribuir para que essas crianças pudessem exercer, dentro de seus limites, a cidadania” (P.E.E. 1988-1991, p. 28 apud MOREIRA, 1997, p. 188, grifos nossos). O modo restritivo de referência as capacidades/potencialidades das crianças com deficiência (“dentro de seus limites”), contraditoriamente ao que o Plano propõe no âmbito geral, nessa passagem/orientação prega que há limites para o exercício da cidadania. Logo, a barreira atitudinal de particularização encontra terreno fértil para se vivificar. Essa barreira é danosa ao processo de escolarização da pessoa com deficiência porque, entre outros prejuízos, ela traz o apagamento do reconhecimento de que cada criança, com ou sem deficiência, aprende do seu jeito, participa da produção de bens culturais a seu modo, sendo esta uma condição de todos os indivíduos, não apenas da pessoa com deficiência. E, portanto, não devendo ser particularizada em função da existência de uma deficiência. A defesa de que as crianças com deficiência podem exercer, “dentro de seus limites”, a cidadania remete ao fato de que na escola [...] as práticas de ensino, pelo menos teoricamente, exigem dos professores, ações voltadas para promover a aprendizagem de todos os alunos. Com relação aos que têm deficiência mental, geralmente essas práticas deixam de ser vivenciadas, amparadas no 288 discurso das dificuldades que os mesmos apresentam sem ser considerada a questão da falta de disponibilidade de recursos humanos ou materiais, que possam viabilizá-las. (MARTINS; DANTAS, 2009, p. 173). Logo, uma educação particularizante, com o enfoque voltado para os “limites”, traz, obviamente, nas atitudes docentes a materialização da crença na incapacidade, o que pode resultar em desmotivação no aluno e no próprio professor. Essa particularização parece não ter sido percebida por Moreira (1997, p.171) ao analisar o P.E.E./PE (1988-1991). Mesmo quando reproduzida na fala de um dirigente ao comentar o referido documento: [...] Resgatar a cidadania do brasileiro e do portador de deficiência muito mais por existir o preconceito pelo portador de deficiência. O P.E.E. tentava passar a visão que você tinha que se envolver com o deficiente mental é o envolvimento da família e do amor, por conta das limitações dele, você tem que ter mais paciência, maior cuidado , maior trabalho. Acredito que é possível articular cidadania e deficiência mental a partir da aceitação do deficiente mental e do respeito da pessoa humana. (Grifos da autora). A expressão pessoa humana, utilizada pelo entrevistado, remete-se ao reconhecimento de que as pessoas com deficiência intelectual foram consideradas pertencentes a uma classe apartada da espécie humana e precisavam ser “resgatadas”, daí a pertinência desse termo, aparentemente redundante. Nesta linha argumentativa, Lima (2006, p. 55) esclarece que: A pseudo-redundância da expressão “pessoa humana” se faz necessária, visto que nem todas as pessoas , no modelo social em que vivemos, são tratadas como humanos. Pelo contrário, há bem mais pessoas sendo tratadas como algo menos que animal que como humanos dotados dos direitos humanos. Conclui-se, então, que o termo “pessoa humana”, no campo dos direitos, se faz necessário e assume relevante sentido para que a sociedade brasileira reconheça uma dimensão inerente a todo o indivíduo e fortaleça o princípio e regra Constitucional presente na ordem jurídica. Quanto ao discurso do entrevistado, ele demonstra que o “resgatar”, o “conseguir de volta” a efetivação da cidadania das pessoas com deficiência é uma tônica que surge aportada ao reconhecimento de que as barreiras sociais são a causa do impedimento da vivência da cidadania. Contudo, na interpretação do 289 P.E.E./PE (1988-1991), o dirigente fortalece esses obstáculos. Moreira (1997, p.171) analisa a fala desse profissional: O depoimento transpõe-nos à própria história das instituições ditas ‘especiais’, instituições essas que têm sido marcadas, como nos mostra Hickel (1992), como espaço de “guarda” e “assistência”. Por isso, encontramos no discurso do nosso entrevistado expressões como: ‘paciência’, ‘amor’, ‘cuidado’ , como pré-requisitos qualitativamente capazes de habilitar o profissional a lidar com o D.M. Essas expressões , antes de tudo, demarcam o lugar social das escolas especiais, as quais faziam a apologia do desdobramento da capacidade humana de comiseração , com a qual também se acobertou , na concepção de Hickel (1992:55): ‘ o perverso tom da exclusão e da perversão’. A perspectiva assistencialista, paternalista, ancorada no modelo caritativo da deficiência, se faz presente no discurso do entrevistado e é identificada pela pesquisadora. Na análise discursiva, Moreira (Ibid.) indica a existência da barreira atitudinal de piedade, a qual pode gerar a barreira atitudinal de compensação e constituir um mecanismo de negação da cidadania ao incitar o protecionismo, a caridade em detrimento da oferta de condições de acessibilidade e de empoderamento das pessoas com deficiência intelectual. No atendimento a essas pessoas, segundo o entrevistado, surge a necessidade de “mais paciência, maior cuidado, maior trabalho e amor por conta das limitações”. Esse discurso sustenta-se, portanto, numa dinâmica restritiva à pessoa com deficiência intelectual. Logo, difunde a barreira atitudinal de particularização. A ênfase nessa condição particularizante fortalece as barreiras atitudinais e se faz presente no discurso dos professores entrevistados por Moreira (1997, p. 181): (...) Eu acho que, para lidar com o D.M., é preciso paciência, compreensão, saber alguma coisa e compreender e procurar atender, dentro do possível, a carência das crianças, porque eles têm carência afetiva muito grande. Para lidar com o D.M. é preciso muito amor, muita dedicação e despojamento. Você tem que oferecer o seu corpo. Tem que oferecer seu espaço, teu amor, tudo. Precisa, antes de tudo, amor. (Grifos nossos). 290 Os profissionais entrevistados demonstram crer no mito de que as pessoas com deficiência intelectual são sempre muito dóceis, carinhosas e precisam de mais afeto. Essa barreira atitudinal de estereótipo precisa ser posta em xeque, pois as pessoas com deficiência intelectual não são mais ou menos dispostas ao afeto. Elas, simplesmente, como quaisquer pessoas podem ser carinhosas e apresentar ou não carência afetiva. No discurso desses professores, a barreira atitudinal de particularização surge como um condicionante do atendimento educacional destinado à pessoa com deficiência intelectual. Ainda se depreende dessas falas que as barreiras sociais comprometem até a formação continuada do professor, pois, sob o manto dessas barreiras, surge o equivocado entendimento de que o fator central no processo de ensinoaprendizagem é que o profissional seja uma pessoa sensível, afetuosa para trabalhar com o aluno com deficiência intelectual. Obviamente o afeto no processo de ensino-aprendizagem é relevante, contudo, não é o elemento motriz e exclusivo para que se alcance a desejada qualidade educacional e a equidade de direitos. Moreira (1997, p.181), ao analisar esses discursos, demonstra resultados da prática dessas barreiras no processo de escolarização da pessoa com deficiência intelectual: Podemos observar que a concepção de educação especial que subjaz a esses discursos parece revestir-se de uma conotação de “favor” e “concessão”, o que gera a permanência, em muitos momentos, de uma prática pedagógica com um viés meramente assistencial, em detrimento de uma linha mais voltada para o aspecto educacional. Esse viés assistencialista, como vimos, perpassou toda a história da educação especial brasileira e começou a se formar a partir da criação das instituições para deficientes que, através de uma política de ‘favor’, como nos mostra Coutinho (1980), oferecia abrigo e proteção a uma parcela da população. Cumpria, assim, com a função de auxílio aos desvalidos, isto é, àqueles que não possuíam condições pessoais de exercerem sua cidadania. Pode-se inferir, a partir da afirmação da pesquisadora, que muitos discursos (re)produzidos na escola constituem a prática de uma pedagogia assistencialista. Para erradicar a fonte dessa problemática é preciso que a sociedade compreenda que efetivação de direito não é favor. Logo, a educação é obrigação do Estado e 291 responsabilidade de todos os sujeitos sociais envolvidos no processo de produção e de difusão da cultura. O assistencialismo, baseado numa avaliação antecipada e incoerente acerca das potencialidades da pessoa com deficiência (barreira atitudinal de baixa expectativa), servia à cristalização do atendimento profético prestado a essas pessoas nas unidades de triagem, nas educacionais e nas destinadas à profissionalização. Na análise do discurso da categoria professores, Moreira (1997, p. 189) afirma que “todos os entrevistados acreditavam, veementemente, num modelo de educação especial voltado para o resgate do deficiente mental como cidadão”. A autora estratifica a fala de uma professora: Eu trabalhei essa relação na parte de profissionalização. Deveria ter um grupo de pessoas que ajudasse esses meninos a lavar um carro, por exemplo, para ele ter uma profissão. Porque eles nunca vão aprender a ler ou escrever, então pelo menos ensino essas coisas para torná-lo capaz de entrar na sociedade. Na gestão Arraes trabalhava em oficinas pedagógicas, ensinando culinária (...). Os melhores nós já conseguimos tirar daqui, inclusive profissionalizar. (Id. Ibid. Grifos da autora). A pesquisadora pondera: “Os fragmentos do discurso apresentam o elemento ‘profissionalização’ como propulsor de uma educação especial que intencionava elevar o D.M a um patamar de cidadania”. (Id., Ibid., p. 190). Moreira (Ibid.) percebe que a profissionalização é considerada como a propulsora da educação especial. Mas o discurso do entrevistado revela mais que isso, demonstra que para ser inserido na sociedade a pessoa com deficiência deve mostrar que é capaz de produzir e precisa fazê-lo. O entrevistado, em seu discurso, também traz à tona o processo perverso de reexclusão. Na fala: “Os melhores nós já conseguimos tirar daqui” fica nítida a prática da reclassificação de pessoas na educação especial. Nessa dinâmica meritocrática, muitos alunos experienciaram a barreira atitudinal de inferiorização e de rejeição. A primeira, sustentada pela ação comparativa dos que participaram do processo; a segunda, destino fiel dos sobrantes. 292 Padilha (1997, p. 11) indica que “apesar da mobilidade e fragilidade de fundamentos teóricos, é grande o poder das instituições existentes para avaliar, julgar, decidir sobre a vida escolar das crianças” e sobre o futuro desempenho e atuação profissional. Nessas instituições, o professor despreparado podia, portanto, julgar a capacidade da clientela do ensino especial desvalorizá-la, subestimar sua capacidade de aprendizagem e de adaptação. (MOREIRA, 1997). Essas considerações permitem indicar algumas pistas reveladoras dos critérios para o encaminhamento de crianças às classes especiais. Na classificação da criança como deficiente mental, pelos documentos oficiais que orientam a organização e funcionamento da educação especial, delineia-se a concepção de desenvolvimento e aprendizagem na qual as deliberações se baseiam: a impossibilidade para aprender está, definitivamente, no indivíduo - algo dentro dele determina as possibilidades. Se seu desenvolvimento acontece/está acontecendo de maneira limitada, reduzida, lenta, isto explica sua dificuldade ou seu insucesso para aprender. Desta forma, os testes, aqueles que medem o que cada indivíduo conseguiu desenvolver/aprender, é que falarão mais alto quando da necessidade de se optar ou não pela retirada das crianças de suas classes regulares para que comecem a frequentar as classes especiais. (PADILHA, Ibid., p.11). Os critérios, situados num cenário de equívocos acerca das potencialidades da pessoa com deficiência intelectual, ao serem efetivados pela equipe de triagem, chegam até as famílias e à escola, são reproduzidos e considerados como verdade incontestável, fortalecendo assim a difusão das barreiras atitudinais. Na análise do discurso da categoria “pais de alunos portadores de deficiência mental”, Moreira (1997) reflete sobre o atendimento médico e o processo de triagem pelo qual as crianças passavam em companhia dos pais. A autora reproduz depoimentos de mães de alunos: Ele teve uma febre e levei no posto, aí a doutora disse para outra: olha, fulana, um mongolzinho. Aí eu disse: isso é uma doença. Aí ela disse que sim. Só que não imaginava que era tanto trabalho [...]. (Id.,Ibid., p. 203, grifos nossos). A pesquisadora avalia: Nos fragmentos discursivos, podemos perceber que esses rituais de exclusão se iniciam quando médicos, psicólogos e pedagogos taxam 293 a criança de ‘mongol’ e portadora de ‘distúrbio de comportamento’. (Id.,Ibid., p. 204). Considerando o discurso da entrevistada e a análise da pesquisadora, podese identificar que alguns médicos transformaram a deficiência em inferioridade e/ou em algo contagioso como uma doença. Em outros termos, o nível de entendimento que os profissionais que atuavam na triagem demonstravam ter sobre a deficiência e a forma como os equívocos, as barreiras atitudinais se cristalizaram através do discurso médico, inscreveram as pessoas com deficiência intelectual num longo e histórico capítulo de exclusão social. O elemento surpresa na fala da médica (“Olha, fulana, é um mongolzinho”), reproduzido no discurso mnemônico da mãe, assinala que nas posturas dos profissionais da saúde estavam presentes barreiras atitudinais de piedade, de substantivação entre outras, as quais eram difundidas no atendimento, chegando até aos pais que poderiam dar continuidade ao processo de reprodução e tonificação das barreiras sociais. Nesse caso, percebe-se que, um movimento cíclico, tonificador das bases da exclusão, aquela confusão entre deficiência e doença se instala no discurso médico, gera entendimentos equivocados que alcançam as escolas e as famílias, e essas instituições, num processo de internalização e propagação, através do discurso e das ações, engendram ou fortalecem barreiras atitudinais de superproteção, de adoração do herói, de compensação etc., as quais certamente deterioram as possibilidades de efetivação do empoderamento das pessoas com deficiência intelectual. Esse processo pode ser identificado em outras situações registradas e analisadas por Moreira (1997, p. 206): A doutora que fez o teste disse logo para mim: ‘olhe, é um fenômeno um mongol aprender a ler. [...] Essa escola é boa, o meu filho nem precisou fazer teste que tem aí. Quando a doutora viu, disse que não precisava fazer o teste, já dava para ver”. (Grifos da autora). 294 A partir desses discursos, novamente, é perceptível que, no atendimento médico, as barreiras atitudinais encontravam terreno fértil para se reproduzirem e surgiam tão imbricadas que, muitas vezes, a barreira atitudinal de baixa expectativa levava à expressão da barreira atitudinal de adoração do herói, como se percebe em: “olhe, é um fenômeno um mongol aprender a ler”. Nesse contexto, vale também refletir que o destaque à deficiência, em detrimento ao todo da criança, surge carregado da equivocada ideia da incapacidade; a substantivação da deficiência “mongol”, “mongolzinho” etc. ilustra esse perverso processo. O uso do diminutivo acentua a piedade e o processo de infantilização, reforça a imagem pueril a qual, segundo Bastos (2005), é atribuída à pessoa com deficiência intelectual ao longo da vida quando lhes é negado o direito de crescer. A partir da análise daqueles discursos e procedimentos dos profissionais da triagem, Moreira (1997, p.207) afirma: As concepções dos profissionais da triagem expostas nesses discursos permitem-nos perceber que muitos erros de diagnóstico se devem não apenas à imperfeição técnica dos métodos e instrumentos, mas à compreensão distorcida da própria natureza da subnormalidade. Nos fragmentos discursivos expostos anteriormente, encontramos a evidência desse desconhecimento quando um dos entrevistados, a priori, já anuncia a “não aprendizagem” e o “não desenvolvimento” da criança portadora de deficiência, em detrimento, inclusive, das virtualidades que subjaziam a essa normalidade. Esse desconhecimento também é explicitado quando se colocam crianças com dificuldades de aprendizagem no ensino especial e quando a equipe de triagem chega até a vaticinar: “é um fenômeno um mongol aprender a ler”. Além disso, encontramos nesses depoimentos a recusa da equipe em submeter a criança a um processo de avaliação diagnóstica , ao classificá-la , simplesmente, porque já “dava para ver”. Nesse contexto, a análise de Ferreira (1989:72) parece-nos pertinente para revelar-nos que: “a classificação é, antes de tudo, um ato político, social porque, para que se aceite determinada classificação, é necessária determinada medida de poder sobre os outros”, quer seja um poder coercitivo ou intelectual (científico). Traduz-se que é deste lugar de poder que a sociedade, sob as lentes da normalização, rotula indivíduos como “deficientes mentais”, trazendo a ideia de que a mente/a totalidade da pessoa são deficitárias. Logo, essa leitura da deficiência imputa a pessoa uma condição subcidadã. 295 Ainda sobre aquela fala de Moreira (1997) é relevante perceber que a autora, assim como a pesquisadora Rosa (1990), defende a ideia de que é relevante o processo de avaliação diagnóstica para que a criança seja encaminhada à educação especial. Dessa defesa, mais uma vez fica evidente que o diagnóstico médico não levava necessariamente ao atendimento educacional para a eficiência do aluno, mas a uma terapia ocupacional ou a efetivação de uma profissionalização tipicamente assistencialista. Tomando por base essas constatações sobre os serviços de diagnóstico, percebemos que, mesmo havendo uma equipe interdisciplinar, não se conseguiu realizar um diagnóstico “dinâmico”, como pretendia o P.E.E., porque havia uma compreensão equivocada da própria natureza da deficiência mental. Essa ainda era associada a dificuldades de aprendizagem, distúrbios de comportamento, hiperatividade e desatenção. Mesmo quando os próprios testes davam um resultado favorável [...]. (MOREIRA,1997, 215-217). Na ótica da inclusão, o “diagnóstico é apenas uma possibilidade, não é a resposta, é apenas caminho. Não é partida ou chegada. É estar no meio em busca de, é estar aberto”. (ALMEIDA, s./d., p. 4). Portanto, o diagnóstico não deve servir para separar, categorizar, qualificar, quantificar, mas para que se reflita, se considere as necessidades dos alunos e se proveja os recursos necessários à promoção da educação de qualidade para todos. A partir do exposto, pode-se afirmar que o diagnóstico fornecido pelos profissionais que atuavam na triagem da clientela da educação especial, na época da 2ª gestão Arraes, era uma construção subjetiva, perversa, excludente que estimulou o surgimento e a manutenção de barreiras atitudinais, as quais foram identificadas por indivíduos engajados em “associações de portadores de deficiência” quando da análise desses sujeitos sobre o que é a cidadania: Eu acho que cidadania ou cidadão é a pessoa ter aquele lugar na sociedade, o lugar, o espaço. Eu acho que é o que acontece com o deficiente (a própria família não dá espaço para que o deficiente seja um cidadão. Até um pai aqui não achava necessário que a filha viesse para a escola porque não ia aprender nada). Muitas famílias acham que o filho não tem condições de aprender nada, então excluem eles da sociedade. Cidadão, cidadania é ter um lugar na sociedade, mesmo que você tenha problemas. (MOREIRA, 1997, p. 235, grifos nossos). 296 O entrevistado menciona situações que demonstram que, muitas vezes, é na família que a pessoa com deficiência se torna alvo de barreiras atitudinais. Quando, contudo, o entrevistado afirma: “Cidadão, cidadania é ter um lugar na sociedade, mesmo que você tenha problemas” remete-se a compreensão de que a visão estereotipada da deficiência coloca-a como sinonímia de problema e, por vezes, essa representação é internalizada pelas pessoas com deficiência, nutrindo nelas crenças equivocadas sobre sua própria genericidade. (LIMA;TAVARES, 2007). Por outro lado, o depoente ao afirmar que cidadania é “ter um lugar na sociedade” evoca a luta das pessoas, inclusive das que tem deficiência, para que esse lugar social seja assegurado a todos. A tônica da efetivação da cidadania continuou sendo defendida na 3ª gestão de Arraes. Moreira estratifica o discurso da equipe dirigente deste período: Muitas idéias (sic) que tentamos implantar agora não são novas, vêm da gestão passada. A gente tem uma preocupação de que as salas de educação especial sejam só para o portador de deficiência mental e não para aqueles que têm dificuldades de aprendizagem, meninos endiabrados, meninos com problemas afetivos. É importante e se está fazendo um esforço, em termos de diagnóstico, em termos de esclarecimento da população, dos diretores e do professorado em geral, de definir quem é a clientela da sala especial. Porque a sala de educação especial não é o que vai dar jeito em tudo que possa estar andando errado na escola, não. A sala de educação especial é a sala do portador de deficiência. (MOREIRA, 1997, p. 240, grifos da autora). Sobre esse discurso, a pesquisadora pontua: A perspectiva de continuidade entre a 2ª e a 3ª gestão é ressaltada/ acentuada pelo discursante, à medida que assegura que as propostas implantadas nesta última gestão eram fruto da gestão anterior (2ª gestão). Na 3ª gestão, uma mudança começava a se delinear: a preocupação em conhecer melhor a clientela do ensino dito “especial”. Como vimos, a diretora do Departamento de Educação Especial afirmou que, na 2ª gestão, os verdadeiros deficientes não estavam inseridos na escola. Para a reversão desse quadro, a 3ª gestão apregoava sua crença em princípios como: cidadania, integração, universalização de ensino, qualidade da educação, voltados para o D.M., procurando, concomitantemente, desenvolver um trabalho de base com: equipe de diagnóstico, professores, diretores de escola e população em geral. (Id.Ibid., p. 240). Novamente, a ênfase no diagnóstico mais preciso serviria para segregar crianças nas salas especiais: “Uma das grandes preocupações da 3ª gestão era 297 delimitar/definir a clientela do ensino especial, pois, na 2ª gestão, muitos pseudodeficientes foram inseridos nessa modalidade de ensino”. (Id., Ibid., p. 239). Se a deficiência, naquele contexto, imprimia a condição de “ser deficiente”, o que impunha a condição de ser “pseudodeficiente”? Ambas as representações incitavam a materialização da barreira atitudinal de rejeição porque o aluno no ensino especial, quando identificado como “verdadeiro deficiente”, era limitado a essa condição, logo, não tinha a oportunidade de retornar ao ensino regular; e quando re-classificado como “pseudodeficiente”, mesmo que retornasse a escola regular permaneceria sob a chancela da anormalidade. O rótulo uma vez posto dificilmente seria revisto e eliminado. (GOFFMAN, 1988). Moreira (1997) justifica esse processo de “esforço da 3ª gestão” para delimitar a clientela da educação especial como um caminho inicial para que os recursos imprescindíveis a qualidade da educação fossem providenciados, o que necessariamente não ocorreu, como sinalizado por discursantes que atuavam nesse sistema. Acreditando, pois, que o obstáculo para que a educação da pessoa com deficiência intelectual não fosse efetivada conforme as diretrizes do P.E.E./PE (1988-1991) estava na formação dos professores, nesse período, foi ofertada a todos os educadores a oportunidade de cursar a especialização em educação especial. (MOREIRA, 1997). Moreira (op.cit.) afirma que, a despeito dessa formação, os dirigentes esbarravam na dificuldade dos profissionais trabalharem com essa clientela: “Além do professorado, a equipe de diagnóstico também reproduzia dificuldades semelhantes: dificuldades de perceber o Outro e reconhecê-lo como ‘diferente’.” (Id., Ibid., p. 241). Traduz-se desse discurso: primeiro que o processo de invisibilidade social continuava sendo efetivado, mesmo após os profissionais terem recebido informações a respeito dos direitos da pessoa com deficiência intelectual; segundo, a crença da pesquisadora de que esses profissionais deveriam reconhecer o outro como “diferente” em razão da deficiência. Esse processo metonímico de leitura da deficiência gera barreiras atitudinais de substantivação, de adjetivação, entre outras. 298 Para erradicar essa equivocada compreensão de deficiência enquanto diferença que polariza pessoas: eu versus o outro deficiente, Lima (2006, p. 58) propõe a seguinte reflexão: [...] ela [a diferença] é a própria natureza do homem, aquilo que faz o homem ser igual ao outro, aquilo que lhe dá a identidade de pessoa humana. Assim, não falaremos que o léxico diferente flexionado a partir do termo diferença, é ou significa deficiente. Como se percebe, marcar a identidade/a diferença de uma pessoa em função da deficiência que ela tem é atitude que expressa barreira atitudinal. Essa marcação, consoante Silva (2004, p. 39), “ocorre tanto por meio de sistemas simbólicos de representação, como por meio de formas de exclusão social” e funciona como componente-chave para a manutenção do sistema de classificação. Assim, como a identidade depende da diferença, uma vez a diferença sendo centralizada na deficiência, por meio de um processo classificatório, faz com que a pessoa estando no grupo oposto (“o Outro deficiente”) esteja na fronteira imposta pelos obstáculos sociais. Moreira (1997), mais adiante, ratifica que o acesso à informação, indicado por Rosa (1990) e por Nery (1996) em pesquisas anteriores efetivadas no PPGE/UFPE, por si só não é suficiente para mobilizar atitudes e erradicar obstáculos sociais. Essa compreensão emerge, inclusive, do discurso de dirigentes da 3ª gestão Arraes, quando esses reconhecem os limites do trabalho efetivado naquele período: (...) a gente ainda luta pelo direito do portador de deficiência ser aluno, infelizmente , ainda é uma luta que a gente tem que enfrentar: que as classes especiais sejam para o portador de deficiência e não para todas as crianças que a escola entenda como problemáticas. A gente ainda luta para fazer do diagnóstico um processo mais verdadeiro/ mais próximo do real, ao nível do funcionamento da criança. Lutamos ainda para que os professores olhem para o portador de deficiência como alguém capaz, como alguém que tem uma produção. Há um esforço muito grande em fazer um trabalho com o professor de educação especial de aceitação do D.M. Isso porque há uma grande resistência deste segmento em aceitar o portador de deficiência em sua sala de aula. E essa era uma situação muito mais grave na 2ª gestão do que nesta. Hoje todo o professorado está melhor informado do que na gestão anterior , porque tem especialização em educação especial. (MOREIRA, 1997, p. 240, grifos da autora). 299 A pesquisadora, analisando o discurso do depoente, afirma que o trabalho de informação não foi suficientemente capaz de debelar e extinguir as resistências da equipe de “triagem” e do professorado. Ainda denunciando as falhas desse processo de transposição da teoria à prática da educação para a pessoa com deficiência intelectual, outro integrante da equipe de Dirigentes afirma: (...) as resistências desses professores continuam, porque uma coisa é a informação e a outra é a resistência. Você tende a trabalhar a resistência através da informação, mas a informação não assegura que a resistência desapareça. Porque há professores que sabem, mas não querem, ou seja, sabem que a sala é para o portador de deficiência, mas não querem trabalhar. Isso porque, na visão deles, é bem mais fácil trabalhar com dificuldades de aprendizagem. Podemos dizer também que só a informação não dá conta de você romper as resistências, apesar delas terem diminuído. Isso tudo passa pela concepção de escola. A escola é para quem? Então, o aluno que não vai ler e escrever logo não deve ter lugar na escola? A classe /escola especial é para quem tem poucas habilidades? Se chegou a um ponto que o diagnóstico inclusive colocava objeções do tipo: ‘vamos perder tempo com crianças que não aprendem ler ou escrever agora? Eu contra-argumentava: como é que você sabe, se ainda não fez o diagnóstico? Eles respondiam: ‘mas têm alguns que está na cara’. Essa história de “está na cara” é muito séria (...). Isso passa pela sua concepção do que é o ser humano, de que tipo de sociedade você quer viver. Vai além das normas técnicas de educação especial de diagnóstico” (Id., Ibid., p. 241, grifos da autora). Moreira analisa: “Os fragmentos discursivos refletem e abordam, com bastante pertinência, a finalidade da escola especial” (Ibid.). No discurso do entrevistado, fica claro que existia o entendimento de que as impossibilidades não estão na pessoa com deficiência, mas são imposições da sociedade. Aqueles questionamentos formulados por ele revelam, pois, que a atitude reflexiva acerca do processo de escolarização da pessoa com deficiência intelectual já demonstrava a busca por um novo desenho da educação, em que a concepção de ser humano, de sociedade, de cidadania, a concepção e função da escola e até a função do diagnóstico começam a ser repensados. Ao analisar a fala do depoente, Moreira (1997) enfatiza a denúncia da perpetuação de práticas segregacionistas, desenvolvidas numa gestão que se “autodenominava defensora dos ‘despossuídos’ e surgia com uma nova proposta para o aluno portador de deficiência: esse poderia ascender a uma ordem de cidadania real”. (Ibid., p. 243). 300 Nas conclusões da pesquisa, quando a autora analisa as contribuições desse discurso que articula “deficiente mental e cidadania”, supõe que a audição dele ocorre à revelia das pessoas com deficiência intelectual, como se lê nesse extrato: [...] esses ouvintes (do discurso que articula deficiente mental e cidadania) não são os próprios deficientes e, em certa medida, tais articulações lhe são estranhas e realizadas à sua revelia. [...] o discurso sobre o deficiente mental também não se dirige ao seu portador: ele é elaborado numa linguagem sistemática, analítica, demonstrativa, heurística, que pertence ao universo da cultura letrada, acadêmica, clínica, anexo à “normalidade” da razão analítica. (MOREIRA, 1997, p. 249, grifos nossos). Depreende-se dessa fala que no discurso acadêmico, pedagógico, político sobre a pessoa com deficiência, ela não comparecia porque dela apenas se descrevia as desvantagens sociais experienciadas, mas não havia ausculta, participação desses indivíduos no contexto de produção daqueles discursos. Construções como essa que Moreira (1997) registra nas conclusões da dissertação chegam aos professores, muitos dos quais leram ou terão acesso ao discurso acadêmico/científico, por meio de palestras, conferências ou outras formas de socialização. Certamente, muitos desses profissionais estavam ou estarão atuando no curso superior, onde, em concordância com aquela assertiva, poderão lutar para que tais obstáculos sejam eliminados ou, (in)conscientemente, poderão reproduzir obstáculos sociais difundidos através do discurso científico. Esse processo de eliminação ou de difusão de barreiras atitudinais no discurso científico e a forma como elas sutil ou ostensivamente surgem na prática pedagógica tem levado os graduandos com deficiência a desistirem dessa etapa formativa, como expõe Castro (2011) em recente estudo sobre o ingresso e a permanência de alunos com deficiência em Universidades Públicas Brasileiras. Ainda nas conclusões do trabalho dissertativo, Moreira (1997) relata que muitos daqueles desejos registrados no P.E.E./PE (1988-1991), ao tentar articular, pioneiramente, Cidadania-Trabalho-Escola-Deficiência, não foram alcançados porque o ensino continuou centrado na deficiência do aluno, ou seja, a ineficiência/ as limitações da escola recaia apenas sobre ele. Nas palavras da autora, Mais uma vez, fica evidente que um determinado discurso pode ser criado e receber uma roupagem extremamente artificializada. 301 Artificializada, na medida em que não possui consistência interna nem condições de se tornar viável na prática e no cotidiano escolar. (MOREIRA, 1997, p. 130). Considerando esse hiato entre o discurso e a prática pedagógica, à luz do que os depoentes das categorias: “Dirigentes do P.E.E. 1988-1991”; “Professores”; “Pais”; “Equipe de Triagem”; “Equipe de Capacitadores”; “Associação dos portadores de deficiência”, “Equipe de dirigentes da 3ª gestão Arraes” registram em suas falas, a autora afirma contundentemente que a relação “cidadania-deficiência mental” tinha um caráter mais político que real. Moreira (Ibid.) fornece subsídios para que se avalie esse processo, revelando o despertar para a educação para todos, mas não fornece pistas para que se reflita sobre como fazer uma escola diferente, no tom da cidadania. A pouca articulação entre o discurso e a prática pedagógica também está na centralidade da discussão proposta por Tânia Maria Goretti Donato Bazante, na pesquisa intitulada “Quando as (in)certezas e as esperanças se (des)encontram: um estudo das representações sociais dos professores sobre educação especial na rede estadual de ensino”. O trabalho, defendido em 2002, orientado pelo professor João Francisco de Souza, no PPGE/UFPE destaca-se, entre outros fatores, pela poeticidade que o permeia. O fio poético se instala na dissertação quando a autora, desde a apresentação do trabalho, utiliza a linguagem da pintura (termos, nomes de técnicas e tipos de materiais) para fazer referência às escolas e utiliza nomes de cores para codificar os professores que atuavam nas unidades estaduais do município de Caruaru, lócus da pesquisa, cujo objetivo foi o de “identificar as representações sociais construídas pelos professores sobre Educação Especial”. (BAZANTE, 2002, p. 9). Para atingir esse fim, a autora toma como fundamento o estudo das Representações Sociais e dos “Paradigmas da Integração e da Inclusão, norteadoras, na literatura pedagógica, do trabalho com o portador de deficiência” e especificamente busca compreender a relação entre o pensar e o fazer como movimento permanente, explicitando nas atitudes e nos aspectos que 302 sustentam/conduzem a prática pedagógica imprimindo-lhe sentido/coerência a partir dos significados. (Id., Ibid., 2002, p. 9). Metodologicamente, a autora percorreu duas instâncias centrais nas quais eram definidas as políticas e as diretrizes da educação especial em Pernambuco: a Diretoria Executiva de Educação Especial, vinculada à Secretaria Estadual de Educação, a Diretoria Regional de Ensino (DRE) Agreste Centro Norte. A primeira, localizada no grande Recife, local que organizava as atividades sistemáticas, como as capacitações, os seminários “Discriminação em Questão” e o Projeto “Pacto à Diferença”. A segunda teve como lócus inicial a DIPE (Divisão de Programas Escolares) da DRE Agreste Centro Norte, que informou sobre escolas e números de salas especiais existentes naquelas instituições. A pesquisadora entrevistou dez professores e lhes perguntou o que é deficiência. Cada depoente deveria responder a questão através de um desenho e posteriormente responder o que é educação especial. Ao analisar as informações coletadas, Bazante (2002, p.95) afirma: Na maioria das vezes, a EE é tratada como aquele tipo de ensino que em um dado momento ajuda o menino e a menina a serem aceitos pela sociedade por atestar-lhes capacidade de viver com os normais. Em outro momento, como aquele tipo de ensino no qual só é possível oferecer o mínimo para que o aluno possa viver e não causar tantas angústias a seus familiares, por ser decisão de Deus sua condição de deficiente. (Grifos nossos). No parágrafo seguinte, ela analisa: Não diferente do que se apresenta na dimensão legal e na literatura pedagógica, as colocações dos professores também evidenciam um movimento pendular, de tal maneira que, em algumas referências, manifestam a crença na necessidade de espaços inclusivos. Porém, o que está implícito no conteúdo das falas são expressões que, nas entrelinhas do texto, representam um dos indicadores de que o senso comum do professor sobre o que é EE está, ainda, enraizado apenas nos fundamentos do cotidiano. (Id., Ibid.). Depreende-se da primeira assertiva que a pesquisadora identificou três conceitos apresentados pelos professores acerca da educação especial e de sua clientela. O primeiro de que a educação especial (esteando-se no modelo médico da deficiência) era o espaço em que se avalizava a normalidade de sujeitos “deficientes”; o segundo, a educação especial era um ensino diferenciado, em que se oferecia o mínimo para uma clientela de pessoas “doentes/deficientes/incapazes” 303 que causavam sofrimento aos familiares, em razão da deficiência (modelo médico e caritativo da deficiência); o terceiro, que a educação especial era o espaço em que se aceitavam “pessoas em uma condição sub-humana”, determinada por uma razão divina (modelo médico e modelo místico da deficiência). O fato é que a autora não ponderou que os docentes expurgavam o aluno com deficiência da escola ao defender a educação especial como forma de preparação, de mecanismo para que um tipo de aluno fosse exposto a um tipo de ensino que pudesse avalizar a capacidade daquele de viver com os “normais”. Os alunos tidos, então, como “deficientes”, “doentes” precisavam ser normalizados, preparados para viver com os outros. Sassaki (2006, p. 33) esclarece que tal procedimento configura o processo de integração, o qual [...] tinha e tem como mérito de inserir a pessoa com deficiência na sociedade, sim, mas desde que ela esteja de alguma forma capacitada a superar as barreiras físicas, programáticas e atitudinais nela existentes. Sob a ótica dos dias de hoje, a integração constitui um esforço unilateral tão somente da pessoa com deficiência e seus aliados (a família, a instituição especializada e algumas pessoas da comunidade que abracem a causa da inserção social), sendo que estes tentam torná-la mais aceitável no seio da sociedade. Isto reflete o ainda vigente modelo médico da deficiência. (Grifos do autor). A integração era um percurso que amparava a reclassificação dos alunos em “deficientes leves”, “deficientes periféricos“ etc. Esse caminho, como sinalizaram Nery (1996) e Moreira (1997) em pesquisas anteriores efetivadas no PPGE/UFPE, foi amplamente praticado para que pessoas com deficiência, percebidas como “mais próximas a normalidade”, tivessem algumas oportunidades, como acesso a oficinas de profissionalização e a empregabilidade. Bazante (2002) afirma que aqueles conceitos da educação especial anunciados pelos professores advêm do senso comum, estão enraizados em fundamentos do cotidiano. Ao analisar, pois, as ponderações da pesquisadora acerca do discurso dos professores, é possível afirmar que tais conceitos esteiam-se em barreiras atitudinais, em preconceitos e causam prejuízos que parecem não ter sido identificados por ela. Um dos prejuízos trazidos pelo ensino integracionista ao aluno com deficiência era justamente esse de “oferecer o mínimo para que o aluno pudesse 304 viver”. Essa ação, por vezes, reduzia a educação a atividades de socialização e de cuidados pessoais, conforme registrado por Bazante (Ibid., p. 113) ao reproduzir e analisar o discurso dos professores: Apesar de, em algumas passagens, compreenderem a EE e a deficiência como algo que não constitui problema para o sujeito diferente, mas sim para nós, os tidos como normais, o entendimento dos professores deixa passar, nas entrelinhas dos enunciados, o portador de deficiência como limitado, necessitando de ajuda, e sem a qual ele não conseguirá se desenvolver e ser aceito, como marcam as falas que seguem. “Um ser precisando de aprender alguma coisa, não especificamente a parte de linguagem e matemática, mas, aprender a conviver com o coleguinha, a ter bons modos, a se socializar. Eu não levo muito prá aprender esse lado do A, o E, o I, o 1, o 2, 0 3 , não. Eu levo mais pra esse lado de saber se locomover , saber usar um banheiro ; eu me preocupo mais com essa parte” ( CINZA, sala especial) Como afirmamos anteriormente, posições distintas se apresentavam a cada leitura aprofundada do conteúdo das entrevistas e, ainda nos dizeres de um mesmo professor, poderiam ser encontrados elementos de contradição e ambiguidade (sic) àquilo que diz respeito às diversidades postas à EE e que, de certa forma, reforçam a segregação/exclusão, como pode ser visto no depoimento acima. A fala desse professor, em determinados momentos, faz-se no sentido da não discriminação, fosse em tentar inserir. No entanto, limitavase a provocar a execução de atividades mínimas, que julga necessárias ao portador de deficiência, pouco olhando para as possibilidades que o desenvolvimento do aluno poderia sinalizar, ou ainda uma inserção que entre os mais próximos não será provocadora de constrangimentos sociais - numa perspectiva higienista. O “mínimo” oferecido então ao aluno com deficiência, como mecanismo de uma exclusão encoberta, na dinâmica da Educação Especial, obviamente não fornecia às pessoas com deficiência condições de participação na sociedade, como indicado anteriormente nas pesquisas efetivadas por Rosa (1990), Nery (1996) e Moreira (1997) no PPGE/UFPE. O ensino especial, com vistas à integração, permeado pela barreira atitudinal da baixa expectativa, trazia, portanto, um currículo que exigia que o aluno com deficiência se encaixasse numa estrutura que não efetuava nenhuma diligência ou provisão de recursos para que ele (o aluno) pudesse participar e aprender, no curso de formação comum a todos. 305 Esse processo contrário à perspectiva de um currículo aberto, flexível, inclusivista parece não estar na centralidade das reflexões de Bazante (2002) ao analisar “o pensar e o fazer” na escola. Assim, a autora, nesse excerto da análise, parece não perceber que a oferta do “mínimo” nas salas especiais é um fator que, na integração, não só prejudica as múltiplas possibilidades de desenvolvimento do aluno com deficiência, mas distancia professor e alunos sem deficiência daqueles com deficiência intelectual, física, sensorial ou psicológica. Bazante (Ibid.) explica, então, que para apresentar melhor o universo complexo e emaranhado em que os sujeitos pesquisados atuam, e assim, compreender os achados e as conclusões da pesquisa, ela (a autora) indica que existem três realidades ou figurações distintas em que a Educação Especial se insere: a primeira, a escola especial; a segunda, a escola regular com sala especial e a terceira, a escola regular com alunos integrados/incluídos. Na análise da “primeira figuração”, a autora demonstra que a integração não possibilita que o aluno integrado se sinta partícipe do processo de ensinoaprendizagem: Nas conversas com a direção da escola, percebemos que o cuidado em acompanhar os alunos integrados em salas regulares é fruto da experiência do constante retorno desses alunos às escolas especiais, que, por vezes, não se sentem aceitos nos espaços integradores, seja pelo distanciamento da prática do professor, seja pelas atitudes dos colegas de turma. (BAZANTE, 2002, p. 97; grifos nossos). Traduz-se dessa fala que as barreiras atitudinais presentes na interação entre alunos com deficiência e professor ou entre os alunos com e os sem deficiência fragilizava, quando não deteriorava, o sentimento de pertença dos primeiros ao grupo, levando-os a evadir-se da escola regular e a retornar à escola especial. Essa exclusão encoberta, tonificada pelas atitudes materializadas nas interações escolares, ratifica aquelas percepções de Rosa (1990), Nery (1996) e de Moreira (1997) quando nas pesquisas efetivadas no PPGE/UFPE as autoras sinalizaram que a chancela do rótulo de “deficiente” é um forte mecanismo de excludência. 306 Em outro excerto, Bazante (Ibid.) analisa os motivos pelos quais ocorre aquele distanciamento entre os alunos com deficiência e outros atores escolares sem deficiência: Essa dificuldade, no dizer dos profissionais da escolar regular, é fruto, também, das imagens criadas por aqueles tidos como normais, de que o portador de deficiência não aprende, não se desenvolve. Ou, ainda, pelo fato de, mesmo sendo aceito, essas imagens cristalizadas gerarem a proteção e não o reconhecimento. (Grifos nossos). Traduz-se dessa assertiva que a barreira atitudinal de baixa expectativa (“o portador de deficiência não aprende, não se desenvolve”), provoca o surgimento da barreira atitudinal de superproteção. Isso porque aquelas imagens criadas e cristalizadas, em relação à pessoa com deficiência, podem gerar (a) sentimentos de comiseração (com manifestações de piedade, caridade ou tolerância) [...] diversas (b) movimentos de cunho filantrópico e assistencialista, pouco ou nada emancipatórios das pessoas com deficiência, pois não lhes confere independência e autonomia. (CARVALHO, 2006, p. 39). O sentimento de dó e a barreira atitudinal de superproteção, esteados na baixa expectativa, fortalecem os mecanismos que deterioram as possibilidades de empoderamento da pessoa com deficiência, podendo até nutrir nelas a crença de que são incapazes de gerir suas vidas, pois a Superproteção é [...] fazermos pelo outro o que julgamos que ele jamais será capaz. Superproteger uma pessoa é superestimar a sua capacidade inata de superar suas próprias limitações. É ao mesmo tempo negar-lhe o direito de crescer e se desenvolver justificado apenas por um amor superprotetor. (SILVA; TAVARES, 2009, p.83). No âmbito familiar, essa barreira atitudinal pode provocar perda da autonomia, da independência e do empoderamento; o temor da pessoa com deficiência de deparar-se e ter de enfrentar situações distintas das comumente presentes no cotidiano; dificuldade e receio de contatar pessoas desconhecidas, até mesmo para solicitar uma informação; falta de iniciativa; retraimento; infantilização; busca pela sociabilidade em contextos tecnológicos/cibernéticos. Tudo isso tem impactos precisos superproteção. no processo de escolarização das pessoas alvo da 307 No contexto educacional, a superproteção faz com que os educadores ignorem o direito e a habilidade do aluno de fazer escolhas quando do percurso formativo; ignorem a relevância de cada um, a partir dessas escolhas, desenvolver a competência de reconhecer como pode ter melhor desempenho; inibam a liberdade do aluno, porque ao ser tutelado, muitas vezes, ele é impedido de vivenciar experiências relevantes para sua formação. Machado (s.d.) alerta para que se perceba os efeitos colaterais dessa barreira atitudinal desde o início da escolarização: Como efeito colateral da superproteção, os especialistas em educação infantil começam a notar um aumento no número de crianças ansiosas e inseguras. Não é difícil identificar uma delas em sala de aula: é a que pede atenção e aprovação para cada tarefa que realiza. Consulta os professores com frequência quase insuportável. Fora da sala, tem medo de se machucar no parquinho, evita ir sozinha ao banheiro, pede ajuda a todo momento. Tamanha dependência está na raiz da baixa autoestima. A barreira atitudinal de superproteção termina, então, por engendrar o processo de desproteção pessoal, de baixa estima, de dependência, pois o superprotegido, na ausência de seus cuidadores, tende a desmontar-se, a demonstrar fragilidade e insegurança, o que vem a prejudicar as interações sociais e a fortalecer barreiras atitudinais que surgem imbricadas nesse processo. Por exemplo, a barreira atitudinal de medo (o superprotetor pode demonstrar receio de fazer referência à deficiência, de dizer algo errado, e por vezes, termina por utilizar eufemismos, substantivações e adjetivações); a barreira atitudinal de baixa expectativa (o superprotetor, sob o manto dessa barreira atitudinal, pode se antecipar às situações em que ele ajuíza que a pessoa com deficiência não obterá êxito), o que pode gerar a barreira atitudinal de adoração do herói (o superprotetor, tendo uma baixa expectativa da pessoa com deficiência, termina por valorizar demasiadamente qualquer ação bem sucedida que ela venha a efetivar). É relevante, pois, que se reconheça que além da insegurança e dos demais fatores negativos advindos da prática da barreira atitudinal de superproteção, ela ainda pode gerar na pessoa alvo [...] a sensação de que para tudo o que acontecer em sua vida sempre haverá alguém para lhe dar suporte, proteção, auxílio e que, isto é necessariamente uma obrigatoriedade para as pessoas que 308 vivem ao seu redor, ou seja, saciar seus desejos e obedecer suas ordens. (Id.,Ibid.) Em resumo, o maior dano provocado por essa barreira atitudinal é a formação de pessoas despreparadas para atuar na escola, na sociedade, e, como dito, para protagonizar suas próprias vidas. No estudo efetivado por Bazante (2002), especificamente na segunda figuração, caracterizada por apresentar escola regular com sala especial, a pesquisadora depara-se com outras situações que exemplificam a cristalização das barreiras atitudinais. Nesse contexto, em relação à identificação dos professores que trabalhavam na educação especial, a autora analisa: Ao perguntar quais os professores que atuavam com a EE, nos encaminhavam sempre para a sala especial. Ou seja, a representação de que existe um espaço específico que simboliza/remete à imagem de algo que não se insere no contexto geral do cotidiano escolar. (BAZANTE, 2002, p. 98; grifos nossos). Afere-se, portanto, que a sala especial era compreendida, pelos profissionais atuantes na escola, como lócus específico para a educação de pessoas com deficiência, essa percepção desafiliava-as do curso comum das instituições de ensino. Tinha-se, então, o aluno com deficiência cuja permanência na escola era paradoxalmente marcada pela desinserção, pela exclusão encoberta no/do cotidiano escolar. Nesta linha, é importante esclarecer que quando o estatuto da normalidade era devolvido ao aluno e ele retornava à sala regular, dificilmente conseguia se engajar nas experiências formativas cotidianas, sobretudo, porque era comum que a criança excluída, muitas vezes de modo implícito, se esforçasse unilateralmente para conseguir êxitos, como se comprova na análise efetivada por Bazante (2002, p. 98-99): Interessante registrar que, nessa figuração, o cenário tem uma variação que nos surpreendeu mais ainda. O fato de que nessas escolas regulares com salas especiais existem alunos integrados, ou seja, funciona a sala especial e quando os alunos são avaliados e apresentam condições de serem integrados/incluídos pode ser que a própria escola o integre. Mesmo com essa possibilidade, quando chegamos, era sempre sugerida uma conversa com o professor da sala especial, para que ele desse as informações. A 309 pertinência desse dado se localiza na organização e funcionamento da instituição, pois, sendo o portador de deficiência um aluno dentro do espaço escolar, a secretaria/direção da escola não deveria ter essas informações? Se o professor da sala especial, por ser do ensino especial, é quem deveria saber dados referentes a esse aluno, isso evidencia a segregação/ exclusão implícita nas questões físicas e documentais. A própria instituição escolar não insere no seu contexto organizacional/funcional a presença do aluno portador de deficiência, ainda que, se anuncie, partícipe do processo de integração/inclusão. (Grifos nossos). O questionamento proposto pela pesquisadora anuncia que a instituição escolar reproduzia em seu micromundo o esquema estrutural da relação dicotômica, assimétrica: pessoas com deficiência versus pessoas sem deficiência, onde as primeiras, uma vez marcadas por uma equivocada leitura da sociedade acerca da deficiência, sempre eram vistas como “portadoras de uma anormalidade”, de uma “diferença inferiorizante”, e por isso permaneciam sobrantes do todo da escola. Neste particular, a gestão da escola, longe de ser corretiva, estimulava essa dinâmica a ponto de ratificar o estigma de “deficiente” e não se sentir responsável por esses alunos, já que a formação deles continuava sendo da competência apenas dos profissionais atuantes nas salas especiais. Assim, a mensagem que a unidade escolar pesquisada transmite reverbera os mecanismos de excludência que circula na sociedade. Esse modelo de gestão se polariza à tônica da escola para todos. Sage (1999, p. 137) explica que a equipe gestora, na constituição dessa perspectiva educacional, precisa reconhecer que A maneira pela qual os diretores exercem as forças simbólicas e culturais através de suas atitudes e comportamento é particularmente importante quando se exemplificam as ações e as atitudes necessárias para a prevalência de um ambiente inclusivo nas escolas. Primeiramente, o comportamento do diretor é que estabelece o clima pelo qual se resolve que a escola é de todas as crianças. Segundo, o comportamento cooperativo do diretor e dos demais administradores proporciona um modelo para os professores que precisam de ajuda para romper com a prática de ‘trabalhar sozinhos’. O fato dos funcionários atuantes na secretaria, na gestão da escola não terem informações acerca dos alunos com deficiência demonstra, portanto, que a educação fornecida naquele espaço não estava esteada no respeito à coletividade, 310 à diversidade dos alunos e a cada um deles. Muitos obstáculos sociais são nutridos, pois, em ações como essas em que a gestão, que deveria implementar práticas que favorecessem o direito equitativo de todos à educação, termina por contribuir com a manutenção de dois espaços: um de ensino especial e outro de ensino regular, em que o público alvo do primeiro estava sempre à margem do todo. Nesse cenário, a escola torna-se um espaço em que as barreiras atitudinais atingem a identidade dos alunos. É o que se depreende da descrição efetivada por Bazante (2002, p.99) ao registrar o modo como continuou tentando localizar os professores que atuavam com educação especial: Percebendo a dificuldade no que se refere a localizar o professor, buscamos na pergunta: “em que sala os alunos portadores de deficiência estão estudando esse ano?”, como caminho para a identificação dos professores que atuam com a EE. Para essa informação, era feito um verdadeiro plebiscito na sala da secretaria, da direção ou entre aqueles que chegavam na sala dos professores, para saber quem estava com o “mudinho”, o “ceguinho” ou o “doidinho”. Nossa intervenção, nesse momento, sugeria que identificássemos a série, a sala, o turno, para, assim, sabermos quem eram os professores e fazermos o contato para agendar a entrevista. Foi justamente a chegada aos espaços regulares que possibilitou a compreensão de como era necessário nos reportarmos à deficiência para sabermos quem eram os professores que atuavam com esse sujeito no ensino regular, ou seja, a deficiência como identidade, como forma de reconhecer o sujeito, por que não dizer a marca da sua diferença no tocante aos demais. (Grifos nossos). A substantivação da deficiência em “mudinho”, “ceguinho”, “doidinho” exemplifica como essa barreira atitudinal afeta a identidade da pessoa que é tratada como um todo deficiente, que é concebida como pessoa incompleta (SASSAKI, 2003c; LIMA; TAVARES, 2007). Esse processo metonímico serve até para identificar os professores que atuam com alunos com deficiência. Pois, muitas vezes, os profissionais também começam a ser alvo das barreiras atitudinais, a serem vistos como “sofredores”, “coitados”, “caridosos”, “angustiados” que cumprem a “árdua missão de trabalhar com alunos deficientes”. Quanto a esse último termo, é utilizado e justificado por Bazante (2002) durante todo o trabalho dissertativo, em que a autora demonstra que “a incerteza fere esses professores e, como resultante desse sentimento, expressam a 311 impossibilidade de atuarem com o aluno portador de deficiência”. (p. 110). Nessa mesma passagem, a autora reproduz e analisa o discurso de três professores os quais trazem à tona esse tom de angústia identificado por Bazante (Ibid.,p.110): Sobre o que povoa o universo das ideias e imagens construídas, circulam em torno do não saber o que fazer diante do novo, no dizer dos professores com salas integradas/incluídas e, do desafio de lidar com questões de preconceitos e a volta do aluno que foi inserido para os professores das salas especiais, como por exemplo, no depoimento de dois professores, um, ao fazer uma atividade de ciências sobre as partes da planta e o outro , ao se deparar com o diferente , pela primeira vez, e chegar a sentir medo: “Aí eu vim com ela no pátio. Eu não tava conseguindo passar pra ela o que ela tinha que responder; eu fiz tudo pra passar e ela não entendeu. E estava preocupada porque ela não queria deixar em branco. Aí, fui pra o pátio, arranquei uma plantinha e mostrei as partes, tudinho, e ela não conseguiu responder. Aí, me deu a maior tristeza. (AMARELO, sala de integração/inclusão) “De não conseguir o que eu pretendia” (AMARELO, sala de integração/inclusão) “ No começo eu fiquei muito angustiada, até porque eu não sabia como seria” ( AZUL, sala especial) A sensação de impossibilidade marcou suas práticas e nas partes do depoimento surgem palavras que sinalizam “pena”, motivo pelo qual o primeiro professor não deixava de ir fazer seu trabalho, apesar de se dizer velho e doente para lidar com esse tipo de situação (EE). [...] Nessas situações, percebe-se como o preconceito contra os alunos com deficiência se cristalizava no retorno deles às salas especiais. Os professores, por seu turno, demonstravam nutrir piedade e barreira atitudinal de medo, entre outros obstáculos sociais. A análise efetivada por Bazante (Ibid.) acerca desses discursos suscita uma questão: A incerteza/a angústia do professor de não saber que caminhos trilhar para cumprir o papel de docente apenas se coloca diante do aluno com deficiência ou estes sentimentos denunciam posturas excludentes, certo grau de comodismo e de formação deficitária para trabalhar com todos os alunos? A própria pesquisadora indica que a angústia do professor está relacionada à construção de saberes docentes cuja fragilidade os faz deslocar a responsabilidade com o aluno para outras instâncias, como se lê neste excerto: 312 Contrapondo-se à angústia de não conseguirem as coisas, deslocam o problema para o “outro” (o Estado), a falta de capacitação, a ausência de um acompanhamento sistemático, ainda que afirmem a presença do itinerante. Enfim, diante dessa pintura sinuosa e confusa, perguntamos se costumam fazer estudos ou leitura a respeito de educação especial e a resposta foi a falta de tempo para esse tipo de atividade, com o reforço de que bom mesmo seria ter capacitações pelos órgãos públicos , pois nunca vão, por não serem convidados/convidadas. (BAZANTE, 2002, p. 111). A autora, ainda descrevendo e analisando o trabalho da educação especial oferecida na escola regular, comenta: Nesse momento, o trabalho com a EE demarcou duas visões distintas à sua compreensão. A primeira, algo que poderia conceder ao portador de deficiência uma instância identitária, um grupo com suas singularidades. A segunda, que o trato com as questões da EE evocam particularidades reconhecidas no espaço especial e negadas nos espaços regulares, a partir do momento em que não têm sido considerados os ajustes às questões que respeitam a chegada desse sujeito; questões de organização e funcionamento no cotidiano escolar, como, por exemplo, série que está cursando, professores que atuam com ele, como tem sido desenvolvido o trabalho do professor e do itinerante para o acompanhamento do processo de ensino e aprendizagem. A prática dos professores, por vez, refletia a fragilidade no desconhecimento de qual dos portadores de deficiência frequentava sua sala, situação que sinaliza o tipo de atendimento que esse aluno tem recebido nos espaços de integração/inclusão. (Id., Ibid., p. 100, grifos nossos). A pesquisadora discute o processo de construção identitária de grupo a partir da aglomeração de alunos por motivo de deficiência (processo que nutria barreiras atitudinais de substantivação, de adjetivação etc.); menciona também o descaso do professorado que não conhecia a clientela com a qual trabalhava e deixa claro que aquele sentimento de não pertença do aluno com deficiência à instituição escolar se deve a prática de barreiras atitudinais não apenas efetivada pelos professores, mas pela gestão e por outros alunos, como analisado anteriormente. A percepção do descaso do professorado em relação ao aluno com deficiência é, pois, robustecida através dos fatos que Bazante (2002, p. 111) identificou nos depoimentos dos profissionais: [...] em quase sua totalidade, à exceção dos que atuam em salas especiais, que os demais não têm sido envolvidos nesse processo de capacitações e estudos. Porém, um agravante identificado é a transferência de responsabilidades, haja vista estarem atuando há 313 três ou seis anos com alunos portadores de deficiência e nunca terem feito sequer uma leitura a respeito dessa área. Em linhas gerais, o que foi descrito pela autora representa a força motriz que justifica a reivindicação de uma educação que reverta esse quadro e seja de qualidade para todos. Bazante (Ibid.), na terceira figuração da pesquisa, caracterizada por escola regular com alunos integrados/incluídos, fornece algumas pistas para que se compreenda como essas solicitações continuaram a ser consideradas mais a nível do discurso do que na prática pedagógica, como se infere a partir desse extrato: Esse espaço reforçou questões encontradas na segunda figuração, no tocante ao caminho para a identificação dos professores que atuam com a EE e mais distanciamentos ainda com a primeira figuração, pois, se numa escola que tem salas especiais e que, em alguns momentos também integra, que agora configuramos essa situação, foi significativamente agravada. (Id., Ibid., p.100). Como se vê, o formato da oferta da educação muda, mas velhos problemas continuam sendo revitalizados. Sobre esse processo, Bazante (2002, p.101) pondera: [...] quanto mais nos afastávamos dos espaços especiais mais as situações evidenciavam traços delineadores de fragilidades ao processo de integração/inclusão. Isso implica perceber a necessidade de ajustes que não têm sido atentados e que vão além da adequação de dimensão física: pedem o repensar das práticas dos professores diante do que eles mesmos nos denominavam como “o novo” do seu trabalho, visto que nunca pensaram em trabalhar com EE e, de repente, se encontram “obrigados” a receber o aluno que eles preferiam chamar de “especial”. [...] Essas figurações vão tracejando situações e atitudes que expressam a compreensão sobre EE, na dimensão da regulamentação e determinação, apenas, em caráter normatizador. A dimensão legal delimita o tipo de tratamento, mas não define propostas capazes de efetivar o que reza a lei. Ao trazer essas reflexões para a realidade, o confronto com incertezas e angústias contorna as inquietações e resistências dos professores dos espaços. A autora, ao afirmar “quanto mais nos afastávamos dos espaços especiais mais as situações evidenciavam traços delineadores de fragilidades ao processo de integração/inclusão”, parece crer que o caminho adequado para a escolarização dos alunos com deficiência é o ensino especial. Mais adiante, Bazante (2002) parece justificar essa crença ao analisar que a escola não estava se estruturando para 314 receber os alunos com deficiência. De fato, a pseudoinclusão é ainda mais maléfica ao aluno do que o ensino em espaço segregado, pois, nessa tônica se maquila situações e a partir de um discurso includente, a escola continua a tonificar barreiras atitudinais e a dificultar o acesso dos alunos com deficiência à escola e a permanência nela. Com base no excerto supramencionado, pode-se afirmar que a autora também demonstra perceber que “as leis que exigem a inclusão das pessoas com deficiência não são suficientes para que a transformação ocorra ou para que todos alcancem, de fato, a igualdade nas oportunidades e no próprio direito”. (LIMA; TAVARES, 2007, p. 24). Nas palavras de Bazante (2002, p. 102), a dimensão legal da educação não define propostas reais de efetivação, encontra resistências e traz a aceitação como termo chave para se modificar esse contexto. Sobre esse tema, a pesquisadora afirma: A aceitação, ou melhor, a sensibilização à aceitação do portador de deficiência tem se anunciado no cenário da EE como um convite ao olhar mais demorado sobre as nuanças que essa possibilidade provoca. Um dos entraves para que dimensão legal continue delimitando o tipo de tratamento educacional ofertado à pessoa com deficiência, mas não seja efetivada na tônica do respeito ao que ela apregoa reside nessa compreensão de que as pessoas com deficiência precisam ser aceitas, como se essa “aceitação” fosse um favor. Quando essa aceitação é, pois, colocada como uma possibilidade, o hiato entre o que está posto na letra da lei e a atitude respeitosa a essa diretriz se intensifica, trazendo, obviamente, prejuízos à pessoa com deficiência. Isso fica perceptível quando Bazante (Ibid., p.108), estabelecendo um confronto entre as afirmações expressas dos professores e o conteúdo delas, afirma: [...] em alguns momentos, o trabalho com a EE revela-se como uma atividade apenas de redução do sofrimento do portador de deficiência ou de sua inserção em espaços distintos, pois a maneira de se referir indicava, para um dos professores, qual o entendimento que o aluno precisava e que só para os diferentes é que a inserção era mais viável, acrescentando, ainda, que a inserção é algo que não 315 tem muito sentido, pelo fato de muitas crianças serem, também, “apáticas”. Nessa análise, a pesquisadora demonstra o entendimento que os profissionais nutriam acerca do aluno com deficiência: uma pessoa sofredora; de capacidade cognitiva reduzida; apática. Essa compreensão do aluno como “portador de sofrimento” remete-se ao contexto do modelo místico e do modelo caritativo de entendimento da deficiência, nutrindo assim barreiras atitudinais de estereótipos, de medo, de baixa expectativa, entre outras. Quanto à compreensão de que as crianças tinham uma capacidade cognitiva reduzida, percebe-se nela o reflexo do modelo médico da deficiência e a tonificação da barreira atitudinal de baixa expectativa. Como ratificado por Bazante (2002, p.108) ao registrar a seguinte análise: As afirmações [dos professores] sinalizam que a compreensão tida sobre a deficiência recorre da relação imediata entre deficiência e ausência da capacidade cognitiva, evidenciando, assim, o quanto as discussões que versam sobre o conceito de diferença como forma de respeitar a singularidade e, a partir dela, buscar procedimentos e práticas que possibilitem o desenvolvimento do sujeito diferente, ainda precisam ser aproximadas seja dos professores que atuam em espaços especiais, seja dos professores que atuam com alunos integrados/incluídos. (Grifos nossos). Aqui a autora traz um procedimento que é constitutivo da educação inclusiva: o respeito à diferença, à singularidade dos alunos, e a busca por procedimentos (acessibilidade) e práticas que assegurem o desenvolvimento de cada um deles. Esse procedimento, no entanto, consoante a pesquisadora, ainda estava apenas no âmbito teórico-educacional. As barreiras atitudinais, presentes na compreensão e no tratamento do aluno com deficiência como uma pessoa sofredora, de capacidade cognitiva reduzida, apática, impunham a classificação e a integração de alunos com deficiência a partir da percepção do professor acerca da capacidade cognitiva deles, pois “só para os diferentes a inserção era mais viável”; impunham também um tipo de currículo baseado no “entendimento do que o aluno precisava”, na ótica do professor, e não no direito à equidade de oportunidades e condições formativas. 316 Assim, a descrença na integração/inserção demonstrada pelos profissionais surge ancorada a avaliações subjetivas, perversas, incoerentes como se pode perceber na afirmação de que a inserção não tem sentido porque as “crianças eram diferentes e apáticas”, entendendo aí “diferentes”, no sentido pejorativo do termo, sinonímico de incapazes. Essas expressões, substantivações, adjetivações utilizadas para fazer referência ao aluno com deficiência também esteve sob o foco de análise da Bazante (2002, p. 109): Falar sobre a terminologia e não denominar como deficiente, por exemplo, é mais uma expressão que passa pelo cuidado com a ofensa. A idéia de especial ou diferente se distancia das intenções postas na dimensão teórica, uma vez que essa tem o propósito de colocar em debate uma mudança de concepção, de atitude, a partir da forma como tem sido denominado o portador de deficiência. As inquietações em lidar com as maneiras de tratar o aluno se misturam na cabeça dos professores ao afirmarem, também, que tantas terminologias fazem com que se sintam confusos e que, portanto, não sabem como se referir ao aluno. Essas afirmações nos alertam para o fato de que as denominações inseridas nas discussões da EE não têm provocado uma compreensão diferente, pois, mesmo aqueles que têm sido aproximados ou expostos ao debate pedagógico alegam não se sentirem abastecidos para essa (re) formulação. (Grifos nossos). O uso de termos inadequados para fazer referência às pessoas com deficiência gera intensos retrocessos na luta pela efetivação do direito delas. Mais que simplesmente “cuidado com a ofensa” (o qual, dependendo da circunstância, revertido em receio de dizer algo errado, pode gerar barreiras atitudinais de medo, de substantivação, de adjetivação ou de negação da deficiência), utilizar a nomenclatura adequada é demonstrar ciência de que as palavras têm o poder de abrir, fechar e consolidar não apenas a compreensão acerca do pertencimento da pessoa com deficiência à sociedade, mas o entendimento de que elas são cidadãs, detentoras de deveres e de direitos. Nesse sentido, a partir do discurso de Bazante (2002), pode-se afirmar que a dimensão teórico-discursiva da nomenclatura e dos demais constructos da inclusão têm o propósito de colocar em debate uma mudança de concepção, de atitude, desde a forma como tem sido denominada a pessoa com deficiência à forma como as interações sociais, os serviços, os mecanismos de difusão da cultura e de produção socioeconômica chegam até elas. 317 A pesquisadora, mais adiante, analisa a mudança de paradigma da integração para inclusão, e parece não perceber que no discurso dela ressoa a primeira perspectiva de atendimento aos alunos com deficiência: O que se apresenta nas propostas inclusivistas pode, então, demandar uma mudança que o paradigma da integração nem sequer teve tempo de consolidar – a inserção dos portadores de deficiência, que desenvolveram suas capacidades de aprendizagens em espaços especiais, poderiam frequentar espaços regulares e, assim, provocar, com a aceitação desse, a desconstrução da territorialização da deficiência e da normalidade. (BAZANTE, 2002, p. 110, grifos nossos). A escola inclusiva não é o espaço para os que “desenvolveram suas capacidades de aprendizagens em espaços especiais serem aceitos”, não há condição para a “aceitação”, não há exigência de preparação prévia para que o aluno seja partícipe da escola, não há restrição, nem espaço para a barreira atitudinal de particularização. Nessa perspectiva, os alunos não precisam ser aceitos, pois o espaço já é pertencente a eles, a todos eles, sem exceção. Assim, a inclusão reivindica uma mudança sim, uma mudança ética de todos os profissionais para que esses assumam a responsabilidade de cumprir os papéis que lhe são devidos na promoção da escola para todos; uma mudança na relação da família com a escola; uma mudança na estrutura da escola rumo à efetivação de uma educação em desenho universal, enfim uma mudança epistemológica, pedagógica e de humanização. Na tônica da educação para todos, a palavra aceitação surge como sinônimo da urgência de que se acolha a compreensão de que todos os alunos são diferentes e merecem ter equitativas oportunidades formativas. Essa compreensão deve surgir imbricada ao entendimento de que a inclusão “só se faz, fazendo” (LIMA, 2006). Apenas assim será possível atingir a transformação que esse paradigma propõe e deteriorar barreiras atitudinais, como a mencionada por Bazante (2002, p. 103) ao analisar o distanciamento ou o desconhecimento do professorado no que diz respeito à efetivação da integração/inclusão: [...] se na dimensão teórica os paradigmas da integração e da inclusão definem conceitos, atividades, espaços e momentos para a inserção do portador de deficiência, na realidade apresentada pelo cenário da pesquisa o distanciamento, ou o desconhecimento, aparece como uma tônica da angústia que tem sido para os 318 professores atuarem com o aluno portador de deficiência. Professores, como os da segunda e terceira figurações, que dizem das suas limitações pessoais, ora por não saberem como se comportar diante do aluno que porta deficiência, ora por falta de capacitação profissional para desenvolverem seu trabalho. (Grifos nossos). Da análise registrada pela pesquisadora, depreende-se que as barreiras atitudinais de medo e de rejeição poderiam encontrar espaço para se tonificar na medida em que professores, argumentando não saber se comportar diante dos alunos com deficiência, poderiam evitar o contato com eles. Outra postura que merece atenção e devida reflexão é o fato de alguns profissionais participantes da pesquisa, esteados na barreira atitudinal de baixa expectativa, na percepção de incapacidade do aluno com deficiência, ajuizar que os avanços do aluno são méritos dos docentes, como se lê nesse trecho em que Bazante (2002, p.112) traz o discurso dos professores e avalia em quem recai o reconhecimento dos êxitos: [...] Eles se dizem felizes pelo que conseguem, mas existem duas evidências que pesam na hora de delinear essa felicidade, ou seja, uma, que o mérito é do professor e a outra, a surpreendente dedicação/interesse do portador de deficiência. Vejamos algumas falas: “Eu apenas me sinto feliz quando eu consigo alguma coisa; que eles façam alguma coisa” (AMARELO, sala de integração/inclusão) “Eu fico atenta demais, pra ele não perder o fio da meada” (LARANJA, sala de integração/inclusão) “Você tem que clarear os seus caminhos... É você ver uma maneira mais fácil de atender o aluno....” “porque ela já tem um método dela trabalhar também. Veja, ela deu uma super aula, quer dizer, chamou ainda a atenção da turma” ( VERMELHO, sala de integração/inclusão). “Porque eles são muito interessados. Eles dão uma lição de vida, todo dia, pra gente...” (MARROM, sala de integração /inclusão). A maneira como relatam suas experiências estabelece uma relação que vê apenas a realização do que é proposto pelas atividades de ensino como fruto do seu trabalho, por conseguirem ir driblando as dificuldades e fazerem com que o aluno aprenda. Se o mérito é deslocado do professor para o aluno e a comunicação consegue ser estabelecida, a insistência é sobre o esforço redobrado, ou seja, o professor não enxerga que o portador de deficiência consegue formular e construir conhecimento a partir de sua capacidade intelectual. É a surpresa da lição de vida e a alegria 319 por conseguir as coisas que dão o tom da realização, e não a aprendizagem como construção. (Grifos da autora). Depreende-se, pois, que a baixa expectativa gera a equivocada interpretação de que os alunos com deficiência são intelectualmente incapazes de aprender. Essa compreensão nutre no professor a percepção de que é preciso um empenho incomum na educação desses alunos. Tal entendimento engendra a barreira atitudinal de rejeição, pois sob a leitura de que é necessário um “esforço redobrado” para trabalhar com os alunos com deficiência, os professores podem recusá-los, excluí-los. A barreira atitudinal de baixa expectativa, nesse caso, também se cristaliza quando o professor julga surpreendente a dedicação/interesse do aluno com deficiência. Bazante (2002, p.114) indica caminho para que esse processo seja erradicado e menciona o discurso de uma professora, cujo despertar para a tônica da educação inclusiva pode ser percebido: [...] Assim, o conteúdo analisado apresenta a necessidade de ir além da visão da limitação; sinaliza para a necessidade de reconhecer o portador de deficiência “com potenciais”. É urgentemente necessário se desprender de estereótipos marcados pelas práticas sociais, como discutimos em capítulos anteriores e que esse sujeito apresenta ao reconhecer o humano como premissa: “ Se você vê ali não o deficiente , mas uma pessoa humana que tem potencialidades a ser desenvolvido [sic], mesmo dentro das limitações, então, eu acho que você consegue um bom trabalho, sabe?” (AZUL, sala especial). Essa ideia (sic) sinaliza para o reconhecer do sujeito como diferente , uma vez que não será a deficiência que dará o tom da relação entre professor e o aluno. Em algumas falas identificamos, como foi dito anteriormente, conflitos e contradições. Nesse extrato, a autora revela que acredita na urgência da escola se desprender da “visão de limitação”, de incapacidade imposta ao aluno com deficiência, o que só será possível quando se reconhecer as potencialidades desses alunos e se tiver a condição de pertencimento à sociedade, ao gênero humano como premissa para a efetivação da oferta educacional. A professora depoente demonstra comungar desse entendimento, o que também sinaliza um caminhar rumo à perspectiva educacional inclusiva. 320 No mesmo trecho da análise efetivada por Bazante (2002, p.114), a autora difunde barreiras atitudinais em seu discurso, como se lê em: [...] Nesta que segue abaixo, está evidente a compreensão de que a deficiência não faz do aluno alguém incapaz de realizar algo, mas, apenas, alguém com um fazer que difere de outros: “A deficiência tá sempre relacionada ao tipo de coisa que você quer do indivíduo, ao meu modo de ver, na minha compreensão... o tipo de ação, atividade que você quer do indivíduo. Se você quer que ele expresse, converse com você, como eu estou falando... Oralmente expresse, verbalize isso e ele não tem essa condição, então ele seria deficiente nesse sentido de verbalizar oralmente aquilo que ele tá querendo dizer, mas, por exemplo, ele poderá dizer de outra forma... a deficiência estaria relacionada ao tipo X de ação que você quer que ele exerça e não à capacidade de manifestação” (BRANCO, sala de integração/inclusão). (Grifos nossos). É relevante destacar que a barreira atitudinal de particularização, expressa na ideia de que o aluno com deficiência é “alguém com um fazer que difere de outros”, coloca os alunos em dois extremos: os que apresentam um fazer igual (as pessoas sem deficiência) e os que apresentam pessoas com deficiência). de que o aluno, um “fazer que difere dos outros” (as A barreira atitudinal consiste, pois, na particularização por ter uma deficiência, demonstrará um modo particular de estudar, de aprender, quando, na verdade, todos os alunos, independente de suas idiossincrasias, traçam singulares percursos formativos. Por outro lado, novamente se percebe um constructo da filosofia inclusivista no discurso da pesquisadora: “a deficiência não faz do aluno alguém incapaz de realizar algo”. Essa crença nas potencialidades do aluno com deficiência é um dos fios condutores para a efetivação da inclusão educacional. Os professores entrevistados indicam, consoante a pesquisadora, a perseverança, a paciência, a repetição, a doação, o amor, o gostar como dimensões para que os alunos permanecessem na escola e conseguissem se desenvolver, como se lê nos extratos: “ É repetir... sempre tá repetindo . Sempre repetir, repetir, repetir, repetir, nem se preocupar , porque você repetindo , você consegue chegar lá... Aí , o que eu ensinaria pra um menino normal que aprenderia num mês , eles não aprendem . Eu fico um ano , dois, repetindo, batendo na mesma tecla” ( CINZA, sala especial). 321 “E ela é um trabalho que ela difere do outro, da educação dos ditos normais (fazia aspas com as mãos), porque ela requer uma gama bem maior de paciência, de compreensão, entendeu?! A gente tem que ter uma paciência muito grande e também uma capacidade de dosar os conhecimentos que são passados pra eles. Tem que saber dosar todo o conhecimento que passa pra ele e também a questão do tempo, que é muito importante” (AZUL, sala especial). “Então, eu comecei observando que eles são carentes de amor, carinho e dedicação. Eu vejo ele diferente por isso... ( LARANJA, sala de integração/inclusão) “Olhe, essa convivência, eu acho que ela leva muito a carga da afetividade” (AZUL, sala especial). (BAZANTE, 2002, p. 115-116). Bazante (Ibid.) ao analisar esses discursos reconhece que Tais afirmações acabam fazendo lembrar de práticas caritativas e piedosas que mais cristalizaram segregação, ao desacreditar do potencial do portador de deficiência . Traduz-se, então, da fala da pesquisadora, que o modelo caritativo de compreensão acerca da pessoa com deficiência, estando na gênese das barreiras atitudinais, incita a produção e tonificação de obstáculos à inclusão social/educacional. Os professores, por seu turno, têm contribuído com esse processo não apenas quando esvaziam a prática pedagógica da sua natureza científica e trabalham apenas na perspectiva da afetividade, mas quando demonstram descrença nas potencialidades dos alunos, comparando-os e inferiorizando-os (“o que eu ensinaria pra um menino normal que aprenderia num mês, eles não aprendem”) e/ou quando particularizam o comportamento, as necessidades, e o processo educacional desses alunos (“E ela é um trabalho que ela difere do outro”/ “ela requer uma gama bem maior de paciência, de compreensão”). Os danos provocados pela barreira atitudinal de particularização também são expostos nesta passagem: [...] O pensado sobre EE traz a importância de que o portador de deficiência deve ser reconhecido como ser humano, mas ver o portador de deficiência como aquele que não tem condições de se desenvolver como os outros imprime a imagem de um ser humano que tem a particularidade construída, não como algo que estabelece a diferença, mas diz o que não pode ser feito . Não amplia o universo de possibilidades e crescimentos cognitivo e social, quando em muito o reduz, o nega, por vezes, completamente. (BAZANTE, 2002, p. 129, grifos nossos). 322 A barreira atitudinal de particularização materializa a negação dos possíveis avanços, conquistas, desenvolvimento psicossocial e cognitivo que a pessoa com deficiência pode alcançar. Por constituir-se numa ameaça a esse campo de possibilidades, esse obstáculo social tem funcionado como mecanismo de segregação uma vez que a deficiência é ressaltada como falta, carência que imputa restrição, que determina o que não pode ser alcançado, efetivado pela pessoa com deficiência. No ambiente educacional em que esse obstáculo se faz presente, a deficiência parece inscrever na pessoa com deficiência a resposta que a sociedade espera, qual seja, a da aceitação e até da defesa de encaminhamentos que negam, negligenciam o campo de possibilidades de desenvolvimento individual e social, o campo de escolhas, de atuação, de empoderamento; o que termina por robustecer atitudes e projetos assistencialistas, beneficentes que tem a incapacidade, a particularização, a adaptação como princípios. Bazante (2002) analisa que além desses obstáculos sociais há também uma busca pela naturalização da deficiência quando os professores, na tentativa de justificar que agem normalmente ao atuar na educação especial, afirmam, nas seguintes passagens, que “deficientes todos somos”: “Faço como se fosse uma classe normal. A única diferença é que eles demoram mais a aprender. O que um menino normal aprende num mês, o que num é normal, entre aspas, ele passa, ele aprende num ano.” (CINZA, sala especial). “ Eu dou aula de maneira geral. Só que eu paro mais um pouco, não vou muito depressa, como se eu tivesse numa sala que não tivesse deficiente. Tenho a preocupação de perguntar: eu estou rápida, demais? Eu pergunto justa...eu pergunto à turma. Mas, pergunto mais por causa deles”. (MARROM, sala de integração/ inclusão). (BAZANTE, 2002, p. 119, grifos da autora). A naturalização, ligada ao processo de normalização, é tão danosa à pessoa com deficiência quanto as demais barreiras discutidas anteriormente, pois negar a existência da deficiência, enquanto característica da pessoa humana, é negar à pessoa o direito a ter acesso a bens e a serviços que lhe assegure a equidade social/educacional; é negar-lhe o próprio pertencimento ao gênero humano, pois o humano é indivisível, inigualável, ímpar em sua constituição. 323 Na escola, as características dos alunos precisam ser reconhecidas e consideradas, portanto, para se favorecer medidas em prol da efetivação da educação inclusiva todos necessitam considerar a deficiência como característica constitutiva dos alunos, a qual pode solicitar do professor o redesenhar de planos educativos para que se atenda a esses alunos em equidade aos demais. A compreensão acerca dessa perspectiva da educação para todos parece não ter sido atingida em sua totalidade pelos professores sujeitos da pesquisa efetivada por Bazante (2002, p.126) o que demonstra a razão do hiato entre a ciência e a prática pedagógica como evidenciado no seguinte excerto: Uma vez apresentada pelos professores a dificuldade de explicar uma compreensão sobre os paradigmas da Integração e Inclusão, temos a evidência do distanciamento entre ciência e realidade. O caminhar para consolidar essa aproximação é um processo necessário. A pesquisadora analisa que a distância entre teoria e prática precisa ser eliminada; pondera também que há “uma evidência do conflito entre o que os profissionais pensam e o significado desse pensamento no trabalho com a educação especial” (Ibid., p.123). Contudo, Bazante (Ibid., p.126) caminha discursivamente por uma linha sinuosa de compreensão semelhante a dos professores, ao afirmar que As mudanças referentes às questões que envolvem a problemática da EE, presentes nos dizeres dos professores e consideradas em conflito no dia a dia do seu trabalho, ganham pertinência pelo fato de que a compreensão sobre a atuação com o aluno portador de deficiência, embora reconhecendo suas diferenças e particularidades, não vai se constituir de maneira diferente pela ruptura proposta nos moldes do Paradigma da Inclusão, uma vez que o cotidiano escolar indica que existem especificidades no trato com os diferentes tipos de deficiência. Existem aspectos estruturais da área, cristalizados por anos de um reforço simbólico e perverso, que podem deixar o portador de deficiência mais fora do processo, ao incluí-lo, do que garantir condições de seu desenvolvimento cognitivo e social. Na ruptura, na transformação proposta pela educação inclusiva não se terá um “trato dos diferentes tipos de deficiência”, mas uma educação que, considerando a singularidade, as potencialidades individuais e grupais dos alunos, engendrará a fragmentação e, quiçá, a eliminação, daqueles obstáculos sociais, perversos, simbólicos, ruidosos presentes na prática da integração, da exclusão encoberta, da pseudoinclusão. 324 Quando, portanto, Bazante (Ibid.) afirma que há pertinência nos dizeres dos professores que advogam contra a inclusão, ela está, na verdade, ratificando falas como as apresentadas pelos depoentes no momento em que a pesquisadora perguntou o que seria necessário para atender aos alunos com deficiência: Lógico! Importantíssino! Eu acho que não tem condições de um aluno sair de casa e ir direto pro ensino regular. De maneira [soletrando] nenhuma. Ele tem que passar pelo especial (MARROM, sala de integração/inclusão). Veja! Especial aqui não é tratado de forma paternalista; é especial no sentido de ele... de que quem vai trabalhar com eles precisa de saberes especiais” (BRANCO, sala de integração/inclusão). (BAZANTE, 2002, p.127). Então, se por um lado Bazante (Ibid.) parece reconhecer que os aspectos estruturais da escola nutrem um reforço simbólico, perverso da exclusão praticada na escola; por outro, ela, quando atribui sentido e coerência ao discurso dos professores, parece crer que o aluno precisa ser preparado no ensino especial para ter acesso à educação regular, parece não acreditar nas rupturas estimuladas pela teoria da inclusão e efetivadas na prática desse constructo. Vale lembrar, nesse caso, que muitas dessas rupturas tanto ela (a pesquisadora) quanto os profissionais parecem começar a delinear. Nesse movimento, prenhe de avanços e recuos em prol da inclusão, a autora conclui que a comparação dos alunos está na gênese da manutenção da educação especial e, ainda, pontua que essa dinâmica nega ao aluno a condição de sujeito de potencialidades, a condição de aprendiz: A comparação tem se configurado pela constatação de que, não sendo como o “normal”, é deficiente. E essa afirmativa evoca a relação imediata entre deficiente e ensino especial; aquele que vai tratar de um indivíduo sem muitas possibilidades. Ainda que seja aceito nos espaços regulares, não dá conta de desmistificar a relação com uma prática pautada no “oferecimento do mínimo” para que ele consiga se manter nesses espaços. E os encaminhamentos levam consigo uma marca do ser deficiente, ou só ser eficiente por ter sido trabalhado para sê-lo, negando a constituição do sujeito aprendiz. (Id.Ibid., p. 127). Na análise desse processo, a pesquisadora alerta para que se pense que a educação especial, além de estar pautada na tônica da incapacidade, imprime ao aluno com deficiência, a partir de um currículo “adaptado”, as possibilidades de 325 fracasso escolar, de desinserção. Mais adiante, Bazante (Ibid.) indica que uma das causas para a manutenção desse processo de desinserção do aluno é que, por vezes, a discussão sobre a educação do aluno com deficiência é situada apenas entre os profissionais que atuam nas salas especiais; o que, consequentemente, estabelece uma [...] linha divisória que gera a insatisfação dos professores de salas integradas/incluídas, pois estar atuando com os portadores de deficiência significa para eles precisar do suporte dado nos momentos de estudo e de aproximação de propostas teóricometodológicas à EE. (Id., Ibid.). A autora reflete também sobre o que, aparentemente, é ponto comum entre o paradigma da integração e o da inclusão: Outra questão fundamental é a de que, se temos a perspectiva da inserção como premissa, seja num paradigma ou em outro, uma coisa é fato: está sendo perseguida uma proposta que busca levar em consideração um sujeito em sua singularidade e que tem o direito a ser inserido socialmente. A ênfase que tem permanecido dos embates entre a produção científica e o cotidiano escolar, no entanto, tem circulado basicamente na normatização do atendimento e muito pouco no conhecimento das possibilidades de se trabalhar em busca da condição de sujeito para quem essa educação se destina. (Id., Ibid.). É importante, pois, retomar a distinção entre esses paradigmas. De modo sucinto, pode-se afirmar que a inserção é constructo do paradigma da integração, o qual defende que apenas os alunos com deficiência que estiverem preparados para o ensino regular poderão ser integrados. Já a inclusão é o paradigma que defende a transformação da escola como pré-requisito para que o aluno com deficiência seja inserido num contexto de pleno exercício da cidadania, de pleno desenvolvimento e de empoderamento. Esse pré-requisito impõe que a escola esteja no processo constante de transformação e que o aluno seja ouvido, considerado, nesse processo; impõe também que a escola tenha a família como parceira e que essas instâncias, juntas à comunidade, reflitam os passos rumo à efetivação plena do acesso e da permanência de todos na escola. Ao finalizar a dissertação, Bazante (2002, p.129) ratifica a denúncia de vários obstáculos sociais identificados por ela no decorrer da pesquisa: Ao portador de deficiência fica, ainda, a imagem de “coitadinho” e que, portanto precisa ser “protegido”, mesmo que numa versão 326 modificada, que incorpora elementos novos a práticas antigas. Daí o fato de aceitar que ele pode conviver como os outros, mas ao mesmo tempo não ser possível exigir muito no seu processo de aprendizagem, na sua capacidade de produção para o trabalho, de sua cognição ou afirmação na sociedade. Fica, também, a ideia de que ele pode se desenvolver, e isso aponta para a possibilidade do desmonte das formulações pautadas na carência, falta e limitação (impossibilidade), ainda cristalizadas na representação dos professores, convidando ciência e senso comum para uma troca mais articulada dos conhecimentos produzidos. Nas palavras conclusivas do trabalho, a autora continua a denunciar a existência de obstáculos sociais e reafirma a percepção de um processo social que começa a engendrar compreensões que podem favorecer a erradicação desses obstáculos. Por um lado, a autora denuncia a piedade (“a imagem de ‘coitadinho’ e que, portanto precisa ser ‘protegido’”) e a baixa expectativa (“ele pode conviver como os outros, mas ao mesmo tempo não é possível exigir muito no seu processo de aprendizagem, na sua capacidade de produção para o trabalho, na sua cognição ou afirmação na sociedade”). Por outro, ela demonstra que a ênfase na limitação, no déficit começa a ser posta em xeque quando os profissionais começam a reconhecer as potencialidades do aluno com deficiência. Bazante (2002) não fornece, contudo, subsídios para que se pense como eliminar tais obstáculos, mas sinaliza que o senso comum nutre-os e convoca a ciência para a desmistificação. Vale então alertar, a exemplo das barreiras atitudinais encontradas no discurso científico produzido pelo PPGE/UFPE e aqui analisado em sua trajetória, que a ciência também tem gerado, tonificado muitas dessas barreiras. Logo, o discurso científico também precisa ser analisado e articulado à prática de atitudes positivas diante da pessoa com deficiência e da diversidade humana, como um todo. Nos vinte e quatro anos iniciais de pesquisa no PPGE/UFPE, especificamente, nos cinco trabalhos que discutem a educação para todos/educação especial são perceptíveis as contribuições da Universidade para que se reflita sobre as contradições nas práticas discursivas, nas políticas e nas práticas pedagógicas. Nesse processo, sem dúvida, a escola descrita como uma instituição autoritária, reprodutora de contradições sociais, esteve sob intenso foco de análise. 327 A produção desses trabalhos revela, pois, mais que a trajetória dos obstáculos sociais nutridos contra a pessoa com deficiência; eles colocam em tela a atenção que a Universidade dispensou ao tema, colocando-se em prol da educação para todas as pessoas, colocando-se como promotora de um discurso que ecoa na prática pedagógica e que dela se nutre. Esse contexto faz surgir algumas questões mobilizadoras da busca por outros dados que contribuam para que se compreenda a produção da pesquisa sobre Educação Especial no PPGE/UFPE e, ainda, faz emergir categorias analíticas das dissertações sobre esse tema, cujo fio discursivo, em sua maioria, contemplava a vertente da política educacional. A percepção desse dado gerou questionamentos: Em que linhas de pesquisa estavam situados tais trabalhos? Quais os textos teóricos e legais que foram utilizados de modo mais substantivo e convergente ao longo dessa produção? Essas questões guiaram a busca por documentos que clarificassem a essência da pesquisa sobre Educação Especial no PPGE/UFPE, dentre esses recursos, os editais de mestrado e os curricula vitarum, registrados na plataforma lattes do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), dos professores orientadores e dos orientandos, o referencial teórico e as referências dos trabalhos analisados, entre outros. 6.1- Educação Especial/Educação Inclusiva: objetivos, área de concentração e linhas de pesquisa no PPGE/UFPE Os primeiros editais de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco não foram encontrados, conforme se lê em documento fornecido pela instituição (Anexo H), o qual informa que “os editais de seleção dos anos de 1988, 1991,1992, 2004 e 2007 e dos períodos de 1978 a 1985 e 1994 a 2002 não foram localizados” nos arquivos do PPGE. Assim, no período de 1978 a 2011 (durante os trinta e três anos iniciais de pesquisa no PPGE/UFPE) muitos editais, documentos estruturadores do processo seletivo e do programa, não puderam ser encontrados, o que dificultou a coleta de 328 dados para uma leitura mais completa a respeito dos objetivos, da área de concentração e das linhas de pesquisa. No entanto, apresenta-se aqui o que foi possível apreender dos documentos obtidos. 6.1.1- Os objetivos do PPGE/UFPE: qual o lugar da pesquisa voltada à educação para todos? A pós-graduação no Brasil data da década de 1960 e inicialmente buscava formar professores para atuar no ensino superior. Em outras palavras, a expansão desse nível de escolarização tornou urgente a formação qualitativa de profissionais que nele pudessem atuar. (KUENZER; MORAES, 2005). Esse objetivo nacional da pós-graduação esteve fortemente contemplado no PPGE/UFPE, como se pode verificar nos editais publicados pelo programa. Quanto às finalidades do PPGE/UFPE, os editais de 1986, 1987, 1989, 1990 informam que a função do programa era: [...] formar professores do ensino superior, especialistas e pesquisadores em Educação, especificamente em Planejamento e Política Educacionais. [...] Fornecer um instrumental teórico-prático que, partindo de uma compreensão contextualizada das políticas educacionais na realidade brasileira, particularmente nordestina, prepare o planejador educacional para atuar nessa realidade. Pressupõe que o planejador educacional deva ser um educador, capaz de perceber as relações existentes entre as atividades educacionais e a totalidade das relações sociais e domine determinado conteúdo pedagógico, científico e técnico, o qual traduza um compromisso político com a maioria da população brasileira. (Mestrado em Educação – Edital de Seleção para o ano acadêmico de 1986. PPGE/UFPE, 1986, p. 01. Grifos nossos) Nesse caso, o discurso da universidade permite que se compreenda que ela estava buscando preparar o planejador educacional para atuar conforme um compromisso político “com a maioria da população”. No objetivo central do Programa, pode-se entender, então, que a formação por ele ofertada refletia numa prática científica e pedagógica que não seria destinada a todos, mas a uma maioria. Colocada sob esses trilhos, a formação ofertada no PPGE/UFPE se distanciava dos constructos teórico-práticos da educação para todos. 329 Posteriormente, os editais de 1991 e 1992 ainda registram esse tom, como se lê: O curso se destina a formar professores e pesquisadores em Planejamento e Política Educacionais. Objetiva fornecer referenciais teórico-metodológicos que prepare o educador/planejador para atuar na realidade brasileira, assumindo compromisso político com a maioria da população, em consonância às diretrizes do Centro de Educação da UFPE, traduzindo-se na capacidade de: - perceber as articulações entre os projetos educativos e a totalidade das relações sociais; - visualizar a inserção das políticas educacionais no conjunto das políticas públicas; - conceber propostas de intervenção macro e micro educativas, fundamentadas no domínio e na criticidade dos conteúdos da área sócio-educacional. (Mestrado em Educação – Edital de Seleção para o ano acadêmico de 1991. PPGE/UFPE, 1991, p. 01 / 1992, p. 1. Grifos nossos). Nos dois anos seguintes (1993 e 1994), os editais informam: O Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco [...] se dedica à formação de professores do ensino superior, especialistas e pesquisadores em educação, especificamente em política e Planejamento Educacionais, com a possibilidade de aprofundamento de estudos nas seguintes linhas de pesquisa: a) Estado e Política Educacional no Nordeste/ b) Política Educacional e Prática Pedagógica. (Mestrado em Educação – Edital de Seleção para o ano acadêmico de 1993. PPGE/UFPE, 1993, p. 01/ 1994, p.1). No edital de 2003, lê-se: O programa destina-se à formação de docentes/pesquisadores através da produção de estudos e pesquisas que ampliem e aprofundem o conhecimento sobre a realidade educacional, nas linhas de pesquisa que abriga. [Política Educacional, Planejamento e Gestão da Educação; Formação de Professores e Prática Pedagógica; Teoria e história da Educação; Didática dos Conteúdos Específicos]. (Mestrado em Educação – Edital de Seleção para o ano acadêmico de 2003. PPGE/UFPE, 2003, p. 01. Grifos nossos). Pode-se traduzir que nesse período a formação de pesquisadores em educação, no PPGE/UFPE, estava voltada para o conhecimento, a descrição, a compreensão da realidade educacional, não sinalizando, portanto, a intervenção, a interface entre os saberes produzidos na pós-graduação e a transformação da 330 educação, deixando de lado o movimento em que a teoria e a prática se retroalimentariam, contrariando o diálogo apregoado pela inclusão educacional. Em 2005, 2006 e 2008, lê-se esta mesma informação: 1.4- São os seguintes os objetivos específicos do programa de Pósgraduação em Educação: a) formar professores que atendam, quantitativa e qualitativamente, à expansão do ensino superior na área de Educação; b) Preparar pesquisadores que desenvolvam pesquisa educacional; c) formar especialistas de alto nível em Educação, que possam colaborar para o desenvolvimento dos sistemas de educação no Brasil. (Mestrado em Educação – Editais de Seleção para o ano acadêmico de 2005, 2006, 2008) O edital de 2009, traz: 1.3- Objetivos do Programa de Pós-graduação em Educação: a) formar professores que atendam, quantitativa e qualitativamente, às atividades do ensino superior na área de Educação; b) preparar pesquisadores que desenvolvam pesquisa educacional. (Mestrado em Educação – Edital de Seleção para o ano acadêmico de 2009. PPGE/UFPE, 2009, p. 01) Os editais para os anos letivos de 2010, 2011 e 2012 não trazem explicitamente as informações acerca dos objetivos do curso, os quais eram comumente expressos nos itens: “Objetivos do Curso”, “Informações Gerais” ou “Do público–alvo”. Hoje, a estrutura do edital contempla: 1. Da inscrição; 2. Da documentação exigida para inscrição no Exame de Seleção e Admissão; 3 - Do Exame de Seleção e Admissão; 4 – Resultados; 5 – Recursos; 6 – Vagas e Classificação; 7 – Das disposições gerais (Mestrado em Educação – Edital de Seleção para o ano acadêmico de 2012. PPGE/UFPE, 2012, p. 1-6) A lacuna informacional acerca dos objetivos do Curso leva à percepção de uma perda de identidade do Programa e incita a reflexão: será que a ausência do registro dos objetivos do curso de Mestrado em Educação, nos mais recentes editais do PPGE/UFPE, ocorre por que os atores do Programa entendem que os candidatos já conhecem a identidade do Curso ou será que essa identidade já não é tão definida como o foi anteriormente? Essa questão mobiliza outras ponderações que ultrapassam o escopo da presente pesquisa. Mas, urge ser respondida por quem participa desse importante Centro de difusão do conhecimento. 331 Quanto aos editais cujos objetivos do Programa foram registrados explicitamente, percebe-se que nesses não há menção à educação inclusiva ou a elementos que estão na centralidade teórico-prática dessa área. 6.1.2- Área de concentração e linhas de pesquisa no PPGE/UFPE: qual o lugar da pesquisa voltada a educação para todos? Da análise dos editais fornecidos, verificou-se que o mestrado em educação na UFPE, em princípio, estava situado na área de concentração: Planejamento e Política Educacionais e adotava como linhas de pesquisa: “O Estado e a política educacional no Nordeste”; “Política educacional e prática pedagógica” e objetivava, com a primeira, aprofundar [...] o conhecimento dos mecanismos de intervenção estatal no país e suas implicações na política educacional e no planejamento do setor, no contexto das políticas públicas, conforme se expressam no espaço nordestino. (Mestrado em Educação – Edital de Seleção para o ano acadêmico de 1986. PPGE/UFPE, 1986, p.1) E com a segunda, [...] compreender as implicações sócio-pedagógicas da política e do planejamento educacionais no processo educativo, seja no sistema formal de ensino, seja nas iniciativas paralelas decorrentes do nível de organização da sociedade civil. (Id.; Ibid.) Essa área de concentração (Planejamento e Política Educacionais) sofreu alterações no ano de 1996 quando foram definidos outros percursos de investigação, a saber, as linhas de pesquisa: Política Educacional, Planejamento e Gestão da Educação; História e Teoria da Educação. Só depois desse período surgiram duas outras linhas: Formação de Professores e Prática Pedagógica; Didática de Conteúdos Específicos. (RELATÓRIO CAPES, 1998 apud SILVA; PINTO, SILVA; SILVA, 2008, p. 78). Em 2005, o edital de seleção traz explicitamente, na linha de Didática dos Conteúdos Específicos, a informação de que no Programa um docente atua especificamente com pesquisas sobre Inclusão: Francisco José de Lima, Doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo, Brasil, 2001. 332 Orienta pesquisas sobre acessibilidade, a usabilidade e demais questões éticas e legais que envolvem a inclusão de crianças, jovens e adultos em todos os espaços sociais, preservadas suas características pessoais e de grupo, como sua origem geográfica e racial; sua opção sexual, religiosa, linguística, etc., assim como o estudo do direito à acessibilidade; o desenho universal; a eliminação de barreiras atitudinais. Metodologias de ensino, acompanhamento pedagógico de pessoas com deficiência, adequações curriculares e formação de docentes, sob a égide da teoria da inclusão, bem como o estudo e o desenvolvimento de tecnologia assistiva (desenvolvimento de protótipos, softwares, entre outros, nas demais áreas do conhecimento). (Mestrado em Educação – Edital de Seleção para o ano acadêmico de 2005. PPGE/UFPE, 2005, p. 04) Em 2008, nenhum professor do programa trazia, em seu perfil disponível no edital, informações sobre o interesse por pesquisas acerca da inclusão educacional. Nesse ano, a Linha de Pesquisa em Didática dos Conteúdos Específicos contemplou a área de Língua Portuguesa, a de Matemática e a área de Ciências. Nos editais de 2009 e 2010, apenas o professor Francisco José de Lima, situado na linha de pesquisa de Didática dos Conteúdos Específicos, explicitava a atuação científica na área da inclusão, demonstrando interesse por aqueles mesmos conteúdos já especificados por ele no edital de 2005. É importante destacar que no ano de 2009, a linha de pesquisa Didática dos Conteúdos Específicos apresentou subáreas: a) Língua Portuguesa; b) Educação Infantil; c) Educação Inclusiva. E em 2010, a subárea de Educação Infantil já não era visualizada. Nesse mesmo ano, a linha de Pesquisa Teoria e História da Educação apresentava: a) Subárea de Teoria e História, b) Subárea de Educação e Espiritualidade. Em 2011, a única linha de pesquisa que apresentava subáreas era a de Didática dos Conteúdos Específicos: a) Subárea Educação Inclusiva; b) Subárea de Ensino de Ciências. Surgem também as linhas de Pesquisa: Educação e Espiritualidade e Educação e Linguagem. Na ementa da linha de Pesquisa, lê-se: 1- Didática dos Conteúdos Específicos Ementa: Partindo da compreensão de que o ensino e a aprendizagem são processos em permanente transformação, sujeitos a rupturas e reconstruções epistemológicas, e que constituem, concomitantemente, produtos realimentadores desses mesmos processos, esta linha de pesquisa compreende estudos 333 que objetivam investigar a ação de ensinar e aprender nas diversas áreas do saber (Ciências e Educação Inclusiva). Desta perspectiva, são examinadas ferramentas cognitivas, transposições e contratos didáticos estabelecidos, interações professor/aluno e aluno/aluno e representações sociais envolvidas na ação educativa. (Mestrado em Educação – Edital de Seleção para o ano acadêmico de 2011. PPGE/UFPE, 2011, p. 13). Educação inclusiva como subárea é informação ratificada, nesse edital, no “Anexo IV – Linha de pesquisa e Bibliografia”. Já no edital para o ano de 2012, não aparece a subárea de educação inclusiva. Não obstante, aparece aquela mesma menção do conteúdo na ementa da linha de Didática dos Conteúdos Específicos: 1 – Didática de Conteúdos Específicos a) Ementa: Partindo da compreensão de que o ensino e a aprendizagem são processos em permanente transformação, sujeitos a rupturas e reconstruções epistemológicas, e que constituem, concomitantemente, produtos realimentadores desses mesmos processos, esta linha de pesquisa compreende estudos que objetivam investigar a ação de ensinar e aprender nas diversas áreas do saber (Ciências e Educação Inclusiva). Desta perspectiva são examinadas ferramentas cognitivas, transposições e contratos didáticos estabelecidos, interações professor/aluno e aluno/aluno e representações sociais envolvidas na ação educativa. (Edital de seleção para Mestrado em Educação. UFPE: 2012, p. 12) Quando, contudo, nesse edital Educação Inclusiva é colocada como uma área do saber, o leitor é movido a investigar quais os profissionais que orientam pesquisas nessa área e logo verifica que nenhum dos docentes situados na linha de Didática dos Conteúdos Específicos ou em outras linhas explicita que pesquisa sobre Educação Inclusiva. Vale destacar, então, que os editais colocam a educação inclusiva como área quando a educação inclusiva deve estar no cerne das pesquisas educacionais como transversalidade do conhecimento, pois a inclusão, enquanto teoria norteadora para a pesquisa em educação e para a prática pedagógica, perpassa todas as áreas, conforme se apreende do currículo do professor Francisco Lima, quando esse professor afirma , nos editais de 2005, de 2009 e de 2010, que tem interesse em orientar pesquisas sobre a discussão e a promoção da acessibilidade, em todos os espaços formativos, para crianças , jovens e adultos; sobre a usabilidade; a ética frente a diferença; os aspectos legais que envolvem a inclusão; as metodologias de ensino, as adequações curriculares, o acompanhamento pedagógico de alunos com deficiência; a formação dos professores e sobre a tecnologia assistiva. 334 Ainda em relação ao percurso de análise da(s) área(s) e das linhas de pesquisa que configuram o mestrado em educação da UFPE, depreende-se que a área de concentração do PPGE/UFPE (Planejamento e Política Educacionais), vivenciada a partir daquela díade (Estado e Política educacional / Política Educacional e Prática Pedagógica) e da posterior busca pela ampliação do programa, começa a abrir espaço para outros campos discursivos, mas que nesses campos aparentemente a inclusão ainda não tem lugar assegurado na prática investigativa incitada pelo programa. A análise desse processo conduz aos questionamentos: Qual a distinção entre área de concentração e linha de pesquisa? Que impactos as linhas de pesquisa imprimiram às pesquisas sobre Educação Especial/ Educação Inclusiva no PPGE/UFPE? Área de concentração é a orientação do programa que direciona seus partícipes a “agrupar ações e fazê-las convergir para um centro, de modo a adensar, fortalecer ou tornar mais ativo determinado domínio de conhecimento” (BORGESANDRADE, 2003, p. 09). Esse autor versa, em seu trabalho, sobre a indicação da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) para que exista certa hierarquia nos Programas de Pós-graduação em relação à estrutura organizacional. Assim, partindo do geral para o específico, os PPGs (Programas de Pós-Graduação) devem compreender: área de concentração, linha e projeto de pesquisa. A aplicação desse conceito/orientação da CAPES no PPGE/UFPE e a inexistência até 2012 de uma linha de pesquisa sobre Educação Inclusiva, que contribuísse para “adensar, fortalecer ou tornar mais ativo” o domínio do conhecimento acerca da política educacional para todos, bem como de outros aspectos da inclusão educacional, apontam os rumos da pesquisa e, de certo modo, explicam a escassez de trabalhos na área em vários e, por vezes longos, períodos da história do programa: 1978 a 1986; 1988 e 1989; 1991 a 1995; 1998 a 2002. Retornando, contudo, a discussão sobre o que delimita o conceito de linha de pesquisa, pode-se verificar, com base em Borges-Andrade (2003), Menandro (2003) 335 e Fensterseifer (2003), que esse termo sofre ausência ou confusão conceitual. O primeiro autor afirma que para definir uma linha de pesquisa pode-se adotar o conceito de um traço imaginário que [...]. determina o rumo, ou o que será investigado num dado contexto ou realidade; . limita as fronteiras do campo específico do conhecimento em que deverá ser inserido o estudo; . oferece orientação teórica aos que farão a busca; e . estabelece os procedimentos que serão considerados adequados nesse processo. (BORGES-ANDRADE, 2003, p. 08, grifos do autor). O autor Jairo Borges-Andrade indica, então, os elementos essenciais do conceito de linha de pesquisa: “objetivo, delimitação de escopo e referência a atividades de trabalho”. (Id., Ibid.). Menandro (2003, s./p.), por seu turno, propõe o seguinte esquema para explicitar a caracterização do conceito de linha de pesquisa: Área Concentração Delimita do de Linha Pesquisa de Projeto Pesquisa fronteiras campo de conhecimento da SEMPRE SEMPRE Não se aplica ÀS VEZES SEMPRE SEMPRE ÀS VEZES ÀS VEZES SEMPRE ÀS VEZES ÀS VEZES SEMPRE investigação Determina o rumo ou o que investigado será num dado contexto Demarca orientação teórica, que de serve de referencial Estabelece procedimentos adequados investigação à 336 A reflexão proposta pelo autor sugere que se pense em linha de pesquisa como algo que sempre delimita fronteiras do campo de conhecimento da investigação e determina o rumo ou o que será investigado num dado contexto. E que, às vezes, demarca orientação teórica, que serve de referencial e estabelece procedimentos adequados à investigação. As dissertações aqui estudadas, ao se inserirem nas duas linhas “O Estado e a política educacional no Nordeste e Política educacional e prática pedagógica”, sustentam a diferença sugerida por Menandro (2003), uma vez que os trabalhos estão dentro de uma área de concentração, dentro de uma linha de pesquisa e, enquanto projeto: Determinam o rumo ou o que será investigado num dado contexto; Demarcam orientação teórica, que serve de referencial; Estabelecem procedimentos adequados à investigação. Ocorre, contudo, que o rumo determinado não vem da área de concentração de educação inclusiva em si, mas das áreas supramencionadas (O Estado e a política educacional no Nordeste, Política educacional e prática pedagógica); a demarcação da base teórica está mais para a sociologia, a política, a psicologia etc. que baseada na literatura da pedagogia social e inclusiva; e ao estabelecer os procedimentos metodológicos para a pesquisa , de modo geral, os trabalhos não contemplam a participação do sujeito (aluno, profissional com deficiência etc.) dentro do preceito “nada de nós sem nós”. A fim de entender essa relação, vale refletir ainda sobre a aparição do conteúdo educação inclusiva como saber na linha de didática, cuja prática das pesquisas orientadas pelo professor Francisco Lima ultrapassa essa díade de áreas, extrapola a demarcação discursivo-teórica em comento e assume as nuanças da discussão e da defesa da inclusão. Nesse caso, é valoroso que se perceba que aqueles grandes temas sobre a inclusão registrados quando o professor declarou, nos editais, os interesses por pesquisas, têm sido materializados nos trabalhos concluídos ou em andamento. Sob a orientação de Lima, tem-se a pesquisa realizada por Fernanda Sant’ana (2005) sobre: avaliação, currículo, formação docente; a dissertação de Neulia Cavalcante (2007) sobre: o papel do professor itinerante; a dissertação de Lívia Couto Guedes 337 (2007) sobre barreiras atitudinais e questões legais da inclusão; as dissertações de Ernani Ribeiro (2010) e Paulo Vieira (2010) que discorrem sobre tecnologia assistiva; o primeiro, sobre a acessibilidade no livro didático para pessoa surda; o segundo, pesquisou sobre acessibilidade no livro didático para pessoa cega. Em andamento, o trabalho de Andreza Nóbrega sobre: educação inclusiva como fonte de acesso à arte para pessoas com deficiência visual, intelectual, com dislexia e outras; e o de Fernanda Loiola sobre a educação inclusiva nos ambientes hospitalares; e este próprio trabalho que faz uma apresentação, um estudo histórico da Educação Especial no PPGE/UFPE. As dissertações seguem, com exceção desse contexto, projetos de interesse dos orientandos que são acolhidos por orientadores cujas linhas de pesquisa alcançam a educação inclusiva, mas que não estão, nem elas, nem a área de concentração a que pertencem, dentro da área educação especial/educação inclusiva. É compreensível, para a época até então estudada, que isso ocorresse; visto que não havia área de concentração, linha de pesquisa ou orientador que pesquisasse a educação especial/educação inclusiva especificamente. Com efeito, em sua maioria, as dissertações estavam situadas no âmbito político da educação, consoante, inclusive, a uma tendência nacional de investigação dos Programas de Pós-Graduação (Doravante, PPGs), como indica Santos (2008). Em razão do valor das linhas de pesquisa para a sistematização dos programas de pós-graduação, para que projetos sejam desenvolvidos e o “ciclo de vida dessas linhas” (FENSTERSEIFER, 2003) seja retroalimentado, elas paulatinamente se transformaram [...] numa unidade de análise para a avaliação de cursos e de propostas de cursos [por isso] são comuns os cálculos de projetos por linhas, pesquisadores por linhas, alunos por linhas, publicações e dissertações por linhas, linhas por grupos, linhas por área de concentração, linhas por curso etc. [...]. (BORGES-ANDRADE, 2003, p. 04) Quando, porém, as linhas de pesquisa são colocadas pela UFPE como campo de investigação documental, quase não se visualizam informações sobre a subárea Educação Inclusiva, inserida na área de Didática dos Conteúdos 338 Específicos, conforme se pode analisar em livro intitulado “Programa de Pósgraduação em Educação da UFPE: 30 anos de uma história (1978-2008)”, de autoria de Silva et. al. (2008), publicado pela editora Universitária da UFPE. O livro que historia o percurso do PPGE/UFPE é um relevante documento para todos os que participam do programa ou que dele queiram se informar. Contudo, ao trazer pouca visibilidade ao trabalho que essa conceituada Universidade tem efetivado sobre o tema Educação Especial/ Educação Inclusiva, coloca o programa num lugar aquém ao que ele de fato se encontra, no que concerne às pesquisas sobre Educação Especial/Educação Inclusiva. Esse material traz três quadros sínteses das categorias teóricas utilizadas pelos autores para classificar os temas das pesquisas realizadas no programa e do quantitativo de dissertações elaboradas no intervalo de 1982 a 2008, consoante tais categorias. No quadro 01, lê-se: Síntese por categorias – Dissertações – 1982- 1989 Categorias Políticas e Dissertações Planejamento 8 Educacionais Clientela estudantil 2 Agentes Educativos 4 Currículo Escolar 0 Estratégias, Recursos e Avaliações 1 de Aprendizagem Sistemas, Instituições, Programas, 2 Cursos e Movimentos Educacionais História e Filosofia Outros 4 3 (SILVA et. al. 2008, p.80) Nesse período, verifica-se que o maior quantitativo de trabalhos contemplou a categoria Políticas e Planejamento Educacionais, situando-se naquela perspectiva da área de concentração do curso de mestrado do Centro de Educação/UFPE. E, 339 conclui-se que na categoria “Outros”, provavelmente, não estaria situado aquele primeiro trabalho sobre educação para todos (a dissertação de Inalda Bacelar), pois o texto discute a prática e o discurso da política educacional. Logo, nesse recorte temporal da pesquisa efetivada no PPGE/UFPE, não há referência à Educação Especial/Educação inclusiva, mas havia um trabalho vanguardista sobre as bases da educação inclusiva. No quadro 02, lê-se: Síntese por categorias – Dissertações – 1990- 1999 Categorias Políticas e Dissertações Planejamento 06 Educacionais Clientela estudantil 07 Agentes Educativos 09 Currículo Escolar 01 Estratégias, Recursos e Avaliações 13 de Aprendizagem Sistemas, Instituições, Programas, 19 Cursos e Movimentos Educacionais História e Filosofia Outros 13 05 (SILVA et. al. 2008, p.81) Os dados contemplados nesse quadro demonstram que o PPGE/UFPE começa a pesquisar com mais vigor temas relacionados a Sistemas, Instituições, Programas, Cursos e Movimentos Educacionais; História e Filosofia da Educação e Agentes Educativos. O tema das Políticas e Planejamento Educacionais permanece numa frequência de análise considerável, mas, nesse período, não prevalece nas produções. Na categoria “Outros”, estariam, então, situados os trabalhos de Rosa (1990), Nery (1996), Moreira (2002). Esses trabalhos representam a maturidade do Programa em lidar com o tema da Educação Especial e trazem impactos diretos à política e à prática educacional do estado de Pernambuco, seja quando a 340 dissertação de Rosa dá origem a um relevante documento: “Proposta Pedagógica para a Área da Deficiência Mental”, publicado no Caderno de Educação Especial, Série Ensino, Recife (1991, p. 40-43); seja quando essas dissertações são utilizadas como referencial teórico para outras pesquisas realizadas no programa e por outros pesquisadores em espaços exteriores a ele. E, no quadro 03, tem-se: Síntese por categorias – Dissertações – 2000-2008 Categorias Políticas e Dissertações Planejamento 41 Educacionais Clientela estudantil 18 Agentes Educativos 51 Currículo Escolar 31 Estratégias, Recursos e Avaliações 50 de Aprendizagem Sistemas, Instituições, Programas, 26 Cursos e Movimentos Educacionais História e Filosofia Outros 30 13 (SILVA et. al. 2008, p.82). Ao analisar o quadro, percebe-se uma crescente na produção da pesquisa no PPGE/UFPE, onde se discute hierarquicamente, do ponto de vista quantitativo, os temas relacionados a Agentes Educativos; Estratégias, Recursos e Avaliações de Aprendizagem; Políticas e Planejamento Educacionais; Currículo Escolar; História e Filosofia. Na categoria “Outros”, constituída por 13 trabalhos, estariam então situados 11 estudos sobre Educação Especial/Educação Inclusiva: Tânia Bazante (2002); Sandra Santiago (2003); Ediana Almeida (2003); Maria do Rosário Sales (2005); Zélia Fonte (2005); Fernanda Sant’ana (2005); Ana Flávia Oliveira (2006); Neulia Cavalcanti (2007); Ednea Albuquerque (2007); Lívia Guedes (2007); Vanira Lins 341 (2008). Esse dado, incita a reflexão: será que a(s) pessoa(s) que realizaram esse levantamento entendeu (entenderam/ compreendem) a relevância desses trabalhos para o PPGE/UFPE? Ainda sobre os recortes temporais registrados por Silva et. al.(op. cit.), podese verificar que o período de 2000 a 2008 foi o intervalo em que mais o PPGE/UFPE produziu/efetivou pesquisas, considerando o período deste trabalho, inclusive essa crescente é identificada nos temas sobre Educação Especial/Educação Inclusiva (15 dos 21 trabalhos situados na categoria Outros). Deixar de enfatizar essa parte constitutiva do montante de trabalhos é também deixar de reconhecer o quanto a Universidade tem se disponibilizado a discutir, a analisar e a contribuir com a educação para todos. Ao reunir as informações desses quadros, têm-se, então, as seguintes categorias e quantitativo de trabalhos: Políticas e Planejamento Educacionais (55 trabalhos); Clientela estudantil (27 trabalhos); Agentes Educativos (64 pesquisas); Currículo Escolar (32 pesquisas); Estratégias, Recursos e Avaliações de Aprendizagem (64 dissertações); Sistemas, Instituições, Programas, Cursos e Movimentos Educacionais (47 pesquisas); História e Filosofia (47 pesquisas); não apontados nas categorias 15 pesquisas sobre Educação Especial/Educação Inclusiva e em Outros (6 pesquisas). Esses dados demonstram que o fio discursivo presente na base do PPGE/UFPE (Planejamento e Política Educacionais) ainda permanece com vigor. Demonstra também que no Programa não há mais uma área de concentração, mas áreas que fazem dele um relevante Centro de produção e de difusão do conhecimento, o qual deve estar a serviço da comunidade. A Educação Especial/Educação Inclusiva, contudo, não se constitui, no PPGE/UFPE, em uma área de concentração ou linha de pesquisa. Muito embora, conforme a literatura apresentada, constitui em si uma linha de pesquisa. Sustentando esta assertiva, vale observar o seguinte gráfico construído a partir dos dados coletados na presente pesquisa: 342 GRÁFICO I: Dissertações sobre temas diversos versus Dissertações sobre Educação Especial produzidas no PPGE/UFPE (1978 a 2011) 99,48% 98,04% 73,9% 26,10% 1,96% 0,52% 1978 – 1990 1991-2000 2001-2011 26 DISSERTAÇÕES 98 DISSERTAÇÕES 435 DISSERTAÇÕES PRODUZIDAS PRODUZIDAS PRODUZIDAS No período de 1978 a 1990, 26 dissertações foram defendidas, sendo 2 desenvolvidas sobre Educação Especial/Educação Inclusiva, representando 0,52% do total dos trabalhos produzidos nesse período. No intervalo de 1991 a 2000, foram efetivadas 98 pesquisas, sendo 2 delas sobre Educação Especial/Educação Inclusiva, o que corresponde a 1,96% das dissertações construídas. No último recorte histórico das produções do PPGE/UFPE (2001 a 2011), visualiza-se o aumento impactante da efetivação de pesquisas, chegando a 435 trabalhos, com uma representação de 16 trabalhos, ou seja, de 26,10% das dissertações sobre Educação Especial/Educação Inclusiva. A análise quantitativa da efetivação desses trabalhos traz para a análise qualitativa novas dimensões de efetivação, no presente estudo. É nesse processo de conjugação dos dados que surgem as questões: Em que linhas de pesquisa estavam situados os trabalhos dissertativos efetivados nos primeiros 24 anos de pesquisa sobre educação especial/educação inclusiva no PPGE/UFPE? Quais os 343 temas específicos dessas pesquisas? Que constructos as fundamentaram? Essas questões trazem novas possibilidades de ampliação da análise da trajetória das pesquisas no PPGE/UFPE. A informação precisa acerca das linhas de pesquisa em que os trabalhos de Educação Especial/ Educação Inclusiva estavam inseridos não foi encontrada, pois, os editais para seleção de mestrado do período de 1994 a 2002, como mencionado, não foram localizados nos arquivos do PPGE/UFPE. Além disso, as dissertações também não trazem a informação sobre as linhas de pesquisa em que elas estavam inseridas. E estas eram várias, conforme mencionam Silva et.al. (2008, p. 79): Política Educacional; Teoria e História da Educação; Didática dos Conteúdos Específicos; Formação de Professores e Prática Pedagógica. Nem mesmo assim temos como identificar com exatidão as linhas em que aquelas dissertações estavam inseridas, pois, os autores não mencionam que professores atuavam em quais linhas. Então, na tentativa de identificar de onde os orientadores falavam ao orientar aqueles trabalhos de educação especial, investigou-se, no currículo lattes, o percurso formativo desses professores e o que eles sinalizavam/sinalizam como interesse no campo da pesquisa, (http://buscatextual. cnpq.br/buscatextual/busca.do?metodo=apresentar, em 29 de fevereiro de 2012). Na Plataforma Lattes, apenas foram encontrados os currículos de quatro daqueles professores-orientadores. Os currículos informam que dois deles cursaram graduação na Universidade Federal de Pernambuco, sendo um deles do curso de licenciatura em Pedagogia e o outro de História. Três dos orientadores foram alunos do curso de mestrado do PPGE/UFPE, tendo um deles participado da primeira turma do mestrado em Educação. Vale também destacar que apenas 50% dos professores, cujos currículos foram analisados, são pedagogos. Outra informação relevante é que a formação stricto sensu dos quatro professores mostram que os caminhos formativos contemplaram não apenas a área da Educação, mas as de Sociologia e de Psicossociologia. Tais dados podem indicar certo grau de 344 [...] endogenia (no sentido de que os pesquisadores são formados dentro do próprio programa) que marca, de forma mais ou menos contundente, o desenho atual dos PPGEs. A formação multidisciplinar, por outro lado, é fator de interferência sobre os processos de escolha dos objetos de estudo. (SANTOS, 2008, p. 82). No que concerne aos objetos de estudo, nenhum dos professores afirma trabalhar com inclusão educacional, inclusive no currículo lattes da professora Silke Weber, até o momento pesquisado, não foi encontrada informação sobre a orientação do trabalho de Ester Rosa (1990). No entanto, no currículo lattes da professora é informado que ela pesquisa sobre qualidade da educação pública ou sobre projetos de sociedade, conteúdos comunicantes com a teoria da inclusão. Por outro lado, o estudo de política realizado por Neves pode tê-la aproximado da área da educação especial, uma vez que esta interage com aquela. De igual forma, no momento em que Brayner pesquisa sobre cidadania, espaço público e escola pública poderá se deparar com a perspectiva da inclusão , a qual diz que a sociedade deve ser projetada para todos e com todos, mas que as instituições, as normas, a alienação têm feito com que não seja assim. Ainda, quando Souza estudava os fundamentos da educação, os movimentos sociais, a pluri e a interculturalidade, a democracia, a formação do professor, a educação de jovens e adultos etc., ele pode ter se deparado com os princípios da inclusão social e educacional que permeiam aqueles temas. Como se vê, as pesquisas no campo da educação especial orientadas por esses professores podem, portanto, ter ocorrido em função de os temas serem transversais aos pesquisados pelos orientadores e não porque estes tivessem como linha de pesquisa a educação especial ou inclusiva efetivamente. Isso talvez explicasse a ausência de uma terminologia mais afinada com a educação inclusiva, alguns olhares que já não mais eram próprios para o momento da produção das dissertações e a existência de barreiras atitudinais, conforme tratado anteriormente neste trabalho. No sentido de examinar como as pesquisas contemplaram temas e um acervo teórico que, de algum modo, estabeleceram diálogos com os preceitos da inclusão 345 analisam-se, a seguir, dois outros aspectos da produção científica em estudo: os temas e os títulos. 6.2- As dissertações de mestrado do PPGE/UFPE: análise dos temas e dos títulos das pesquisas Após aqueles primeiros passos da análise geral das dissertações produzidas no PPGE/UFPE, no período de 1978 a 2002, e da análise dos objetivos do Programa, das áreas e linhas que o constitui, agora se analisa a temática de cada pesquisa e se observa, através do discurso situado num contexto histórico, a mensagem global que as perpassa. As considerações sobre os títulos são, pois, relevantes no estudo da trajetória das barreiras atitudinais porque tais títulos são temáticos e representam o conteúdo das dissertações, que foram estudadas minuciosamente. Na análise temática aqui efetivada, procura-se ouvir cada “autor, apreender, sem intervir nele, o conteúdo de sua mensagem” (SEVERINO, 2007, p. 57). Partindo-se desse procedimento, considerou-se, então, que [...] o tema tem determinada estrutura: o autor está falando não de um objeto, de um fato determinado, mas de relações variadas entre vários elementos; além dessa possível estruturação, é preciso captar a perspectiva de abordagem do autor: tal perspectiva define o âmbito dentro do qual o tema é tratado, restringindo-o a limites determinados. (Id., Ibid.) Os temas das pesquisas devem, portanto, ser percebidos como construções que enunciam o projeto de sociedade, o projeto de pós-graduação que se tem a cada período, como se depreende da leitura do seguinte quadro organizado a partir dos dados coletados na presente pesquisa: 346 QUADRO I- Temáticas abordadas nas dissertações produzidas no período de 1978 a 2002 no PPGE/UFPE TRABALHOS DISSERTATIVOS BACELAR, Inalda Vieira. Educação TEMAS para O (des)cumprimento da Todos: a prática e o discurso. Recife: UFPE, Política educacional relativa 1987.86f. Dissertação (Mestrado em ao primeiro grau. Educação). Programa de Pós-graduação em Educação. Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 1987. ROSA, Ester Calland de Sousa. Aluno A política portador de deficiência: problema médico- educação nacional especial de como pedagógico ou conquista da cidadania? - A mecanismo de garantia ao Educação especial em Pernambuco - Recife: direito da UFPE, 1990. 252f. Dissertação (Mestrado em deficiência pessoa com intelectual à Educação). Programa de Pós-graduação em educação e à cidadania. Educação. Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 1990. NERY, Tânia Maria de Oliveira. Ser diferente Contribuições das políticas numa sociedade massificada – um estudo de educação/integração sobre a política de integração do portador de para que a pessoa com deficiência. Dissertação Recife: UFPE, (Mestrado em 1996. 144f. deficiência Educação). cidadania. Programa de Pós-graduação em Educação. Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 1996. conquiste a 347 MOREIRA, Fabiana Wanderley de Souza. A intervenção política e a Expressões e silêncios cidadania-deficiência abordagem dos discursos prática mental. histórico-discursiva Uma como do discursiva promotoras “Plano discurso UFPE, 1997. 277f. Dissertação resgate do cidadania- Estadual de Educação – PE – 1988/1991”. deficiência Recife: estatal da mental, do cidadania/do (Mestrado em Educação). Programa de Pós- direito à educação especial. graduação em Educação. Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 1997. BAZANTE, Tânia Maria Goretti Donato. Articulações entre os Quando as (in)certezas e as esperanças se paradigmas da Integração e (des)encontram: um estudo das da Inclusão e a prática representações sociais dos professores sobre pedagógica. educação especial na rede estadual de ensino. Recife: UFPE, 2002. 151f. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-graduação em Educação. Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2002. Ao analisar os temas dessas dissertações, verifica-se que de 1978 a 2001 os (des)encontros entre o discurso político e o alcance à escolarização/à cidadania esteve na centralidade das pesquisas efetivadas no PPGE/UFPE. Assim, foi apenas a partir de 2002, no âmbito das produções sobre Educação Especial, que esse Programa começou a articular paradigmas educacionais e prática pedagógica, o que demonstra, por um lado, o largo período em que se discutiu intensamente sobre o discurso político e seu poder persuasivo, abrangente e com vários graus de legitimidade; e, por outro, a relevância do trabalho de Bazante (2002) como passo que historia a mudança no foco do discurso, mais próximo não apenas da descrição, da denúncia do não efetivado, mas da transição/da transformação da escola. 348 Avançando um pouco mais na tentativa de apreensão da mensagem dos autores, buscou-se captar a problematização do tema, considerando-a como, por assim dizer, algo que “inquietou” o pesquisador. Esse fato, contudo, precisa ser analisado à luz da história. Nesse caso, as contribuições de Santos (2008) tornam-se bastante valorosas. A autora, ao investigar sobre o contexto das produções dos PPGEs no Nordeste, comenta as ideologias que sustentam o discurso acadêmico e as inquietações que mobilizam a efetivação de pesquisas sobre política: [...] o campo da pesquisa em política educacional passou e passa por um processo de constituição de sentidos que se refletem nas pesquisas desenvolvidas na pós-graduação e que, ao mesmo tempo, geram e são frutos de mudanças sociais. O trajeto histórico ao qual nos referimos quando falamos da pesquisa e da Pós-Graduação em Educação mostra um pouco essa mudança: no período da ditadura militar o tema praticamente não aparecia nas pesquisas; no início da abertura política, a partir da década de 1980, os estudos sobre a política educacional estavam relacionados à capacidade administrativa e aos mecanismos desenvolvidos para garantir maior eficiência e racionalização ao Estado; no final dessa década e início da década de 1990, os estudos avançam e passam a ter, em grande parte, sentido de denúncia e voltam-se também para as expectativas de que demandas da Educação sejam contempladas na nova legislação; do meio para o final dessa década e nesse início de século o perfil estatal neoliberal e aspectos a ele relacionados são o foco principal dos autores, sob diferentes aspectos, de forma que críticas são recorrentes e propostas de mudanças também. (SANTOS, 2008, p. 69-70). Então, consoante essa autora, em meados da década de 1970 e durante a década de 80, as discussões nos PPGEs começam a ser situadas numa conjuntura de “abertura política” e de redemocratização da sociedade brasileira, quando muitos movimentos sociais, entre esses os que contavam com a participação de pessoas com deficiência, emergem e trazem à tona a força de cada sujeito político e da luta contra o regime ditatorial implantado no país em 1964. Essa preocupação com o tema da política educacional, prevalecente nas dissertações analisadas, faz parte de um processo de leitura/interpretação da realidade social em que os pesquisadores estavam situados. Esse movimento se expressa na condução nacional de pesquisas realizadas nos PPGEs e incita o início de estudos críticos, mais próximos da mudança do que apenas das proposições discursivas. 349 Nesse contexto, do elemento base prevalecente como tema nos trabalhos dissertativos analisados (o discurso político) chega-se a um percurso singular de abordagem proposta por cada pesquisador, a qual anuncia, através dos títulos das dissertações, a trajetória do entendimento, do tratamento dispensado à pessoa com deficiência no discurso científico e na prática social/educacional; alimentados, inclusive, pela atuação do PPGE/UFPE. O trabalho de Bacelar (1987), intitulado “Educação para Todos: a prática e o discurso”, alinha-se ao debate sobre o descumprimento da lei referente à educação para todos. É importante considerar que a década em que esse trabalho foi construído estava fortemente marcada por um processo de transição, de redemocratização da política, aliado à luta de vários setores da sociedade brasileira. Nesse quadro, surgem vários segmentos sociais que procuram conscientizar os indivíduos acerca da condição de todos enquanto sujeitos de direitos e de deveres. Logo, o debate sobre a educação para todos brota como um instrumental de que todos os indivíduos precisavam se apropriar para fazer valer o encontro da prática com o discurso. Portanto, a análise dos hiatos, presentes nesse processo, foi uma grande contribuição de Bacelar para que a sociedade compreendesse os mecanismos de sustentação de “barreiras que levavam as crianças a acreditar antecipadamente no seu fracasso escolar” (p. 01); entendesse que a educação é um dos principais instrumentos de formação da cidadania e que ninguém deve/pode ser privado dele. Essa discussão muito contribuiu para o processo de mudança que ainda estava por vir, mais fortalecido e atento, inclusive, à questão da qualidade na educação e do direito das pessoas com deficiência terem acesso equitativo a ela. A década de 90 desponta, portanto, marcada pela [...] busca da estabilidade econômica no Brasil e pelos processos de reforma do Estado, que tem seus reflexos na Educação. A elaboração do Plano Decenal de Educação (1993-2003), a promulgação da Nova LDB (Lei nº 9394, promulgada em dezembro de 1996), dentre outras medidas de políticas vão influenciar sobremaneira a produção do conhecimento em política educacional. Além disso, o panorama político marcado pela assunção do modelo neoliberal, pela reforma do Estado e seus impactos no campo educacional vão marcar a produção acadêmica na área. (SANTOS, AZEVEDO, 2007, p. 11). 350 A produção do conhecimento no PPGE/UFPE, nas pesquisas sobre Educação Especial, produzidas nessa década, discute o tema da política educacional e, mais, demonstra, pelo quantitativo de trabalhos desenvolvidos, que a pesquisa em Pernambuco está inserida no contexto da urgência das novas demandas educacionais que fizeram emergir, inclusive, o tema da educação especial, entre outras quatro áreas. Santos (2008), retomando o conteúdo do InfoCapes 32 (2001), comenta que essas novas demandas sinalizavam as problemáticas da educação brasileira e a busca por uma redefinição no âmbito das pesquisas. A autora afirma: Essa redefinição passa, por exemplo, por uma análise das demandas por pesquisas realizadas em eventos como o Seminário Pósgraduação: Enfrentando Novos Desafios, que recomendou uma ampliação das fronteiras temáticas de formação, identificando cinco temas que se vinculam a essa demanda: avaliação institucional e de sistemas, educação ambiental, educação especial, educação à distância, informática e educação e, ainda, a área de métodos quantitativos em educação. (SANTOS, 2008, p. 108). O documento da CAPES justifica a indicação das cinco áreas e enfatiza que, em relação à Educação Especial, a indicação se sustenta porque [...] a preocupação da sociedade com a educação dos portadores de necessidades especiais aumentou substancialmente nos anos noventa e, embora haja seis instituições com programas de pósgraduação stricto sensu, no Sul e Sudeste, que trabalham com Educação Especial, pode-se dizer que são "escassos os programas que desenvolveram uma linha de pesquisa consistente sobre Educação Especial" e que há "carência de pesquisadores e quadros profissionais para as ações que a nova legislação do País impõe" [...] . (INFOCAPES, 2001, p. 38). Acorde com esse entendimento, verifica-se que apenas em 2005, é que o PPGE/UFPE passa a ter um pesquisador, o professor Francisco Lima, que se define na “linha de pesquisa de educação inclusiva” e, confirmando a tendência indicada no Infocapes (2001), esse pesquisador é oriundo do sudeste. 32 O INFOCAPES foi, por 10 anos (1993-2002), um importante veículo de divulgação das atividades da Capes e um espaço de difusão e discussão de temas e idéias sobre a pós-graduação. Sob a responsabilidade editorial da Coordenação de Estudos e Divulgação Científica, tinha periodicidade trimestral e as seguintes seções: Estudos e Dados, Opinião, Documentos e Informes. (http://www.capes.gov.br/servicos/publicacoes). Em 2004, o INFOCAPES foi substituído pela Revista Brasileira de Pós-Graduação (RBPG) (http://www2.capes.gov.br/rbpg/) 351 Até então, o PPGE/UFPE estava no grupo de programas que não apresentava uma linha de pesquisa sobre Educação Especial, campo discursivo indicado pela CAPES como relevante para que se cumprisse a legislação educacional brasileira, e.g. a lei federal 9394/96, cujo capítulo V prevê a formação do professor capacitado , para o nível de graduação, e professor especialista, para a pós-graduação. (C.f. a dissertação de Fenanda Santana defendida no PPGE/UFPE em 2005). Assim, na década de 90, mesmo não atendendo explicitamente àquela orientação da CAPES para com a fronteira temática da educação especial, o PPGE/UFPE insere-se, através dos trabalhos de Rosa (1990), Nery (1996) e Moreira (1997), no debate sobre a garantia da educação para as pessoas com deficiência. Vale recordar que a reflexão sobre a educação para esta clientela teve início, no PPGE/UFPE, com a pesquisa de Bacelar (1987), pois mesmo esta não falando explicitamente sobre a educação especial, ao discorrer sobre educação para todos colocava em tela a educação das pessoas com deficiência, parte constitutiva desse todos. Rosa (Ibid.) elege para seu estudo o título “Aluno portador de deficiência: problema médico-pedagógico ou conquista da cidadania? - A Educação Especial em Pernambuco”. A autora, ao discutir o tema da política nacional de educação especial como mecanismo de garantia ao direito da pessoa com deficiência intelectual à educação e à cidadania, demonstra, desde o título do trabalho, aspectos históricodiscursivos presentes no objeto de estudo. Primeiro, pode-se perceber que a nomenclatura utilizada para fazer referência à pessoa com deficiência já colocava em primeiro plano a pessoa, o aluno, refletindo, portanto, uma discussão histórica mundial sobre a adequada expressão para fazer referência à pessoa humana, à deficiência como característica dela e, em consequência, fornecer, através do discurso, representações sociais positivas que contribuíssem para a eliminação de preconceitos/ das barreiras atitudinais. Hoje se discute, contudo, a negatividade do termo “portador”, mas aqui cabe recordar a mudança histórica acerca da compreensão e do atendimento educacional que caminhava para uma perspectiva de reconhecimento da pessoa com deficiência 352 como partícipe da comunidade humana, pois essa nomenclatura põe em xeque expressões e representações sociais como: “inválidos, incapacitados, defeituosos, excepcionais, pessoas deficientes” (SASSAKI, 2003c, p. 1-4). “Portador de deficiência” era então uma expressão agregada à qualidade de pessoa, que deveria ser vista como sujeito de direitos e capaz, entre outras coisas, de aprender e de trabalhar. Assim, em razão daquela atmosfera de busca pela democratização e pela cidadania, essa expressão alcançou generosa adesão por parte dos atores escolares e despontou como um elemento contributivo para se alargar os horizontes da educação especial e da defesa dos direitos. Essa defesa também pode ser percebida no título da dissertação de Rosa (1990) quando a autora fala em “conquista da cidadania”. Essa conquista representa a luta dos movimentos sociais, principalmente dos movimentos de pessoas com deficiência, para que essas pessoas alcancem a vitória de terem seus direitos constantes em lei e ratificados na prática. Pode-se, nesse contexto, falar em vitória porque esses indivíduos, desde o período mais primitivo da sociedade, tiveram de lidar com a urgência de derrubar barreiras, entre as quais estão as muralhas das atitudes de alguns responsáveis por nutrir, como diria a autora, o processo de medicalização do ensino. O estado de Pernambuco esteve, portanto, sob o foco analítico dos pesquisadores sociais e Rosa (1990) focaliza essa análise nas propostas que estavam começando a se delinear e se diziam situadas no contexto da cidadania, mas que, na verdade, acabavam por nutrir a disputa entre o ajuste dos sistemas educacionais às demandas da nova legislação nacional, a qual surgia em resposta às pressões dos organismos internacionais, de seus eventos e da farta produção documental/legal (e.g. “Conferência Mundial sobre Educação para Todos”, 1990; “Conferência Mundial sobre as Necessidades Educativas Especiais”,1994). Nesse percurso, a cidadania, como direito a ser efetivado na vida social e pública, esteve também sendo analisada sob o viés da investigação acerca das contribuições das políticas de educação/integração para que a pessoa com deficiência conquistasse seus direitos. Esse, na verdade, foi o tema trabalhado por 353 Nery (1996), em pesquisa intitulada “Ser diferente numa sociedade massificada – um estudo sobre a política de integração do portador de deficiência”. O trabalho de Nery demonstra, através do tema, que a tônica da conquista da cidadania continuava na agenda das discussões e das análises científico-acadêmicas, mas agora a reflexão mais estrita sobre a escolarização/ a integração da pessoa com deficiência parece considerar o questionamento sobre os paradigmas educacionais. No título da dissertação, a autora explicita que havia um processo de homogeneização, de massificação social (que engendrava barreiras atitudinais de rejeição, segregação, entre outras) e que nele os “diferentes” eram contemplados numa política de integração. Nessa política, ainda fortemente vivenciada na década de 90, a ideia era a de testar e preparar o “diferente” para igualá-lo aos demais. O que autoriza duas leituras. Por um lado, a de que “ser diferente” quer dizer ser o oposto, o inferior; logo, para fazer parte da massa precisa ser modificado, normalizado, atingir o igual. Por outro lado, a expressão “ser diferente” pode funcionar como um indicativo de que, naquela década, a compreensão da deficiência como sinônimo de diferença demonstra avanços no entendimento acerca da existência e potencialidades da pessoa com deficiência, uma vez que a ideia de deficiência como sinônimo de incapacidade parece se esmaecer. A conquista da cidadania, sob essa atmosfera, demonstra ser uma tarefa sem fim, a qual exige que cada pessoa, que cada partícipe da sociedade/da dinâmica escolar busque, descubra, crie, lute, contribua para que se tenha consciência de que as relações estabelecidas com os outros devem ser perpassadas por esse direito. Talvez tenha sido essa a percepção de Moreira (1997) ao tratar do tema da intervenção política e da prática discursiva estatal como promotoras do discurso “cidadania-deficiência mental”, do resgate da cidadania/do direito à educação especial. A pesquisa de Moreira (Ibid.), intitulada “Expressões e silêncios dos discursos cidadania-deficiência mental. Uma abordagem histórico-discursiva do “Plano Estadual de Educação – PE – 1988/1991”, instiga a reflexão sobre a natureza constitutiva do discurso, em que os ditos (as expressões) e os não ditos (os silêncios) são igualmente constitutivos e podem gerar socioculturalmente 354 [...] a segregação, enfim, a exclusão de membros da sociedade humana [...] manifestas, não só nas ações de pessoas que assumem sua intencionalidade, mas também nas falas não ditas de profissionais que se pretendem defensores da diversidade, da ‘diferença’, da multiplicidade e de outros conceitos correlatos que, se de fato fossem assumidos e postos em prática nas ações diárias desses profissionais, viriam somar-se à tentativa de se minimizar a exclusão de certas minorias, reconhecidamente excluídas das relações sociais humanas mais básicas, por conta de sua religião, sua cultura, seu gênero, sua origem racial ou econômica etc. (LIMA; LIMA; MOURA, 2007, s./p.). A construção “Expressões e silêncios dos discursos cidadania-deficiência mental”, colocada no título em primeiro plano, remete-se à pluralidade discursiva acerca dessa díade: “cidadania-deficiência mental”, e ainda propõe que a reflexão sobre como os ditos e os não ditos foram igualmente eficientes para estimular atitudes (ou gerar barreiras atitudinais) que terminaram por determinar a cidadania da pessoa com deficiência intelectual. Ainda analisando esse trecho do título, é relevante considerar também o fato de o estudo ter sido dirigido a esse público, cujo imaginário social faz “vislumbrar um grupo de pessoas infantis, sem condições de participação e de efetivação de suas próprias escolhas” (NEVES, s.d.). O imaginário sobre a pessoa com deficiência intelectual era, então, campo fértil para várias barreiras atitudinais, entre elas, a de baixa expectativa. Assim, se a cidadania é para todos, como já apregoava Bacelar, em 1987, quem estava nesse todos continuava sendo questão contemplada nas pesquisas sobre Educação Especial produzidas no PPGE/UFPE, dez anos depois. Fabiana Moreira (1997) ao propor esse debate, o faz sob uma abordagem históricodiscursiva, o que demonstra a percepção de que o discurso, com seus ditos e suas frestas, é construção histórica cristalizada em documentos oficiais que regem a educação, como o Plano Estadual de Educação (PEE – 1988/1991), analisado pela pesquisadora. Na verdade, Moreira (Ibid.) caminhou pari passu com as pesquisas produzidas no âmbito nacional, pois tais pesquisas primaram, na década de 90, por indagar a construção e a prática do que era anunciado/defendido em documentos acerca do direito à educação. (SANTOS, 2007; SANTOS, 2008). 355 Como se vê, a luta pela cidadania, pelo direito da pessoa com deficiência ter acesso à educação surge a partir de motivações e de fatores que vão além da conquista legal de direitos, atinge o campo da ação, urge o engajamento, a participação das pessoas com deficiência, solicita que elas sejam ativas, que façam valer seus direitos, essa é a atmosfera gerada no final da década de 90, quando a escola, ainda sob as malhas da integração, começa a alimentar, mesmo num movimento de recuos e de avanços, o delinear de um novo paradigma: a inclusão. A existência de hiatos e de articulações construídos no desenho de um novo paradigma constitui o tema da pesquisa efetivada por Bazante em 2002. A dissertação da pesquisadora, intitulada “Quando as (in)certezas e as esperanças se (des)encontram: um estudo das representações sociais dos professores sobre educação especial na rede estadual de ensino”, traz à reflexão a miscelânea de conceitos (ora usa integração, ora usa educação inclusiva como sinônimos quando deveria usar educação especial, p. 110); de representações sociais, muitas das quais eram demasiadamente danosas ao aluno com deficiência, porque terminam por tonificar uma pseudoinclusão ou demonstram ostensivamente a exclusão. A autora propõe que se pense no campo da educação para a pessoa com deficiência como um campo de certezas, incertezas e esperanças, talvez porque as representações sociais dos professores participantes da pesquisa mobilizaram esses fatores. Os dois primeiros quando, por exemplo, os profissionais entrevistados demonstraram acreditar que a educação especial era o lugar adequado para o aluno com deficiência, postura percebida no discurso e nas atitudes dos professores, uma vez que, segundo Bazante (Ibid.), na escola, apenas os profissionais da educação especial sabiam informações sobre os alunos com deficiência. Bazante (Ibid.) afirma, então, que essas (in)certezas presentes na educação dos alunos com deficiência motivaram o sentimento de angústia nos profissionais que não sabiam mais como agir. Esse e outros sentimentos gerados a partir da compreensão equivocada sobre a pessoa com deficiência e seu processo educativo fortaleceram diversas barreiras atitudinais praticadas tanto nas salas de educação especial, como nas salas regulares. 356 Acerca dessa reação dos professores Stainback e Stainback (1999, p. 48) esclarecem que [...] os sentimentos dos professores de educação especial e dos professores de educação regular poderiam ser resumidos da seguinte maneira: ‘Estes alunos sempre foram educados junto com outros semelhantes a eles. Tanto eles quanto seus professores trabalham de maneiras fundamentalmente diferentes daquelas que trabalhamos e, o que é muito importante, seus professores têm afiliações diferentes, fontes de recursos diferentes e responsabilidades diferentes das nossas’. Os autores afirmam que para minimizar as incertezas, para facilitar a adesão dos professores à inclusão, é necessário a elevação da consciência, pois o desconhecimento, as representações sociais negativas são elementos que , muitas vezes, têm levado os alunos com deficiência a continuarem à deriva com uma educação especial/individualizada. As incertezas também podem ser depreendidas do fato de que o aluno com deficiência na sala de aula, de certo modo, traz ao professor a urgência de planejar diferentemente suas aulas, de modo a contemplar as necessidades desse aluno e a dos demais, num mesmo espaço, com o mesmo conteúdo. Quanto ao vocábulo “esperanças”, também empregado pela autora, ele retoma a assertiva freireana (FREIRE, 1996;1999) de que a educação traz consigo esse elemento como fator motriz para transformar a realidade. É um sentimento que pode mover pessoas a buscar tenazmente a inclusão social/educacional para que se chegue à constituição de uma sociedade verdadeiramente democrática, respeitosa à pessoa humana. Ainda na análise do título, vale destacar que o estudo é estrito à apreciação das representações sociais dos professores, agentes que estão no eixo de efetivação dos paradigmas educacionais, profissionais que, através de discursos e de atitudes, podem nutrir representações sociais em prol ou contra a inclusão, fazendo-o inconsciente ou conscientemente. (LIMA; TAVARES, 2007; GUEDES, 2007). Os títulos das dissertações analisadas clarificam o que emana do discurso extraído do conteúdo dos trabalhos e parece revelar, num movimento continuum, ao 357 longo desses vinte e quatro primeiros anos de pesquisa no PPGE/UFPE, que aqueles dois elementos (a prática e o discurso, referidos por Bazante, 2002) foram tratados descritivamente. Após ter analisado os títulos das dissertações, considerando o conteúdo dos trabalhos e os temas a que associavam, agora se analisa o referencial. 6.3- As dissertações de mestrado do PPGE/UFPE: análise do referencial teórico utilizado de 1978 a 2002 Numa dissertação, o referencial teórico, encontrado, por exemplo, na fundamentação teórica ou no estado da arte, é o espaço em que não apenas as referências são apresentadas e comentadas, mas também é o espaço em que a base conceitual e operacional da pesquisa se mostra; é onde o autor revela qual a teoria que ele, enquanto pesquisador, elegeu como necessária para “interpretar os dados, criticar a realidade, analisar objetivamente o assunto, possibilitando a obtenção de conclusões lógicas, racionais, fundamentadas”. (MICHEL, 2009, p. 124). Assim, a escolha dos itens do referencial teórico, consoante a autora citada, é, em geral, “definida no projeto de pesquisa, deve levar em conta o conteúdo necessário para subsidiar a pesquisa, a discussão do problema, a busca das hipóteses e a análise dos dados obtidos”. (Id., Ibid.). O quadro teórico é, portanto, responsável por clarificar a lógica da construção do objeto de pesquisa, por orientar a definição de categorias, por tornar coerentes as relações antecipadas nas hipóteses e ainda por sustentar a interpretação dos dados. (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1998). Em razão da importância do referencial teórico para que se compreenda o discurso tecido nas dissertações, especificamente na análise dos dados e nas conclusões (textos em que o referencial funciona como lentes para a realização das tarefas de analisar e de concluir), faz-se relevante o levantamento dos teóricos mais contemplados nos trabalhos analisados. 358 No quadro seguinte, registra-se a análise das referências das cinco dissertações, totalizando 40 (quarenta) páginas de referências bibliográficas. O quadro contempla, então, a síntese organizada dos sete autores mais lidos pelos pesquisadores, conforme análise efetivada nesta pesquisa. QUADRO II- Os autores mais lidos nas dissertações sobre educação especial, produzidas no período de 1978 a 2002 no PPGE/UFPE CLASSIFICAÇÃO 1º 2º 3º 4º 5º 6º AUTOR/AUTORES FOUCAULT, M. GRAMSCI, A. MAZOTTA, Marcos J.S. COUTINHO, Carlos Nelson CUNHA, Luiz Antonio JANUZZI, Gilberta S. Marinho. MANNONI, Maud. LUZ, M.T. VELHO, Gilberto. WEBER, Silke. MANTOAN, Maria Tereza Egler. ROSA, Ester Calland Souza. FONSECA, Vitor da. KUENZER, Acácia Z. FREQUÊNCIA 11 8 6 5 4 3 GOFFMAN, E. SAVIANI, D. LUCENA, J. LUZ, M.T. 7º BUENO, José Geraldo CURY, Carlos Roberto Jamil DUARTE, Luiz Fernando D. et. al. FERREIRA, J.R. FREIRE, Paulo. JACOBI,P. LONGMAN, Liliana Vieira MACHADO, M.A.M. MARX, Karl. NOVAES, M. H. PESSOTTI, I. ROMANELLI, Otaíza 2 359 O filósofo Michel Foucault, nesse recorte temporal, foi o autor mais citado, o que pode robustecer a percepção de que a descrição e a análise dos processos escolares de excludência foram procedimentos efetivados sob as lentes de um marco teórico em que o discurso e as relações de poder, que nele se nutrem e se expandem, eram elementos motrizes para que a escola funcionasse como uma “instituição disciplinar” (FOUCAULT,1979; 1999), que tratava grupos sociais (e.g. as crianças das camadas populares e as crianças com deficiência) com desconfiança sobre seu comportamento, e por isso tornava-os alvos da regra de confinamento em instituições especializadas, em espaços particularizantes que infligia àqueles grupos a condição de sobrantes sociais, como indicam, aportadas ao referencial foulcaultiano, a pesquisa de Rosa (1990) e a de Moreira (1997). Talvez tenha sido a lente foucaultiana o elemento contributivo para que se percebesse que a educação para todos estava mais na tônica da palavra que na da ação, como sinalizaram as pesquisas em estudo. Mais que um marco teórico, esse quadro aponta, então, para um marco histórico em que as contribuições das pesquisas no próprio PPGE/UFPE surgem como âncora para a produção de outras pesquisas realizadas no programa, haja vista que a dissertação de Rosa (1990), esteada em estudos foucaultianos, tornouse parte do marco teórico das outras três pesquisas subsequentes: Nery (1996), Moreira (1997) e Bazante (2002). Esses estudos revelam como o poder de retirar da pessoa com deficiência sua genericidade humana é mantido através da norma e se instaura nas instituições. Essa discussão, desenvolvida nos quatro primeiros trabalhos, foi importante para que se engendrasse a percepção registrada por Bazante (2002) sobre os paradigmas educacionais. A autora não apenas sinaliza como as relações de poder se instauravam no discurso, mas sinaliza como as barreiras atitudinais eram manifestadas nas falas e nas atitudes dos profissionais. Um exemplo disso é quando, nas conversas com a direção da escola lócus da pesquisa, a autora percebeu que o cuidado dos profissionais em acompanhar os alunos “integrados” em salas regulares era fruto da experiência do constante retorno desses alunos às escolas especiais. Bazante 360 (2002) observou também que, por vezes, os alunos “integrados” não se sentiam aceitos nos espaços integradores, seja pelo distanciamento da prática do professor, seja pelas atitudes dos colegas de turma. (p. 97). Como se percebe, até os estudos produzidos no PPGE/UFPE chegarem ao debate sobre os paradigmas educacionais a pesquisa educacional no Programa seguia uma linha ainda fortemente percebida no âmbito nacional, ou seja, foi levada a [...] recorrer a conhecimentos gerados em outras áreas – como a Psicologia, a sociologia, a Filosofia, a História e, mais recentemente, a Antropologia. Isto não constitui necessariamente um problema: [porque] essa “tradução” de teorias para o campo da educação pode resultar em abordagens originais e de grande potencial heurístico, desde que não assuma uma posição reducionista (psicologizante, socializante, ou outra), perdendo de vista a natureza mais ampla do fenômeno educacional (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1998, p. 183). O que, nesse caso, faz valiosa outra pesquisa em que se observe como os estudos posteriores ao de Bazante (2002) trouxeram esse olhar interdisciplinar para analisar e, quiçá, propor caminhos para que a educação para todos seja uma prática natural. No escopo do presente trabalho, para que se possa ponderar como essa análise multifocal ocorreu nas pesquisas em estudo, vale, ainda, observar quais as obras mais lidas, consoante o critério de maior número de aparições. Para melhor percepção dessa informação, é relevante observar os dados registrados no quadro III, a seguir: QUADRO III - As obras mais referenciadas nas dissertações sobre educação especial, produzidas no período de 1978 a 2002 no PPGE/UFPE CLASSIFICAÇÃO OBRAS/AUTORES FREQUÊNCIA 4 1º FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 4 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1984. 2º GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. 3 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. 3 361 GRAMSCI, A. Concepção Dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1986. CUNHA, Luiz Antonio. Educação e desenvolvimento social no Brasil. Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1978. CUNHA, Luiz Antonio. Educação, Estado e democracia. São Paulo: Cortez, 1991. 3 GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. SAVIANI, D. Escola e Democracia. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1984. JACOBI, P. Movimentos sociais e políticas públicas: demandas por saneamento básico e saúde. São Paulo, 1974-1984. São Paulo: Cortez, 1989. LUCENA, J. Histórico de Pernambuco como Pioneiro na América Latina no campo da higiene Mental. Recife (mimeografado) LUZ, M.T. Medicina e Ordem Política Brasileira. Rio de Janeiro: Graal, 1982. LUZ, M.T. As Instituições Médicas no Brasil: instituição e estratégia de hegemonia. Rio de Janeiro: Graal, 1986. ROSA, Ester Calland Souza. Aluno portador de deficiência: problema médico-pedagógico ou conquista da cidadania? – a Educação Especial em Pernambuco. Recife, 1990. Dissertação (mestrado em Educação). Centro de Educação. Universidade Federal de Pernambuco. Para maior visibilidade acerca dos interdiscursos científicos que sustentam os trabalhos em análise vale observar também, por dissertação, qual o quantitativo de autores citados que são estudiosos da pedagogia social, da inclusão. 362 No gráfico a seguir, excetuando-se os documentos legais utilizados pelos pesquisadores, apresenta-se o levantamento do quantitativo de teóricos estudiosos da inclusão que foram utilizados na fundamentação teórica dos trabalhos em análise: GRÁFICO II- Percentual de estudiosos da inclusão presentes no referencial teórico das dissertações 93,33 % 79,1% 76.9% 64,6% 52,5% 47,5% QUANTITATIVO DE TEÓRICOS QUE NÃO ESTUDAM A INCLUSÃO 35,4% 20,9% 23,1% QUANTITATIVO DE TEÓRICOS ESTUDIOSOS DA PEDAGOGIA SOCIAL/DA INCLUSÃO 6,7 % Nas cinco dissertações defendidas, os autores/estudiosos da Pedagogia Social/da Inclusão aparecem com menos frequência que autores de outras áreas. Na dissertação de Bacelar (1987), foram utilizados 15 autores na fundamentação teórica, sendo 14 de outras áreas, o que corresponde a 93,3%. Nesse trabalho, foi identificado apenas Luiz Antonio Cunha (1978) como autor que discorre sobre a Pedagogia social, o que representa 6,7%. No estudo realizado por Rosa (1990), têm-se 91 teóricos no referencial. Desses, 72 são de áreas diversas, correspondem ao total de 79,1%, e 19 são estudiosos da área da Pedagogia Social/ da Inclusão, o que corresponde ao percentual de 20,9% do montante de autores presentes no discurso dessa dissertação. São eles: Barreto (1961); Canglihem (1982); Carraher; Schieman 363 (1983); Collares ; Moyses ( 1985); Costa (1987); Cunha (1978); Ferreira ( 1989); Fonseca (1987); Comide ( 1988); Goffman (1982); Jannuzzi ( 1985 e 1989); Mazzota ( 1986 e 1989); Novaes ( 1983 e 1985); Pires ( 1974) ; Poppovic (1972); Rodrigues (1985); Schneider ( 1974); Telford; Sawrey(1984); Vayer; Roncon (1989) e Velho (1981). Na pesquisa realizada por Nery (1996), 52 autores aparecem nas referências, desses 40 (76,9%) são de áreas diversas e 12 (23,1%) são considerados estudiosos da inclusão : Amaral (1994); Araújo (1994); Bueno ( 1991); - Canzioni ( 1989); Carmo (1991); Fonseca (1987); Goffman (1963) ; Jannuzzi ( 1992) ; Jordão ( 1990) ; Maltese Neta (1994) ; Mazzota ( 1989 e 1990) ; Rosa (1990). Moreira (1997) utiliza a literatura de 96 autores para fundamentar o trabalho de pesquisa, desses 62 (64,6%) são teóricos das mais variadas áreas e 34 (35,4%) são estudiosos da área da Pedagogia Social/ da Inclusão: Anache (1997) ; Antipoff ( 1931) ; Barreto (1961); Boneti (1993); Canguilhem ( 1982); Coutinho; Aragão ( 1991); Cruckshank ( 1974); Faelante (1991); Ferreira (1989 e 1993); Fonseca ( 1987); Forest & Lusthans ( 1987; Freire (1981); Glat (1994); Goffman (1982); Goyo ( 1989); Hickel (1992); Jannuzzi (1985); Lemos (1990); Longman (1991); Lucena ( s./d.); Mannoni ( 1983 e 1995); Mantoan (1989); Maricevich (1991); Mazzotta ( 1987 e 1996); Mello ( 1918); Misés ( 1977) ; Novaes ( 1985); Pessotti (1984); Policarpo Jr ( 1991); Quaglio (1913); Rosa (1990 e 1991); Sckliar (1997); Silveira Bueno(1993); Velho (1974 e 1981) e Vial ( 1975). Bazante (2002) referenda seu trabalho de pesquisa por meio da literatura de 61 autores, desses 32 ( 2,5%) são de áreas diversas e 29 ( 47,5%) são teóricos que refletem a Pedagogia Social/ a Inclusão: Bueno ( 1997); 2000); Ceccin ( 1997); Crochík (1997); Da Ros (1989); Carvalho (1999 e Freire ( 1997); Gil ( s./d.); Golffredo (1999); Jannuzzi (1992); Kassar ( 1995) ; Longman (2000); Mantoan ( 1998; 1989); Mazzotta (1989;1997; 1998; 2001); Moreira (1997); Padilha (1997; 2001); Rosa ( 1990) Santos ( 1999; 2000); Sassaki (1999); Skiliar (1997 e 2000); Alencar ( 1994); Bianchetti (2000); De Carlo ( 1999); Fazenda (2000); Gallagher ( 1996); Rodrigues (1994); Torezan ( 1995); Sawaia ( 1999); Sobrinho; Najuorks ( 2001) e Vayer; Roncin (1989). 364 As dissertações estão esteadas na literatura de 315 autores, sendo 220 de áreas diversas, o que corresponde ao total de 69,84 %, e 95 estudiosos da área da Pedagogia Social/da Inclusão. Vale refletir que no trabalho de Bazante (2002) quase que 50% dos estudos utilizados na fundamentação estavam inseridos no contexto da inclusão. Nessa dissertação, grandes nomes da literatura da inclusão social/educacional aparecem, mesmo assim, por vezes, há na dissertação uma confusão conceitual do que seja a inclusão plena. Ao observar as obras mais lidas e utilizadas como fundamentação teórica nas dissertações parece que a análise dos contextos contemplados nas dissertações em estudo estava mais situada nas dimensões sociológica, política, histórica da educação do que na pedagógica, fato ratificado quando se observa, por exemplo, que é com o trabalho de Bazante (2002), o qual reflete sobre os paradigmas educacionais e sobre “as atitudes e os aspectos que sustentam/conduzem a prática pedagógica imprimindo-lhe sentido/coerência a partir dos significados” (p.20), que pela primeira vez, no Programa, se analisava como cada ator educacional estava situado na prática pedagógica da integração e mostrava avanços e recuos rumo à inclusão educacional. Em outras palavras, essa pesquisadora, ao concluir que [...] a realidade da Educação Especial evidencia [evidenciava] um movimento de inquietações e de incertezas, uma dimensão diacrônica, em que a inclusão e integração ainda se constituem [constituíam] numa busca pouco articulada entre o fazer científico e a prática pedagógica no cotidiano escolar (p. 15) abre espaço para que a observação e a análise da realidade educacional esteja mais próxima de uma prática de pesquisa que fundamente a busca de atitudes, a busca da transformação que a inclusão educacional exige de todos os atores da escola. Enquanto Bazante (2002) mostra o hiato entre o discurso científico sobre os paradigmas educacionais e a sua efetivação, em trabalho anterior Nery (1996) indicava que a conquista da cidadania não era alcançada, aqui leia-se também, obviamente, o acesso à educação, em razão da não universalização de uma política social voltada a efetivação dos direitos das pessoas com deficiência. 365 Muito embora a década de 90, em particular, produziu importantes documentos internacionais em prol de uma educação inclusiva para todos (Declaração mundial sobre educação para todos ,1990; A Declaração de Salamanca, 1994; Declaração de Washington; Convenção Interamericana para eliminação de todas as formas de discriminação contra os portadores de deficiência, 1999. Esta tornada Decreto Brasileiro de nº 3956/2001), Nery (Ibid.) foi a única pesquisadora, no intervalo do presente estudo, que utilizou como constitutivo do referencial teórico alguns documentos internacionais que defendem os direitos das pessoas com deficiência: Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948); Declaração dos Direitos da Criança (ONU, 1959) ; Declaração dos Direitos das Pessoas Mentalmente Retardadas (ONU, 1971); Declaração dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiências ( ONU, 1975); Declaração de Manila (1978). Na dissertação, a autora destaca o valor da Declaração dos Direitos dos Portadores de Deficiência (1975) para que a cidadania das pessoas com deficiência fosse assegurada. Nery (Ibid.) afirma que essa declaração “encerra muitas das questões de luta dos portadores de deficiência” (p. 45). A autora defende, então, que seria preciso que toda a sociedade trabalhasse na divulgação dos direitos das pessoas com deficiência e na conscientização da responsabilidade de viabilizá-los e pondera que quando isso não ocorre é devido à não universalização de uma política social, como se lê em: [...] nos países subdesenvolvidos, a maioria das crianças não receberem nem educação especializada nem educação convencional, resultando em baixo nível de instrução ou, até mesmo, na inexistência de qualquer formação escolar. Nos países desenvolvidos, ao contrário, onde a política social foi universalizada, tais pessoas conseguem atingir um nível elevado de instrução. (NERY, 1996, p. 49). A pesquisadora defende que a falta de conscientização e de viabilização para que a cidadania da pessoa com deficiência seja respeitada é uma questão política. E conclui que A não universalização dos direitos sociais, particularmente no que se refere aos cegos, surdos, deficientes físicos ou mentais, numa sociedade de classes, como a brasileira, expressa a própria dinâmica contraditória e conflitiva entre classes antagônicas, e como tal resultaria da seletividade, característica própria das políticas sociais, no País, cujas origens estariam na sua dependência 366 tecnológica e na manutenção da supervalorização do trabalhador. (Id., Ibid. , p. 111). A discussão apresentada pela autora sobre os direitos da pessoa com deficiência, à luz daqueles documentos internacionais, poderia ter desaguado no uso da letra da lei para ratificar que a educação, a acessibilidade a ela, a equiparação de oportunidades formativas é direito da pessoa com deficiência. Um direito que, assegurado por lei, pressionou a academia, a escola, a sociedade a gestar o paradigma educacional que já estava em foco quando da construção da dissertação em análise. A legislação internacional, no trabalho, surge mais como elemento que configura a descrição contextual das políticas em prol da “integração do portador de deficiência” e de como a própria pessoa com deficiência vai começando a exercer o protagonismo, a participação plena, a autoadvocacia, do que como elemento que pressiona a escola a se transformar para acolher a todos indistintamente, porque é direito da pessoa com deficiência receber educação de qualidade em equiparação a outras pessoas sem deficiência. Nesse estudo, o foco no caráter histórico é anunciado desde os elementos pré-textuais da dissertação. Haja vista que no resumo do trabalho a autora já apresenta que o [...] referencial parte do estudo da estrutura e superestrutura em cada momento histórico, ou seja, delineando o bloco histórico no período determinado como objeto de análise (final do século XIX a 1989), no mundo e em particular no Brasil, chegou-se à caracterização do processo pelo qual vem passando o portador de deficiência na conquista de sua cidadania. Mais uma vez, têm-se subsídios para pensar que é em 2002 com a pesquisa efetivada por Bazante, que o PPGE/UFPE parte de outros estudos mais descritivos do ponto de vista da história, da política, da sociologia da educação para uma perspectiva mais próxima da prática pedagógica em si. Na próxima seção, são analisadas as designações utilizadas no discurso das dissertações para fazer referência à pessoa com deficiência. As ponderações incidem na compreensão de que as substantivações/adjetivações, presentes no âmbito das dissertações, surgem imbricadas a outras barreiras atitudinais. 367 6.4- Designações utilizadas para fazer referência às pessoas com deficiência: o que revelam as substantivações e adjetivações registradas nas dissertações? Como partícipes do processo sociocultural de compreensão da existência da pessoa com deficiência e do tratamento a ela dispensado, pesquisadores, autores (ou documentos legais) citados nas pesquisas e depoentes das pesquisas demonstram, no uso da linguagem, como a sociedade caminhou para uma perspectiva de reconhecimento de que a pessoa com deficiência tem potencialidades, deve exercer o empoderamento e ser considerada como pessoa produtiva, detentora de direitos humanos e da obrigação do cumprimento de deveres sociais. Mas, nesse caminho, a sociedade percorreu trilhas estigmatizantes que denotavam (e denotam) atitudes de baixa expectativa, de inferiorização, de menos valia, de generalização e outras para com a pessoa com deficiência. No quadro abaixo, após a leitura atenta das dissertações (totalizando 910 páginas analisadas), são listadas as nomenclaturas que foram registradas em cada trabalho em estudo. QUADRO IV – Nomenclaturas utilizadas nas dissertações para fazer referência à pessoa com deficiência DISSERTAÇÕES NOMENCLATURAS NOMENCLATURAS NOMENCLATURAS UTILIZADAS UTILIZADAS UTILIZADAS PELOS PESQUISADORES PELOS POR TEÓRICOS OU EM DOCUMENTOS PARTÍCIPES DAS PESQUISAS INTERNACIONAIS E NACIONAIS CITADOS PELOS PESQUISADORES Educação para No estudo, não há Todos: a prática e o referência a pessoa discurso. (BACELAR, com deficiência. 1987). ____________ ______________ 368 Aluno portador de Deficientes deficiência: problema médico- Portador de deficiência; pedagógico ou conquista da Portador de A deficiência mental; cidadania? - Educação especial em Pernambuco. (ROSA, Deficiente(s); 1990) (Secretaria de Educação de Pernambuco. Diretoria de Serviços Educacionais. Departamento de Deficientes Ensino . Divisão de mentais; Educação Os Deficientes físicos; Especial. deficientes: perguntas e Deficientes respostas, 1988 ; auditivos; ROSA, 1990, p.17). Pessoas deficientes; Louco, anormal, doente Pessoas portadoras (BARRENBLITT,G.F. de deficiência; 1985, Alunos deficientes; Aluno especial; p. 22 apud ROSA, 1990, p. 11). Imbecis ou defeito com orgânico Deficiente social, (Código Civil de 1916. portador de Art.5º, 12º, 177. apud problemas de MARSÍGLIA, conduta ou 1987 desviante ROSA, 1990, p. 20) R.G, citado por comportamental. Surdos-mudos; Fronteiriços e loucos; (Código Civil deficientes mentais de 1916. Art.5º, 12º, ligeiros. 177. apud MARSÍGLIA, R.G, Aluno excepcional. Indigentes; 1987 citado por ROSA, 1990, p. 1920) Inválidos; Aleijados, Crianças retardadas. loucos (Iundis, S.A. 1987, p. 12 apud ROSA, 1990, 369 Anormais , p. 22). intelectuais, morais, pedagógicos; Alunos com deficiências Deficientes ligeiros . físicas ou mentais. (Lei nº 5692/1971 Atrasados apud ROSA, 1990, p. 40). pedagógicos. Deficientes da visão, Incapacitado físico ou moral. da audição, mentais, físicos, portadores Atrasado; de desajustado múltiplas, emocional educandos com problemas de Aluno limitado Anormais deficiências conduta, superdotados (Regimento Interno Excepcionais do CENESP, Portaria sociais Ministerial nº 550, de 29/10/75, Art. 2º apud ROSA, 1990, p. 44) Excepcionais (MEC – CENESP. Boletim Bibliográfico, 1985, p. 1 apud ROSA, 1990, p. 45 e Parecer nº 1682/74 – Conselho federal de Educação, ROSA, 1990, p. 48) Pessoas deficientes (Declaração Direitos dos da Pessoa Deficiente, 1975 apud ROSA, 1990, p. 49) Doentes mentais e excepcional (BARRETO, 1978, p. A.P. , 79 apud 370 ROSA, 1990, p. 118) Ser diferente numa Anormais sociedade massificada (SANTOS, 1917, p. – um estudo sobre a política de integração portador deficiência. 1996). do de (NERY, Portador de deficiência surdo, (cego, deficiente 153 apud JANUZZI, 1985, p. 43 citado por Nery, 1996, p. 31) mental e deficiente físico); Deficientes mentais periféricos ou leves; Excepcionais; Deficientes; Pessoas Portadoras de Deficiência Pessoas portam que diferenças Criança incapacitada física, mentalmente ou socialmente (Declaração dos Direitos da Criança. Capítulo 5º; citado por Nery, 1996, p. 36) Portador de deficiência (Recomendação de nº 71- OIT, apud Maltese Neta, 1995, p. 6; citado por NERY, 1996,p.34) nas condições de aprendizagem Pessoas com limitações Crianças (MALTESE, 1995, p. retardadas; 6 apud NERY, 1996, Cegos, surdos p. 37). deficientes físicos e Pessoas Deficientes hansenianos. (Declaração dos Direitos dos portadores Deficiência, 1975 apud de ONU, NERY, 1996, p. 40 e 41) Deficientes (Declaração Manila, 1978 de apud NERY, 1996, p. 42). Excepcionais (LDB 371 nº 4.024/61, Art.88, título X apud NERY, 1996, p.66 e Parecer nº 1682/1974- CENESP/Conselho Federal de Educação apud NERY, 1996, p. 74) Expressões e silêncios dos discursos cidadaniadeficiência Uma Desigual; mental. Deficiente mental; Excepcional social (Secretaria Aluno especial; de Educação de abordagem Mongol; PE. histórico-discursiva do Diferentes; Plano “Plano Desviantes; Educação de PE – Desvalidos; 1984-1987, Mongolzinho; Estadual de – – Educação PE 1988/1991”. Portadores de deficiência; Estadual apud de Pessoa humana; p. 38 MOREIRA, 1997, p. 68) (MOREIRA, 1997) Pessoas portadoras População de deficiência portadora Sujeito portador; deficiência Excepcionais Criança deficiente Anormais mentais Crianças anormais mental, visuais ou auditivos Aluno cego Alunos portadores de D.M. física ( Secretaria de de de Criança portadora Pessoa portadora de deficiência PE. Diretoria de Serviços Crianças Educacionais. Divisão desfuncionais de Especial. Educação Plano 1989 apud MOREIRA,1997, p. Crianças deficientes 85.) Aluno Portador de Deficiência Excluídos Deficiente mental Mental (ARAGÃO; Deficientes distúrbio de deficiência; Operacionalizador, Deficientes de comportamento audiocomunicação e Educação Portador de visual, Crianças retardas Deficientes; COUTINHO. Proposta Alunos portadores de mental deficiência 372 D.M. Pedagógica para a Área de Deficiência Portador Mental, 1990, apud Sujeito portador p.29 MOREIRA, 1997 p. 98) Deficiente mental Deficiente mental (MARICEVICH, 1991, p. 40 apud MOREIRA, 1997, p. 166) Portador de deficiência (Secretaria Educação de de PE. Diretoria de Serviços Educacionais. Divisão de Educação Especial. Plano Operacionalizador, 1989 apud MOREIRA,1997, p. 175.) Quando as (in)certezas e as Deficiente; esperanças se (des)encontram: um Portador estudo das deficiência; de dos professores sobre educação especial na rede ensino. 2002) estadual Portador de deficiência ou deficiência; “Mudinho” imperfeições p. “Ceguinho” Sujeito portador de 49 apud BAZANTE, “Doidinho”. deficiência 2002, p. 49) Sujeito diferente Pessoas com deficiência (GIL, de (BAZANTE, de (MAZZOTA,1996, representações sociais Portadores Os diferentes Educandos necessidades educativas 2002, com p. 5 Pessoa Humana apud BAZANTE, 2002, p. 49) Especial Deficiente Diferente 373 especiais Alunos (MAZOTTA, 1996, p. integrados Deficiente 17 apud BAZANTE, mental, deficiente 2002, p. 51) auditivo, surdo Alunos incluídos Crianças portadoras Alunos de integrados/incluídos Cegos, surdos, deficientes mentais e deficientes físicos deficiência (CARVALHO, 1999, p. 36 apud BAZANTE, 2002, p. 70) Alunos especiais “doidinhos”, (diferentes, “mudinhos”, deficientes, “ceguinhos”, anormais “aleijadinhos” MAZOTTA, 1998, P. 1 apud Sujeito portador de , etc) ( BAZANTE, 2002, p. 88) deficiência Deficiente, Alunos especiais Pessoas portadoras de deficiência Diferente (LONGMAN, 2000, p. 13 apud BAZANTE, 2002, p. 114) Surdo, (SCLIAR, Especial cego cego 2000, P. 32) Deficiente As mudanças nas práticas discursivas engendram, consoante Pêcheux (1983, 1990) e Orlandi (1987; 1990; 1992;1995; 1996; 1998; 2000; 2001;2006) entre outros, modificações nas práticas sociais. Ambas as transformações, retroalimentando-se, estão inseridas num contexto histórico e possibilitam, no caso dos discursos produzidos nos trabalhos em análise, que o poder da linguagem seja visualizado como caminho promissor ou eliminador das barreiras atitudinais. Esse poder, expresso através das nomenclaturas registradas/utilizadas pelos pesquisadores, demonstra como a sociedade, refletida nas dissertações em análise, 374 apresenta atitudes pró ou contra a inclusão social e educacional das pessoas com deficiência. Quanto às nomenclaturas em tela, demonstram retrocessos rumo à inclusão social e educacional da pessoa com deficiência, pois revelam, como se verá adiante, as compreensões equivocadas, que se tinham (e ainda se têm) sobre a pessoa com deficiência: * “Doente”, “Doentes mentais”: A confusão conceitual da deficiência como doença fez com que surgissem substantivações e adjetivações como “doente”, “doentinho”, “doentes mentais”, mencionadas por Barreto (1978) e Barrenblitt (1985) citados na dissertação de Rosa (1990). Barrenblitt (Ibid.), por exemplo, na fala citada por Rosa (Id.), mostra como essas nomenclaturas estavam permeadas da errônea e maléfica compreensão de que a deficiência era algo que corrompia não só quem a apresentava, mas quem estava ao entorno da pessoa com deficiência. O autor ao falar em prol da erradicação dessa percepção e em favor da inclusão da pessoa com deficiência mostra como a substantivação de uma deficiência, como doença (tratando a pessoa com deficiência como doente) leva a um estado de rejeição, a rejeição ao “doente”: [...] só tem louco, só tem anormal, só tem doente como entes negativos para certo tipo de sociedade, aquelas que não conseguem integrar esse modo de ser diferente nas suas práticas produtivas, nas suas práticas culturais. (BARRENBLITT, 1985, p. 22 apud ROSA, 1990, p. 11). Vale ainda destacar que as nomenclaturas “doente”/ “doente mental”, enquanto substantivações, levam às barreiras atitudinais de superproteção (em função de um sentimento de cuidado pelo “doente”, inspirado pelo dó à dor que o “doente” sente ou pode sentir); de baixa expectativa (se a pessoa é doente, ela é incapaz de constituir e ser responsável por uma família, de estudar, de trabalhar ou de exercer a independência. Assim, ela sempre precisará ser tutelada por outras pessoas) e /ou a barreira atitudinal de compensação (a pessoa doente precisa ser compensada, ter privilégios porque ela sofre com a doença). 375 Agora, quando a pessoa com deficiência demonstra que pode ser feliz, estudar, constituir família, vivenciar o empoderamento etc., a sociedade vê nessa pessoa a imagem do herói, que consegue “superar todas as limitações” (barreira atitudinal de adoração do herói). Outra barreira atitudinal que pode surgir, nesse contexto, é a de exaltação de modelo (na família, na escola ou em outros espaços sociais pessoas podem se utilizar da comparação entre a pessoa com e a sem deficiência mostrando que a “pessoa doente” conseguiu fazer tal atividade com habilidade é, pois, um modelo de superação, de força a ser seguido). Quanto ao termo doente mental, tem-se nele a materialização de uma compreensão limitante acerca da potencialidade da pessoa com deficiência, uma vez que caracterizar a mente como um todo deficiente imprime a ideia de que a pessoa é improdutiva; incapaz de aprender, de viver com autonomia, independência e empoderamento. Além de todos esses danos causados à identidade da pessoa deficiência, as designações com substantivantes e/ou rotulantes “Doente”/ “Doente mental” também leva a uma perspectiva de possível contágio, alcançando então a prática da barreira atitudinal de rejeição. Em outras palavras, a representação social da pessoa com deficiência como “Doente”/“Doente mental” gera situações de desvantagem, de inferiorização, as quais, ao ocupar o imaginário social, incitam a caridade demasiada, o paternalismo, o protecionismo que são igualmente maléficos à identidade das pessoas com deficiência como indivíduos detentores de direitos e de deveres sociais. * “Anormal”, “Anormais intelectuais”, “Anormais morais”, “Anormais pedagógicos”, “Anormais mentais” O anormal é definido por Rios (2009, p. 71) como: “1. Aquele que foge à norma ou padrão. 2. Contrário às normas; 3. Anômalo, defeituoso, tarado. Adj e s. 2 g. 4. Que, ou quem tem defeito físico ou mental; Antôn.: normal.” Os significados da palavra anormal mostra, por si, o quanto esse termo é permeado por avaliações sociais abstratas, contundentes e excludentes (anormal= o que foge ao padrão) 376 relacionadas à percepção da sociedade acerca da compleição física e do comportamento das pessoas com deficiência como resultado de “defeitos” no intelecto (“Anormais Intelectuais”/ “Anormais Pedagógicos”/ “Anormais Mentais”) e de desvios dos princípios de moralidade social (“Anormal Moral”). Nesse contexto, vale também discutir sobre a definição do “anormal” como “tarado” (RIOS, 2009). Esse autor define tara e tarado como: Tara s. f. [...] 2. Fig. Defeito físico ou moral, que geralmente implica numa perversão; vício, estigma. [...] Tarado adj. 1. Que tem falha ou defeito; defeituoso; 2. Desequilibrado (no sentido moral); 3. Fig. Atraído, fascinado por. Adj e s.m. 4. Que, ou aquele que pratica crimes sexuais. (Id., Ibid., p. 644) É, portanto, a expressão “Anormal Moral”, como sinônima de tarado, que historia a imagem social, preconceituosa e ilógica acerca das pessoas com deficiência, principalmente com deficiência descontroladas sexualmente, hipersexuadas etc. atitudinal de estereótipos (toda pessoa intelectual, como pessoas Imagem nutrida pela barreira com deficiência, principalmente com deficiência intelectual, é desajustada sexualmente, em outros termos, “Anormais Morais” não sabem se portar em espaços públicos por terem sexualidade exacerbada, precoce, irrefreada, sub-humana ). Essas rotulações provocam, ainda, a barreira atitudinal de rejeição dos professores ou da escola e da família de estudantes contra os alunos com deficiência, sustentada pela visão de que esses alunos “Anormais Morais” possam fazer algum mal a seus colegas sem deficiência. Nesse percurso, o medo é tonificado porque, na visão da sociedade, acha-se que os “Anormais Morais” podem abusar sexualmente de pessoas fisicamente mais frágeis do que eles; e.g. crianças e idosos. Essas barreiras fazem surgir e fortalecer a barreira atitudinal de rejeição (Rejeita-se a pessoa com deficiência porque o “Anormal Moral” poderá manifestar em público comportamentos vinculados à sexualidade , e.g. masturbação; ou em total descontrole, atacar/tarar pessoas). (MELO, 2005; MAIA; RIBEIRO, 2010). 377 Essa compreensão revela o poder do modelo místico da deficiência, no qual se compreende, por exemplo, que a deficiência é resultado da purgação de um desvio de caráter (ideia que transita na dimensão cognitiva da barreira atitudinal). Esse entendimento gera preconceitos (dimensão afetiva da barreira atitudinal), discriminação (dimensão social da atitude) e incita além de barreiras atitudinais de substantivação/adjetivação, a de rejeição, conforme discutido. Os termos “Anormal intelectual, anormal moral, anormal pedagógico”, também utilizados por Rosa (1990), são nomenclaturas que podem vivificar as barreiras atitudinais de estereótipos (baseada na ideia/crença generalizante, infundada de que toda a pessoa com deficiência apresenta anormalidade intelectual, modos de se comportar também anormal e maneira de aprender anormal, o que distingue as pessoas com deficiência, enquanto grupo, do restante da sociedade); imbricada a esse processo pode surgir a barreira atitudinal de particularização (a pessoa com deficiência , principalmente a com deficiência intelectual, ao ser vista “anormal mental” pela sociedade, é segregada em como salas e escolas especiais, quando se fala de educação, e em residências especiais, asilos e/ou sanatórios, quando mais velhas); a barreira atitudinal de baixa expectativa (o “Anormal Pedagógico” é incapaz de aprender como os outros, então a ele deve ser oferecida uma educação compatível a sua anormal/inferior capacidade de aprendizagem). Também resultante desse processo podem surgir a barreira atitudinal de adoração do herói ou a de exaltação do modelo (manifestas quando a sociedade percebe que o “Anormal Intelectual” ou o “Anormal Pedagógico” conseguem aprender e se comportar adequadamente, consoante as regras sociais para ambientes específicos, e.g. escola, igreja, clube etc. Aos “Anormais”, cuja expectativa era da anormalidade/da incapacidade/da limitação, são desferidos elogios desmedidos, a supervalorização de tudo o que fazem e é visto como produtivo e adequado, tornando-os verdadeiros exemplos de superação e, por consequência, alvos de exaltação de suas ações). Não menos nocivas à pessoa com deficiência, nesse contexto, pode ainda ser vivenciada a barreira atitudinal de exaltação do modelo (Os “Anormais intelectuais” são engrandecidos pelo mais corriqueiro “êxito” alcançado); barreira atitudinal de superproteção e de adoração do herói (O “Anormal Moral” e o 378 “Anormal Pedagógico” não sabem o que fazem, são “débeis” e precisam ser tutelados para não se exporem ou ainda para não serem frustrados, porque como “anormais”, aos olhos da sociedade, o mínimo que aprenderem será excepcional: serão heróis. Por outro lado, a sociedade pode não esperar deles que aprendam nada, manifestando assim barreira atitudinal de baixa expectativa para com as pessoas com deficiência intelectual ). Na dissertação de Nery (1996), quando a expressão “anormais” é utilizada, direciona o leitor a refletir que a questão não é apenas de taxonomia, mas de postura, como afirma Lima (2000a). Assim, quando Santos (1917, p. 153), citado por Januzzi (1985) na dissertação de Nery (Ibid.), utiliza o termo anormal para fazer referência à pessoa com deficiência, ele o faz para defender concepções inclusivistas como: a de que as pessoas com deficiência têm potencialidade, são produtivas e que a elas devem ser oportunizados os caminhos para que essa produção ocorra em equidade ao que é colocado socialmente como relevante. Essa compreensão foi registrada explicitamente na seguinte fala: Está presente no discurso e na prática de seleção a preocupação com a ordem, com um trabalho que torne os anormais capazes de produzir de acordo com o que socialmente é colocado como produtivo, isto é, para produzir mercadorias, lucro. Daí a alegação de que os anormais não devem ser parasitas. Todos devem ser aproveitados, em algum sentido, devendo a escola selecioná-los para o seu devido lugar (SANTOS, 1917, p. 153 apud JANUZZI, 1985, p. 43 citado por NERY, 1996, p. 31) Aqui a pessoa com deficiência é substantivada como anormal, expressão que lhe pode marcar negativamente a identidade de pessoa, contudo, o que o autor advoga é a prática da inclusão social e educacional. Vale, então, enfatizar que quando se analisa o discurso à luz da teoria da inclusão deve-se ter atenção àqueles parâmetros apontados por Pêcheux (1983, 1990) e por Orlandi (1987, 1990, 1992, 1993, 1995,1996,2007): os sujeitos, a situação e a memória, pois, termos postos em xeque, encontrados em textos remotos, por vezes, mostram uma face mais includente e vanguardista à defesa dos direitos humanos de todas as pessoas do que o discurso cuidadoso, atual, que se maquila utilizando expressões inclusivistas e são nocivos à inclusão. (LIMA; LIMA; MOURA, 2003). 379 * “Os Imbecis ou com defeito orgânico”: O filósofo Santo Tomás de Aquino (1227-1274), citado pelo psicanalista francês Roger Misès (1977, p. 15) em estudo realizado por Amaro (2007, p. 8), definiu imbecilidade como “uma perda de fineza do espírito e uma fraqueza da inteligência”. Essa ideia de fraqueza, de falha também é percebida na expressão “defeito orgânico”. Nessa, não apenas as “fraquezas de inteligência” estão em foco, mas toda e qualquer “imperfeição” do organismo. Traduz-se desses significados que as representações sociais geradas pela expressão “os imbecis ou com defeito orgânico” serviram como força motriz para, a partir de um modelo de compreensão limitante da humanização e da potencialidade das pessoas com deficiência, a sociedade nutrir preconceitos que terminaram por impedi-las de ter os direitos sociais, como o direito à educação, negados. Esse processo é fonte para a tonificação de várias barreiras atitudinais como as de rejeição (manifestas, por exemplo, quando da compreensão de que os “ imbecis são fracos de inteligência”, então, se incapazes de aprender e de produzir não necessitam de inteligência educação e trabalho; ou “imbecis”, por serem fracos de e não saberem o que fazem, podem se sociedade. A rejeição encontra terreno fértil também na tornar perigosos para a expressão “defeituoso orgânico”, pois, as imperfeições no organismo são devidas a doenças e essas são contagiosas, logo, os com “defeito orgânico” precisam estar afastados da sociedade hígida.). Nesse processo, a sociedade distante da pessoa com deficiência e sem informações positivas a seu respeito pôde subjugá-la e nutrir a barreira atitudinal de ignorância. Essa construção social, que contou até mesmo com o discurso legal como caminho de reforço, esteve contribuindo significativamente com a manutenção de barreiras atitudinais e com o desrespeito aos direitos sociais das pessoas com deficiência. Exemplo disso é o documento que Rosa (1990) menciona ao explicar que, em 1904, em São Paulo, eram “considerados inaptos para o sorteio de vagas para a escolas públicas os ‘imbecis e os que por defeito orgânico forem incapazes de receber educação’.” (Código Civil de 1916 Art5º, 12º, 177 apud MARSÍGLIA, R.G, 1987 citado por ROSA, 1990, p. 20). A autora utiliza o documento para ilustrar 380 momentos sociopolíticos em que as pessoas com deficiência foram “isentas de escolarização obrigatória”. (Id., Ibid.). Como visto no terceiro capítulo do presente trabalho, o discurso legal, como resultado de ações e de construções sociais, pode ser impulsionador de atitudes includentes, como também exprimir, difundir barreiras atitudinais e contribuir contundentemente para que o acesso à educação, entre outros direitos, seja negado. * “Incapacitado físico”, “Incapacitado moral”: A expressão “Incapacitado Físico ou Moral” foi utilizada por Rosa (1990) para fazer referência a pessoas com deficiência. Isso exemplifica, de certo modo, como se mostra a face inconsciente e histórica da barreira atitudinal. (LIMA, TAVARES, 2007). O uso dessa expressão demonstra não apenas que o pesquisador não está isento do processo de produção e de propagação das barreiras atitudinais, mas demonstra que a leitura que a sociedade efetivou (ou efetiva) acerca da deficiência terminou (ou termina) por atribuir às pessoas com deficiência a identidade de pessoas inaptas, incompetentes para viver em sociedade. Em outros termos, a suposta e errônea compreensão de que essas pessoas mantêm ausentes os preceitos de moralidade, de normas para a convivência em sociedade promoveu atitudes de rejeição, além de outras barreiras atitudinais. A leitura equivocada da deficiência como sinônimo de incapacidade e de conduta desregrada é, respectivamente, fruto dos modelos de compreensão médico e místico da deficiência, os quais incitam disposições afetivas que terminam por engendrar ações discriminatórias e resultar em barreiras atitudinais de estereótipos (as pessoas com deficiência formam um grupo de “inábeis físicos” e “de conduta”); de baixa expectativa, de superproteção ou de rejeição (sustentadas por ideias como: a) “Incapacitados Físicos” não têm condições de exercer uma função laboral, de cuidar de um ambiente, de cuidar de si, de trabalhar etc. Logo, precisam ficar confinados e serem tutelados porque é o melhor para eles, ou até mesmo para não se machucarem nesses contextos; b) Os “Incapacitados Morais” não conseguem apreender e executar normas de conduta social. Logo, não têm 381 condições de conviver socialmente. Devem ser relegados a espaços de confinamento, segregado). Essas barreiras atitudinais, como explicitado, conduzem ao processo de exclusão, de rejeição ostensiva. Se por outro lado o “Incapacitado Físico e o Incapacitado Moral” mostrarem ser pessoas que superam aquelas inaptidões sustentadas no e pelo imaginário social, eles poderão passar da imagem de inaptos “físicos e sociais” (barreira atitudinal de baixa expectativa) ou da imagem de coitados ( barreira atitudinal de inferiorização) e se tornarem alvos da imagem do herói (barreira atitudinal de exaltação do modelo ou barreira atitudinal de adoração do herói ). Traduz-se, então, desse processo que a representação social da sociedade para com indivíduos com deficiência como inaptos “físicos ou sociais”, de desafortunados, de coitados, de desregrados sociais pode gerar o dó e esse é nutrido em razão da compreensão de que as pessoas com deficiência apresentam déficit de capacidade para o desenvolvimento de atividades sociais, laborais, produtivas etc. Processo que termina por gerar também ações de compensação e de superproteção dispensadas pela sociedade à pessoas com deficiência, porque elas são entendidas como deficitárias intelectuais que não conseguem apreender as normas sociais. Logo, sob esse entendimento turvo, as pessoas com deficiência precisam ser compensadas com bens e serviços por motivo de tais déficits ou de serem superprotegidas pela mesma motivação. * “Inválidos”: A expressão “inválidos”, utilizada por Rosa (1990), está na raiz da percepção da sociedade acerca das pessoas com deficiência como indivíduos improdutivos e, por consequência, sem valor. Como se pode ver na definição que Rios (2009, p. 389) registra sobre essa palavra: “Inválido: adj. 1. Fraco, doente; 2. Inutilizado [...]; 3. Nulo [...] ”. No dicionário Hoauiss (2008, p. 488), o vocábulo aparece como sinônimo de “1. fraco: débil, frágil, franzino [...] 3- vão: bald(ad)o, (d)espedaçado, improdutivo, insubsistente, inútil, nulo [...]”. Quando, portanto, se utiliza o termo inválido para fazer referência às pessoas com deficiência marcam-se tais pessoas com a chancela social de que são 382 improdutivas, insubsistentes, inúteis, inutilizadas, vazias de potencialidades, incapazes. Esse processo explica uma das fontes de manutenção de diversas barreiras sociais praticadas contra a pessoa com deficiência como a barreira atitudinal de estereótipos (gerada em razão da sociedade considerar as pessoas com deficiência como pessoas inválidas); a barreira atitudinal de medo (sustentada pela crença descabida de que as pessoas com deficiência são frágeis, débeis, franzinas, despedaçadas. Logo, para essa mesma sociedade, conviver com pessoas com tais características é causa de temor, medo. E , a barreira atitudinal de medo pode, neste caso, eliciar a barreira atitudinal de rejeição ). *Fronteiriços, “Atrasado”; “Atrasados Pedagógicos”: Os termos atrasados e fronteiriços significam respectivamente: Atrasado adj.: 1. Que ficou para traz. [..] 4. Pouco desenvolvido (mental ou fisicamente); retardado [...] (RIOS, 2009, p. 90) [...] Fronteiriço adj,: 1. Que vive ou fica na fronteira. (Id., Ibid., p. 324) O adjetivo “atrasado” é grafado entre aspas quando Rosa (1990) menciona o Regimento Interno do Centro Nacional de Educação Especial (CENESP/ Portaria Ministerial nº 550, de 29/10/75, Art. 2º) para comentar a expansão dos serviços de educação especial em Pernambuco: [...] o único componente desta clientela que não havia ainda sido referido legalmente ou no Plano que supostamente daria suporte às ações governamentais, era o educando com problemas de conduta, o que leva a questionar se ele seria uma nova categoria de excepcionalidade, ou apenas uma nova forma de designação para ‘atrasado’ ou ‘desajustado emocional”, que provavelmente vinha sendo classificado como deficiente mental. (ROSA, 1990, p. 44-45). Nesse contexto discursivo, o “atrasado” era alguém que destoava do padrão e, por essa razão, era classificado como “deficiente mental”. O que demonstra o processo de reclassificação de pessoas em razão da avaliação subjetiva, infundada, deteriorante acerca do comportamento destoante da norma como sinônimo de deficiência e da deficiência como sinônimo de excepcionalidade. 383 As expressões “Fronteiriços”, Atrasados”, “Atrasados pedagógicos” evidenciam, portanto, que a pessoa com deficiência comparada socialmente a pessoas sem esta característica têm, ao longo da história, sido vista pelas lentes incapacitantes das barreiras atitudinais de estereótipos e de particularização, pois substantivações/adjetivações como essas impõem uma condição estereotipada de habilidades e de competências limitadas/fronteiriças em razão da deficiência; impõem condição particularizante de que tais habilidades/competências estão muito aquém do que os pares sem deficiência apresentam. O vocábulo “Fronteiriço” ilustra o processo que a sociedade impunha à pessoa com deficiência: o do limite. Se a pessoa é fronteiriça ela só chegará a desenvolver-se até o que é previsivelmente demarcado. Sob essa confusa e nociva compreensão, na escola, por exemplo, ofereceu-se um currículo, uma prática pedagógica guiados pela tônica da limitação, o que fez com que a formação recebida pelas pessoas com deficiência não lhe tivesse permitido equiparar-se aos que não têm essa característica, como já sinalizava Nery(1996) em sua dissertação. Em outros termos, a situação discursiva registrada por Rosa (1990) é, portanto, um exemplo de circunstância textual em que ocorre a materialização da baixa expectativa, pois, na mensagem por traz do uso daqueles termos, é possível verificar como a sociedade manteve (e mantém) a descrença na potencialidade das pessoas com deficiência, aceitando para essas o estágio máximo de “fronteira”, nunca o da normalidade. Nesse contexto, a percepção social de que a pessoa com deficiência atrasada ou fronteiriça nutre as barreiras atitudinais de é baixa expectativa e de menos valia. Quando, por sua vez, aquelas adjetivações são usadas para a comparação, entre pessoas com e sem deficiência , coloca estas em situação de desvantagem, inclusive por rotulá-las , adjetivá-las pejorativamente. Logo, essas barreiras atitudinais estão imbricadas na estereotipificação da pessoa com deficiência. Quando a pessoa com deficiência ultrapassa a suposta fronteira trazida pela deficiência , ou melhor, imposta (in)conscientemente pela sociedade, instalam-se outras barreiras atitudinais como as de adoração do herói (concretizada quando a 384 sociedade supervaloriza os êxitos que os “Fronteiriços”, os “Atrasados Pedagógicos” “eventualmente conseguem alcançar”. Esse processo se dá, obviamente, em razão da baixa e nociva expectativa dispensada a pessoas com deficiência, através da crença de que elas estão na fronteira, na lentidão do desenvolvimento cognitivo e social) ; barreira atitudinal de exaltação do modelo ( ocorre quando, por exemplo, a sociedade utiliza a percepção dos êxitos da pessoa considerada “Fronteiriça”, “Atrasada” para demonstrar o quanto elas são “excepcionais em suas vitórias”. Esse percurso engendra a comparação social entre a pessoa com e a sem deficiência, sendo através dele que a sociedade e a escola têm utilizado a imagem de pessoas com deficiência como modelo de superação a ser seguido). Não menos maléficas às pessoas com deficiência, podem surgir ainda nesse itinerário, a barreira atitudinal de compensação (sustentada pela sociedade através da crença incoerente de que a pessoa com deficiência é “fronteiriça”, “atrasada”, digna de dó e, por essa razão, merece ter privilégios) e/ou a barreira atitudinal de superproteção (materializada quando a sociedade protege demasiadamente as pessoas com deficiência. Atitude praticada como resultado da tonificação do sentimento de piedade exacerbada, existente em razão de se compreender as pessoas com deficiência como “fronteiriças, atrasadas pedagógicas”). *Desajustado emocional: O termo “desajustado emocional” foi registrado na dissertação de Rosa (1990), conforme mencionado anteriormente, quando a autora comentou o Regimento Interno do Centro Nacional de Educação Especial (CENESP/ Portaria Ministerial nº 550, de 29/10/75, Art. 2º), A expressão “desajustado emocional” surge, então, aos olhos da sociedade, como definição da pessoa com deficiência. Contudo, expressa barreira atitudinal, pois, em sua semântica exprime o sentido de: Desajustado adj. [...] 1. Descombinado: alterado [...]; 2. Desordenado: atribulado, desarmonioso, desequilibrado, desregrado, desvairido, transtornado [...] 3. Desregulado: danificado, defeituoso, estragado [...] ( HOUAISS, 2008, p. 251 385 Essa designação termina por definir a deficiência não apenas numa dimensão biológica (defeituoso, transtornado, danificado, desequilibrado) e estragado), comportamental mas psíquica (desvairado, (desregrado, desregulado) igualmente desarmônicas. Assim, a sociedade, sob a compreensão da deficiência como desvario, transtorno, desajuste emocional etc., nutriu (nutre) preconceitos e atitudes de rejeição, de desprezo, as quais estão na gênese e no fortalecimento das mais diversas barreiras sociais como: a barreira atitudinal de estereótipo (materializada quando a sociedade crê que as pessoas com deficiência são desequilibradas emocionalmente); barreira atitudinal de ignorância (nutrida quando, por falta de informação, sujeitos sociais continuam a alimentar a equivocada ideia de que a pessoa com deficiência é “desvairida”, “transtornada”); barreira atitudinal de particularização (ocorre quando a sociedade constrói a compreensão de que a pessoa com deficiência, sendo um “desajustado emocional”, tem um modo particular de se portar. O que faz, aos olhos dessa mesma sociedade, a deficiência ser algo visível, mensurável, como relatado nos diagnósticos da equipe de Triagem para encaminhamento de crianças à Educação Especial. Conforme explicitado na dissertações construídas por Nery (1996), vide página 275 desse trabalho, e por Moreira (1997), vide página 431 e 432, desta dissertação. Essas barreiras atitudinais podem estar vinculadas, dá origem ou alimentar a barreira atitudinal de medo (materializada quando a sociedade, sob a compreensão de que as pessoas com deficiência são descombinadas, desarmoniosas transtornadas etc., evita fazer, dizer algo, interagir com tais pessoas, em função do medo de provocar reações agressivas, de desajuste emocional. Esse medo, obviamente, leva à rejeição). Outras barreiras sociais podem surgir sob o manto do juízo antecipado acerca da pessoa considerada um “Desajustado emocional”: barreira atitudinal de baixa expectativa (a qual ocorre quando a sociedade considera que a pessoa com deficiência é “desajustada emocionalmente” e não tem condições de conviver em sociedade, de aprender, de trabalhar, de praticar a autonomia e o empoderamento etc.). 386 A sociedade ao compreender, então, que a pessoa com deficiência é alguém desregrado, danificado, transtornado etc., pode conjugar várias dessas barreiras sociais e, por consequência, praticar a mais danosa delas: a barreira atitudinal de rejeição. * “Indigentes”: O vocábulo “indigente” é registrado na dissertação construída por Rosa (1990). A autora investiga como se dirige, como se dá o encaminhamento dos candidatos à educação especial e ainda denuncia o funcionamento medicalizado da educação especial, a qual objetivava: “evitar marginalidade, amparar indigentes, prevenir doenças mentais, formar cidadãos”. Rosa (Ibid.) demonstra que as pessoas com deficiência estavam à margem da sociedade e que esse fato podia ser ratificado nas concepções de “deficiência (invalidez, anormalidade, excepcionalidade, diferença) e de educação especial (amparo humanitário, ação médica higienista, intervenção psicológica compensatória)”. (Id., Ibid., p. 101). Traduz-se, então, que a identidade das pessoas com deficiência, enquanto pessoas humanas detentoras de direitos e de deveres sociais, estava esmaecida pela sociedade que chancelava essas pessoas como “indigentes”, indivíduos “cuja condição é de extrema miséria (RIOS, 2009, p. 378)”; condição essa que as colocava na situação de mendicância, alimentando a percepção social de que as pessoas com deficiência eram (são) improdutivas. (Cf. BIANCHETTI, 1998). A figura do “indigente” leva a sociedade a ter um olhar de pena ou dó para com as pessoas com deficiência. Daí nutrindo a prática da mendicância, pela pessoa com deficiência, e da esmola, pela sociedade. A sociedade ao ver as pessoas com deficiência como indigente, portanto, rejeita-as, colocando-as em uma categoria humana inferior, para a qual faltam as coisas necessárias a vida e, por essa razão, são olhadas pelos atores sociais com comoção, de soslaio, com hostilidade, expressão de constrangimento ou até de medo, o que leva ao negligenciamento (in)voluntário do contato com elas. Essas ações sociais, certamente, interferem na formação socioidentitária das pessoas com deficiência e, uma vez tais ações compartilhadas, acabam servindo nocivamente 387 como suporte para a constituição das identidades pessoais dessas pessoas. (LIMA; TAVARES, 2007). *Desvalidos: Essa substantivação é utilizada por um participante da pesquisa realizada por Moreira (1997). A pesquisadora não reflete sobre o uso desse termo, o que torna plausível que se pense numa situação de concordância, mesmo que inconsciente, da representação social que ele impõe à pessoa com deficiência. Nesse caso, faz-se necessário recordar o significado de desvalia e de desvalido: Desvalia s.f.: Falta de valia ou de serventia; desvalimento. [...] Desvalido adj.: 1. Sem valimento ou valia; 2. Desprotegido, desamparado. s.m. 3. Aquele que não tem valimento ou valia. 4. Miserável. (RIOS, 2009, p. 232) Quando, portanto, as pessoas com deficiência foram nomeadas, rotuladas como “desvalidas” reconheceu-se que a sociedade impunha a essas pessoas a condição de indivíduos sem valor, desprotegidos, desamparados, sub- humanos/miseráveis. Utilizar, portanto, essa expressão no discurso acadêmico, sem as devidas reflexões, é difundir, mesmo que implicitamente, essas compreensões, representações sociais, as quais certamente transitam no fortalecimento de barreiras atitudinais como a de estereótipo (sustentada pela sociedade ao crer que as pessoas com deficiência são desprotegidas, desamparadas, desvalidas, miseráveis) ; barreira atitudinal de compensação (ocorre quando a sociedade, em razão da piedade para com às pessoas com deficiência, nutre a danosa compreensão de que essas pessoas são desamparadas e precisam ser compensadas através de privilégios que venham a minimizar o suposto sofrimento da condição de ser “desvalido”, leia-se: de ser “deficiente”, de não ter valor). Nesse processo, a barreira atitudinal de rejeição também pode encontrar terreno fértil, pois os “Desvalidos”, conceituados como aqueles que não têm serventia, devem ser dispensados do convívio social. 388 * “Desigual”, “Desviante”, “Desviante comportamental”, “Diferente”: Palavras como diferente, desigual, desviante foram (e em muitos casos ainda são) utilizadas pela sociedade para distinguir as pessoas com deficiência das pessoas que não apresentam essa característica. Nessas substantivações/adjetivações, verifica-se que a compreensão da sociedade sobre o que é ser normal deságua no discurso da igualdade, da homogenia (inclusive comportamental), e esse discurso, travestido de uma intenção social a favor da inclusão, tem situado pessoas em grupos distintos, onde a identidade de desigual, de desviante, de diferente existe em razão da deficiência; marca a pessoa com deficiência através da particularização; atribuindo-lhe o rótulo do fugidio e do menor ao fluxo comum; chancelando-lhe com o estigma da diferença inferiorizante. Lima (2006, p. 58), como exposto no primeiro capítulo do presente trabalho, robustece essa percepção ao afirmar que [...] o léxico diferente, flexionado a partir do termo diferença, é ou significa deficiente. Tratado dessa maneira, o termo “diferente” é um eufemismo para termos que incluem dizer honestamente que uma pessoa é cega, surda, ou tem deficiência física, intelectual, cerebral etc. O emprego das palavras diferente e desviante para fazer referência à pessoa com deficiência surge, portanto, com significados que correm como um rio subterrâneo, promotor da excludência quando, por exemplo, na dissertação de mestrado, Moreira (1997) as utiliza, ou ainda quando a autora traz o termo desigual mencionado por um depoente e não reflete sobre a condição que essa substantivação/adjetivação impõe à pessoa com deficiência. Em outras palavras, as noções de diferente e de desviante fazem surgir ou fortalecem barreiras atitudinais, as quais quando produzidas pela sociedade, difundidas pelo discurso acadêmico, disseminadas pela escola e retroalimentadas pela sociedade em geral, prejudicam a efetivação dos direitos sociais da pessoa com deficiência. Assim, mesmo quando os atores sociais promotores daquelas barreiras não têm intenção de fazê-lo através do discurso acadêmico ou de atitudes, podem chegar a contribuir, de modo irrefletido, para uma redução contundente das expectativas de produção e das potencialidades da pessoa com deficiência. Essa 389 desvantagem é imposta pela sociedade através das substantivações/adjetivações, rótulos que acabam por incitar atitudes de preconceito e de rejeição. (GOFFMAN, 1988; MAGALHÃES, DIAS, 2005). Traduz-se, então, desse processo, que os termos “Desigual”, “Desviante”, “Desviante comportamental”, “Diferente”, estão prenhes de compreensões equivocadas acerca da pessoa com deficiência, geram afetos negativos e ainda, como consequência, alimentam a terceira dimensão da barreira social: a discriminação. Vale, pois, destacar que tais termos motivam e fortalecem a barreira atitudinal de estereótipos (nutrida pela sociedade através da crença equivocada de que as pessoas com deficiência são desviantes do curso comum de constituição humana física, cultural e moral); a barreira atitudinal de negação (pode ocorrer quando a sociedade, ancorada em expressões como “todos são diferentes”, leia-se “todos em algum sentido são deficientes”, nega a existência da deficiência e, em consequência, nega à pessoa com deficiência as condições necessárias para que a equiparação de oportunidades ocorra); barreira atitudinal de ignorância (esse obstáculo social é reforçado quando, por falta de informação, a sociedade subjuga a pessoa com deficiência como “desviante”, o que mecanismos subjetivos de avaliação qualquer indivíduo termina por alimentar sobre quem é a pessoa com deficiência: que, sob a ótica de determinados grupos sociais, pareça diferente da norma estabelecida por eles seria, então, “desviante/deficiente”); barreira atitudinal de particularização (fortalecida pela sociedade equivocada compreensão de em razão da que as pessoas com deficiência são “Desviantes Comportamentais”, “Diferentes”, “Desviantes” apresentam um modo particular de ser e de se comportar). A barreira atitudinal de medo também pode ser percebida, nesse percurso, quando há ações sociais guiadas pelo entendimento de que pessoas com deficiência são pessoas destoantes do padrão e que apresentam particularidades comportamentais negativas, eg. fragilidade, agressividade, hipersexualidade, malícia, dependência demasiada, fuga total dos padrões de conduta social etc., atitudes que levam a sociedade a recear o contato com pessoas com deficiência, 390 por razão de ela ver tais pessoas fora da norma/normalidade com a qual está acostumada a lidar. Essa barreira ainda pode ser tonificada quando se ajuíza nocivamente que , por exemplo, uma criança com deficiência é uma “Desviante Comportamental” porque é doente. A deficiência, sob essa ótica patológica, acaba por tornar a criança desviante comportamental/social e isso gera a nociva crença no perigo do contágio a outras crianças sem deficiência, representando para as segundas também o risco do mal exemplo e da influência negativa. * “Mongol”, “Mongolzinho”, “O D.M.”; “Mudinho”, “Ceguinho”, “Doidinho”; “Louco”, “Cego”, “Hanseniano”, “Surdos-mudos”; “Aleijados”: Os termos “mongol” e “mongolzinho”, utilizados por participantes da pesquisa realizada por Moreira (1997), e a expressão D.M., utilizada pela própria pesquisadora, fortalecem as barreiras atitudinais contra a pessoa com deficiência, por lhe restringir, pejorativamente, a identidade de pessoa humana a apenas uma só característica , a deficiência, a qual é vista depreciativamente. Sassaki (2003c, p. 6) explica que os termos mongol e mongolzinho “refletem o preconceito racial da comunidade científica do século 19”. O autor também explica que, apesar da síndrome de Down ser uma das anomalias cromossômicas mais frequentes, continua envolvida em ideias errôneas. Moreira (Ibid.), ao transcrever a fala de mães, depoentes da pesquisa, traz uma situação interacional, discursiva, atitudinal que ilustra o que Sassaki (Ibid.) explicita: Ele teve uma febre e levei no posto, aí a doutora disse para outra: olha, fulana, um mongolzinho. Aí eu disse: isso é uma doença. Aí ela disse que sim. Só que não imaginava que era tanto trabalho [...] (Id., Ibid., p. 203) [...] A doutora que fez o teste disse logo para mim: ‘olhe, é um fenômeno um mongol aprender a ler’” (Id., Ibid., p. 206). 391 A pesquisadora comenta sobre o uso desse rótulo e afirma que os rituais de exclusão se iniciam quando médicos, psicólogos e pedagogos taxam a criança de “mongol” e de “portadora de distúrbio de comportamento”. (Id., Ibid., p. 204). Moreira (Ibid.) reflete sobre como os estigmas, as substantivações e as adjetivações, utilizados para fazer referência à pessoa com deficiência, contribuem para a elevação e o fortalecimento de barreiras sociais: [...] a constituição de alguns rótulos e estigmas sociais, formados a partir do olhar medicalizante/psicologizante, olhar esse que tenta perscrutar o universo do “diferente”, “insano”, “portador de deficiência”, “homem de desrazão”. Na acepção de Foucault (1975), é a partir da multiplicidade desses olhares que começa a se sedimentar a valorização negativa dos fenômenos culturais tidos como “diferentes”. Uma vez estabelecida essa negatividade, “(...) as significações morais se engajam, as defesas atuam, barreiras elevam-se, e todos os rituais de exclusão se organizam. (MOREIRA, 1997, p. 203). O efeito da constituição e uso de rótulos e de estigmas sociais é, pois, o “descrédito social do indivíduo com tal gravidade que, a partir do que é ajuizado como ‘imperfeição’, outras imperfeições são adicionadas”. (MAGALHÃES; DIAS, 2005, p.6). Em outras palavras, como se lê no discurso daquela mãe participante da pesquisa realizada por Moreira (Ibid.) (“A doutora que fez o teste disse logo para mim: ‘olhe, é um fenômeno um mongol aprender a ler”), a substantivação surge imbricada a baixa expectativa e a adoração do herói entre outras barreiras atitudinais. Quanto aos vocábulos “Mudinho”, “Ceguinho”, “Doidinho” (BAZANTE, 2002), Sassaki (2003c, p.6) esclarece que tanto eles quanto a expressão “Surdo-Mudo”, citada na dissertação de Rosa (1990), são inadequados para fazer referência à pessoa com deficiência: [...] a palavra mudo não corresponde à realidade dessa pessoa. O diminutivo mudinho denota que o surdo não é tido como uma pessoa completa. TERMOS CORRETOS: surdo; pessoa surda; pessoa com deficiência auditiva. Há casos de pessoas que ouvem (portanto, não são surdas) mas têm um distúrbio da fala (ou deficiência da fala) e, em decorrência disso, não falam. 392 O diminutivo ceguinho denota que o cego não é tido como uma pessoa completa. TERMOS CORRETOS: cego; pessoa cega; pessoa com deficiência visual. Na dissertação elaborada por Bazante (2002), a construção sócio-discursiva, deteriorante da identidade da pessoa com deficiência é apresentada: Percebendo a dificuldade no que se refere a localizar o professor, buscamos na pergunta: “em que sala os alunos portadores de deficiência estão estudando esse ano?”, como caminho para a identificação dos professores que atuam com a EE. Para essa informação, era feito um verdadeiro plebiscito na sala da secretaria, da direção ou entre aqueles que chegavam na sala dos professores, para saber quem estava com o “mudinho”, o “ceguinho” ou o “ doidinho”. Nossa intervenção, nesse momento, sugeria que identificássemos a série, a sala, o turno, para, assim, sabermos quem eram os professores e fazermos o contato para agendar a entrevista. (BAZANTE, 2002, p. 99). Foi justamente a chegada aos espaços regulares que possibilitou a compreensão de como era necessário nos reportarmos à deficiência para sabermos quem eram os professores que atuavam com esse sujeito no ensino regular, ou seja, a deficiência como identidade, como forma de reconhecer o sujeito, por que não dizer a marca da sua diferença no tocante aos demais. (Id.Ibid. , grifos nossos). Em outra passagem, essa autora sumariza: [...] o trabalho com a EE demarcou duas visões distintas à sua compreensão. A primeira, algo que poderia conceder ao portador de deficiência uma instância identitária, um grupo com suas singularidades. A segunda, que o trato com as questões da EE evocam particularidades reconhecidas no espaço especial e negadas nos espaços regulares , a partir do momento em que não têm sido considerados os ajustes às questões que respeitam a chegada desse sujeito; questões de organização e funcionamento no cotidiano escolar , como, por exemplo, série que está cursando, professores que atuam com ele, como tem sido desenvolvido o trabalho do professor e do itinerante para o acompanhamento do processo de ensino e aprendizagem. [...].(Id., Ibid. , grifos nossos). A redução da identidade dos alunos a uma de suas características foi, portanto, o caminho utilizado e mostra, num trabalho que discute o paradigma da inclusão educacional, como os recuos rumo a sua materialização podem ser fortalecidos. Outra leitura advinda desse contexto é a de quando a autora focaliza a deficiência em detrimento do todo, ela sinaliza que essa ação é adequada para que se tenha as “particularidades do aluno reconhecidas”. 393 Se de um lado é possível verificar as barreiras atitudinais de substantivação, de adjetivação e de particularização, de outro é possível ponderar que a pesquisadora visualizava que a educação inclusiva não se efetivava nos espaços regulares de ensino. No contexto do uso das palavras “mudinho”, “ceguinho”, “doidinho” - assim como ocorre também quando do uso do termo “Louco” citado na dissertação de Rosa (1990), vale ainda refletir que essas duas últimas expressões (“Doidinho”, “Louco”) são estigmas, fortalecidos pela barreira atitudinal que se alimenta na expectativa normativa, no julgamento subjetivo de comportamentos e gera, como diria Magalhães e Dias (2005), um círculo (in)terminável e vicioso em que o indivíduo é desacreditado/desacreditável. Outro aspecto que não pode passar despercebido é o fato de essas palavras terem sido utilizadas no diminutivo, o que sinaliza que além do processo de deterioração da identidade advindo da substantivação e da adjetivação, tem-se, pari passu, o da infantilização das pessoas com deficiência, processo que nutre a barreira atitudinal da baixa expectativa. Como se vê, uma barreira atitudinal nunca surge sozinha, ela gera, fortalece e propaga outras (GUEDES, 2007; LIMA ; TAVARES, 2007; LIMA, 2008; LIMA, GUEDES; GUEDES, 2009; LIMA, 2011). É, pois, o foco na doença, visualizado, por exemplo, no uso da expressão “Hanseniano” (NERY, 1996) ou na deficiência, percebido, entre outras situações, no uso do termo “Aleijados” (citado por ROSA,1990) ou “Cego” (NERY, 1996; BAZANTE, 2002) que torna possível a difusão das barreiras atitudinais, a consequente deterioração da identidade social e pessoal da pessoa com deficiência e a deterioração dos direitos humanos de todas as pessoas rotuladas. *Excluídos: Os “Excluídos”, na acepção da palavra, são todos os que, são “afastados, eliminados, retirados, desviados, impedidos de participar, omitidos, não admitidos, postos de fora, expulsos, postos à margem em uma situação social”. (RIOS, 2009, p. 296). 394 Na dissertação de Moreira (1997), a percepção de que a pessoa com deficiência era receptária dessas ações esteve no discurso de um profissional que exercia a função de assessor da equipe de capacitação de professores, no período de 1988-1991, em Pernambuco. É o que se depreende, principalmente, quando o entrevistado afirma que a educação especial era o lugar dos excluídos: [...] Na época a intenção era mexer com uma estrutura já cristalizada que vinha desde os anos 70 e a gente se voltou para uma preocupação mais pedagógica, que a escola pudesse ter alguma interferência nisso, a idéia de implementar uma mentalidade voltada para o pedagógico. A escola estava organizada para a educação médica, para os limites orgânicos da criança desfuncionais e a educação especial era o lugar dos excluídos (sic). (MOREIRA, 1997, p. 143, grifos da Autora). O uso do vocábulo “excluídos” mostra momentos em que a sociedade começa a reconhecer a prática da segregação, cristalizada no contexto da educação especial. * “Portador de deficiência”, “Portador de deficiência mental”, “Pessoas portadoras de deficiência”, “Portadores de deficiência ou imperfeições”; “População Portadora de deficiência mental, visual, audiocomunicação e física”; “Portador de problemas de conduta”; “Portador de distúrbio de comportamento”; “Sujeito portador de deficiência”; “Sujeito portador”: Na acepção da palavra, “Portador” é “1. Aquele que porta ou conduz; 2. O encarregado de apresentar alguma coisa a alguém. s.m.; 3. Mensageiro , próprio; 4. Carregador” (RIOS, 2009, p. 542). A partir dessa definição, pode-se compreender como a sociedade, através das designações em que essa palavra aparece, incita não apenas a prática de barreiras atitudinais de substantivação e de adjetivação, mas ostensivamente acaba por estimular as barreiras atitudinais de medo e a rejeição social contra as pessoas com deficiência. Nesse contexto, vale refletir que a sociedade relaciona o sentido de “Portador” à ideia patologizante da deficiência. Assim, os sujeitos sociais, compreendendo que “Portador” é “aquele que porta ou conduz”, nutrem o equivocado entendimento de que as pessoas com deficiência, não apenas carregam consigo/portam a deficiência, mas de que elas exercem, com propriedade, a função de “encarregados de 395 apresentar” a deficiência à sociedade hígida, de serem “condutores/ transmissores da deficiência”. É a rejeição gerada pela ideia do contágio. Em outras palavras, o termo “Portador” é hoje criticado por inclusivistas como Fábio Adiron (2009, p. 01) que explica que Uma das características fundamentais da portabilidade é o fato de o objeto transportado poder ser deixado em algum lugar, ele não está incrustado no seu portador. Eu porto minha carteira de identidade, mas posso esquecê-la em casa. Muitas pessoas podem se utilizar de portadores para enviar encomendas. Os cegos portam suas bengalas, mas não conheço nenhum que durma com elas. Agora, ninguém porta algo que seja parte da sua própria pessoa, ou você conhece alguém que deixe a sua cabeça na sala e vá fazer outra coisa? (nem aqueles que dizemos que só não perdem a cabeça porque está presa no pescoço). Uma pessoa com deficiência pode portar vários objetos. Mas não a sua deficiência. Essa é inerente à sua pessoa. É indissociável dela. O que não significa que não exista um monte de gente que ainda use essa expressão. Devem ser pessoas que carregam suas cabeças debaixo do braço e a largam perdida por aí. Como será discutido adiante, “Portador”, no contexto da busca pela inclusão social, já foi expressão utilizada para que a atenção da sociedade incidisse na integralidade da pessoa com deficiência e não apenas na parte/na deficiência que é uma de suas características. A memória histórico-social do termo portador mostrou sua face e aquela intenção includente foi esmaecida pela sociedade. O termo “Pessoa Portadora de Deficiência”, reduzido à expressão “Portador de Deficiência” foi utilizado por Rosa (1990), Nery (1996), Moreira (1997) e Bazante (2002). Consoante Sassaki (2007), esse termo foi bastante empregado no período de 1988 a 1993. O autor esclarece que essa expressão surgiu em razão de alguns líderes de organizações de pessoas com deficiência terem contestado o termo utilizado anteriormente “pessoa deficiente”, pois esse termo imprimia a ideia de que a pessoa inteira era deficiente, e essa compreensão era inaceitável para eles. Nesse período, é relevante destacar que 396 O ‘portar uma deficiência’ passou a ser um valor agregado à pessoa. A deficiência passou a ser um detalhe da pessoa. O termo foi adotado nas Constituições federal e estaduais e em todas as leis e políticas pertinentes ao campo das deficiências. Conselhos, coordenadorias e associações passaram a incluir o termo em seus nomes oficiais. (SASSAKI, 2007, p.2) A designação “Portador de Deficiência”, ao ser utilizada por Rosa (1990), demonstra que a pesquisadora estava atenta ao uso reflexivo dessa expressão na tessitura de um discurso em prol da cidadania da pessoa com deficiência, como se depreende da passagem: A educação especial em Pernambuco tem se caracterizado na última década, e mais precisamente na gestão estadual iniciada em 1987, por mudanças que não apenas no discurso, que passa a centrarse na afirmação dos direitos de cidadania do portador de deficiência, mas em práticas de educação especial visando reverter, de fato, a questão de sua exclusão do sistema escolar. (ROSA, 1990, p. 173, grifos nossos). Quando na dissertação que sucede a de Rosa (Ibid.), a expressão “Portador de Deficiência” é utilizada com o aposto: “cego, surdo, deficiente mental e deficiente físico”, a autora Nery (1996) (in)conscientemente focaliza a atenção na deficiência da pessoa. Esses termos mostram-se contrários ao que se objetivava no uso da expressão “Portador de Deficiência”: o foco na pessoa e não na deficiência. Além disso, o vocábulo deficiente, utilizado com mais frequência no intervalo de 1960 a 1980, segundo Sassaki (2007), trazia a compreensão de que a deficiência levava as pessoas a “executar as funções básicas de vida (andar, sentar-se, correr, escrever, tomar banho etc.) de uma forma diferente daquela como as pessoas sem deficiência faziam”. (Id., Ibid., p. 02). (barreira atitudinal de particularização). Nesse caso, é relevante recordar que até antes do Ano Internacional das Pessoas Deficientes (ONU,1981) essa expressão era aceita porque ainda se engendrava o debate sobre como a particularização, entre outras barreiras atitudinais surgidas junto ao uso dessa nomenclatura, a qual fortalecia os mecanismos de excludência. Assim, utilizar termos como deficiente mental e deficiente físico para, em 1996, explicar quem era o “Portador de Deficiência”, mostra um retrocesso histórico, 397 sociopolítico, legal e atitudinal no que diz respeito ao tratamento dispensado à pessoa com deficiência. Em outras palavras, o aposto focaliza a deficiência e esmaece a compreensão de que ela é constitutiva da pessoa e não o seu todo (a barreira atitudinal de substantivação). (LIMA; TAVARES, 2007). No trabalho produzido por Nery (1996), há uma menção à Recomendação de nº 71/1995 – OIT (Organização Internacional do Trabalho). Nesse documento, utiliza-se o termo “portadores de deficiência” para se ressaltar: [...] condições de trabalho para os portadores de deficiência, independente da origem da sua deficiência, dispondo de amplas facilidades de orientação profissional especializada, de formação profissional, de reeducação funcional e profissional, e de colocação num emprego útil. (Recomendação de nº 71 – OIT apud MALTESE NETA, 1995, p. 6 citado por NERY, 1996, p. 34). Nesse documento, o foco é destacar/fornecer caminhos, condições para que as pessoas com deficiência tenham o direito à produtividade, a empregabilidade assegurados. É, pois, uma perspectiva diferente da apresentada pela autora, quando a expressão “portador de deficiência” surgiu no discurso dela de modo reducionista. Traduz-se, desse processo, que o significado das expressões também depende muito do discurso a que pertencem. (LIMA, 2003a). Quanto às variações “Portador de deficiência mental” (MOREIRA, 1997) e “Portadores de deficiência ou imperfeições (MAZOTTA 1996 , p. 49 apud BAZANTE, 2002, p. 54)”, elas também geram compreensões que gravitam na manutenção de barreiras atitudinais; renovam a ideia de que as pessoas com deficiência têm mentes deficientes ou ainda fazem crer que a deficiência é uma imperfeição. Essas crenças, por seu turno, geram outras compreensões e nomenclaturas como “População Portadora de deficiência mental, visual, audiocomunicação e física” (MOREIRA, 1997) e “Pessoas que portam diferenças nas condições de aprendizagem” (NERY, 1996). Ambas designações fazem nociva referência às pessoas com deficiência, agrupando-as em uma massa estereotipada cuja característica é a presença da deficiência (“População Portadora de deficiência mental, visual, audiocomunicação e física” ) ou estabelecendo que apenas as pessoas com deficiência possuem e necessitam de aprendizagem (barreira atitudinal de particularização) . condições singulares de 398 O termo portador vem, portanto, junto a adjetivações que sustentam o entendimento de que a deficiência é um distúrbio social, moral, de conduta, como se depreende do uso das expressões “Portador de problemas de conduta” (ROSA, 1990) e “Portador de distúrbio de comportamento”. (MOREIRA, 1997). Quanto a essa última expressão (“Portador de distúrbio de comportamento”), utilizada por um participante da pesquisa realizada por Moreira (1997), revela que o diagnóstico da deficiência era uma prática situada em uma análise aplicada ao comportamento que, quando visto pela sociedade como destoante dos demais, impunha à pessoa avaliada a condição de doente, de “deficiente”, de “portador de distúrbio” e aqui vale refletir sobre o significado da palavra distúrbio: “1. perturbação de um órgão, aparelho ou tecido. 2. Sublevação popular. 3. Motim, tumulto”. (RIOS, 2009, p. 241). Essa conceituação traduz que, no contexto do termo “Portador de distúrbio de comportamento”, a sociedade considerava como pessoa com deficiência toda aquela cujo comportamento ou conduta não se enquadrasse nas expectativas homogêneas traçadas pelos atores sociais (barreira atitudinal de estereótipo e de baixa expectativa), e, ainda, que essa mesma sociedade percebia a pessoa com deficiência como alguém que “portava” comportamento “perturbado”, “tumultuador” (barreira atitudinal de particularização). Moreira (Ibid.) ao reproduzir o discurso de depoentes propõe reflexões: Nos fragmentos discursivos, podemos perceber que esses rituais de exclusão se iniciam quando médicos, psicólogos e pedagogos taxam a criança de “mongol” e portadora de “distúrbio de comportamento”. (Id., Ibid., p. 204). [...] Apesar de a categoria “Triagem” fazer uso de diversos tipos de testes, permanecia selecionando crianças hiperativas, com distúrbio de comportamento e desatenção, como nos mostra a alegação deste discursante: “As minhas colegas de triagem dizem que muitas crianças que aparecem no setor têm distúrbio de comportamento, são desatentas e hiperativas. Elas aparentam que não aprendem por problema de cognição , não é verdade, porque nos testes dão um rendimento ótimo. [...] ( Id., Ibid., p. 21 3-214). Por sua vez, a equipe dos pais argumentava: a) dizem que o meu filho tem distúrbio de comportamento”; b) “ eu ainda não sei o problema do meu filho , tem distúrbio de comportamento”; c) “ eu 399 ainda não sei o problema de meu filho, nunca fui esclarecida , e muitas mães não sabem os problemas do seus filhos, não só sou eu”; d) “ o problema dele até agora eu não ser, o que sei é que é um problema mental , que tem distúrbio de comportamento, mais isso nunca me foi dito” [...] (Id., Ibid., 215217). Ao tecer essa análise, a autora fecha frestas em que as barreiras atitudinais poderiam ser vivificadas, faz isso quando mostra como o rótulo de “portador de distúrbio de comportamento” estava na gênese e na manutenção dos mecanismos de excludência e tornava a escola especial o espaço para os “desviantes do ensino regular”. (MOREIRA, 1997, p. 215-217). Essa representação social, denunciada pela pesquisadora, faz com que a barreira atitudinal de rejeição, justificada a partir do rótulo, mantenha suas bases e fonte de fortalecimento, o que acaba por cristalizar os obstáculos sociais e por fazê-los de difícil remoção. (GUEDES, 2007; LIMA; TAVARES, 2007). * “Alunos portadores de deficiência mental/ Alunos portadores de D.M.”; “Alunos especiais (diferentes, deficientes, anormais, etc.)”; “Aluno limitado”; “Alunos deficientes”; “Alunos com deficiências físicas e mentais”; “Educandos com problemas de conduta”; “Aluno especial”; “Educandos com necessidades educativas especiais”: Diversas substantivações/adjetivações foram utilizadas nas dissertações em análise para fazer referência aos alunos com deficiência. A maioria dessas nomenclaturas, contundentemente, trazia (traz) a compreensão de que os alunos com deficiência eram (ou são) “limitados”, “diferentes”, “anormais”, “deficientes” e por isso “especiais” (Barreira atitudinal de estereótipos e de particularização). A expressão “aluno especial” surgiu por volta de 1990, com o objetivo de “amenizar a contundência da palavra ‘deficientes’”. (SASSAKI, 2007, p.4). “O termo apareceu como uma forma reduzida da expressão ‘pessoas com necessidades especiais’, constituindo um eufemismo dificilmente aceitável para designar um segmento populacional”. (Id., Ibid.). No entanto, foi utilizado no discurso científico produzido no PPGE/UFPE no decorrer das pesquisas sobre educação especial: “Aluno especial” (ROSA, 1990, 400 MOREIRA, 1997; BAZANTE, 2002), “Alunos portadores de deficiência mental/ Alunos portadores de D.M.”(MOREIRA, 1997); “Alunos especiais (diferentes, deficientes, anormais, etc)” (MAZOTTA, 1998, p. 1 apud BAZANTE, 2002, p. 88) ; “Aluno limitado” ( ROSA, 1990); “Alunos deficientes” (ROSA, 1990); “Aluno Excepcional ( ROSA, 1990); “Alunos com deficiências físicas e mentais” (Lei nº 5692/1971 apud ROSA, 1990, p. 40; “Educandos com problemas de conduta” Regimento Interno do CENESP, Portaria Ministerial nº 550, de 29/10/75, Art. 2º apud ROSA, 1990, p. 44); “Educandos com necessidades educativas especiais” (BAZANTE , 2002). Nesse caso, é relevante recordar que o [...] uso dessas designações para se referir às pessoas com deficiência não é somente uma questão de vocabulário ou uma escolha aleatória de quem enuncia. Esse uso demonstra conceitos e percepções a respeito do que se quer enunciar e, portanto, produz sentido. (COSTA, 2009, p.9). Depreende-se, portanto, que essas expressões carregam a memória histórico-discursiva da sociedade, mas “as palavras não significam em si. É o texto que significa”. (ORLANDI, 2001, p. 52). Ou seja, é o discurso que, esteado num significado construído por seu autor, sustenta a produção de sentidos, os quais, na maioria das vezes, no que se refere às designações aqui analisadas, enunciam e conferem à pessoa/ao aluno com deficiência um ethos de “especial” porque “inferior/incapaz”; de “diferente” porque “anormal”; de “deficiente” porque “limitada(o)”. (Nesse modelo de compreensão da deficiência, a sociedade tonifica a barreira atitudinal de baixa expectativa, a qual, conforme discutido no presente trabalho, pode gerar e fortalecer várias outras). Muitos daqueles termos, obviamente, explicitam a prática da classificação de alunos, a qual os fazia (ou ainda os faz) figurar como representantes legítimos de uma população apartada dos eventos sociais porque considerada pela sociedade como inferior, de necessidades ímpares, com problemas condutuais, enfim, parte de uma “população especial”. Essa prática da sociedade, além de imputar ao aluno com deficiência uma condição particularizante, a de ser visto como especial em razão da deficiência, 401 trouxe ao discurso acadêmico, em prol da educação para todos, fissuras em relação à área filosófica a que ele, de algum modo e profundidade, se vincula: a inclusão. * “Alunos integrados”; “Alunos integrados/incluídos”: Bazante (2002), na dissertação, utilizou integrados/incluídos”. as expressões “Alunos integrados” e “Alunos Quando a autora usou o primeiro desses termos para descrever o processo de exclusão vivenciado pelos alunos na integração escolar: [...] Nas conversas com a direção da escola, percebemos que o cuidado em acompanhar os alunos integrados em salas regulares é fruto da experiência do constante retorno desses alunos às escolas especiais, que, por vezes, não se sentem aceitos nos espaços integradores, seja pelo distanciamento da prática do professor, seja pelas atitudes dos colegas de turma. (Id., Ibid., p. 97). Nesse excerto, assim como em várias ponderações efetivadas pela pesquisadora ao longo da dissertação, claro está o processo de manutenção de mecanismos de excludência advindos da prática da integração escolar, paradigma que não se baseava nas potencialidades e com vistas ao progresso dos alunos com deficiência, ou melhor, de todos os alunos; mas como forma de executar a lei que apregoava que as crianças com deficiência deveriam estar nos espaços regulares de ensino (LDB 9394/96). Vale, nesse contexto, rememorar que o processo integracionista sustentava a compreensão determinista da deficiência, entendimento que, esteve na base da educação especial e gerou diversas barreiras atitudinais como a de ignorância e a de baixa expectativa (fortalecidas quando a escola, a sociedade como um todo, muitas vezes por falta de informação, alimentam a compreensão de que os “alunos integrados” não aprendem tanto quanto seus pares sem deficiência). Além disso, a expressão “aluno integrado” é eufemismo, é barreira atitudinal de adjetivação, a qual pode ser sustentada pela sociedade em função do receio de não saber lidar com a pessoa com deficiência (barreira atitudinal de medo). Bazante (Ibid.) ao utilizar a expressão “alunos integrados/incluídos” faz referência à transição de um paradigma ao outro. 402 Interessante registrar que, nessa figuração, o cenário tem uma variação que nos surpreende mais ainda. O fato de que nessas escolas regulares com salas especiais existem alunos integrados, ou seja, funciona a sala especial e quando os alunos são avaliados e apresentam condições de serem integrados/incluídos pode ser que a própria escola o integre. Mesmo com essa possibilidade, quando chegamos , era sempre sugerida uma conversa com o professor da sala especial, para que ele desse as informações. A pertinência desse dado se localiza na organização e funcionamento da instituição, pois, sendo o portador de deficiência um aluno dentro do espaço escolar, a secretaria/direção da escola não deveria ter essas informações? Se o professor da sala especial, por ser do ensino especial, é quem deveria saber dados referentes a esse aluno, isso evidencia a segregação /exclusão implícita nas questões físicas e documentais. A própria instituição escolar não se insere no seu contexto organizacional/funcional a presença do aluno portador de deficiência, ainda que, se anuncie, partícipe do processo de integração/inclusão. (BAZANTE, 2002, p.99). Como se vê, seja a expressão “Alunos Integrados”, seja a expressão “Alunos integrados/incluídos” o uso da nomenclatura mostra como se marcou (ou marca) a identidade do aluno com deficiência, por vezes colocando-o numa situação particularizante, de exclusão velada ou ostensiva, de rejeição, como mencionado pela pesquisadora nos trechos em comento. E isso se dá porque mesmo utilizando o termo inclusão o discurso não deixa de veicular barreira atitudinal porque ao falar “aluno incluído”, no discurso por trás do discurso, se está falando do aluno com deficiência, se está fazendo referência a deficiência em lugar do todo da pessoa humana. * “Crianças desfuncionais”; “Crianças retardadas”; crianças incapacitadas física, mentalmente ou socialmente; crianças deficientes: Os termos “Crianças desfuncionais” (MOREIRA, 1997); “Crianças retardadas” (ROSA, 1990); “Crianças incapacitadas física, mentalmente ou socialmente” (NERY, 1996); “Crianças deficientes” (NERY, 1996) utilizados pelas autoras ou por documentos por elas utilizados na fundamentação dos trabalhos dissertativos, surgem para classificar as crianças com deficiência como “improdutivas, atrasadas, incapacitadas”, enfim, como “deficientes” (barreira atitudinal de estereótipo e barreira atitudinal de baixa expectativa). 403 A sociedade, ao realizar a leitura da deficiência como uma disfunção, um desajuste no organismo, termina por fortalecer o modelo médico-organicista da deficiência (ALAN,1999); acaba por tornar as crianças com deficiência receptárias daqueles estigmas e, como consequência, promove/fortalece a prática de outras barreiras atitudinais (e.g. de rejeição; de baixa expectativa etc.) que, de tão danosas, poderão fazer-lhes crer que aqueles atributos lhes são constitutivos da identidade de pessoa humana. (GOFFMAN, 1988; VELHO, 2003; LIMA; TAVARES, 2007). Os atores sociais, através do uso daquelas designações, demonstram a nociva crença na incapacidade das crianças com deficiência (dimensão cognitiva das barreiras atitudinais), incitam a dimensão afetiva das barreiras atitudinais (preconceito) e chegam a provocar a prática da discriminação social contra essas crianças (dimensão social das barreiras atitudinais). Esse é, pois, o processo constitutivo da barreira atitudinal de ignorância (praticada quando a sociedade, desconhecedora do potencial da criança com deficiência, subjuga-a, desde a tenra idade, atribuindo-lhe limitações e lhe impondo a incapacidade) e da barreira atitudinal de medo (nutrida quando, por exemplo, a sociedade demonstra receio da convivência com crianças com deficiência, pois acredita que essas são “desfuncionais, retardadas”, e, em razão de “doenças/da deficiência”, são demasiadamente frágeis. Essa barreira atitudinal também é praticada quando os atores sociais receiam em promover a convivência entre as crianças com e as sem deficiência porque aquelas, consideradas por essa mesma sociedade como lentas, supostamente prejudicariam o desempenho intelectual de seus pares sem deficiência). A sociedade, promotora da compreensão de que as crianças com deficiência são incapazes, faz ainda surgir outras barreiras atitudinais: barreira atitudinal de adoração do herói e de baixa expectativa (essas barreiras sociais ocorrem quando a sociedade exalta o que a criança com deficiência faz com êxito, porque de um “desfuncional, incapacitado, deficiente” se espera pouco desenvolvimento. Assim, os sujeitos sociais, ao quebrar essa baixa expectativa acerca da criança com deficiência, geram a supervalorização da menor ação praticada por ela. obviamente, é prejudicial para a formação identitária da criança). Isso, 404 Nesse itinerário, os atores sociais também fortalecem a barreira atitudinal de exaltação do modelo, a qual é tonificada quando as crianças julgadas, pelos atores sociais, como “desfuncionais, incapazes”, superam a baixa expectativa que se tem de suas capacidades, o que faz com que essa mesma sociedade sustente a ação de comparação entre a produtividade de crianças com e as sem deficiência; sendo as primeiras, obviamente, marcadas sob o tom da excepcionalidade pelo menor êxito que alcançarem. Não menos maléfica à inclusão social da pessoa com deficiência é a prática da barreira atitudinal de compensação e de superproteção, as quais são fortalecidas pela sociedade quando essa compreende a criança com deficiência como “incapacitada física, mental e social”, como “retardada”, fazendo-lhe alvo da piedade e da minimização de estímulos para que ela possa viver com autonomia, pois, sob essa ótica, sempre será necessário e haverá um tutor compensando-a de algum modo ou protegendo-a exacerbadamente. O resultado desse processo imposto pela sociedade às crianças com deficiência é elas tornarem-se inseguras, dependentes, de fato “incapacitadas” porque, estimuladas pela sociedade, terminam aprendendo a sê-lo. (LIMA; TAVARES, 2007). * “Deficiente”; “Deficiente social”; “Deficientes mentais”; “Deficientes mentais ligeiros”; “Deficientes mentais periféricos”; “Deficientes mentais leves”; “Deficientes físicos”, “Deficientes auditivos”; “Deficientes ligeiros”: A palavra “Deficiente”, utilizada para substantivar e/ou adjetivar a pessoa com deficiência, de acordo com Sassaki (2007), teve seu uso mais frequente por volta de 1960 a 1980, junto a outros termos como defeituoso e excepcional; todos com a finalidade de focalizar a deficiência reforçando “o que as pessoas não conseguiam fazer como a maioria”. (Ibid., p. 2, grifos nossos). (Vale destacar que a sociedade ao comparar as potencialidades das pessoas com deficiência com as da suposta maioria hígida termina por impor aos indivíduos com deficiência os prejuízos das barreiras atitudinais de baixa expectativa, de inferiorização ou de menos valia). 405 Quanto às adjetivações que surgem de mãos dadas ao termo “deficiente” “Deficiente social” (ROSA, 1990); “Deficientes mentais” (ROSA, 1990; NERY, 1996; BAZANTE, 2002) “Deficientes mentais ligeiros” (ROSA, 1990); “Deficientes mentais periféricos” ( NERY, 1996); “Deficientes mentais leves” (NERY, 1996); “Deficientes físicos” (ROSA, 1990; NERY, 1996; BAZANTE, 2002), “Deficientes auditivos” (MOREIRA, 1997) ; “Deficientes ligeiros” ( ROSA, 1990; Moreira, 1997) - elas tonificam socialmente a compreensão limitante acerca do todo da pessoa com deficiência, constituem forma pejorativa de tratá-la. (ADIRON, 2009a). As pesquisadoras Rosa (1990), Nery (1996), Moreira (1997) e Bazante (2002) utilizam, nas dissertações, essa expressão para fazer referência à pessoa com deficiência. Assim, apesar de o termo ter sido posto em xeque na década anterior ao início da produção dos trabalhos, as pesquisas sobre educação especial efetivadas no PPGE/UFPE chegaram a 2002 ainda o utilizando. Esse uso longínquo do termo permite pensar que a terminologia é uma fissura no discurso que anuncia e pretende ser plenamente inclusivo, pois a expressão “deficiente”, utilizada para sumarizar o todo da pessoa com deficiência, traz danos à identidade de pessoa humana, produtiva, detentora de direitos humanos, cumpridora de deveres sociais. (LIMA; TAVARES, 2007). Tais danos foram ainda mais maléficos à pessoa com deficiência intelectual porque através das adjetivações: “deficientes mentais, deficientes mentais periféricos ou deficientes mentais leves”, utilizadas pela sociedade e pelos pesquisadores do PPGE/UFPE, nutriu-se a compreensão de que pessoas com deficiência intelectual apresentavam a totalidade de suas mentes, de sua cognição, de suas potencialidades prejudicada (Barreira atitudinal de estereótipo e de particularização). Essa compreensão é, então, a força motriz para a prática da barreira atitudinal de ignorância e de baixa expectativa, praticadas pela sociedade quando essa, por falta de informação, ajuíza que a pessoa com deficiência é um “deficiente”, o qual é definido/caracterizado como “imperfeito, falho, pessoa portadora de qualquer tipo de deficiência”. (RIOS, 2009, p. 210). A barreira atitudinal de medo também pode se fazer presente, nesse processo, quando a sociedade, também por falta de informação, alimenta o receio 406 de, na interação com pessoas supostamente “falhas, imperfeitas”, fazer ou dizer algo impróprio e lhes provocar reações de entristecimento, agressividade etc. Quando, porém, os atores sociais, vivificam a ideia da “imperfeição, da falha, do deficiente” (como oposto ao eficiente, ao bom e ao salutar) podem, concomitantemente, na quebra dessa expectativa, terminar por exaltar as pessoas com deficiência pelo menor êxito alcançado por elas (barreira atitudinal de baixa expectativa e de adoração do herói). Ou ainda, sob aquela compreensão, essa mesma sociedade pode, por piedade do “imperfeito e do suposto sofrimento que lhe toma, buscar compensá-lo, favorecê-lo, dispensar a ele atitudes protecionistas, paternalistas. (Barreira atitudinal de compensação). Tais atitudes podem surgir imbricadas à proteção desproporcional, esteada no entendimento da sociedade de que o “deficiente” , “em função da deficiência que porta”, não tem competência para tomar decisões, para gerir sua vida (Barreira atitudinal de superproteção e de baixa expectativa). A sociedade, por meio dessas barreiras, apoia a estigmatização e a discriminação, perpetua os mecanismos de excludência, a rejeição velada/ irrefletida ou manifesta/propositada contra as pessoas com deficiência. (LIMA; TAVARES, 2007). Estar excluído é, pois, ser afastado do gênero humano. Logo, quando a sociedade, em função da designação “deficientes”, promove a exclusão dessas pessoas, ela as coloca na periferia, no lugar exterior à organização social e aos seus múltiplos âmbitos. * “Excepcional”; “Excepcionais sociais”: Segundo Sassaki (2007), o termo excepcional era utilizado, no intervalo de 1960 a 1980, para fazer referência às pessoas com deficiência intelectual33. O que, numa escala social, as colocava no 33 É importante recordar que o termo deficiência intelectual surgiu em 1995, no Simpósio intitulado: Intelectual Disability: programs, policies and planning for the future, na ocasião em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) sugeriu o uso desse termo para substituir a expressão deficiência mental. No Brasil, o conceito de deficiência intelectual foi previsto no Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, Art.4°, inciso IV, que regulamenta a Lei brasileira nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre a Política nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências. Apenas em 2004, o termo deficiência intelectual foi, então, difundido através da Declaração de Montreal sobre Deficiência Intelectual, documento surgido durante um evento organizado e efetivado pela própria OMS (Organização 407 extremo inferior da percepção/da classificação acerca de suas potencialidades (barreira atitudinal de baixa expectativa). Nery (1996, p.74) comenta as ambiguidades em documentos que se referem a crianças com deficiência como crianças excepcionais: Um ano após a criação do CENESP, o Conselho Federal de Educação, pelo Parecer nº 1682/74, designou crianças excepcionais como sendo [...] aquelas cujo comportamento se afasta de tal maneira do considerado normal, que os currículos para classes regulares tornam-se inadequados às suas necessidades demandando, assim, serviços especializados. Esta concepção de crianças excepcionais apresenta um grande equívoco, pois ter comportamento que se afaste do normal, a ponto de exigir adaptações curriculares, não é uma característica inerente a portadores de deficiência. Esta característica poderá vir a ser de qualquer criança, inclusive aquela portadora de deficiência. Portar uma deficiência física, mental ou sensorial, por si só, não implica em comportamento anormal. Assim sendo, a educação especial não estava sendo concebida como a criação de situações diferentes para assegurar a condição de igualdade dos portadores de deficiência, garantida constitucionalmente. A autora, ao comentar os processos de diagnóstico utilizados para a triagem de “alunos especiais”, afirma que “ou a deficiência tem relação direta com a população atendida na rede pública ou a rede pública ‘faz’ estes excepcionais em sua relação com sua clientela”. (Id., Ibid., p. 71). Nery (Ibid.) mostra que o termo excepcional era (e, em muitos casos, ainda o é) utilizado para impor uma condição inferiorizante a quem por ele é socialmente marcado. A sociedade, através do uso dessa designação para fazer referência à pessoa com deficiência, nutre barreiras atitudinais de adoração do herói (pois a própria nomenclatura, utilizada pelos atores sociais, já traz a ideia da hipervalorização de habilidades e ações desenvolvidas pela pessoa com deficiência, e.g. habilidades interacionais: “excepcional social”); de exaltação do modelo (a sociedade ao considerar os indivíduos com deficiência como “excepcionais”, numa situação Mundial de Saúde) e pela Organização Pan-Americana de Saúde, em Montreal, no Canadá. A ênfase no termo intelectual se dá tendo em vista, entre outros aspectos, fazer referência específica ao intelecto e não ao funcionamento da mente em sua totalidade. 408 comparativa entre eles e outras pessoas sem deficiência, acaba utilizando-os como modelo, exemplo de superação). * “Superdotados”: O termo superdotado aparece apenas uma vez nas dissertações em estudo, mais especificamente no trabalho elaborado por Rosa (1990). Essa designação é utilizada no Regimento Interno do Centro Nacional de Educação Especial; documento mencionado pela autora ao comentar sobre a ampliação da educação especial e de sua clientela: À expansão dos serviços de educação especial, com sua respectiva clientela preferencial, somou-se a criação do Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), em 1973, com a finalidade de definir a ossatura institucional e os ‘princípios doutrinários, políticos e científicos’ de uma orientação nacional para regular a prestação de serviços educacionais de pré-escolar, 1º e 2º graus, superior e supletivo, para ‘deficientes da visão, da audição, mentais, físicos, para portadores de deficiências múltiplas, educandos com problemas de conduta e os superdotados’. (CENESP/ Portaria Ministerial nº 550, de 29/10/75, Art. 2º apud ROSA, 1990, p. 44, grifos nossos). O vocábulo “superdotados”, utilizado no documento, é um recurso linguístico empregado pela sociedade para, numa escala socioeducacional, colocar os alunos com altas habilidades no extremo superior da percepção/da classificação acerca de suas potencialidades, por essa razão, pessoas com tal característica eram, consoante Sassaki (2007), também denominadas de excepcionais. Obviamente, a escola e a sociedade como um todo, sob essa compreensão, contribuíram para a manutenção de crenças equivocadas, entre outras, a de que pessoas com altas habilidades têm biótipo específico, são gênios cuja intelectualidade é suficiente para alcançar alta produtividade na vida, independente de condições ambientais ou de assistência etc. (ALMEIDA, 2005 apud TAVARES, LIMA, AMORIM, 2010; AZEVEDO, METTRAU, 2010). Os atores sociais, através dessas crenças, nutriram, portanto, a barreira atitudinal de estereótipo e a de particularização. Esses mitos, presentes na dimensão cognitiva das barreiras atitudinais, geram disposições afetivas (preconceito) e discriminação (dimensão social da barreira atitudinal), fazendo com que a pessoa com superdotação seja vista com 409 desconfiança, em soslaio pelos professores, seja recusada ao precisar de mais do que é pedagogicamente ofertado a toda a turma, em determinadas áreas do saber. Nesse trajeto, a sociedade também fortalece a barreira atitudinal de medo, quando, por exemplo, no contexto educativo, o professor, sentindo-se inseguro em função do pouco saber que acredita ter e crédulo de que os alunos com altas habilidades são gênios, receia em não conseguir responder às necessidades desses alunos ou receia em dizer/ fazer algo “errado” diante deles. (AZEVEDO, METTRAU, 2010). Desse processo resultam, portanto, as fragilidades na escolarização da pessoa com altas habilidades, pois, quando ela é vista como excepcional deixa de receber as condições de que precisa para desenvolver-se pedagogicamente. (SILVA; SANTOS, 2012). * “Pessoas com limitações”, “Pessoas Deficientes”, “Pessoa Humana”, “Pessoas com deficiência”: Durante muito tempo as pessoas com deficiência foram compreendidas e tratadas como pertencentes a uma classe sub-humana, em função de fatores cognitivos e sociais que estão presentes na gênese das barreiras atitudinais e esteam-se em conceitos patológicos e místicos da deficiência, entre outros. Para, então, se chegar ao entendimento social de que as pessoas com deficiência são pessoas, com direitos e deveres sociais, com potencialidades a serem desenvolvidas, com existências a serem partilhadas etc., foi necessário que esse entendimento estivesse registrado/explicitado/advogado na letra da lei. Assim, no caso da sociedade brasileira, aquela compreensão includente acerca da pessoa com deficiência atingiu maior vigor, do ponto de vista legal e social, a partir Constituição Brasileira de 1988. A década de 80 marca, no Brasil, o início do período em que a identidade de pessoa para esse grupo em situação de vulnerabilidade é uma resposta às pressões internacionais; resposta essa refletida na Carta Maior do país, conforme mencionado no segundo capítulo do presente trabalho. 410 As designações “Pessoas com limitações” (NERY, 1996), “Pessoas Deficientes” (NERY, 1996), “Pessoa Humana” (MOREIRA, 1997) surgem, pois, para conferir o atributo de pessoa a indivíduos que antes tinham socialmente negado o pertencimento ao gênero humano. O termo “Pessoas com limitações”, apesar de estar permeado por construções históricas equivocadas em relação às potencialidades da pessoa com deficiência, quando utilizado no sentido de incapacidade, ao ser utilizado como expressão do limite humano não constitui em si barreira atitudinal, uma vez que limites são inerentes à pessoa humana, inclusive quando oriundos /causados por deficiência. Como diz Lima (2000a) os limites podem ser suplantados pessoal ou tecnologicamente. Assim, quando Maltese (1995. p.6 apud NERY, 1996, p. 37) , ao sintetizar a Recomendação nº 99/1995, diz: [...] todas as pessoas com limitações, qualquer que seja a origem ou natureza da deficiência, têm direito aos meios de reabilitação profissional para assim poderem exercer um emprego adequado, detalhando uma série de medidas para assegurar o desenvolvimento desses princípios e estabelece que as autoridades governamentais devem ser responsáveis pela sua aplicação. É possível, então que duas leituras sejam efetivadas: uma que constitui barreira atitudinal por chamar as pessoas com deficiência de “pessoas com limitações”; outra, de enunciar o direito das pessoas com deficiência às adequações que lhe permitam expressar/desenvolver seu potencial laboral; o que implica no reconhecimento do direito ao trabalho pelas pessoas com deficiência, consoante suas capacidades, “independentemente da origem ou natureza da deficiência”. Nery (Ibid.), mencionando a “Declaração dos Direitos dos portadores de Deficiência” (ONU, 1975; Art. 6º), ratifica esses e outros direitos das pessoas com deficiência [...] as pessoas deficientes têm direito a tratamento médico, psicológico e funcional, incluindo-se aí aparelhos protéticos e ortóticos, à reabilitação médica e social, educação, treinamento vocacional e reabilitação, assistência, aconselhamento, serviços de colocação e outros serviços que lhes possibilitem o máximo desenvolvimento de sua capacidade e habilidades e que acelerem o processo de sua integração ou reintegração social. (Declaração dos 411 Direitos dos portadores de Deficiência, ONU, 1975 apud NERY, 1996, p. 40 e 41) A expressão “Pessoas deficientes”, apesar de imputar à pessoa recebedora do rótulo uma condição inferiorizante: a de ser, para a sociedade, um “deficiente”; na situação discursiva em análise não carrega para a sua centralidade a leitura estereotipada da deficiência, pois, na Declaração, o discurso traz apenas uma questão de taxonomia e não de postura, como discutido por Lima (2000a). Já o termo “Pessoa Humana”, utilizado por professores participantes das pesquisas realizadas por Moreira (1997) e por Bazante (2002), rompe com o círculo de barreiras atitudinais e anuncia um contexto inclusivo, de respeito ao aluno com deficiência: [...] quem trabalha com educação especial precisa estar capacitado para compreender a evolução da pessoa humana. Evolução num ritmo mais acelerado, num ritmo mais retardado, infelizmente, o professor, neste país, é preparado para ensinar o bê-a-bá e acaba por aí [...] Se ele passasse a entender isso como um passo da evolução, aí não precisaria segregar os meninos” (MOREIRA, 1997, p. 217, grifos da autora). Se você vê ali não o deficiente, mas uma pessoa humana que tem potencialidades a ser desenvolvido [sic], mesmo dentro das limitações, então, eu acho que você consegue um bom trabalho, sabe? (AZUL, sala especial). (BAZANTE, 2002, p. 114). De acordo com Lima (2006, p.55), a redundância existente no termo “Pessoa Humana é necessária, visto que nem todas as pessoas, no modelo social em que vivemos, são tratadas como humanos”. Nesse sentido, o atributo humano passa a ser compreendido como constitutivo da pessoa, o qual coloca todas as pessoas no mesmo patamar de membros da sociedade humana. Quando, contudo, Bazante (2002), em sua dissertação de mestrado, registra o termo “Pessoa Humana” no discurso do depoente e não reflete sobre esse novo olhar social para a pessoa com deficiência, ela perde a oportunidade de contribuir para a eliminação de barreiras atitudinais de substantivação/ adjetivação presentes no entendimento anterior “deficientes” e não humanas. que era ver as pessoas com deficiência como 412 Em sua dissertação, a autora também registra o termo “Pessoas com deficiência”, dentro de uma citação de Gil (2002) 34 e, novamente, não reflete sobre o uso dessa nomenclatura a qual anuncia a quebra do paradigma excludente para um paradigma inclusivo. Vale refletir que, nesse excerto, tem-se pela primeira vez, no discurso produzido nas dissertações construídas no PPGE/UFPE, a nomenclatura “Pessoa com deficiência”. Essa designação está envolvida num contexto histórico-discursivo que demonstra significativos avanços sociais rumo à inclusão educacional. Sassaki (2007, p.5) informa que essa designação se faz presente “na década de 90, na primeira década do século 21 e do Terceiro Milênio”, período fortemente marcado por eventos mundiais liderados por organização de pessoas com deficiência. O autor registra que [...] pessoas com deficiência passa a ser o termo preferido por um número cada vez maior de adeptos, boa parte dos quais é constituída por pessoas com deficiência que, no maior evento (‘Encontrão’) das organizações de pessoas com deficiência, realizado no Recife em 2000, conclamaram o público a adotar este termo. Elas esclareceram que não são ‘portadoras de deficiência’ e que não querem ser chamadas com tal nome. Esse inclusivista esclarece os valores que estão agregados à nomenclatura “Pessoa com deficiência”: 1) o do empoderamento [uso do poder pessoal para fazer escolhas, tomar decisões e assumir o controle da situação de cada um] e 2) o da responsabilidade de contribuir com seus talentos para mudar a sociedade rumo à inclusão de todas as pessoas, com ou sem deficiência. (Id., Ibid.) Sassaki (Ibid.) também elucida os princípios básicos para os movimentos em prol da inclusão terem chegado a essa nomenclatura: - Não esconder ou camuflar a deficiência; - Não aceitar o consolo da falsa ideia de que todo mundo tem deficiência; 34 Durante a idade média, ‘eram freqüentes os apedrejamentos ou a morte nas fogueiras de Inquisição das pessoas com deficiência, pois eram consideradas como possuídas pelo demônio. (sic). (GIL, 2002, p. 5 apud BAZANTE, 2002, p. 49) 413 - Mostrar com dignidade a realidade da deficiência; - Valorizar as diferenças e necessidades decorrentes da deficiência; - Combater eufemismos (que tentam diluir as diferenças), tais como “pessoas com capacidades especiais”, “pessoas com eficiências diferentes”, “pessoas com habilidades diferenciadas”, “pessoas deficientes”, “pessoas especiais”, “é desnecessário discutir a questão das deficiências porque todos nós somos imperfeitos”, “não se preocupem, agiremos como avestruzes com a cabeça dentro da areia” (i.é, “aceitaremos vocês sem olhar para as suas deficiências”); - Defender a igualdade entre as pessoas com deficiência e as demais pessoas em termos de direitos e dignidade, o que exige a equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência atendendo às diferenças individuais e necessidades especiais, que não devem ser ignoradas; - Identificar nas diferenças todos os direitos que lhes são pertinentes e a partir daí encontrar medidas específicas para o Estado e a sociedade diminuírem ou eliminarem as “restrições de participação” (dificuldades ou incapacidades causadas pelos ambientes humano e físico contra as pessoas com deficiência). Como se vê, o termo “Pessoa com deficiência” surge e é sustentado pela filosofia da inclusão social plena. Ele reflete as acerbas lutas de todas as pessoas com e sem deficiência que têm buscado combater os ardilosos mecanismos de excludência da sociedade. Essa designação reflete ainda como, pouco a pouco, a sociedade vem se abeirando da mais ampla compreensão de que as pessoas com deficiência são capazes de contribuir com/para o progresso dessa mesma sociedade que lhe fecha caminhos. Nesse sentido, é importante recordar que essa nomenclatura já estava sendo discutida e registrada em documentos legais desde a década de 90 - período em que Rosa (1990) produziu o seu trabalho dissertativo; e que em 1994, anos antes da produção dos trabalhos de Nery (1996), Moreira (1997), Bazante (2002), essa mesma nomenclatura foi registrada na Declaração de Salamanca (1994), a qual preconiza fornece as a educação inclusiva para todos, tenham ou não uma deficiência, e bases para a produção das políticas nacionais de educação nos Estados-Partes, o que faz o Brasil produzir o tom da LDB 9394/1996. No período de produção dos trabalhos dissertativos em estudo, e além dele, vários documentos que advogam a inclusão social/educacional da pessoa com deficiência utilizam essa designação. Até o ano de 2002, têm-se então: 414 Documentos do Sistema ONU: 1990 - Declaração Mundial sobre Educação para Todos / Unesco. 1993 - Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência / ONU. 1993 - Inclusão Plena e Positiva de Pessoas com Deficiência em Todos os Aspectos da Sociedade / ONU. 1994 - Declaração de Salamanca e Linhas de Ação sobre Educação para Necessidades Especiais / Unesco. 1999 - Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (Convenção da Guatemala) / OEA. 2001 - Classificação Internacional de Funcionalidade, Deficiência e Saúde (CIF) / OMS, que substituiu a Classificação Internacional de Impedimentos, Deficiências e Incapacidades / OMS, de 1980. Documentos de outros organismos mundiais 1992 - Declaração de Vancouver. 1993 - Declaração de Santiago. 1993 - Declaração de Maastricht. 1993 - Declaração de Manágua. 1999 - Carta para o Terceiro Milênio. 1999 - Declaração de Washington. 2000 - Declaração de Pequim. 2000 - Declaração de Manchester sobre Educação Inclusiva. 2002 - Declaração Internacional de Montreal sobre Inclusão. 2002 - Declaração de Madri. 2002 - Declaração de Sapporo. 2002 - Declaração de Caracas. (SASSAKI, 2007, p. 6). É relevante enfatizar que a designação “Pessoa com deficiência” surge nesses documentos não apenas como expressão linguística, mas prenhe de representações sociais que contribuem para a constituição da identidade social e pessoal da pessoa com deficiência como pessoa humana, indivisível, com potencialidades, detentora de direitos e cumpridora de deveres sociais. Quando, nos trabalhos dissertativos, não se utiliza essa designação num período em que ela já demonstrava a filosofia a qual se vincula, parece que todos esses documentos legais não atingiram, no PPGE/UFPE, a reflexão que pretendiam. Uma vez que a pós-graduação é o espaço para que a reflexão seja constitutiva das práticas formativas e, considerando que, as dissertações e teses nela produzidas devem refletir/estear na literatura pertinente de área, não tendo aparecido, nos trabalhos examinados, um conceito inclusivo tão importante como o expresso por “pessoa humana”/ “pessoa com deficiência” e no que apareceu não ter sido 415 tecidas as devidas reflexões, aquela ausência reafirma o distanciamento entre as áreas de pesquisa dos orientadores e o tema das dissertações produzidas/analisadas. Essa ausência também denuncia um viés de distanciamento do PPGE/UFPE para com a educação especial e, mais ainda, para com a educação inclusiva. Isso porque a perspectiva do PPGE/UFPE em relação à política educacional, conforme anunciado nos editais publicados de 1978 a 2002 nesse Programa, não considera as políticas educacionais em prol da pessoa com deficiência, por exemplo as expressas na Declaração Mundial sobre Educação para Todos (1990), na Declaração de Salamanca (1994) e no capítulo 5º da LDB 9395/96. Logo, apesar de em alguns esparsos momentos os trabalhos em análise discutirem nomenclatura, descrevendo, historiando os danos que as substantivações/adjetivações causam à pessoa com deficiência, os pesquisadoresautores e seus orientadores parecem não ter percebido quando na década de 90 despontavam as bases da inclusão social e essas estavam (estão) refletidas também na expressão “Pessoa com deficiência”. Como já afirmado, obviamente, não é apenas o léxico pelo léxico que importa, mas os sentidos, as representações sociais às quais ele está vinculado e termina por difundir. (LIMA, 2000a). As nomenclaturas registradas/citadas/utilizadas nas dissertações de mestrado revelam, então, compreensões que se tinham (ou se têm) sobre a pessoa com deficiência: “diferente, desviante, anormal, desvalido, excluído, deficiente, excepcional, portador etc.”. Como visto, esses entendimentos geram, tonificam barreiras atitudinais, pois é impossível divorciar as concepções acerca da pessoa com deficiência das atitudes a ela dispensada, uma vez que essas concepções facilitam os estágios de evolução daquelas barreiras. Então, o discurso científico sobre Educação Inclusiva, produzido no PPGE/UFPE, marca a possibilidade de trajetos das filiações sócio-históricas de seus autores, das representações sociais que esses construíram sobre a pessoa com 416 deficiência e a educação a ela devida; do deslocamento desses fatores, via linguagem, à manutenção de uma rede de difusão de tais filiações, representações e de barreiras atitudinais. Em outros termos, aqueles fatores que parecem sustentar a ocorrência de barreiras atitudinais nas dissertações mostram as frestas que são contributivas para que essas barreiras estejam presentes nos trabalhos e cheguem a diversos contextos sociais. Contudo, tais fatores não esmaecem o valor das pesquisas efetivadas no PPGE/UFPE no campo da Educação Especial. Com efeito, as dissertações analisadas, mesmo não refletindo os preceitos mais plenos da educação inclusiva ainda assim constituem empenho de seus autores e orientadores para a construção de uma educação que contemple a pessoa com deficiência e resgate a esta seus direitos, cidadania e dignidade no campo educacional e social. 417 Considerações finais A trajetória somos nós mesmos “[...] é inútil procurar encurtar caminho e querer começar já sabendo que a voz diz pouco, já começando por ser despessoal. Pois existe a trajetória, e a trajetória não é apenas um modo de ir. A trajetória somos nós mesmos. Em matéria de viver, nunca se pode chegar antes. A via-crúcis não é um descaminho, é a passagem única, não se chega senão através dela e com ela.” (LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo G.H.,1996, p. 113) Numa das portas a pergunta: Você trabalha sob a égide da educação Especial ou da Educação Inclusiva? A voz, despessoal, respondeu pouco; ressoou uma teoria; ficou presa aos ditames da circunstância, da consciência, da clarividência. Embaraço. Primeiro, o mergulho no interior, entre uma porta e outra a academia; a bússola: o orientador. Depois o estudo nasce de uma contingência pedagógica, acadêmica, filosófica, existencial; a chancela do itinerário: o Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco. Nesse, não se abreviou caminhos. Na trajetória, a história individual se entrelaçou à coletiva. propositais, A via-crúcis: o entendimento de que as barreiras atitudinais são inadvertidas, inconfessas, veladas, ostensivas, apresentadas, alimentadas, sentidas, praticadas, denunciadas , difundidas (in)conscientemente. A trajetória somos nós: sociedade. É a sociedade que sistematiza, propaga, fortalece códigos de compreensão que terminam por gerar a dinâmica do Nós versus Outro, imputando a esse Outro, pessoa com deficiência, a marca do sub-humano, do inferior. Tais rótulos, que estão na gênese da dimensão cognitiva das barreiras sociais, levam essa mesma sociedade a tonificar preconceitos e a agir com discriminação. Três processos que imbricados fazem valer mecanismos de excludência, os quais tiram da pessoa chancelada a condição de pertencimento ao gênero humano. Três processos que alimentados a um só tempo sustentam na escola a crença em uma pedagogia que aparta, indignifica, fere ao gerar justificativas para a manutenção de duas classes de 418 pessoas/de alunos: o Nós da competência versus o Outros da anormalidade. Três processos históricos igualmente fortalecidos pelas Ciências e pelo senso comum que fazem da Universidade e do discurso científico que nela é produzido espaços propícios para a sustentação daqueles códigos de compreensão, daquelas atitudes escolares, enfim, das barreiras atitudinais. O discurso é a via. A atitude nociva é a barreira veiculada/materializada. No meio do caminho a interação que consolida a desqualificação, a desinserção, a desafiliação, o desvalimento, o dó, a inferiorização, a omissão, a rejeição. Rejeição. Essa é a mais contundente de todas as barreiras sociais. Ela aparece como resultado do medo de interagir, da crença na incapacidade, da recusa que se alimenta dos modelos de compreensão equivocados acerca das potencialidades da pessoa com deficiência e do preconceito camuflado ou ostensivo. O medo, a crença, a recusa são aprendidos. comparando, inferiorizando, rejeitando. Ninguém nasce excluindo, Mas se nasce sendo receptário desse processo que, de tão incisivo, faz com que a pessoa alvo construa uma identidade pessoal aquém do que ela é: pessoa, cujas idiossincrasias não podem ser limitadas à deficiência. Pessoa que tem um nome, uma identidade, uma história que por ela deve ser escrita em primeira pessoa. E nesse itinerário, o EU SOU é o terreno do vir-a-ser contínuo, do construir-se na experiência com os pares. Pares humanos, pares com potencialidades, não pares escolhidos porque a sociedade julga-os igualmente incapazes. Nesse EU SOU conjuga-se um nome, uma personalidade, uma identidade que não pode ser apagada em razão da deficiência. A deficiência não é marca “para não se perder de vista” (modelo místico da deficiência), não é marca para que se nutra o dó (modelo caritativo), não é marca que indique defeito/doença (modelo médico), não é marca para que se sustente a indústria das deficiências (modelo mercantil), não é marca que assegure a leitura do déficit (modelo leigo), é sim parte da pessoa humana, indivisível, ímpar, potencialmente capaz, produtiva, detentora de direitos, cumpridora de deveres sociais (modelo social). 419 Mas, nem sempre a deficiência foi e é reconhecida como uma parte constitutiva da pessoa. A sociedade gosta de figuras de linguagem: metonímias, que fazem valer a leitura da deficiência em lugar do todo do indivíduo, e eufemismos, que na busca pela suavização de designações terminam por solidificar barreiras sociais. No centro desse processo, estão as barreiras atitudinais de substantivação e de adjetivação. Elas são a munição social para que o apagamento de identidades seja uma constante. Elas são munição para aquelas figuras discursivo-sociais. Por meio dessas barreiras, os códigos de compreensão se fortalecem; a ignorância encontra passaporte; o medo encontra uma razão, embora descabida; a particularização se mostra; as comparações assumem faces de rituais de compensação, de exaltação ou de inferiorização praticados contra a pessoa com deficiência; a rejeição impera. Em outras palavras, por meio da nociva prática das barreiras atitudinais, a sociedade impõe às pessoas com deficiência identidades sociais e pessoais limitantes, limitadas, inferiorizantes; sustentadas por generalizações negativas que são construídas na interação social. Essas identidades adquirem sentido e validez social porque são produtos de teorias equivocadas acerca da pessoa com deficiência, dos discursos que veiculam tais teorias e das atitudes sociais engendradas nessas duas vias, as quais fornecem as pré-construções para a prática propositada ou velada e até para a edificação/atualização das mais diversas barreiras atitudinais. Tais barreiras firmam as identidades estabelecidas por marcações simbólicas relativas a outras identidades consideradas “normais”; isso porque as identidades de “incapaz”, de “fronteiriço”, de “anormal moral, intelectual, pedagógico, social”, de “atrasado”, de “desviante”, de “deficiente” etc. só se sustentam porque são postas em relação ao que a sociedade julga, define, defende, patenteia como “capaz”, “potencialmente sem limitações”, “normal moral, intelectual, pedagógico, social”, “dentro do fluxo comum”, “eficiente” etc. Todas aquelas nocivas substantivações/adjetivações, entre outras, utilizadas para definir quem é a pessoa com deficiência, são sustentadas na sociedade em 420 razão de: a) abstratos mecanismos de manipulação das identidades: o consenso, a homogeneidade, a distintividade, os fatores descritivos e avaliativos, todos esses estereotipificantes; b) um conjunto de ideias genéricas e inferiorizantes que incitam disposições afetivas negativas e o preconceito não pede passagem, simplesmente torna-se o elemento que atravanca as interações e obstrui a efetivação de direitos; c) comportamentos que manifestam a negação, a recusa, a rejeição e o desrespeito à identidade de pessoa humana dos indivíduos com deficiência, o que termina por tonificar o descumprimento dos direitos sociais apregoados na lei. As adjetivações/substantivações estão no cume do processo social em que simetricamente atores sociais se colocam contra a pessoa com deficiência, ao edificar verdadeiras barricadas, cujos sucessivos e vigorosos filetes, que se imbricam e se alimentam mutuamente, são aquelas conceituadas no primeiro capítulo desta barreiras atitudinais dissertação e apresentadas, resumidamente, no quadro a seguir: QUADRO V– Taxonomia das barreiras atitudinais TAXONOMIA DAS BARREIRAS CONCEITUAÇÃO ATITUDINAIS Barreira Atitudinal de Substantivação É o tratamento da pessoa como um todo deficiente. Barreira Atitudinal de Adjetivação ou É o uso de rótulos ou atributos Rotulação depreciativos em função de deficiência. Barreira Atitudinal de Propagação É a suposição de que uma pessoa, por ter uma deficiência, tem outras. 421 A barreira atitudinal de estereótipos é Barreira Atitudinal de Estereótipos a representação social “positiva” ou “negativa”, sobre pessoas com a mesma deficiência. É Barreira Atitudinal de Generalização a homogeneização de pessoas baseada numa experiência interacional com um dado indivíduo ou grupo. É a efetivação de serviços, baseada Barreira atitudinal de Padronização na experiência generalizada com indivíduo ou grupos de pessoas com deficiência. É a segregação das pessoas em Barreira Atitudinal de Particularização função de uma dada deficiência e do entendimento de que elas atuam de modo específico ou particular. É a recusa irracional de interagir com Barreira Atitudinal de Rejeição uma pessoa em razão da deficiência. Barreira Atitudinal de Negação É quando se nega a existência ou limite decorrente de uma deficiência. Barreira Atitudinal de Ignorância É o desconhecimento que se tem de uma dada deficiência, das habilidades e potenciais daquele que a tem. 422 Barreira Atitudinal de Medo É quando se tem receio em fazer ou dizer “algo errado” diante da pessoa com deficiência. Barreira Atitudinal de Baixa É Expectativa ou de Subestimação o juízo antecipado e sem fundamento de que a pessoa com deficiência é incapaz de fazer algo. Barreira Atitudinal de Inferiorização da É acreditar na incapacidade das Deficiência pessoas com deficiência e comparar pejorativamente os resultados das ações de pessoas sem e com deficiência. Barreira Atitudinal de Menos Valia É acreditar na incapacidade das pessoas com deficiência consequência, e, em avaliar depreciativamente potencialidades e ações por elas desenvolvidas. Barreira Atitudinal de Adoração do É a exaltação da pessoas com Herói deficiência e a supervalorização ou superestimação de tudo o que elas fazem, porque delas se espera algo de inferior intensidade. É quando se compara a pessoa com Barreira Atitudinal de Exaltação do Modelo e a sem deficiência, usando a primeira como um modelo a ser seguido, em razão da percepção de 423 sua “excepcionalidade” e “superação. Barreira Atitudinal de Compensação É quando se favorece, privilegia e paternaliza a pessoa com deficiência com algum bem ou serviço, por piedade e percepção de déficit É a expressão e/ou atitude piedosa Barreira Atitudinal de Dó ou Pena manifesta para com as pessoas com deficiência, restringe-as e mesmo as constrange pelas atitudes que se tem para com elas. Barreira Atitudinal de Superproteção É a proteção desproporcional esteada na piedade e na percepção da incapacidade do sujeito de fazer algo ou de tomar decisões em função da deficiência. Essas barreiras atitudinais, conforme discutido, têm como ponto de origem o olhar negativo e generalizante que a sociedade construiu historicamente acerca da deficiência e da pessoa com deficiência. Vale, pois, reiterar que as barreiras atitudinais de substantivação/de adjetivação causam danos à identidade social e pessoal das pessoas com deficiência; o que ocorre não apenas pelo uso dos termos em si, mas pela historicidade social e discursiva que as palavras encerram. Assim, as designações utilizadas para fazer referência à pessoa com deficiência, as compreensões que essas nomenclaturas veiculam, fortalecem e difundem, tal qual a visualização de um iceberg, constituem a representação de um décimo do volume total da gélida massa social de manutenção das barreiras sociais. Todos os obstáculos acima listados remetem-se, então, à existência de 424 compreensões negativas fossificadas, de mitos que alcançam, com sutileza, grandes dimensões, podem adotar formatos de difusão que indicam sua origem e são capazes de afundar intenções que se revestem, com fragilidade, do discurso da inclusão. Muitas daquelas barreiras sociais, como a barreira atitudinal de ignorância e a barreira atitudinal de medo, podem/poderiam ser erradicadas por meio de informações positivas e legítimas sobre a pessoa com deficiência. Outras, como as de baixa expectativa, menos valia, adoração do herói e exaltação do modelo; poderiam ser erradicadas pela eliminação da medida da normalidade utilizada pela sociedade para avaliar, comparar, tolher as potencialidades das pessoas. Essas barreiras atitudinais, assim como as demais, promovem a exclusão do indivíduo, “maculam a sua identidade e inibem a liberdade individual. Para vencêlas, é necessário conhecê-las, para depois desconstruí-las”. (DUARTE; VASCONCELOS, 2011, p. 01). Para conhecê-las, é imprescindível que se tenha acesso a discursos que sejam esclarecedores tanto da existência de tais obstáculos e de como eles se manifestam quanto da existência das potencialidades das pessoas com deficiência. O esclarecimento informacional é valoroso para a formação da consciência inclusiva e deve, pois, estimular a reflexão sobre os discursos, as ações, as omissões praticadas pela sociedade diante da pessoa com deficiência. O que torna a presente pesquisa de substantiva relevância porque ela busca, por meio de estudo e análise aprofundados, desenvolver o conceito de barreiras atitudinais, o qual compõe a própria natureza da conceituação de pessoa com deficiência (Cf. ONU, CDPD,2006; BRASIL, DECRETO LEGISLATIVO nº 186/08, DECRETO nº 6.949/09), e busca mostrar como essas barreiras se manifestam, através das atitudes, dos ditos e dos não ditos, e quais os seus efeitos. Vale, então, destacar/reiterar que a formação da consciência inclusiva é o grande contributo/benefício desta pesquisa, uma vez que ela reflete os preceitos da inclusão, reflete sobre a formação, a conceituação, a manifestação e os efeitos das barreiras atitudinais que são os principais obstáculos para que a inclusão ocorra e tais reflexões poderão chegar até os graduandos, pós-graduandos, aos 425 profissionais da educação, fomentar compreensões adequadas sobre a pessoa/o aluno com deficiência e contribuir para que se tenha atitudes coerentes àqueles preceitos, respeitosas às pessoas com deficiência e aos seus direitos de pessoa humana, cidadã. É, pois, no que concerne a formação da consciência inclusiva que a Universidade, especialmente os PPGs, podem trazer significativa contribuição, pois, a consciência é, como afirma Freire ( 2005, p. 13), uma “misteriosa e contraditória capacidade que tem o homem de distanciar-se das coisas para fazê-las presentes, imediatamente presentes”. Esse “distanciamento” consiste em olhar para si, para as próprias atitudes e, esteando-se na Ciência, no bom senso e na ética, avaliá-las. A Universidade é o espaço para se construir Ciência e para que se promovam as reflexões que vão levar à prática da auto e da hetero avaliação atitudinal. Mas para que isso ocorra, cada pessoa que produz o discurso científico e é, ao mesmo tempo, por ele constituída, deve desenvolver a competência de se distanciar dele e avaliar se promove a consciência inclusiva, a qual pode ser definida como a [...] aquisição e a prática do conjunto de conceitos, valores e atitudes (ausentes de toda e qualquer forma de preconceito ou discriminação), cultivados/exercidos com base no reconhecimento, respeito e acolhimento da diversidade humana, em defesa das condições de igualdade para todos e em favor da dignidade da pessoa humana (LIMA, 2005, comunicação pessoal apud GUEDES, 2007, p. 49). Enfim, para vencer as barreiras atitudinais, cada pessoa precisa conhecer, então, o que são, como se manifestam e quais as suas consequências; precisa construir e continuamente cultivar a consciência inclusiva; precisa agir em conformidade com aqueles conhecimentos. Desses três processos emergem as condições para se eliminar os elementos que estão na gênese de tais barreiras (modelos de entendimento, preconceitos, discriminação), erradicando-os, findam-se as barreiras. Em outros termos, é coerente pensar que as barreiras sociais só podem ser removidas a partir: a) da compreensão de que todas as pessoas são iguais por pertencerem ao gênero humano e que as diferenças que as constituem são inerentes a esse gênero; b) da disposição afetiva para conviver com todas as pessoas e suas distintas crenças, ideologias, falares, sonhos, compleições físicas, habilidades, competências, fragilidades, dificuldades, fortalezas etc.; c) da ação, 426 esteada nos princípios filosóficos, éticos, legais de um desenho universal de sociedade, em que o movimento atitudinal dispensado ao outro é o bumerangue que retorna, com força, vitalidade e velocidade, para o eu-social, para o eu-pessoal, é ser um e outro, indivíduo e sociedade, sem ou, sem barricada, sem polarização. Mas, qual é o caminho? Os documentos legais assumem a resposta de que a lei é a força que vai tonificar essa tríade. O discurso científico assume que é a Ciência, mormente, a Educação, em razão de esta ser o espaço para se edificar a ética, o conhecimento e a humanização/emancipação do homem. A Psicologia sinaliza que a resposta pode ser a quebra molecular de uma daquelas dimensões das atitudes. (PEREIRA, 2002; ATKINSON; ATKINSON; SMITH; BEM; NOELENHOEKSEMA, 2002). O discurso legal em prol da erradicação das barreiras atitudinais e do fortalecimento da efetivação dos direitos das pessoas com deficiência tornou-se, por assim dizer, uma contundente via para a eliminação das barreiras sociais e do desrespeito aos direitos das pessoas com deficiência. Assim, embora esse discurso também seja marcado por avanços e recuos rumo ao atendimento de tais urgências, sem dúvida, as diretrizes internacionais e nacionais, as prescrições oficiais começaram a ser percebidas, interpretadas, corporificadas, fortalecidas na sociedade, nas instâncias de nível básico e superior da educação. O que mostra não apenas a coerção legal para que a sociedade (a escola, a Universidade, dentre outros espaços) transforme os ambientes físicos e sociais, mas clarifica o percurso histórico de exclusão a que pessoas com deficiência foram submetidas ao longo da existência da humanidade e, por obscuro que pareça ser, no decurso da própria civilização. Vale, então, lembrar que a civilização (avançado estágio organizacional da sociedade humana) a partir de documentos legais também validou a exclusão de pessoas com deficiência e, muitas vezes, permitiu a interdição social dessas pessoas (nomeadas nesses documentos de “louco”; “surdos-mudos”) definidas como “absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil” (Código Civil de 1916. Lei nº 30.71/ 1916. Art. 5º). O que perdura, de certo modo, no mais atual Código Civil Brasileiro – Lei nº 10.406/2002. Arts 3º e 4º, pois, mesmo 427 esse tendo promovido certos avanços 35, distingue e determina que: a) os absolutamente incapazes de exercer tais atos são, entre outros, os que “por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos”; e, b) os relativamente incapazes, entre outros , os que “por deficiência mental, tenham discernimento reduzido; os excepcionais sem desenvolvimento mental completo”. A interdição total aparece no discurso legal como reflexo da sociedade que quando restritiva faz da lei seu recurso contundente e quando constituída sob a égide da inclusão incita atitudes que erradicam esse processo (e.g. Declaração de Salamanca e o Decreto Legislativo Brasileiro nº 186/2008; Decreto nº 6940/2009; os quais apregoam que a interdição só se dá como ato específico e temporário. Nesses documentos a deficiência não serve para nulificar socialmente a pessoa, também não se nega a deficiência, a interdição para algum ato específico é algo transitório, passível de reavaliações). Quando, portanto, os recuos rumo à inclusão não estão explícitos na lei, às interpretações, na sombra das barreiras atitudinais, podem gerar retrocessos, um exemplo disso, no contexto das práticas educativas, é a afirmação de que o “preferencialmente” na LDB 9394/96 é o leito para que a sociedade/a escola decida se “aceita” ou não o aluno com deficiência, já que essa seria, no entendimento errôneo de quem interpreta a lei, uma prática possível. Esse equívoco ilustra a manutenção de barreiras atitudinais, encobertas pela máxima de que a educação especial, como tradicionalmente vem sendo vivenciada, “é o melhor para a pessoa com deficiência”. 35 Para saber mais, leia: Código Civil de 2002 - Lei 10406/02 | Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em < http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1027027/codigo-civil-lei-10406-02 > Acesso em 19 de abril de 2012. GUGEL, Maria Aparecida. Interdição da pessoa com deficiência - efeitos no Contrato de trabalho. Disponível em < http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/ anexos/8827-8826-1-PB.pdf > Acesso em 19 de abril de 2012. JÖNCK,Iracema Aparecida Fuck; MAFRA, Monyk. Interdição da pessoa com deficiência – Interdição Parcial ou Total. Disponível em < http://www.fcee.sc.gov.br/index.php?option =com_docman&task=doc_view&gid=449 > Acesso em 19 de abril de 2012. 428 A interpretação da lei quase sempre é contraditória, pois quase sempre a sociedade também o é. O discurso legal pode, então, apresentar retrocessos rumo à inclusão; servir como justificativa para ações excludentes; trazer contribuições valorosas à eliminação de barreiras sociais e também, por coerção, pode fazer com que a sociedade, a escola, a Universidade comecem a mostrar como têm promovido as acessibilidades. A lei estimula os PPGEs a inserir como área de Pesquisa a Educação Inclusiva (Infocapes, 2001), porque o que nesse espaço for construído retornará até a escola e dessa se difundirá na sociedade como um todo. É a Universidade, especificamente os PPGEs que têm, por excelência, o compromisso de promover não a prática da lei pela prática, mas a prática da lei como reflexão sobre os direitos sociais, mormente o da educação. Assim, o processo de efetivação de direitos, o processo de mudança atitudinal na escola e na sociedade como um todo se inicia com o reconhecimento de que a pessoa com deficiência é detentora de direitos e entre esses está o de ser reconhecida como pessoa humana e o de ter acesso à educação de qualidade. E para que esse percurso seja fortalecido, a Universidade, valoroso espaço para a formação e a reflexão sobre os elementos constitutivos do fazer pedagógico, deve estar atenta para não sedimentar possíveis costumes cristalizados, valores em jogo na sociedade, que se estendem da Universidade para outros espaços sociais e ao mesmo tempo tem neles as fontes de tonificação. Enfim, a Universidade e mais especificamente os PPGEs são lócus das práticas discursivas e das produções de sentidos que devem se afiliar à perspectiva do direito à Educação, esse compromisso deve dimanar dos projetos de pesquisa e de seus relatórios finais, principalmente, quando a discussão é gerada em torno da efetivação da educação para todos. O desenvolvimento de práticas planejadas, contributivas à promoção da cidadania perpassa, então, pelo compromisso da Universidade em gerar ponderações acerca das práticas cristalizadas e, através da pesquisa, identificar os elementos que sustentam tais práticas, combatê-los, sob a lente das ciências, e apontar alternativas, encaminhamentos, questões empreendedoras que emanem o 429 que está posto na lei: uma educação comprometida com o processo de formação, e porque não de mudança, de cada pessoa e de todas ao mesmo tempo. Assim, vale reiterar que a pesquisa, em educação, retroalimenta tanto a prática docente quanto as teorias pedagógicas. Logo, quando se tem a pesquisa sobre as pesquisas é possível verificar não apenas o projeto de sociedade, o projeto de educação, o projeto de pós-graduação que se tem, mas o alcance do discurso científico como fundamento para as interações sociais. Então, se cada estudo, ao refletir interdiscursos e o olhar do pesquisador sobre o fenômeno estudado, traz marcas desses três projetos nele também podem se alimentar as barreiras atitudinais mantidas por aquelas instâncias formativas e/ou nele se pode gestar o processo de mudança contínuo e tenaz rumo à inclusão. O que faz valoroso recordar que na pesquisa sobre educação inclusiva o foco de análise não pode ser o de uma linha mais ou menos includente, porque a inclusão é exata em sua prática, não cria exceções. Nesse sentido, é relevante recordar que as pesquisas sobre as pesquisas desenvolvidas no Brasil servem para que se mapeiem os assuntos, os problemas, as indagações que têm tornado possível o papel da Universidade, qual seja, o de, no caso dos cursos de graduação e de pós-graduação em Educação, pensar a escola e propor caminhos para sua contínua transformação. A Universidade, voltada para o contexto da busca pela qualidade do/no ensino, deve, pois, não apenas estar incorporada ao contexto da produção da ciência, mas precisa (re)examiná-lo, recriá-lo, questioná-lo, complementá-lo e o fazer chegar a cumprir a difusão da cultura. Tais compromissos da Universidade fazem urgente a prática de pesquisas sobre as pesquisas, pois essa, conforme discutido, traz à reflexão a estrutura, a organização, as ideologias, as teorias, as práticas do fazer ciência nos PPGEs e, geralmente, servem (ou deveriam servir), através de seus achados, como input para a mudança. Contudo, quando analisadas as pesquisas sobre Educação Especial no PPGE/UFPE (1978 a 2002), é percebido que nem sempre o produto final dos estudos a nível de mestrado é propositivo a tais mudanças, pois muitas dissertações são mais descritivas que reflexivas; estão mais voltadas para o estudo das políticas 430 educacionais estaduais do que para a análise dos elementos constitutivos das práticas pedagógicas inclusivas. Prova disto é o fato de que os quatro primeiros trabalhos produzidos no PPGE/UFPE denotam as contribuições do Programa para que sejam analisadas as contradições nas políticas, nas práticas discursivas, mais do que nas práticas pedagógicas. As dissertações analisadas demonstraram, nos entremeios das palavras, nas contradições, na opacidade do dito e do não dito, posturas de ratificação do processo que os próprios trabalhos descrevem. E o mais preocupante é que esses discursos dizem mais que seus autores imaginam, atingem o fórum de validade, de relevância, de verdade científica, ao mesmo tempo em que podem perpetuar tabus, preconceitos, discriminações contra os grupos em situação de vulnerabilidade. Nesse caso, vale, pois, refletir que no caso das dissertações construídas no PPGE/UFPE (1978 a 2002), sob a égide da pesquisa qualitativa, os discursos ora se mostram vanguardistas em relação à educação inclusiva, ora servem como suporte para a manutenção de diversas barreiras atitudinais. Tais trabalhos, ancorados em um referencial teórico que não privilegia autores/estudiosos da área de educação inclusiva, nem as leis internacionais e nacionais que regem/defendem a educação para todos, evidenciam que o discurso científico apresenta recuos-avanços-recuos rumo à inclusão social/educacional das pessoas com deficiência. Vale, então, destacar que, por um lado, as dissertações analisadas demonstram um discurso em prol da inclusão da pessoa com deficiência quando, por exemplo, discutem/denunciam os mecanismos de excludência. Por outro, as dissertações evidenciam os recuos quando, excetuando-se a dissertação de Bacelar (1988) porque esta não contemplava especificamente a educação da pessoa com deficiência, trazem com significativa frequência barreiras atitudinais de substantivação e de adjetivação com suas diferentes manifestações. Em tais trabalhos não são apenas as formações discursivas do pesquisador que aparecem, a sociedade se mostra através do discurso dele, do discurso de autores ou de documentos citados e do discurso de depoentes das pesquisas. Logo, as barreiras atitudinais disseminadas no discurso científico, que faz convergir 431 tantas vozes, atingem à pessoa com deficiência e influenciam a sociedade em relação àquelas pessoas. A percepção de que o tecido das dissertações é polifônico conduz, então, à compreensão de que um texto dissertativo é um tecido discursivo em que se entrelaçam várias vozes as quais, no caso dos trabalhos em estudo, representam, resgatam, historiam, sinalizam construções das ciências e do senso comum acerca da existência, potencialidades, direitos da pessoa com deficiência. A voz do autor/pesquisador social é, pois, aquela que, ao desenhar, junto ao orientador da pesquisa, o leito do discurso dissertativo, arranja todas as vozes para que, sob a ótica do caminho escolhido, convirjam num percurso delineado para se ler o real. Vale lembrar, então, que a percepção, a interpretação, as ponderações e reconstruções que o pesquisador tece, a partir de todas essas vozes, mostra a face, de modo mais contundente, na análise e nas conclusões do trabalho dissertativo. Esses itens/dimensões textuais, no caso das pesquisas efetivadas no PPGE/UFPE (1978 a 2002), mostraram as fragilidades e contradições no delinear de pesquisas cujas lentes deveriam ser a da teoria da inclusão. Analisar, pois, o discurso registrado nesses itens/dimensões textuais das dissertações de mestrado, é agir como um escafandrista, é mergulhar e procurar trazer à mostra o que o autor disse nas frestas, nas letras, na respiração do texto. Foi esta a razão de, na análise dos dados desta pesquisa, tais itens terem sido considerados em primeiro plano. Nessa etapa, seguindo as orientações de Orlandi (2007) no que concerne à necessidade de a análise do discurso contemplar os sujeitos, a situação e a memória, retomam-se as contextualizações contempladas no sexto capítulo deste trabalho e se discute como as barreiras atitudinais surgem, são denunciadas e podem ser combatidas por meio do discurso científico. Condensa-se, então, para melhor visualização e ponderações posteriores, a análise do itinerário dessas barreiras no discurso produzido nas dissertações em estudo. 432 Assim, da análise dos trabalhos, à luz da teoria da inclusão, e especificamente das barreiras atitudinais como um dos conteúdos centrais contemplados nessa teoria, verifica-se que as dissertações: a) denunciam barreiras atitudinais no discurso político/legal direcionado a oferta da educação para todos; b) sinalizam o descompasso entre as políticas educacionais e a prática pedagógica, justificando que as barreiras sociais impedem a relação teoria e prática; c) denunciam a prática de barreiras atitudinais na escola; d) reproduzem e difundem barreiras atitudinais; e) identificam bases para uma educação para todos. QUADRO VI- Sumarização da trajetória das barreiras atitudinais nas dissertações de mestrado do PPGE/UFPE DISSERTAÇÕES ANALISADAS a) dissertações denunciam BACELAR ROSA NERY MOREIRA BAZANTE (1987) (1990) (1996) (1997) (2002) X X X _______ ______ X _______ que barreiras atitudinais no discurso político/legal direcionado a oferta da educação para todos b) dissertações sinalizam que o descompasso entre as políticas educacionais e a prática pedagógica, justificando que barreiras impedem as sociais a relação X _____ ______ 433 teoria e prática; c) dissertações que denunciam a prática de barreiras atitudinais X X X X X _______ X X X X X X ________ ________ na escola; d) dissertações reproduzem difundem que e barreiras atitudinais; e) identificam para uma bases educação _______ para todos. De acordo com a leitura efetivada nas análises de dados e nas conclusões dos trabalhos em estudo, é possível indicar que alguns pesquisadores denunciaram barreiras sociais presentes no discurso político/legal , “defensor da Educação para todos”. Especificamente, foram Bacelar (1987), Rosa (1990) e Nery (1996) que, naqueles itens textuais de suas dissertações, mostraram que a universalização do ensino, por vezes, não se concretiza em razão do discurso explícito ser diferente do real, ou seja, proclamar uma coisa, enquanto deseja e visa outra. Bacelar (Ibid.) mostra que nos períodos de 1964/71 e 1978/85 a expansão escolar foi um fato, mas que tanto num período quanto no outro, ao lado dela, também se expandiram os mecanismos de excludência. Rosa (Ibid.) comenta/analisa os folhetos elaborados pelo Departamento de Educação Especial de Pernambuco (1986), especificamente produzidos no ano de 1986, e aponta que neste documento se podia encontrar semelhanças com a proposta higienista em função do aparente “clima de liberalidade” e de respeito às 434 diferenças individuais “como se essas questões fossem relativas à singularidade deste grupo e não princípios gerais de educação de crianças.” (Id.Ibid., p.148). Nery (1996, p. 75), por seu turno, traz à reflexão as contradições encontradas no II Plano Setorial de Educação e Cultura (1975/79). A autora pondera que, nesse Plano, as pessoas com deficiência são consideradas cidadãs, mas que essa perspectiva contraditoriamente é esmaecida ao passo em que as pessoas com deficiência são designadas, nesse documento, como “excepcionais”. Logo, no mesmo espaço em que se defende a cidadania, atesta-se, consoante a autora, a anormalidade, o que na escola, vai refletir num currículo adaptado que continua apartando e promovendo a exclusão dos alunos com deficiência. A partir da análise do discurso presente nesses documentos Rosa (Ibid.) e Nery (Ibid.) ponderam que a política educacional tornou-se palco de contradições, cuja ambiguidade discursiva reforça a exclusão dos alunos com deficiência. Em outros termos, as pesquisadoras denunciaram que em discursos políticos/legais que se dizem a favor da inclusão podem-se ter pontos de força para a manutenção das barreiras atitudinais. Moreira (1997), assim como Bacelar (1987), reforça a compreensão do descompasso entre as políticas educacionais e a prática pedagógica. A autora pondera, nas conclusões de sua dissertação, que o Plano Estadual de Educação (1988-1991), ao tentar articular, pioneiramente, Cidadania-Trabalho-Escola- Deficiência, não obteve êxito porque o ensino continuou centrado na deficiência do aluno. Logo, continuou por nutrir barreiras atitudinais como as de baixa expectativa, entre outras. Todas as dissertações analisadas denunciam a prática de barreiras atitudinais na escola. Bacelar (1987) faz isto quando, por exemplo, elenca os elementos que impossibilitam a educação de qualidade para todos. Nas palavras da autora, “a oferta insuficiente, o rendimento interno do sistema escolar e a discriminação social formam a barreira para que a educação não se efetive como um direito de todos” (Ibid. p. 34). Bacelar (Ibid.) defende que uma vez detectados tais obstáculos “não se deve admitir a perpetuação dos mesmos, visto que o próprio povo sofre os efeitos de tais 435 medidas, revela condições para superá-los, enquanto força a expansão do ensino”. (Ibid.). Depreende-se desta assertiva que a discriminação social, ao mesmo tempo elemento motriz e resultante de barreiras atitudinais, pode ser compreendida como base para os outros dois fatores (a oferta insuficiente, o rendimento interno do sistema escolar) que são, na visão da autora, responsáveis pelo hiato entre a prática e o discurso da educação para todos. Rosa (1990), esteando-se no texto “Os deficientes: perguntas e respostas”, publicado em 1988 pela Secretaria de Educação de Pernambuco, numa ação conjunta do Departamento de Ensino e a Divisão de Educação Especial, reconhece que os recuos identificados em situações como, por exemplo, a de se responsabilizar a pessoa com deficiência pelo insucesso, inadequação ao sistema são resultantes de incoerências, de barreiras visíveis e invisíveis: [...] o princípio da normalização conforme é definido como princípio da política nacional, já que se propõe a convivência com a diferença, com a eliminação de barreiras “visíveis e invisíveis” e não o esforço apenas do portador de deficiência em adequar-se às condições “normais” de vida. (Ibid., p. 164-165). A autora (Ibid.) denuncia o efeito da prática dessas barreiras invisíveis (as barreiras atitudinais). Primeiro Rosa (Ibid.) explica que as diferenças individuais dos alunos com deficiência eram referidas como obstáculos à aprendizagem. Segundo, ela explicita que tais alunos, sob esta dinâmica, pareciam figurar como “representantes legítimos da doença” e que precisavam ter comportamento disciplinado “através da instauração de um método, e, para dizer melhor, de um discurso que permite constituir como fatos elementos que, sem ele, permaneceriam puramente contingentes, inessenciais.” (Id., Ibid., p.98). Esse discurso, consoante a autora assumia a função de normativo porque implicava que ao aluno com deficiência fosse aplicada uma “sansão terapêutica , que autoriza seu agente (individual ou institucional) a uma ação reguladora do comportamento ‘desviante’ da norma de saúde.” (Id., Ibid.). Na verdade, as referências às “diferenças individuais” dos alunos com deficiência assumiam a forma de barreira atitudinal de adjetivação, de 436 substantivação, de rejeição, de particularização praticadas todas as vezes em que no espaço educativo esses alunos eram rotulados, estigmatizados, recusados explicitamente em razão da deficiência, ou numa situação não menos nociva, utilizava-se da leitura dessas diferenças individuais. Nery (1996) corrobora essa percepção, ao afirmar que, “em nome da ‘marcha geral’ e da produtividade, a interação de crianças com deficiência era vista como obstáculo à aprendizagem de seus pares ditos normais” (p. 29). Consoante a autora, essa percepção engendrava mecanismos de excludência ao selecionar e situar os alunos em lugares demarcados pela escola. Moreira (1997,p.171) denuncia a prática de barreiras na escola, ao comentar o depoimento de um dirigente que atuava durante o P.E.E. (1988-1991): [...] encontramos no discurso do nosso entrevistado expressões como: “paciência”, “amor”, “cuidado” , como pré-requisitos qualitativamente capazes de habilitar o profissional a lidar com o D.M. Essas expressões , antes de tudo, demarcam o lugar social das escolas especiais, as quais faziam a apologia do desdobramento da capacidade humana de comiseração , com a qual também se acobertou , na concepção de Hickel (1992:55): ‘o perverso tom da exclusão e da perversão’. A perspectiva assistencialista, paternalista, ancorada no modelo caritativo da deficiência, se faz presente no discurso do entrevistado e é identificada pela pesquisadora. Na análise discursiva, ela indica a existência da barreira atitudinal de dó, a qual pode gerar a barreira atitudinal de compensação e constituir um mecanismo de negação da cidadania ao incitar o protecionismo, a caridade em detrimento da oferta de condições de acessibilidade e de empoderamento das pessoas com deficiência intelectual. Bazante (2002), por sua vez, mostra como a integração escolar foi fonte de manutenção de barreiras atitudinais, a autora faz isto quando afirma que “o entendimento dos professores deixa passar, nas entrelinhas dos enunciados, o portador de deficiência como limitado, necessitando de ajuda, e sem a qual ele não conseguirá se desenvolver e ser aceito”(p. 113, grifo da autora). Em outros termos, a autora mostra como a integração, permeada pela barreira atitudinal da baixa expectativa, exigia que o aluno com deficiência se 437 encaixasse numa estrutura que não efetuava nenhuma diligência ou provisão de recursos para que ele (o aluno) pudesse participar e aprender, no curso de formação comum a todos. Quanto à difusão de barreiras atitudinais, com exceção do texto de Bacelar (1987) que não se refere especificamente à educação da pessoa com deficiência, todas as dissertações o fizeram através das substantivações/adjetivações que foram utilizadas para nomear a pessoa com deficiência e através de todas as demais barreiras que surgem imbricadas a essas designações. (Cf. discutido no sexto capítulo deste trabalho). Isso ocorre quando, por exemplo, Moreira (1997) não percebe a barreira atitudinal de particularização expressa no discurso de um dirigente quando este comenta que o Plano Estadual de Educação possibilitava a compreensão de que os profissionais tinham de se “[...] envolver com o deficiente mental é o envolvimento da família e do amor, por conta das limitações dele, você tem que ter mais paciência, maior cuidado, maior trabalho. (MOREIRA, 1997, p. 171, grifos da autora). Na análise da fala do depoente: O depoimento transpõe-nos à própria história das instituições ditas “especiais”, instituições essas que têm sido marcadas, como nos mostra Hickel (1992), como espaço de “guarda” e “assistência”. Por isso, encontramos no discurso do nosso entrevistado expressões como: “paciência”, “amor”, “cuidado”, como pré-requisitos qualitativamente capazes de habilitar o profissional a lidar com o D.M. Essas expressões, antes de tudo, demarcam o lugar social das escolas especiais, as quais faziam a apologia do desdobramento da capacidade humana de comiseração , com a qual também se acobertou, na concepção de Hickel (1992:55): ‘o perverso tom da exclusão e da perversão’. (Id., Ibid.). A autora denuncia barreiras atitudinais, mas também nutre a particularização, quando não reflete sobre a expressão “por conta das limitações dele”, pois quando o depoente utiliza essa restrição para justificar a “necessidade” de se “ter mais paciência, maior cuidado, maior trabalho”, ele materializa a particularização. Outro exemplo de difusão das barreiras atitudinais através do discurso científico é visto quando num trecho da análise de dados, Bazante (2002) afirma: 438 “[...] está evidente a compreensão de que a deficiência não faz do aluno alguém incapaz de realizar algo, mas, apenas, alguém com um fazer que difere de outros” [...]. ( p. 114, grifos nossos). É relevante destacar que a barreira atitudinal de particularização, expressa na ideia de que o aluno com deficiência é “alguém com um fazer que difere de outros”, coloca os alunos em dois extremos: os que apresentam um fazer igual (as pessoas sem deficiência) e os que apresentam pessoas com deficiência). de que o aluno, um “fazer que difere dos outros” (as A barreira atitudinal consiste pois na particularização por ter uma deficiência, demonstrará um modo particular de estudar, de aprender, quando, na verdade, todos os alunos, independente de suas idiossincrasias, traçam singulares percursos formativos. A barreira atitudinal de particularização materializa a negação dos possíveis avanços, conquistas, desenvolvimento psicossocial e cognitivo que a pessoa com deficiência pode alcançar. Por constituir-se numa ameaça a esse campo de possibilidades, esse obstáculo social tem funcionado como mecanismo de negação social, de segregação, uma vez que a deficiência é ressaltada como falta, carência que imputa o que não pode ser alcançado, efetivado pela pessoa com deficiência. A percepção das barreiras atitudinais veiculadas, propagadas, fortalecidas através do discurso científico sinaliza que há uma rede de produção de tonificação dessas barreiras, a qual envolve sujeitos da comunidade intra e extraescolar, envolve a medicalização da pedagogia e a pedagogização da medicina no processo de educação da pessoa com deficiência. O discurso das dissertações revela, também, construções que permitem identificar bases promotoras da educação inclusiva, a exemplo de algumas ponderações efetivadas por Bacelar (1987) e Nery(1996), nas conclusões de seus trabalhos dissertativos. Bacelar (1987, p. 32) afirma que para tornar viável a educação para todos é necessário que a forma de operar da escola seja tecnicamente adequada às características das crianças e que as lacunas na formação do professor sejam urgentemente preenchidas. Em outras palavras, se a escola torna-se adequada às características das crianças, se o professor vivencia a formação continuada com 439 vistas à prática pedagógica num desenho universal, as barreiras atitudinais que surgem, por exemplo, de comparações e de inferiorizações, deixam de ser tonificadas na escola. Em outra passagem, a autora complementa é preciso “insistir na efetivação do direito de todos à educação, traduzindo esse direito no acesso e permanência na escola, de todos, sem discriminação de qualquer natureza”. (Id.Ibid., p. 34). Logo, o que a autora indica para que se alcance a educação para todos é que cada profissional envolvido no contexto educativo contribua para a efetivação desse direito e, ainda, combata a discriminação de qualquer natureza. Por fim, Bacelar (Ibid.) reitera e pondera que para que a educação para todos seja uma realidade é necessário mais que a legislação, é preciso que a mudança ocorra “[...] a partir das próprias condições internas da escola e da vontade política de todos os agentes escolares, através de um compromisso em torná-la de fato, um direito de todos.” (Id., Ibid.p. 82). Nesse excerto, a pesquisadora fala do engajamento de todos os agentes escolares para que a educação para todos passe do discurso para a prática. A autora defende que a educação para todos deve refletir o empenho da sociedade em promovê-la. Para erradicar barreiras sociais, Rosa (1990, p. 156) indica como caminho promissor o fornecimento de informações positivas acerca da pessoa com deficiência: Além do âmbito governamental, a possibilidade de veiculação dos conteúdos deste debate nos meios de comunicação de massa parece refletir um novo estágio de participação e conscientização, extrapolando a ação intraescolar [...] para que o assunto [ a cidadania da pessoa com deficiência] seja debatido e consequentemente chegue ao conhecimento da sociedade”. A autora, além de reconhecer que é papel da mídia, como elemento fomentador de atitudes, participar amplamente da difusão de informações coerentes e positivas em relação à pessoa com deficiência, reconhece que falar e vivenciar a inclusão é algo que deve extrapolar o espaço educativo e alcançar a sociedade como um todo, pois ambas, sociedade e escola, se retroalimentam, uma é reflexo e resultado da outra. Obviamente, neste trajeto, a comunidade intra e extraescolar 440 devem reconhecer e advogar que o empenho para que a conscientização da sociedade e a participação das pessoas com deficiência ocorram não deve ser unilateral. A autora ratifica: “não se pode tratar como questão individual uma problemática eminentemente social”. Logo, depreende-se que toda a sociedade deve ser colaboradora para que se erradiquem os impeditivos a efetivação de uma escola de qualidade de, para e com todas as pessoas. Rosa (1990), afirma que dentre os procedimentos para que se modifique esse quadro de manutenção de barreiras e o desrespeito ao direito à educação é emergencial que se conceba e se pratique ações como [...] ‘participação em iniciativas que levem à divulgação correta dos problemas das pessoas deficientes e à eliminação dos preconceitos’, ‘incentivo às pessoas deficientes a se organizarem, e lutarem, por seus direitos’, ‘trabalho junto às iniciativas comunitárias, governamentais e privadas para que não discriminem as pessoas deficientes’ e ‘denuncia e conscientização dos meios de comunicação que veiculam imagens distorcidas das pessoas deficientes’, além de se considerar a contribuição dos educadores, através do ‘fornecimento de informações corretas sobre as mesmas e sobre suas necessidades’, devendo ser dado aos alunos deficientes ‘tratamento igual aos demais alunos, auxiliando-os quando necessário, como se auxiliaria qualquer outro, estimulando a sua independência e integração’ (Id. Ibid., p. 164-165). Para combater essa educação em que se renunciava o singular, as características individuais e se nutria estereótipos, padronizações, generalizações e excludência, a autora sugere que no atendimento médico-pedagógico os profissionais devem: [...] tirar o sintoma do centro do processo diagnóstico e passar a lidar com o aluno especial como sujeito com potencialidades e possibilidades de crescimento. O deslocamento seria, portanto, da identificação do que o aluno não tem para o que fazer para mudar a situação em que ele se encontra [...] (Id., Ibid., p. 222). Nesse sentido, é relevante perceber que emana das palavras da autora a crença nas potencialidades das pessoas com deficiência e, ainda, nas contribuições que podem advir delas para que se projete e se efetive uma nova escola, respeitosa às idiossincrasias de todos e ao direito de cidadania. Essa compreensão é ratificada quando, mais adiante, a pesquisadora afirma que para que sejam superadas as 441 situações de excludência na escola é necessário: “[...] a progressiva participação de deficientes e de instâncias não governamentais de interesse público, no estabelecimento de diretrizes e práticas [...]” (ROSA, 1990, p. 235). Em outros termos, é preciso que se pratique o “nada sobre nós, sem nós”. Essa pesquisadora além de defender esse princípio includente, nas conclusões do estudo que realizara, traz mais uma indicação de caminho contributivo à erradicação das barreiras invisíveis. De um lado, apresenta que historicamente a deficiência era compreendida como “falha” ou como algo “normal”. De outro, a partir da percepção de que essas conceituações são inadequadas, prenhes de barreiras sociais, a autora propõe que se entenda a deficiência como característica natural, comum, existente, presente na pessoa humana. Rosa (1990) defende que a cidadania da pessoa com deficiência só será uma verdade quando os obstáculos sociais forem removidos e as atitudes positivas estiverem, ao mesmo tempo, na base e no cume das práticas sociais. Nesse agrupamento das dissertações por conteúdo que delas dimana fica claro que o discurso científico produzido no PPGE/UFPE (1978 a 2002), em alguns momentos, se coloca em prol da inclusão educacional da pessoa com deficiência, mas que contundentemente apresenta significativos retrocessos e fissuras rumo à inclusão; seja porque as barreiras atitudinais são dissimuladas, surgem por trás do discurso, (in)conscientemente, seja porque dissertações demonstraram que as condições de produção dessas não eram suficientemente delineadas para comportar os temas e a área teórica em que elas estão situadas. O fato é que esses discursos científicos se tornaram contributivos a tonificação de diversas barreiras atitudinais que, ao serem apregoadas por meio deles, resultam, certamente, em situações de desrespeito ou impedimento aos direitos das pessoas com deficiência, limitando-as ou incapacitando-as nos mais diversos contextos sociais. No caso dos trabalhos em análise, as barreiras atitudinais de substantivação e de adjetivação mostraram ser pontos nodais para que o discurso produzido no PPGE/UFPE (1978 a 2002) sobre educação especial apresente/fortaleça outras 442 tantas barreiras sociais e, em função delas, patenteie fissuras, recuos em relação ao conteúdo/a filosofia a qual aquele discurso deveria estar vinculado. Talvez a ocorrência daquelas barreiras se sustente, entre outros aspectos, em razão de: a) os trabalhos não estarem situados em uma área ou linha de pesquisa em que a inclusão seja a tônica; b) a educação inclusiva não estar nas prioridades da prática de pesquisa dos orientadores dos trabalhos em análise; c) os trabalhos não estarem esteados substantivamente em autores/estudiosos da inclusão; d) os trabalhos quase não refletirem sobre os documentos legais que apregoam a inclusão social/educacional. (Cf. discutido no sexto capítulo do presente estudo). Em outros termos, esses quatro fatores contextuais oferecem o instrumental para que se tonifiquem compreensões equivocadas acerca da pessoa com deficiência (face cognitiva das barreiras atitudinais), as quais ao ser expressas no discurso e nos atos sociais, geram os preconceitos (face afetiva da barreira atitudinal) e esses incitam a discriminação (face social da barreira atitudinal). Esses três estágios surgem quase que concomitantes e fazem emergir, através de comparações, de baixa expectativa, de nomeações, de rótulos, de medos, de rejeição, entre outros, as piores, e por vezes sutis, formas de manutenção das barreiras sociais. Tais barreiras, no discurso das dissertações sobre Educação Especial produzido no PPGE/UFPE (1978 a 2002), passam despercebidas em razão daqueles quatro aspectos. Como explicitado, as barreiras atitudinais de substantivação e de adjetivação aparecem como produto do entrelaçamento de três faces/ componentes da atitude. Essas barreiras surgem imbricadas a outras tantas ou a elas fortalecem, disseminando formas de violência, de desrespeito, de entraves atitudinais que terminam por prejudicar a integridade psíquica, moral e até física das pessoas que constituem seus alvos, por prejudicar a identidade social e pessoal da pessoa com deficiência. As barreiras atitudinais, registradas nos trabalhos em análise, retiram das pessoas com deficiência o poder de ser; de autofirmar-se; de empoderar-se; de autorreconhecer-se; de tonificar a autoestima; de autoformar-se; de produzir; de estar; de constituir uma identidade de pessoa humana e cidadã junto à família, à 443 escola, aos grupos sociais com quem convivem; de exercer plenamente direitos humanos e de efetivar deveres sociais. Essas barreiras são produzidas, fortalecidas e propagadas socialmente através de palavras, de ações, de omissões (LIMA; TAVARES, 2007). Elas operam no espaço do dito e do não-dito, do implícito, do preconceito velado, da negligência, da humilhação, do insulto, da opressão, do descuido, do protecionismo, do paternalismo; fazem a pessoa alvo tornar-se impotente diante da força delas e ficam evidenciadas não apenas na linguagem e nos atos, mas ocupam, invisível ou ostensivamente, os espaços do inter e intrapsíquico, do social, do interpessoal, do discursivo. Traduz-se, portanto, que o enraizamento das barreiras atitudinais é denso, de difícil resolução e cerca as pessoas alvo fragilizando-lhes até o autoconceito, a autoestima, a capacidade de gerir suas vidas e de participar da vida familiar e social. Nesse contexto, surge uma questão: como os discursos científicos, prenhes de barreiras sociais, chegam até as escolas e incitam a prática de barreiras atitudinais? Para responder essa questão e confirmar a hipótese de que a produção acadêmica vai além dos muros institucionais, foi efetivado um trajeto de pesquisa que permitiu visualizar como o discurso acadêmico chega até as escolas e a outras instâncias sociais. A pesquisa em rede no Google acadêmico, no Scielo, na Plataforma lattes, entre outros espaços virtuais, foi crucial. Esse procedimento consistiu em, a partir dos títulos das dissertações e/ou dos nomes dos autores, verificar quem, onde, quando utilizou, com fins de também produzir ciência, os textos sobre educação Especial construídos no PPGE/UFPE (1978 a 2002). As informações obtidas por meio desse procedimento estão dispostas em mapas construídos no presente estudo para mostrar: onde, quando e por quem os discursos das dissertações foram estudados/referendados e permite concluir o que se segue nos mapas abaixo. 444 Mapa 1- A difusão do trabalho: “Educação para Todos: a prática e o discurso” RN: SANTOS (2005); BARBALHO (2006); MORAIS (2006) PE: OLIVEIRA (1999); SILVA, GABRIEL, URSULINO, BLOTER (2005); ALMEIDA (2008) BA: CABRAL NETO; SILVA (1998) DF: NETO; ALMEIDA (2000) MG: UFJF (2000); CASTRO (2002) RJ: SANTOS (2010) PR BACELAR (1987) (UFPE) PR: OLIVEIRA (2010) SC: Gonzaga (2009) RS: MENDES(2000); VIZZOTTO; BECKER; FURTADO; PEREIRA (2003); Na plataforma lattes não há registro da pesquisadora Inalda Bacelar. A pesquisa em outros ambientes virtuais possibilitou identificar espaços sócio-discursivos em que um texto da autora, proveniente da dissertação, tem se vivificado através de interlocuções que outros pesquisadores trazem em seus trabalhos. O artigo “Escola, Descentralização e Autonomia”, publicado no volume 01, número 01, da Revista de Administração Educacional, em 1997, pela editora Universitária da UFPE, serviu como referencial teórico para os trabalhos produzidos em cursos de pós-graduação lato e stricto sensu, foi literatura basilar em disciplina ofertada no curso de Mestrado em Educação promovido pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), esteve na base teórica de diversos artigos publicados em periódicos. Cronologicamente, a menção ao texto de Bacelar, consoante a pesquisa realizada, é o texto “Projeto Político Pedagógico como mecanismo de autonomia escolar”, publicado por Antonio Cabral Neto e Tatiane Campêlo da Silva, na Revista Gestão em Ação, do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UFBA, em 1998. 445 Edney Oliveira também faz referência à literatura da autora, ao escrever o texto “O coordenador pedagógico e a gestão democrática do espaço educativo”, publicado na Revista de Administração Educacional pela editora Universitária da UFPE, no volume 01, número 4, em 1999. No ano de 2000, o texto tornou-se literatura presente na bibliografia utilizada na disciplina “Organização e Gestão da Escola”, ofertada no curso de Mestrado em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Ainda nesse ano, o texto é mencionado pelos autores: Mendes, Neto e Almeida. Tânia Maria Scuro Mendes escreve, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a tese de doutorado “Os espaços pedagógicos de construção de possibilidades na sala de aula: um olhar sobre as microinterações”. Antônio Cabral Neto (UFRN) em parceria com Maria Doninha de Almeida (USP) utilizam o texto de Bacelar como referencial no artigo “Educação e Gestão Descentralizada: Conselho Diretor, Caixa Escolar, Projeto Político Pedagógico”, publicado na Revista Pontos de Vista: O que pensam os especialistas? Em Aberto, volume 17, número 72, no ano de 2000, em Brasília. O texto da autora também foi utilizado em artigo apresentado nos anais da 25ª reunião da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), ocorrida em Minas Gerais, Caxambú, em 2002. O texto “Descentralização e autonomia: limites e possibilidades de um programa de formação de professores” produzido pela professora Alda Maria Duarte Araújo Castro (UFRN). Em 2003, Adriana Aparecida Vizzoto, Analígia Becker, Ariadne Schidt Furtado e Sueli Menezes Pereira utilizam o texto de Bacelar ao escreverem o trabalho “Escola, comunidade, projeto político-pedagógico e autonomia: reflexões sobre a realidade escolar”, o qual pode ser encontrado nos anais do II Seminário Internacional: Educação Intercultural, Gênero e Movimentos Sociais. Identidade, Diferenças, Mediações, realizado pela Universidade Federal Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, em 2003. Em 2005, Alice Miriam Happ Bloter, professora da Universidade Federal de Pernambuco, menciona o texto de Inalda Bacelar ao produzir, em parceria com Márcia Girlene Silva, Marciliane Ferreira Gabriel e Valdira José Ursulino, o artigo “A 446 ética nas relações interpessoais na gestão democrática numa escola pública”. Nesse mesmo ano, o texto da pesquisadora está na composição do referencial da dissertação de mestrado em Educação, intitulada “Conselho de escola: cenários e desafios de uma escola pública de Natal”, produzida por Kelli Cristina Batista dos Santos, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Em 2006, o discurso de Bacelar se faz presente na dissertação “Mudanças nos modelos de gestão: a política educacional e os (des) acertos da experiência no Rio Grande do Norte (1995-1999), produzida por Maria Goretti Cabral Barbalho, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no Programa de pós-graduação em Educação/Mestrado. Ainda em 2006, nessa mesma universidade, Bacelar tem seu texto citado na dissertação de mestrado em educação construída por Pauleany Simões de Morais. O trabalho intitulado “Os conselhos como mecanismos de democratização da política educacional: Participação e poder de decisão nas ações do conselho de controle social do FUNDEF no município de Parnamirim/RN (1998-2005)”. Mais adiante, em 2008, a então especializanda Tarciana Pereira da Silva Almeida, do curso de gestão Escolar e Coordenação Pedagógica, da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (FACHO – PE), utiliza o texto da autora como componente da base teórica do trabalho monográfico intitulado “O papel do coordenador Pedagógico enquanto articulador do Projeto Político- Pedagógico”. No ano seguinte, agora em dissertação produzida na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), no curso de Mestrado Profissionalizante de saúde e gestão do trabalho, o texto de Bacelar é mencionado por Vanessa Furlaneto Gonzaga, ao elaborar o trabalho “A humanização como tema transversal do curso técnico de enfermagem da ETSUS/TO”. O último trabalho em que se encontrou referência ao texto da autora, de acordo com a pesquisa realizada, é a dissertação “Gestão de recursos financeiros no setor educacional: uma análise das escolas da rede estadual de Pernambuco”, produzida por Maria Auxiliadora Gomes Santos, em 2010, no curso de Mestrado em 447 Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas/Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas/Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa. Nessa trajetória é possível perceber o alcance do discurso científico, o qual se mostra de validade longitudinal, pois o relatório de pesquisa produzido em 1988 por Bacelar continua sendo vivificado e chega a 2010 como constitutivo do referencial teórico de outra pesquisa. Mapa 2 – A difusão do trabalho: “Aluno portador de deficiência: problema médico-pedagógico ou conquista da cidadania? A Educação especial em Pernambuco” PE: CADERNO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL (1991) NERY (1996) MOREIRA (1997) MOREIRA (1998) ROSA (1990) BAZANTE (2002) (UFPE) No currículo SANTIAGO (2003) lattes de Ester Rosa (http://buscatextual .cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4775051D1) não é encontrada informação referente à propagação da pesquisa efetivada pela autora no PPGE/UFPE, contudo, parece que o primeiro texto dela sobre o tema foi a “Proposta Pedagógica para a Área da Deficiência Mental”, publicado no Caderno de Educação Especial, Série 448 Ensino, Recife (1990, p. 40-43), citado por Fabiana Moreira em dissertação produzida no PPGE/UFPE em 1990. Fabiana também cita a dissertação de Rosa em outro trabalho que produz em 1998 “A simbologia de Procusto e a normalização do Plano Estadual de Educação - PE - 1988-1991", publicado na Revista Psicologia: ciência e profissão, volume 18, número 3, em Brasília. A dissertação escrita por Ester Rosa está presente no referencial teórico de quatro trabalhos dissertativos produzidos no PPGE/UFPE, sendo três deles contemplados nesta pesquisa: Nery(1996), Moreira (1997), Bazante (2002) e o quarto trabalho, intitulado “Educação para Todos: um estudo sobre a política de inclusão dos portadores de necessidades educacionais especiais no Brasil”, de Sandra Alves da Silva Santiago (2003), no qual a autora estabelece interrelação com o discurso de Rosa e com a tônica de outros trabalhos já produzidos no programa: a do contexto político da educação da pessoa com deficiência. A dissertação de Rosa é então a mais citada pelos pesquisadores da área de Educação Especial no PPGE/UFPE até o período contemplado na presente pesquisa. Mapa 3 - A difusão do trabalho: “Ser diferente numa sociedade massificada – um estudo sobre a política de integração do portador de deficiência” PE: SANTIAGO (2003) NERY (1996) (UFPE) 449 No currículo lattes da autora Tânia Maria de Oliveira Nery (http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4701784J7) não há informações no referentes à socialização da pesquisa realizada por ela PPGE/UFPE em 1996. O trabalho da autora é retomado em outra dissertação produzida no programa, em 2003, por Sandra Alves da Silva Santiago, cujo título foi supramencionado. Mapa 4- A difusão do trabalho: “Expressões e silêncios dos discursos cidadania-deficiência mental. Uma abordagem histórico-discursiva do Plano Estadual de Educação – PE – 1988/1991” RN: MOREIRA (1997) PE: MOREIRA (1999) BAZANTE (2002) SANTIAGO (2003) DF: MOREIRA (1998) SP: MOREIRA (1998) MOREIRA (1997) (UFPE) De acordo com informações presentes no currículo lattes de Fabiana Wanderley de Souza Moreira (http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/ visualizacv.do?id=K4792577P6), a autora socializou o conteúdo da dissertação produzida no PPGE/UFPE através de artigo intitulado “A Deficiência Mental no Contexto Educacional Pernambucano - O Projeto e as Primeiras Fases da 450 Pesquisa”, o qual foi apresentado e publicado no XIII Encontro de Pesquisadores do Nordeste (EPEN), ocorrido em 1997, em Natal. No ano seguinte, conforme o currículo da pesquisadora, a partir da dissertação, Fabiana construiu e publicou o texto “A Simbologia de Procusto e a Normalização do Plano Estadual de Educação PE, 1988/1991”, o qual pode ser lido na revista eletrônica Psicologia, Ciência e Profissão, volume 18, número 03. Nesse período, Fabiana Moreira também esteve presente no IX Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, ocorrido em Águas de Lindoia, apresentando o trabalho “Políticas e Práticas Discursivas da Educação Especial em Pernambuco: Abordagem Histórico Discursiva do Plano Estadual de Educação PE 1988/1991”. Em 1999, Moreira ministrou palestra sobre o tema “Expressões e Silêncios do Discurso Cidadania-Deficiência Mental - Uma Abordagem Histórico-Discursiva do Plano Estadual de Educação PE 1988/1991”. No currículo da autora, não há informações complementares acerca dessa palestra, mas ele permite visualizar que o tema da pesquisa efetivada por Fabiana vinha se delineando enquanto objeto de estudo e de socialização desde 1995, quando a pesquisadora começou a ministrar palestras, conferências, oficina, a participar de mesa redonda etc. O currículo demonstra ainda que, após a conclusão do curso de mestrado, o tema continuou a ser disseminado pela cientista através desses mesmos eventos acadêmicos. Nas modalidades Apresentação de Trabalho/Conferência ou palestra, a autora apresentou: “Deficiência Mental - Enigma Indecifrável” (1996); “Multiplicidade de Olhares - o médico, o psicólogo, o educador - Uma Abordagem Sócio-Histórica da Educação Especial” (1997); “A Deficiência Mental no Contexto Educacional Pernambucano” (1997); “Normalidade e Patologia em Educação Especial” (1998); “Paradigmas da Educação Especial Brasileira e Pernambucana” (1998); “Normalidade e Patologia em Educação” (1999); “Inclusão?” (1999); “O Papel do Currículo na Escola Inclusiva” (1999). A pesquisadora também participou de mesa redonda, discutindo: “Concepções de Normalidade e Patologia em Educação” (1999), cujo artigo foi publicado em “Periódicos Eletrônicos em Psicologia (Pepsic): Psicologia, Ciência e Profissão”, no volume 19, número 2. A autora também 451 ministrou a oficina “Educação Especial e Modalidades Pedagógicas - Limites e Possibilidades” (1999). Em 2005, Fabiana Moreira publicou na Revista Psicologia Ciência e Profissão, volume 25, número 01, um recorte da dissertação através do artigo intitulado “Gramáticas discursivas da educação especial”. A dissertação produzida pela pesquisadora está no acervo do referencial teórico dos trabalhos construídos por Tânia Bazante (2002) e Sandra Santiago (2003), ambos produzidos no PPGE/UFPE, como informado anteriormente. Mapa 5- A difusão do trabalho: “Quando as (in)certezas e as esperanças se (des)encontram: um estudo das representações sociais dos professores sobre educação especial na rede estadual de ensino” PB: BAZANTE (2001)a BAZANTE (2001)b CALADO; BAZANTE (2004) PB PE: BAZANTE (2002)a BAZANTE (2002)b MG BAZANTE (2003) BAZANTE (2008) BAZANTE (2002) ALBUQUERQUE (2007) (UFPE) MG: ALBUQUERQUE; MACHADO (2009) A pesquisadora Tânia Maria Goretti Donatto Bazante informa em seu currículo lattes (http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id= K4700044T0) que 452 a pesquisa efetivada por ela no PPGE/UFPE foi socializada no I Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, realizado na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru (FAFICA), em 2001, em duas comunicações intituladas “Educação Especial e espaços de escolarização: quem educa o cidadão diferente?” e “As Representações Sociais dos professores sobre educação Especial na Rede Oficial de Ensino”. Esses trabalhos foram publicados em “Ciências Humanas velhos e novos desafios: que paradigmas?”, nos anais do evento organizados pela editora Ideia, no volume 01, respectivamente nas páginas 35 e 87. No ano seguinte, a pesquisadora participou do II Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, apresentando os trabalhos “O desenhar/colorir de um cenário. Que concepções quais atitudes?” e “Quando as (in)certezas e as esperanças se (des)encontram: um estudo das Representações Sociais dos professores na rede estadual de ensino”. Ambos os textos foram publicados nos anais do evento, Edições FAFICA, páginas 52-54 e 141-142. Em 2004, Tânia Bazante, em parceria com Alder Júlio Ferreira Calado, produziu o trabalho “Paradigmas da integração e da inclusão: do que estamos falando?”, publicando-o em livro organizado por Alder Júlio Calado e Alexandre Magno Tavares da Silva, publicado em João Pessoa, pela editora Ideia/ Edições FAFICA, p. 105-116. Mais adiante, em 2007, no PPGE/UFPE, Ednea Rodrigues de Albuquerque utiliza o texto de Bazante como um dos textos constitutivos da fundamentação teórica da dissertação “Inclusão de alunos com deficiência nas representações sociais de suas professoras”. Dois anos depois, na ocasião da 32ª reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), realizada em Caxambu/MG, Ednea Rodrigues em parceria com sua orientadora de mestrado , a professora Laêda Bezerra Machado, apresentou o trabalho “Resistências e impossibilidades nas representações sociais de inclusão de professoras”. Como se vê, o conteúdo das dissertações de mestrado sobre Educação Especial produzidas no PPGE/UFPE (1978 a 2002) chega à sociedade/à escola: a) através de palestra, conferências, oficinas, mesas redonda, apresentações de 453 trabalhos, comunicações efetivadas pelos autores desses trabalhos; b) por meio da publicação de artigos, provenientes dessas dissertações, em anais e revistas impressas ou eletrônicas; c) como material constitutivo de disciplinas em cursos de graduação e de pós-graduação/Mestrado; d) como base para a construção de documentos que regem a política de educação especial em Pernambuco; e) como componente de referenciais teóricos de artigos, monografias, dissertações e teses; f) em citações nos textos produzidos por professores e outros pesquisadores atuantes no próprio PPGE/UFPE. Logo, os discursos das dissertações, através da socialização das pesquisas com outros sujeitos envolvidos no contexto educacional, de um lado, contribuíram para que a discussão sobre a educação da pessoa com deficiência chegasse até a escola e, de outro, difundiram barreiras atitudinais que levam ao desrespeito ao direito das pessoas com deficiência à educação, a assumir uma identidade de pessoa humana, cidadã, produtiva, detentora de direitos sociais. A partir, então, do mapeamento da difusão do discurso de tais dissertações é possível compreender como as barreiras atitudinais tem se cristalizado não apenas sob as contribuições do senso comum, mas da própria Ciência produzida para que se alcance a prática pedagógica que contemple a todos. Em outros termos, muitas dessas barreiras do mesmo modo que foram registradas inconscientemente pelos pesquisadores também podem ser apreendidas inconscientemente por aqueles que as receberem, e fomentar ações que são danosas à inclusão educacional do aluno com deficiência. Vale então refletir como surgem tais barreiras e como cada sujeito social pode eliminá-las: a) Barreiras atitudinais que surgem na forma de designações para fazer referência à pessoa com deficiência: barreira atitudinal de substantivação e barreira atitudinal de adjetivação. Essas podem ser eliminadas quando, na interação com as pessoas com deficiência ou no discurso que a elas se refere, a sociedade primar por tratá-las por seus próprios nomes ou na situação da produção textual, utilizar nomenclaturas que estejam inseridas numa perspectiva inclusiva de leitura da deficiência: pessoa humana, pessoa capítulo deste trabalho). com deficiência (Cf. discutido no sexto 454 b) Barreiras atitudinais que surgem da suposição de que a pessoa com deficiência apresenta mais de uma deficiência: barreira atitudinal de propagação. Essa barreira atitudinal pode ser eliminada quando se entende que a deficiência é uma característica da pessoa, não um elemento que lhe impõe outras deficiências. A informação legítima e positiva sobre a pessoa com deficiência pode ser um caminho promissor a erradicação dessa barreira social. c) Barreiras atitudinais que surgem de generalizações infundadas em relação ao potencial, a identidade social e pessoal da pessoa com deficiência: barreira atitudinal de estereótipo; barreira atitudinal de generalização e barreira atitudinal de padronização. Quanto a eliminação dessas barreiras: i) a barreira atitudinal de estereótipos deve ser combatida através da compreensão de que a deficiência não é a identidade da pessoa que a tem, logo, pessoas com a mesma deficiência são distintas na forma como pensam, aprendem, estudam, interagem, vivem etc.; ii) barreira atitudinal de generalização deve ser removida através da compreensão de que cada pessoa é única, logo, uma experiência interacional com um indivíduo ou grupo é uma experiência e não a experiência que se replicará em outras situações; iii) barreira atitudinal de padronização pode ser erradicada quando a sociedade perceber que não se deve efetivar serviços para pessoas com deficiência baseando-se numa experiência, generalista e/ou estereotipada, com indivíduos ou grupos anteriores. d) Barreiras atitudinais que surgem da falta de informação/do desconhecimento do potencial da pessoa com deficiência: barreira atitudinal de ignorância, barreira atitudinal de medo, barreira atitudinal de particularização e barreira atitudinal de dó. Essas barreiras podem ser combatidas com informações positivas e legítimas acerca da pessoa com deficiência, o que pode ser alcançado dando voz a essas pessoas e respeitando-se-lhes o que dizem: ouvindo-lhes as vozes e garantindo-se-lhes o direiro de tê-las acolhidas. e) Barreiras atitudinais que surgem da baixa expectativa acerca das potencialidades da pessoa com deficiência: barreira atitudinal de adoração do herói e barreira atitudinal de exaltação do modelo. Essas barreiras só poderão ser eliminadas quando a sociedade deixar de alimentar a leitura da deficiência como incapacidade e, assim, deixar de nutrir a baixa expectativa, elemento que está na 455 origem da supervalorização, acerca das potencialidades das pessoas com deficiência. Além disso, é urgente que a sociedade/ a mídia deixe de utilizar a imagem da pessoa com deficiência como modelo de superação. f) Barreiras atitudinais que surgem da baixa expectativa e da comparação entre a produtividade de pessoas com e sem deficiência: barreira atitudinal de baixa expectativa; barreira atitudinal de inferiorização; barreira atitudinal de menos valia. Essas barreiras podem ser combatidas, respectivamente, quando os sujeitos sociais: i) cientes das potencialidades das pessoas com deficiência, deixam de construir juízo antecipado de que elas são incapazes de fazer algo; ii) deixam de creditar algo ruim à deficiência, ou seja, de estabelecer menor valor a construções efetivadas pelas pessoas com deficiência em razão da deficiência; iii) deixam de avaliar depreciativamente as potencialidades e ações desenvolvidas pelas pessoas com deficiência. g) Barreiras atitudinais que surgem como resultado da prática caritativa, da piedade: barreira atitudinal de compensação e barreira atitudinal de superproteção e barreira atitudinal de dó. Para eliminar essas barreiras, a sociedade precisa: i) compreender que as pessoas com deficiência são sujeitos de direito, logo, o que necessitam é que tais direitos sejam respeitados e não de políticas e ações paternalistas; ii) compreender que a superproteção impossibilita o empoderamento e fragiliza a identidade social e pessoal da pessoa com deficiência. h) Barreira atitudinal que surge da naturalização da deficiência: barreira atitudinal de negação. Essa barreira social é posta em xeque quando os atores compreendem que negar a deficiência das pessoas é deixar de considerar as acessibilidades que ela precisa para estar em situação de equidade social; é também deixar de considerar que toda pessoa humana é indivisível, logo, que todas as características compõe o todo da pessoa e nenhuma delas pode ser apagada, pois se assim o for, apaga-se a identidade de pessoa humana. i) Barreira atitudinal que surge da recusa em interagir com a pessoa com deficiência: barreira atitudinal de rejeição. A ação de rejeitar a pessoa com deficiência é a mais danosa de todas as barreiras, pois para removê-la as informações positivas não são suficientes, por vezes a própria força da lei não é 456 eficaz para que a remoção ocorra, pois rejeita-se, muitas vezes, conscientemente e para eliminar esta prática é necessária uma reforma íntima das compreensões, dos afetos e das ações. Em outros termos, conjugando o que aqui esta posto com o que os pesquisadores indicaram para remover as barreiras sociais na sociedade/na escola/na universidade, tem-se como ações urgentes: - Entender que a deficiência é uma característica natural, comum, existente, presente na pessoa humana. - Preservar a identidade social da pessoa humana, logo evitar que a deficiência seja vista como o todo da pessoa. - Estar pré-disposto a mudar, adequar o trabalho pedagógico à demanda de necessidades de cada aluno; - Usar uma linguagem não marcada por contundentes conotações pejorativas em relação às pessoas com deficiência; - Tratar diferentemente as pessoas para igualá-las em condições e em direitos; - Tornar a escola adequada às características das crianças; - Suprir constantemente lacunas na formação do professor; - Insistir na efetivação do direito de todos à educação; - Combater o preconceito e a discriminação de qualquer natureza; - Considerar os direitos das pessoas com deficiência e defendê-los conforme apregoa a lei; - Desenvolver vontade política de fazer a educação um direito de todos; - Assumir o compromisso com a promoção do desenho universal de sociedade e de educação; - Fornecer informações positivas acerca da pessoa com deficiência; 457 - Conscientizar a sociedade de que as pessoas com deficiência são pessoas humanas, detentoras de direitos sociais e cumpridora de deveres sociais; - Tratar a inclusão educacional não como questão individual, mas como uma questão eminentemente social; - Denunciar meios de comunicação que veiculam imagens distorcidas acerca das pessoas com deficiência; - Possibilitar que a escuta da pessoa com deficiência seja uma constante, ou seja, praticar o “nada sobre nós, sem nós”; - Promover as acessibilidades; - Reestruturar cognições e extirpar a congruência entre as dimensões cognitiva e afetiva da barreira atitudinal, pois, conforme Rodrigues, Assmar e Jablonski (2009), a destruição da congruência afetivo-cognitiva da atitude é um meio de alterar um destes componentes e possibilitar o movimento de um processo de restauração o qual, sob certas circunstâncias, poderá conduzir a uma reorganização das atitudes, por meio de mudanças no componente previamente alterado e acionado nas relações sociais com o objeto das atitudes, neste caso, com a pessoa com deficiência. - Procurar continuamente compreender os preceitos da inclusão e agir conforme tal teoria; - Reconhecer a existência das barreiras atitudinais e as formas como tais barreiras se manifestam; - Procurar numa atitude de autoavaliação eliminar no dicurso e nas ações a prática de barreiras atitudinais, mostrando, com o exemplo de vida/de atitude, como se age inclusivamente. A prática dessas ações é um itinerário que faz diminuir a força dos modelos de entendimento equivocados sobre as potencialidades das pessoas com deficiência (dimensão cognitiva das barreiras atitudinais); é percurso que faz esmaecer a força dos preconceitos (dimensão afetiva das barreiras atitudinais), e, ainda, termina por 458 enfraquecer ou até erradicar atitudes de discriminação (dimensão social das barreiras atitudinais). Vale, recordar, então, que muitas dessas ações poderiam ser incitadas pelo discurso científico produzido sobre educação especial/educação inclusiva no PPGE/UFPE quando não forem, deixam claro que se a pesquisa não estiver situada numa linha de pesquisa sobre educação inclusiva, constructos teóricos da não estiver esteada em área; se ela for um empreendimento mais singular do orientador junto ao orientando do que representar um percurso formativo valorado pela Universidade, ela tenderá a demonstrar hiatos entre a inclusão plena e o discurso que se quer inclusivo e as práticas sociais fomentadas por ele que se quer inclusivas. Por esta razão, o presente trabalho, sugere que a Universidade esteja mais atenta aos discursos que produz, estimule a produção de pesquisas sobre educação inclusiva, promova, através da Ciência e das práticas atitudinais, a conscientização necessária à inclusão. Chega-se, então, nesta pesquisa, ao desfecho de algumas ponderações, considerando que as metas de investigar como as barreiras atitudinais aparecem no discurso das dissertações de mestrado sobre educação especial defendidas no PPGE/UFPE (1978 a 2002); bem como a meta de discutir o efeito das barreiras atitudinais no entendimento da sociedade para com as pessoas com deficiência foi um itinerário que permitiu não apenas alcançar tais objetivos, mas conduziu a perceber questões macro que envolvem a identidade do próprio Programa, o qual deixa, a certa altura de sua história, de explicitar os seus objetivos formativos. Assim, a cada concretização dos objetivos específicos deste estudo, mais que uma face da trajetória e dos efeitos das barreiras atitudinais se mostrava; pois, o contexto das produções das pesquisas e de seus relatórios os quais indicam a urgência de que os atores deste importante Programa de Pós-Graduação repensem o lugar da pesquisa sobre a educação inclusiva e reflitam sobre o alcance de seus discursos e as práticas que estão ajudando a edificar na escola/na sociedade. Tendo respondido, então, sobre o que revelam os estudos sobre educação especial realizados no período de 1978 a 2002 no Programa de Pós-graduação em 459 Educação da Universidade Federal de Pernambuco, no que concerne à existência/ a trajetória das barreiras atitudinais, aos elementos que contribuem para que os discursos das dissertações apresentem, veiculem, fortaleçam tais barreiras e como esses constructos chegam até as escolas incitando atitudes em relação aos alunos com deficiência, reconhece-se como indispensável que outros estudos possam tratar dessas questões e de outras no período de 2003 até o presente. Assim, esta pesquisa reconhece a necessidade de estudos que tracem um perfil longitudinal acerca do lugar, da natureza das pesquisas sobre educação especial/educação inclusiva realizadas neste Programa. Sugere, pois, que tais pesquisas contemplem, entre outros aspectos, a análise: - dos temas prevalecentes nos estudos e se estes continuam considerando a política educacional. O que poderá trazer à mostra a demanda que a sociedade tem trazido à Universidade e/ou os temas que são de interesse deste Programa; - da existência de barreiras atitudinais nos discursos das dissertações. Pois, como visto, o discurso científico prenhe de tais barreiras atitudinais chega até os professores, até às escolas e incitam atitudes incoerentes e prejudiciais aos alunos com deficiência; compromete a função da Universidade, qual seja, a de contribuir, através da Ciência, para a transformação social que só é possível através do acesso à informações consciência inclusiva e positivas, através da construção e fortalecimento da através da prática atitudinal esteadas nessas. A preocupação do PPGE/UFPE com o estudo, a análise, o reconhecimento das barreiras atitudinais e de seus efeitos certamente promoveria a formação da consciência inclusiva e assim os graduandos e os cientistas formados nesse Programa teriam condições de operar, através de discursos e de atitudes, como promotores da inclusão social/educacional. - da análise da contribuição da informação de que no PPGE/UFPE havia uma subárea de educação inclusiva e a análise dos impactos nas produções de pesquisa sobre a educação inclusiva após a supressão desta informação. O que poderá revelar o lugar da educação inclusiva na agenda de pesquisa deste Programa e quais os impactos de se ter ou não, no Programa, explícito o compromisso com as pesquisas na área, conforme orientado pela Capes. 460 - a análise dos referenciais teóricos desses trabalhos para que se compreenda as lentes com que se têm lido, longitudinalmente, neste Programa, a educação da pessoa com deficiência; uma vez que não há como analisar, sob a égide da inclusão, nenhuma das faces da educação para todos sem se ter conhecimento da teoria da inclusão. - da reflexão, nas pesquisas, sobre os documentos legais que apregoam a inclusão social e educacional da pessoa com deficiência, mormente a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006), a qual traz o conceito de barreira atitudinal como centralidade para definir quem são as pessoas com deficiência. O que revelará se as pesquisas e os contextos nelas apresentados reverberam as orientações legais. Estas questões emergem inclusive não apenas do que foi efetivado ou dos limites dessa pesquisa, elas emergem da observância de que foi ao largo do período de 2003 a 2011 que houve no PPGE/UFPE um considerável aumento das pesquisas sobre educação especial/educação inclusiva, através da efetivação dos trabalhos: “Educação para todos: um estudo sobre a política de inclusão dos portadores de necessidades educacionais especiais no Brasil” (SANTIAGO, 2003); “A Formação dos Professores de Classes Especiais para o uso do computador: do discurso dito ao discurso vivido” ( ALMEIDA, 2003); “A educação das pessoas com necessidades especiais: uma análise a partir da prática pedagógica dos gestores e educadores de apoio nas escolas da rede pública estadual de Garanhuns – PE” ( SÁLES, 2005); “A Educação de surdos e a prática pedagógica dos professores ouvintes: análises a partir do Programa Nacional de Apoio a Educação de Surdos” ( FONTE, 2005); “Formação docente na educação de jovens e adultos: processo de inclusão/exclusão de pessoas com necessidades educacionais em uma perspectiva de humanização” (LINS, 2008); “Representação social dos alunos de educação física da UFPE sobre a disciplina educação física adaptada” (SANTOS, 2009); “A prática pedagógica nos anos iniciais do ensino fundamental para alunos com deficiência” (OLIVEIRA, 2009); “O papel da áudio-descrição na eliminação de barreiras comunicacionais no material didático no ensino médio” (VIEIRA, 2011); “As concepções das crianças sobre a inclusão de crianças com deficiência na educação infantil” (FREITAS, 2011); “A imagem na relação de expressão com o texto escrito – 461 Contribuições da áudio-descrição para a aprendizagem de educandos surdos” (RIBEIRO, 2011). Essa rica produção do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco (PPGE/UFPE), se analisada, poderá mostrar se há continuidade do projeto de educação e do projeto de Pós-graduação que se tem desde a implantação do Programa até o presente momento. Avaliar esse percurso sempre será uma ação valorosa porque dela podem surgir as bases para a transformação, a mudança que contemple na prática o que reiteradas vezes os discursos legal e científico tem defendido: o direito de todos à educação de qualidade, a inclusão na agenda dos espaços formativos, a pesquisa como prática da ciência viva que se move, movendo o mundo. Obviamente, ninguém pode voltar atrás de uma palavra dita, de uma barreira atitudinal praticada, mas todos podem fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e construir um novo discurso atento aos seus ditos e não ditos; pode exercitar e perpetuar novas/inclusivas/inclusivistas atitudes; pode iniciar sem pressa, após esta ou outras leituras, e escrever a partir de então uma nova história. A trajetória das barreiras atitudinais é o professor, é o pesquisador, é o Nós, é a sociedade. Para atravancar o caminho dessas barreiras, a consciência inclusiva/inclusivista é a via, a atitude é tudo, valem mil portas abertas para caminhos pouco escolhidos que começam dentro da mente e do coração de cada um e de Todos. 462 Referências36 A’DESKY, Jacques. Ação afirmativa e igualdade de oportunidades. Revista Proposta, FASE, nº 96, mar./maio. Rio de Janeiro, 2003. Disponível em <http://www.achegas.net/numero/vinteesete/jacques_27.htm> Acesso em: 22 out. 2011. ADIRON, Fábio. 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