UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA CURSO DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL E URBANO ANDRÉ LIMA SOUSA FORTALEZA P OR UM FIO O Espaço de Transiçã o e o Mov imen to dos Conselhos Populare s Florian ópolis 2011 ANDRÉ LIMA SOUSA FORTALE ZA P OR UM FIO O Espaço de Transição e o Mo vimen to do s Con selho s P opulares Disse rta ção ap resen tad a ao P rogra ma de P ós-Graduação e m Geogra fia , Curso de Mestrado em Desenvolvime nto Regional e Urb ano, co mo requ isito a obte nção do títu lo e m me stre e m De sen volvimen to Regiona l e Urba no. Orien tador: P rof. Dr. Idale to Malvez zi Aued Florianópo lis 2011 Catalo gação n a fon te p ela B iblio teca Un iversitária d a Universidad e Fede ral d e Santa Cata rina S725f Sousa, André Lima. Fortaleza Por Um Fio [Dissertação] : o Espaço de Transição e o Movimento dos Conselhos Populares / André Lima Sousa ; orientador, Idaleto Malvezzi Aued. Florianópolis, SC, 2011. 267p.: Il., mapas Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Geografia. Inclui referências. 1. Geografia. 2. Planejamento Urbano – Fortaleza (CE). 3. Geografia humana – Fortaleza (CE). 4. Conselhos Populares – Fortaleza (CE). 5. Movimentos Sociais Urbanos – Fortaleza (CE). 6. Fortaleza, Região Metropolitana. I. Aued, Idaleto Malvezzi. II. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Geografia. III. Título. ANDRÉ LIMA SOUSA FORTALE ZA P OR UM FIO O Espaço de Transição e o Mo vimen to do s Con selho s P opulares BANCA EXAMINADORA: Presidente : Professo r Doutor Ida le to Malvezz i Aued (UFSC) Memb ro: Professora Doutora Marga reth Afeche Pimenta (UFSC) Memb ro: Professor Do utor Mano el Fernande s de Souza Neto (USP) Coordenadora: P rofessora Doutora Magaly Mendonça Florianópo lis-SC, 26 d e abril de 2011. Dedico esta disse rta ção à minha mãe, Maria Helena Lima Sou sa e ao meu pa i, An tôn io Rodrigues de Sousa. Agradecimen tos Agradeço à s min has a madas irmã s Luan a e Natália Lima e ao s meu s cunh ados Bruno e Má rio, pelo apo io e dispon ib ilidad e. Agra deço ta mb é m à minh a linda a vó Maria Aldenora d e Me lo Lima , à minha tia Ângela Maria de Melo Lima e ao meu tio Geo rge de Melo Lima, à s minha s prima s André ia e Adriana e ao meu p rimo Nito po r esta re m se mpre dispostos a a juda r no s mo men tos q ue mais prec ise i. Agradeço ta mbé m às Fran ciscaS e a Madalena. À minha na morad a Ca rla Benitez Ma rtin s, p or ex istir na minha vida e se r e ssa pessoa tã o linda, co mp anhe ira e insp iradora . Agradeço igua lmen te a toda fa mília Benite z Martin s nas pessoas d o Lu iz Ca rlo s, Ma rgareth, Fe lipe, Diego, ao meu qu erid o a migo Seb astiã o Ma rtins e Juan Expósito (e m me mó ria) e ta mbé m à Reg ina, C eia e Vanda . Tamb é m as a mizades que fiz por inte rmédio da Carla : P ilar, Mari, Lilia m, P azello, Baiano, Luiz Otávio, Luz i e Fe lix. Aos colegas de tu rma d o Mestrado e m Geog rafia d e 2009 e da Representação Disce nte do mesmo an o. Aos pro fessore s da U FSC, e m esp ecial, ao meu o rien tado r e a migo Ida leto Ma lvezzi Aued, mu ito ob rigado p ela s horas p ropo rcio nadas de reflex ão pro funda e pelo fino e sereno trato na s questõ es tão c ara s a nós, sobretudo no que diz respe ito à s prob le má ticas acadê micas-tran sitó ria sco munistas. Mu ito obrig ado ta mbé m à professora Marga re th Afeche P ime nta, Ewerton Vie ira Ma chado, Le ila Cristina Dia s, Lu iz Fernando She ybe e Maga ly Mendonça , por con tribu íre m dec isiva me nte co m minha formaçã o. Ao profe sso r Jeo vah Meireles da U FC, pe lo d iálogo e po r dispon ib iliza r u m bo m ma teria l fotog ráfico sobre a nossa querida c idade. Tamb é m ao s P rofesso res Mano el Fe rnande s de S ousa Neto e Ma ria Adé lia Aparecid a de Souza, a mbo s da USP, espec ialmen te ao Manoel po r se dispo r a pa rtic ipar da minha b anca de a valiação, você s fora m ma ra vilhosos. Agradeço forte mente a os e à s co lega s da Re vista Discen te Expressõ es Geográ fic a s, e m e spec ia l ao meu grande amigo André Vascon celos Ferreira, que me ap resen to u à re vista e me abril d iversas porta s, mu ito obrigad o por tudo! À Elisa Rodrigue s Dasso le r, que nossa a mizade continue se forta lecendo ! Ao Haride va Égas, R ica rdo Fre ire, Juan Manuel Villa mil, Marco s Espíndo la, Ara cíd io Barbosa Neto (Cid), Fabíu la da S ilva, Orlando Fe rre tti, Tiago Cargn in, Luc iano Henn ing, Carlos Casaril, Fe lip e de S ouza, Má rcio Monteneg ro Ma chado, Ulisses de O liveira, Fernand a Bauzz ys, Fio re lla Ma c cia ve llo. S e m lug ar a dúvida s, essa foi (é ) u ma das expe riê ncias co le tivas ma is ricas da minha vida. Aos co legas co lo mb ia nos do Circu ito de Cine ma La tino Ame ric ano e Caribenh o “Ali P rimera ”, do Institu to de Estudos da Latino Americ ano – IE LA, proje to a jude i n a construção no ano de 2 008. Aos co mpanhe ir@s da Brigada Urbana do Mo vimen to d os Trabalh adore s Rura is Se m Terra de Florianópo lis, a saudosa “Brigada Mítico”, que tive o o rgu lh o de ajudar a organ iza r desde o iníc io, nos idos de 2008, e m espec ia l ao La vratti, Ca mila, Dan iela, G ina, Ré vero, S aruê, Joana, André, Elisa , Carla, Zique, Marqu inho s, Juliana, Nauro, Edualc, Ete l mu ito ob rigado po r me p ermitir a prender co m voc ês! Às diversas e ve rdade iras a miza des que fiz n esse s quase trê s ano s de San ta Ca tarin a, e m esp ecial ao Fe lipe, Má rio e Rica rd inho, pe la divisão d a morad ia e pela forte a miz ade que de sen vo lve mo s. Ta mb é m agradeço de coração à minha querida a miga Flá via Me mória, ao Luc as Brito e à Marc ionília P imen te l, vocês são lind@ s! Agradeço ta mbé m à minha “fa mília de Florip a”, aos meus “pais” e “ irmãos”, respectiva mente : seu Ma neca e dona Beth, Israe l e B ianca ; por me rec ebere m de b raços abe rtos e to rna r minh a e sta dia tão espec ial e a conchegan te. Agradeço ta mbé m ao seu Mad ruga, u m trabalhad or do Camp eche. Ao Marcelo Filip ine - um c ara cu ja a miza de le va rei pa ra se mp re - a o Moska , Mine iro , Lu iza , P riscila, Ne to, Leozão , Diego , Rorô , Yuri, Ivan , Bob, Joa na, Cata rina, Ivan, Cox inha, Gui.. . salve sa lve Celc inho !! P or tan tos mo men tos de a legria e por me faze re m se ntir “d e c asa” , enfim, sã o tan tos q ue c erta men te de vo e star e squecendo de algué m... só tenho a ag radece r! Às minh as q ueridas a miga s da b iRORJLD Karla, Diana, Danise, Ma riso l, Ma rcionília, o que in cluo a Ana Vládia e ao Eugênio e Igor p ela a miz ade de se mpre. Agradeço ta mbé m ao s co mpanhe iros e co mpanheiras do Movimento do s Conselhos P opula res, o MCP, e m esp ecial aos que con tribuíra m dire ta men te para a e laboração do terc eiro c apítu lo: Igo r More ira, Daiana Go mes, Jacin ta (MST), Joana Maria, Rosilene Lima, Fá tima Olive ira, Roger Alme ida, Maicon Bocadio e Sé rg io Faria s. Agradeço espec ialmen te à Jacque lin e Soare s e ao Igo r Moreira, pe la s conversas se mp re agrad áve is e por se mp re ince ntivare m na pesquisa. Meu agrad ecimen to ta mb é m ao s que me a jud ara m c o m a s tran scriçõe s d as entrevista s: Rogério Rap oso, Hec tor Fe rre ira, Tiago Moreno , Natá lia Lima e Luan a Lima. P essoal do Co mitê P opula r da Copa de Forta lez a, que atua lmen te ve m dando u m belo exe mp lo d e cidadan ia e resistênc ia nece ssá rias à construção de ou tra lógica de produção da c idade, me nos desigua l e seg regad ora. À Glícia Pontes, pela amizade, solidariedade e companheismo. P or fim, u m agradec imento e spec ial à Marian a Ta mari, p or se mp re me recebe r de braços abe rto s e m São P aulo e ao Ricardo Serra, me u c ompanhe iro s de longa s da tas. Aos ca maradas do Enlace / P SOL e da IV In te rnac io nal Brasil. Não há cond ição é ete rna. RESUMO Buscou -se co m esta d issertaç ão de me strado, realizar u ma análise dia lé tica do de sen volvimen to urbano da me tróp ole de Forta leza , na qua l foi a ssu mido co mo “ fio conduto r” d o estudo a busc a pela co mp reen são da c onstitu ição do “se r socia l” na quela me tróp ole. P ara tanto , fo ra m considerad as trê s d imensõe s do d ese nvo lvimen to urb ano: a expan são, a degenera ção e a tran sição . O objeto de a nálise fo i o cha mado “espa ço de tran sição”, cujos e le mentos fo ram iden tificados po r me io da in vestigação da ex periência do Movimento do s Conse lhos P opulare s (MCP ) entre o s anos 2000 e 2011 - interva lo no qu al fo i possíve l iden tificar e formula r u ma proposta de period izaç ão dessa experiência. Concluiu -se que fo i po ssível consta ta r, por in terméd io da análise desse mo vime nto pop ula r, e le men to s que p odem indicar o su rgimen to de u ma fo rma ção sóc io -espa cia l de novo tipo, u m vir a ser de in spiração pós-cap italista. Palavras-chave : Metrópole de Fo rtaleza, Desenvolvime nto Urbano, Configuraç ão Territo rial, Dialé tica, Espaço de Transição, Mo vimento d os Conselho s P opulares. RESUMEN En este en sa yo se ha buscado rea liz ar un análisis dia léc tico de l de sarrollo urb ano de la metrópo li de Fo rta lez a, ten iendo co mo h ilo cond uctor de la in vestigac ión la b úsq ueda por la co mpren sión de la constituc ión de l “ser socia l” en aque lla me trópo li. P ara eso, fueron conside rad as tres dimensione s d el de sarro llo urbano : la exp ansión, la de generación y la transic ión. E l obje to de la in vestigac ión fue el “esp acio de transic ión”, cu yo s e le mento s fuero n iden tificado s en la inve stigac ión e mpírica d el Mo vime nto dos Conse lho s P opulares – MCP en lo s año s de 2000 ha sta 2011 – in terva lo en lo c ual fue posib le ide ntifica r y fo rmu lar una propuesta de perio diz ació n de esta experienc ia. En la con clusión, fue posib le co nstata r, a tra vé s de l aná lisis de e ste movimiento popula r, e le mento s qu e puede n ind ica r e l su rg imien to d e una formac ión soc io -espa cia l de nue vo tipo , una posib ilida d fu tu ra de superac ión de l c apita lismo . Palabras-c lave: Metrópoli de Fo rta lez a, Desarro llo Urbano, Con fig urac ión Territo rial, Dia léc tica , Espacio de Transición , Mo vime nto s dos Con selhos P opula res. SUMÁRIO De sc ri çã o Pág. 21 IN T RO D UÇ ÃO 1. A P RO D UÇ ÃO DO C AP ITA L E O 30 DE S E NVO LV IM E N TO URB A NO 33 1 .1 A Rela çã o So cia l Ca p it a l e o P er ío do A t ua l 1 .2 A po nt a me nt o s Teó rico s pa ra o es t u do do me io 49 Ur ba no 54 1 .3 A eco no mia po l ít i ca do ur ba no e da c ida de 1 .4 P a ra u ma dia lét ica do de se nv o lv i me nt o u rba no 64 E x pa n sã o , Deg en era çã o e Tra n siçã o 2 . A E XP ER I ÊN C I A D O T EM P O E DO E SPAÇ O EM F O RTA L E ZA : E L EM EN TO S PAR A UM A NO ÇÃO D A 73 CO NF I G UR AÇ ÃO T E RR I TO R IA L DA M E T RÓ P O L E NO IN ÍC IO DO S ÉC U L O XX I 83 2 .1 M erca do d e Tra ba l ho e m F o rt a l eza 95 2 .2 M et ro po li za çã o 102 2 .3 Qua nt o v a le, o u é p o r m²? 11 3 2 .4 Ce nt ra li da de s ur ba na s 2 .4 .1 Cen t ra l id a d e I : b a ir ro C en t ro ( Cen t ro - O es te ) 11 4 F ra n c i sco S á e Du q u e d e Ca xia s 2 .4 .2 Cen t ra l id a d e I I – A ld eo ta (C en t ro - Le st e ) Av. S a n to s 124 Du mo n d 2 .4 .3 Cen tra lid a d e I I I – A ld eo ta exp a n d id a (S u d es te ) Av. 132 Wa sh in g to n S o a re s 137 2 .5 O a v e s so da ce nt ra l ida de 3. A E XP ER I ÊN C I A DO M O VIM E N TO DO S 146 CO N S E LH O S P O P U L AR E S CO M O N E GA ÇÃO D A DE G E N ER A ÇÃO URB AN A - D E SD E 2 0 0 0 A 2 0 11 150 3 .1 M CP : pr i mei ro en s a io ( 2 0 0 0 a 2 0 0 3 ) 3 .2 A ref u n da çã o do M CP, a lu t a p ela s f rent e s de serv iço e a s e x pe ri ênc ia s d e pa r t ic i pa ç ã o no s 152 in st r u me nt o s de de mo cra t i za çã o da g es t ã o pú b lica mu n i ci pa l ( 2 0 0 4 a 2 0 0 8 ) 3 .3 A a t ua l ida de do M CP : o rg a n iza çã o , o c upa çõ e s e 189 o ut ro s t e ma s ( 2 0 0 8 - 2 0 11 ) 234 4 . À G UI S A D E C O N C LU S ÃO 250 RE F ER Ê NC IA S 256 AN EX O S QUADRO DE FIGURAS F ig u ra 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 De scr içã o Pág. I ma g e m de lo ca li za çã o da Reg iã o 2 8 M et ro po l it a na de F o rt a leza 111 Lo ca li za çã o da s F a v e l a s e m F o rt a l eza e m 2 0 0 9 . F o nt e: At la s de F o rt a le za 2 0 0 0 . 11 3 Av en i da F ra nc i sco Sá , se nt i do Le st e. O b serv e q ue a o f un do é po ss ív e l pe rce be r a v ert i ca l iza çã o da A ld eo t a e B ei ra M a r 11 7 Av en i da F ra nc i sco Sá , se nt i do Le st e Rug o si da de s: a nt ig a s ma n sõ es re ce be m 11 8 no v a s f u nc io na l ida de s Ant ig a f á b ri ca de ca st a nha de ca j ú 11 8 t ra n sf o r ma - se em e mp ree nd i me nt o i mo bi liá rio , a o f u ndo o mu ro da f á br ica f o i ma n t i da 11 9 M es ma f á br ica so b o ut ra p er sp ect iv a E x pa n sã o u rba na so b re o S ít io do Co có 1 2 8 t ra n sf o r ma ndo o a mb i e nt e n a t u ra l e m t err it ó rio u sa do e a lt e ra n do ra dica l me nt e a pa i sa g e m de F o rt a leza Av en i da Wa s hig t o n So a re s e se u e nt o r no , no 1 3 4 la do e sq ue rdo e st á se n do co n st r uí do o no v o Ce nt ro d e Co nv e nçõ es da c ida de 134 P o nt e so b re o Rio Co có lig a n do a P ra ia do F ut u ro à Sa b ia g ua ba 151 Ca rt i l ha d e f un da çã o d o M o v i men t o do s Co n se lho s P o p u la res e m 2 0 0 0 160 Ca rt i l ha d e ref u nda çã o do M CP 162 As se mb l éia P o p ula r da Ci da d e 163 P ref eit a rece be o P ro g r a ma de Reiv i nd ica çõ es I me d ia t a s do P o v o de F o rt a le za O rg a no g ra ma da s in st â nci a s do M CP F a i xa n a e nt ra da do Ra íz es da P ra ia e m re p úd io à a t ua çã o da s mi l í cia s Ca mp a nha co nt ra a s milí cia s e m F o rt a leza M a nif e st a çã o e m f rent e a u ma lo j a do Gr u po O t o ch, no Ce nt ro de F o rt a l eza O cu pa çã o Co mu na 1 7 d e a b ril , J o sé Wa lt er 199 208 209 209 226 INTRODUÇÃO O ato de e scre ver é u ma da s g rande s e vidê n cias da potênc ia do ser soc ia l ou, co mo d iria Marx, do in telecto gera l 1. É mais ou men os co mo exp ressar o melho r de si indo a lé m das ex periê ncias próp rias, po ssib ilitada pelas interp retações das construçõe s teórica s e estudos e mpíricos a lheios, re ferendando -se ne le s se m, c ontud o, desco lar-se d a re ferê nc ia e m si. Mas o que in vestiga r deste mu ndo cada vez ma is co mp lexo e ace le rad o e m que a realidad e é, e m apa rên cia, flu ida, e fê me ra, fu gidia, vaz ia? Como re aliza r a esco lha de u m ob je to d e análise co m rele vânc ia soc ia l pa ra justifica r u ma in vestigação acadê mica? Mais que isso, co mo inte rpreta r a quele ob jeto e m fo rma de an álise? O question a men to sob re co mo po de m ser co mpre endid os os processos de socia lização e espac ializa ção da hu mana é a proble má tica gera l, o pano de fundo e o bje tivo superior das minha s refle xões 2. A dissertação e m mãos é parte desse p rojeto. Na busca por suprimir essas inqu ie taçõe s - certa mente insac iá vel descobri que seria ne cessá rio in ve stiga r os fenô meno s expressos e m su a fo rma ma is d esen vo lvida e esse fo i o percurso trilhado pa ra se chega r ao me io e m que no s debruça re mo s nessa d issertação , o meio u rbano. Neste te mpe stuoso ca minho, hora aparente men te inerte, hora repleto de possibilidad es, não se pod e abrir mão de c erta dosage m de reflexão filo sófica , no sentido d e questio nar eve nto s qu e, à p rimeira vista, aparenta m ser “natu rais”. É atra vés de ste e mba te , e ntre o “na tura l” e o “raciona l” qu e o pesqu isador pode rá a ssu mir a sua “filoso fia de vida” , o seu método d e in terp retação , a “ len te” sob re a qua l va i 1 2 Marx, Karl. La miseria de la filosofía. Buenos Aires: Editora Siglo Veinteuno, 1973. Este é o único momento em que me utilizo da primeira pessoa do singular, dado que se trata de um projeto pessoal. A partir daqui, me expressarei sempre na primeira pessoa do plural. O “nós” refere-se tanto ao auto-reconhecimento do autor com o seu objeto de estudo, quanto é uma forma de reconhecimento do caráter propriamente social do conhecimento. percebe r o a contecer sócio -espac ial. Os te mas a se re m in vestigados pe lo pe squisad or serã o ana lisa dos seg undo esta sua “fo rma de ver o mundo” – a isto a acad e mia cha ma de métod o. A s teorias e mé todos de mon stra m dife ren tes c apac idade s de exp lic ação d os e ven tos, fenô men os, fa tos, proc essos etc. No en tan to, o poder de explicação de ta is teorias so mente terá seu teste re al na e mpiria do mundo mate ria l. Este e stud o parte do p ressuposto de qu e os p rocesso de soc ializa ção e e spac ializa ção da hu man idad e podem ser encontrados e m sua fo rma mais de sen vo lvida na din â mica sócio -espac ial pre sente no me io urbano, qu e se mpre tend e a do min ar os d e ma is espaços. No caso desta pesqu isa, a análise desses fe nô menos (de soc ialização e espac ializa ção -u rban iz ação) oco rre rá por interméd io da aprox imaçã o e mp íric a co m o desen volvime nto de u ma região em pa rticu lar. P rec isa men te, da Região Metropolitana de Fo rtaleza , que co mo todo territó rio , é carre gado de pa rticu laridade s. O nosso ob je tivo co m essa dissertação é rea liza r u ma con strução d ialética do desen vo lvimen to urba n o da Metróp ole de Fo rta leza . Isso pressupõe d iscu tir a re lação en tre as pa rtes q ue compõe m esta to ta lida de e m processo, a ssim co mo, sign ific a questiona r de fo rma p ermane nte o que pa rec e e le me nta r, trilhando o s percursos e te má tic as que são consid erad as centrais pa ra o ente ndimento destes fenô meno s. O mé todo d ia lético é o que pode possibilita r a apreen são do mo vimen to do ob je to, d o pro ce sso que vai desde sua gên ese à su a extinçã o, à supressã o do me smo. P ara o mé todo ma terialista d ia lético , o nascimen to, o desen vo lvimen to e a morte de todo o rgan ismo social estará se mp re co locada . Ele possibilita a aná lise e a prospe cção tendo se mpre co mo base e mpírica a mate rialidad e histórica , ou seja , e le nos dá con diçõ es para in vestig ar a reprodu ção d a ex istê ncia hu mana e m ca da período histórico. E m outras pala vra s, o mé todo ma teria lista dia lético pode no s p roporc iona r u m ca minho para a co mpre ensão da s d ife rentes formas co m as q uais os se res hu manos exerc e m seus atos cotid ianos de co me r, mo rar, trab alha r, de sloc ar-se , produz ir, consu mir, etc. A cada perío do h istórico, tais ato s - apa ren te men te repe titivos, rotine iro s e “n atu ra is” - fo rma m u m siste ma de re laçõe s e m permanen te muta ç ão. O métod o dia lé tico pode nos permitir penetra r no conteúdo de ssas fo rmas. Neste sentido, esta singe la inve stigaç ão visa co ntribuir co m a co mpre ensão do desen vo lvimen to urban o da metrópo le d e Fo rta lez a. P ara a escrita de sta dissertação , e labora mo s u m percurso me todo lógico in spirado livre men te no méto do dia lético, que nos serviu d e ba se para a an álise. Nesse percurso fo ra m co nside rada s três dimensõe s do desen vo lvimen to urba no, qua is seja m: a expansão, a degenera ção e a tran sição urba na 3. Essa s d imensõe s são indisso ciá veis, acon tec e m ao mesmo te mpo e de fo rma desigu al e co mb inada . A aparen te sep araç ã o entre tais dimen sões oc orre so mente co mo fo rma de análise , pressuposto da deco mp osiçã o do ob je to de aná lise. Buscar-se -á segu ir e sse percu rso ao ex plic ita r, n a primeira parte do tex to, os fun da men to s e c ompreen sõe s metodo lóg ica s exp ressas nas c ate gorias d e análise, be m co mo u ma le itu ra d o funciona men to da soc ie dade hu mana sob o nexo do cap ital, teorias à s qu ais no s apo iaremos para an alisa r o d esen volvimen to u rbano mate ria lizado n a metrópo le de Fo rtaleza. Em me io a e stas in ten ções apre sen tadas a té aqui, é impo rtante info rma r q ue não é ob je tivo de sta pesq uisa realiza r u m e studo h istórico dos fun da men to s da fo rmaç ão e conso lidação da cidade de Fo rta lez a co mo u ma metrópo le. En tre men tes, se mp re que fo r considerado necessário, será fe ito uso de info rmaçõ es h istó ric as que possa m co labo rar co m a construção d esta pe squisa e por vez es, fa re mo s u so de imagens e mapas co mo re cursos técn icos da pe squisa para fac ilitar a co mp reensã o e a visua lização dos e ven to s e fenô men os qu e deba tere mos. O marc o de fundaçã o d a c idade de Forta leza re monta 3 Essa formulação será melhor desenvolvida no item 1.4 dessa dissertação. ao ano de 17 26, d e vido ao fato de , ne sse ano, Fo rtalez a ter deixado sua cond ição d e vila para pa ssa r a se r conside rada ofic ia lme nte u ma c ida de. Marc ada pe las e specific idad es do seu de sen vo lvimen to urbano, Fo rtaleza te m hoje uma configuraç ão territo ria l de masiado c o mp lex a e mu itas história s a sere m co ntada s. São 285 ano s desde su a fundação e de lá p ra cá vá rio s fa tore s contribuíra m pa ra que a c idad e che gasse até o ta manho e a co mplex idade da configuraç ão a tua l. Como apareceria a configuração territoria l d a metrópo le de Fo rta lez a, se pudé sse mos faze r u m recorte e m se u siste ma de obje tos d e forma a iso lar ce rta s va riá veis p ara ana lisa rmo s as re laçõe s q ue h á en tre e las? P ara se faze r u ma leitura interp re tativa abra ngente dessa metrópo le e tendo e m vista q ue não é possível ex plic itar todas a s suas va riá veis, se ria n ecessário id en tificar qua is seria m as rep resentativas na de te rmin ação de ssa configuraç ão. Co mo po dería mos d efinir u ma h iera rqu ia de lugares na configu raçã o de u ma c idade co m mais de do is milhões e me io d e habitan tes re sid indo e m tip os d e habitação dos ma is dive rso s? O que le va u m lugar a ser mais a tra tivo que ou tro? Como e po rquê os lu gare s assu me m va lores d iferenc iados? A resposta a essas pergun ta s pod erá se r feita po r me io do estud o da relação entre a atu al configu ra ção territoria l d a metrópole, co m a história d as va riá ve is q ue a de lin eia m, d ete rminando -a. O aumento das desigu aldade s só cio -esp aciais ocorre e m deco rrência da ce ntra lização esp acial d a riqueza, da expansão territo ria l ca pitalista ace le rada e d escontro lada, do au men to d as p eriferia s u rbana s, da seg regação , da frag men tação urbana, etc. O co mpo rta men to de va riá veis co mo a e spac ializa ção da pobrez a e da miséria, a produ ção de no vas cen tralidade s, a seg regaçã o só cio -espac ia l, o processo d e metropo lização, a ve rtica lização - p ara cita r so men te a lgu ma s possibilidade s -, co nfronta das e m suas rela ções pode rão nos se rvir de via para o estudo da configuraç ão territo ria l da me tró pole e m caso. No que diz resp eito aos termos ad otad o s nesta dissertação , nu ma ten tativa de e vita r n atu raliza r uma ling uage m sex ista que faz ap orte ao conce ito de “home m” para exp re ssa r o conjun tos dos sere s hu man os abstra ta men te, u tiliza re mos se mpre o termo ser hu mano, ta mbé m d e fo rma ab strata , pa ra expre ssa r o conju nto da espéc ie. O obje to desse estudo é ide ntifica r os e le me ntos do espaço de tran sição na me trópole de Forta lez a, por intermédio de u ma c ompreen são espac ia liz ada e u ma reflexão d ialética do dese n volvimento u rb ano que se expressa co mo expansão, degen eraç ão e tran sição urbana na Região Me trop olitan a de Fo rtale za, c onfo rme exposto e que se rá po rmeno rizada a segu ir. No prime iro capítu lo, “A produção do cap ital e o desen vo lvimen to urba no”, discorre re mo s so bre a forma co mo os se res hu manos produ ze m su a vida sob a do mina ção da s re laçõ es soc ia is c apita lista s, e m suas imp licaçõe s pa ra a pro dução do espa ço, bu sca ndo desvela r algu mas ca rac terística s gera is de ssa d inâ mica sóc ioespac ial no que ela te m de un ive rsa l, be m co mo, analisand o con ceitos que possa m nos a jud ar a estudar tan to a con figura ção te rritoria l de Fo rtaleza qu anto a experiênc ia do Mo vimento do s Conse lho s P opula res. O obje tivo do prime iro cap ítu lo é d isc orre r so bre u m conjun to de co nce ito s e ca tego ria s d e aná lise que possa m ser u tilizado s no estud o do esp aço u rbano. No segundo cap ítulo , “ A Experiên cia do Te mpo e do Espaço e m Fo rta lez a: Ele mento s P ara u ma Noção da Configu ração Te rrito ria l d a Me trópole no Iníc io do S écu lo XXI”, será re alizado u m esforç o de re visão b iblio grá fic a a fim de proporc iona r u ma noção sobre a a tua l configura ção territo ria l d a Me tróp ole na visão de au to res de diversas áreas q ue a in vestigara m. Nesse segun do capítu lo, obje tiva mos ap rese ntar o me io soc ia l no qua l se desen vo lve o ob jeto de aná lise dessa in vestigação . Discorrere mos b re ve mente sob re alg u ma s variá veis q ue são con sid era s repre senta tivas para cu mp rir co m os obje tivo s aos qua is esta mo s n os propon do. As variá ve is escolhida s são: 1) o mercad o de traba lho, 2) o mercado imob iliá rio e 3 ) o p roc esso d e me tropoliza ção . Ainda n esse capítulo foi rea lizada ta mbé m u ma re visão b iblio gráfic a a partir de au to res q ue deba te ra m os c onceitos de centralidad e urb ana e segregaç ão sóc io -espa cial na cid ade. O terce iro cap ítulo “A Experiê ncia do Movime nto dos Conselho s P opula res co mo Negação d a Degeneraç ão Urbana”, é o cap ítulo e mpírico dessa pesq u isa, n o qual descre vere mos a ex pe riên cia d e u m Mo vimento So cia l P opular con te mp orân eo, deno mina do Mo vimen to d os Conselho s P opulares, o MCP de Forta leza. As técn icas de p esqu isa utilizada s nessa e tap a fora m: entre vista s se mi-e struturadas, ensa io fotog rá fico da s ações do mo vimen to e re visão bibliográfica. Ademais, fo ram realiza das visitas de c a mpo, le van ta mentos e análise dos princ ipa is docu mento s do Mo vimen to, be m co mo a leitu ra de dezena s de ma téria s de jo rna is q ue tra ta m das açõe s do mesmo . Tudo isso para desc re ve rmo s a ex periênc ia desse Movimento , proc urand o rea liz ar u ma pe rio dizaçã o do mesmo , be m c o mo, no s desa fiando na iden tifica ção, em sua p ráx is, de ele men tos su gestivos do “no vo ” (superação positiva do de sen vo lvimen to ca pita lista) conceituado s co mo “e spaço s de transição”. Fina lmen te se rão ide ntificados e m “À gu isa de conclu são” os limite s desta pe squ isa à luz d o refe renc ial teórico de auto re s que permite m re fle tir sob re a rea lida de e seu mo vimen to, dia logando de forma e spe cia l co m os conceito de espa ço de tran sição fo rmu lada pe lo p ro fessor Idaleto Aued e co m a sugestão fe ita p elo geó grafo Milton Santos, que ind ica a e me rgênc ia de u m n ovo período, deno minado po r ele de “período de mográ fico, ou período popula r da h istó ria ”. Qualquer aná lise de fe nô menos soc ia is d e ve leva r em consid eraç ão que os seres hu mano s são o s únicos se res vivos co m capac idad e de intervir no e spaç o de forma racional e p lane jada . P or isso , não trata mos mera men te do espaço d e fo rma abstra ta, ma s do e spaço geográ fico, socia lmente pro duzid o. Igua lmente , não tra ta mos do territó rio pura e simplesmen te, mas do “ te rritório u sado”, se mp re se faze ndo referênc ia à a ção dos se res hu manos sobre o me smo. A forma co mo se c onstitui o “se r soc ial” e m Fo rta lez a será o nosso fio con duto r, ou se ja, p or dentro de fio está a forma co mo os seres h u mano s e vo lue m de u ma forma individua l a u ma forma social d e pro duç ão da vida. Cada vez menos é possíve l a u m ser hu mano reprodu zir sua vida de forma ind ividua l, cad a vez ma is, todos prec isa m d e to d os para re produz ir su a existência co mu m. Esse é o principal “ mo te” , essa é a fo rma de ve r o aconte cer. Entende -se que o meio u rbano é onde esse o aconte cer social se encontra ma is plena mente a madurecid o. No me io u rbano parece qu e os se res hu manos e stã o in terlig ados por u m fio qu e entrela ça a vid a de todo s, da í o títu lo d essa d issertaçã o “ Forta leza po r u m fio” . É n e s t e t e mp o e l u g a r [ me i o u rb a n o ] o n d e s e d e s ab ro c h a e s e u n i v e rs a l i z a a c o n d i ç ã o s o c i a l d e q u e c a d a i n d i ví d u o n ã o ma i s p ro d u z a s u a p ró p ri a e x i s t ê n c i a , a vi d a d e t o d o s d ep e n d e d e todos, isto é, da sociedade. A cidade é o lugar por excelência da vida social. El a é o e s p a ç o o n d e n ã o h á vi d a individual, onde todas as pessoas estão c o n e c t a d a s a t r a vé s d e f i o s i n v i s í v e i s . 4 Espera -se co m essa dissertação contribuir co m o debate sob re o desen volvimen to u rbano da metrópo le de Fo rta lez a sob u ma pe rspectiva d ia lé tica, sobre tudo no que diz respe ito ao pape l q ue os mo vimento s soc iais pop ula res pode m assu mir. Fare mos isso to mando co mo obje to de análise o con ceito de “espaço de transição” e co mo base e mpírica a ma teria lidad e da expe riênc ia do Mo vimen to d os Conselho s P opulares. 4 Aued, Idaleto. Marxismo e Geografia. In: O ensino da Geografia no novo milênio. Chapecó, SC: Editora Argos, 2002. p. 36. Fi g u r a 1 : I ma g e m d e l o c a l i z a ç ã o d a R e g i ã o M e tr o p o l i ta n a d e Fo r ta l e z a . CAPÍTULO 1 1 A PRODUÇÃO URBANO DO CAPITAL E DO ESPAÇO Neste primeiro cap ítulo, deba te re mo s as bases conceitua is sob re as qua is va mo s faze r a leitura da metrópo le d e Fo rta lez a. Busca r-se -á isso p o r intermédio do diá logo co m alguns autores c lássicos e co n te mpo râneo s que conside ra mo s fu nda men tais pa ra o desafio de co mpre ender três co isas: (1 ) co mo fu ncio na a soc iedade e m que vive mo s e q uais as ca rac terísticas do pe ríodo histórico a tua l; (2 ) o debate sobre a produç ão do espa ço urbano e ; (3) a d ia lé tica do desen volvimento urbano. E m linh as g era is, este cap ítu lo diz re spe ito à fo rma co mo o s sere s hu manos p ro duze m sua ex istên cia sob a racionalidad e so cia l do minan te do ca pita l. Ou se ja, c o mo os seres hu manos a o se produz ire m na socied ade capita lista , tanto produ ze m a p rópria soc iedad e capita lista, co mo a s cond içõe s da superação da mesma 5. Esse cap ítu lo se rve ig ualme nte de a mb ientaç ão para as próx imas pa rte s da dissertação , na qua l se rá deba tida a história d o luga r-c idad e -reg ião Forta leza, co m escopo e m sua a tua l con figu raçã o te rrito rial e, e m espec ial, na análise da e xperiênc ia do Mo vimento dos Conselhos P opulares de Fo rtaleza , o MCP, cuja aná lise ocorre rá no terc eiro c apítu lo e na conc lusão . Tendo isso e m vista e obje tivando d isse rta r sobre essa epopé ia dialé tic a co m pretensõe s a lé m c iviliz atória s 6, é nec essário de mo nstra r o s 5 6 Em referência aos três vetores da degeneração da sociedade capitalista: “o primeiro vetor é o de os homens se movem em razão da produção da mais-valia (no vulgar é o lucro), isso significa compreender como os homens produzem na sociedade capitalista; o segundo é o de os homens, ao produzir na sociedade burguesa, produz-se ao mesmo tempo, a própria sociedade burguesa, produz-se simultaneamente a negação desta mesma sociedade, ou seja, produzem os elementos da sua própria superação”. Aued, I. Marxismo e geografia. In Alba, R. S. Et all (Org.) O ensino da geografia no novo milênio. Chapecó/SC: Editota Argos, 2002, p. 15. De acordo com Friedrich Engels são pressupostos do surgimento da civilização moderna princ ipa is ele men tos e variá ve is que, atua lmente , co mpõe m e ac ele ra m o mo vimen to da h istó ria . O ca minh o con tínuo e estend ido d e su pre ssão da s formas ind ividua is de reprodução da vid a hu mana, reflexo do pro cesso de soc ia liz ação da ba se materia l, resu ltado do desen vo lvimen to cap italista, ge ra u m au men to grad ativo de u m tipo e spec ífico de fo rmaç ão só cio -esp acia l u rbana metropo litana , que p roduz os luga res-reg iõ es e m qu e é possíve l iden tifica r o ser soc ia l e m sua forma ma is plena mente de sen vo lvida. En tende mos que é ta mbé m nesse meio o nde há, c onte mp orane a men te, uma ma ior co mplexificação e ac e lera ção d a con stituiçã o desse ser socia l. Neste se ntid o, almeja -se de monstra r alguns ca min hos d esses processos de socialização e espac ializa ção d a hu manid ade, e m suas e specificid ades expressas na metrópo le de Forta leza. In vestigar-se -á o mo do co mo os sere s h umanos produze m sua existência no que ela te m de un iversa l, b e m co mo a mane ira co mo essa un iversa lida de apare ce na experiênc ia do te mp o e do espaç o da metróp ole d e Fo rta lez a. Se ace itarmo s a pre missa que diz que a singu la rida de do modo de p rodução c apitalista é exata men te a sua un iversa lidade, nad a co mo inicia rmo s o trab alho fa lando de c omo func iona a p rodu ção da vida hu mana sob a s re laçõ es do cap ita l. A partir d a í pode re mo s capitalista: a produção de excedente, a propriedade privada, a divisão do trabalho e as trocas mercantis. Ela se expressa, ao longo da história, através de diferentes modos de produção e reprodução da vida: escravidão, servidão, assalariamento. Para Engels: “estas leis econômicas da produção mercantil modificam-se de acordo com os diversos graus de desenvolvimento dessa forma de produção; mas todo o período da civilização, em geral, está regido por elas. Até hoje, o produto ainda domina o produtor; até hoje, toda a produção social ainda é regulada, não segundo um plano elaborado coletivamente, mas por leis cegas que atuam com a força dos elementos, em última instância, nas tempestades dos períodos de crise comercial”. Contudo “/.../ chegará um momento em que a razão humana será suficientemente forte para dominar a riqueza e fixar as relações do Estado com a propriedade que ele protege e os limites aos direitos dos proprietários. Os interesses da sociedade são absolutamente superiores aos interesses individuais”. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1979, p. 198-201. Tradução de Leandro Konder. Quando nos referimos a‘pretensões além civilizatórias', estamos falando, sobretudo, da segunda passagem desta nota de rodapé. in vestigar ex periênc ia s específicas pa ra re to rnar na fo rma de aná lise. Conside ra -se que é n o espaço u rbano ond e o c ha mado ser soc ia l enco ntra -se mais p rofund a men te d esen vo lvid o. Essa consta tação é u m pon to de pa rtida pa ra o in íc io de uma re flexão a resp eito de co mo o mo vimen to de constituição desse se r soc ial – c o mpo sto de vá rio s processos - se manifesta e m u m territó rio e sp ecífico , qual seja , nu ma me trópole loca lizada n o he misfério sul do plane ta te rra , no nord este de u m país ch a mado Brasil. Fo rta lez a, o luga r-reg ião sob o qual se d esen vo lve a experiênc ia do Mo vimento dos Conse lhos P opula res é a capita l do estado do Ceará, que te m ho je, e m 2011, 188 anos c onta dos a p artir do mo men to e m que deixa a sua condiçã o de vila pa ra se to rnar cid ade no ano de 1823. Nos tóp ico s segu intes, buscare mos re su mir alg uns funda me nto s da rela ç ão soc ial capita l, ap ropria ndo -se, co mo ba se e piste mo ló gica, da teo ria ma rx ia na, en tend ida co mo a te oria orig inária de Karl Ma rx e Fried rich Enge ls, assim co mo de au to res ma rxistas con te mp orâneos, que assu mira m e ssa obra, fricc iona ndo -o s, se mp re que possíve l, co m a noç ão de “ espaço geog ráfic o” co mo sinôn imo de territó rio usado qu e nos fo i sugerido po r Milton S anto s e outros 7. O me io u rbano não é so men te o luga r on de está concentrada a maio ria dos se res hu ma nos, é ta mbé m onde estão p resente s os mais a vançado s me ios técn ico s dispon íve is, nu ma marcha de d esen vo lvimen to e tran sfo rma ção qu e te m gerado contrad içõe s co mp le ta mente nova s a a cirrado a lgu mas ou tras não tão no va s a ssim. Não é por aca so que autores, co mo Henri Le feb vre, carac teriza m o me io u rbano co mo u m me io d e produção 8. De fato, o s gra us d e coopera ção e de sociab iliza ção presen te s n esse meio são cond içõ es nece ssária s q ue permite m u ma co opera ção de no vo tipo . Essa progressiva 7 8 Santos, M. at all Manifesto – O papel ativo da geografia. In XII Encontro Nacional de Geógrafos, Florianópolis, 2000. Lefebvre, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: Editora Humanitas, 2008. to mad a de cen tralidad e do me io urb ano que, aos pouco s, foi do minand o e inc orporan do o me io ru ral, te m u m desen vo lvimen to co mb inado co m a próp ria histó ria do desen vo lvimen to cap italista. Con sequen te me nte, o espaço urbano é ta mbé m o lug ar ond e se encon tra a maior parte da infra -estru tura e dos fluxos de in formaçõe s, mercad orias, capita l, e tc. P or esse motivo, e le p assou a “ditar” a dinâ mica d a fo rmaç ão sócio -esp acial e a re produção d a vida no meio rura l q u e, a tua lmen te, te m u ma ex istênc ia quase qu e exc lu siva me nte vo ltada para a ma nutençã o da s de manda s do meio urb a no. A antiga con tradição ca mpo -cida de, muito debatida há sécu los, atu almen te se encon tra care nte de u ma atua lização teó rica e h istórica. E m prime iro lugar, po rque não é ma is possível, d ado o grau de do mina ção do meio urbano sobre o meio rura l, fa lar dessa con tradição no s termos que são conh ec idos trad icio nalmen te - co mo uma divisão e u ma oposiçã o - tendo e m vista que a mbos estão intrinseca men te re lacionad os. S eria imp ossíve l co mpre ender u m na ausênc ia do ou tro ou mesmo e m oposiç ão ao outro. 1.1 A Relação Soc ia l Capital e o Per íodo Atu al Segundo pre missas marx iana s pode mos traçar o seguin te esque ma de produção do c apita l: FT [ D - D - M … P ... M' - D ' – D '' ] MP No qual “D” é igua l a Dinheiro, o equivalen te ge ral das mercadoria s, “o v alor un ive rsa l e auto sufic ien te de todas as c oisas” 9 e é o que possib ilita a c irculação da s mercad orias. “M” é a Mercado ria, qua l se ja, aquilo que é va lor de troca . “ FT” é a Força d e Tra balh o, que varia segundo “ leis” co mo as que rege m qua lquer ou tra mercad oria. P ara Marx, “a p rocu ra d e ho mens regu la 9 Marx, K. Manuscritos econômico-filofóficos. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 42. necessaria me nte a p rod ução de ho men s co mo de qualque r outra mercadoria. S e a oferta é maio r que a p rocura, en tão parte dos traba lhado res ca i na miséria ou na fo me” 10, assim, e la c arac te riza u ma me rcado ria espe cia l por ser capaz de ge rar valor exceden te. “MP ” são os Me ios de P rodução co mo máqu in as, insu mos, equ ipa me ntos. “P ” é o processo P rodutivo, co mo o pro cesso in dustrial, q ue envo lve os me ios d e produção e a fo rça d e tra balho. “D '” é o Dinhe iro , man tido e a mp liado a pós o proc esso de produção e a rea liz ação do p roduto -mercadoria no co mérc io. Analisando -se o esque ma acima, pode -se co nsta ta r que o c apita l n ão sai d o proc esso co mo e le en trou , po rque sua rea lização reque r se mp re a criaçã o de va lor q ue se va loriza a si p róp rio : O f a t o d e o p ro c e s s o d e p ro d u ç ã o g e r a r c ap i t a l é , p o rt a n t o , ap e n a s o u t ra ma n e i ra d e e xp ri m i r o t e r ge ra d o m a i s va l i a / . . . / A ma i s -v a l i a c o n v e r t e -s e e m c ap i t a l a d i c i o n a l , s e rv e p a r a a f o r ma ç ã o de n o vo c ap i t a l ou de c ap i t a l a c re s c e n t a d o . D e s t a m a n e i ra , o c ap i t a l ge ro u c ap i t a l : n ã o s e r e a l i z o u ap e n a s c o mo c ap i t a l . O p ro c e s s o de a c u mu l a ç ã o e m s i m e s mo n ã o é ma i s q u e u m mo m e n t o i m a n e n t e d o p ro c e s s o 11 c ap i t a l i s t a d e p ro d u ç ã o . O conceito de mais-va lia o rig iná rio do traba lho assa lariado (ou se ja, da re alizaçã o da fo rça de trab alho co mo merca doria) é c e ntra l p ara a co mpre ensão de como funciona a sociedade atua l, tendo e m vista qu e e le possibilita d esvend ar a essênc ia de fe nô menos só cio espac iais que so me nte na apa rênc ia manifesta m-se separa dos (seg regado s sóc io -e spac ia lmen te ), co mo po r 10 11 “O trabalhador tornou-se uma mercadoria e terá muita sorte se encontrar um comprador”. Ibidem, p. 66. Marx, K. Capítulo VI Inédito de O Capital. Resultados do processo de produção imediata. São Paulo: Ed. Moraes, 1973, p. 134. exe mp lo: a acu mula çã o e centra lização de riqueza , as mu dança s de cen tra lidade u rbana e o cre scimen to da pobreza no meio da c lasse traba lhado ra. Tu do isso nu m mesmo mo vimen to de espac ializa ção da s rela ções d e capita l e de grad ual soc ializa ção da vid a hu ma na. O conceito d e mais-va lia ta mb é m n os p ermite chegar a u ma conclusão simple s, con tudo, e xtre ma mente necessária, de que esse s proc esso s n ão existiria m separa da men te. A prod ução de va lor na forma de maisva lia é o que de termina a con figu ração tan to da riqueza quanto da pobre za no modo de produ ção c apitalista. O mecan ismo de sta produção pod e ser p erceb ido n a passage m que segu e ab aixo : Os assalariados re c eb e m pela me r c a d o ri a q u e ve n d e m e n ã o p e l a q u e p ro d u z e m. A s s i m, o s p ro l e t á ri o s , a o p ro d u z i re m a s me rc a d o r i a s , p ro d u z e m nesta forma material, a riqueza para os c ap i t a l i s t a s , p ro d u z e m a p ro p r i e d a d e p ri va d a c ap i t a l i s t a e sua não 12. p ro p ri e d a d e d o s me i o s d e p ro d u ç ã o O grau de desen vo lvimento da relação en tre a classe co mprad ora de força d e trab alho e a c lasse vendedora de força de trab alho apre senta -se nas cara cte rístic as sócio espac iais particulare s que cada lu gar assu me, tanto interna men te à s cida des qu anto na s d ife renças en tre regiõ es nac iona is e inte rnac iona is. In te rna men te, há fenô men os típ ico s de sse tipo de re lação que deixa m marca s no te rritório e m qu e a tua m, to rnando ma is contrastan te a se greg ação en tre o s lug are s. A auto segreg ação bu rguesa e a fa ve lizaçã o, por e xe mplo , são resu ltados d essa re la ção rec íp roca e con traditó ria ao mesmo te mpo. Da vid Harve y susten ta que “ a relação de 12 Aued, I. M. Estratégias e contradições na construção da sociedade Socialista Soviética: socialismo de menos, capitalismo de mais (1917-1929). São Paulo: FFLCH/USP, 1995. (Tese de doutorado) classe en tre cap ital e trabalho é indiscu tive lmen te a rela ção so cia l mais impo rta nte d entro da co mp lexa tece tura da so cied ade burgue sa”, pa ra e le “se m a relaç ão entre cap ita l e traba lh o, exp ressa po r meio da co mpra e vend a d a forç a d e traba lho, não pode ria ha ve r n e m explo ração, ne m luc ro, ne m c ircu laç ão do c apital” 13. Reto mando o no sso esque ma, finalmen te te mos D '', que é o capita l fina nceiro origin ário do processo de produção indu strial e d o co mércio . A passage m de D ' - D '', repre sen ta ju sta men te esse c apita l fin ance iro. Segund o Marx : O d i n h e i ro efetua mo vi m e n t o s p u ra me n t e t é c n i c o s n o p ro c e s s o d e c i rc u l a ç ã o d o c ap i t a l i n d u s t ri a l e / . . . / do c ap i t a l comercial. /.../ Esses mo vi me n t o s – a o s e t o rn a re m f u n ç ã o a u t ô n o m a d e u m c ap i t a l p a rt i c u l a r q u e os executa, c o mo o p e ra ç õ e s p a rt i c u l a re s , e n a d a ma i s a l é m d i s s o – t r a n s f o r ma m e s s e c ap i t a l e m c ap i t a l 14 f i n a n c e i ro . No capita l finance iro , o c apita l n a forma d inhe iro, re ve la -se o in ício e o fim do mo vimento , no que Marx carac teriza co mo “co mércio de dinh eiro”. Ain da segund o o auto r, “há du as funçõe s do d inhe iro : a mo eda nacio nal e o dinhe iro mund ia l” 15. No dinh eiro mund ial, cada moeda loca l se expre ssa u ma na ou tra e a mba s a ind a pode m ser reduz idas a ou tra s me rcadorias g loba lmen te a ceitas, co mo o ouro , a prata ou o pe tróleo , po r exe mp lo. De acordo co m Marx, “o mo vimen to do vo lu me do d inhe iro que circula servindo de me io de co mp ra e me io de paga men to, é dete rminado pe la s me ta mo rfo ses d as merca doria s, pe lo vo lu me e pe la ve locid ade de ssa me ta morfose que, co mo sabe mo s ago ra, é ape nas u m e le men to da tota lida de do 13 14 15 Harvey, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2006, p. 131. Marx, K. O capital. (Crítica da Economia Política). O processo Global de Produção Capitalista, Livro 3, Vol. 5. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1968, p. 363. Ibidem, p. 367. processo de rep rodu ção”. 16 P ortanto, é somente na aparênc ia que o processo de c irculação de cap ital finan ceiro apa rece d esc olado do p roce sso de c ircu laç ão de capita l in dustria l e co mercial. Na produção de mais valia te mos q ue, ao ad ia ntar D, que m o fa z ob té m o mesmo quan tum de d inheiro mais a va riação de sse mesmo dinhe iro ac rescid a, o u seja , faz a seguin te p assage m (D -D '). No tre cho segu in te, Marx fa la sobre p arte da re lação entre a p rodução d e mais-va lia e o capita l financ eiro: É e vi d e n t e q u e a ma s s a d e c ap i t a l d i n h e i ro , q u e o s c o me r c i a n t e s d e d i n h e i ro (b a n q u e i ro s ) m a n i p u l a m, é o c ap i t a l -d i n h e i ro q u e e s t á n a c i rc u l a ç ã o , d o s c ap i t a i s c o me rc i a n t e s e i n d u s t ri a i s , e q u e a s o p e ra ç õ e s q u e re a l i z a m s ã o ap e n a s o p e ra ç õ e s d e s s e s c ap i t a l i s t a s e q u e s e r v e m d e i n t e r me d i á r i o s . Ta mb é m é c l a ro q u e o s e u l u c ro é ap e n a s d e d u ç ã o d a m a i s - va l i a , p o i s s ó l i d a m 17 c o m v a l o re s j á r e a l i z a d o s / . . . / A fase do cap ita lismo fin ance iro con figura o mo men to da maturida de do desen volvimento cap italista, quando há u ma tendê n cia à acu mu laçã o de c rises cíclica s de orige m econô mic o -finance ira, mas n ão so mente dessas. O fenô meno das crise s c íc licas do cap italismo a judam a produz ir ta mbé m o p oder de monopó lio, p or meio do ava nço da c entra liz aç ão do cap ital, aind a mais ve loz nesse s período s, torn ando os fenô menos c ontra ditório s inerente s à circu lação de cap ita l a inda ma is acessíve is à observa ção e mp írica . Retorna re mo s ao te ma da centraliza ção po ste riormente . Voltando ao con ceito d e mais-va lia, co mo vimo s, e le permite co mp reende r a rela ção soc ia l do cap ital no que e la te m de essencial: a acu mu lação e o s p rocessos que 16 17 Marx, K. O capital. (Crítica da Economia Política). O processo Global de Produção Capitalista, Livro 3, Vol. 5. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1968, p. 369. Ibidem, p. 371. decorre m a pa rtir daí, ou seja, nada menos q ue os de ma is mo vimen tos da rep rod ução do cap ital. A categoria maisva lia te m no sa lá rio e no luc ro ele men tos do seu lado aparen te, “esta forma orig ina l de re laç ão su bsiste apena s co mo ap arênc ia da re lação que lhe s se rve de base , da rela ção ca pita lista” 18. Nesse se ntido, Marx co mp le men ta: A p ro d u ç ã o c ap i t a l i s t a n ã o é ap e n a s a p ro d u ç ã o d a r e l a ç ã o ; n a s u a r ep ro d u ç ã o n u ma e s c a l a c a d a ve z ma i o r [ ma i s - v a l i a gl o b a l ] e n a m e s ma m e d i d a e m q u e , c o m o mo d o d e p ro d u ç ã o c ap i t a l i s t a , s e d e s e n vo l v e a f o r ç a p ro d u t i va s o c i a l d o t r ab a l h o [ t rab a l h o social] c re s c e t a mb é m p e ra n t e o o p e r á r i o a r i q u e z a a c u mu l a d a , c o mo ri q u e z a q u e o d o m i n a , c o mo c ap i t a l ; p e ra n t e e l e e xp a n d e -s e o mu n d o d a ri q u e z a c o mo u m mu n d o a l h e i o e q u e o d o mi n a [ a l i e n a ç ã o ] ; e n a me s m a p ro p o r ç ã o , s e d e s e n vo l ve a s u a p o b re z a , a s u a i n d i gê n c i a e a s u a 19 s u j e i ç ã o s u b j e t i va . Sobre a a lienação da ativida de hu mana, Ma rx fala que há dois a spec tos a sere m co nsiderados. De um lado, te mo s a re lação do trab alhado r co m o objeto d o traba lho e, do ou tro, a fo rça de traba lho co mo u ma me rcado ria espec ial, exa ta men te p or ela ser a ún ica c apa z de produz ir mais-va lia. A aliena ção , que te m n a prop rie da de privada o seu funda men to imprescind íve l, no traba lho a ssa lariado o mo to r da sua un iversa lização e no territó rio u sado o pa lco de sua atu ação é, reafirma mos, u m c once ito funda menta l, tendo e m vista que se rve de po nto de c hegad a e tornar-se á, e m segu ida, no vo ponto d e partida para ou tras 18 19 Idem. Capítulo VI Inédito de O Capital. Resultados do processo de produção imediata. São Paulo: Ed. Moraes, 1973 , p. 135. Marx, K. Capítulo VI Inédito de O Capital. Resultados do processo de produção imediata. São Paulo: Ed. Moraes, 1973, p. 135. [colchetes nossos] reflexõe s. O desen vo lvimen to do cap ital tende ao pro c esso de acirra mento de algu ma s con trad içõ es ine ren te s a e le, ma s que ante s esta va m pou co visíve is e que ho je se impõe m, cria ndo no vas fro nte ira s ao livre expre ssão d e ste siste ma. Tais con tradições já e sta va m co locad as de sd e quando o capita l encon tra va -se e m sua fo rma germin al, mesmo que ainda não plena men te desen volvido. Hoje , poré m, quase dois sécu lo s apó s a da ta que Marx ma rca co mo o início da matu ridade do siste ma capitalista (1825 ), ta l fronteira adensa mento de con tra diçõe s - apa rece -nos c ada vez ma is nítida. P ara isso, basta olhar p ara a s cid ad es e m sua s formas, con teúdo s, con figu raçõe s, pa isage ns, etc. O meio urbano é o luga r ond e é possível enco ntrar as re laçõ es de capita l e tod o o seu a para to te cnológic o e m suas formas mais desen volvida s. É ta mbé m o e sp aço onde as contradições produz id as pe lo p róprio siste ma torna m-se mais pe rcep tíveis, despertando a consciênc ia dos habitan tes das cid ades sobre a condição u rb ana na qual estão in serido s. Mas qu e co ntrad ições são essas que, con cen tra das na s cidade s, impõ e m limites possivelmen te intra nsponíveis à realiza ção do cap ita l, à produção da mais-va lia? O processo de produ zir ma is-va lia orig ina -se do processo d e produção, para o qua l são ne cessário s a fo rça de traba lho, os me io s d e traba lho e o s ob je tos de traba lho. Marx nos ensina que “o proce sso de p rodu ção, quando unidade do p roce sso d e traba lho e do p rocesso de produz ir va lo r, é p rocesso de produção de merc adorias; quando unidade d o proc esso d e produz ir ma is va lia, é processo capita lista de p rodução , forma c apita lista de produção de mercad orias” . 20 O me io de traba lho indica a s cond ições socia is, na s qu ais se re aliza o traba lho, “o q ue distingue as dife ren tes épo cas eco nô mic as não é o qu e se faz, mas co mo, co m q ue me ios d e trab alho se fa z /. ../ o processo de 20 Marx, K. O capital. (Crítica da Economia Política). O processo Global de Produção Capitalista, Livro 3, Vol. 5. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1968, p. 222. trab alho , ao ating ir c erto nível de d esen vo lvimento, exig e meio s de traba lho mais elabo rados” 21. O me io de tra balh o se rea liz a na sua funçã o de in termed iado r en tre o proce sso de trabalho e o ob je to de trabalho. Já o obje to de traba lho é a ma té ria -prima d epois de ter experimenta do u ma mo dificação e fe tuada p elo traba lho. Marx sug ere en tende r o traba lho, po r sua v ez, co mo u ma fo rma de exp ressão exclu siva men te hu man a. De aco rdo co m o autor de 'O Capita l', “o p rocesso [de p rodução ] ex tingue -se ao conclu ir-se o produ to. O produto é u m va lo r-de -uso , u m mate rial d a na ture za adaptad o às ne cessid a des hu ma nas atra vés da muda nça d e fo rma ”. 22 Contudo, se , de aco rdo co m Marx, “o va lor de qualque r mercadoria é dete rminado pela quan tida de de tra balho ma teria lizado e m seu valorde -uso , pelo te mpo de trab alho soc ia lmen te necessário a sua produ ção” 23 e, valendo essa reg ra ta mb é m para a mercad oria fo rça d e trabalho, te mos qu e o sa lário – va lo r no mina l a se r p ago p ela co mp ra da fo rça d e traba lho deve exp ressar pe lo menos o su fic ien te para reprodu zir a vida d o traba lhad or que vend e su a mercado ria ao capita lista . Se a forç a de tra balh o não mantivesse e a mplia sse a riquez a d o capita lista não fa ria sen tido se r co mprad a e, assim se n do, não se rea liz aria o proce sso de produção. P ara Marx, “O p rocesso de produz ir va lo r simple smen te dura a té o mo mento e m que o valor da fo rça de traba lho pago p elo cap ita l é substitu ído pe la equiva len te, u ltrap assando esse pon to, o processo de produz ir valo r torn a -se proce sso de p roduz ir ma is valia (valo r exc edente)” 24. Se guindo co m o au to r, e le argu men ta que “o traba lhad or ac rescen ta ao ma te ria l, ao ob je to d e trab alho u m no vo v alor por meio do a crésc imo de dete rminada qu antidad e de traba lho /... / o valor dos me ios 21 22 23 24 Marx, K. O capital. (Crítica da Economia Política). O processo Global de Produção Capitalista, Livro 3, Vol. 5. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1968, p. 204. Ibidem, p. 205. Ibidem, p. 220. Ibidem, p. 220. de produç ão se conse rva atra vé s do p roduto. Ocorre u ma tran sfe rênc ia duran te a tran sfo rmaç ão do s me ios de produção e m produ to” 25. A força de traba lho fa z nexo co m os me ios e o s ob je tos d e traba lho, sendo por meio de la que aconte ce a transferê nc ia de va lor e a p rodu ção de va lo r exceden te: A p a rt e d o c ap i t a l c o n ve rt i d a e m f o r ç a d e t rab a l h o , a o c o n t r á r i o , mu d a d e v a l o r n o p ro c e s s o d e p ro d u ç ã o . R ep ro d u z o p ró p ri o e q u i va l e n t e e , a l é m d i s s o , p ro p o r c i o n a e x c e d e n t e , a ma i s v a l i a , q u e p o d e va ri a r, s e r m a i o r o u me n o r. Es t a p a rt e d o c ap i t a l t r a n s f o r ma -s e c o n t i n u a m e n t e d e ma gn i t u d e c o n s t a n t e e m ma gn i t u d e va ri á ve l . P o r i s s o , c h a mo - a p a rt e va ri á ve l d o c ap i t a l , o u 26 s i mp l e s m e n t e c ap i t a l va ri á v e l . Quando os produto s do processo de p rod ução se confron ta m no mercado, os traba lhos concre tos desapa rece m dando lu gar a u ma forma d e traba lho “e m gera l”, qu e Ma rx de no minou co mo “ traba lho abstra to o u trab alho soc ia l” 27. É esse trabalho abstrato ou social qu e possibilita que os seres hu manos não p rec ise m p roduz ir tudo o que nec essita m para rep roduz ir a sua vida e a de sua fa mília . Tal caracte rística do traba lho p rop orcio na u ma cooperaç ão a mp liada e ntre o s se res hu manos e uma divisã o do traba lho cada ve z maio r, “o que ca rac te riza a divisão do trab alho no se io d a sociedade é o que engendra as espec ialidad es, a s d istintas p rofissões e co m e las o idio tismo de ofíc io” 28. Mas, co mo se forma o va lor de u ma mercad oria para Marx ? P ara o autor, o va lor de u ma 25 26 27 28 Marx, K. O capital. (Crítica da Economia Política). O processo Global de Produção Capitalista, Livro 3, Vol. 5. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1968, p. 224. Ibidem, p. 235. Ibidem, p. 226. Tradução livre do original: “lo que caracteriza la división del trabajo en el seno de las sociedad es que engendra las especialidades, las distintas profesiones, y con ellas el idiotismo de ofício”. Marx, K. Miséria de la filosofia: respuesta a la filosofia de la miséria del señor proudhon. Buenos Aires: Editora Siglo Vinteuno, 1973, p. 127. mercad oria não é o va lor ind ividua l e sim o va lor soc ial, calcu lado segundo o te mpo de traba lho socialmen te exig ido pa ra a sua p rod ução. Até o mo mento , deb ate mo s algun s ele me ntos da co mplexa re lação soc ia l c apita lista e ou tra s a parece rão no decorrer da leitu ra. Tal re lação c onstitu iu -se co mo u m mo do de produ ção e esse me io h istorica men te dete rminado, jun ta mente às no va s nece ssidade s produz ida s pelas p róprias con tradições d o siste ma capita lista, ex ige m cada vez ma is respo stas imed ia tas pa ra os proble mas socia is con te mpo râneo s, co mo a de stru ição do a mb iente natural, o aqu ecimen to globa l e m razão da aç ão hu man a, a subtração do be m-e star so cia l e m qua lq uer me io sobre tudo no meio u rb ano - co m a po lu ição d e toda orde m o caos no trân sito, a vio lênc ia urban a, etc. Esses ele mento s nega tivos presen te s no me io urbano sã o, igua lmen te, fenô meno s soc iais, po is seu s efeitos são percep tíveis ao con ju nto da popu lação , ha vend o algun s que so fre m ma is que ou tro s. Sobre o deba te do sig nificado d as fo rça s produtivas nu m contexto h istorica mente d ete rminado , te mo s e m Ma rx que “ad vé m u ma fase e m qu e su rge m fo rça s produtiva s e meio s de inte rcâ mbio que, no ma rco d as re laçõe s existen tes, causa m so mente ma lefíc ios e n ã o mais forças de produção, mas forças de destruição (máqu ina e dinhe iro )” 29. O autor co mp reend e o ano de 18 25 co mo a data e m que “a indú stria acaba de sair da sua infância , e a pro va disso é te r e la in ic iado, co m a p rime ira c rise mu ndia l ocorrida e m 1 825, o ciclo pe riód ico de sua vid a mo derna ” 30. Segundo ele, a partir da í, a s re laçõe s capita lista s de p roduç ã o não pode m se desen vo lve r sen ão co mo crises: “A partir de 1825, a in ve rsão e a aplicação d e nova s máqu inas nada mais são qu e o re su ltado de u ma guerra en tre operá rios e patrões”. 31 Desde entã o, a luta do ho me m con tra a máq uina ou 29 30 31 Marx, K. & Engels, F. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2008, p.41. Marx, K. O capital - Posfácio da segunda edição, Livro 1, Vol. 1, pág. 11. Idem. Miséria da filosofia. Carta à Pavel Annenkov. São Paulo: Global, 1985, p. 247. do operário c ontra a sua negaç ão insta la -se e permanec e até os dia s a tua is. Apesar d a resistênc ia da c la sse trab alha dora, essa c ontra diç ão não impe diu que o desen vo lvimen to do capita l, ex pre sso no uso da s máquin as, máqu inas-ferra men tas e máqu in a -fe rra men taauto mática rea lizasse u m mo vimen to d e te rritoria lização e mu ndia lizaçã o. Ve ja mo s o exe mp lo da Euro p a de meados do sécu lo XVIII: “as n ações da Euro pa con tin enta l vira mse obrigad as a p assar a o e mprego da s máqu ina s e m face da concorrênc ia que os ingleses lhes faz ia m” 32. De acordo co m Ida le to Aued, “ as nova s tecno logias pode m a mp liar o contingen te hu mano q ue não ma is con segue vende r sua força -de -traba lho, exp lic itando o limite h istórico do assa laria men to” 33. Ou se ja, explic itando a impo ssibilidade de u ma parcela cre scen te de traba lhado res p ro duzirem su a existênc ia po r meio da re lação soc ia l do capita l. As rela ções soc ia is de p ro dução cap italista s são c ontra ditória s co m o a vanço técn ico . Se, po r u m lado, a s ino vaçõe s tecno lóg icas propo rc io na m u m au me nto da p rodutivid ade, da co mposição o rgân ica do cap ita l e d a ma is-va lia , permitindo produz ir maior quan tidade de be ns e m menor te mpo , por ou tro lad o, faz co m qu e nece ssite de u m esfo rço hu mano ca da vez meno r pa ra a sua p rodução. Ou seja , re sulta na d iminu ição do nú mero d e trab alhadores no interior do proce sso d e produção e , co m isso, no au men to das massas de pob res e miserá veis c oncentrados, sobre tudo, nos g rande s centros u rbano s. A segunda grande contrad ição , e m cresc ente evidênc ia tan to no meio urb ano quan to n o me io rural, é a destru ição do a mbien te natu ra l p ro mo vida pela fo rma de se produz ir e se consu mir sob a rac iona lidade do capita l, q ue te m no ho me m e na mu lhe r o se u meio de propag ação. Essa fo rma de de struição do a mb ien te n atu ral, ac elerada 32 Marx, Karl. Miséria da filosofia. Carta à Pavel Annenkov. São Paulo: Global, 1985, p. 247. 33 Aued, I. M. Estratégias e contradições na construção da sociedade Socialista Soviética: socialismo de menos, capitalismo de mais (1917-1929). São Paulo: FFLCH/USP, 1995, p. 307. (Tese de doutorado). co m o ad vento do pe ríodo tec nológ ico atu al, não encon tra preceden te s na h istó ria da hu man idad e. Nos ú ltimo s ano s, parte significativa d a co munidade c ien tífica internac iona l encontra -se en vo lta no debate sobre estudo s recen tes q ue inc lue m os se res hu manos co mo va riá vel determinan te para se co mp reende r as mu dança s climática s 34. Já há algu m te mpo , importan te s pe squisadores de dive rsas áre as do conhecimen to cien tífic o, passa ra m a d efend er a tese de que o so mató rio da s diversas crise s que te mos visto atua lmen te configu ra o que pod e mos co mpreender co mo uma c rise da civiliz açã o capita lista. Independe nte men te de análises c ata stró fic a s, das quais te mos no tíc ias to dos os d ias, sob re tudo nos me ios d e co municação e que a te nde m a in tere sse s be m particu la res, te m c resc ido a nece ssidade histó ric a da soc iedade busca r formas a lterna tivas d e se re lac iona r co m o a mbiente natural, o que imp lica rever a pró pria fo rma que esse s mesmo s sere s hu man os se re lac iona m en tre si. Nesta reflexão , é imp rescind íve l le va r e m con sid era ção o fato de que os sere s hu man o s são o s ún icos sere s vivo s co m capacidade de pensa r, plane ja r, p roduz ir té cn ica, pro je ta r, cria r objeto s, an tes de ag ir “o que d istingue o p ior arquite to da melho r ab elha é que ele fig ura n a sua men te sua con strução an tes de transformá -la e m realidad e” 35. Neste c aso, é po ssíve l encontrar e m Orteg a y Gasse t u ma conve rgênc ia co m o pe nsa men to de Ma rx, qua ndo o mesmo chega à conc lusão d e que so men te o “h ome m” (ser hu mano) é capaz de p roduzir téc nic a e, assim, afirma u ma certa c entra lid ade do “ho me m” e m vista dessas carac terística s. P ara O rteg a y Gasse t os a tos técn ico s e a própria técn ica é u m a to espec ífico do ho me m: “po is be m, êste s são o s a tos té cnico s, e spec ífico s d o ho me m. O conjun to dê les é a técnica , que pode mos, desde logo, defin ir co mo a refo rma que o home m impõe à nature za e m vista da sa tisfação d as sua s nec essidad es”36. É essa 34 35 36 Referimo-nos ao relatório do Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC, 2009. Marx, K. O capital. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, Livro 1, Vol. 1, 1968, p. 202. Ortega y Gasset. Meditação da Técnica. Rio de Janeiro: Livro Ibero-americano, 1963, p. capacidade de ag ir de forma racional que d ife renc ia o s sere s hu man os dos outros an ima is. Fin almen te, re to man do Marx, te mos que “ser rad ica l é segurar tud o pe la raiz. Mas, pa ra o ho me m, a raiz é o próprio ho me m” 37. A transformação da c iência e m fo rça prod utiva, no meio das re laçõe s sociais co mpetitiva s bu rguesas, possibilitou seu e spraia mento a to dos o s luga res do mu ndo, criando u ma nova fase do dese n vo lvimen to d o capita l, no va s té cnic as e u ma no va forma de acu mu lação, co mo meio s do s qua is e le se serve . Este de sen vo lvimen to é visive lmen te con traditório co m o processo d e trab alho no interior do p roce sso de produção, po rque ge ra uma gradu al redução do p rocesso de traba lho no in te rio r do proce sso de produção. Essa contrad ição, entre trab alho vivo e traba lho mo rto, en tre tra balh o p resen te e trab alho p assado é centra l para en tende rmo s o mu ndo de hoje e o se u mo vimen to pa ra o mundo do a man hã. P asse mos ago ra a u ma bre ve cara cte riza ção do perío do h istórico a tua l, no qual va mo s traba lh ar com duas perio diz ações: a primeira , ma is geral e d e inspiração marx ista, de au to ria d o econo mista Eleu té rio P rado e a segunda, propo sta pe lo geó gra fo Milton Santos, mais restrita a os últimos 50 0 anos, n a qu al o au tor dá ênfa se ao desen vo lvimen to técn ico co mo mé todo de elabo ração e carac teriza ção dos pe ríodo s propo stos por ele. Dessa forma, p re tende -se pa ssar u ma bre ve e restrita n oção de qual a b ase ma teria l posta na a tua lid ade, b ase essa que conforma m me ios aos q uais se serve a hu man id ade. De acordo co m a sugestão de P rado, pode mos trab alha r co m a id éia d e três períodos nos dois século s da grande in dústria, que pode m ser in vestigado s e m pa ra le lo ao cre sc imen to das cidades: o prime iro é o período da indústria co mpe titiva -concorrenc ial, o segu ndo é o da indústria mo nopolista e o terce iro é o d a pós-g rande indústria e sua s imp licaçõe s sobre o dese nvo lvimen to 37 14. Marx, K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 53. urbano das me tróp oles. E leu tério P rado rela cion a o s mo men tos do ca pita l c om as fo rma s de libe ralismo e de Estado : R e l a c i o n a -s e o l i b e ra l i s mo c l á s s i c o à s u b s u n ç ã o r e a l (f o r m a l e m a t e ri a l ) d a g ra n d e i n d ú s t ri a c o mp e t i t i va , o l i b e ra l i s mo s o c i a l à s u b s u n ç ã o r e a l (f o r ma l , m a t e r i a l e o rga n i z a c i o n a l ) d a g ra n d e indústria monopolista, e f i n a l me n t e , o n e o l i b e r a l i s mo à s u b s u n ç ã o re a l (f o r m a l , i n t e l e c t u a l e s o c i e t á ri a ) d a p ó s - gr a n d e i n d ú s t ri a . O p ri me i ro mo me n t o e s t á t r a t a d o c o mo mo me n t o d a ap a r ê n c i a , o s e gu n d o c o mo o mo m e n t o d a e s s ê n c i a , e o t e rc e i ro s e r á e n c a r a d o c o mo o mo m e n t o d a i n t e r ve n ç ã o e m q u e a c o n t ra d i ç ã o 38 ap a re c e . O que o auto r c ha ma de pó s-g rande in dústria é o mo men to e m q ue a riqueza, co m o desen vo lvimen to do capita lismo, pa ssa a ser p roduz ida ma is pe lo “ inte lec to gera l”, ou se ja, pe lo s sabere s c ientífico s, pe las ino va ções tecno lóg icas, pe los no vo s me ios técnicos, etc ., e cad a vez menos pelo pro cesso d e traba lho p ropria men te dito. Isso imp lica nu ma transformação extrao rdin ária no modo de acu mu lação de cap ital, que influi d ire ta men te nas formas que o espa ço a ssu me - e spaço s que se torn a m ca da vez mais d inâ micos no de senvo lvimen to e na deg eneraçã o das metrópo les conte mpo râ neas. Em sua ob ra “Espaço e Métod o” 39, Milton Santos ofere ce -no s u ma siste matizaç ão de cinco p eríod os nos quais p oderia m se r divididos o s últimos 50 0 anos: 1) O perío do do co mérc io e m grande esca la (a partir dos fins do 38 Prado, Eleutério. Desmedida do valor: Crítica da pós-grande indústria. São Paulo: Xamã, 2005, p. 120. 39 Santos, M. Espaço e método. São Paulo: Edusp, 2008b, p. 38. século XV até ma is ou meno s 1620 ; 2) O período manufa tu reiro (1620 -1 750); 3) O período d a re vo lução industria l (1750 -1870); 4 ) O período ind ustria l (1 870 1945); e 5) O período técn ico -cie ntífico a tua l ou perío do tecno lóg ico. Concen tre mo -no s nas c arac te rística s do perío do a tua l. O pe río do técn ico cien tífico c omeça co m o fim da Segunda Guerra Mundial, ma s sua a firmação, co m a inc lusão dos pa íse s “su b -desen volvido s”, so mente ocorrerá a partir da dé cada de 1 970, neste período pre v alece o me io que San tos cha ma de “ me io técn ico -c ientífico info rma cion al” 40. Nele, a união entre a té cnic a e a c iênc ia va i se da r sob a égid e do me rcado e o me rcado, g raças exata men te à té cnica e à ciênc ia, torn a -se me rcado globa l. A tecno log ia d a co mun icação ta mbé m va i p ermitir qu e a s ino vaçõ es técn icas q ue fore m apa recen d o jun tas e assoc iada s ta mbé m p ossa m ser prop agada s de fo rma rela tiva mente ace le rada e m seu con jun to. Segundo San tos, “as inova ções são e m g ran de parte uma consequ ênc ia de uma técn ica que a limen ta a si mesma. Essa técn ic a, cu ja rea lização se to rnou rela tiva mente ind epen dente, é cha mada d e pesqu isa” 41. Nesse pe río do, que po de mos correlacionar c om o pe ríodo da pós-g rande in dústria, o in ve stimento e m c iênc ia e tecno log ia to rna -se u ma va riá ve l de finido ra do grau de desen vo lvimen to dos territó rio s nac iona is e de sua inse rção no mundo. Assim sendo, os no vo s objeto s técn icos su rgidos e m meio a esse perío do pudera m conhecer u ma difusão e xtrao rd inária, “o s obje tos técn ico sinfo rma cion ais conhece m u ma difusão ma is ge nera liz ada e mais rá pida do que as preceden te s fa mílias de obje tos. P or outro la do, sua p rese nça, a inda q ue pon tu al, marca a totalidade do e spaço” 42. Dessa forma, torna -se nítida a assoc iação en tre obje to s mode rnos e a tores he ge mônicos. O período tecno lóg ico atua l, que se se rve d o meio técn ico -cie ntífico -in formacio al, p roduz ta mb é m u ma 40 41 42 Santos, M. A natureza do espaço. São Paulo, Edusp, 2008a, p. 238. Santos, M. Espaço e método. São Paulo: Edusp, 2008b, p. 43. Santos, M. A natureza do espaço. São Paulo, Edusp, 2008a, p. 240. acele ração con te mpo râ nea: A o m e s mo t e mp o e m q u e a u me n t a a i mp o rt â n c i a dos capitais f i xo s (e s t r a d a s , p o n t e s , s i l o s , t e r ra a r a d a , etc.) e dos c ap i t a i s constantes ( ma q u i n á r i o , ve í c u l o s , s e me n t e s e s p e c i a l i z a d a s , f e rt i l i z a n t e s , p e s t i c i d a s , e t c . ) a u me n t a t a mb é m a n e c e s s i d a d e d o mo vi me n t o , c re s c e n d o o n ú me ro e a i mp o rt â n c i a dos f l u xo s , t a mb é m f i n a n c e i ro s , e d a n d o u m re l e vo e s p e c i a l 43 à vi d a d a s re l a ç õ e s . Nesse período atu al, o s no vos me ios de co mu nicaçã o te m u m p apel funda me nta l, pois é por meio deles qu e “o perío do a fe ta a hu ma nidade in te ira e to das as áre as d a terra. Espaço s que escapa m te mpora ria men te às forças do mina nte s são raro s nesta fase d a h istó ria” 44. Outra carac terística importan te do p eríodo atual é o papel das e mpre sas mu ltina cion a is impondo -se e m to d o o mundo, segundo San tos, “ as grand es co rporações sã o, freqüe nte men te, mais podero sas qu e os Estado s. O conjun to de c ondições carac te rística s do pe ríodo o fere ce às grande s e mp resa s um po der que an te s não se podia imag ina r” 45. Santos de fende que há u ma d ife rença ma rcan te entre os períodos 1, 2 , 3, 4, e o quinto período. P ara ele, ne sse último pe ríodo, to d os o s e spaço s são alcançado s imed ia ta mente por u m certo nú mero de mo dernizaçõe s, esse se ria o fa to r mais impo rta nte na h istória d o mundo atua l e na h istória dos países la tino -a meric anos. As carac terística s da in stan tane idade e un iversalidade na propagaç ão de certa s moderniz ações de sman te la a organ izaç ão do e spaço ante rio r. Fa lando de ou tra forma, é co mo se o s espaço s a tingidos po r ino va ções “induz idas” ou por in o vaçõ es “transfe rida s” estivesse m 43 44 45 Santos, M. A natureza do espaço. São Paulo, Edusp, 2008a, p. 240. Ibidem, p. 44. Ibidem, p. 44 e 45. obrig ato ria men te e m c onta to e lig adas por la ços c ada vez mais forte s. Segundo S antos, o fato dos espa ç os não sere m alcanç ados ig ualmen te por todas as mod ern izações induz ao c rité rio de d ife ren ciação en tre o s paíse s. P oré m, a difu são de ino vaçõe s ta mbé m seria re sp onsá ve l p or notá ve is d ife rença s de ntro de cada pa ís, co m a c riação de pólos interno s. O fato dessas ino vaçõ es já existirem e m alguns luga res espec íficos to rna esses e spaços mais propício s a re cebe re m outra s mod ern izaçõ es, o que criaria lugares privilegia dos c om u ma te ndênc ia con centradora e centralizad ora, tanto do pon to de vista populac ional quanto co m re lação à c oncentração de ob je tos técn icos. 1.2 Apontamento s urbano teó ric os para o e studo do meio O conceito de espa ço a ssu mido ne sta p esqu isa é o do espaço geográfico que nos foi propo sto po r Milton Santos e que é “ formado por u m con jun to ind issociá vel, so lid ário e ta mb é m con traditó rio de siste ma de ob je tos e siste ma de ações, n ão con sid erado s isolada men te, ma s co mo o quad ro único e m qu e a h istó ria se d á”. 46 Santo s e o utros lançara m no ano 2000 o Ma nifesto “O pape l a tivo da Geografia” e, por me io d esse Man ife sto, vá rios pe squ isado re s expusera m uma posiçã o e m re la ção à co mpreensão d o obje to d o ca mpo disc iplina r g eográfico , qu al se ja , o espaç o geográ fico . P ara e les, é pre ciso co mpree nd er o e spaço geográ fico “não co mo sinônimo d e territó rio, mas de territó rio usado ; este é resultado do p rocesso histórico quanto a base mate ria l e soc ia l da s n ova s ações hu manas” 47. O conceito de te rritório u sado ressalta o cará ter so cia l e h istórico do esp aço e, por isso, “o territó rio usado c onstitui-se co mo u m c o mp lexo onde se 46 47 Santos, M. A natureza do espaço. São Paulo, Edusp, 2008a, p. 63. “/.../ espaço geográfico não como sinônimo de território, mas como território usado; este é resultado do processo histórico quanto da base material e social das novas ações humanas”. Santos, M. At all Manifesto – O papel ativo da geografia. In XII Encontro Nacional de Geógrafos, Florianópolis, 2000, p.1. tece u ma tra ma d e re la ções co mple men ta res e conflitan tes. Daí o vigor do conceito, con vidando a pensar processua lmen te a s relações e sta belecid as en tre o luga r, a formação soc ioespa cia l e o mun do” 48. Outro conce ito intere ssan te que fo i ex posto no Man ifesto é o de “espaço banal” , que, segundo os au tore s, ob rig a o p esquisado r a le va r e m con ta todo s os ele men tos e a perc eber a inte rrela ção en tre os fenô menos. O au tor resu me o conce ito de espaço ba nal co mo “o espaço de tod os, todo o espaço /. ../ espaço de toda s a d imensõe s do acon tec er da to talidad e socia l”, 49 totalidade essa na qual de sta care mo s d imen sões particu la res co m a fina lid ade única de aná lise , ou seja , de deco mposiçã o do objeto, mas se m pe rder d e vista que a s partes isolad as in vestigadas fora do nexo s c om a s de ma is partes que co mpõe m o “todo” não faze m sen tido sozinh as. Nenhuma d imen são d a vida soc ia l é possíve l de ser co mpre endid a iso lada mente. Os auto res do Man ife sto destac a m ta mbé m a partic ipaçã o dos “ ato res” no territó rio . Segu ndo ele s, o s “ato res h ege mô nico s” pra tic a m u m u so co rpora tivo do territó rio , “pa ra o s a tores hege mônicos o te rritório usado é um re curso, ga ran tia de rea lizaçã o de se us in te resses particu la res” 50, já o s “ato res hege mon iza dos tê m o territó rio co mo a brigo, bu scando consta nte me nte se adapta r ao me io g eográ fico lo cal, ao mesmo te mp o e m que recria m e stra tégias qu e garanta m sua sob re vivênc ia nos lugares. É nesse jogo dia lético que pod e mos recuperar a totalidade ”. 51 P assando ao deba te so bre a questão do urba no e da cidade , u ma d istin ção imp ortan te a se r feita é co m rela ção ao que se co mp reen de por “u rbano” e ao que se co mpre ende por “c idad e”. O prime iro te rmo é tido como rela ção soc ial, ab straç ão, o g era l, o ex te rno, enquan to o 48 49 50 51 Santos, M. at all Manifesto – O papel ativo da geografia. In XII Encontro Nacional de Geógrafos, Florianópolis, 2000, p. 3. Ibidem, p. 2. Ibidem, p. 12. Ibidem, p. 13. segundo é co mp reend ido co mo transformaçã o do espa ço concre to, o espec ífico 52. Entre as possíveis h istórias d o urbano estaria m a h istó ria da s a tividades que na c idade se realiza m: do e mprego , das c lasses, da coop eração, etc. Entre as h istória s d a cidade ex istiria m a história dos tran sporte s, a h istória da propried ade, da esp eculaç ão, da habitação, do u rban ismo, da cen tralidad e, den tre outra s. Quantas h istórias seria m sufic ien tes pa ra se e xplicar o atua l grau d e co mplex idade e m que se encontra a configuraç ão territoria l de u ma metrópo le co mo Fo rtale za? Com Milton San tos, ap rende mo s que “a coerê ncia in terna da con strução teó rica dep ende do grau de repre sen tatividade dos ele mentos an alítico s ante o objeto estud ado”, 53 por isso n o segundo capítu lo d essa dissertação va mos con tar a lgu ma s dessas histó rias. Aqu i, o que nos intere ssa é conce ituar tal con fig uraç ão te rritoria l para realiza rmo s u ma leitu ra ma is rigoro sa do con ceito que irá nos no rte ar na segu nda parte desse trab alho. Milton Santos, mais u ma vez, no s propo rc iona u ma noç ão conceitua l sobre a qua l pode mo s partir: N o c o me ç o d a h i s t ó ri a d o h o me m, a c o n f i gu ra ç ã o t e r ri t o ri a l é s i mp l e s me n t e o c o n j u n t o d o s c o mp l e x o s n a t u ra i s . À me d i d a q u e a h i s t ó ri a va i s e f a z e n d o , a c o n f i gu ra ç ã o t e r r i t o r i a l é d a d a p e l a o b ra d o s h o m e n s : e s t ra d a s , p l a n t a ç õ e s , casas, d ep ó s i t o s , portos, f áb ri c a s , c i d a d e s e t c ; v e rd a d e i r a s p ró t e s e s . C ri a s e u ma c o n f i gu r a ç ã o t e rr i t o ri a l q u e é c a d a v e z m a i s o re s u l t a d o d e u m a p ro d u ç ã o h i s t ó ri c a e t e n d e a u ma negação da natureza natural, s u b s t i t u i n d o -a por u ma n a t u re z a 54 i n t e i r a m e n t e h u ma n i z a d a . 52 Santos, M. Técnica – Espaço – Tempo. Globalização e meio técnico-científico Informacional. São Paulo: Hucitec, 1996. p. 68. Santos, M. A natureza do espaço. São Paulo: Edusp, 2008a, p. 23. 54 Ibidem, p. 62. 53 A partir de sse entend imen to, va mos assu mir co mo postu ra metodo lóg ica desta pesqu isa a “possib ilidade de trab alha r co m u m ou tro par de ca tego ria s: d e u m lado , a configuraç ão te rritoria l e, de outro , as re laçõ e s sociais” 55. As relaç ões so cia is (cap ita listas) sob re a s quais se desen vo lve a con figu ração territo ria l de Fo rta lez , já conhece mo s, re sta -no s visita r o e spec ífico, ou se ja, a configuraç ão te rritoria l da me trópole de Forta leza e m sua evo luçã o re cente, a s princ ipais h istória s e pa rtic ula ridades que re sulta ra m n o mod ela mento dessa con figu ração. Conside ra -se ta mbé m que as configuraçõe s territo ria is assu midas pela s c idade s tê m se mp re u ma explicação socia l que a s justifica. Isso quer d izer que ela s não ocorre m p or mero acaso, ao con trá rio, estão se mpre rela cion adas co m certas funçõe s e a tende m a uma dada estrutura à qua l e stão subord inada s. Dia letic a mente, ela s ta mbé m in flu encia m o co mpo rta men to dessa e stru tura, nu m pe rmane nte pro ce sso qu e imp lic a e m transfo rmaç ão loca l e glob al, re cípro ca e permanen te men te . A configuraç ão territoria l atua l da cid ade de Fo rtaleza será o te ma de aná lise no segundo c apítu lo, no qual se consid era rá su as d ime nsões de expan são e degenera ção urbanas. Os debate s sobre as ce ntra lidade s urban as, be m c o mo sobre a seg regaç ão sócio -espac ia l pod e m ser inse rido s dentro do d eba te sobre a con figuraç ão territoria l, co mo uma forma de qua lifica r esse d eba te. As cen tralidades são co mpre endid as aqui co mo os espaços ma is d inâ mico s do ponto d e vista sócio -econô mico , que se expre ssa m, sobre tudo, pe la va lorizaç ão de sse s e spaços que concentra m co mé rc ios, serviço s, infra -e stru tura, fazendo co m que e les se ja m ob jeto d e cob iça da s c lasses mais ric as e servindo ta mbé m co mo esp aços de co man do. Segundo Henri Lefeb vre , “se rá difíc il para os de fenso res d a 55 Santos, M. A natureza do espaço. São Paulo: Edusp, 2008a, p. 62. socie dade urb ana e m formaçã o e vita r a mb igü idade, abrir uma via d a qua l n ão se possa de svia r. To me mos a q uestão do cen tro e da cen tralidade. Não e xiste cidade , ne m realidad e urb ana, se m u m cen tro” 56. Segundo Milton Santo s, olhando pa ra a e vo lu ção das cidade s, pode -se o bse rva r u ma tend ência à p adron ização : “co m d iferen ça de gra u e de in ten sid ade, tod as a s cidade s brasileiras e xibe m p roble má ticas pa rec ida s” e “se u ta man ho, tipo de a tividade, reg ião e m qu e se in sere e tc. são e le men tos de d iferenc iação , ma s, e m todas ela s, proble ma s co muns re ve la m en ormes ca rên cias”, alé m disso, “quan to maio r a cidade, ma is visíve l se torna m as maze las” 57. Um do s te mas ma is e studado s na c idade e q ue to rna essa qu estão muito visíve l é o prob le ma da segre gação sócio -espac ial. A seg regação pode se r p erceb ida d e diversas formas. Nu m e vento realiza do pela Re vista Espaço e Deba te e m 20 04 58 hou ve u m mo me nto que reun iu vá rio s pe squ isado res para deba ter o conceito de segreg ação, exp licitand o -se a d ive rsidade de c ompreen sõe s sobre o te ma. Nesse e ven to, Harold o Torres de fende u q ue a segreg ação p ode ser “ dada pe lo g rau d e sep aração entre grupos soc iais, ba sic a mente a sep araç ão re sidencia l en tre os grupo s so cia is /. ../ e medir a segregação de acordo c o m o reco rte rac ial, po r ex e mplo ”. Já Suz ana P astenak d iz qu e “a segregação é u ma tendência de ag rupa men to no espaço de grupo s soc ia is h o mo gêneos. A segregação seria també m resu ltado de u ma de sig ualdade so cioe spac ia l, expressando se na o rgan izaç ão do território”. Lúc io Kowa rick ressa lta a impo rtância da “e vita ção” que há en tre pessoa s de classes so cia is d ife re ntes, segundo ele, “e m rela ção à segreg ação, con sid ero que atua lmen te há um e le men to essenc ia l qu e é o pro ce sso da s pe ssoa s e vitare m ou tra s que 56 57 58 Lefebvre, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte: Edufmg, 2008, p. 90. Santos, M. A Urbanização brasileira. São Paulo: Edusp, 2008c, p. 105. Sposati, Aldaíza; Torres, Haroldo; Pasternak, Suzana; Villaça, Flávio. Espaço e Debate: revista de estudos regionais e urbanos. São Paulo. V. 24 n. 45, jan/jul 2004. págs. 87-109. são vistas co mo d iferente delas. /... / É o processo d e evitação soc ia l que cria formas de d istanc ia men to, iso la mento , que são extre ma men te impo rtan te s pa ra separa r ou seg rega r u m grupo do outro, princ ipalme nte o s abastados d os pob res” . De acordo co m Ada íz a Sposa ti, “a segreg ação é coerc itiva, volu ntá ria e de fe nsiva , neste caso, princ ipa lmen te para a riqueza . /.. ./ a análise de territó rio s urban os, a p artir do con ceito de se gregação , me parece que chega a u ma aná lise p arc ia l do p róprio mo vimen to e da he te rogene idade te rrito rial”. Todas a s passage ns ac ima são repre sentativa s de dete rminada s formas de ver a seg regação sóc io -espac ia l. Co mo já explicita mos na p rime ira pa rte do cap ítu lo, entendemos que para se apreende r o “segred o da seg regaç ã o”, mais que afirma r que se tra ta de u ma “ sepa ração en tre a rique za e a pobreza” , fa z -se nece ssário ve rificar o que há por trá s desse sepa ração, neste caso, o conce ito de ma is valia n os é mu ito va lioso pa ra ta l tarefa. No fundo, o conceito de segreg ação a se r adota do depende rá mu ito da in tenção do pesquisado r, pois, con forme a firmaç ão de Fl ávio Villaça , “o conce ito d e seg rega ção varia con forme a fina lidade da pesquisa, e esta está, por sua vez, articulad a co m e ssa s questõ es d e exp licação, constatação e med ição ”. 1.3 A econo mia política d o urbano e da cidad e Antes d e tudo, é ne ce ssário re sga tar u m po uco do sentido o rigin al da ch a mada Econo mia P olític a, disciplina sob a qua l a cha mad a “eco no mia polític a da cidade” esta ria vincu lada. Segundo P edro Figue ira, o te rmo ec ono mia política aparece , pe la p rime ira vez , co mo títu lo de u ma obra datada de 1615, ch a mada “Tra icté d e I'O econo mie P olítique” 59. O autor id entifica os pen sadore s eco no mistas clássicos co mo a “ vangua rda de u m p eríod o h istórico /. .. /, nova s forç as 59 Figueira, Pedro de A. Economistas políticos. O significado histórico da economia política. São Paulo: Musa Editora, 2001, p. 18. que surg e m pre cisa me n te da impossib ilidad e d a c ivilização medie val con tinua r a encontrar soluç ões den tro dos seus quadros institu cion ais para questõe s que exig ia m u ma to mad a de p osição rad ica l” 60. Quando a socie dade fe udal entra e m crise, ta mbé m e ntra e m c rise o modo co mo os sere s hu mano s produz ia m sua ex istênc ia naq uele pe ríodo histórico, assim co mo as te orias qu e susten ta va m aque le mo do de produção, c omo, por exe mp lo, a teoria qu e afirma va que a existênc ia hu mana ad vin ha de u ma “von tad e divina ”. O amadure cimen to da econo mia po lítica acon tece e m contraposição à soc ie dade feud al. Segundo Figue ira , a econo mia po lítica n asc eu para : / . . . / f a l a r a l i n gu a g e m d a q u e l e s s e t o r e s sociais que se sentem sufocados pela t e i a d e r e gu l a m e n t a ç õ e s q u e t o d a s o c i e d a d e e m c ri s e t e r mi n a l i n v e n t a p a r a p ro l o n g a r s e u s d i a s . E m t o rn o d e s s e s i n t e re s s e s v ã o s e o rg a n i z a n d o todos aqueles cuja existência vê ameaçadas pelas antigas instituições. A c i ê n c i a q u e n a s c e é , p o rt a n t o , f i l h a 61 d e s s e e mb a t e . A econo mia polític a desen vo lve -se a pa rtir da necessidad e do “no vo ho me m” (n os te rmo s do au tor) de dize r o qu e e le é , ne gando o qu e ex istiu a nterio rmen te, “Este no vo ho me m se nte a ne cessida de u rgen te e imperio sa de dize r o qu e é e m contraposição ao ho me m que não consegue mais rep rodu zir sua existência” 62. É assim que nasce a no va ciênc ia, a econo mia po lítica : co mo u ma to mad a d e co nsc iênc ia da no va c lasse que esta va su rg indo , a cla sse b urguesa , da mesma fo rma co mo Ma rx, Enge ls e a crítica da econo mia po lítica acab ara m rep resentando u ma 60 61 62 Figueira, Pedro de A. Economistas políticos. O significado histórico da economia política. São Paulo: Musa Editora, 2001, p. 11. Ibidem, p. 13. Ibidem, p. 16 parte impo rtante da to mad a de con sc iênc ia da c lasse trab alha dora. A econo mia p olític a nasceu da ne cessid ade de afirma ção d a c lasse b urgue sa e de fende o trabalho co mo princ íp io p rimeiro da p rodução da vida ind ivid ual e social, “le van ta -se a voz de u ma classe para o qua l todo home m te m u ma capac idade e m seu próp rio corpo, o trabalho, que lhe permite produ zir su a próp ria vida” 63. E is o funda men to da sociedade bu rgue sa. P ara a econo mia po lítica, todas a s formas de ex istênc ia hu mana p ro vê m do trab alho. Toda ativid ade p rodutiva, inc lu sive o traba lho, era entend ida pe la aristocrac ia co mo a lgo con trá rio à existênc ia e à vida , o que, segundo Figue ira, represen ta va uma cla ra con fusão de su a p róp ria ex istê ncia co m a existênc ia gera l de tod os os in divíduo s. Assen tada no cu lto ao traba lho que assu me u m no vo lug ar na vida soc ia l, o ponto de pa rtida da n ova c iênc ia pa ssou a ser as c lasses socia is. Ma is qu e isso, são a s classes na scidas co m a s nova s c ircunstânc ias histó ric as e a su a oposiç ão às velha s classes que con stitue m a soc iedade feud al: /.../ somente na medida em que esta oposição vai se classificando e se t o rn a n d o a q u e s t ã o f u n d a m e n t a l d e s s e p e rí o d o h i s t ó ri c o é q u e s e l e v a n t a o c l a mo r p o r u m a n o v a o rd e m n a s re l a ç õ e s s o c i a i s e c o me ç a a s u rgi r u m n o vo c o rp o t e ó ri c o d i ve r s o d a q u e l e q u e p re d o mi n a até então. É o que c o n h e c e mo s p ro p ri a m e n t e p o r e c o n o m i a 64 política . Tudo passa a se r ca lc ulado e m termos d e trabalho. Como Locke 65 define a propriedad e? “Em opo sição ao qu e 63 64 65 Figueira, Pedro de A. Economistas políticos. O significado histórico da economia política. São Paulo: Musa Editora, 2001, p. 16. Ibidem, p. 18. Jon Locke (Wringtown, 29 de agosto de 1632 – Harlow, 28 de outubro de 1704) foi um filósofo inglês e ideólogo do liberalismo, sendo considerado o pincipal representante do diz ia a nobre za, que a propriedad e era u ma dádiva de Deus, ele d irá que to d o ho me m te m a p ropriedade e m seu próprio c orpo e que pe lo traba lho e le to rna o q ue é co mu m e propriedade sua”, afirma Fig ueira 66. Ben ja min Fra nklin, persona ge m rep resen tativo do Ilu minismo , define o co mérc io co mo troca d e trab alho p or traba lh o, ou seja, a medid a do qu e se troca é o próp rio traba lho. É desse me io que su rg e a econo mia po lítica. Mas, se o trab alho to rna -se medid a de troca e to dos os se res hu manos são de ten tores de fo rça de traba lho, pode -se supor que estão co locadas as cond içõe s para u ma socia lizaçã o extraordin ária , co mo ja ma is h a via sido vista ante rio rmen te. O no vo nexo soc ial-cap ital forta lec ia -se, mas não se m a resistê ncia dec aden te das re lações socia is (e da s c lasses) que p re do mina va m até então. “Dá-me o qu e tens e te rás o q ue precisas”, esse era o le ma do cap ita lismo e mergente. O sign ifica do único de toda e qua lque r prop osta . “Não é a boa von tade do açougue iro, do ce rve jeiro e do pa deiro qu e depende o nosso jan ta r, ma s da vo ntade do in tere sse d ele s” 67, ou seja, é ju sta men te o inte re sse particu lar de c ada u m que c ausa a interdep endênc ia de todas as pe ssoa s no c onjun to. “O egoísmo, diz Ada m S mith, as un e indisso lu ve lme nte e a s torna , por isso, e le mentos n ecessaria mente socia is. Os ho mens ago ra são un id os pe lo co mé rc io”. S e todos detê m trab alho e ne ste está a orig e m da riqueza no capitalismo, então, todos os se re s h umanos são igua is nesse quesito. A lib erdad e e a igua ldad e fo rma is são dois p ilares sob os quais se e rgu e m o s fu nda men tos na no va so ciedad e. Já a ve lha sociedade e ra funda men tada na d esig ualdade e na justificação d ivina d a me sma. Os econo mistas po líticos serão aqu ele s que irão faz er o co mb ate ideológic o 66 67 empirismo britânico e um dos principais teóricos do contrato social. (Fonte: Wikepédia, a eniclopédia livre. wikipedia.org Acesso em: 25 de fevereiro de 2011.) Figueira, Pedro de A. Economistas políticos. O significado histórico da economia política. São Paulo: Musa Editora, 2001, p. 18. Smith, Adam. Esboço primitivo de parte de A Riqueza das Nações, p. 48 e 49. Apud Figueira, Pedro de A. Economistas políticos. p. 13 e 21. (vale para todas as passagens do parágrafo, o autor não indica editora e ano da obra de Smith). necessário à d o minação da c lasse bu rgue sa. A partir do mo men to e m que a bu rguesia con quista o poder político n a Fran ça e na Ing la te rra, a lu ta de cla sse s passa a u ma no va fase . O níve l de con sc iênc ia de c lasses ta mbé m vai se defin indo aos pouco s e se expre ssa de forma desigua l no s d iverso s pa íse s. Ana lise mos a seguinte passage m de Marx : Q u a n d o o mo d o d e p ro d u ç ã o c ap i t a l i s t a a t i n gi u a m a t u ri d a d e n a A l e ma n h a , j á t i n h a ru mo ro s a m e n t e re v e l a d o a n t e s , n a Fr a n ç a e n a In gl a t e r ra , a t r a v é s d e l u t a s h i s t ó r i c a s , s e u c a rá t e r a n t a gô n i c o , e o p ro l e t a ri a d o a l e m ã o j á p o s s u í a u ma c o n s c i ê n c i a d e c l a s s e m a i s p ro n u n c i a d a q u e a b u rgu e s i a a l e mã . P o r i s s o , q u a n d o p a r e c i a p o s s í v e l , n a A l e ma n h a , u ma c i ê n c i a b u rgu e s a d a e c o n o mi a p o l í t i c a , 68 t o rn a -s e i mp o s s í v e l . Com a teoria d a d ivisão do traba lho , u m c onceito típ ico da econo mia po lítica, e les (e cono mistas po lítico s) ten ta de monstrar que o au men to da p rodu tividade le va a um au men to dos sa lários e a u ma d iminu içã o dos preços das me rcado rias. Tra ta -se de u m con ceito que foi utiliza do para exp licar u ma série de fenô meno s sóc io -espa cia is e econô micos, in clu sive no pla no inte rnac io nal - co m a teoria d a d ivisão in ternaciona l do traba lho u tilizada p or Adam S mith. Contudo, a no va con figuração do capita lismo, sobre tu do no que diz respe ito às carac terística s do período atua l, prod uz u ma série que questiona men tos que p esa m sob re qua lque r teoria que se baseie ac ritica mente na centra lida de do traba lho. Não se tra ta de afirma r o “fim do traba lho”, mas, ao mesmo te mp o, se tra ta disso. Exp lico. Se n ã o é possíve l ainda afirmar o fim do trab alho para u ma le itu ra do te mpo presen te, no mín imo , é nece ssá rio re conh ecer qu e o 68 Marx, Karl. Pós-fácil da 2ª edição de O Capital. São Paulo: Civilização brasileira, 1968, p. 12. trab alho con te mp orâne o, pre sen te e nec essá rio, tende a se torna r cada ve z ma is reduzido na p rodução d a vida soc ia l. Mas isso tu do é o cen ário que se apon ta para o fu tu ro e cujos ele men tos são e ncontrados no p resen te . O que e stá colocad o co mo p oten cia l, assim está , ob via men te , por ainda não se r. O po tencia l depende de u ma série de pressupostos, podend o inc lusive nu nca c hegar a se manifesta r de fato . À ciênc ia nã o cabe p re ve r o fu turo e ne m a pontar so luçõe s in fa líveis e de te rministas, mas descobrir, a partir da ma teria lid ade, qu ais são a s tendênc ia s histó ricas, socia is e espac ia is qu e poderão se confirmar ou não. P ara se tra balh ar so bre a mate rialidad e do mun do atua l, há d e se le va r e m conside ração que a socie dade do traba lho (e do capita l), na rea lid ade histó ric a atua l, não foi sup erad a de fa to, a pesa r da s ca racterísticas do pre sente possib ilite m fa la r dessa superaçã o. Mas, se o siste ma cap italista é assen tado no “ mundo do traba lho”, enqu anto esse siste ma permanece r hege môn ico pe rmanec erá ta mb é m a cen tralidade do trab alho e, mais precisa mente, da força de trabalho co mo mercad oria, c o mo ob je to de co mpra e venda . Realizado esse peq ueno preâ mbu lo so bre o sign ificado h istó rico d a econo mia po lítica, pa rtimos agora para o d eba te so bre bases do que alg uns au tore s brasileiros, co mo o ge ógrafo Milton Santos, cha ma m d e “econo mia po lítica da cidade ” ou o que o eco no mista P aul Singer ch a ma de “ec ono mia po lítica da u rbanização” . Analisando o co njun to de sua obra, considera mo s q ue Santos n ão pode ser c lassificado simp le smen te co mo u m autor de den tro do c a mpo disc iplina r da econo mia política. Contudo, o pen sado r dedicou a lgu ma s de suas ob ras ao diá logo co m o s e cono mista s po líticos, e m espec ial na s obras “Metrópo le corp orativa frag men tada”, de 1990; “P or uma ec ono mia p olítica da cid ade”, de 1994; e “A urban ização bra sile ira ” , de 1993 69. Essas obras de ve m se r situada s n o te mp o e m qu e 69 Datas das de lançamento das primeiras edições das obras. fora m e scritas. Nos ú ltimo s e sc ritos de sua tra jetória - qu e te m exp lic ita men te o c a mpo me todo lóg ico dialé tic o co mo refe rênc ia - Milton Santos suge re ou tros ca minhos a trilha r, sobretudo nos seus livros, “A natu reza do e spaço” , cuja ú ltima ed içã o re visada por e le da ta do a no de 2008 e “P or uma outra g loba lização”, do ano de 200 7, e m que o autor sug ere a e me rgên cia d e u m período de mográfico (ou popula r) d a h istória, ob ras nas qua is ele le vanta proble má ticas que nos ajuda m a pe nsa r u ma g eografia so b uma pe rcepção dialé tic a. Uma das p rinc ipa is características da cidade capita lista é o ca rá ter privado da p ropried a de da te rra , cuja lóg ica da valo rização pa rece aco mpan har u ma lei suposta me nte se m limite s “a te rra urban a, dividida e m lotes ou n ão apare ce c omo p ro me ssa de lucro no fu turo , espera nça justificada pela ex istênc ia d e de manda cresc ente ” 70. A concentra ção popu lacional nas c idades le va a u ma ma io r pre ssão socia l por u ma u tilizaçã o rac ional do espaço, mas, po r ou tro lado : H a ve n d o especulação, há c ri a ç ã o me r c a n t i l d a e s c a s s e z e a t e n u a -s e o p ro b l e m a d o a c e s s o a t e r ra e à h ab i t a ç ã o . M a s o d é f i c i t d e r e s i d ê n c i a s t a mb é m l e va à e s p e c u l a ç ã o , e o s d o i s juntos conduzem à periferização da p o p u l a ç ã o ma i s p o b re e , d e n o vo , a o 71 a u m e n t o d o t a ma n h o u rb a n o . Outra cara cte rística da cid ade c apita lista é o pape l dese mpe nhado pe la in stitu ição Estado na p rodução do espaço, se ja a tra vés do s planeja men tos ou na alocação de recursos púb licos qu e, historica men te, sã o utilizado s co m fina lidade de acu mu laç ão privada de cap ital e m de trime nto da aprop riação soc ia l: “o cap ita lismo mono po lista agra va a dife renc iaçã o quan to à dotaçã o de recursos, uma vez q ue 70 71 Santos, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo: Edusp, 2008c, p. 107. Ibidem, p. 108. parce las cad a vez ma io res de re ceita púb lica se dirige m à cidade econô mic a e m d etrimento da c idade soc ial” 72. P ara P aul Singe r, “a propriedad e do solo , a qual – por isso e só p or isso – prop orc iona re nda e, e m consequên cia é a sse melha da ao cap ital” , contudo, “o ‘cap ita l’ imob iliá rio n ão entra ne sse p roce sso, na med ida e m que o e spaço é a penas u ma cond ição necessária à realiza ção de qu alqu e r atividade, portan to ta mbé m da produção, ma s não con stitu i e m si u m me io de produçã o” 73. De fato a soc ializa ção da te rra, e m si, n ão redundaria na supera ção da s rela ções capita lista s. Essa e ra, p or exe mplo , uma po siç ão de fend ida por e cono mistas libe rais clá ssico s, co mo Ada m S mith e D avid Rica rdo. U ma soc ializa ção da terra u rbana poderia le va r, por exe mplo, a u ma diminu ição do custo de reprodução da fo rça de traba lho n ão alte rando, contudo, a e stru tura do siste ma capita lista. Ainda segundo o auto r, “no rma lmente, o salário cob re o custo da reprodu ção da fo rça -de -traba lho, inc lu sive o custo de ocupar u m seguimen to do esp aço. No Bra sil, há u ma tendênc ia c resc ente de o Estado su bsidia r a re produção da força -de -traba lho a travé s de planos d e habitação popula r” 74. Isso ocorre de fo rma siste má tic a no Brasil desde a criaçã o do Ban co Naciona l d e Habitaç ão, o fa mo so BNH, criado pe lo go ve rno milita r, assim co mo, é u m mecan ismo u tilizado conte mporan ea men te p elo go verno federal, e o P rogra ma Minha Casa Minh a Vid a é o exemplo mais recen te dessa po lítica. Va le destaca r a inda que o mesmo foi c ria do c o mo forma de faze r frente à crise finan ceira qu e e me rgiu e m de ze mb ro de 2 0 07 e ta mbé m para a tend er às d e man das da s g randes e mp reiteiras, que vira m seu cap ital cre scer após a abe rtu ra ao me rcado finan ceiro mas que logo após enco ntrara m-se e m u ma queda vertigino sa co m risco de fa lênc ia de diversas 72 Santos, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo: Edusp, 2008c, p. 107. Singer, Paul. O uso do solo urbano na economia capitalista. In: Maricato, Hermínia. A produção capitalista da Casa (e da cidade) no Brasil industrial. São Paulo: Editora Alfa e Ômega, 1982, p. 21. 74 Ibidem, p. 28. 73 e mpre sas. S egundo Ga brie l Bolaffi, “a saída mais eficaz para crises con jun tura s, diga mo s, ‘c lá ssicas’, ao contrário do corte da s de spesa s g ove rna mentais, é o seu au men to” 75 Alé m d isso, Bola ffi n os en sin a qu e e sse tipo de proje to, alé m de seu viés econô mico, trá s ta mbé m u m forte apelo po lítico, u ma vez que a susten tação política do s gove rnos dep ende de sua capa cid ade d e agradar à populaç ão meno s fa vo recida, o u se ja, depen d e ta mb é m de “consegu ir fo rmu la r p roje tos capaz es de c onservar o apo io das ma ssa s popu la res, co mpen sando -as p sic olog ica me nte pelas pre ssõe s a qu e vinha m send o sub metidas pe la política de contenção salaria l. P ara tan to, nad a melho r qu e a po lítica d a c asa próp ria” 76. Ava lia ndo a po lítica habitac iona l dos milita res c o m o BNH, Bola ffi diz que: Tu d o i n d i c a , p o rt a n t o , q u e o ‘ p ro b l e ma d a h ab i t a ç ã o p o p u l a r ’ , f o r mu l a d o h á ma i s d e 1 0 a n o s e a t é a go ra n ã o re s o l v i d o e, c o mo ve r e mo s mais a d i a n t e , c o n s i d e ra ve l me n t e a gr a va d o , ap e s a r dos f a rt o s re c u rs o s que s u p o s t a me n t e f o ra m d e s t i n a d o s p a ra a s o l u ç ã o , n ã o p a s s o u d e u ma a r t i f í c i o p o l í t i c o f o r mu l a d o p a ra e n f re n t a r u m 77 p ro b l e m a e c o n ô m i c o c o n j u n t u ra l . O autor referia -se ao g ove rno milita r, qua lque r se melh ança co m o que ve mos ho je não é me ra co inc idên cia. Va mo s a outra pa ssag e m da exce len te a nálise de Bola ffi: “ a bu rla se inicia co m a utiliza çã o de te rre nos inadequ ados e mal loca lizados, pro ssegu e na constru ção de edifica ções imp restá ve is e se conc lue co m a vend a d a c asa a quem não pode pagá -la ” 78. 75 76 77 78 Bolaffi, Gabriel. Habitação e Urbanismo: o problema e o falso problema. Comunicação apresentada para o Simpósio de habitação da XXVII Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. 11 de julho de 1975, p. 9. Ibidem, p. 7. Ibidem, p. 10. Ibidem, p. 18. Em me io à s reflexõe s sobre a econo mia po lítica, é necessário co mp reende r que os princ ípio s da já não tão nova assim “é tic a cap ita lista”, su rg ira m e m dete rminado mo men to histó rico, ou se ja, e les não ex istira m se mpre, o que faz pre ssupo r que ta mbé m não existirão para se mpre. Indaga mos, a té ond e é possível ana lisar u ma metrópole, assu mindo -se so men te os p re ssupo sto s d a econo mia política? O que se co n sta ta na ma ioria dos ca sos é qu e o s trab alho s d isc orre m so bre o s p rocessos de a firmaç ão da socie dade c apita lista, quando muito, reconhecendo algu mas maz ela s criad as por este siste ma, nã o co mo fru to do próprio c apita lismo , ma s pe la ausên cia de ma is capita lismo. P or exe mp lo, é reco rrente o uso de argu men tos co mo os que afirma m qu e o proble ma do dese mp rego ocorre po r cau sa da fa lta de qualificação profission al ou q ue o dese mp rego ex iste p orque a lguns trab alha dore s que nã o aceita m vende r su a forç a de trab alho pelo pre ço q ue lhe s estão ofe recen do, ou ainda que a pa rtic ipação do estado na econ o mia é a cau sa do desequ ilíbrio eco nô mic o. O desenvo lvime nto capita lista é , porta nto , u ma orde m q ue gera deso rde m. P ara se apreen der o mo vimen to da h istória para alé m das suas aparên cias é opo rtun o tenta rmos ir u m pouco a lé m da econo mia po lítica e, n esse mo vimen to, depara mo -no s co m o s limites do desen vo lvimento, quando esse passa a se desfig urar enqua nto tal, po is so fre u ma tran sfo rma ção qua litativa, po rque não é ma is desen vo lvimen to d o c apital, dado que o p róprio cap ital criou as condições para a sua supe ração. Igua lmente, de ixa de ser “ desen volvime n to” pa ra da r vez u m “léxico” ou tro que encontrou se u corre sponden te mate rial. Segundo Bola ffi, “o e mpob rec imento e a d ete riora çã o das c idad es são apresen tada s à pop ulação co mo u m proce sso o rgân ico de en ve lhec imento na tural, ou de cre sc imen to exce ssivo e não co mo a con sequê ncia d ireta da Econ o mia P olític a vigen te” 79. P or isso a e cono mia polític a do urbano e da 79 Bolaffi, Gabriel. Habitação e Urbanismo: o problema e o falso problema. Comunicação cidade n ão nos b asta m, é nec essário “ler” o desen vo lvimen to urb an o e m seu mo vimen to, é isso que va mos ten ta r fa zer no p róximo ite m. Karl Marx, ao incorpo rar a idéia da d ia lética to mad a e mpre stada de Hegel e ao conduzi-la para o ca mpo da mate rialidad e, é ta xativo ao afirmar: “fora da mate rialidad e, tud o é e specu lação” 80. A constru ção de u ma visão mate rialista -dialética de u ma me trópo le pre ssupõe analisá -la e m se u proc esso. P ortan to, n ão seria sufic iente co mpre ender o te mpo presen te, ta mpou co o passado. Haveria a inda de se verificar o re al sentido da vida dos eve nto s, d os obje to s, b e m co mo d as diferente s qua lidades de rela ção soc ial n o desen volvimento h istórico da hu manidade, tentando a preende r as tend ênc ias do vir a se r, intenção se m a q ual a ciên cia perde o seu po tenc ial tran sfo rmad or qu e de fe nde mos que de va ter. 1.4 Para uma dia lé tica do desenvo lvimento urbano Expansão, Degeneraç ã o e Transição O q u e é , p o i s , o m é t o d o ab s o l u t o ? A ab s t ra ç ã o d o mo vi me n t o . O q u e é a ab s t ra ç ã o d o mo vi me n t o ? O mo vi m e n t o e m e s t a d o ab s t ra t o . O q u e é o mo vi me n t o e m e s t a d o ab s t r a t o ? A f ó rmu l a p u ra m e n t e l ó gi c a d o mo v i me n t o o u o mo v i m e n t o d a ra z ã o p u ra . E m q u e c o n s i s t e o mo vi me n t o d a ra z ã o p u ra ? É a f i r m a r- s e , o p o r- s e , c o mb i n a r- s e , f o rmu l a r-s e c o mo t e s e , a n t í t e s e e s í n t e s e o u m e l h o r, e m a f i r m a r-s e , 81 n e g a r-s e e n e g a r s u a n e ga ç ã o . apresentada para o Simpósio de habitação da XXVII Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. 11 de julho de 1975, p.31 e 32. 80 Marx, K. A ideologia alemã. São Paulo: Editora Boitempo, 2008. 81 Tradução livre do original: “Qué es, pues, este método absoluto? La abstracción del movimiento. Qué es la abstracción del movimiento? El movimiento en estado abstracto. Qué es el movimiento en estado abstracto? La fórmula puramente lógica del movimiento o el movimiento de la razón pura. En que consiste el movimiento de la razón pura? En situarse, oponerse, combinarse, formularse como tesis, antítesis y síntesis o bien en Na passage m exposta acima, te mos, nas pa la vras de Karl Marx , o mo vime nto dia lé tico d e Hege l, que Marx assu me, subo rd inando -o ao mundo ma te rial. P ara Hegel, o método dialé tico p ressupõe in vestigar a relação que há entre as três parte s que co mpõe m o movimen to : a afirma ção, a negaçã o e a negaç ão da negaç ão. Deve mos assina lar que e stã o imp lic ados aí o mo vimen to da maté ria, as açõe s e as con tradições. P ara d eco mpo r o mo vimento dia lético do d esen volvimen to u rbano , sugere -se a co mpre ensão desse d esenvo lvimen to e m três dimen sões: a primeira d imen são c omo expan são, a se gunda co mo degenera ção e a terce ira co mo tran sição, n o sen tido de tran scendê ncia ou supe ração. Toda s essas send o d imen sões de u m me smo d esen vo lvimen to u rbano . A análise da primeira d imen são, q u e sign ific a o estudo d os processo s de expan são das c ida des é recorren te na maio ria do s estudo s de geografia urbana, assim co mo de o utro s ca mpo s disc ip lin are s das c iênc ias hu manas. O aumento do inte resse sobre a que stão urba na fica eviden te n os e stu dos sobre o s pro cessos q ue co mpõe m a dimen são da afirmação urb ana. Esses proce ssos intensifica m-se no Brasil a pa rtir de 1970 , tendo co mo carac terística ma rcan te o cre scimen to a c elerado d as cidade s b rasileiras e o proce sso de metrop olização q ue decorre m desse mo mento . A segund a dimen são do desen vo lvimen to urban o, a degene ração , le va e m con ta que as c idades, ao mesmo te mp o e m q ue cresce m de fo rma cada vez ma is co mplexa e ace le rada, ta mbé m se degenera m. Afirma m e nega m sua cond içã o, não u ma condiçã o qua lque r, ma s sua cond ição passada e pre sen te. A terc eira dimensão do d esen vo lvimen to urbano , de nega ção da degeneração ou de tendênc ia a su pera çã o urbana, ta l qual a conhec e mos e m sua “e mpiri-c idade” ca pitalista, por ser a d imensão mais co mp lex a torn a -se mais d ifíc il de se r afirmarse, negarse, y en negar su negación” Marx, K. La miséria de la filosofía. Buenos Aires: Ed. Sigloveinteuno,1973, p. 88. apreend ida e mp iric a mente e reque r u m ma ior grau de esfo rço e ab stração por pa rte do pe squisador e u ma co mpre ensão das ou tra s d imen sões. Ela é imp ossíve l d e ser cap turada se m qu e a investig ue mo s co m len tes que a desnude m da s velha s e da s no vas ap arênc ias. O conhecimen to c ien tífico dia lé tic o ex ige reconhece r e visitar as aparênc ias dos obje to s co mo me io, mas, sobre tudo, é ne cessário trilh ar pe los c a mpo s cerrados da condiçã o e da essênc ia das co isa s. A sepa ração en tre as três d imen sõ es do desen vo lvimen to u rban o é fe ita co m a ún ica fina lidade de análise. Faz p arte d o mé todo de deco mposiç ão do fenô men o. Entre tan to, ela s são indissociá veis e insep ará ve is en tre si, implicand o e m siste ma s de coexistên cia s e spac ia is. Ela s co mpõe m u m mo vimen to único de espac ia lizaçã o hu mana, c ujo resu lta do histó rico esta rá se mpre e m a be rto. Apesar de ind issociá ve is, a s dimen sões do de sen vo lvimen to urb ano tê m u ma traje tória contraditó ria , na qual é tra vada u ma “lu ta dialé tica” que parece a bstra ta, mas q ue se desen vo lve no c otid iano e na mate rialidad e da p rodu ção da vida dos sere s h umanos e do seu espaç o, e m d ife ren tes formas de ex istênc ia socia l, que repercute m açõe s qu alita tiva me nte d iferen ciada s que coexiste m no espaço . A dimen são da e xp ansão u rbana não p ode se r apreend ida so men te co mo c rescimen to, ma s c omo au mento da co mple xida de d a co nfigu ração territo rial e da fluid ez, que con ve rge , co mo já suge riu Ka rl Marx e Fried rich Engels, pa ra a supressão do te mpo pe lo espa ço. Co mo já dito an te rio rmen te, a ma ioria dos estudos na á rea da geogra fia u rbana ocu pa m-se e m ana lisa r os diferen tes processos de a firmaç ã o do fenô meno u rban o, co mo os processos de cre sc ime nto, de c riação de cen tralidade s, de metropo liz ação, de vertica lização , de con urbação, de industria lização , do c omérc io, do tu rismo, etc. Quando mu ito, estes e stud os vêe m a exp re ssão degen erativa de ste desen vo lvimen to u rba no, a tra vés de e stu d os sob re a segreg ação sóc io -e spa cia l, a fa velizaç ão, a vio lência urbana, e tc. Co mo an álises separa das dessa s d imen sões, estão tra tando d ireta mente d a re alidade , ma s apena s de parte dela . Deve -se in vestigar a inda a d imen são da tran sição a ou tra s formas d e o rgan izaç ão sócio -espac ia l viab ilizad as p ela d inâ mica so cia l urban a, c aso a p re tensã o do pesqu isa dor seja un ive rsa lizan te. A degene ração urban a é prod uzid a p ela me sma racionalidad e e no mesmo te mpo e e spaço em qu e se desen vo lve a dimensão da expansão, en tre me ntes, é o seu “lado nega tivo”. A do minaç ão d esta d imensão sob re as de mais, le vad a às últimas conseq üênc ias, poderia, em hipó tese , produ zir a té mesmo ce rto tipo de barbá rie conte mporân ea, cujos e mbriões já são p ossíveis de sere m ve rificados e m de te rminados aspec tos de certas parte s da cidade , co mo nos cortiç os, n as fa ve las, na degrad ação a mbie nta l, na polu ição , na vio lênc ia urbana, n o exte rmínio e crimina lização da po pulação pob re, no re crudesc imen to do estado p enal, e tc. Entre a expan são e a degeneração urbana, há sinc ron ia e coex istênc ia. A a nálise d essas dimen sões, e m conju nto, po ssibilita a p ercepçã o de dife rença s de grau de e xpansão e deg enera ção urbana e d a rela ção e ntre a mbas. A dime nsão da transiç ão, con tudo, possibilita ana lisa r o “desvio”. A tran sfo rmação de u ma dife renc iaçã o me ra men te de grau , pa ra u ma dife rença de qualidade 82 nas relaçõe s soc ia is e n a vida dos se res hu manos. O desvio po derá no s le var a outro pata mar d e qualidade e não so men te quan tid ade. E m ou tras pala vra s, poderá le va r a u m no vo mode lo de desen vo lvimen to que, pelas pró prias caracte rística s, n ão p oderia ser co mpre endid o senão c omo u m desen volvime nto de outra qualidade, de u ma qua lidade n ão cap italista . Mas, co mo iden tifica r esses e le men tos tran sitó rios? O que suge re, na rea lidade atua l, via s de superação das rela ções soc ia is qu e a firma m u ma “ produç ão infin ita” do espaço urbano cap italista e ap onta pa ra ou tro sistema de produção do e spaço? Nesse pe rcu rso, se fa z nece ssá rio 82 Ortega y Gasset, José. Meditação da técnica. Rio de Janeiro: Livro Ibero-Americano Limitada, 1963. co mpre ender a na ture z a das rela ções soc iais capita lista s, assim co mo ca da siste ma d e rep rodução d a ex istênc ia socia l, o que inc lui o estudo das re laçõe s en tre os sere s hu manos nu ma so cied ade de classe s e as imp licaçõe s sócio -espac iais de ste tipo de soc iedade . In clui ta mbé m a in vestigação sob re o pap el do d esen vo lvimen to tecno lóg ico e, sobretud o, a qua lific ação do d e bate sobre a produção d o espa ço pa ra alé m das aparências do fenômeno da metropo liz ação, ou seja, e stud ar o pre sente dessas formas-conteúdo, ma s aten tando -se à percep ção de onde poderá e me rg ir o no vo que já e stá c oloc ado, mesmo que de forma ge rmina l no p resente. Um dos fenô me nos mais estudados e qu e está dire ta men te rela cion ado co m o deba te sobre o desen vo lvimen to urb an o, e m sua dimensão afirma tiva, é o proble ma da cen tra lid ade ou d as mu danças de centralidad e. Lefeb vre afirma qu e “se rá difíc il, aos defenso re s da soc iedad e urbana e m fo rmaçã o, evitar tod a a mbigü idad e, abrir u ma via da qual nã o se p ossa desvia r. Tome mos a q uestão do centro e da cen tra lidad e. Não ex iste cidade , ne m rea lid ade urbana, se m u m cen tro 83”. De fato, co m a conce ntração de sere s hu mano s e meio s de produção no espaço , su rge u ma verdade ira hiera rquia de luga res po r meio da s qu ais po de mo s ob servar as c idade s n um p roce sso perman ente de supe raç ão de cen tra lidades e m decadênc ia e de criação de no va s ce n tra lidades. Os espa ços de seg rega ção sócio -espac ial, e x pressão visíve l da degene ração urbana, são entendidos aqui c o mo a antíte se do de bate sob re a cen tra lidade u rbana e a isso no s dete re mo s no seg undo capítulo para o caso da me trópo le de Fo rtaleza. Enge ls, e m sua aná lise sob re a questão da habitação, d iz que “as mode rnas c iênc ias na tu ra is pro vara m que o s cha mados 'b airro s fe ios' ond e a mon toa mse os trabalhadores, sã o o centro de tod a as e pide mia s que perio dic a men te expe rimenta m as n ossa s c ida des” 84. Nessa 83 84 Lefebvre, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006, p. 90. Engels, F. A questão da habitação. São Paulo: Ed. Acadêmica, 1987, p. 35. passage m e tendo e m vista o eno rme nú mero de maze las socia is que se con cen tra m n esse s luga res, é co mo se o urbano ex istisse u ma c entralidade da virtude, do mode rno e da riqueza mate rial e, pa ra lela men te, u ma centralidad e da carên cia e da não -vi rtude , u m a vesso da ce ntra lidade ou uma centra lidade às a ve ssa s, vulg armente de no mina da de perife ria . Se a pe rspe ctiva é an alisa r o d esenvo lvimen to urbano a pa rtir a pa rtir da tentativa de con strução de u ma análise d ialética, há q ue se pe rcebe r qu e o debate sob re nova s ce ntra lidad es e sobre a segregação sócio -espac ia l deve se r fe ito, nec essaria men te, e m con jun to. E m outras pala vras, a sup ressão qua lita tiva do dese nvo lvimen to urbano p ressupõe a su p ressão das c entra lid ade s urbana s e, co mo no s le mbra E ngels, da su pera ção me smo da contradição en tre o c a mp o e a cidade, que se gundo ele só será possíve l na s cond ições da soc iedade co munista 85. Antes de ir alé m, p ara não se co rre r o risco de cair e m a mb igüidades o u determinismos, é necessá rio distinguir a d imen são da tran siç ão u rbana e m duas. De u m lado, te mos a supera ção positiva, signific ando que os ele mento s d e u ma no va e supe rior o rgan iz ação sócio espac ial enc ontra r-se -ia m co m u ma base so cial e mate rial capaz de lhe s p ro porcionar a s co ndiç ões p ara a tran scendê ncia do siste ma capita lista e sua e spacialidade. Nesse primeiro ca so, a s re laçõe s en tre os seres hu ma nos respon sá ve is por pro d uzir a soc iedad e de c lasse s, assim co mo o seu re spe ctivo Estado, merc a do, fa mília mo nonuc lear e de ma is in stituições bu rgue sa s, c ederia m lugar a ou tras rela ções socia is irredu tíveis à raciona lidade do capita l. En tre mente s, o desen volvimen to u rbano pode rá le va r a ou tro tipo de su peração , que te ria lu gar num mundo no qual as re laç ões de p rodução capita lista s desen vo lvera m-se e se perpe tuara m a pon to d e tran scend er a próp ria vida soc ia l gera da pe la s re laçõe s de cap ital, quebrando seu s laço s e re trocedend o à forma s pré capita lista s de produç ã o da vida. 85 Engels, F. A questão da habitação. São Paulo: Ed. Acadêmica, 1987, p. 6. Nesse ce nário, os ele men tos da de generaç ão pre va lece ria m sob re as de mais dimensões do desen vo lvimen to urban o e o seu p rogre sso le va ria a u ma espéc ie d e ba rbárie co nte mpo râne a. E m u ma passage m d e sua med itação sob re a técn ica, Orte ga y Gasset d ebate o ca min ho con traditó rio p roduz ido p elo próp rio desen vo lvimen to do c apital e que , le va do ao extre mo, poderá alcança r e ssa segu nda h ipó te se que aqui reso lve mos cha mar de “superaç ão n egativa” : “o progre ssismo, ao acred ita r que já se ha via c h egado a u m níve l histó rico e m qu e não cabia substan tivo retroce sso, senão quê meca nic a mente se a van çaria até o in fin ito, afrouxo u a s ca vilha s d a cau te la hu mana e de u lug ar a qu e irro mpa de no vo a ba rb árie no mundo” 86. O proble ma teórico q ue se impõ e à p roposição d e in vestigação a té aqu i e xposta , é situ ar as d esc ontinuid ades e m rela ção à s co ntinu idades h istó ric as, be m co mo o seu in verso. A dimen são d a sup eração, p rodu to da con trad ição existen te en tre a ex pa nsão e a degene ração urbana, e stá colocad a co mo po ssibilid ade. E la po de ser e studad a po r meio da aná lise de “ co mo c ada luga r, re gião, naç ão e mu ndo são e sca las do processo da prod ução d a vida soc ia l e a destru ição d a prod ução da vida individua l” 87. Ou seja, atra vés da a nálise de c omo o s sere s hu manos produzem sua vida e m soc iedad e, superando a produç ão individu al e individu alista. A su pe ração do fenô me no u rbano faz o mesmo c a minho da supera ção do modo de produção capita lista , visto que o meio urba no pode ser considera do o me io ma is de sen vo lvido que até ho je a rela ção social do capita l já fo i capaz de cria r. E le a madurece, sobretudo, na quebra da s ind ividu alidades e p or interméd io da 86 87 Ortega y Gasset. Meditação sobre a técnica. Rio de Janeiro: Livro ibero-americano, 1963, p. 20. Aued, I. Marxismo e geografia. In: O ensino da geografia no novo milênio. Chapecó: Editora Argos, 2002, p.35. constituição d as condiç ões pa ra a e me rgênc ia de u m se r de novo tipo , o se r c ole tivo un ive rsa l: o se r socia l, cu ja singu la rida de é a próp ria un ive rsa lidade. Os ele men tos da sup eração urbana estarã o ma is evo lu ídos à medida qu e prog rid a a constitu iç ão desse ser socia l, do traba lho soc ial e da base ma te rial soc ializ ada, necessários à prod ução do “no vo se r”. O luga r no qua l as condiçõ es de su rg imen to desse no vo se r encon tra m-se ma is defin ida s é na g rande metrópo le cap italista. Contudo, a descon tinu idad e do modo de prod ução ca p ita lista – a tran sfo rma ção qua lita tiva - na unid ade h istórica, so men te será viabilizada qua ndo a aprop riação da riquez a produz ida soc ialmen te for ta mbé m a prop ria da de forma socia l. Ou se ja, le van do -se e m c onsideração que a base mate rial de repro dução da vida hu man a já é socia lizada , pode -se fa la r da e me rgênc ia d e u m períod o e m que a apropriaç ão so cia l estaria co locada co mo n ecessidade e, porta nto , co mo rea lida de histó rica. Quando pensa mo s que esta mos vivendo u m momento no qual a d imen são da afirma ção urba na é do minan te e o s ele mento s da degen era ção aind a não se ge n eraliza ra m e ne m in viab iliza ra m p or comple to essa fo rma e specífica de reprodu ção d a vida hu mana, mo mento no qu al a s forças que a tua m na neg ação da dege nera ção urban a ainda não se encontra m e m co ndiç ões d e a ssu mir seu prota gonismo nessa epopé ia h istóric a, enfim, no qua l a c o nstituiçã o do ser so cia l a inda não está sufic ien te men te d esen vo lvid a, coloca mo -no s c ien tes d a magn itud e do de safio co m o qua l esta mos lida ndo. Basta obse rva r o “esta tura episte mológ ica ” de e studo s de ssa na ture za no ca mpo disc ip lin ar geog rá fico para cheg armo s à conc lusão de que o desafio é d e ma siad o ousado. Mas é exa ta me nte por isso que acredita mos qu e vale a pena. Afin al de conta s, co mo fala r e m proce sso s, e ventos, fenô meno s sóc io -espa cia is a partir de u ma ba se episte mo lógica a inda pouco desen vo lvida? Como defe nder a existên cia de u ma “instânc ia pa ralela ” irredutíve l à racio nalidad e cap italista, mas qu e a inda não é, u ma vez que e stá co mo d evir? Nesta disse rtação, buscare mos a tua liz ar a co mpre ensão do sig nificado da a tua l configuraç ão territo ria l d a metrópo le de Fo rta lez a na s d imensõe s da expansão e da deg eneraçã o urb ana aqu i expo stas. Debatere mos essa re alidade contrapond o duas no ções conceitua is importan tes no c a mpo discip lina r d o urban ismo e da g eogra fia resp ectiva e conco mita nte men te, quais se ja m a s noçõ es de cen tra lidade u rbana e de segreg ação sóc io -espa cia l. P or último, vo ltare mo s nossa atençã o ao deb ate sob re a transição urban a n os te rmo s do que esta mos c ha mand o de “supera ção po sitiva” e qu e se rá analisad a por me io do estudo do sig nificado dos Movimento s So cia is P opula res e m sua mate rializa ção na experiênc ia do Mo vimento do s Conse lho s P opula res – o MCP. Veremo s co mo os ind ivíduos que se o rga niza m ne sse mo vimen to, não ten do co mo p roduz ir su a e xistênc ia nos mo lde s trad ic iona is d as relações soc ia is bu rgu esas – co mo co mpra e venda da fo rç a de traba lho -, busc a m supe rar su a atua l cond ição (de dese mp regad os, se m-te to, e tc) de forma cole tiva, po r me io da sua coope ração direta, se ja pa ra reivind icaçõ es mate ria is imed ia tas, se ja pa ra a produçã o e m e mpre endimen tos c ole tivo s. De ssa fo rma, ele s p ode m esta r c riando relações de con teúdo rad ica lme nte no vo. Da mesma fo rma, va mo s d e monstra r co mo, ao se organ iza re m cole tiva men te, ta is mo vimento s populares aca ba m pro vocando u ma inte rven ção rea l sobre a produção do espaço e sob re a config uração te rritorial de Fo rta leza . CAPÍTULO 2 2 A EXPERIÊNCIA DO TEMPO E DO ES PAÇO EM FORTALEZA: ELEMENTOS PARA UMA NOÇÃO DA CONFIGURAÇÃO TERRITORIAL DA METRÓPOLE NO INÍCIO DO SÉCULO XXI O que faz co m que uma metrópo le tenha esta ou aquela con figu raçã o te rritoria l? P or me io de qua is catego rias pode mo s a nalisa r o desen volvimento d e u ma cidade de fo rma a ap reender os fato res de sua expa nsão, que são , ao mesmo te mpo, os fa tores d e su a d egeneração? O que há de tão virtuoso (e a trativo ) na s cid ades que subord ina p or c o mp le to a vida no c a mpo? Essas são algu mas questões às q uais vo lta re mos n ossa atençã o ne ste capítulo, se mpre procurando ind ica r ca minho s, ou sugestões de ca min hos para a co mpreensão do s mo vimen tos de soc ializ ação e esp acializaç ão d a ex istênc ia hu mana. Nosso ob je tivo neste segundo cap ítu lo é fazer isso a pa rtir do estu do da expe riênc ia do te mpo e do espaço n a Regiã o Me tropo lita na de Fo rtale za – RMF, desde a década de 1980 a 2010. No que diz respeito às metrópo les, é ne cessá rio insistir n o seu en tend imento den tro do con te xto e m q ue estão inse rid as. E m ou tra s pa la vras, pa ra se estud ar u ma região tão co mp lexa co mo a de Forta leza , impõe m-se iden tificar co mo e po rque as c idade s são o que sã o, d e forma que se mpre pro duze m singu la ridad es. Comp reende r o prese nte é u m p ressuposto para ca minha r no sen tido de se produz ir no vas desc obertas sob re as tendê ncias de ssa s co mplexas estru turas sóc io -e spac ia is qu e são as metrópo les ca pita listas con te mpo rânea s. A cha mada “econo mia po lítica da cidade ”, sob re a q u al pode ser classificada a ma ior pa rte d os estudo s sob re a cidad e e o urbano, agreg a u m ca mp o fé rtil de dados e conce ito s de análise a de spe ito d e suas conhe cid as limitaçõe s, ao restring ir-se qua se e xclusiva men te às ap arênc ias, às formas e aos conteúdos do visível. As relaç ões de c apital co mo un ive rsa lid ade no presen te, a ssim o é , exata men te po r se r a s re laçõe s d e capita l a forma do minante po r meio da qual os se res hu manos p roduze m a sua existênc ia e m socia l. Ela é, porta nto , indu tora de co nfigura ções te rritoria is espec íficas, de a cordo co m as cond ições que e ncontra pa ra se “instalar” e se d esen vo lve r e m cada territó rio. P orta nto, todo territó rio co nte mporâneo de ve se r qua lifica do co mo territó rio ca pita lista , esse, por sua ve z, terá sua impo rtância se mp re re lativa men te aos de mais território s. Alé m d isso , a ra cion alidade cap ita lista implica nu ma progre ssiva supressão da produção ind ivid ual da vida, assim co mo nu ma c rescente in terdependên cia social entre todos o s sere s hu ma nos e igua lmen te en tre os mais diversos e d istan tes lug are s. Isso é e specialmen te percep tível n o me io u rbano que se ma teria liz a nas grandes metrópo les. O Estado do Ceará te m a tualmen te 8. 448.055 habitan tes segundo da dos do IBGE de 2010. De acordo co m o mesmo institu to, na c idade de Fortaleza fora m contado s 2. 447.409 habitan te s no me smo a no. A partic ipaçã o da popu lação d e Fo rtale za e m relação à populaç ão da unid ade federa tiva co rre sponde a 19,4%, e m 1970 e, a tua lmen te, é de 28,97 % segundo da dos do senso de 2010, 88 isso se m con tarmos os de mais mun icípio s qu e juntos co m Fo rta lez a forma m a Reg ião Me tro politan a. No que diz re spe ito ao peso da cid ade de Forta lez a no contex to da Reg ião Metropolitana, a pro fesso ra Cle ide Bernal no s in forma qu e “a cidad e de Forta le za, núcleo da RMF, capita l e qu inta maio r con cen traç ão u rbana do país, ve m man tendo a posição de lide rança de ste con jun to metropo litano, co m 73 % da popu lação d a áre a e m 1991 e 71% e m 2000” 89. Tal concen tração d e ha bitante s e m Fo rta lez a e no seu entorno, configu ra o que a professo ra carac terizou co mo mac rocefalia da Região Metrop olitana e m re laç ão ao in terio r do Estad o. 88 89 Fonte: www.ibge.gov.br Acesso em 22 de dezembro de 2010. Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 87. Compa ra tiva men te a outra s re giõe s do pa ís e do mu ndo, a “ modern idad e cea rense ” que re mon ta a me ados do sécu lo XX 90, sign ificou u ma ascen são do se to r industria l e so men te atinge sua ma turidade a partir de 1987, co m a criaç ão de milha res de no v os posto s de trab alho neste seto r, momento que é co roado co m o iníc io do que ficou con hec ido co mo “Governo das Mudanças” , ou seja , co m o p rime iro gove rno de Tasso Jereissate e do P artido da S ocial Democ rac ia Bra sile ira. O poder econô mico dos “jo vens e mpre sários” que se organ iza va m e m torno do Cen tro In dustrial do Cea rá, o C IC, naque le mo men to fo i su ficiente mente fo rte a ponto viab ilizar a chegada desse seg men to da classe burguesa , e m franca ascensão, ao co man do do poder po lítico n o Estado do Ceará, a pa rtir do fina l da dé cada de 19 80, e ssa hege monia esten deu -se po r toda a década de 1 990 e in íc io do séc ulo XXI. Na década de 1980 o Estado ce aren se saiu do controle político dos cha mados coronéis, que historica men te esta va m vincu lado s ao meio rura l, aos grandes proprie tários de terra e às ditadu ra s militares e passou p ara o con tro le político de sse grupo de e mpre sário s cujo centro de iden tificaçã o e ra vincu lad o à cap ital cearen se. De acordo co m Alexan dra Oliveira, du ran te a década de 1990: O t e r ri t ó ri o c e a re n s e p a s s o u a s e r re c o n s t ru í d o de a c o rd o com a o ri e n t a ç ã o p o l í t i c a e a l i n gu a ge m idealizada s e gu n d o p a d rõ e s 90 “/.../ a década de 1950 foi o marco da 'modernização' do Estado [do Ceará] com a criação do Banco do Nordeste do Brasil, em 1952, que teria tido importante papel na formação de novas elites para a regiã, cedendo técnicos especializados em planejamento e pesquisa para ocuparem altos cargos na administração estadual”. Gondin, Linda. O governo das mudanças (1987-1994). In. Souza, S. (Org) Uma nova história do Ceará. Fortaleza: Demócrito Rocha, 2000. Apud, Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004 p. 55. i n t e rn a c i o n a i s . A e s t r a t é g i a i n i c i a l d e s s e p ro c e s s o f o i o a t a q u e a o s 'c o ro n é i s ' t i d o s c o mo r e s p o n s á v e i s p e l o a t ra s o s o c i a l d o Es t a d o ; d i a n t e d e s s e a t ra s o , c ab e ri a ao 'go v e rn o das mu d a n ç a s ' a c ab a r c o m a p o b re z a , a mi s é ri a e a f o m e ; e s t i mu l a r a r e n o v a ç ã o p o l í t i c a a t r a vé s d e n o v a s l i d e r a n ç a s ; a d m i n i s t r a r o Es t a d o c o m b a s e n o t é c n i c o -c i e n t í f i c o , e l i mi n a n d o o ve l h o f a vo ri t i s mo e i mp o n d o u m a é t i c a e mp re s a ri a l p a ra g e ri r o p ú b l i c o e re c o n s t ru i r a e c o n o mi a , f o rt a l e c e n d o o c ap i t a l , e s p e c i a l me n t e n a i n d ú s t ri a e n o 91 t u ri s mo Contudo, a partir do início do sécu lo XXI, observa -se um e nfraquec ime nto d o emprego indu stria l. Em 2001 , por exe mp lo, a in dústria imp ortânc ia do se to r industrial na econo mia de cre sce 3 ,9 1%. De aco rdo co m B erna l, “e sta in versão d e tendênc ia do P IB industria l pode esta r sina lizando pa ra u m e sgota men to do mode lo de política industria l in stalad a no Ceará nos ano s da era Tasso” 92. Ao que se indic a, e sse re cuo do p eso do seto r industria l n a econo mia cea rense é uma das p rinc ipa is causas do fenô men o da reduçã o do poder polític o deste grupo no estad o. A derrota e le itoral de Tasso Jere issate ao Sen ado Fede ra l nas eleiçõ es d e 2010 pode ser sugerida co mo o eve nto que va i fe char ofic ia lmen te u m imp ortan te c ic lo político do Estado, con hecido co mo “ mudan cismo ”. Apesa r dos a tuais go vernan te s te re m nasc ido no berço de sse mesmo mudanc ismo (fa mília Ferreira Go me s – Ciro, Cid e Ivo), a e spec ific idade deste grup o po lítico - que faz co m que não possa ser c lassificados den tro do “tassismo orig ina l”, é o fa to de , após passare m por u ma série de 91 92 Oliveira, Alexandra Maria de. A contra-reforma agrária do Banco Mundial e os camponeses no Ceará – Brasil. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005, p. 137. (Tese de Doutorado). Ibidem, p. 71. legenda s (P DS, ARENA, P MDB, P SDB, PP S), este g rupo fa milia r de po líticos p rofissiona is te re m migrado para u m partido d e esq uerda 93 - o P artido S ocialista Brasile iro, e de sere m apoiados pe la esquerda trad ic iona l do Estado, co mo o P artido d os Trab alh adores e o P artid o C omunista do Brasil, por exe mplo , eve nto in ace itá vel e m te mpos de tassismo orig ina l. Apesar de derrotado e d e afirma r faze r oposiç ão à a tua l ge stão púb lica e stadua l, inc lusive na Asse mb léia Leg isla tiva, o partido de Ta sso Jereissate manté m ca rgos no sec retariado do go ve rno C id Go mes. O mesmo oc orre co m o P artido De moc rá tico Brasile iro , o P DT. O fato é que a sucessão de go ve rnado res, d esde que se ence rrou o pe ríodo dos coron éis e te ve in ício o go ve rno das mud anças, a té ho je, o que co mp reende os go ve rnos Tasso -C iro -Ta sso -Tasso -Lú cio -C id -C id, p ode ser carac teriza do co mo u m pe río do de pouc as mu dança s do ponto de vista da a lternânc ia de pode r, já que o que carac teriza va an tes era a sub missão polític a da fa mília Fe rre ira Go me s a o e mp resá rio Ta sso Jereissa te, se ndo qu e atua lmen te, o e mpre sário (que an unciou 'apo sentado ria ' da política depo is de d erro ta eleitoral), be m co mo se u partido, o P SDB, encontra -se dependen te s, a o menos d o ponto d e vista po lítico, dos p rime iro s. Entre mentes perman ece m jun to s na defe sa d os in te resses do s seguimen tos soc iais qu e rep resen ta m. Após essa b re ve e limita da retrosp ectiva da política cearen se recen te, cen trare mos nossa a tençã o e m o utras va riá veis que ta mbé m conside ra mo s igua lmen te impo rtante s n a p roduç ão do espa ço u rbano de Forta leza , co m de sta que pa ra : (1 ) o c o mpo rta men to do mercado de trab alho , (2) o merc ado imob iliá rio , (3) o seto r da construção civil, (4 ) a s política s púb lic as de h abitação, (5) 93 O termo “esquerda” é utilizado aqui num sentido amplo, uma vez que já não se pode considerar certos partidos políticos que outrora foram combativos, como sendo genuinamente de esquerda, dado o grau de burocratismo e fisiologismo e o seu descolamento das lutas dos movimentos sociais. Com a chegada ao “poder”de tais partidos, dentre os quais pode-se incluir o PT, PCdoB, dentre outros, os mesmo perderam sua independência política e sentido de classe, características fundamentais para que um partido seja considerado de esquerda. a fa veliza ção, (6 ) o p rocesso d e metropo liz ação e (7) a segreg ação sóc io -espa c ial. Co mo re sultado de ste trab alho de simp le s re visão b iblio grá fic a, nos deb ru çare mo s no debate sobre as mud anças de centra lid ade urbana e m Fo rta lez a, c onfrontadas co m o d ebate sobre as segreg ações sócio -espac iais segund o os au tore s ana lisad os. A ên fase dada se rá para o pe río do de in ve stigaçã o qu e abra nge o s anos que vão de sde 1 980 à 2010. Contudo, refe rênc ias histórica s e ou tra s in formações que abranja m ano s que precede m o co rte te mp ora l propo sto serã o inclu ída s se mp re que fo r conside rado nec essário. Em se obse rvando o desen vo lvimen to h istó rico das institu içõe s so cia is, co nclu i-se que as próp rias mu dança s sofrida s po r essas instituiçõ es ta mbé m acaba m por interferir na con figu ra ção territo ria l das c ida des. Ou se ja, alteraç ões nas cond ições de reprodu çã o a mp liada repercute m nas formas que as habitaçõe s (e as cidade s) assu me m. A longo pra zo, transformaçõe s na s institu içõe s co mo a fa mília , por e xe mplo , ta mbé m inte rfere m n estas formas. Co mo e xe mp lo disso, cita mos a seguinte p assa ge m da te se da pro fessora Ana Araú jo: “e m me io século de urban ização , a s fa mília s reduz ira m d e ta manh o e estru tu ra. No início do sécu lo X XI, a fa mília cea rense te m e m méd ia quatro p esso as, co m a tra so d e qu ase trin ta anos consid erand o o sul d o país, d istanc iando -se do pad rão cearen se dos anos se ten ta, co m se is pe sso as”. 94 Ainda segundo a au to ra, “e manc ipaçã o fe minina a lte ra a estrutura de mográfica. Contudo as con diçõ es de tra balh o e de morad ia sã o os mo tivo s aleg ados pe la popu lação pa ra a redução do nú mero de filho s” 95 e “ mu itas casa s sã o a mpliada s tanto horizo nta lmen te co mo ve rtica lmen te, p ara atende r a funç ões co merc ia is o u pa ra pe rmitir maio r conforto à fa mília ou ainda pa ra co mple me ntar a rend a fa milia r co m o a lugue l /... / u ma ca sa se tra nsfo rma e m trê s, para a lo jar a s fa mílias dos do is filhos casados dos 94 95 Araújo, Ana M. M. Fortaleza, Metrópole Regional. Trabalho, moradia e acumulação. Fortaleza: Eduece, 2010, p. 108. Ibidem, p. 108. proprie tários”. 96 Nessas passa gens, u ma pequ ena a mo stra de co mo os siste mas de obje tos pode m se r req ualificado s e assu mire m fun ções a lhe ias àque las pa ra quais fora m cria das. Co m isso, e sta mo s cha mando a a tenç ã o para o fato de que, e mbora se ja muito difícil ap reend er mu danças nas instânc ias da soc iedad e, ou seja, na vid a das institu içõ es socia is (Igreja , Estado , Justiça, Fa mília , Escola, den tre outra s), é importan te consta r que a s tra nsfo rmaçõ es quantitativas e qua lita tivas que oco rre m no interior de ssa mesma soc ieda de aco mpanha m o mo vimen to g eral de vir a ser sóc io -e spac ia l. O princ ipa l ob je tivo de ste segund o cap ítulo é realiza r um e sfo rço no se ntido de proporcion ar u ma n oção sobre o contex to soc ial que se de sen vo lve na metróp ole de Fo rta lez a. É co m e sta in tenção que d eb atere mo s a configuraç ão te rritoria l da cidade, d ialogando co m estudos realiza dos po r au tores d as c iênc ia s hu mana s, espec ialmen te, co m as discip linas das cha ma das c iênc ias socia is. De tere mos-nos no d iá logo sob re algu mas variá ve is que con sid era mos fun da men tais para a co mpreensão d a atua l co nfigura ção te rrito rial da me trópo le para dessa forma, monta r o cená rio e m que se de sen vo lve o nosso obje to d e in vestigação - o e spaço de transiç ão na cid ade de Forta leza . No qu e tan ge à e mpiria, a n alisa re mo s a experiênc ia do Mo vimento dos Conse lhos P opulare s, o MCP, que será ob jeto de nossas atenções no próx imo capítulo. Este segun do c apítu lo é estrutu rado e m sub -itens co m o intu ito de facilita r a organ izaç ão das info rma ções. Entre tan to, a disposiç ão do cap ítulo e m sub -iten s no s quais va mos traba lha r cada va riá vel ou catego ria de análise, da r-se -á unic a mente co m a fina lidade de “ mon ta r” parte deste co mplex o mo sa ico so cia l que é a config uraç ão territo ria l d e Forta leza . De acordo co m Milto n Santos, o espa ço p ode ser 96 Araújo, Ana M. M. Fortaleza, Metrópole Regional. Trabalho, moradia e acumulação. Fortaleza: Eduece, 2010, p. 187. co mpre endid o e m cin c o ele men tos: os ho men s, as formas, as institu içõ es, o cha mado me io eco lóg ico e as infra estrutura s 97. Tais e le men tos man té m en tre si ca racte rística s co mo interaç ão, redu tibilidad e e in terca mb ia lidade. Tendo isso e m vista, San tos a firma que “ as fun ções das firmas e das in stituições d e a lgu ma forma se en trelaça m e se confunde m, na med id a e m que as formas, d ire ta ou indire ta mente , ta mbé m produze m normas, e as instituiçõe s são, co mo o E sta do, produ tora de be ns e serviço s” e “dessa mane ira , a noçã o de espaço co mo u ma totalidade se impõe de mane ira mais e vid ente, po rque ma is pre sen te; e, pelo fato de resu lta r mais intrin cada, to rna -se ma is exigen te de aná lise ”. 98 Isso oco rre po rque a ca racterística de inte ração su põe in terd ependênc ia fun cio nal entre os ele mento s, fazend o co m que c ada aç ão não seja u m d ado independ ente, ma s um resu ltado do proc esso so cia l. Conforme deb ate mos no primeiro capítu lo, analisa re mo s Fo rta lez a por in te rméd io do estudo d as interaç ões en tre os ele mento s do espaço mais rep resentativos e c om o aux ílio de conceitos e ca te goria s de aná lise origin ários do urban ismo , co mo o deb ate sob re cen tra lidade s urbanas, por exe mp lo, da geografia urban a, co m o conceito de segreg ação só cio -esp a cia l e da econo mia política da cidade . O espaço, co mo u m c on junto ind isso ciá vel e so lid ário de siste ma de ob jetos e siste mas de açõe s, confo rme já aprese ntad o an te rio rme nte, não pode se r subd ividido senão co m a fina lidade de a nálise. P ortan to, as ca racterísticas interna s da re gião que conforma a metrópo le de Fo rtale za, não pode m se r e xplica das fora d a re lação co m o con tex to. Há vá rios fa tores que faze m co m que a metróp ole de Fo rta lez a tenha u m pod er de a tração que a tornou u ma da s cinco ma iores me tróp oles bra sile iras. Lista mo s a seguir alguns d esse s fa tores p ara e m seguid a entrar nos sub -itens suprac itados. 97 98 Santos, Milton. Espaço e Método. São Paulo: Edusp, 2008b, p. 16. Ibidem, p. 17-18. Histo rica men te a mig ração é u m forte mo tor que impu lsionou a explo são de mog rá fic a observada e m Fo rta lez a. Raimu ndo Girão atribui ao c ron ista colonia l Fe rdin and Den is o en tendimento de q ue be m se pode ria consid era r a h istória do Ceará co mo a história de sua s secas. Segundo o a uto r, “so mente no sécu lo a tual, fora m as de 1915, 1919 , 1932 , 1942, 1952, 1958, 1970 e as seguin te s de 1979, 198 0, 1981”. 99 Aliado a isso esta va m as “secas pe riódicas que asso la va m o inte rior e, princ ipa lmente, a abe rtura d e estrad as e a c onstrução de rodo vias ligando a cap ita l aos municíp ios do interior e de outro s e stados te ria m con tribu ído pa ra Fo rta lez a se tran sfo rma r e m a traç ão para a popu lação migrante”. 100 Segundo Alexand ra Olive ira, “No final d a dé cada de 1970 e in ício do s a nos 1980, in stalo u -se uma c rise estrutura l no ca mpo ce arense , e m p arte d e vid o ao p roce sso de rup tu ra da s re laç ões de traba lho que fragilizou a produção c a mpone sa e, e m pa rte , porqu e o esfo rço de mo dern izaç ão do Esta do med ian te inc entivo s fiscais da SUDENE não consolid ou u ma grande produçã o agrícola ” 101. A estru tu ra fundiária do Estado do Ceará ajuda a exp lica r o p orquê dessa situaç ão da mig ração no Estado : “os imó veis co m menos d e 1 módu lo fisca l, ap esa r de rep resen ta r 72% do nú mero to ta l de imó veis (ma is de 93 mil), ficare m ap enas co m 2 0% da área total ocupada, ou seja , 1,6 hec tares (1.6 52.695,5 h ectare s)” 102. S e, por u m lado, a grand e maioria dos imó ve is abrange so men te u m quin to do to ta l de te rra s, “os la tifúnd ios, que, e mbo ra repre sen te m pouco ma is de 1% d os imó veis, ou se ja, 764 imó ve is ru rais, oc upa m exa ta men te 1 0% d a supe rfície 99 100 101 102 Girão, Raimundo. Pequena história do Ceará. Fortaleza: Edições Universidade Federal do Ceará, 1984, p. 243. Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 152. Oliveira, Alexandra M. de. A contra-reforma agrária do Banco Mundial e os camponeses no Ceará – Brasil. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005, p. 135. (Tese de Doutorado) Idibem, com dados do IPLANCE, 2002. agrícola do estado, ou seja , mais d e 850 mil h ecta res” 103. A situação das fa mílias ca mpone sas que n ão consegu ia m mais reprod uzir-se no ca mpo e mig ra va m pa ra as cidades, espec ialmen te no Nord este e m deco rrênc ia d as se cas, fo i um do s fa tores esse ncia is pa ra que fo sse m criada s políticas e me smo ó rgãos go ve rna men tais voltada s espec ifica mente para e ssa regiã o, co mo é o ca so da Sudene e do Dnocs. A concentração fu ndiá ria é ta mb é m u ma das va riá veis da equaç ão que explica a expa nsã o urbana no Estado d o Ceará . O fato de Forta le za se r ta mbé m o centro ad min istrativo do Esta do do Ceará fa vo receu a oferta de e mprego púb lico direc ionando a inda mais a migra ção para a capita l. Se gundo An a Costa “A cond ição de cap ita l de Estado lhe con fere u m forte a tra tivo no in te rior, visto que a ad ministração públic a é responsá vel p elo d ireciona men to de fluxo s migra tó rio s p ara a cap ita l, p rin cipa lmente d epois de 1964, quand o hou ve u ma conc entração d e pode res e recursos nos go vern o federa l e estadua l”. 104 So ma -se a isso “A ausênc ia de p olítica s pública s, p rin cipa lme nte vo ltadas para o meio ru ral, ao lado de obra s de in fra -estru tu ra realiza das na reg ião me trop olitana, que atrae m a populaç ão e m bu sca d e e mprego e ou tra s op ortun idad es, prec ipitando o cre sc imento caó tico e desordenado d a cidade ”. 105 Naquela époc a havia ta mbé m a rep ressão por parte do g o verno milita r ao mo vimen to p ela de mocratizaç ão das te rras do c a mpo qu e con ta va c o m forte apoio de se tore s d a Igreja Cató lica. Contudo , apesar de ter exerc ido fo rte influên cia jun to aos traba lha dores ru ra is conforme é possíve l se perceb er a té h oje co m Movimento dos Tra balh adore s R urais Se m Terra (MST) e nos Sindicatos de Trab alhado res Rurais (STR 's), ta is 103 104 105 Oliveira, Alexandra M. de. A contra-reforma agrária do Banco Mundial e os camponeses no Ceará – Brasil. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005, p. 141. Costa, Ana C. L. Cidade 2000: expansão urbana e segregação espacial em Fortaleza. Universidade de São Paulo, dissertação de mestrado, 1988, p. 15. Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 102. mo vimen tos não lograra m viab ilizar a refo rma agrária no país, ta mpouco no Cea rá. No lugar da refo rma agrá ria , con forme a ssinala Alexandra O live ira, “a política d e mode rniz ação da agricultura foi imple menta da co m ba se e m paco te s tecno lóg icos importado s se m ne nhu ma preo cu pação co m a socie dade e a na tureza, co m pouca in te rfe rênc ia na estrutura fundiária e mu itos impa cto s nega tivo s socia is e a mbie nta is”. Junta men te a isso esta va m “a se ca de 1979 e 1983 e o apa rec imen to da p raga do b icud o, e m 1986, agra va ra m a crise no ca mpo cearense” expulsando milhares de sse s trab alh adores para a região de Fo rtale za . 106 P ara as pessoas, a s metrópoles ofe rece m u m p otenc ia l de possib ilidade s a tu ais e fu tura s inco mpara ve lmen te maio res do qu e as c id ades pe quenas e méd ia s, sob re tudo pelas oportun idade s de assa la ria men to e biassala riamen to (possib ilidad e de ob tenção de do is salários e m dup la jorna da), de e sco lariz ação, de ascen são so cia l, dentre outra s van tagen s. O espaço urbano é ta mb é m um ob je to de grande de manda tend o em vista se r este um loca l privilegiado de acu mulação de cap ita l e de re produção da força de tra balh o. Esses fa to res faz e m co m que o Cea rá aprese nte u ma co nfigu ração e spac ial alta mente concentrada d o ponto de vista pop ula cion al e do ponto de vista da disposição de infra -estru tura nos vá rio s lu gare s. P ara se te r u ma noção da ex tre ma concentraçã o populac iona l no Estado do Ceará, a sua cap ita l, Forta leza, por exe mplo, te m u ma populaç ão dez veze s maior do que a segunda cid ade ma is populosa do Estado, Caucaia, que fica lo calizad a no o este da Regiã o Me tropo lita na. 2.1 Mercado de Trabalho em Forta leza O co mporta mento do s se to res que co mp õe m o mercad o de traba lho de Fo rtaleza é u m ind icado r 106 Oliveira, Alexandra Maria de. A contra-reforma agrária do Banco Mundial e os camponeses no Ceará – Brasil. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005, p. 136 (Tese de Doutorado) Vale para as dias passagens do parágrafo. funda me nta l p ara o estudo da con figu ração territorial. A pre va lênc ia de se tores espe cíficos e m dete rminados perío dos te mporais a ju da -nos na busc a po r u ma no ção d a forma e , sobretudo , d a s funçõe s qu e c ada lug ar d a cidad e assu me e m mo mento s de te rminado s. Co mo vimos, o co mporta mento de ssa variá vel pode ser en ten dido ta mbé m co mo u m ind icado r da e me rgênc ia d e n ovo s grup os políticos, co mo o pe río do in ic iado co m o primeiro go ve rno de Tasso Jereissa te e q ue ficou conh ecid o co mo “go ve rno das mudanç as”. Na década de 1980 te mos u m se tor industria l e m franca a scendênc ia lo caliza do e m Fo rtaleza e nos mun ic íp ios viz inho s. Ta mbé m nesse pe río do o Estado do Ceará pa ssa a ser forte indutor e u ma espéc ie de laborató rio de po líticas de vié s neo libe ra l tanto na cida de quanto no ca mpo, e ma nados por institu içõe s mu ltila te rais. A seguin te passage m é eluc idativa pa ra de mo nstrar aqu ele mo men to de Forta leza e m su a c ondição de “ me trópole perifé rica ”: / . . . / a s e s t ra t é g i a s d e f e n s i va s [ d a e c o n o mi a ] f o r a m a s ma i s d i ve rs a s , desde as decisões do poder local, de a t ra ç ã o d e c ap i t a i s p r i v a d o s v i a gu e r ra f i s c a l a t é a e s t r a t é g i a d e f e n s i va d a s e mp re s a s d e f ra g m e n t a r e m a s s u a s cadeias p ro d u t i va s e b u s c a re m localizações privilegiadas para a re d u ç ã o d o s c u s t o s d e p ro d u ç ã o e a u m e n t o d a c o mp e t i t i v i d a d e . É n e s t e c o n t e xt o q u e d e v e s e r e n t e n d i d a a e m e rg ê n c i a de Fo r t a l e z a c o mo 107 me t ró p o l e p e r i f é r i c a . O mercado de traba lho e m Fo rtaleza passou por diversas tran sfo rmaçõ e s no de correr da segun da me tade do século XX e a che gad a ao poder po lítico d e sse grupo de e mpre sários in dustria is ajudou a ace lerar e sse p roce sso. 107 Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 25. As políticas go verna menta is passa m a ser direc iona das para a atração de e mp resa s d e fora do território , de ntre essa s políticas pod e mo s destaca r: os incen tiv os fisca is, a cessão de te rreno s pú blicos pa ra in sta laç ão de plantas industria is, a qua lifica ção da mão de obra vo lta da p ara as de manda s indústria is, a ofe rta de in fra -estru tura e ene rg ia elé trica aba ixo d o va lor de me rcado , en tre outra s formas de inc entivo, alé m, é claro, da abundan te o fe rta de mão de obra b ara ta que fo i fruto e m la rga med ida d as mig raçõe s para a Reg ião Me tro politan a e m bu sca p or me lhores condiçõ es de p roduç ã o da vid a, sob re tudo, no traba lho industria l. A po lítica gove rna mental era vo ltada para a industria lização co m a justifica tiva de co mba te à pob reza. Tal co mpo rta men to do Governo do Estado d o Ceará nos ajud a a explica r co mo , no decorre r da déc ada de 1990, o estado viu seu pa rque industria l man te r-se e mesmo a mplia r-se, na c ontra mão da tendênc ia que vinha ocorre ndo co m os ou tro s Estados. Segundo Bernal, “a reestru tu ração industrial q ue ve m se rea lizan do no B rasil desde mead os dos ano s 1980 marc a a de sestrutu ração de ve lha s á reas industria is fo rd istas e m São P aulo e estad os do Sul”. A auto ra co mp leta co m a seg uin te pa ssage m, “/... / a busca de co mpe titividade d estas firma s a partir da abertura co merc ia l d o s ano s 19 90, p ode e xplicar pa rte dessa mo bilidade de c apitais e de plan ta s in dustriais que vão se concretiza r co m a p rática de gu erra fisca l e d e outro s mecan ismos d e atração de c apita is pro mo vido s pelos go verno s estadua is” 108. Ocorria no país u m p roce sso de descon cen traç ão industrial, “co mo dec orrênc ia da estra tégia de lib erad a pelo II P la no Naciona l de Desenvolvime nto (P ND) da p rolo ngada crise econô mic a que teria a fe tado significa tiva mente as regiõe s co m ma io r desen vo lvimen to industria l” 109. Ainda segu ndo Berna l, no caso d os Esta dos do Nordeste, no s anos 1990, as conseq uência s da 108 109 Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 38. Ibidem, p. 41. 'p rivatizaç ão do Esta do ' fora m d rá stica s, ten d o em vista o desapa rec imen to do p laneja men to reg iona l e das po lítica s co mpensató rias, ficand o u m vaz io qu e va i se r p reench ido pela guerra fisca l, e o utra s tá tic as d e a tra çã o de ca pita l priva do. Os e fe ito s d essa gu erra pa ra o Estado do Ceará são exp ressos p ela au to ra da segu inte fo rma : N e s t e p e r í o d o ma i s r e c e n t e a l gu n s estados do N o rd e s t e entram em d ep re s s ã o , enquanto o u t ro s se f a vo re c e m c o m a s e s t ra t é gi a s c i t a d a s , d e s t a c a n d o -s e , n e s t e ú l t i mo c a s o , o C e a rá , a P a r a í b a e a B a h i a , q u e , e mb o ra s e ap r e s e n t e m c o m e l e v a d a s t a x a s d e c r e s c i me n t o e c o n ô mi c o , s o f re m c o m a a u s ê n c i a d e p o l í t i c a s p a r a o c a mp o , t e n d o e m vi s t a o ê xo d o ru r a l -u rb a n o p ro p o r c i o n a n d o i mp a c t o s s o b re o me r c a d o d e t r ab a l h o e s o b re o a u m e n t o 110 d a s f a ve l a s n a s c ap i t a i s Apesar da descentra lização industria l o corrida no Brasil, aind a pred o min a no Nordeste b rasile iro a indú stria de ben s d e c onsu mo nã o -durá veis e de p roduç ão e m massa, ta mbé m conh ecid a co mo fo rdista . Essa cara cterística va i ser ob servada p rin cip a lmen te n a pro dução in dustrial d os seto res ca lçad ista , vestuá rio e a limen tíc io, que se loca liza m p redo minan te mente na Região Metropolitan a de Fo rta lez a. Ainda seg undo a au tora, da s 98 e mp resas imp lan tada s até 1997 (no Ceará), ce rca de 73 loca liza va mse na RMF, rep rese nta ndo u m in ve stimento d e R$ 1.004,4 milhões e a g eraç ão de 20,4 mil e mp regos. Alé m do exposto ac ima : a mé d i a d e c r e s c i me n t o d o C e a r á n o p e rí o d o d e 1 9 7 0 a 2 0 0 1 f o i d e 6 , 7 % , e n q u a n t o a d o N o rd e s t e f o i d e 4 , 7 6 % . O 110 Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 42. setor que mais contribuiu com o c r e s c i me n t o d o e s t a d o f o i a i n d ú s t ri a , q u e ma n t e ve t a xa s d e c r e s c i me n t o e l e v a d a s a t é 1 9 8 5 , a p a r t i r d a í h á u ma t e n d ê n c i a d e q u e d a d o P IB i n d u s t r i a l a t é c h e g a r a u ma t a x a n e ga t i va d e 111 3,91% em 2001 Essa tendên cia de redu ção do e mp rego na ind ústria é aco mpanha da de u m au mento da info rma lidad e no me rcado de trab alho , entre tanto, já na segun da me tade dos anos 1970 constatou -se a a mpliaç ão do nú mero de sube mp regado s e a ex pansão do se to r in formal. Ape sar dessa tendên cia “no fina l dos ano s 1990, Fo rta lez a se coloca e ntre as cinc o p rinc ipa is me trópo les, c uja indústria e mpreg a mais d e 20% da popu lação ocup ada” , a lé m disso, foi a “única re gião metrop olitana a reg istra r au mento na oferta de e mp rego ind ustria l no p eríodo de 1986 a 1996, co m a c riação d e 4.279 novo s po sto s de traba lh o”. 112 Em 1 981, o e mprego industria l e ra superior a 20% nas no ve maio res me tró poles bra sile ira s. Ao final do s anos 1990 o e mpre go indu stria l só u ltrapa ssa va a mé dia do conjun to (22 ,8%) e m cinco metrópo les: Belo Horizon te (26,8%), São P aulo (25,7%), P orto Ale gre (27, 4%), Curitiba (26,7) e Forta leza (23,9%) 113. Note -se q ue a única metrópo le da re gião n ordeste a ter u m níve l de e mprego industria l ac ima d a mé dia n acio nal e ra a Região Metropolitana d e Forta leza. Ainda segundo Bernal, “o prole ta ria do da in dústria, que se manté m re la tiva men te e stá ve l a pa rtir d e 1988 , passando de 23,7% pa ra 23,4% e 22,3%, resp ectiva me nte , nos anos de 19 88, 199 5, 1999, o que reflete o esfo rço do Ceará a tra vés da gue rra fisc al” , a au tora co mple menta dizendo que “e sta tend ência é con trá ria ao d a ma ioria da s 111 112 113 Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 65. Ibidem, p. 70. Ibidem, p. 127. metrópo les b rasileiras que passa ra m p or u m processo de desind ustria liz ação a p artir dos ano s 1980” . Isso , ape sar da abertura co merc ia l ocorrida no Brasil dura nte a d écada de 1990, e m qu e mu ita s indú strias não resistira m fren te à concorrênc ia ex te rna e as impo rtações sen do le vad as a falê ncia. En tre tan to, mais u ma vez cabe in dagar sobre a qualidade d esses e mpregos e sobre o ônu s a ssu mido p elo Estado pa ra a trair ta is e mpre sas, que enc ontra ra m no Ceará in cen tivo s vu lto sos tan to no qu e diz re speito a áreas para insta la r as indústrias - que mu itas vezes e ra m doaçõe s do Estad o - co mo e m re lação à o ferta d e insu mos a exe mp lo da ene rg ia e létrica, a lé m da gran de oferta d e força de trab alho a ba ixo custo p resen te n a metróp ole . P or interméd io de pesquisa e mp írica re aliza da co m um grupo de fa mílias da reg ião de Fo rta lez a entre 1979 a 1983, período que e la c arac teriza co mo d e crise provoca da pelo fim do “ milag re econô mico ”, a ec ono mista Lian a Casimiro iden tifica a lgu mas tendênc ias imp ortan te s do co mporta mento do mercad o de traba lho , co mo por exe mp lo, o au men to d a P opulação Econo mica mente Ativa , a P EA, “que c resce 18,1%, sendo q ue o nú me ro de ocupados cre sce 9, 1% e o de de se mp regad os 176,3%, n o perío do”, indicando u ma paupe riz ação do s traba lhadores naquele pe ríod o. A tax a de d ese mprego pa ssa de 5, 4%, e m 1979, pa ra 12,6% e m 1983. E m 1984, o S INE -IDT iden tifica va u m dese mprego abe rto de 15,82 % 114. Desse grupo, “a participação das mu lhe res se a mp lia no gru po dos dese mpreg ados. E m 197 9, 34,2% são mulheres e e m 1983 a pa rtic ipaç ão fe min ina asce nde pa ra 43,8% d os dese mp regado s” 115. Alé m deste fa to a p esquisado ra constatou que en tre os e mp regado s há u ma e vidênc ia de redução da renda média e “rea firma -se a maio r instab ilidade dos ganh os en tre os e mp regado s, re velando, contudo, que o g rupo fe min ino, e m qua lqu er po siç ão, é 114 115 Casimiro, Liana M. C. Acumulação capitalista, emprego e crise: um estudo de caso. São Paulo: Instituto de Pesquisas Econômicas, 1986, p. 125. Ibidem, p. 127. mais pena lizado” . 116 Nas conc lusõe s de sua pesqu isa , Casimiro fala sob re a re lação en tre me rcad o formal x me rcado in formal e nos info rma que : Me re c e menção o n ú me ro de e mp re g a d o s c o m ví n c u l o . O v í n c u l o c o n s i d e ra d o i n c l u i t a n t o a c a rt e i r a p ro f i s s i o n a l a s s i n a d a , c o mo a p o s i ç ã o e s t a t u t á r i a , n o s e r vi ç o p ú b l i c o . E m 1 9 7 9 , 7 5 , 9 % d o s e mp r e g a d o s t i n h a m ví n c u l o . P e rc eb e -s e , p o r t a n t o , o g ra u d e p e n e t ra ç ã o d a s r e l a ç õ e s t r ab a l h i s t a s n a R M F. N ã o s e p o d e e s q u e c e r, c o n t u d o , a i mp o rt â n c i a d o e mp re g o p ú b l i c o n a c o n f i gu ra ç ã o d e s s e q u a d r o . J á e m 1 9 8 3 , o n ú m e ro d e e mp re ga d o s c o m v í n c u l o re d u z -s e p a ra 6 9 , 8 % d o t o t a l . Es s a p o d e s e r e n t e n d i d a , c l a ra m e n t e , c o mo u m a re a ç ã o d a s e mp r e s a s n a t e n t a t i v a d e re d u z i r o s c u s t o s , r e d u z i n d o e n c a rgo s t r ab a l h i s t a s e f u gi n d o d e r e aj u s t e s 117 s a l a ri a i s p e ri ó d i c o s . Mais u ma vez Lian a Casimiro iden tific a u ma impo rtante p rese nça d e mu lhe res no merca d o de trabalho info rma l, a ssoc iand o isso a “u ma maio r flex ibilidade d as condiçõ es de trab alho ” , sendo assim, e sse se guimen to da populaç ão poderia se r carac teriza da co mo a “ flex ib ilidad e da fle xib ilida de” (sic !). Segundo a pesq uisa a autora, en tre os anos de 1979 e 19 83 , a info rma lidade sai d e 45,5% para 52,3%. No â mb ito da diferenciação da ren da seg undo condiçã o de fo rma lida de ou in formalidade , Casimiro nos mo stra q ue: N o a n o d e 1 9 7 9 , p o r e xe mp l o , 6 8 , 5 % dos ocupados no informal ganham até 2 116 117 Casimiro, Liana M. C. Acumulação capitalista, emprego e crise: um estudo de caso. São Paulo: Instituto de Pesquisas Econômicas, 1986, p.140. Ibidem, p. 147. s a l á ri o s - mí n i mo s d e r e n d a m e n s a l , sendo que destes, 32,6% ganham até ½ s a l á ri o mí n i mo d e r e n d a m e n s a l . N e s t e me s mo a n o , e n t r e s ó o c u p a d o s n o f o rm a l , 4 4 % g a n h a m a t é 2 s a l á ri o s mí n i mo s d e r e n d a me n s a l , s e n d o q u e d e s t e s , ap e n a s 1 % g a n h a a t é ½ s a l á ri o mí n i mo d e re n d a m e n s a l / . . . / e m 1 9 7 9 o s e t o r f o r m a l ab s o r vi a 5 4 , 5 % d o s ocupados e 78,1% da renda total. Em 1 9 8 3 , a d i s t ri b u i ç ã o d e re n d a e n t r e o s d o i s s e t o re s e vi d e n c i a u m maior e mp o b re c i m e n t o d o s e n g aj a d o s n o s e t o r i n f o rm a l . Es s e s e t o r, e m 1 9 8 3 , p a s s a a ab s o r v e r 5 2 , 4 % d o s o c u p a d o s e ap e n a s 2 2 , 7 % d a re n d a t o t a l , e n q u a n t o o f o rm a l , r e d u z a s u a ab s o r ç ã o p a ra 4 7 , 6 % d o s o c u p a d o s ma n t e n d o u ma 118 p a rt i c i p a ç ã o n a r e n d a t o t a l d e 7 7 , 3 % A pesqu isado ra iden tifica ain da u m au me nto d a impo rtância do se to r te rciá rio que a mplia sua absorç ão no nú mero de ocupado s n aquele pe ríodo , pa ssan do de 75 ,9% para 76 ,4%, o u se ja , in tensific ando a tendência de co mando do terc iá rio na ocup ação n a R MF. Casimiro afirma a inda que “a maio r p resença de e mpregado s com víncu lo, nos S erviços (69,2%), re flete a importâ ncia do e mprego púb lico na RMF” 119. Volta re mo s a esse assun to mais ad ian te. Atu almente , dado s do Instituto d e Desenvolvime nto do Trabalho pa ra o me rcado de trab alho info rma l e m Fo rtaleza diz e m qu e en tre 200 0 e 2007 , o au men to do traba lh o co m ca rte ira assinad a fo i aco mpanha do do au me nto do traba lho in fo rmal. O estudo aponta ainda qu e no perío do e m refe rênc ia o ritmo de cresc imento do trabalh o in formal de 1 68,8 mil vaga s, foi maio r que o do c rescimen to d o traba lho co m ca rte ira 118 119 Casimiro, Liana M. C. Acumulação capitalista, emprego e crise: um estudo de caso. São Paulo: Instituto de Pesquisas Econômicas, 1986, p. 149 e 150. Ibidem, p. 168. assinada, co m 116 ,7 mil vag as. Os dados b rutos ta mbé m nos ind ica m u ma maior p rese nça do tra balho in fo rma l fren te ao trab alho co m ca rte ira a ssinada. Em 2008, a estima tiva de traba lh adores co m ca rteira assinada em Fo rta lez a era de 3 82 .578 mil, já a de traba lhadores atuando n o se tor in formal no mesmo ano, era de 460.104 mil traba lhado res. Isso dá u ma diferença de 77.526 trab alha dore s. S egund o ma té ria pub licada no po rtal Overmundo 120, a fac ilida de de se r o p róprio “c hefe” trás a “satisfação no trabalho”, o que faz co m que mu itos trab alha dore s op te m p or a tuar na informalid ade ape sar da instab ilidade . O que a paren ta u m “horro r” é a ma is pu ra realidad e de c onsideráve l p arce la d os trab alhado res no Estado d o Ceará . A tendên cia ao terc iá rio se confirma n a dé c ada de 1990 que, segundo Berna l, “ ve m aco mp anhada da flex ib iliza ção da s re la ções de trabalho e da preca riz ação do e mpreg o, co m u m g rande au mento da in formalidade ”. 121 Ainda para a sup rac itada au to ra, o c resc imento ma is notá ve l do te rc iário a contec e nos se rviços de co mé rc io a mbulante , ho spedage m e a limen taçã o, serviços d e ad min istração, limpeza e vig ilânc ia, de se rviços técn ico profission ais e de inc orpora ção de imó ve is. Na estru tura produtiva da RMF obse rva -se u ma p repond erâ ncia do seto r de serviço s, e videnc ian do a imp ortânc ia que e sse seto r de ativida de te m e m re la ção ao e mpreg o metro politano . E m 1981 o e mp rego nos serviços rep resen ta va 67,0 8%, a partir daí, só c resc eu, ch egan do a 73,30 % e m 1999. Já a indústria viu sua in flu ência d iminu ir n o mesmo período, chegando e m 1981 co m u ma participação de 28,07% e em 1999 co m 23,30% no e mp rego to ta l ge rado da metrópo le. A agricultura e m dec adê ncia viu sua pa rtic ipa ção min guar ainda mais, obse rvando -se 4,84 %, e m 1981 e chegando no início do sé culo XX co m apen as 3,17% do e mp rego 120 121 Fonte: http://www.overmundo.com.br/overblog/mercado-informal-em-fortaleza Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 127. gerado 122. Com as tra nsformaçõe s obse rvada s no merc ado de trab alho ao lo ngo das décadas traba lhadas, c onclu i-se que os impac tos econ ô mic os, de mog rá fico s e só cio -espac ia is para a Região Me tropo lita na de Forta leza fo ra m profundo s, co m u m cre scimen to de mográ fico marcad o pe la cresc ente mig raçã o ca mp o -c idade , expansão territo ria l da região e au mento da p olariza ção, que vai de marca r o seu processo d e metropo lização, cre sc imen to d a seg regação espac ial e da s d esig ualdade s de renda . C leide Be rnal aponta o q ue co nsid era o s fa tore s d a e mergênc ia d e Fo rta lez a co mo “ metrópo le e me rgen te”: i) a desconcen tração ind ustria l decorren te da política neoliberal; ii) a mode rnizaçã o tecn ológ ica e organ iza tiva ; iii) estra tég ia po lítica de a traç ão de inve stimentos industria is; iv) fatore s geográ ficos e paisa gísticos que fa vore ce a expansão do turismo. Na a valiaç ão rea liz a da pe la pro fessora sobre o cha mado “go verno d as mu dança s”, con sta que a estra tég ia foi vanta jo sa para o e stado se ob servarmo s do ponto d e vista estrita mente econô mico. En tre tan to, cabe m questiona men tos e m rela ção à concepç ão da política gove rna mental qu e ben efic iou pou cos seto res da indústria e não re spondeu à s de manda s do s enorme s seg men tos populac iona is meno s fa vo rec idos e que estão e m cresc imento na metróp ole. E ste período, aind a segundo a autora, é ma rcado po r u ma “sag rada a lian ça” entre o capita l modern iza dor naciona l, o cap ital inc orporador de imó ve is residenc ia is e co merc ia is de orige m loca l e o capita l fin ance iro inte rnac iona l de institu ições mu ltila te rais, qu e fo i a plicado e m ob ras pú blicas. Apesar da impo rtân cia da indústria na ab sorção de mão d e ob ra, “o se to r terciário co me rc ial é muito forte e m Fo rta lez a: a cid ade se insere entre o s três p ólo s co me rc iais 122 Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 132. Segundo dados do IBGE/PNAD para: 1981, 1989, 1995 e 1999. Tabulação: Observatórios das Metrópoles. do ra mo de con fecç ões ma is importan tes do cenário naciona l e te m o ma io r cen tro co me rc ia l de autopeç as da região no rdeste”. 123 Após o e sgota men to d a polític a industria l p ra tic ada p elo 'go verno das mu danças', os serviços passaria m a ser o se to r eco nô mico do minan te, contribu indo pa ra a a firmaç ão de u m n o vo conjun to de arran jo s e ac o modaç ões no me rcado d e traba lh o. Já foi falad o da impo rtânc ia do e mpre go púb lic o na consolida ção da ca pita l do Ceará, isso o corre há bastante te mpo se recordarmos a criação, aind a e m 19 09, da en tão Inspe toria de Obras Co ntra a s Se cas (IOCS), e que a partir de 1945 passa a ch a mar-se Depa rta men to Naciona l de Obras Con tra a Seca – DNOCS, isso ta mbé m se deu co m a escolha de Forta leza c omo se de do Banco do Nordeste do Brasil, o BNB, criado e m 1952, para cita r apenas do is exe mp los de ó rgã os, um nac iona l e outro regiona l. Ana Costa registra ou tro eve nto oco rrido à ép oca de sua pesquisa d e d issertaçã o, mo mento e m que “ a P refeitura Munic ipa l de Fo rtale z a e mprega va 40 mil pessoa s e m jane iro de 1986. C om a de missão de func ioná rios contrata dos irregularmente no pe ríodo eleito ral, acu mu lando ca rgo s ou não exercendo suas ativida des, o quadro fo i re duzido para 27 .000 func ionários” 124. Não fora m encon trad os os número s oficiais de funcio nários públicos mun icipais e ne m e sta duais lotado s na cap ita l atua lmen te. Casimiro postu la que o fato de ter de tec tado melho res ganho s entre os e mp regado s de ve -se fo rte men te ao e mprego púb lico, isso a juda a en tend er po rque a de manda por esse tipo de e mp rego é tão g rande. Já em rela ção a qua ntidade de func ioná rio s terc eirizados atuando na gestão p ública, não há con se nso en tre a P refeitura de Fo rtalez a e o Sind ica to dos Servid ores e Emp regado s P úblicos do Mun icípio de Fo rta lez a, a primeira afirma ex istire m e m torno d e dez mil 123 124 Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 141. Costa, Ana C. L. Cidade 2000: expansão urbana e segregação espacial em Fortaleza. Universidade de São Paulo, dissertação de mestrado, 1988, p. 15. funcionários ne sta situ ação, enquan to que a dire to ria do SIND IFORT afirma ex istir ma is de doze mil funcionários terc eirizados 125. Essas informaçõe s no s dão u ma idé ia da oferta deste tipo de e mp rego na c idade de Forta leza so men te no s ó rgão s pú blicos municip ais. Se obse rvarmos o co mp orta me nto d a estrutura do P roduto In te rno Bruto do Estado do Ceará , c onsta ta re mo s uma tendênc ia de qu e da acen tuada do P IB agropecu ário, que varia de 1 6,68% e m 1980, pa ssand o para 12,13% e m 1990 e ch egando a 5,2 0%, e m 2003. Con traria mente a essa tendênc ia, ob serva -se que o P IB industria l o bté m 24, 77%, 33,75% e 37 ,02%, respectiva mente para os mesmo s ano s. Já o seto r de se rviço s man té m-se re la tiva mente e stáve l co m particip ação de 5 8,55%, 54,12% e 57 ,7 8% e m 1980, 1990 e 2003. No que d iz respeito ao peso do P IB cea rense e m rela ção a o P IB nord estino, obse rva -se u ma participaçã o rela tiva mente e stá vel, va riando d e 13, 78%, p ara 12 ,59% e 13,70% no s me smo s an os 126. Araújo re su me da segu inte fo rma qua l se ria o cará ter gera l do mercado d e trab alho e m Forta leza “o mod elo loca l, d esde o início d a me trópo le, possu i u ma configuraç ão mista do capita l se cundário a ssoc iado ao terc iá rio , assim ta mbé m co mo a c idad e mercan til, do mina da po r relações mund ia is, ou seja , e sses a spec tos não são méritos ou exp ressão da atua lidade” . 127 Contudo, co mo a ob se rvação do co mpo rta me nto do mercad o de trab alho se relacio na o ob je tivo c entral d esse capítulo, qua l se ja, o d e debater a con figura ç ão territo rial da região de Fo rtaleza ? Indic a mos pe lo me no s dois nex os existen tes en tre a mbos. P rime ira men te, pode mo s afirmar que a c oncen tra ção da s indústrias e, por con sequin te , do e mprego industria l na Região Metropo litana de Fortaleza 125 126 127 Fonte: Jornal O Povo de 25/04/2008 “Prefeitura de Fortaleza aumenta gastos com terceirizados”. Segundo dados da SUDENE/CPE/INE e IBGE. A estrutura percentual do PIB por setor econômico é relativa a calculos realizados pelo BNB-ETENE-CIEST Araújo, Ana M. M. Fortaleza, Metrópole Regional. Trabalho, Moradia e Acumulação. Fortaleza: Eduece, 2010, p. 154. e m detrimen to do inte rio r do Estado, indic a m u m fo rte fato r de a tra ção de tra balhado res d ese mpreg a dos para essa região do Ceará, causa ndo u ma concen tração populac iona l que ce rta men te influ enciou a expan são urbana e a acele ração do pró prio processo de me tropo lização. Alé m disso, é de se imag ina r 128, que no ento rno dos lugares qu e recebe ra m as indústrias, su rg ira m ba irros operá rio s, conjun tos habitac iona is da c lasse trab alh ado ra, co mo po r exe mp lo, a Ba rra do Ceará ou o P ira mbú e m dete rminada época, e mesmo verda deiras “c idades industria is” como Maracan aú, pa ra fica r apenas nesses exe mp lo s. E m segundo lu ga r, a fo rte pre sença do e mprego público fa vore ceu o su rgimen to de b airro s “se mi-nobres” , d e classe méd ia, c o m c arac terísticas d istintas desses qu e acaba mo s de de scre ve r, o me lhor exe mp lo disso é u m bairro loca lizado n o sudoeste d e Forta leza deno minado “Cidade dos Func ioná rio s”. No deco rrer de sse cap ítu lo espera mos que e ssa s qu estõe s fiqu e m mais c laras. 2.2 Metropo lização O processo de metropolização de Forta leza fo i impu lsionado po r d ive rsa s va riá ve is que pode m se r co mparadas àque la s d o pode r g era l de atração das g rande s cidade s, den tre os qu ais figu ra m pro cessos singu lare s a cada c idade e m e spe cia l. A falta d e in ve stimen tos e políticas púb licas vo ltadas pa ra o me io rural ta mbém contribu íra m co m o cresc imen to de sco ntro lado da metrópo le Fo rta lez a, p rinc ipa lmente nos último s 30 anos. A reg ião me tro politana de Forta leza fo i criada ofic ia lme nte e m 1973, atendendo à Le i Co mple me nta r nº 14/73, oco rrendo an tes mesmo da manifesta ção do processo d e me tropo liz ação e m si. Te m 3.483 k m², sendo 912 k m² de área u rban a e 2.571 k m² de á rea rura l. Dos 13 mu nic íp ios qu e co mpõ e m a RMF, a té o ano 2000, apenas Fo rta lez a po ssu ía u m P lano Dire to r qu e d isc ip lin a va o u so 128 Trabalharemos melhor essa questão nos próximos itens do capítulo. e ocupação do solo por meio de zon ea men to. Fo rta lez a é o cen tro da RM q ue é co mp osta a inda pelos segu in tes mu nic íp ios: Cauca ia, São Gonçalo do Ama rante, Maracan aú e Ma rangu ape a oeste ; Ita itinga , P acatuba e Guaiuba ao su l; Horizon te, P acaju s e Choroz inho a sudeste ; e Aquiraz e Euzébio a le ste . Se ndo que o s mu nic íp ios de Horizo nte, P aca jus e São Gonsalo d o Ama rante, fo ra m inc orporados à RMF so men te e m 29 de deze mb ro de 1 999. A econo mista C leid e Bernal 129 afirma qu e tod os os mu nic íp ios da reg iã o passa m por u m processo d e integraç ão so cioe conô mico bastan te intenso, estab ele cendo graus d e conu rbação co m o c onglo merado urban o Fo rta lez a -Cauca ia -Maracanaú, co m possib ilid ade fu tura d e estab ele ce r-se co mo u ma grande região integrada, com funções d iversificadas, polarizada por Fortaleza, que co mpro vada men te terá uma espec ia lização cad a vez maio r na prestaç ão de serviç os cultu rais, de saúde , de laz er e outro s. Essa d inâ mica da Região Metropo lita na con tra sta co m o restan te do e stado. Ve ja mo s. No ano de 1999, “ a Região Metropo litan a de Forta leza pa rtic ipa va co m 59 ,7% da renda fa milia r gerad a no Estado do Cea rá, apresentan do uma renda méd ia me nsal d e 21 4,60 rea is, be m su perior à do in terio r, que e ra de 91 rea is” . 130 Essa me trop olizaç ão é explicada pe la capa cidade de atra ção que tod as as grandes c idade s tê m e no caso de Fo rta lez a, isso foi agra vado pela ação do po d er púb lico – políticas púb licas de habitação e pe la g uerra fisc al pa ra atra ção de indústria s d urante an os d e 199 0 – pela lóg ica priva da d e a prop riação do so lo u rbano , p ela de manda por força d e traba lho que induz iu a migração para aque la região, pe la din â mica socia l, p ela ofe rta de se rviço s, p ela 129 130 Ferreira, Assuero. A aventura da sobrevivência: As migrações cearenses na década de 1990. Fortaleza: UFC, 2004. (Tese de doutorado em Sociologia, Departamento de Ciências Sociais). Apud Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 137. Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 91. infra -estru tura co nstruída (po rtos, estrada s, ferro vias, etc. ), de ntre ou tro s fa tore s. O que de fato é importan te percebe r é que todos e sses e le me nto s c ontrib ue m co m u m tipo de de sen vo lvimen to soc ial que só pode se r encon trado nas me trópo le s, e is sua grande ca rac te rística, seu lugar espec ífico e o segre do do poder de a tração da s me trópo le s – o que c ha ma mos n o primeiro c apítu lo de “ ser soc ial” e que se enc ontra ma is ple na men te ma te ria lizado ne sses espaços. Do ponto de vista espac ial, u m ag ra van te é a concentraçã o de in ve stimen tos na RMF. De aco rdo com Bernal “ no fina l dos a nos 1990, Fo rta lez a se coloca entre as c inco p rinc ipais metróp ole s, c uja in dústria e mp rega mais de 20% da popu lação ocupa da”, a lé m disso, fo i a “única re gião metropo litana que mo stra cre scimen to na oferta de e mp rego ind ustria l no p eríodo de 1986 a 1996, co m a c riação de 4.279 novos po sto s de traba lho”, 131 esses dados pode m ser ex plicados pe lo fa to de qu e já vinha se forta lecendo, d esde o fina l dos anos d e 1970 e início do s anos d e 1980 , u ma n o va ca tego ria de in dustriais. Aliado a isso esta va a c o mp leta adesão à gue rra fisca l por pa rte da então ge stã o do go vern o do Estado do Cea rá ao longo do s anos d e 1990 , co nfo rme já visto anteriormen te. Contudo, os recen te s dados da indústria le va m ao en te ndimen to do esgota men to do modelo de d esen vo lvimen to praticad o na década pa ssad a. No se u balan ço da estra tég ia econô mica aplicada en tre os ano s de 1985 e 2000, a econo mista Cleide Berna l ob serva que: a p a rt i c i p a ç ã o d o p ro d u t o i n d u s t ri a l n a f o rm a ç ã o d o p ro d u t o t o t a l c re s c e u s i gn i f i c a t i v a me n t e em relação aos o u t ro s s e t o r e s a p a r t i r d e 1 9 8 5 e o P IB a g ro p e c u á ri o ap re s e n t o u u m a q u e d a s i s t e m á t i c a a o l o n go d o p e rí o d o 1 9 8 5 2000, p e rm a n e c e n d o o setor dos 131 Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 77. serviços com a maior participação na 132 f o rm a ç ã o d o P IB c e a r e n s e Os nexos encon trados en tre indústria e metropo liz ação são muito claro s na c ria çã o da Região Metropolitana de Fo rta leza. Be rna l explica qu e a dinâ mic a da a tividade industria l segue u ma trajetó ria de afasta men to do seu p rinc ipa l núc leo urb ano: “e ssa exp ansão fo i, e continua sendo, o fa tor mais forte e re sp onsá ve l pelo processo de ocup ação do espaço territo rial urbano da Região Me tropo litana”, 133 sendo que, pa ra a pesquisad ora, este foi o fa tor re sponsá ve l, inclusive, pela maior abrangên cia institu cional co m a incorp oração do s mu nic íp ios de Horizo nte, P acajus e São Gonçalo do Ama rante. Esse ú ltimo mun ic ípio so men te pa ssou a faze r parte da Reg ião Me tropolitan a a pa rtir de 2002, co m a insta lação do co mp lex o portuário e industria l do P ecé m, que tend e a conformar ma is u m pó lo de atra ção da populaç ão do in terior d o estado pa ra a reg ião. No tocan te a in corp oração de no vos mu nic ípio s a mpliando a abrangê ncia instituc iona l da RMF, co mo vimo s, esse fenô men o é in tima men te re lac ionado co m a expansão industria l n a região. Há mesmo processos de conurbaç ão, co mo o q ue são obse rvado s de maneira mais ava nçada entre Fo rtaleza e o s mun ic íp ios de Caucaia e Maracan aú. Contu do, a ções de tip o reg iona l q ue abran ja m todos os municíp ios d a RM são te mas aind a tidos c o mo exóticos pa ra a rac iona lid ade da ad ministraçã o púb lic a do s mu nic íp ios d a reg ião. Os proje to s, prog ra mas e de mais in vestimen tos go ve rna menta is, cu mpre m mu ita s vez es o obje tivo de criar “ van tagens co mpa rativa s” rela tivamen te aos de ma is munic íp ios, no que diz re spe ito à atra ção de in vestimen tos p úblico s e de capita is privad o s nacional e internac iona l, p re va lec endo a lógica da co mpetição. Até mesmo in ic ia tiva s de cará ter b ila tera l são difíce is d e 132 133 Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 79. Ibidem, p. 118. sere m identific adas. O processo de me tro po liz ação de Fo rta lez a p ode se r iden tificado, nu m primeiro mo men to, co mo um espra ia mento e m ma ssa da c lasse traba lhado ra do ca mpo para a c idad e e me smo da c idade pa ra o s mu nic íp ios viz inhos, a tra ído s pe las pro me tida s vanta gens pa ra a reprodu ção de sua vida, espec ia lmen te e m relaç ão ao trab alho e a habita ção. Outro fa tor a le var e m consid eraç ão d esse p rimeiro mo me nto , é a c arac terística da presença con sid erá ve l da segunda residên cia tanto e m Fo rta lez a quan to nos munic ípio s d a reg ião. Da ntas e S ilva info rma m que a maior c oncen traç ão d e segunda s residênc ias encon tra -se nos mun ic íp ios lito râneos e atesta m ta mbé m qu e “na d istribu ição d e segund as residênc ias nos mun icípios coste iros há vo lu me ma ior de unidade s naque le s lo calizado s próx imos a Fo rta lez a. Aquiráz (2 .566 residên cias secundá ria s, e m 1 991 e 4.536, e m 2000 ) no litoral leste . Cauca ia (3.8 77, e m 1991 e 6.540, e m 2 000) e S ã o Gonçalo do A ma ran te (1.197, e m 1991 e 1.8 22 e m 2000 ), no litora l o este.” 134 P or outro la do, ainda segundo os a uto res, pe rcebe -se fra ca concentraçã o de re sidênc ias sec undá ria s no s mun icíp io s nã o litorân eos. Como exe mp lo estão : Itaitinga, co m 24 3 seg undas residênc ias; Ma racanaú , co m 474; Ma ranguap e , co m 765 e Guaiuba, c o m 14 4. O segundo mo men to dese nvo lve -se já e m me io à tendê ncia de terc ia riz ação da econo mia e m decorrênc ia da prefe rê ncia da s fa mílias e m questão, de mo ra re m e m luga res mais a fastado s e m busca da sonhada “qualidade d e vid a”. A ssim, os mun icípio s da região vão torna ndo -se u ma opçã o de primeira morad ia . Os fa tores deste tipo d e e sco lha são muitos. Den tre eles, e stão o au men to da vio lênc ia e a má qualidade d e vida no meio 134 Pereira, Alexandre Q. Veraneio marítimo e expansão metropolitana no Ceará-Brasil: Fortaleza em Aquiraz. Dissertação de Mestrado em Geografia UFC: Fortaleza: 2006, p. 157. Apud Dantas, E. e Silva, J. B. A formação histórica da metrópole e principais tendências de desenvolvimento. In Pequeno, Luiz (Org.) Como anda Fortaleza. Conjuntura Urbana 5. Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Metrópoles, 2009, p. 14. urbano. Fridrich Enge ls (já e m me ados do sé culo XVIII), nos p roporcion a ou tra visão sob re o a ssun to na segu in te passage m d 'A qu estão da hab itação : “A maio ria não está presa , pe las sua s ocu pações, a u m lo cal dete rminado; mu itos lojistas e arte sã os ape nas tê m na c idad e o seu loc al de negócio s se m a mo radia; que m quer qu e for fa zê -lo, prefe re mo rar fora do q ue na c idade po luíd a” 135. De acordo co m Araú jo, “a p eriferia, aos p oucos, d eixa d e se r exclu siva men te te rritório d e pob res, pa ra se tornar espaço concorrido d e outra s classes. Afin al, cre sce , e m todo o Brasil, o mo vimen to de expa nsão para á reas metropo litana s pe rifé ricas, a brigando populaç ões de renda média e a lta e m territó rio s exclusiva me nte re siden cia is ou ve rdade iro s enc la ve s habitacionais de luxo”. 136 O desen vo lvimen to técn ico e e m e spec ia l, do s me ios de tran sporte e de co mun icação , viab iliz ara m e sse segun do mo men to do p roce sso de metropo liz ação, e m que há u m deslo ca men to, me smo não mu ito exp ressivo se to ma rmos e m con ta a popu laçã o tota l da me trópo le , ma s nos sug ere m indicadores pre cio sos de u ma po ssíve l p eriodização da vida da me tró pole . O siste ma de tran sportes fo i instalado de u ma forma que fa vo rece u a inda mais a centra lid ade e xerc ida por Fo rta lez a sob re os o utro s mun ic ípios da região. P ara Dantas e Silva : a r a d i o c o n c e n t ri d a d e d e s e u s i s t e ma vi á r i o o ri g i n a l ma n t é m f o rt e i n f l u ê n c i a n a d i s t ri b u i ç ã o d a p o p u l a ç ã o e d o s p ri n c i p a i s n ú c l e o s d e p r e s t a ç ã o d e s e r v i ç o s . A i n t e n s i d a d e d e s s e p ro c e s s o p ro vo c o u a d u p l i c a ç ã o d a s ro d o v i a s q u e p a rt e m d a c i d a d e e m re l a ç ã o a o i n t e ri o r. S ã o vi s í ve i s o s s i n t o ma s d e me l h o ri a d a q u a l i d a d e d a c i rc u l a ç ã o a o l o n go d e s s e s 135 136 Engels, Fridrich. A questão da habitação. São Paulo: Editora Acadêmica, 1987, p. 55. (grifo nosso) Araújo, Ana M. M. Fortaleza, Metrópole Regional. Trabalho, Moradia e Acumulação. Fortaleza, Eduece, 2010, p. 156-157. c o r re d o re s de a t i vi d a d e e de a d e n s a m e n t o . El e s a mp l i a m a a ç ã o d o mu n i c í p i o p ó l o e r e f o rç a m a s u a 137 c e n t ra l i d a d e . P ensando mun ic íp io p or municíp io da RMF, te mos que Maracanaú orig ina -se do “Distrito Industrial de Fo rta lez a” c ria do e m 1 964, naque la época e ra u m d istrito de Marangu ape e que foi e man cip ado e m 198 4. Maraca naú recebeu as indústria s mais po luido ra s originária s do “corredor indu strial” d a Av. Franc isco Sá (e m Fortaleza ). A partir d e 19 70, inic ia -se a con strução de grand es conjun tos hab itac iona is ao longo das linha s de tre m qu e vão ao Sul e Sudoe ste de Forta leza, no in ício dos anos 1970 e e m Ma racanaú , P acatuba e Cauca ia nos anos 198 0. Os autore s co ncord a m co m S mith e Be rna l no que diz respe ito à iden tificaç ão , “grosso modo” , de qu atro ve to res repre sen tativo s da lógica de transformação d a metrópo le : i) ve tor de espac ia lida de ma is an tiga, re fere -se ao pó lo d e Maranac aú, cu jo proc esso d e me tropoliza çã o pro mo vido pela SUDENE com os incentivos ficais 34 /18, imp licou no estab ele cimen to de distritos indu striais e con jun tos habitac iona is; ii) a o lo ngo do e ixo da BR -11 6, consoante da polític a de re loca liz ação da indú stria in ic iada nos anos 1980, sobre tudo nos mu nic íp ios de Horizo nte, P acajus, Ita iting a e Euzéb io ; iii) d irec iona -se na faixa lito râne a oeste , co m a con struç ão de conjun tos h abitaciona is no mu nic íp io de Cauca ia que receb ia popu laç ões de ba ixa renda de slo cadas d e Fo rta leza , atendia ta mbé m a de man da de laze r, rec reação e turismo a partir dos a nos 1990, a mu dança pa ra lu gar de primeira mo rad ia e re cente mente, co m a insta lação do C omplex o Industria l e P ortuário d o P ecém e m São Gon çalo do A marante , assoc iado à reestru tu ração produ tiva do espa ço pautada no agronegóc io ; e iv) o ve tor que apon ta pa ra o leste da 137 Dantas, E. e Silva, J. A formação histórica da metrópole e principais tendências de desenvolvimento. In Pequeno, Luiz (Org.) Como anda Fortaleza. Conjuntura Urbana 5. Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Metrópoles, 2009, p.28. metrópo le, e n volvend o os municíp ios de Euzébio e Aquiraz, na forma de urban ização litorâ nea por meio de ve rane io ma rítimo, turismo e ta mb é m recente men te, observa -se a tran sfo rmação de sse mun ic íp ios co mo lugar de prime ira re sidênc ia 138. 2.3 Quanto va le, ou é po r m²? H a ve n d o especulação, há c ri a ç ã o me r c a n t i l d a e s c a s s e z e a t e n u a -s e o p ro b l e m a d o a c e s s o a t e r ra e à h ab i t a ç ã o . M a s o d é f i c t d e r e s i d ê n c i a s t a mb é m l e va à e s p e c u l a ç ã o , e o s d o i s j u n t o s c o n d u z e m à p e ri f e ri z a ç ã o d a p o p u l a ç ã o ma i s p o b re e , d e n o vo , a o 139 a u m e n t o d o t a ma n h o u rb a n o . De acordo co m a p rofesso ra Berna l “A inco rporação da construção resid encia l a u ma pe rspectiva de acu mu lação só se e fe tiva ria na déc ada de 1 96 0, quand o o s seto res de ben s d e c a pital e de bens du rá ve is [co nce ito s neoclá ssicos] passaria m a co manda r o processo de acu mu lação, pro mo ve ndo u ma ráp ida urb anizaç ão do espaço nac iona l”. 140 Ainda seg undo a au to ra, “o Siste ma Finance iro da Habitaç ã o (S FH ) e o S iste ma Finance iro de Sanea men to (S FS ) teria m pe rmitido u ma e xpansão se m preceden te s da in te rve nção pública no e spaç o construído urbano”, após 10 a nos de su a reg ula menta ção, a mo bilização de cap ital via poup ança vo luntária ou co mpulsória, fiz era m c om qu e os recu rso s do S FH vie sse m a repre sen tar 12% d o P IB naciona l, a lé m d isso, “a 138 139 140 Dantas, E. e Silva, J. A formação histórica da metrópole e principais tendências de desenvolvimento. In Pequeno, Luiz (Org.) Como anda Fortaleza. Conjuntura Urbana 5. Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Metrópoles, 2009, p.26. (Não consta a referência de Roberto Smith). Santos, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo: Edusp, 2008c, p. 106. Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 148. (vale para as duas passagens do parágrafo). produção de h abitaç ão passa ria a rep rese nta r cerca de 1 /3 da produção to ta l de ha bitações no p aís e os in ve stimento s e m sanea mento bá sico te ria m ating ido me tad e do P IB da década de 1970”. A p artir de 1980 su rge m co mo figura s centrais do proc esso de produção do e spaço urbano brasileiro os pro mo tores imob iliá rio s que a mplia m o foco da pro dução de habitação pa ra a p roduç ão de imó veis co merc ia is, co m in ve stimen to e m escritó rios e ou tros imó ve is co m esses ob je tivo s. Em seu estudo rea liza do no ano de 1 986, An a Costa aponta que “a po lítica habitac iona l, a dota da p elo go verno milita r privilegio u a c onstrução de con jun to s, p lantados e m á reas d istan tes do s ba irros equ ipados. Os conju nto s José Walte r, C idade 2000, Conjun to Ceará, No va Assunção, P almeiras, e xe mplific a m be m a aplicação dessa política” 141. Isso p ode ter oco rrido p or du as razõe s. A primeira é q ue n este mo men to Fo rtaleza já encontra va -se toda loteada e este e ra u m fo rte á lib i que justifica va a insta lação desses con ju ntos distante s do Centro da c idad e. Em se gundo lug a r, e m alguns c asos, a loca liza ção se d á e m função d a prox imidad e co m a s indústria s, facilitando o deslo ca men to da mão d e obra , co mo é o caso do Bairro do José Walte r, que faz fronteira co m o munic ípio de Maracan aú, e dos con juntos hab ita cion ais co nstruíd os n a zona oe ste da c idade , que atendia m a u ma de manda por mo rad ias op erá ria s d as indú strias que se instala ra m naquela região, p or exe mp lo. Apesa r da po lítica habitac iona l pra ticada pelo BNH, segund o dados do IBGE 142, de 841 mil do mic ílio s da Região Me tropo lita na, quase u m qu arto da s fa mílias n ão po ssu ía m ca sa p rópria e vivia m e m d o micílio s a lugados (17 ,2%), cedidos p or fa milia res, pa rentes e a migos (6,2 %) ou e m do mic ílio s imp ro visado s (1 ,6%), mu itas veze s e m loca is públicos e m se m co ndiç ões mín imas exig ida s de h ig iene. 141 142 Costa, Ana C. L. Cidade 2000: expansão urbana e segregação espacial em Fortaleza. Universidade de São Paulo, dissertação de mestrado, 1988, p. 59. IBGE 2000, Apud Araújo, Ana M. M. Fortaleza, Metrópole Regional. Trabalho, moradia e acumulação. Fortaleza: Eduece, 2010, p. 73. As inco rpora dora s que atua m e m Forta leza são, e m gera l, d e c apita l loca l. E sta é u ma e spec ific idade da metrópo le. Segundo N as de ma is me trópoles brasileiras o capita l finance iro e os fundos de pensã o vê m o fe recendo um supo rte re le van te ao capita l financ iado r da ativid ade imob iliá ria - o cap ita l inco rporador. A ação do s incorporado re s oco rre da segu in te forma: A s ve n d a s , e m g e r a l , s ã o re a l i z a d a s d e s d e o i n í c i o d o l a n ç a me n t o d o s p ro j e t o s i mo b i l i á r i o s , a i n d a n a p l a n t a , c o n t a n d o ap e n a s c o m a e xi s t ê n c i a d e t e rr e n o s c o m i n f ra -e s t ru t u ra e p ro n t o s p a r a o i n í c i o d a s o b r a s . A i n c o rp o r a ç ã o f e i t a d e s t a f o r ma p e r mi t e q u e a s e mp re s a s c o n t e m d e s d e o i n í c i o d a s o b ra s c o m o c ap i t a l d o s c l i e n t e s , p o d e n d o , a s s i m, o p e r a r ap e n a s c o m c ap i t a l p ró p r i o e n ã o t e r e m q u e r e c o r re r a o u t ro s f i n a n c i a me n t o s , c o mo v e m o c o r re n d o nas g ra n d e s m e t ró p o l e s 143 b ra s i l e i r a s As inco rporadora s ta mbé m te m ca pac id ade de antec ipa r-se e m re laçã o à de manda , muitos dos imó veis perman ece m co mo estoque de merca do fu tu ro. É o qu e consta nu ma pesqu isa rea liz ada pe lo S IN DUSCON-CE analisad a po r Be rna l: “tanto o me rcado d e hab itações quanto o mercad o de esc ritó rio s pe rma nece m co m exceden te de o fe rta e m relação à d e mand a conforme os dados da pe squisa rea lizada em 20 01”. 144 Essa carac terística das inco rporado ra s pe rmite a elas obtere m ganhos por in terméd io de u ma ação p lanejad a de iden tificação e co mp ra de te rra s desvalo riza das, de 143 144 Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 188. Ibidem, p. 192. Em relação à pesquisa realizada pelo SINDUSCON-CE em setembro/outubro de 2001 com informações fornecidas pela Associação de Administradoras de Imóveis do Ceará. in vestimen to e m eq uipa mento s p rivados, de lo bb y junta men te ao pode r público pa ra imp le me ntar bens de consu mo co le tivo no s e spaços de se u in tere sse , a passage m que segue é re ve ladora da ação d as inco rpora d oras: p a r a o c ap i t a l i n c o rp o r a d o r a t u a r d e ma n e i ra a s e g re ga r s o c i a l me n t e o espaço, ele utiliza a estratégia de a d e q u a r m e l h o r c a d a e mp re e n d i me n t o i mo b i l i á r i o à á re a c e r t a , q u e p e r mi t a extrair do c o n s u mi d o r o ma i o r e x c e d e n t e p o s s í v e l n a f o r ma d e ga n h o s d e i n c o rp o ra ç ã o . U m e x e mp l o d i s s o s e r i a a i mp l a n t a ç ã o d e u m gr a n d e shopping center em c e rt a á re a , p ro vo c a n d o a v a l o ri z a ç ã o d o s i mó ve i s e x i s t e n t e s e e xp u l s a n d o p a u l a t i n a m e n t e a p o p u l a ç ã o o r i gi n a l c u j o re n d i m e n t o n ã o p e r mi t e a t u a l i z a r o s a l u gu é i s . P ro c e s s o s i mi l a r s e ri a i n i c i a d o c o m a i n s t a l a ç ã o d e a l gu ma s b e n f e i t o r i a s p ú b l i c a s e m c e rt a á re a o u p e l a re mo ç ã o c o mp u l s ó r i a d e g ru p o s s o c i a i s d e e s t ra t o s inferiores em áreas 145 d e g ra d a d a s . No que diz respe ito ao produ to princ ipa l do mercado imob iliá rio, as hab ita ç ões, Berna l nos in forma qu e “ é o aparta men to co m á rea média en tre 60 e 8 0 m², vo ltado p ara os in vestido res e as c lasses méd ias qu e perdera m poder aquisitivo n os anos 1 9 90 co m as po líticas d e priva tização e desmon te do Estad o, ma s p refere m pe rmanece r no s bairros mais va lorizad os, co mo Aldeota e Me ire le s” 146. Se o cap ita l inco rporador de Forta leza é d e orige m loca l, já não se pode dizer exa ta men te o mesmo do s seus consu mido res. P esso as e strange iras tê m in vestido 145 146 Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 184. Ibidem, p. 188-189. de masiada men te e m Fo rta lez a, e m e spec ial na faixa lito rânea. Essa tend ênc ia não se re stringe à fa ixa litorâne a da metrópo le, e sten den do -se po r tod o o lito ra l cearen se de leste a oeste. Espe cifica men te e m Fortaleza , esses consu mido res tê m preferênc ias por “imó ve is de áre as a té 80 m², que c resce cad a dia ma is na orla, sã o os turistas estrange iro s que aqu i c hega m e in veste m e m a parta men tos de va lor até R$150 mil e m b airro s nob res e p erto da orla, co mo a P raia de Irace ma e Me ire le s” 147. Ainda segundo a autora, “corre tore s d e imó ve is a ssegu ra m que no p eríodo de 2002 -2003 os p ortu gueses e os hola ndese s co mpra ra m 80% do s imó veis d aqu ele padrão” e “Dado s do Sindic ato da Habitação do Estad o do Cea rá (SECOVI) indica m que as venda s pa ra e strange iro s au mentara m 20% a 30% depo is de 2002”. A partir d a an álise dos dado s d a pesquisa suprac itada, Bernal consta ta que 83 % dos 325 e mpree ndimen tos imo biliá rio s pesquisados na Grande Fo rta lez a, u tiliza ra m recursos pró prios co mo fonte de finan cia men to. Apenas 17% utilizara m finan cia mento de terc eiros. Consta ta ainda que os fu ndos de pensã o, tão impo rtante s na ree stru tura ção de algu mas da s p rin cipa is metrópo les bra sile ira s, não tê m mu ito peso e m Fortaleza, “não é to ta lmen te ve rdadeira a nossa hip óte se in ic ial d e que o cap ita l imob iliário vo ltado p ara a produção de lojas/esc ritó rio s e sh oppings cen ters, mo vimen tado e m Fo rta lez a, poderia e star articula do co m os fundos de pensão” 148. A segund a parte da h ipó tese , do cará te r basic a men te e specu la tivo do p rocesso de fin anceirização do cap ital imob iliá rio, ela ca rac teriza co mo “ não despre zíve l”. Na cidade de Fo rta lez a , “o processo de vertic alização te m se da do nas áre as de vaz ios u rbano s ou e m ba irros residenc ia is de baixa d ensid ade, co mo a Aldeo ta, Meire les, 147 148 Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 189. Ibidem, p. 195. Jacarecanga, Beze rra de Mene zes e D ionísio Torres” . 149 Data do mesmo pe ríod o o processo de verticalização da Beira Ma r. S egundo Costa , a legisla ção urb ana de 1979 a mpliou a po ssib ilida de de vertica liza ção nessa á rea, permitindo edificaçõe s de até doze p a vimen tos. 150 As fa velas te m u m significado b e m pa rticu lar na s grandes c idade s e de certo modo , ac aba m con tribu indo para a a cu mu lação a mp lia da do cap ita l, ma s e las não e stã o presen te s so men te e m ba irros pe rifé rico s. Atualmente existe m fa ve las e m todo s os bairro s de Forta leza , indife rentes às á reas de gran de valo riza ção ou de degradaç ão e p rivação sócio -espac ial. E m 1 9 8 5 , n o mu n i c í p i o d e Fo rt a l e z a , e x i s t i a m 2 3 4 f a ve l a s c o m 6 4 . 0 3 5 d o mi c í l i o s , 7 0 . 4 5 0 f a mí l i a s e 3 5 2 . 2 5 0 pessoas residentes. Em 1991, os n ú me ro s p a s s a r a m p a r a 3 1 3 f a v e l a s c o m 9 8 . 2 5 8 d o mi c í l i o s , 1 0 8 . 1 4 5 f a mí l i a s e 5 4 0 . 7 2 0 h ab i t a n t e s . E m 2 0 0 2 o n ú me ro d e f a ve l a s j á u l t r ap a s s a v a 6 1 4 , ma i s 8 2 á r e a s d e ri s c o , c o m m a i s d e 7 0 0 mi l pessoas vi ve n d o em situação de exclusão, s e gu n d o d ep o i me n t o do rep re s e n t a n t e d o C e n t ro d e D e f e s a d o s D i re i t o s H u ma n o s d a A rq u i d i o c e s e d e Fo rt a l e z a (D i á ri o d o N o rd e s t e d e 151 13/12/2001) Na Região Me tropo lita na de Costa, e m 1984 ex istia m 24 1 habitan tes, “ mas a g ran de ma io ria concentra va -se e m 24 fa ve las do Fo rtale za, segun do Ana fa ve la s, c om 391.335 dos fa ve lad os (355.415 ) mun ic ípio de Forta leza . 149 150 151 Costa, Ana C. L. Cidade 2000: expansão urbana e segregação espacial em Fortaleza. Universidade de São Paulo, dissertação de mestrado, 1988, p. 40. Ibdem, p. 133. Silva, José B. A cidade contemporânea no Ceará. In: Souza, S. (Org.) Uma nova história do Ceará. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2000. Apud Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 159. Destas fa velas destaca va m-se a s do P ira mbú, co m 62.05 0 habitan tes; a do Laga ma r, co m 20 .545; e a do Faro l, co m 13.035 morado res” 152. Ainda seg undo a au tora, co m dad os do Jornal O P ovo de 1 8.04.1984, existia m 22 4 fa ve las e m Fo rta lez a, 10 e m C aucaia , 4 e m P acatuba, 2 no Maranguap e e 1 no Aqu iraz . Uma da s pesquisas a d edica r ma io r atenção à questão das fa vela s é a da p ro fesso ra Ana Araú jo, e la afirma q ue a Organização das Naçõ es Unida s (ONU) pre vê duplica ção da popu lação de fa ve la s, nos pró ximos 3 0 an os, o q ue e m Fo rta lez a te ria u m impacto muito g rande, c onside rando que no s ú ltimos vinte anos, en tre 198 0 a 2003, quadrup licou o nú me ro de fa ve las, de 147 pa ra 722 . 153 O mercad o imob iliário n ã o desapare ce e m áre as de ocupação, segundo Ana Araú jo : “ Após a in vasão, há inte nso proce sso imob iliá rio de co mp ra e ven da, troca e no vas aquisiçõe s. Tem-se te rreno ou moradia co mo tra mpo lim p ara melhoria de vida e de e mprego” . Esse jogo imo biliário fica mu ito claro nos segu in te s depo imen to s co lhidos pe la pesquisado ra : N ã o c o mp ro u , q u a n d o ve i o p a r a o l o c a l j á e ra t u d o i n va d i d o e a ma i o r p a rt e d o s b a r ra c o s e t e r re n o s f o i v e n d i d a e c o mp ra d a . O b a rr a c o em f re n t e , d i s p o s t o à v e n d a j á h a v i a s i d o ve n d i d o , o d o n o d o m e s mo t i n h a o u t ro b a rr a c o a l i b e m p ró xi mo e a P re f e i t u ra t i n h a f e i t o c a d a s t ro p a r a re t i r á - l o j á q u e e r a q u a s e d e n t ro d a á gu a . Es s e h o m e m t a mb é m e r a p ro p r i e t á ri o d e u m c a s eb re d e a l ve n a ri a q u e f i c a v a a o l a d o d o b a r ra c o c o m a p l a c a d e v e n d e - s e As pessoas i n v a d i ra m p o rq u e i n f o rm a ra m q u e a P re f e i t u ra i a d o a r 152 153 154 Costa, Ana C. L. Cidade 2000: expansão urbana e segregação espacial em Fortaleza. Universidade de São Paulo, dissertação de mestrado, 1988, p. 17. Araújo, Ana M. M. Fortaleza, Metrópole Regional. Trabalho, moradia e acumulação. Fortaleza: Eduece, 2010, p. 88. Ibidem. Pesquisa direta, Parque Jerusalém, 2006. p. 92. casas, pessoas da p ró p r i a favela c e rc a va m á r e a s e v e n d i a m p a r a o u t ra s q u e c h e g a va m a t ra s a d a s . A n t e s h a vi a m mu i t a s c o i s a s e b a r r a c o s a ve n d a , ma s a go ra d i mi n u i u . O n t e m m e s mo h o u ve u ma ve n d a , e l e s i n f o r m a m c o m p l a c a s o u ve n d e n d o p a ra p e s s o a s d o p ró p ri o l o c a l q u e q u e r e m u ma c a s a m e l h o r o u 155 ma i o r O merca do info rma l d a hab itação é muitas vez es a saída en contrada pa ra a re produç ão d a vida d aquele s q ue, mesmo nã o tendo nada, ac aba m en contrando na “imob iliária dos pob res”, u ma a ltern ativa, um meio de sobre vive r. Há caso s, inc lusive, de a lgu mas pessoa s que acabe m se especializa ndo no que pode ser c onside rado o “negócio da s in vasõe s”. Nesta atividade, a aç ão do indivíduo baseia -se no intu ito de obter luc ro c om a ve nda, ou para au fe rir ren da por me io de alugu el, inc lusive de barra cos. A este tipo de atividade qu e se base ia no intere sse imed ia to pa ra a “reso luçã o” do p roble ma da sobre vivênc ia de u m ser hu mano e m esp ecial ou, se fo r o caso, d e u ma fa mília e m particu la r, é o que c arac teriza mos co mo sa ída ind iv idua l para a rep rodução d a existênc ia. Utiliza mos e sse termo p ara d iferenc ia r do que co mpre ende mo s co mo saída coletiva, exp eriê ncia que va mos conh ecer n o te rceiro cap ítu lo quando formos tra tar das expe riê ncias de oc upação re alizada s pe lo Movimento dos Conse lhos P opulares. O lugar ta mbé m é le va do em co nsidera ção na hora da ocupação, transpo rte , sanea mento e outros se rviç os urbanos são fund a me nta is na escolh a da área a se r ocupada. Isso é verificá ve l nas o cup ações d itas “espon tânea s” e, co mo ve re mo s no próx imo capítulo , a intencionalidad e n a e sc olha da áre a a ser ocu pada é a inda maio r qu ando se tra ta de u ma oc upação realizada por 155 Araújo, Ana M. M. Fortaleza, Metrópole Regional. Trabalho, moradia e acumulação. Fortaleza: Eduece, 2010. Pesquisa direta, Favela Maravilha, p. 94. Movimento s Soc ia is P opulares. Contudo , acon tece m situaçõe s e m que a oc upação é aparente men te organizada, mas a in tenç ão é mesmo a de ga ran tir divid endos para a s cha mada s “ lideranças co mun itária s”, que age m co m o intu ito de lu cra r co m esse negó cio da oc upa ção. Araú jo constata isso e m sua pe squisa: D ep o i m e n t o s i n d i c a m q u e d e t e r mi n a d o s l í d e re s a t u a m e m ma i s d e u ma á re a , n a o rg a n i z a ç ã o d e mo vi m e n t o s d e i n va s ã o e c o n t ro l e d e a c e s s o d a s f a m í l i a s , c o m a l gu m re t o rn o f i n a n c e i ro , o u c o n q u i s t a s d a s i mp a t i a d o e l e i t o ra d o p a r a f u t u ra s c o b ra n ç a s d e vo t o , c o mo p a ga m e n t o d e f a vo r. P e l o m e n o s e m d u a s f a v e l a s f e z s e r e f e rê n c i a à l í d e r “ M a n a ” , q u e a s s u me t e r ma i s d e u m a A s s o c i a ç ã o s o b s u a r e s p o n s ab i l i d a d e . D i a n t e d a i n va s ã o o u p o r i n f o r m a ç ã o , a l gu ma s f a mí l i a s se inserem no mo vi me n t o . A i n f o r ma ç ã o entre p a r e n t e s e a mi go s a t i n g e f a mí l i a s d i s t a n t e s . C o n t ra d i t o ri a m e n t e , à s v e z e s , p e s s o a s p ró x i ma s d o l u ga r n ã o t o m a m conhecimento, pois o sistema é fechado, tendo em vista a relação clientelista e n t r e f a mí l i a s e p o l í t i c o s . A i n va s ã o o c o r re e m s e gr e d o , s a l vo q u a n d o s e 157 t o rn a v i s í v e l O “mundo d as ocup açõ es”, que faz pa rte do p rocesso de fa ve lização é mesmo basta nte c o mp lexo e mu itas da s rela ções ex isten tes n este me io só são perce ptíve is co m a convivên cia e a obse rvaç ão pac ien te dos ac ontec imento s. No gera l, o s terreno s o cupados são rap ida men te repassado s ou vend ido s co m alg um ga nho d e renda . Essa prá tica 156 157 Araújo, Ana M. M. Fortaleza, Metrópole Regional. Trabalho, moradia e acumulação. Fortaleza: Eduece, 2010. Pesquisa direta, Parque Jerusalém, p. 98. Ibidem, p. 102. mu ito corriqu eira e u ma c rue l rea lid ade, me smo d aque les que não te m as cond iç ões mín imas de rep rod ução de su a existênc ia. A ocupação de área s e a urb aniz aç ão de certos loca is, justificada p elo va lor de uso qu e e mp re sta m, le va m a formação de ren da po tenc ia l para o me rcado imob iliá rio. Contudo, co mo ve re mo s no p róximo cap ítu lo, há desvios. O “Atlas de Forta leza 2000”, pro je to das p rofesso ras Adelita Carleial e Ana Mato s, lançado no prime iro se me stre de 2011, nos proporc iona u ma noção cartografad a da loca lização d as fa velas e m Forta leza (Fig ura 2), co m dados da P refe itu ra Munic ipa l datados de 2009. Nele consta que : Fi g u r a 2 : L o c a l i z a ç ã o d a s Fa ve l a s e m Fo r ta l e z a e m 2 0 0 9 . Fo n te : A tl a s d e Fo r ta l e z a 2 0 0 0 . Ainda sobre a loc alizaç ão das fa ve las e m Fortaleza , no Atlas con sta a segu inte de scrição : A s f a v e l a s e s t ã o p re s e n t e s n a s á r e a s d e d u n a s , l o c a l i z a d a s n a p o rç ã o o e s t e d a c i d a d e ; n o Mo rro S a n t a Te r e z i n h a e a d j a c ê n c i a s n a p o rç ã o l e s t e ; à s m a rge n s d o R i o C e a r á / Ma ra n gu ap i n h o , a O e s t e e S u d o e s t e ; e à s m a rge n s d a vi a f é r re a , q u e a t r a ve s s a a c i d a d e d e Le s t e a S u d o e s t e . A s o c u p a ç õ e s e xi s t e n t e s n a s á r e a s d e mo rro t a n t o a Le s t e c o mo O e s t e ( c o mo o P i ra mb ú e Mo r ro S a n t a Te r e z i n h a ) e a s p ró xi m a s ä Vi a Fé r re a s ã o b a s t a n t e a n t i ga s e t r a d i c i o n a i s , e e s t ã o ma i s p ró xi m a s a o C e n t ro . C o m a e xp a n s ã o d a c i d a d e , n o s s e n t i d o s S u d o e s t e e S u d e s t e , n o va s á re a s d e e s p e c u l a ç ã o e t a mb é m d e n ú c l e o s f a v e l a d o s f o ra m s e n d o c o n s t ru í d o s . A d i s t r i b u i ç ã o d a s f a ve l a s n o e s p a ç o u rb a n o o b e d e c e u à e xp a n s ã o d a c i d a d e , s e n d o q u e o s n ú c l e o s ma i s a n t i go s , l o c a l i z a d o s p ró x i mo a o C e n t ro e o s q u e e s t ã o s i t u a d o s e m á r e a s d e re c e n t e va l o r i z a ç ã o , ainda p e rm a n e c e m re s i s t i n d o e m s e u s t e r ri t ó ri o s , c o n t r a a p re s s ã o d a e s p e c u l a ç ã o q u e s e i n t e r e s s a 158 por essas áreas. Com relação à qua lida de das hab itações, Ana Araújo nos in forma qu e “predo min a m morad ia s d e alven aria, salvo ex ceçõe s e m mo mento s in ic iais da oc upação. Nos mu nic íp ios da RM, a s casas de a lvena ria che ga m a 76,2% dos ca sos. Ta ipa é mais frequen te na pe riferia, e m área s de menos urba niz ação co mo no mun ic ípio de P acajus, co m 26% do s ca sos. Ainda segund o Araújo “e m Fo rta lez a, a madeira é o ma terial ma is usu al /... / onde parte consid erá vel das fa mília s ocu pou, recen te mente, pontos vaz io s pe la re moç ão d e fa mílias, na pe rspec tiva de se re m beneficiadas por p roje to go verna men ta l de d esloc a men to co mpulsório p ara fins d e urban izaç ão” 159. 158 159 Carleial, A. e Araújo, A. (Orgs.) Atlas de Fortaleza 2000. Fortaleza: Eduece, 2011, p. 55. Araújo, Ana M. M. Fortaleza, Metrópole Regional. Trabalho, moradia e acumulação. Fortaleza: Eduece, 2010, p. 109 e 110. 2.4 O av esso da cen tra lidad e O debate sob re a s centralidad es u rbana s é tão impo rtante quan to o sob re seg regação sócio -espac ia l, desde qu e se con side re que a mb as faze m parte de u m mesmo p rocesso d e de senvo lvimen to urb ano, que pode mos distinguir resp ectiva me nte, (e arb itra ria men te 160) dentro d o â mbito da s dimensõ es de expansão e degene ração urban a. Na me tró pole d e Forta leza, no deco rre r da seg unda me tade do séc ulo XX, pôde -se percebe r trê s mo me ntos distin tos da formação de c entra lid ades u rbana s, co m processos de descen tra lização e de c riaç ão de n o vas cen tra lidades. O prime iro mo men to, se m redu ndânc ias, é c omposto pela cen tra lidade do b airro do Cen tro. Ela te m orige m na segunda me tade do sé culo X IX e perdura durante toda a primeira me tad e do século XX, até que inic ia su a decadênc ia, sobretudo , nas déca das d e 1960 e 1970. O que pode ser cara cteriza do co mo u ma segunda centralidad e, ou proce sso de descen tralizaç ão, ocorre co m mais ob je tivid ade neste mesmo mo mento , sobre tudo, a partir da déc ada de 1 9 80 e te m no ba irro d a Aldeota seu princ ipa l p rodu to. Fina lmen te, d esen vo lve -se c onte mporanea me nte u ma terc eira cen tralidade - uma no va ce ntralidad e da cid ade, que se exp ande no sentido d a zona leste, ma is prec isa mente no sen tid o do “corredor sudoeste”, a pa rtir da imp le men taç ão do p roje to da Aven ida Wash igto n Soa res e da mig raçã o de e mp reend imen tos d e cap ital púb lico e priva do que são mobilizados pa ra a quela re giã o da cidade. A seguir, va mo s deba ter os fa tore s de ssa s mudanças de centra lid ade e a imp ortân cia de cad a u ma d elas, se mpre 160 Como vimos, as dimensões da expansão e degeneração urbana desenvolvem-se concomitante e coexistentemente, no mesmo tempo e no espaço. São, portanto, elementos conceituais de um mesmo objeto. Centralidade e segregação são conceitos que se completam, dado que não é suficiente analisar somente as centralidades, como também não o é analisar as segregações, tampouco as duas juntas. É fundamental observar o movimento. E quando o tempo é considerado, necessário se faz observar a cidade como uma totalidade em movimento, como processo de ininterrupta transição. e m busc a de u ma co mpreensão da con figura ç ão te rritorial de Forta leza. Config uração que, co mo vere mo s, e stá se mp re e m pe rman en te pro cesso de desloca men to e tran sfo rma ção. 2.4.1 Centralidade I: bairro Francisco Sá e Duque de Caxia s Centro (C entro -Oeste) No debate sob re ce ntralidade s urb anas, co nsta n a lite ratu ra so bre o assunto que o p rime iro bairro a aprese nta r tais ca rac te rística s, e m Fo rtaleza, foi o bairro do Centro, tendo co mo funda mentação suas c arac terísticas co merc ia is e a prox imidade co m o corredo r industrial ao longo d a Aven ida Fra ncisc o Sá, que nã o p or aca so foi insta lado a li. O bairro Jacarecanga, assim co mo o Centro, serviu de re sid ência para parte da bu rgue sia loca l de então, de sde o co meço do sécu lo pa ssad o a té mead os da segunda me tade do séc ulo XX. N o i n í c i o d o s a n o s 5 0 Fo rt a l e z a j á s e ap r e s e n t a va c o m a s s u a s p ri me i r a s i n d ú s t r i a s q u e s e l o c a l i z a va m n o e i xo da Ave n i d a Fr a n c i s c o Sá, sendo J a c a r e c a n ga o p r i me i ro b a i rro d e l u xo a ab ri g a r a b u rgu e s i a l o c a l , i s t o é , i n d u s t r i a i s e c o m e rc i a n t e s l i ga d o s a o s n e gó c i o s d a e xp o rt a ç ã o e i mp o rt a ç ã o . P o u c o s a n o s d ep o i s a A l d e o t a p a s s a a re c eb e r u m a p a rc e l a s i gn i f i c a t i va d a 161 b u rgu e s i a l o c a l . A t é o s a n o s s e t e n t a a z o n a d a Fr a n c i s c o S á c o n c e n t ra v a o m a i o r n ú m e ro d e i n d ú s t r i a s d o e s t a d o . D e a c o rd o c o m a Fe d e ra ç ã o d a s In d ú s t ri a s d o Es t a d o d o C e a rá ( F IE C ), d a s q u a t ro a c i n c o d e z e n a s d e i n d ú s t ri a s d e mé d i o e g ra n d e p o rt e i mp l a n t a d o s a o l o n go d a Av e n i d a 161 Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 152. Fr a n c i s c o S á , a t é o s a n o s 8 0 , p o u c a s unidades p e r ma n e c e m em f u n c i o n a me n t o . P a ra a saída das indústrias desta zona, contribuiu t a mb é m a l e gi s l a ç ã o u rb a n a e a mb i e n t a l q u e d i f i c u l t o u a i n s t a l a ç ã o d e f áb ri c a s 162 c o m e l e va d o s t e o re s d e p o l u i ç ã o . Com o su rg ime nto, nos ano s 1980, do distrito industria l de Maracana ú, para onde se de sloc ou boa pa rte da an tiga indú stria qu e se mo dern izou co m o FINOR, a zona oeste da c idade fica ra e svaz iada e e mpobre cid a. Segundo Ma deira e Costa, “a sa ída d as indú strias do b airro gerou gra ndes tran sfo rmações no u so e ocup ação do so lo urbano, po is gero u de se mprego , á rea s d e an tigas indú strias fora m vendidas pa ra construção de con do mín ios e estab ele cimen tos co me rcia is e de se rviços e outro s fora m ocupadas p or co rtiço s e co mé rcio e con su mo de drogas”. Dentre o s fato res q ue as a uto ras apon ta m pa ra a desind ustria liz ação do bairro estão : “a a çã o do poder público na construção de d istritos e pó los industriais na região me trop olitana, a oferta de a trativas vantagens fisca is p ara in stala ção de e mp resa s e m c idade s interioran as e a cob ra nça exce ssiva de ta rifa s e imposto s fa vore cera m a migraç ão de indú stria s d a capita l pa ra outra s c idade s e o esvazia mento da função industrial do Jacarecanga” 163. Tendo isso e m vista, a s auto ras conc lue m que: U m a c o n s i d e rá v e l p a r c e l a d a p o p u l a ç ã o c o n s t i t u í d a d e m ã o d e o b ra n ã o e s p e c i a l i z a d a e q u e t rab a l h a v a n a s i n d ú s t r i a s , e n c o n t ra -s e d e s e mp r e ga d a , pois não é considerado vi á v e l e c o n o mi c a me n t e o d e s l o c a me n t o d o s t r ab a l h a d o r e s p a r a o d i s t ri t o i n d u s t ri a l 162 163 Madeira, Hérica M. e Costa, Maria C. L. A desindustrialização do bairro Jacarecanga (Fortaleza – Ceará). Fortaleza: Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC, 2005. Disponível em: http://www.sbpcnet.org.br/livro/57ra/programas/senior/RESUMOS/resumo_2934.html (Acesso em 14/01/11). Ibidem, para as duas passagens do parágrafo. d e M a r a c a n a ú . A a t i vi d a d e i n d u s t ri a l , t ã o vu l n e rá ve l à s o s c i l a ç õ e s d o c ap i t a l , f o i d e c i s i v a n a e s t ru t u ra ç ã o d o e s p a ç o d o J a c a r e c a n ga , m a s a s u a mi g ra ç ã o t a mb é m mo d i f i c o u p ro f u n d a me n t e a 164 o rg a n i z a ç ã o i n t r a u rb a n a d e Fo rt a l e z a . Ainda ho je é po ssíve l e ncontrar os casarõe s d a antiga burgue sia lo cal (Figura 5), co mo verdade ira s rugosidade s que a tua lmen te se rve m para fina lidades a lhe ias à s qua is fora m con stru ídas, co mo se de pa ra in stituiç ões púb licas e priva das, co mé rcio , ga lpões e tc. A lé m d isso, as grand es e pesadas estru tu ras da s indú strias da Av. Franc isco Sá (Figu ras 3 e 4 ), que guarda m fo rtes c arac terísticas da produção e m massa, estão já há a lgu m te mp o cedendo espaço para g rande s edifíc ios que se insta la m naquela parte da cid ade. No último P lano Dire tor de 2008 foi apro vado que a lo calid ade, po r já d ispo r de in fra -estru tu ra, deve servir co mo á rea de adensa men to populac iona l, inc lusive por me io de vertica liz ação. P ara viab iliza r o s e mpree ndimen tos e melho ra r a image m do ba irro Jacarecanga, o pod er público d esa tivou um presídio fe minino que esta va lo calizado na Av. Sa rg en to Hermín io, para lelo à Av. Franc isco Sá, no lo cal, atu almen te está sendo construído mais u m préd io para mo rad ia. Os exe mp los de interven ç ões u rbanas co m tal fina lida de se mu ltiplica m nessa pa rte da c idad e, que te m assu mido nova s funcionalidad es, co mo é possíve l pe rceber c o m o surg imento de no vos e mpreend imen tos imobiliá rio s no entorno da a ven ida Francisco Sá, no lo cal o nde estava m insta ladas as antiga s fá bric as (Figu ras 6 e 7 ). 164 Madeira, Hérica M. e Costa, Maria C. L. A desindustrialização do bairro Jacarecanga (Fortaleza – Ceará). Fortaleza: Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC, 2005. Disponível em: http://www.sbpcnet.org.br/livro/57ra/programas/senior/RESUMOS/resumo_2934.html (Acesso em 14/01/11). Fi g u r a 3 : Ave n i d a F r a n c i s c o S á s e n ti d o Oe s t e . ( Fo to : L u a n a L i ma ) Fi g u r a 4 : Av. F r a n c i s c o S á , s e n t i d o L e s t e . A o f u n d o , a ve r ti c a l i z a ç ã o d a A l d e o t a e B e i r a M a r. ( Fo to : L u a n a L i ma ) Fi g u r a 5 : R u g o s i d a d e s : a n ti g a s m a n s õ e s a s s u m e m n o va s funcionalidades. A casa à esquerda é hoje um Salão de b e l e z a , a a ma re l a é u m a C a s a d e A r t e s e Of í c i o s d o Go v e r n o d o E s ta d o . (Fo to : L u a n a L i ma ) Fi g u r a 6 : A n ti g a f á b r i c a d e c a s ta n h a d e c a ju t r a n s f o r ma -s e e m e m p r e e n d i m e n to i mo b i l i á r i o , a o f u n d o , o m u ro d a f á b r i c a f o i m a n ti d o ( Fo t o : L u a n a L i ma ). Fi g u r a 7 : M e s ma f á b r i c a s o b o u tr a p e r s p e c ti va . ( Fo to : Luana Lima) Ricardo P aiva, refe rin do -se ao ba irro do Cen tro de Fo rta lez a e à s prática s econô mica s, po líticas e cultu raisideo lógicas, ap onta “ três centra lid ades” do C entro , quais seja m, a c entra lid ade e conô mica (va lor de uso e valo r de troc a), a cen tra lidade política (re laçõ es de poder) e a centralidad e simbó lica (sign ificado s). P ara e le “o Centro sofreu tran sfo rmaçõ es substan tiva s a pa rtir do in ício da década de 1970, q uando sua cond ição de Centro econo mica mente hege mô nico associado ao valor de uso e ao va lor de troca, fo i subtra ída pelo regime de no va s centralidad es”. Quand o se refe re ao que cha ma d e “centra lida de polític a”, o autor fala que e ssa função pode ser c onsta tada d e dua s fo rma s, “ a primeira consiste na concentraçã o e ma teria liz ação do pode r a tra vé s de préd ios, mo nu men tos e e stru tura urbana, co mo loco s da ativida de político -ad min istra tiva ” e co mp le ta a firma ndo que “a segunda con siste na forma e in tensidade co m q ue o Estado aloca in vestimen tos e m infra -estru tura e e quipa mento s urbanos, en tre outros” 165. O autor nos in forma a inda qu e o Centro de Fo rtaleza foi po r muito te mpo o e mb le ma da loca lização e inte rve nção do Estado na cidade . P ara co mpleta r a “tríade da centralidad e”, sobre a “centra lida de simbólica” , P aiva d iz que “é possíve l identifica r a impo rtância do Cen tro para Forta leza à medida que o mesmo conc entra p arcela significa tiva da me mó ria da cidade , rep re sentada no seu ac ervo histó rico e cultura l”. Quando analisa as fu nções u rbana s no Ce ntro de Fo rta lez a, P aiva desta ca quatro que conside ra funda me nta l: hab itação , la ze r, trabalho e circ ulação . Co m rela ção à hab itação, no núcleo do Cen tro , P aiva e sclare ce que é pouc o utilizado para essa fina lid ade por cau sa da espec ializa ção de ativid ades ou o que cha ma d e mo nofunc iona lidade . No entanto , “à med ida que se deslo ca m para as bord a s, se pe rcebe u ma quan tid ade maio r de unid ades hab ita cion ais, rep resentadas pela extremidade próxima à rua Go verna dor Sa mpa io, e pe la fa ixa litorân ea, marcad a, sobretud o, p elo cará te r d e ocu paç ão ma rg ina l, co m focos de fa ve la”. 166 As alterações na p rá tic a do laze r do fo rta lez ense pelo usufruto da p ra ia e d os shop ping s cente rs fez co m qu e o Centro d e Fo rta lez a perdesse sua capacidade de repre se ntar o 'c entro lúdico ' da cidade , apesar de po ssu ir u m e norme poten cia l d e pra ças, parque s e ou tro s eq uipa men tos. Mas na déca da d e 199 0, hou ve u m grada tivo fec ha men to de cin e ma s lo caliza dos alí, como o Cine Dio go e o Cine Fo rta leza , restando apen a s o Cine São Lu iz, u m do s ma iores do país, a lé m do The atro José de Alencar. No que diz respe ito ao Cen tro co mo lug ar de trab alho , “ verifica -se, por exe mp lo, a inte rrupçã o das ativida des da s loja s de grande po rte estilo mag azine, tend o co mo conseq üênc ia u m grande estoque de ed ifica ções co m maio r áre a, inu tilizad o e degradado” . Atua lmente, o seto r industria l é pra tica mente insign ifica nte , p ermane cendo 165 166 Paiva, Ricardo A. Entre o mar e o Sertão. Paisagem e memória no Centro de Fortaleza. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005, p.71 e 72 respectivamente. (Dissertação de Mestrado). Ibidem, p. 77. apenas pequen as fáb ricas de con fecç ão, meta lú rgica e outro s. Mas de aco rd o co m P aiva “a indú stria na va l, loca lizada na fa ixa litorânea do Centro, é se gura men te o exe mp lo mais rele vante, princ ipa lmen te pela s discussõe s sobre sua ina dequab ilidade, de vido à sua loca lização, funcionando co mo u ma ba rreira física d e ace sso ao mar”. 167 Ainda para o a uto r, so bre a perda de impo rtâ ncia do Centro : O p ro c e s s o d e d e c a d ê n c i a d o C e n t ro d e Fo rt a l e z a e a s t e n t a t i va s d e re ab i l i t a ç ã o e p re s e r va ç ã o d o p a t ri mô n i o ap re s e n t a m s e me l h a n ç a s , a t ra v é s d o p ro c e s s o d e u rb a n i z a ç ã o p re d a t ó r i a c o mu m à s va ri a s c ap i t a i s b ra s i l e i r a s ; d a a s s i mi l a ç ã o d o d i s c u r s o i n t e rn a c i o n a l n a s p r á t i c a s d e re q u a l i f i c a ç ã o ; e da p r e s e r va ç ã o i n s c ri t a n o s n o vo s mo d e l o s d e g e s t ã o u rb a n a , p ri n c i p a l me n t e os planos e s t ra t é gi c o s . A l é m d e d i s t i n ç õ e s , c o mo o h i a t o e n t r e o d i s c u rs o e a p r á t i c a e o a v a n ç a d o e s t a d o d e d e t e ri o ra ç ã o d o 168 C e n t ro d e Fo rt a l e z a Já a arquiteta Beatriz Diógenes con stata qu e “até os anos se ssen ta do séc ulo passa do, os cen tro s das c idade s concentra va m in vestimentos p rodu tivos na s a tividad es de serviço e co mérc io, gerando grandes in ve stimen tos de capita l imob iliá rio ”, segundo D iógene s, a partir d este mo men to os an tigo s Ce ntro s d as me tró pole s e das g randes cidade s bra sile ira s co meça a “en ve lhe cer” , entrando nu m processo de “ob sole scênc ia fun cion al, c onstrutiva e locac iona l” : In i c i a -s e então um p ro c e s s o de ab a n d o n o d o C e n t ro p e l o s s e r vi ç o s mo d e rn o s , n o q u a l o c o m é r c i o d o l u xo e 167 168 Paiva, Ricardo A. Entre o mar e o Sertão. Paisagem e memória no Centro de Fortaleza. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005, p. 80 e 81 respectivamente. (Dissertação de Mestrado). Ibidem, p. 71. a h ab i t a ç ã o d e p re s t í gi o b u s c a m n o va s á r e a s d e c e n t ra l i d a d e , ma i s d i s t a n t e s d o n ú c l e o c e n t ra l e p ró x i ma d o s b a i r ro s re s i d e n c i a i s d e a l t a r e n d a s u rgi d o s o u c o n s o l i d a d o s n o s a n o s 1 9 6 0 . Es t e p ro c e s s o , q u e s e i n t e n s i f i c a d u r a n t e o s anos 1980 e nos anos 1990, leva à re f o r mu l a ç ã o d o c e n t ro p ri n c i p a l , q u e s e t o rn a b e m d i f e re n t e d a q u e l e e xi s t e n t e n o s a n o s s e s s e n t a , n o q u e s e re f e r e à 169 sua funcionalidade O Centro de Fo rta lez a, no in íc io do sécu lo XXI, nos faz ac red itar que hou ve u ma a ltera ção no qu e diz respe ito à sua imag e m. Ape sa r de ter d eix ado de ser sede de inú me ras institu içõe s p rivad as e ó rg ãos go ve rna men tais e de a inda existir u m certo pré -conc eito relac ionado à questão da vio lênc ia, o que se ob se rva sã o pe quenas aç ões no curto p razo mas q ue pode m se mostrar sign ifica tivas quando pen sa mo s e m d écadas. Há mu ita vid a no Centro de Fo rta lez a. Há, inc lusive, u m enorme pote n cia l tu rístico ainda po r se r descob e rto e exp lo rado, mas que é pouco estimu lado pe lo pod er público e mesmo pe la in iciativa priva da é pouco apro ve itada. O po vo eleg eu o Cen tro co mo o seu “ luga r de negócio s”, de co mpra e vend a, de troc a. 170 Alé m disso, o Centro é o lug ar dos encon tro s. Como exe mp lo, a ba sta nte con hec ida p resen ça de cidadãos idoso s a lé m de jo ven s estud ante s na P raça do Fe rre ira, q ue continua se ndo conside rada a princ ipa l pra ça da cidade e o lugar onde func iona o maio r e o ma is trad ic ional c ine ma de Forta leza, o Cine Sã o Lu iz. P or meio de a tividade s lúdicas e carna valescas, u m 169 170 Diógenes, Beatriz H. N. A centralidade da aldeota como expressão da dinâmica intraurbana de Fortaleza. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005, p. 62. (Dissertação de mestrado). Já há alguns anos é realizada a “feira do troca-troca”, de livros didáticos na Praça dos Leões, no Centro da cidade, momento em que pais, professores e alunos trocam e vendem livros didáticos do ensino fundamental e médio a preços acessíveis. Dessa forma, são reutilizados milhares de livros que provavelmente seriam descartados ou esquecidos em algum lugar. Esse pode ser considerado um exemplo de iniciativa de utilização do Centro (e de suas praças) com uma finalidade genuinamente social, popular, solidária e ecológica. seto r da ju ven tude, sobre tudo de c la sse média , te m redesc oberto o Cen tro co mo luga r de laze r. A s a tividad es no Theatro José de Ale ncar, a re fo rma da P raç a do P asseio P úblico, os b locos de pré -c arna val que ocup a m todo s os anos as P raça s do BNB, do Fe rre ira e dos Leõe s, den tre outra s, ajud a m n esse p rocesso de re vita liz açã o do Cen tro. Alé m disso, a s P raças da Bandeira e da Igreja do Carmo são trad ic iona is pon to de concen traçõe s de manifestaçõe s políticas que volta e meia a contece m na c idad e. A Praça do Coração de Jesu s, ao la do do P arque das Crian ças, ta mb é m mu ito importan te s outrora, agora serve de termin al de ônibus e se de de institu ições ligada s à P refe itura de Fo rta lez a, re spec tiva mente. Há ou tras P raças e P arques. E, co mo se pode ve r, existe u m eno rme po tenc ia l, sob retudo turístico e de laze r, ainda pouco d esen vo lvid o. Outro fa to impo rtante de se r reg istrado é o re torno pa ra o Centro d e Fo rta lez a da Sede da P refeitu ra Munic ipa l de Forta lez a, no ano de 2010, p ara u m lugar cha mado “P alácio do Bispo”, loca lizado atrás da Ig reja Ca tedral. Algu ma s Sec re taria s mu nic ipa is ta mbé m fun ciona m no ba irro. Esse s pode m ser alguns indício s d a requa lificação que o Centro d e Fo rta lez a pode vir a pa ssar no p róximo pe ríod o. No que d iz respeito aos qu e faze m a tua lmente o Centro da c idade e m se u quo tid iano e que a jud a m a manter o Centro con te mpo râne o vivo e a tivo, re cente mente jo ven s de classe méd ia te m rea lizado fe sta s e ações de interven ção cu ltura l a li. Dados de u ma pe squisa re alizada , e m 2003 , pe lo Sebra e e Sec re taria de De se nvo lvimen to Econô mic o da P refe itura 171, mostra que o co mérc io do Centro rep resen tou 5,3 6% do Imposto sobre Circu lação de Mercado rias e Serviç os (ICMS ) do Estado . A pesquisa re ve lou a inda que o Ce ntro re sponde por 45 mil po sto s d e trab alho , que 67% das co mpra s são realizad as à vista e que o Centro co nta co m u m fluxo diário de ce rc a de 215 mil pessoa s. Va mos à segu inte passage m, que no s é bastan te 171 SEBRAE e SDE, Apud Diógenes, Beatriz. A centralidade da aldeota como expressão da dinâmica intra-urbana de Fortaleza. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005, p. 67. (Dissertação de mestrado). eluc ida tiva sob re a vita lid ade do Cen tro: N ã o o c o r re u u m e s va z i a me n t o d o c e n t ro a n t i go , s o b r e t u d o n o q u e s e re f e re à s a t i vi d a d e s c o m e r c i a i s . A o c o n t rá ri o , h á u m a f l u xo c a d a ve z ma i o r d e p o p u l a ç ã o para aquela área. No entanto, enquanto q u e n o p a s s a d o o C e n t ro a t e n d i a a t o d o s o s e s t ra t o s s o c i a i s , a go r a s e vo l t a p a ra u ma p o p u l a ç ã o d e m é d i o e b a i xo n í ve l d e r e n d a . A p re s e n ç a d o s 'p o b r e s ' é ma s s i va n a á re a c e n t r a l , s ej a c o mo t r ab a l h a d o r e s , s ej a c o mo 172 consumidores Ao Centro cou be o c omérc io meno s sofisticado e continua sendo a té ho je a refe rênc ia co mercia l para os “popula res”. Alé m d isso, o North Shopp ing, insta lado na Avenida Bezerra de Menezes no fin al dos a nos 1980 , é ta mbé m o que po de se r deno min ado de shop ping pop ular, que atra i a p opulaç ão co m meno s pode r aqu isitivo, contudo, e m ma ior vo lu me de c ircula ção lo calizado na zona oeste d a cidade. O me smo po de se r d ito do Shopping Benfica , loca lizado n o bairro d e mesmo no me , ao lado do centro no sentido sul-sertã o. Esse é u m perío do de fo rtes mu dança s na c idade, qu e va i co nhecendo ao s p oucos no vos centros de co ncen traç ã o de c apita l e de dec isão econô mica e política . 2.4.2 Centralidade II – Aldeo ta (Cen tro-L este) Av. Santos Dumond Baseando -se no arqu iteto Flá vio Villa ça, Beatriz Diógenes co ntex tua liza a tra nsferên cia d e cen tra lidade na cidade de Fo rtaleza, id entificando -a co m u m p rocesso mais gera l que o corre na s grandes c idade s do B rasil: P o r vo l t a d a d é c a d a d e 7 0 – va ri a n d o u m p o u c o c o n f o r me a me t ró p o l e – o s 172 Diógenes, Beatriz H. N. A centralidade da aldeota como expressão da dinâmica intraurbana de Fortaleza. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005, p. 66. (Dissertação de mestrado). c e n t ro s já estavam bastante ab a n d o n a d o s , p ri n c i p a l m e n t e c o mo local de c o mp r a s , d i ve rs õ e s e e s c ri t ó ri o s d e p ro f i s s i o n a i s l i b e r a i s d a b u rgu e s i a . A b a n d o n a d o s p e l a s e l i t e s , eles s o f re m u ma d e s v a l o ri z a ç ã o i mo b i l i á r i a a c e n t u a d a e o s g ra n d e s i n v e s t i m e n t o s i mo b i l i á r i o s , o s g ra n d e s e d i f í c i o s d e e s c ri t ó ri o t í p i c o s d o s a n o s 6 0 n ã o s ã o m a i s c o n s t ru í d o s n o C e n t ro . Não o c o rr e nenhum i n ve s t i m e n t o i mo b i l i á r i o d e p o rt e . N a d é c a d a d e 8 0 , o s c e n t ro s p ri n c i p a i s j á e s t a v a m q u a s e t o t a l m e n t e t o ma d o s p e l a s c a m a d a s populares. Aquilo que se c h a ma i d e o l o gi c a me n t e d e “ d e c a d ê n c i a ” d o c e n t ro é t ã o s o me n t e a s u a t o ma d a p e l a s c a ma d a s p o p u l a re s , j u s t a me n t e s u a 173 t o m a d a p e l a m a i o ri a d a p o p u l a ç ã o . Diógenes iden tifica d ois períodos do p roc esso d e Centra lidade da Alde ota, “o p rime iro pe ríodo (197 2 a 1984) re lac ionado à formação do c entro da Aldeota , quando oco rre m as prime iras mudança s no bairro, e o segundo (1984 a 20 04) à con so lida ção dessa n o va centralidad e na c idade de Fortaleza” 174. De fa to, a partir dos ano s 19 80, h á u ma tendênc ia de desloca men to d a centralidad e para a zon a leste. Segund o Berna l, “ Forta leza /... / se coloca co mo a c apital que ma is c resce no nord este, atra indo in ve stimento s turísticos, q ue estão se in sta land o na orla ma rítima , ao mesmo te mpo e m que acolhe u ma massa de capita l financ eiro , que se in stala no s shopping s e apart-ho téis na reg ião le ste d a c idade ” 175. Esses no vos equipa men tos sã o instalado s na orla, esp ecialmen te , nos bairros do Me ireles e Aldeota , que se forta lecera m co mo 173 174 175 Villaça, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel, 2001. p. 283. Apud. Diógenes, Beatriz H. N. A centralidade da aldeota como expressão da dinâmica intra-urbana de Fortaleza. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005, p. 63 e 64. Ibdem, p. 61. Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 142. nova cen tra lidade. O comérc io do Cen tro sofreu u m duro golpe co m o surg imento da “ feb re” dos shoppin gs cen ters que atrae m faix a da popu lação de ma ior pode r a quisitivo. U m marc o disso é a constru ção do prime iro shopp in g center da Fo rta lez a - o Cen ter Um, que data de 197 4 e que está loca lizado n a Aven ida Santo s Du mon t, na Aldeota . De acordo c o m Dióg enes: “Dada a no vidade e tipo log ia da época, o shopp ing constitu iu u m su cesso de ve ndas de sde a sua inau guraç ão, atuan do co mo ponto de a traç ão para to da a populaçã o da Cidade, e mpo lgada co m o no vo equipa men to, in co mu m até en tão e m Fo rtale z a”. Ainda de acordo c o m a autora, conforme Tasso Jereissate 176, e mpre sário re sponsá vel p elo e mpree ndimento , “ fo i realiza da u ma pe squ isa na época, a fim de dete rminar a loca lização ma is apropriada pa ra esse tipo de equipa men to. O re sultado re ve lou ser nessa área on de esta va concen trado o maio r me rcado con su midor da cidade ”, con tudo, “o e mpre sário d eclarou ta mb é m não haver tido qua lque r proble ma quan to à a pro vação do proje to, por tra ta r-se d e alg o no vo e não ha ver legislação própria pa ra este tipo de equipa men to, quan to a ta xa de ocupação, estac iona me nto, e tc” 177. A constru ção desse shoppin g antecipou a tendência de esp ecializ ação daque la área qu e a tra iu ou tros p ara o seu en to rno. Essa con cen traç ão de Shopping s Cen ters enc ontra -se justa mente no quad rante que Diógene s ca rac te riza como o “centro da Aldeo ta”, lu gar onde , segu ndo a au tora , “de sde o in íc io, se p rocessara m as prime iras mudanç as, e que se configurou co mo o centro do b airro , ex pandindo -se poste riormente. Esse c entro pode se r identificado co mo o trec ho formado po r a proximad a men te 54 qua d ras e m torna do cruza men to das ave nida s San tos Dumon t e 176 177 Entrevista concedida à arquiteta Beatriz Diógenes em 1º de dezembro de 1984. Diógenes, Beatriz H. N. A centralidade da aldeota como expressão da dinâmica intraurbana de Fortaleza. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005, p. 72. (Dissertação de mestrado) (vale para as três passagens do parágrafo). Dese mba rgado r More ira” 178. Ainda segundo a autora , “atua lme nte , o c entro estendeu -se ta mbé m ao long o de uma via p ara le la à a v. Santos Du mon t, a a v. Don Lu ís, que te m se transformado nu m e ixo dinâ mico de co mé rc io e serviços do ba irro, co m visíve l tendên cia à exp ansão”. 179 De acordo co m Dióg en es, a décad a de 1980 marca a expansão da atividade terciária no ba irro, quan do co meçou a cre sce r “u m co mérc io de lux o e toda u ma ga ma de serviços esp ecializado s destin ados a a tende r à s ex igênc ias de seu s hab itan tes, tais co mo joa lhe ria s, boutique s, delicatenssen, an tiquá rio s, ga leria s de arte, lo jas d e decoraç ão, restau rantes finos etc ” 180. No que d iz re speito ao se to r ban cário, por exe mp lo, D iógene s informa que ele ta mbé m enco ntrou gran de mercado e m potenc ial ne ssa á rea da Aldeota , qu e pa ssou a abrigar d ive rsas ag ê ncias co mo a Caixa Econ ô mica, BMC, Banco Rea l, BEC a v. Santos Dumon t, Banco Nacional, BEC P raça P ortuga l, B IC , BANCESA, Citibank, Banco da P araíba, BANORTE, BAMERINDUS, todos so men te na década de 1980 181. Ainda segu ndo a auto ra : Es s e s b a n c o s i mp l a n t a ra m s u a s a g ê n c i a s n a A l d e o t a n ã o s o m e n t e c o m o o b j e t i vo de e xp a n s ã o , c o mo p ro c e s s o de d e s c e n t r a l i z a ç ã o p a ra o u t ro s b a i rro s , ma s t a mb é m e m f u n ç ã o d o p o d e r a q u i s i t i vo d a á re a , o m a i s a l t o d a c i d a d e , t ra t a n d o -s e a s s i m d e m a r c a n t e me r c a d o f i n a n c e i ro . As p r i m e i ra s agências re a l i z a ra m pesquisas de l o c a l i z a ç ã o , a f i m d e a s s e gu r a r a vi ab i l i d a d e d o i n v e s t i m e n t o . A s d e ma i s j á n ã o u t i l i z a r a m e s s e r e c u rs o , p o r s e c o n s o l i d a r a c a d a d i a o s e t o r b a n c á ri o 178 179 180 181 Diógenes, Beatriz H. N. A centralidade da aldeota como expressão da dinâmica intraurbana de Fortaleza. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005, p. 69. (grifo da autora). (Dissertação de mestrado) Ibidem, p. 70. Ibidem, p. 74. Ibidem, p. 75. 182 . Costa apon ta outro fa tor d a e me rgênc ia da Aldeota co mo no va c entra lida de, que fo i o de slo ca men to de institu içõe s púb licas, a ntes lo caliza das no Ce ntro , pa ra o bairro da Aldeo ta “a o longo da década d e se ten ta, o P alácio d o Go vern o, algu mas se cre ta ria s estadua is e mu nic ipa is, a Asse mb lé ia Leg isla tiva , a Câ mara Municipa l e vá rio s ó rgãos púb licos de todo s os níve is, fora m tran sfe ridos do Cen tro para a Alde ota ” (a Câ ma ra Munic ipa l func iona atua lmen te no en torno da Av. Washig ton Soa res). Alé m disso, “o po der púb lico contribu iu para a exp ansão 'deso rdenad a ' d a c idade na dire ção do Sítio do Co có (Figura 8 ), co nstru indo gran des obras e equ ipa mento s púb lico s, abrindo nova s vias, imp lan tando in fra -e strutura e se rviços. Gra ndes vazio s urbanos fora m va loriza dos”. 183 Ainda no bojo da expansã o para a Zona Le ste, co m a inco rporação do S ítio do Cocó à malha urbana, os senso do IBGE de 1970 e 19 80, a testa u m cresc imento de 119,95 %, passando de 26 .189 para 57.60 3 habitan tes, enquan to o mun icípio cresc ia a uma taxa de 63% no mesmo período . n o b a i r ro Fi g u r a 8 : E x p a n s ã o u r b a n a s o b re o S í ti o d o C o c ó tr a n s f o r ma n d o o a mb i e n te n a t u r a l e a l t e r a n d o a p a i s a g e m d e Fo r ta l e z a . ( Fo n te : a rq u i vo D i á r i o d o N o r d e s te ) 182 183 Diógenes, Beatriz H. N. A centralidade da aldeota como expressão da dinâmica intraurbana de Fortaleza. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005, p. 75. Costa, Ana C. L. Cidade 2000: expansão urbana e segregação espacial em Fortaleza. Universidade de São Paulo, dissertação de mestrado, 1988, p. 133 e 134 respectivamente no parágrafo. A construção do sh opping Igua te mi, e m 1982, ta mbé m te ve u ma forte in fluênc ia no de sloca men to da dinâ mica co merc ia l e imob iliá ria, fa vo recen do o Sude ste da cidade . O shopping foi construído e m áre as ate rrad as do ma ngue do Cocó , co m a fina lidade d e con segu ir terreno s a ba ixo custo, apesa r de p rote sto s de grupo s envo lvidos co m a pre se rvação do a mb ien te na tural, co mo o mo vimen to a mbien ta l SOS Cocó que da ta da quele p eríodo e que reto rnou re cen te men te , qu ase 30 a nos a pós a construção do shoop in g. Dessa vez, a polê mica fo i e m torno o pro je to do Centro E mpresa ria l Iguate mi, que acabou sendo c onstru íd o às ma rgens do R io Cocó e ao lado do Shopping , apesar d a pressão do Mo vimen to A mb ien tal de Forta leza qu e se materia lizou na “ Fren te Ecoló gic a e P opular de Fo rtale za” 184 e das ve rsõ es co ntrad itórias por parte da P refe itu ra de Fortaleza, esp ecia lme nte, de sua Secre taria de Meio A mbien te qu anto à conce ssão ou não da obra. Essa obra foi mo tivo de gran de e long a polê mica , e m que tan to e mp resá rios, quanto a P refeitu ra Munic ipal de Fo rta lez a e os mo vimento s po pula res se posic iona ra m sobre o te ma. Dentre os fato re s indu tore s da pro life ração dos shop ping s cen te rs, encontra -se a violên c ia u rbana e , co mo Bern al consta tou por in terméd io de entre vistas “ as tendênc ia s atu ais ind ica m u ma mudança d o hábito de co mpra r no co mé rc io de rua p ara co mp rar e m lo ja s de shoppin gs c ente r, e spe cia lmen te entre o s ma is jo ven s”. 185 No processo de e xpansão da c idad e (e da centralidad e) pa ra o le ste, a Aven ida San tos Dumon t fo i o princ ipa l e lo qu e p ossibilitou o fluxo co m ou tro s b airro s co mo a Va rjo ta, o P apicu, o Cocó, as Dunas e a P raia do Fu turo , qu e fora m se integrand o e exp andin do o ra io de influênc ia da Aldeota, fazendo a lig ação d o C entro co m o lito ral le ste . De acordo co m Costa, esta va pre visto de sde o 184 185 Pra saber mais ver: http://frentepopular-fortal.rg3.net/ e http://frentepopularecologicafortal.blogspot.com/ Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 191. P lano Dire tor d e 1972 “o pro longa men to da avenid a da Santos Du mond a té a P raia do Fu turo e a c onstrução da P raça 31 de Març o e da a ven ida Zezé Diogo”. Ainda segundo a geóg rafa “a execução dessas ob ra s, e m 1976, pro vocou, de imed ia to, a abertura de inú me ros loteamen to s e rua s e a con strução de re sidênc ias nos ba irros P apicu e Cocó”. 186 U m fa tor dec isivo dessa expansão foi o va lor simbólico da Aldeo ta c omo bairro de e lite exp lorad o pelos pro mo tores imob iliá rio s. A “Aldeo ta a la rgad a” é hoje a refe rênc ia de se rviç os co mo cade ias d e fast-food , shoppin gs c enters, centros co merc iais, banco s, equipa men tos de laze r etc. É ta mbé m o lug ar da cidade e m que o pro cesso d e vertica liz ação enco ntra -se mais ava nçado. P or sua vez, D iógen es afirma qu e a leg islação ta mbé m fo i respon sá ve l pe lo desloca men to de cen tra lidade para a Aldeota. Segund o a auto ra “No caso da Aldeota, as sucessivas le is de uso e ocupaçã o do solo interferira m sobre mane ira , consolid ando a voc ação da áre a co mo uma outra cen tra lidade d a cidad e”. 187 Ainda segundo a arquite ta, o P lano Dire tor Físico, ap ro vado p ela lei 4 .486 de 1975, hou ve u ma no vid ade qu anto à ocupação da Aldeota , co m o su rg ime nto de : p ó l o s d e a d e n s a m e n t o c o me r c i a l e re s i d e n c i a l , u m d e l e o c u p a n d o á re a s i gn i f i c a t i v a d a A l d e o t a , c o mp re e n d i d a pelas a ve n i d a s Santos D u mo n t e A n t ô n i o S a l e s , B a r ã o d e St u d a rt e D e s e mb a rg a d o r Mo re i r a . Es s a á re a f o i p o r a l gu m t e mp o d e n o m i n a d a d e 'q u a d ri l á t e ro d e o u ro ', p ro va v e l me n t e p e l a e n o r me v a l o ri z a ç ã o q u e a t i n gi r a m os t e r re n o s e edificações ali localizadas, ap ó s a mu d a n ç a de 186 187 Costa, Ana C. L. Cidade 2000: expansão urbana e segregação espacial em Fortaleza. Universidade de São Paulo, dissertação de mestrado, 1988, p. 134. Diógenes, Beatriz H. N. A centralidade da aldeota como expressão da dinâmica intraurbana de Fortaleza. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005, p. 77. l e gi s l a ç ã o 188 A lei 5.122 -A ta mbé m é consid erada p or Diógenes co mo u m marco na fo rmação da c entra lid ade da Aldeo ta. P or força de sua s dete rminaçõe s, e la foi responsá vel por grandes mu dança s oc orridas no bairro , po is, “a lé m de permitir a ve rtic alização , ta mbé m in centivou a imp lan tação do co mérc io e de se rviços, co m a criação do s corred ore s onde se co n centra m essa s a tivid ade s 189. De fato, a Aldeo ta n ão é só “g lamour” , a s no vas rela ções que se estabe lece m en tre o espaç o natural e o territó rio usado, a vertica liz ação, a concen tração finan ceira e c o me rcia l, o eno rme fluxo d e carros e pessoa s, ge ra m por outro lado, impa cto s neg ativos sobre a vida da po pula ção e o a mbien te n atural, co mo congestion a men tos, po luição, in segu rança, d entre outras expressões da deg enera ção urba na e d a c idade. O e x c e s s o d e i mp e r m e ab i l i z a ç ã o d o s o l o p o d e c a u s a r e f e i t o s n o c i vo s a o me i o a mb i e n t e , c o m a r e d u ç ã o d a e v ap o r a ç ã o , p e l a a u s ê n c i a d e v e ge t a ç ã o e á gu a d i s p o n í v e l ; a ra d i a ç ã o s o l a r q u e n ã o é u s a d a n a e v ap o r a ç ã o a q u e c e o e s p a ç o u rb a n o e o a r d a C i d a d e , a l é m d e c a u s a r a e l e v a ç ã o d a t e mp e ra t u r a e a 190 re d u ç ã o d a u m i d a d e Esses e ou tro s fa tore s contribue m co m a pe rda de hege mon ia abso luta da Aldeota e alé m d isso, “ e m razão da escassez de gran des lotes, a á rea não co mporta mais a construção de equ ipa mentos de g rande porte, que ex ige m grandes á reas e estac iona mento co mpa tíve l. Esse s equipa men tos estão se ndo insta lados e m g ra ndes te rren os livres na zona sudoe ste da cida de, ao lo ngo da a v. Washing ton Soa res” 191. E a cidade não pá ra. A ce ntra lidade absolu ta do b airro A ld eota, qu e fo i viabilizad a, diga -se d e 188 189 190 191 Diógenes, Beatriz H. N. A centralidade da aldeota como expressão da dinâmica intraurbana de Fortaleza. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005, p. 77 e 78. Ibidem, p. 80. Ibidem, p. 89. Ibidem, p. 95. passage m, por me io d e “fontes não iden tificad as”, segundo vá rio s auto res 192; aos po ucos, vai pe rdendo su a fo rça e impo rtância sóc io -esp acia l à med ida qu e o centro de decisão e de d inâ mic a econô mic a va i se e xpandindo e ocupando ou tro s lu gares, co mo ocorre a tua lmente co m a expansão da c idade no sentido Sudoeste, p ro mo vendo u m deslo ca men to mo vido p or vá rios fa tores que va mo s d eba ter no tóp ico a segu ir. 2.4.3 Centralidade III – Aldeota e xpand ida (Sudeste) Av. Wa shin gton Soare s En q u a n t o n a A l d e o t a , e m f a c e d a c a rê n c i a de t e r re n o s , as novas c o n s t ru ç õ e s s u rge m e m s u b s t i t u i ç ã o a i mó v e i s já existentes, que são d e mo l i d o s , j á n o n o vo c e n t ro , gr a n d e s e q u i p a me n t o s o c u p a n d o t e r re n o s l i vr e s , s ã o c o n s t ru í d o s à s m a rg e n s d a a ve n i d a [ Wa s h i n gt o n S o a re s ] c o m a mp l a s á re a s 193 d e e s t a c i o n a me n t o ; O atua l cen tro de va lorização e d e exp ansão u rbana e m Fo rta lez a é o que co mpõe o e ixo sudeste, co mpre endendo ba irros co mo Edson Queiroz, Água Fria, Cidade dos Fun cion ários, Ca mbeba e Me ssejan a, cu jo cresc imento se torna mais in ten so a pa rtir do fin al do s anos 1990, co m a p resenç a de condo mín ios fechad os horiz onta is (co ndo mín ios de c asa ) e c onjun to s residenc ia is de classe méd ia. Segu ndo Diógenes “E m me dos dos anos 1980, o P oder P úbic o, junto c o m a in ic iativa privada co meça ra m a d irig ir o cre sc imen to d a C idad e para e sse s bairros, imp lan tando in fra -e strutu ra e se rviços, constru indo g rande s obras e equipa men to s público s e 192 193 Baseando-se no livro chamado “Aldeota” do escritor cearense Jader de Carvalho, vários autores fazem referência a essas origens escusas e obscuras que ajudaram a erguer um dos bairros mais ricos do país. É o caso de Costa e Diógenes, por exemplo. Diógenes, Beatriz H. N. A centralidade da aldeota como expressão da dinâmica intraurbana de Fortaleza. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005, p. 102. (Dissertação de Mestrado) abrin do no vas via s, co m a a ven ida Wash ing to n Soare s”. 194 Esta a venid a é a tua lme nte u ma da s fo rtes p re ferên cia s de mo rad ia da s fa mílias d e classe média e alta e m Fo rtaleza, “os c onsu mido res de ste tipo de hab ita ção, e m ge ral, adquire m o imó vel p ara uso p róprio, b uscando ma ior seguran ça e preç os mais van ta joso s e m á re as aind a não satu rada s co mo Ed son Queiroz, Cida de do s Funcioná rios, P arque Manibu ra e ou tros, e m que o p reço do m² é infe rior ao dos ba irros ma is elitizado s” 195. No bairro do Cocó, observa -se u m fo rte processo de ve rtica liz ação co m a va loriza ção dos lote s. P ode-se conside ra r que a no va centralidad e de Fo rta leza en contra -se no se ntid o sudeste da c idade e te m na a ve nida Wash ig ton So are s (Figu ra 9 ) o seu princ ipa l símbo lo , co m a in stala ção d e shoppings cente rs (Iguate mi, Via Su l, por exe mp lo), g rande s supermerc ados, un ive rsidades, c entro de con ven ções, fóru m, g randes lo ja s, dentre ou tro s se rviços tipic amen te mo derno s. De aco rdo co m Be rna l “ /.. ./ se observa u ma grande expa nsão do e ixo da avenid a Wash ig ton Soares, na região sude ste , e m direção a Eusébio, Aquira z e às praias do lito ra l leste”. 196 194 195 196 Diógenes, Beatriz H. N. A centralidade da aldeota como expressão da dinâmica intraurbana de Fortaleza. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005, p. 101. Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 194. Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 165. Fi g u r a 9 : Ave n i d a Wa s h i n g to n S o a re s e s e u e n to r n o , n o l a d o e s q u e r d o e s tá s e n d o c o n s tr u í d o o n o vo C e n tro d e C o n ve n ç õ e s d a c i d a d e . ( Fo to : a rq u i vo D i á r i o d o N o r d e s te ) Fi g u r a 1 0 : Po n t e s o b r e o R i o C o c ó l i g a n d o a Pr a i a d o Fu tu ro à S a b i a g u a b a . (F o to : a r q u i vo D i á r i o d o N o r d e s te ) Essa no va te ndênc ia de centralidad e urban a avan ça no sentido do parqu e e c ológ ico do Cocó, co locando e m grande e vid ênc ia a contrad ição ex iste nte e ntre a mo vimen tação do c apital imob iliá rio e a sua pre ferência por pa isagens be las de a mb ien te natura l, o que lhe possibilita u m incre me nto n o p reço do imó vel. Isso fica claro quando a nalisa mos que a a venid a que simbo liza essa nova centra lidade, a Washig ton Soa res, cru za o P arque do Cocó tran sfo rmand o e sse a mb ien te na tural e m te rritório usado, e m espaço hu maniz ado. S ão de zena s de préd ios residenc ia is e co me rciais construído s p or to do o e nto rno dessa a ven ida. Outro ba irro que a inda perman ece ba stante re servad a as que e stá so fren do sério risco de se tran sformar e m terreno d e expan são imob iliá ria é a Sabiagua ba, espec ialmen te e m dec orrênc ia da inauguraçã o no ano de 2010 de u ma pon te que uniu a Sab iaguab a à P raia do Caça e P esca, p assando por cima do Rio Cocó, no extre mo le ste da P raia do Futu ro (Figura 10 ). A pon te une praia do Fu turo à Sab iagu aba “suprimiu” a d istânc ia entre e sse s dois ba irros, tenc ionan do a ocupaç ão da quela áre a em q ue pre va lece o b io ma d e mangueza l. P ara se evita r u ma ocupação co mandad a un ica mente pe lo me rcado imob iliá rio, a P refe itura d e Fo rtale za, atravé s de u m proje to articu lado pelo vereador João Alfredo (P artido Socia lismo e Libe rdad e - P SOL), transfo rmo u o bairro da Sabiagua ba no prime iro bairro ve rde da cidad e, po r intermédio d o Diagn óstico do P lano de Manejo d as Unidades de Conserva ção da S abia guaba, cuja ela boraç ão foi co orden ada pe lo profe sso r Jeovah Meirele s do Departa men to de Geografia da Unive rsidad e Fede ra l do Ceará. 197 197 PREFEITURA DE FORTALEZA. Plano de Manejo pretende transformar Sabiaguaba em bairro ecológico. Fonte: Site da Prefeitura Municipal de Fortaleza. Disponível em: http://www.fortaleza.ce.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=15000&Ite mid=239 O prime iro condo mínio de luxo Alp ha ville foi constru ído n a e ntrada d o P orto das Dunas no c a minho pa ra o P arque Aquático Bea ch Park, loca lizado no mu nic íp io do Eusébio. Este e mpree ndimen to é simb ólico em vista do estra to soc ia l do me rcado con su midor d e sse tipo d e habitação e me smo pe la esco lha do loc al - u m mun ic ípio da zona le ste da reg ião metropo litana q ue faz ligação dire ta men te co m a a ve nida Wa shig ton Soa res. Mas apesa r de simbo liz ar e statu s socia l, morar nu m Alphaville não sign ifica e star nec essa ria men te den tro da cid ade. No sítio do e mpre endimen to e m Forta leza há a seguinte aprese nta ção “Con stru ído e m u ma da s melho res regiões de Fo rta lez a, p róx imo às praias, entre o Shopp in g Iguate mi e o Beach Park, o e mp reendimento possui 1.1 88.200 m2 – sendo 306 .977 m2 d e áre a de pre serva çã o a mb ien tal perman ente ” 198. Note -se o publicitá rio ap elo à q u alidade de vida, se mpre assoc iad o à p rese nça d e a mbiente natura l. Engels tinh a razã o ao afirma r que “ a ma ioria nã o está presa , pe las suas ocup ações a u m loca l de te rminado /... / que m que r que fo r fa z ê -lo , pre fere morar fora do que na cidade po lu ída” 199. Que m que r que que ira e, nesse ca so, que possa. Cha ma -se ate nção para o fa to de q ue a imp lan tação de u m c o ndo mín io Alph aville e m u ma dada loca lid ade pode ind ic ar u m mo vimen to te ndencia l de deslo ca men to da d inâ mica do cap ital no e spaç o. Agora não mais nece ssa ria men te no interior da cida de, senão pe la metrópo le. Cada vez mais vista co mo u m todo, ca da vez mais indiferenciada. Qual o sign ificado da nova cen tra lidade d e Forta lez a para o Mangue do Cocó? Qual o significado da inaugu ração da pon te sobre o rio Cocó no Caç a e P esca? O resu ltado d isso só sabere mos daqu i a a lguns anos, entre men te, é se mpre oportuno le mb rar qu e a apa ren te prote ção do a mb ien te natu ral pelas le is ne m se mpre é suficiente pa ra ba rra r o apetite do cap ital imobiliá rio e m 198 199 Fonte: http://www.alphaville.com.br/empreendimentos/nordeste/fortaleza/ Engels, F. A questão da Habitação. São Paulo: Editora ED Acadêmica, 1987, p. 55. sua nec essidad e a mpliando -se . de rep roduz ir-se , ma ntendo -se e 2.5 O av esso da cen tra lidad e Segundo o estudo da profe sso ra Cleid e Bern al 200, os níve is de de sigua ldade na RMF tend e m a au menta r entre 1981 e 1999. E m 19 99, os 5% ma is rico s da reg ião metropo litana c hegara m a se ap ropria r de 3 8% da rend a, quando, e m 1981 , detinha m 33,9%. P oré m, a parce la do 1% mais ricos te ve u m c resc imento mais a centuad o no total da renda, apro prian do -se de 15,6% e m 199 9, co mparando -se aos 1 2 ,9% que de tinh a m e m 1981. Alé m disso, n a segunda metade dos ano s 1 990 , a Região Metropolitana d e Fo rta leza dista ncia -se da s o utra s regiões do esta do co m u m au mento do P IB pe r cap ita , que passou de 2.993 pa ra 4.159 reais, en tre 19 95 e 199 8. P or outro lado, os mais pobre s perdera m posição relativa nas dua s décadas, enquan to os 4 0% ma is pobre s se ap ropria va m d e 3,38% da rend a e m 19 81, a ting ira m 3 ,20% e m 1999. E m rela ção a o índice de Gini e Theil 201, a de spe ito de ter se observa do u m c rescime nto n a renda re al men sal d a reg ião metropo litana , d e 147 ,10 rea is para 20 6,7 0 re ais, em sete mbro de 1999 , o ín dice de Gin i mostra u ma tendên cia ao au men to da d esig ualdade de ren da, e le vand o -se de 0,579 pa ra 0,61 0 e 0, 6 28, re spec tiva men te, e ntre os anos de 1993, 19 95, 1999 . Apesar do d ina mismo rela tivo ocorrido no Estado do Ceará nas ú ltima s dé cadas, segundo Berna l, “o Ceará ocupa o 23º lu gar na c lassificação dos Estado s brasile iros no re lató rio de Índice de Desen vo lvimen to Humano (IDH) da Organ iza ção da s N ações Un idas (ONU), só pe rdendo para o P iau í e Alagoas, co m a popu lação de p obres de 3,3 200 201 Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 92. Índice que mede o nível da desigualdade de renda. O índice indica mais desigualdade à medida em que se aproxima de 1. milhões de pe ssoa s” 202. Este d ado indica que o c resc ime nto econô mico ob tido pe lo Estado , que supera inc lusive a média do s outros Estados da Reg ião Nord este , n ão é suficiente sequer pa ra a men iza r a situação de pob reza e miséria de quase me tad e da popu lação . e n c o n t ra mo s e m Fo rt a l e z a f o r m a s d e c o n v i v ê n c i a e n t re v á r i o s s e gu i me n t o s d a e s t ru t u ra s o c i a l , c o m a i n c ru s t a ç ã o d e f a ve l a s e m t o d o o e s p a ç o d o s b a i rro s b u rgu e s e s , s e n d o l a rg a me n t e u t i l i z a d o n a s r e s i d ê n c i a s d e s t e s b a i r ro s o s serviços domésticos ofertados pelos mo ra d o re s d a s f a ve l a s . A s e g r e ga ç ã o s o c i a l s e ap re s e n t a , a s s i m, n o m e s mo e s p a ç o d e c o n vi v ê n c i a e d e f o r ma 203 b a s t a n t e u t i l i t á ri a Essa passage m de mon stra u ma esc ala “ men or” da segreg ação qu e oco rre mesmo no interior dos bairros ricos. São co mo e spaço s de afirma ção e neg ação d o cap ital que manté m entre si u ma re laç ão de interde pendênc ia e mu tua lismo, que acon tece quando os mo rado res ricos ou de c lasse méd ia, ao se negare m a a ssu mir c ertos o fício s d e menor renu me ração e que ex ige baixo grau d e escolaridade, acab a m de mandando se rviço d oméstico, de faxin a, de segu rança , porta ria etc. , dos h abitantes de fa ve las loca liz adas n este s bairro s. Essa relação acaba sendo van ta josa p ra os dois 204, tendo e m vista a redução do custo de rep roduçã o da forç a de tra balho, pe la proximidade da mão de obra do loca l de traba lho. O co mérc io ta mbé m de manda força de traba lh o co m essas carac terística s, e u m e xe mplo d isso é a fa mo sa fa vela da s “quadra s” loca lizada n o bairro da Ald eota 205. 202 203 204 205 Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 66. Ibidem, p. 147. Muito mais para o comprador da força de trabalho que para o vendedor, mas esse último está feliz por ter um emprego, diferentemente de muitos de seus visinhos e familiares. Segundo informações de um conhecido morador das Quadras, o rapper e promotor cultural Preto Zezé, atual presidente da Central Única das Favelas - CUFA, em conversa informal com o autor desta dissertação. A integ ração da á rea d o Mucuripe ao espa ço urbano de Forta leza se d á a pa rtir de 1945, co m a implan tação do P orto do Mucuripe. C ontudo, segundo Be rna l “É ta mbém no in ício dos ano s 196 0 que se con so lida a o rla lito rânea , co m a con strução d a Avenida Beira -Ma r, que ve m configura r u m espaç o de seg regaçã o, e m função d a acessib ilidade e da p resença de ba res e restaurantes no loca l”. A autora afirma q ue “P ara lela me nte a isso, ve rificou -se o desloca men to pa ra ou tros ba irros, princ ipa lmente pa ra a Aldeo ta, de pa rte do co mé rcio e serviços loca liz ados no Cen tro, tendên cia que iria aprofun dar-se nos a nos 1990 e con tribui pa ra o esvaz ia men to daq uela área” 206. Com isso, co m a concentraçã o de serviços e a c irculação de pessoas predo minan te mente da elite fo rta lez en se, pode -se consid era r a Be ira Ma r co mo u m do s p rime iro s e spaços de auto -seg regação bu rgue sa. A professora Berna l a ssoc ia a terceirização co m a segreg ação sóc io -espa cia l, para e la, a s du a s “c a minha m juntas a estru tu ração in tra -u rbana de Fortaleza e esta última ve m-se ag ra vando co m a expansão urba na, espec ialmen te dos ba irros mais e litizados e mais bem dotado s de infra -e stru tura” 207. Ainda segundo a auto ra “o impac to d as mudança s na estrutu ra p rodu tiva sobre a organ izaç ão da cidad e é me diad a pelo su rg imen to do capita l de incorporaç ã o, que ge ra a d inâ mica imobiliária, respon sá ve l pe lo ag ra va mento do p rocesso de segre gação já insta lado na me tró po le e m époc a ma is re mota” 208. Já para Costa, “a inc orpora ção de no vo s e spaços à cidade oco rre por me io da interven ção do P oder P úblico e do Seto r P rivado. Cabe a este s agen te s a re sp onsabilidade pelo p roce sso de diferenciaç ão soc ia l do esp aço urba no e até me smo pe lo fen ô meno da segreg ação sóc io -e spac ial”. 206 207 208 Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 148 e 149 respectivamente para as duas passagens do parágrafo. Ibidem, p. 196. Ibidem, p. 197. Segundo a a uto ra “ a região leste /... / se mp re reuniu os melho res terreno s do ponto de vista topo gráfico, a a s condiçõ es c limá ticas mais fa vorá veis d espertando o intere sse dos g randes p roprie tários de terra e mo tivando a especu lação imobiliária de fo rma vio len ta”. 209 P or outro lado, Araú jo alerta qu e “co mo caso crítico, a ocupação a o este de Fo rta lez a, desd e o lito ral e sen tid o sudoeste, no en to rn o do Rio Marang uapinho. A preocupa ção fu tura está no Sude ste , entre o litoral e a fron te ira co m Munic íp io de Aquiraz” 210. O poder púb lico, co mo fica c la ro no decorrer de ste capítulo, te ve u ma in tervenção qu e acabou por ag ra var ainda mais o processo de segregação, pode ndo -se d ize r mesmo que te ve u m papel fund a men ta l n a consolida ção deste p rob le ma . Co mo exe mplo disso, Costa nos informa que “os co njun tos hab itac iona is, e m Fo rta lez a , geralme nte estão loca lizados e m áreas d istan tes do Centro da cidad e e dos ba irros ma is va lorizado s, c o mo o P apicu , Aldeo ta e Meirele s. A ma ioria do s conjun tos fo i loca liz ada na Zona Oeste, e m d ireção aos municíp ios d e Caucaia e Maracan aú”. 211 Eles fora m constru ído s jun to o u próximos ao leito das linha s fé rrea s Fo rtaleza -Maracan aú e Fo rta lez a -Cauca ia. Na raiz da segregação sócio -esp acial en contra -se a propriedad e privad a da te rra urban a, cu jo p re ço é uma das expressões de ssa cond ição con te mporânea da propriedad e, junta men te ao alugu e l, ao a rren da men to, à co mp ra, à vend a e tc, con forma m apen as categorias de seu lado aparenc ia l. P ortanto, é apen as p arc ia lmente correto afirma r, co mo pode r se r encon trado no s trab alhos de quase todos o s au tore s consultados, qu e o pre ço da te rra é o respon sá ve l pe lo p roc esso d e seg regaç ão só cio -espacia l. 209 210 211 Costa, Ana C. L. Cidade 2000: expansão urbana e segregação espacial em Fortaleza. Universidade de São Paulo. (Dissertação de mestrado), p. 123. (vale para as duas citações do parágrafo). Araújo, Ana M. M. Fortaleza, Metrópole Regional. Trabalho, moradia e acumulação. Fortaleza: Eduece, 2010, p. 87. Costa, Ana C. L. Cidade 2000: expansão urbana e segregação espacial em Fortaleza. Universidade de São Paulo. (Dissertação de mestrado), p. 156. Enquanto q ue na ra iz do proble ma está a prop ried ade priva da da te rra urba na. Vimo s ta mb é m qu e a ação do poder púb lico age no sentido d e ac irrar ainda ma is a s disc repânc ia s no p reço da te rra urban a ao d irecionar seus in vestimen tos d e in fra -estru tu ra e de ou tros bens de consu mo co le tivo e ao regula men ta r a ocupação do territó rio , ma is ou me nos casad os co m os interesses dos agente s privado s de produção do espaç o urbano de Fo rta lez a. Concorda mo s co m Costa qu ando a a utora afirma que “o con junto de no rmas ju ríd ica s a leg islação urba na não é neu tra” 212. Imp ortan te constar que u ma tran sfo rma ção qua lita tiva da p ropriedad e da terra urban a, de u m tipo privado e m d ire ção à p roprie dade social, poderia con vive r tranq uila men te c o m a s rela ções sociais do cap ital que, por su a vez , te m co mo cond içã o essenc ial o cará ter merc adológic o da força d e traba lho , que nessas condiçõ es é se mp re passíve l de co mpra e venda po r intermédio do assalaria men to, de on de pro vé m a acu mu lação da rique za exceden te na fo rma de mais-valia e a alienaç ão da p rop rie d ade. No que diz re spe ito ao turismo, que fo i pouco debatido ne sta “ volta por Forta leza”, a pro fe ssora Berna l nos apre sen ta de man eira muito simp le s os reflexos da ação do mod elo de desenvo lvimen to desse se tor, praticado no período re cen te no estad o do Ceará : “o turismo é u m ve tor impo rtante na estru tu ração do espaço u rbano, aprese ntan do con siderá ve l cre scimen to na ú ltima décad a, poré m, carrega c onsig o u ma dua lidade de sa gregado ra” 213. Isso é esp ecialmen te ve rdade quando p ensa mo s os circ uitos e spac ia is de um tu rista q ue tende a se limitar ao raio de a brang ência cen tro -leste. De fa to, da do s rela tivos à SETUR, constan tes na pesquisa da p rofesso ra Ana Ma tos, sobre os e stabe lec imento s turísticos presentes e m Fo rta lez a mostra m que “São 225 eq uipa men tos turísticos 212 213 Costa, Ana C. L. Cidade 2000: expansão urbana e segregação espacial em Fortaleza. Universidade de São Paulo. (Dissertação de mestrado), p. 54. Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 205. /... / Há p ra tic a men te o mesmo nú mero de po usadas (44%) e hoté is (4 3%). Os hotéis são , e m g eral, no vos, constru ídos na maio ria entre o s ano s 199 0 e 2002 (57 %). As pousadas (88%) ada pta m c asa rões residen c iais a no va s funções”, ma is à frente a au tora co nfirma a nossa afirma ção an te rio r e m re lação aos circu ito s espac iais de um tu rista que visita Fo rta lez a “os e stabe le cimen tos se distribue m e m 15 b airros, so bre tudo e m c orre dor da beira ma r, do cen tro (13%), para a P raia de Ira ce ma (24%), pela Aldeota (6%), Me ire les (30%) à P raia do Futu ro (13%)” 214. Na Região Me tropo lita na, os munic íp ios ma is va lo rizados pelo turismo são o s mu nic íp ios lito râneo s de Aquiraz e Caucaia. A li, a s a tividade s de sub sistê n cia co mo a agricultura e a pesc a são aba ndonado s e m no me d o turismo. O sudoeste é, se m d úvidas, o ma is “ob sc uro” da cidade tendo e m vista a escassez de info rma ç ões e estudos espec íficos sob re e ssa zon a. Segund o Costa “o s contingen tes ma is mo desto s ocupa m a zo na à oeste a à sudoeste da c idade, que corresponde m a 2/3 da áre a constru ída e se caracte riz a por ma iore s densid ades populac iona is, sendo hab itu almen te d esp rezada pe los in vestimen tos público s” 215. Na medida e m qu e se distanc ia do centro e m d ireç ão ao veto r su doeste, esse “desp rezo” ou neg ligênc ia vai agra vando -se , e spec ia lmen te nos bairros que faze m fron teira co m o s municíp io s de Cauca ia e Maracanaú, desde o José Walte r a té a Barra do Ceará. Nesses ba irros, é pe rc eptível u ma “de sre spo nsabilização ” por parte do s pode res públicos municip ais, q ue jogam de um p ara o ou tro la do os prob le ma s qu e aflige m a populaç ão que re side m ne stas área s, pro te lando eterna men te u ma so lução. Co mo de mon stra Costa , o próprio pod er púb lico contribu i co m e ssa disc repância leste -oeste, insta lando bens de consu mo c ole tivo nos 214 215 Araújo, Ana M. M. Fortaleza, Metrópole Regional. Trabalho, moradia e acumulação. Fortaleza: Eduece, 2010, p. 56 e 57. Costa, Ana C. L. Cidade 2000: expansão urbana e segregação espacial em Fortaleza. Universidade de São Paulo. (Dissertação de mestrado), p. 24. bairros de c lasse méd ia e a lta “con tra ria me nte ao bo m senso, ma s ne m por isso à lóg ica da expan sã o urbana da cidade cap italista, as zonas leste e sudeste, mu ito menos habitadas, são aqu ela s que receb e m a ma ior pa rte da atençã o do Estado n o delinea mento d o traçado e na a mpliaçã o da ma lha u rbana”. 216 A imp lan taçã o d esse s bens de consu mo co letivo finda m por va lo riz ar a inda ma is a s áreas dita s nob res da c idade, fa vore cendo o crescimen to da cidade na d ireç ão e m qu e são imp la ntados ta is equipa men tos. A cen tra lid ade à s a vessas fica p or con ta dos bairros da pe rife ria de Forta leza , onde a falta de sanea mento básico e a d ificu ldade no co mba te à disse minação de doe n ças, muitas de las já extinta s em outra s á reas da c idade , ainda p re va lec e. O setor e mp resaria l ta mb é m d irec iona o c rescimen to para as zonas leste e su deste da c idade “co m a imp lan tação de indú strias, de e sta belec ime nto s de stinad os ao e nsino superior e de cen tro s co me rc ia is, a lé m da abe rtu ra de novo s lo tea men tos p elos grand es p roprie tários de terras, co mo a s fa mílias D iogo, P atrio lino , R ibeiro, Dionísio Torres, Gen til, da ndo orige m a ba irros – Dio nísio Torres, P apicu, Edson Queiroz, Antôn io Diogo, Cocó, Água Fria” 217. “A tendê ncia q ue se obse rva e m Fo rtaleza é a mesma das gra ndes c id ades bra sile ira s, cu ja g estão nã o se orien ta para as de ma n das popu la res, ma s no sen tido de torná -las co mpe titivas para a atraçã o do tu rismo e dos capita is privado s”, 218 indicando que p re valece e m Fo rta lez a o “paradigma” da c idade Mercado, e m detrimento da cidade d e mocrá tica e d as ações transitórias. Isso ocorre pe la te ndência co mp etitiva das c idade s capita lista s, so bre tudo das c idades mercan tis e turísticas. Apesar de conc entra r grande p arte das atividad es industria is, o que p reva lec e e m Fo rtale za é o se tor 216 217 218 Costa, Ana C. L. Cidade 2000: expansão urbana e segregação espacial em Fortaleza. Universidade de São Paulo. (Dissertação de mestrado), p. 26 e 28. Ibidem, p. 49. Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 182. terc iá rio . As ob ras referen tes à Copa do Mu ndo de 2014 ve m a ag ra va r a inda mais essa segreg ação, dado que, e m sua maio ria, ta is ob ras estão conce ntradas na z ona le ste de Fo rta lez a, con forme pude mos verifica r e m Audiênc ia P ública sobre as obras da Copa rea liz ada p elo CREA/Ceará e m maio d e 2011. O capita l incorpo rado r te m a tua lmen te u m imp ortan te papel na p roduç ão da cid ade d e Fo rta lez a, ao ag ir da seguin te forma: “o cap ita l incorporado r coop ta seg men to s da soc iedad e e co m isto e stabelece sua h ege mon ia na estruturaçã o do esp aço u rbano, an tec ip ando -se ao plane ja mento soc ia l u rbano e se respon sab iliz ando pelo ordena mento da ocu p ação u rbana ” 219. Isso ficou muito claro no ú ltimo processo de e labo ração do P lano Dire tor de Forta leza , so bre tu do, pe lo cará te r pa rticipativo de elabo ração de sse mo me nto e m que as de manda s do s vários seg men tos sociais, mu ito s deles con trad itórios en tre si, mate rializa ra m-se e m ca mpos de pode r c om in te resses oposto s. S imbo lizados, de u m lado, p elo cha mado “campo popula r” e de ou tro , p or e mp resários ligado s ao se tor da construção civil lid era dos pe lo S indicato da Construção Civil – Sindu scon ; co nforme pude con sta ta r em e studo espec ífico sobre o te ma . 220 Luga r ond e a dimen são da dege nera ção urbana encontra -se mais a vanç ada, ju nta men te ao e ix o que apon ta para o Su l da cid ade - d ireção sertã o; co mo os forta lezenses costu ma m cha ma r, o Sudoeste é o a vesso da centralidad e. Sob re tud o quando n os de para mo s co m a assime tria ma te ria lizad a no e ixo correspon den te in verso , o sudeste, re fe rênc ia de no va cen tralidade d e Forta leza , espaço cu jos se rviços expande m-se ve loz men te e o metro 219 220 Bernal, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004, p. 185. Sousa, André L. O Território da Habitação no Processo do Plano Diretor Participativo da Cidade de Fortaleza/Ce, Brasil. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2010, vol. XIV, nº 331 (9). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-331/sn-331-9.htm>. [ISSN: 1138-9788]. quadrado tende a valoriza r-se na mesma proporçã o. Atualmente, a princ ipal c ontrad ição que expre ssa a segreg ação sócio -espac ial atu al d e Forta leza é co mpo sta pelos ve tore s sudeste versus sudoeste , u ma verd adeira assime tria sóc io -e spac ial. A d esva loriza ção d o sudoeste é expressa inc lu sive pela fa lta de in teresse d os pesquisado res pe la áre a, mo tivo d a e scassez de a nálises sobre a realidad e de sta parte d a c idade, qu e permanece meio q ue in visível. Isso ta mb é m fic a mu ito c laro quando pensa mo s n o rote iro tradic iona l d e u m turista que chega à Fo rta lez a e que ten de a circu lar so men te p elo centro -leste, espec ialmen te no litora l, o que, e m parte, a jud a a entende r o porquê da concen tra ção de se rviç os u rban os mod erno s naquela parte d a c idade . CAPÍTULO 3 3 A EXPERIÊNCIA DO M OVIMENTO DOS CONSELHOS POPULARES COMO NEGAÇÃO DA DEGENERAÇÃO URNANA - DESDE 2000 A 2011 Este terce iro cap ítu lo é dedicado a o deba te sobre a experiênc ia do Mo vimento dos Conse lhos P opulare s, o MCP. Temos con sciência de que u m simp le s re lato, como o que se segue , certa mente não será sufic ie nte para dar conta da co mp lex ida de que o MCP assu miu no seu descon tínu o e relativa mente bre ve te mpo de existência. O fato de se r o MCP um mo vimen to popu lar 221 implica nu ma reflexão e m to rno da rela ção en tre o que se con ven iou cha mar d e “ mo vime nto s soc iais” e a produçã o do espaço urbano de Fo rtaleza . Como pode m os cha mado s mo vimen tos popu lares prod uzire m e spaço? Como a ação cole tiva do s mo vimentos so cia is indep endente s e autôno mos relac iona -se com o de sen vo lvimen to do espaço urbano capita lista 222? Co mo pode m in terferir na configuraç ão de sse me smo espaço? Este cap ítu lo co mpõe a base e mpírica p rin cip a l da aná lise do obje to de estudo d a dissertação : o e spaço de transição, nos termo s e m que esta mos traba lhando nesta pe squ isa e que fora m 221 222 “Deslinda-se, assim, a necessária distinção que trazemos à baila: movimentos sociais e movimentos populares se distinguem na medida em que os primeiros aparecem como gênero e os segundos, como espécie. Como todo gênero, por conseqüência, os movimentos sociais abraçam mais de uma espécie. Seguindo as palavras de Daniel Camacho, “há movimentos sociais que representam os interesses do povo, assim como há os que reúnem setores dominantes do regime capitalista”, portanto, os movimentos sociais não necessariamente se vinculam a uma pauta política popular, ao passo que os movimentos populares têm tal vínculo por pressuposto. Pazello, Ricardo Prestes. A produção da vida e o poder dual do pluralismo jurídico insurgente: ensaio para uma teoria da libertação dos movimentos populares no choro-canção latino-americano. Programa de PósGraduação em Direito: Florianópolis, 2010, p. 297. O termo “desenvolvimento urbano capitalista” é quase uma redundância, tendo em vista que o próprio conceito de desenvolvimento está intimamente relacionado com o desenvolvimento capitalista. Esse é um dos motivos pelos quais falamos das três dimensões do desenvolvimento urbano como expansão, degeneração e transição, sendo que a transição representa a possibilidade de um superação do desenvolvimento capitalista. Esse é nosso objeto de estudo, o que chamamos de espaço de transição. pormeno rizados no primeiro cap ítu lo. P ara fins de distinção e pa ra fac ilitar a esc rita, se mp re qu e utiliza rmos o termo “Mo vimen to ” co m “M” maiúscu lo ou MCP, esta re mos no s refe rin do ao Mo vime nto do s Conse lhos P opulares. Na elabo ração d este capítu lo fo i rea liz ado u m le van ta mento e a leitura de docu mentos d o Mo vimen to, tais co mo : ca rtilhas, c arta s, p anfle tos, boletins inte rnos, ava liaçõe s conjuntu ra is e tc., que ab range m de sde a primeira ten ta tiva de org aniz ação a té os dia s a tua is. Tamb é m fora m realiz adas 12 (doze ) en tre vistas se miestruturada s co m militantes d o Mo vimen to, be m co mo a tran scrição e aná lise da s mesmas. Na lista de e ntrevistado s consta m integran te s q ue se enga ja ra m n a o rganiza ção do MCP, sobre tudo a pa rtir de 2004 /2005. Ta mb é m pro curou se con te mp la r repre sentan tes de u ma rec é m fo rma da geração de militan tes, que se enga jara m no Movimen to po r meio d as expe riênc ias próprias d o MCP, espec ialmen te da s ocupações. Igualmen te, tive mo s a oportun ida de de visitar e particip ar de a lgu mas atividades do Movimen to no segundo se me stre de 20 10 e primeiros d ois me ses de 2011. Do ponto de vista da produ ção acadê mic a sobre o te ma , o que a lgun s cha ma m de “ estado da arte ”, depara mo nos co m ape nas u ma dissertaç ão de me strado do P rogra ma de P ós-Graduação e m Socio logia da Un iversidade Federa l do Ceará 223. Nessa d isse rtação, Costa Júnio r in ve stigou o Movimento do s Conse lhos P opulare s e m sua relação c o m a gestã o púb lica mun icipal. O trab alho é focado princ ipa lmente na aná lise da re laç ão do MCP com os instru men tos de mo crá ticos de gestão imp le menta dos no decorrer d os ano s 2005 /2009. Conforme vimos no p rimeiro cap ítulo, a p rodução capita lista do territó rio usado te m c o mo u ma de suas contradições funda me nta is a alien ação via apropriação 223 Costa Júnior, Pedro W. O. O estreito fio da navalha: participação e transformismo na relação do Movimento dos Conselhos Populares (MCP) com a gestão de Luizianne Lins em Fortaleza (2005 a 1009). Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará. (dissertação de mestrado). priva da da terra urban a. Isso con tra sta co m o crescimento de u ma massa de se res humanos que, a lienad a dos meios de produç ão da vida, vê a dese jad a terra esca par-lhe entre os dedo s, po is sequ er c onsegue vender o ún ic o me io que o mo do de produ ção capita lista lhe o fe rece p ara a reprodu ção da sua vid a, a su a próp ria fo rça de traba lho. Tamb é m vimo s que a forç a de trab alho na condiç ão de mercad oria espe cia l, p ortan to, livre pa ra se r co mprad a ou vend ida , é u m po nto fulcral pa ra a co mp reen são d a forma co mo os sere s hu mano s rep roduze m sua vida socia l neste mo men to h istórico da h umanid ade. Dessa mane ira, a e scolh a da in vestig aç ão do Movimento do s Conselhos P opula res funda menta -se na proposição de qu e é po ssível en contra r ele men tos do no vo , e m con trad ição co m a s re laçõe s soc ia is e c om a própria produção do te rritório usado , ou seja , rela ções socia is qualita tiva mente d istin tas e su periores às relações soc ia is do capita l. Apesar de sugerir o “no vo”, ta is rela ções n ão estão se parad as das re lações soc ia is d o cap ita l e das sua s imp licaçõe s econô mic as, so cia is, e spac iais, ju ríd ica s, políticas e cu ltura is; dimen sões e ssa s que desarro lha m indisso cia velmen te, p oré m, d esigua lmen te umas da s outra s. Centra mo s n ossa aná lise na exp eriê ncia do Movimento do s Con selhos P opula res po r ente nder que esse mate rializa u ma ex periência p articula r de org anização da classe tra balh adora , 224 espec ia lmen te, p orque, ao analisa rmo s a histó ria do MCP, sobretudo a p artir de 20 05, pude mos perceber que não se tra ta so men te de ma is um mo vimen to soc ial u rba no, mas ta mbé m d e u ma organ izaç ão independ ente e au tôn oma da c lasse tra balh adora, c o mo ve re mo s a segu ir. Cabe desta car que não esta mos tratando necessaria me nte de trabalhad ore s assa la riad os, u ma vez que a base d o Mo vimento é co mpo sta sobretudo de trab alha dore s de se mp re gados, ou seja , que nã o consegue m 224 Somente para relembrar: a classe trabalhadora é a parcela da população que não detém os meios de produção necessários à produção da sua existência, restando-lhes somente a venda da sua força de trabalho para viabilizá-la. reprodu zir sua vida na forma tradicion al das re laçõe s socia is cap ita listas e , ao não encon tra re m co mprad ore s para a sua merc adoria, por consequ ência, não tê m ace sso aos meios básicos de produ ção d e sua existênc ia, tais co mo mo rad ia, a limentaçã o saudá vel, e ducação de qualidade, e tc. Ao in vés d e busca re m alte rna tivas individu ais p ara a re so lução dos seus proble mas, co mo faz a ma ioria dos qu e se encon tra m na cond iç ão de c la sse trab alha dora, ele s ap osta m na ação co le tiva que se concre tiza na expe riê ncia do Mo vimen to d os Conselh os P opulares. Essa ca rac te rística é funda mental n a análise d o espaço d e tran siç ão. P artimo s da co mp reen são de que o estudo do me io popula r, me lhor d izen do, de u m seguimen to que co mpõe esse me io, é po ssível analisa r os e le men tos da transição, que conce itua mo s co mo “e spaço d e tran sição” e cuja s carac terística s ob jetiva s são verificá veis. Este estudo, porta nto , pre tend e in vestiga r os e le men tos d o espaço de tran sição que fo ra m d escritos no prime iro c apítulo . Ele s pode m ind icar u ma tran sfo rmaç ão qualitativa rela tiva mente ao mo do de produ ção cap ita lista e à produção d o seu espa ço. É por isso que o estu do da tran sição pa rte da s p róprias características do siste ma capita lista , transc ende ndo -o, espec ialmen te no perío do atua l e m que há u ma in terde pendênc ia c re scente en tre todos, co mo nunca antes ob servado na história da hu manidade. Tal interd ependênc ia é facilmente ve rificá ve l no me io u rbano, sobretudo n as g rande s metróp ole s. O espaço urba no, p or se r o mais d esen vo lvido do pon to de vista social, passa a imp re ssão d e que os se res hu mano s estão in te rligado s po r u m fio que une a todo s. Neste estudo da h istória do Mo vimen to do s Conselho s P opulare s, apesar do seu re la tiva mente curto te mpo de existênc ia, pude mo s pe rceb er três períodos distinto s de sua ação cole tiva. Assim, dividire mos este capítulo e m três seçõ es, de acordo co m a perio diz ação aqui p roposta . O primeiro mo men to é marcado pela ten tativa de o rg aniz aç ão do MCP a pa rtir d o ano 2000, surg ido na e ste ira do processo de eleiç ões mu nic ipais do mesmo ano na c idad e de Fo rta lez a. Tal p e ríodo va i de 2000 ao início de 200 3, quando as a tivid ade s dimin uíra m e, fina lmen te, fo ra m in terro mp ida s. O que carac te riza mo s co mo o segundo período da experiênc ia do MCP, d eu -se a pa rtir do fina l de 2004 , mas so men te to mou forma e m 2 005, co m o início d a no va gestã o mun ic ipa l, ou seja, n o va men te a prop osta parte de uma ca mp anha e leito ra l, ma s, dessa vez, g an ha forç a co m a vitória d o P artido d os Tra balh adore s. Esse período te m início n os meses que vão do fina l de 2 004, co m a realiza ção de p lená rias para a discussão da Cartilha P rogra ma do MCP e elaboração do docu men to “P rogra ma de Reivind icaçõ es Ime dia tas do P ovo de Fortaleza”. E m abril de 2005 , co m a realização d a 1ª Asse mblé ia P opular da Cidade, o Mo vimento é re fundad o. Esse seg undo perío do va i até abril d e 2008 e é ca rac terizad o pela s lu tas por “fren tes de trab alh o” e pe la pa rtic ipaç ão nas primeiras experiênc ias de “g estão de moc rá tica da cidad e” imp le menta das n a gestã o petista. A P lenária da C idade pro mo vida pelo MCP em abril de 2008, define o fim do segundo período e o iníc io do terc eiro. Nessa P lená ria , o Mo vimen to a tualizou seu progra ma, estru tu ra o rgan iza tiva e incluiu a tá tica das ocupações urban as co mo u ma d e sua s prio ridade s. Esse terc eiro não se ence rro u e abrange o te mpo presente e se rá descrito na ú ltima pa rte. 3.1 MCP: primeiro en saio (2000 a 2003 ) A prime ira tenta tiva d e o rgan ização do Mo vimen to dos Conse lhos P opula res re mon ta ao ano 2000 (Figu ra 11). Nesse ano e leito ral h o uve u ma co lig ação de partidos d e esquerd a e m Fo rta lez a, co m o P artid o Co munista do Brasil lid erando a chap a 225. A ca mpanha e le ito ra l mu nic ipal do 225 A coligação envolvia além do PCdoB, o PT, PSB, PDT e PCB. O PSTU, inicialmente compunha a coligação, mas se retirou pouco antes da candidatura de Inácio Arruda ser oficializada alegando a presença do PDT na coligação. Nessa campanha, Arruda consegue chegar ao segundo turno da eleição, mas perde para o candidato do PMDB, Juraci ano 2000 e a chegada da candida tura das e squerda s ao segundo turno, ap esa r de derro tada, con tribuiu co m a mo bilização de con side rá ve l pa rce la da popula ção forta lezense. Isso oco rreu por me io de vários Co mitês ele ito ra is d a co ligação, distribu ído s e m diversos ba irros d a cidade . Nesse co ntex to de mo bilização e efe rve scênc ia política a tendê ncia in tern a do P artido d os Traba lhadores deno minada Tend ên cia Ma rxista 226, surge co mo idea lizadora do Mo vimento d os Conse lho s P opulares, obje tivando ap ro ve ita r a mobilizaçã o e leitora l pa ra constru ir u m mo vime nto soc ial de ma ssas na c apita l cearen se. Fi g u r a 11 : C a r ti l h a d e f u n d a ç ã o d o M o vi m e n to d o s C o n s e l h o s Po p u l a re s e m 2 0 0 0 . Apesar da von tade d e a mp liação , naqu ele mo mento, a 226 Magalhães. O Partido os Trabalhadores permite a organização das chamadas “tendências internas”, dentre as quais a denominada “Tendência Marxista ou “TM”, é uma dessas tendências. primeira experiên cia d e o rgan ização do MCP fo i restrita basic a men te à o rg aniz ação po lítica pe tista, não ha ven do aderênc ia das de ma is forças de esq uerda a tua ntes naqu ele perío do. P ortan to, importa ressalta r que a proposta de organ izaç ão do Mo vimento dos Con selhos P opula res não foi assu mida pe la coligação de esquerda naqu ela ca mpanha . Na cartilh a de re funda ção do Mo vimento, elabo rada logo no iníc io do segundo período do MCP, ao fina l de 2004, foi rea lizada u ma a va lia ção d o porquê da inicia tiva nã o ter se c onsolidado naque le mo mento : “P or vá rias razõe s d e o rde m ma teria l, o trab alho d e difusã o do MCP foi aos pou cos d iminuin do a té que seu s organ izado re s re solvera m susp ender te mporaria men te a sua con tinu idad e”. 227 Nessa c ircunstânc ia, o MCP não consegu iu se transformar nu m agen te p olítico importan te na cid ade e, aos poucos, a expe riênc ia fo i se e svaziando. Sair do iso la men to, possive lmente cau sa do pe lo insuc esso da co liga ção de esque rda n as ele içõe s mu nic ipa is, fo i o p rincipa l ob stá culo enco ntrad o pelo MCP. A proposta de organ iza r conse lho s popula res po r bairros de manda va u m trab alho co le tivo mu ito mais massifica do do que o Mo vimen to c onsegu iu mob iliza r entre os anos d e 2000 e 2003. 3.2 A refundação do MCP, a luta pela s frentes de serviço e as expe riênc ias de p artic ipação nos instru men tos de de moc ratização da ge stão pública mun ic ipal (2004 a 200 8) Após a suspen são da organ izaç ão do Mo vimen to analisad a anteriormen te, a ide ia do Mo vimen to do s Conselho s P opula res reto rna na ca mpanha ele itora l de 2004. Nesse mo men to , dife rente men te do a nterio r, não houve u ma coligaç ão a mp la da s e sque rdas e m Forta leza. A aliança de 2000 d ivid iu -se e m duas cand ida turas, de u m 227 MOVIMENTO DOS CONSELHOS POPULARES. Princípios, Diretrizes Políticas, Programa e Estrutura. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2005, p. 9. lado Inác io Arrud a do P CdoB e, de ou tro lado, a candida tu ra do P T re presentada po r Luizia nne Lins. A candida tura d o P artido dos Trab alh adore s a dotou a proposta dos Conse lh os P opulares ain da n o in íc io d a dispu ta eleitoral, de fendendo -os e m co mícios e na ca mpanha midiática d e rád io e tele visão, afirmando qu e iria go ve rnar po r meio dos Conselho s P opula res. O discu rso d a então can dida ta do P T era que os Conse lhos P opulares se con stituiria m co mo u ma no va expe riê ncia ainda mais a vança da que a do Orça men to P artic ipa tivo , política de d e moc ra tização princ ipa l in stru men to de plane ja mento púb lico , o o rça mento , e re ferên cia metodo lóg ica de ge stã o de recursos púb lico s, conhecido co mo “ modo pe tista de gove rna r”. Na formulação do p rog ra ma da ca mp anha do P artido dos Trab alha dore s, aparece cla ra a referênc ia aos Conselho s P opulares, inc lusive co m u m posiciona men to sobre o que se propunh a se r a re laçã o da pre te ndida fu tura gestã o co m os Con selh os P opulare s: U m a n o v a c u l t u ra u rb a n a s o me n t e s e c o n s t i t u i r-s e -á m e d i a n t e u ma n o va c u l t u ra política. A c r e d i t a mo s que mu i t a s f o r ma s d e o rg a n i z a ç ã o d e ve m s e r e x e rc i t a d a s . To d a s d e f o r ma a u t ô n o m a e i n d ep e n d e n t e d o p o d e r p ú b l i c o . / . . . / O s c o n s e l h o s p o p u l a re s f i g u ra m e n t re a s d i v e rs a s f o r m a s d e o rga n i z a ç ã o d o s s e gm e n t o s ma i s o p ri mi d o s d a p o p u l a ç ã o / . . . / S ab e mo s q u e n ã o c ab e à g e s t ã o c r i a r o rga n i z a ç õ e s d a s o c i e d a d e . Is s o s e r i a u m a i n t ro m i s s ã o i n d e vi d a d o e s p a ç o go ve rn a m e n t a l n o e s p a ç o d a s o c i e d a d e c i vi l , m a s re g i s t ra mo s n o s s o c o mp ro mi s s o e m r e c o n h e c e r, d i a l o ga r e re s p e i t a r o s c o n s e l h o s p o p u l a r e s , a s s i m c o mo d e ma i s ma n i f e s t a ç õ e s da sociedade civil, divulgando essa e xp e r i ê n c i a c o mo u m a d a s p o s s í ve i s f o rm a s d e c o n t ro l e s o c i a l d e mo c rá t i c a d o Es t a d o . 228 A segunda tenta tiva de o rgan ização do MCP foi forta lecida pe la vitó ria ele ito ra l dessa cand id atura e pe la expectativa c riada a p a rtir d esse fa to, propo rc ionando u m clima de mobilização política real n a cid a de, capaz de concre tizar o Mo vimento. De acord o co m en tre vista concedida por u m inte g rante do MCP, o mesmo co mpa ra as duas tentativas de o rg anizaç ão do Mo vime nto e m 2000 e e m 2004 : N e s s e mo me n t o [ e m 2 0 0 0 ] e ra u m a c o i s a q u e vi n h a mu i t o d a c ab e ç a . Vi n h a d a c ab e ç a d e a l gu n s i n t e l e c t u a i s . A i d é i a e ra mu i t o b o a : c o n s t ru i r c o n s e l h o s p o p u l a r e s q u e d i s c u t i s s e m o s p ro b l e ma s do b a i r ro , tinha a questão da d e mo c r a c i a d i r e t a e t a l . M a s e r a u ma idéia que partia da vontade desses intelectuais e tinha mu i t o pouca rep re s e n t a ç ã o p o p u l a r. I s s o a c ab o u s e e s go t a n d o c o mo mu i t a s b o a s i d é i a s s e e s go t a m a o l o n go d a h i s t ó r i a . J á n o p e rí o d o a go r a d e 2 0 0 4 - 2 0 0 5 f o i u ma c o i s a c o mp l e t a m e n t e d i f e r e n t e . A i d é i a d o MC P s u rg e , a í , t a mb é m n u ma eleição, mas numa p e rs p e c t i v a c o mp l e t a me n t e d i f e r e n t e . Q u e r d i z e r, u m gr a n d e l e va n t e , u m a c o i s a q u e j á n ã o e ra p re s a a n e n h u m a t e n d ê n c i a . N ã o t i n h a o d i re c i o n a m e n t o d e n e n h u m a c o r re n t e p o l í t i c a , e r a u ma c o i s a b e m a mp l a m e s mo . V á r i a s t e n d ê n c i a s e p e s s o a s q u e e s t a va m s a i n d o d e s s a s t e n d ê n c i a s , n e s s a ép o c a , e s t a va m. E vê m, a s s i m . . . V ê m c o m u ma f o rç a mu i t o ma i o r, p o rq u e e s t a va m n u m mo me n t o em que as pessoas estavam tentando d i s c u t i r p o d e r n a c i d a d e d ep o i s d e , s e i 228 Coordenadoria de Comunicação Social da Prefeitura Municipal de Fortaleza. Programa de Governo, Por amor a Fortaleza: construir uma cidade bela, justa e democrática. Editora Expressão Gráfica, 2006. l á , vi n t e a n o s d e u m a a d m i n i s t r a ç ã o c o mp l e t a me n t e a f a s t a d a d o p o vo . N e s s e p e rí o d o , o M C P c o n s e gu i u s e r u ma g ra n d e f o r ç a n a c i d a d e . Vo c ê t i n h a , a s s i m, n a ép o c a – e u vo u d a r d a d o s q u e s ã o mu i t o d a m i n h a c a b e ç a , q u e n ã o e s t ã o r e gi s t r a d o s – ma s o MC P e s t a v a re gi s t ra d o e m s e t e n t a b a i rro s , é mu i t a 229 coisa!. Tendo e m vista a p rimeira ten ta tiva de o rg anizaç ão do Movimento , en tre o s anos de 200 0 e 2003, se não fo sse a vitória d o P artido dos Traba lhado res nas e leições mu nic ipa is de 2004, p ossivelmen te, o qu e se ma terializou após e ste fa to não teria ocorrido . Até a po sse de Lu iz ianne Lins, a id éia dos Con selho s P opula res 230 ainda era vista co mo u m te ma rela cio nado à ca mpa nha e le itora l. Havia ta mbé m u ma ce rta co nfusão sobre qua l se ria mesmo o papel do s Conse lh os P opulare s. P ara a melh or co mpre ensão dessa co njun tura , con vé m inco rpora rmo s o tex to de u ma da s en tre vistas rea lizada s por Costa Jún ior: Q u a n d o a e l e i ç ã o c o me ç o u a 'p e g a r ', a l i p o r s e t e mb ro , u m g ru p o c o me ç o u a f a l a r q u e t i n h a q u e c ri a r a l gu m a c o i s a i n d ep e n d e n t e d o s go v e rn o s e d o s p a rt i d o s ; e q u e n ã o p o d i a s e r o o rç a m e n t o p a r t i c i p a t i vo p o rq u e i s s o e ra me c a n i s mo d e go v e rn o , t i n h a q u e s e r a l gu ma c o i s a d o p o vo , d a s o c i e d a d e . A í e l e s i a m p a ra a s r e u n i õ e s d e c a mp a n h a , n o s b a i rro s , f a z e r e s s e d i s c u rs o . El e s ma r c a ra m u m a re u n i ã o p r o s áb a d o a n t e s d o s e gu n d o t u rn o . E s s a re u n i ã o d e u ma i s d e 5 0 0 p e s s o a s , m i l i t a n t e s , l i d e ra n ç a s . . . E a p a rt i r d a í o MC P f o i re f u n d a d o . En t re n o ve mb ro e d e z e mb ro foi ap ro v a d o o documento de 229 230 Entrevistado “B”, 39 anos, coordenador do MCP. Entrevista concedida em 5 de janeiro de 2011. Ao falar de “Conselhos Populares”, estamos nos referindo à proposta que constava do programa de governo da candidatura do PT. [ re ] f u n d a ç ã o . E a g ra n d e p ro p o s t a e ra o q u e ? O p o vo n ã o p o d i a f i c a r r e f é m d o go ve rn o , o p o vo t i n h a q u e c o n s t ru i r s u a p ró p ri a f o r ç a s o c i a l p ra i mp l e me n t a r a s 231 mu d a n ç a s ( EN TR EV IS TA 1 ) . Esse re la to sug ere u m desvio frente às co mpreensões inicia is do qu e de veria m ser o s Conselho s P opulares. A formula ção de u ma o rg anizaç ão independe nte de go verno s e de partidos e a co mp reensã o de que não po deria ser u m instru men to de gestão pode m se r conside rada s co mo u ma primeira exp ressão da constitu içã o do MCP como u ma experiênc ia co le tiva pa rticu lar d e o rgan ização social. E ssa particu la rida de é de c orren te de u ma in te nciona lidade cole tiva por u ma independênc ia po lítica , confo rme descrita logo ac ima. E ntre tan to, tal in depend ência não era uma id eia de fá cil assimilação , ta mpouco a cu ltu ra po lítica que pre va lece na sociedad e fa vorece esse tipo de ativida de. P ara se te r u ma ide ia do g rau d e lig ação e xisten te entre os Conse lhos P opulares e a c a mpa nha pe tista , basta ria diz er o loc al o nde ocorreu toda a d iscussão so bre a Cartilh a de re fundaç ã o do MCP, denominada “P rincíp ios, Diretrizes P olíticas, P rogra ma e Estru tu ra”, foi o e spaço “Circu ladô” , qua l seja , u ma lona de c irco insta lada no princ ipa l co mitê da ca mp anha do P artido dos Trabalh adore s, lo caliz ado na Avenid a da Universidade, conhecido reduto da e squerda fo rtalezense. O docu men to foi de batido pa la vra po r pala vra, lido e relido e m grand es grupos de discu ssão. E ntre no ve mbro de 2004 e fe ve re iro de 2005, oco rre ra m e m torno de 80 a sse mblé ias de bairros e ma is seis asse mb lé ias na s cha mad as “R egiona is” 232. 231 232 Costa Júnior, Pedro W. O. O estreito fio da navalha: participação e transformismo na relação do Movimemto dos Conselhos Populares (MCP) com a gestão de Luizianne Lins em Fortaleza (2005 a 1009). Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará, p. 94. As Regionais ou Secretarias Executivas Regionais (SER's) são 6 grandes sub-regiões administrativas da Prefeitura de Fortaleza que congregam diversos bairros cada uma. Inicialmente, o MCP assumiu essa estrutura pré-estabelecida como referência territorial Nessas asse mb lé ias fo ra m lidas e deba tidas a p roposta inicia l da Cartilha -P ro gra ma do MCP, alé m de servire m para o le van ta men to da s p rinc ipa is de manda s de cada loca l que co mpu sera m o docu men to “P rogra ma de Reivind ica ções Ime dia tas do P ovo de Fo rta lez a”. Esse fo i o e mbrião do reto rno d a experiênc ia do MCP. Contudo, ao mesmo te mpo e m qu e oco rria essa mo bilização e m torno das p lená rias para a c onstrução da Cartilh a -P rogra ma, outra s mo vimentaçõ es esta va m ocorre ndo. Se, po r um lado, a c andid atu ra vitorio sa elegeu -se no se gundo turno co m a maio r vo ta ção já vista na h istória de Fo rtalez a con tra a cand ida tura do P artido da Frente Libera l (a tua l P artido De mocrata s), po r ou tro lado, a co lig ação do P artido dos Traba lhadores co m o P artido Socia lista Brasile iro so men te e lege u 4 (qua tro ) ve reado res, sendo qu e , desse s, apen as o ve reador e le ito pelo P artid o Soc ia lista Brasile iro ha via apoiado a candida tu ra pe tista d esde o primeiro turno. Os três ve reado res e leito s pe lo P artido do s Traba lhad ores ha via m apoiado a cand ida tura concorrente, do P artid o Comu nista do Brasil. A opo siç ão à no va g estão, e m larga me dida formada por ve reado re s ree leito s e que da va m sustentação à gestão mun ic ipa l an terio r, ad min istrad a pelo P artido da Mobiliz ação De mocrática Brasile ira, se ria ma ioria absolu ta na Câ ma ra d e Vereadores. Na introdução d a Cartilha d e re fundaçã o d o MCP (Figu ra 1 2) - essa que fo i a mpla men te deba tida antes d e sua apro vação e m 28 de no ve mb ro de 2 00 4 - consta a seguin te passage m q ue de ma rca o co mp ro misso dos Conselho s P opula res c om a “go ve rnab ilidad e popular” da gestã o, no qu e d iz respeito à viabilização política do progra ma e le itora l e sco lhid o pe la maio ria da p opulaçã o de Fo rta lez a: C o mo a n o v a P r e f e i t a n ã o t e m m a i o ri a p a rl a me n t a r n a C â ma ra d e Ve r e a d o re s , a única possibilidade que ela tem de organizativa do Movimento. e v i t a r go ve rn a r s u b me t i d a à p o l í t i c a d e c l i e n t e l a o u s o b p e r ma n e n t e c ri s e i n s t i t u c i o n a l é p ro mo ve r a ge s t ã o d e mo c r á t i c a d a c i d a d e c o m b a s e n e s s a re d e d e c o n s e l h o s p o p u l a r e s . S ó a s s i m s e r á p o s s í ve l g a ra n t i r o c u mp r i me n t o d o p ro g r a ma d e mo c rá t i c o e popular 233 ap ro va d o p e l o p o vo n a s u rn a s . A proposta inic ia l de te xto do P rogra ma do MCP teve co mo re ferênc ia a primeira ca rtilha do Movimento elabo rada no ano 20 00. No docu mento ap ro va do e m 2004, que correspond e ao progra ma p olítico do Movimen to, n a parte que trata dos princ ípio s há u ma d esc rição sobre o que é o MCP : O s C o n s e l h o s P o p u l a r e s s ã o o rga n i s mo s q u e re ú n e m o p o vo d a c i d a d e p o r l o c a l d e mo r a d i a (b a i r ro ) p a r a p ro mo v e r o c o n t ro l e p ú b l i c o d a s a ç õ e s d o go v e rn o (p r i n c i p a l me n t e d a p r e f e i t u r a ) e d o p a rl a me n t o (p ri n c i p a l me n t e d a C â ma ra d e Ve r e a d o re s ) e , n o l i mi t e , p a ra go ve rn a r e legislar d i re t a me n t e . D i s t i n gu e -s e d a s d e m a i s e n t i d a d e s e x i s t e n t e s n o s b a i rro s d a c i d a d e p e l a obediência ri go ro s a aos s e gu i n t e s p ri n c í p i o s : a ) l i vr e p a r t i c i p a ç ã o d e t o d o s o s mo ra d o r e s e mo r a d o ra s d e c a d a b a i r ro , i n d ep e n d e n t e me n t e d o c re d o filosófico ou religioso, ou filiação p a rt i d á ri a , c o r o u s e xo ; b ) a u t o n o mi a e m re l a ç ã o a o s p a r t i d o s p o l í t i c o s , a o s s e u s p a r l a m e n t a re s e t a mb é m e m re l a ç ã o à s e n t i d a d e s r e l i g i o s a s ; e i n d ep e n d ê n c i a e m re l a ç ã o a o G o v e rn o (d a U n i ã o , Es t a d o s e M u n i c í p i o s ) b e m c o mo em relação ao P a rl a me n t o (C o n gr e s s o Nacional, A s s e mb l é i a s Le gi s l a t i va s e C â ma ra d e Ve r e a d o re s ) ; 233 Movimento dos Conselhos Populares – Princípios, Diretrizes Políticas, Programa e Estrutura. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2005, p. 9. c ) d e mo c r a c i a e m s u a e s t ru t u r a d e f u n c i o n a me n t o e n o p ro c e s s o d e t o ma d a de decisões, com elegibilidade para t o d a s a s t a re f a s e re vo gab i l i d a d e d o s eleitos a qualquer mo me n t o ; d) t r a n s p a rê n c i a das decisões e 234 publicidade dos atos. Apesar de a firma r u m c erto co mpro misso co m a sustentação da no va g estão mun icip al, o do cu men to do Movimento dos Conse lhos P opulares fa la ta mb é m de sua independ ênc ia e m re lação aos go ve rnos e pa rtido s políticos. P arale la mente ao proce sso da p rime ira Cartilha, o fato que ma is cha ma atenção naqu ele instan te é a mu dança abrup ta d a no va configu ração polític a da Câma ra Munic ipa l, co m o de sloca men to p or parte da ma ioria dos Vereadores ele itos na ocasião da e le ição, pa ra a base de sustentação do go ve rno petista. Isso c onota va u m indicador da mudança de perspec tiva p olítica de fendida duran te a c a mpanh a 235. Essa no vidad e va i ter re percussões na postura do MCP com a no va ge stão munic ipa l. As primeiras con trad içõ es su rgira m log o no in ício do no vo manda to. No dia 9 de abril de 2005 ocorreu a primeira Asse mb léia P opula r d a Cidade (Figuras 1 3 e 14), pa ra onde con ve rgira m as de mandas leva ntad as em aprox imada men te 80 asse mblé ia s de bairro (dos 114 bairros to ta is de Forta lez a) e ma is 6 asse mbléia s regio nais. A Asse mblé ia P opular da Cidade reuniu qua se trê s mil pessoas no Ginásio Aéc io de Bo rb a, no ba irro Benfica . Esse e ven to é considerado pe los militan tes do MCP como o marco de refund ação do Mo vime nto. 234 235 Movimento dos Conselhos Populares – Princípios, Diretrizes Políticas, Programa e Estrutura. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2005, p. 15. Para ilustrar essa metamorfose política, de uma proposta de governo popular a um governo de conciliação com o projeto hegemônico burguês, vale destacar que tal deslocamento ocorreu por intermédio da troca de cargos comissionados, especialmente nas Secretarias Executivas Regionais por apoio político na Câmara. Fi g u r a 1 2 : C a r ti l h a d e r e f u n d a ç ã o d o M C P e m 2 0 0 4 / 2 0 0 5 . Naquela o casião, fo i en tregue à P refe ita, ao P residen te da Câ ma ra de Vereado res e a vá rios dirigen te s de pastas mun ic ipa is presen tes n o ato , o docu men to intitulado “P rogra ma d e Reivind icaçõ es Imediatas do P ovo de Forta leza”, que reun ia a s p rin cipa is d e mand as reco lhid as e siste matizadas pelo Mo vimento nas asse mblé ia s popu lare s realiza das no ú ltimo triênio de 2004 e prime iro triên io do a no de 20 05. No do cu mento consta m quatro pon tos p rin cipais: tarifa ze ro nos tra nspo rte s cole tivos de Fo rtaleza , fren tes de se rviços nos ba irro s, socia lizaçã o do traba lho do mé stico e g rand e bib lioteca pública da c idade. Ne sse docu men to, consta ta mbé m um “P rojeto de Gestão Demo crá tica da Cidade ”, co m crítica s à de mocracia repre sen ta tiva e le vantando a proposta da de mocracia pa rtic ipa tiva. Segundo re lata Costa Júnio r, já n o mo me nto da Asse mb léia P opular da Cidade ocorreu o primeiro constrang ime nto en tre a no va g estão mun icipal e os Conselho s P opulare s. E sta va m p resen te s algun s vere adore s da antiga base aliad a do ex -pre fe ito do P artido da Mobiliz ação De moc rática Brasile ira, Jurac i Magalhães, que recebe ra m vaia s d e algun s militante s pre sente s. Co m apenas qua tro mese s d e manda to, in ic ia m-se os primeiro s ca mpos de tensã o en tre o Mo vimen to e a P refe itu ra. O fato r a paren te men te positivo da n o va maio ria estab ele cid a pe la ge stão mun ic ipa l na Câma ra d e Vereadores, e m realidade, tornou -se u m ele mento do acirra mento da contra dição en tre a gestão e o nascen te Movimento . A indicaç ão de ca rgo s de confiança pa ra a s Secre tarias de go vern o da gestão do P T entra vou a viab ilizaç ão da s reivin dicaçõ es do MCP apre senta das na Asse mb léia P opular d a Cidade. O depoimen to reco lh ido por Costa Júnio r é basta nte e mble má tic o dessa proble má tica: O p ro g ra m a d e r e i vi n d i c a ç õ e s f o i encaminhado, d ep o i s c ri a mo s as c o m i s s õ e s p a ra i r a c o mp a n h a n d o a re a l i z a ç ã o d a s r e i vi n d i c a ç õ e s , ma s n ã o p ro g r e d i u , p o r q u ê ? P o rq u e a s re gi o n a i s q u e e r a m f u n d a me n t a i s n e s s e p ro c e s s o , e s t a v a m e n t r e gu e s à l ó gi c a c l i e n t e l i s t a . E o MC P j á n a s c e i n i mi go d o c l i e n t e l i s mo . O u a c o mu n i d a d e s e o rg a n i z a d e f o r m a a u t ô n o ma , c o n s t ró i s u a s re i v i n d i c a ç õ e s e v a i b u s c a r s e u s d i re i t o s , o u f i c a r e f é m d o s p o l í t i c o s . To d o s o s p a rt i d o s q u e f o ra m p a ra a s re gi o n a i s f o ra m p r a f a z e r c l i e n t e l i s mo , f o ra m p ra t ro c a r d i r e i t o s p o r b a s e p o l í t i c a . A R e g i o n a l 2 , p o r e xe mp l o , q u e f o i a q u e e u p a rt i c i p e i , [ … ] e r a p u ro c l i e n t e l i s mo . A g e n t e e s t a va c h e i o d e p ro p o s t a s p a r a o b a i rro q u e f o r a m a c e i t a s p e l a P re f e i t u ra , ma s q u e n ã o e ra e n c a m i n h a d a p o rq u e e ra d e s v i a d a . Vo c ê c o n s e gu e c o i s a s p ro b a i rro e c h e g a o p o vo d o p a rt i d o X c o m o c o n j u n t o h ab i t a c i o n a l e d i z i a : “ e s t a mo s d a n d o p ra vo c ê s ” . A g e n t e f a z i a a s c o i s a s a í c h e ga v a a r e gi o n a l c o m a s l i d e ra n ç a s tradicionais que não mexiam um dedo e d i z i a m q u e e ra m e l e s q u e e s t a v a m d a n d o [ o s e r vi ç o o u o b ra ] . En t ã o o c l i e n t e l i s mo f o i a p ri m e i ra c o i s a q u e a f a s t o u [ o MC P d a A d m i n i s t r a ç ã o ] , criou u ma s é ri e de p ro b l e ma s 236 (E N TR E V IS TA 2 ) . Fi g u r a 1 3 : A s s e m b l é i a P o p u l a r d a C i d a d e . ( Fo to : A n d r é L i ma ) 236 Costa Júnior, Pedro W. O. O estreito fio da navalha: participação e transformismo na relação do Movimento dos Conselhos Populares (MCP) com a gestão de Luizianne Lins em Fortaleza (2005 a 1009). Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará, p. 97. Fi g u r a 1 4 : Pr e f e i ta re c e b e o Pro g r a ma d e R e i vi n d i c a ç õ e s I m e d i a ta s d o Po vo d e Fo r ta l e z a n a A s s e mb l é i a P o p u l a r d a C i d a d e . ( Fo to : A n d r é L i ma ) Outro fato r re le vante é que, naqu ele mo mento, a iden tificação e ntre o Movimento e a no va g estão fez co m que vá ria s pessoas se ap rox ima sse m do MCP com intencionalidad es diversas. É ta mbé m a í qu e se inicia a id a de vá rio s militante s d o Mo vimen to à gestã o mun ic ipal. Não se tra ta va so mente da perda n u mé ric a, mas ta mbém esta va sob risco a ind ependênc ia po lítica do Mo vimen to, tendo e m vista que muitos dos seus in teg ran te s passara m a fazer parte da ge stão p ública munic ipa l: No tocante à nossa relação com a P r e f e i t u ra d e Fo rt a l e z a , p o r e x e mp l o , e s s e me c a n i s mo d e c o o p t a ç ã o t e m s i d o utilizado desde o início. Mu i t o s mi l i t a n t e s n o s s o s f o ra m c o n vi d a d o s a p a rt i c i p a re m d a a d mi n i s t r a ç ã o . E m u m p ri me i ro mo me n t o , e s s a p a rt i c i p a ç ã o n ã o e ra p ro b l e m á t i c a . Ma s , c o m o d e c o r r e r d o t e mp o , a m a i o r i a d e l e s – p o r mo t i vo d e p r e s s ã o p o l í t i c a o u d e o u t ra n a t u r e z a – p a s s a r a m a s e a f a s t a r d o mo vi m e n t o . C o m i s s o p e rd e mo s mi l i t a n t e s que exerciam tarefas o rg a n i z a t i v a s mu i t o i mp o rt a n t e s . Es s e vá c u o p o l í t i c o a i n d a n ã o f o i t o t a l me n t e p re e n c h i d o , e u ma d a s p r i n c i p a i s consequências foi a desarticulação de i mp o rt a n t e s b a i r ro s e re gi o n a i s , t e n d o , c o m i s s o , c o n t ri b u í d o t a mb é m p a r a o e s va z i a m e n t o d e i n s t â n c i a s d e b a s e d o 237 mo vi me n t o . A sa ída desses militantes acabo u re duzindo consid era velmen te a capac idade de mo biliza ção do Movimento . Segu ndo constatou Costa Jún io r, “o fa to d o mo vimen to te r mantido firme men te a de fesa de sua autono mia – que p ara ele (o militan te do MCP entre vista do) fo i o que consegu iu manter a e xistência do MCP -, irritou ba stan te o co mando da pre feitu ra, que passou a 'ope rar' co ntra o mo vimen to” 238. A prática da cooptaç ão de in teg ran tes do MCP por parte da P refeitura desagradou e m muito o s militan te s q ue esta va m constru indo o Mo vimen to e ta mbé m ajudou no distanc ia mento entre a mbos. O que é funda mental co mpre ender aqu i é q ue a manu tenç ão do princ íp io da independ ênc ia fo i o q ue possib ilitou a continuidade do MCP. Outra dive rg ênc ia a p ontada pe lo auto r foi c o m rela ção à imp le me nta ção da bilhe tage m e letrôn ica no tran sporte púb lico d e Fo rta leza , u ma d as prime ira s medid as do no vo g ove rno. Ma is u ma vez , ho u ve dive rgênc ia púb lica entre a ge stão e o Mo vime nto: “En tão, um mês antes [da po sse de Lu iz ianne ] a gente esta va lutando contra o Pa sse card (a bilhe tage m e le trônic a), e u m mês depo is a pre fe ita e seu g rupo esta va m imple me ntan do o Passecard (ENTREVISTA 3)” 239. A nova conjun tura 237 238 239 Militante “MB”, coordenador do MCP. Carta de “Avaliação do ano de 2006”. Costa Júnior, Pedro W. O. O estreito fio da navalha: participação e transformismo na relação do Movimemto dos Conselhos Populares (MCP) com a gestão de Luizianne Lins em Fortaleza (2005 a 1009). Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará, pág. 98 e 99. (dissertação de mestrado). Costa Júnior, Pedro W. O. O estreito fio da navalha: participação e transformismo na política tran sfo rma va , paula tina men te, a rela ção do MCP co m a g estão munic ipa l. Em vista do expo sto a cima , é notá vel qu e o ano de 2005 - prime iro an o da nova ge stão mun icipal - marcou a segunda ten ta tiva de o rgan izaç ão do MCP e foi b astante confuso po litica mente. A cada no vidade, fica va ma is c laro que o Mo vimen to te ria q ue faze r u ma op ção de qua l ca min ho se guir da í e m dian te: O MC P é u m t rab a l h o l o n go , d e p a c i ê n c i a e d e mu i t a a rt i c u l a ç ã o . N o i n í c i o e mp o l go u , c o me ç o u c o m u m o b j e t i vo , ma s ru mo u p o r c a mi n h o s e s c u ro s , p e s s o a s vi e r a m c o m o b j e t i vo s d i f e r e n t e s . S e e s f ri o u e s e a f a s t o u d a s c o mu n i d a d e s . / . . . / N ó s t e mo s q u e t o m a r u ma d e c i s ã o s e s o mo s d o l a d o d o p o vo o u d o l a d o d a p r e f e i t u ra / . . . / A P r e f e i t u ra n ã o f o i a q u i l o q u e o p o vo s o n h o u , a p re f e i t a e s q u e c e u s e u s p ró p ri o s c o mp a n h e i ro s , e s q u e c e u d o p o vo . D o o u t ro l a d o [ d o l a d o d o MC P ] 240 a i n d a t e m t e mp o p a ra mu d a r . Como o perfil da b ase militan te do MC P era, majo rita ria men te, c o mposto p or pe ssoa s de b aixa renda ou dese mp regado s – co m u ma pa rte mino ritá ria de classe média – e se so mando a isso o fa to d e que a reorga niza ção do Mo vimen to ainda era mu ito recen te, ou seja, su a iden tid ade po lítica e sta va nos prime iro s passo s de construção , o Mo vimento p rec isou re afirmar d ive rsa s vez es se us princ íp ios, protegendo -se do risco de se esvaz iar po litica mente, o que fa ta lmen te redu ndaria n a sua falê ncia e no seu fim. Assim, a bib liogra fia e de mais docu mento s consultado s, a lé m das entre vista s, le va m-no s à perce pção 240 relação do Movimemto dos Conselhos Populares (MCP) com a gestão de Luizianne Lins em Fortaleza (2005 a 1009). Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará, pág. 97. (dissertação de mestrado). Movimento dos Conselhos Populares. BOLETIM DO MCP REGIONAL IV 001/06. Fortaleza, 15 de janeiro de 2006, p. 1. de u m fenô meno que ocorre co m o MCP e que adquire rela tiva impo rtânc ia. Devido ao de slo ca men to de militan tes para a gestã o munic ipa l, h á u ma d iminu ição d a capacidade de mob ilização do MCP e, com isso, u ma geração de militan tes oriund os do mo vimen to estudantil adquire maio r p rota go nismo no p roce sso, assu mindo co m mais re sponsab ilid ade a coordena ção do Mo vimen to, que se encon tra va e svaz iad a. A singu laridad e de sses militan tes socia is é que ele s nã o fora m formados no mo vimento popula r, tinha m u m p erfil de c la sse méd ia e era m mais “ideo lóg icos” 241. Dessa forma, parece -n os que a e me rgênc ia de sse s no vos pro tagon ista s fo i fu nda men tal na consolida ção da experiência d o Mo vimen to ne sse mo men to delicado : B o a p a r t e d o s s e u s d i ri ge n t e s i n i c i a i s s a i d o mo v i m e n t o e v ã o p a r a a P r e f e i t u ra . En t ã o a q u e l a t u r ma m a i s j o ve m e b e m m e n o s e xp e r i e n t e n o mo vi me n t o p o p u l a r, q u e e s t a v a n o mo vi me n t o e s t u d a n t i l , a c ab a a s s u mi n d o o mo vi m e n t o e d a í p r a f re n t e 't o c a ' a s l u t a s e a s re i v i n d i c a ç õ e s q u e v e m d a c o mu n i d a d e e o rga n i z a m n ú c l e o s d e mi l i t a n t e s nas c o mu n i d a d e s . 242 (E N TR E V IS TA 4 ) P ara Costa Júnio r, “a reno vaçã o da coord ena ção do mo vimen to apressou o distanc ia mento co m a gestão mu nic ipa l /. .. / o s militantes mais jo ven s era m desapegado s da estru tu ra do P T /.. ./ Esse s me mb ro s do MCP 241 242 A maioria desses militantes aproximam-se do projeto de construção de um novo instrumento político surgido a partir de uma divisão com o PT, denominado Consulta Popular. A Consulta Popular surge da constatação de militantes sociais de que a renovação da esquerda e do projeto revolucionário deveria partir, essencialmente, de uma mudança tática que fosse além das disputas parlamentares, compreendendo que, ademais de conquistar os espaços possíveis na democracia burguesa (cada vez mais limitados), era necessário centrar forças na construção de um poder popular, partindo, primeiramente, da reconstrução de um “Projeto Popular para o Brasil”. Costa Júnior, Pedro W. O. O estreito fio da navalha: participação e transformismo na relação do Movimento dos Conselhos Populares (MCP) com a gestão de Luizianne Lins em Fortaleza (2005 a 2009). Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará, pág. 101. (dissertação de mestrado). percebe ra m o iníc io do distan cia men to e m re laçã o à Lu izianne” 243. O mo men to era de con so lida r a b ase d o MCP nos b airro s e ga ran tir a lgu ma s conqu istas, mesmo que parc iais, que fora m ac ordadas co m a ge stã o mu nic ipal na ocasião d a Asse mb lé ia P opular da Cidade . Esse ta mbém foi o mo mento e m q ue a Coorden ação do Mo vimen to este ve ma is “de sco lad a” de sua base e muitos esfo rços fora m fe ito s no sentid o de aprox imar ma is militan tes da Coordenação . Entre 2005 e 2006, os militantes do Movimento dos Conse lhos P opulares p erceb e m que p ode m dese mpe nhar u m pape l importan te no mo vimento popular de Fo rtaleza e n a disputa polític a (nã o p artidá ria ) da cidade . É nesse mo men to que to ma co rpo no Movimento a ide ia d a “Ca mpanha co ntra o dese mprego” e m Forta leza. O MCP passou a o rg aniza r núc leo s de traba lhadores dese mp regado s nos bairros e adota co mo princ ipal reivind icaç ão as cha ma das “ fren tes de serviço ”. Conforme ba lanço rea lizado an terio rmen te, no ano de 2005 hou ve u ma ce rta “depuração” do Mo vimento , mas ta mbé m serviu c o mo um importan te ano de rede fin ições políticas e o rgan iza tivas. E m meado s do mesmo a no, o MCP adota co mo ce n tro d e sua in te rvençã o pública e princ ipa l band eira de mo bilização , a lu ta pe las frentes de serviço, d ando iníc io a u ma “c a mpanh a contra o dese mp rego” e m Forta leza, por in terméd io da organ izaç ão de núc leo s de trabalhad ore s d ese mpregados que partic ipa ria m de ssa s frentes: Em maio de 2005, em reunião das C o o rd e n a ç õ e s R e gi o n a i s do MC P, d e c i d i mo s q u e f a rí a mo s u m a g r a n d e c a mp a n h a c o n t ra o d e s e mp re go e m nossa cidade. O núcleo de d e s e n vo l vi m e n t o e c o n ô mi c o , e n c a r re g a d o d e e l ab o r a r a s p ro p o s t a s , e l ab o ro u a s s e gu i n t e s re i v i n d i c a ç õ e s 243 Costa Júnior, Pedro W. O. O estreito fio da navalha: participação e transformismo na relação do Movimento dos Conselhos Populares (MCP) com a gestão de Luizianne Lins em Fortaleza (2005 a 2009). Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará, p. 102. (dissertação de mestrado). p a r a s e re m d eb a t i d a s : Fre n t e s d e S e rv i ç o (2 0 . 0 0 0 pessoas); Banco Mu n i c i p a l d e C ré d i t o ; C ri a ç ã o d e C e n t ra i s de C o me rc i a l i z a ç ã o nos b a i r ro s ; a s A s s o c i a ç õ e s e C o o p e r a t i v a s serem p ri o ri z a d a s nas c o mp ra s mu n i c i p a i s ; C e n t ro Mu n i c i p a l de t e c n o l o g i a s ; C r i a ç ã o d e Li c e u s d e a r t e s 244 e o f í c i o s n o s b a i r ro s . Uma vez to mada a de cisão de prioriza r a luta po r trab alho , o Mo vimen to partiu pa ra a o rg anizaç ão da mesma. A primeira medid a fo i a e labo ra ção de u ma cartilha in titu lada “Trabalho e P oder pa ra o P ovo de Fo rta lez a”, dado que , segundo sua ca rtilha de fundação “ a ação po lítica con sc iente e o rgan izada do po vo da cidade exige, antes e a cima de tudo, a educaç ão po lítica e técn ica das pessoa s”. 245 No ite m 1 da re ferida c artilha, o mo vimen to ex plica que existe m três ca minh os de p olítica s econô micas. O prime iro seria a “econo mia de merc ado”, o segundo seria a “ velh a política ec onô mica de orien tação burocrática, ado tad a p ela an tiga União So viética e p or aquele s países do Leste Europeu deno minados imp ropria mente de pa íses socialistas”. O te rce iro ca minho seria o de “u ma econ omia dirig ida p elo po vo” . P ara o MCP, “a questão funda menta l, agora, é sabe r quais são as prio ridades, que m as dete rmina e qual é o mecan ismo concre to pa ra determin ar essas prio rid ades” 246. Na me sma cartilha é ap re sentad o o qu e e les co mpreende m pe lo terc eiro ca minho: P a ra o t e rc e i ro c a mi n h o ap o n t a d o p o r nós, a resposta para aquela questão f u n d a me n t a l é u ma s a í d a o n d e a s p ri o ri d a d e s p a ra a u t i l i z a ç ã o d o s 244 245 246 Movimento dos Conselhos Populares, CIRCULAR 002, Fortaleza, 01 de dezembro de 2005, p. 1. Ibidem, p. 1. Movimento dos Conselhos Populares. Trabalho e Poder para o Povo de Fortaleza. Campanha Contra o Desemprego. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2005, p. 7. re c u rs o s , r e l a t i va m e n t e e s c a s s o s , s ej a m d e t e r mi n a d a s p e l o p ró p ri o p o vo , e m s e u s C o n s e l h o s P o p u l a r e s d e B a i r ro ; p e l o s t r ab a l h a d o re s a s s a l a ri a d o s , e m s e u s s i n d i c a t o s e c o n s e l h o s d e e mp r e s a ; e p e l o s t r ab a l h a d o r e s ru r a i s , a t r a v é s d o Mo vi me n t o d o s Tr ab a l h a d o r e s S e m Te r r a ( MS T) e s e u s s i n d i c a t o s e cooperativas, tudo decidido em d i s c u s s õ e s d e mo c rá t i c a s e p e l o vo t o d a 247 ma i o r i a . No ite m do is da ca rtilh a, o MCP aponta os seus obje tivo s p rio ritá rios: P ri m e i ro , e l i mi n a r a f o me . / . . . / O s e gu n d o o b j e t i vo é ga ra n t i r mo ra d i a c o m u m m í n i mo d e c o n f o rt o p a ra t o d a s a s p e s s o a s . / . . . / Te rc e i ra p ri o ri d a d e : ga r a n t i r s a ú d e gr a t u i t a p a r a t o d o s . / . . . / A q u a rt a p r i o r i d a d e é a e l i mi n a ç ã o d o a n a l f ab e t i s mo f u n c i o n a l e t e c n o l ó gi c o . / . . . / Q u i n t a p ri o ri d a d e : d a r t e r ra a o s t r ab a l h a d o r e s ru ra i s q u e n ã o a t ê m. / . . . / S e xt a p ri o ri d a d e : e l i mi n a r a vi o l ê n c i a , a r ep r e s s ã o c o n t ra o s s e t o re s p o p u l a r e s , c o n t r a o s t r ab a l h a d o re s ru r a i s q u e o c u p a m t e r ra s , c o n t r a o p e rá ri o s q u e f a z e m g re v e s , c o n t ra a s p e s s o a s q u e f a z e m m a n i f e s t a ç ã o p a c i f i c a me n t e . E, a sétima p ri o ri d a d e : eliminar o d e s e mp re go s e m re d u ç ã o d o s s a l á ri o s . Is t o e xi g e , e n t r e o u t r a s c o i s a s , u m a re d u ç ã o i mp o rt a n t e d a d u ra ç ã o d a j o rn a d a d e t rab a l h o e a c r i a ç ã o d e Fr e n t e s d e S e r vi ç o s U rb a n o s n a s g ra n d e s c i d a d e s , c o mo Fo rt a l e z a . / . . . / Te mo s , p o i s , u m a s é ri e d e p ri o ri d a d e s . É p o s s í ve l a g re g a r a i n d a u m a o u o u t ra , c o mo a s s e gu r a r t ra n s p o rt e p ú b l i c o g ra t u i t o , c o n f o rt á ve l e s e gu ro o u l u t a r 247 Movimento dos Conselhos Populares. Trabalho e Poder para o Povo de Fortaleza. Campanha Contra o Desemprego. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2005, p. 9. contra a 248. a mb i e n t e deterioração do me i o Na terceira p arte do docu men to, o Mo vimento aponta a inda três po ssíve is fo nte s de recursos para o a concre tização de su as re ivind icaçõe s: “A p rimeira é a redução ra dic al da utiliz ação de recu rso s co m ob je tivo s destru tivo s; despe sas milita res e dos ó rg ãos de rep ressão contra o po vo . /.. ./ A segu nda fon te é a eliminação da ociosidad e dos recu rsos. /... / A terc eira fonte é a distribu ição dos recu rsos fina nce iro s e dos meios de propriedad e privad a (terra s, fábrica s, máqu inas, c réd ito etc. )”. 249 Entretanto , co mo essas “fo nte s d e rec urso” que viab iliza ria m as d e mandas do Mo vimen to são mu ito abstra tas, o Mo vimen to chega a e spec ifica r fontes mais prec isa s de onde pod eria m pro vir tais rec ursos, assim co mo suge re a forma d e con trataç ão dos traba lhado res nas fren tes de serviço s: As pessoas selecionadas e treinadas p o d e ri a m s e r c o n t ra t a d a s p e l a p re f e i t u ra e o go ve rn o d o Es t a d o c o m b a s e n a Le i d e S e r vi ç o Vo l u n t á r i o , o q u e p o d e s e r feito sem necessidade de concurso ou l i c i t a ç ã o . O d i n h e i ro p a r a c u s t e a r a s d e s p e s a s d o p ro g r a m a p o d e ri a m a d vi r n ã o s ó d e re c u rs o s d o t e s o u ro , ma s t a mb é m d o Fu n d o d e A mp a ro a o Tr ab a l h a d o r ( FAT) e d o B a n c o d e D e s e n vo l vi me n t o Ec o n ô mi c o e S o c i a l 250. (B N D ES ), d o go ve rn o f e d e r a l O Movimento funda me nta ain da a c riação das Fren te s de Serviços no “d ire ito ao trab alho ” e no “d ire ito a u ma renda mínima” de talh a ndo a fo rma de func io na men to da s fren tes, que “de ve se dar a tra vés da a utogestão dos próprios traba lhado res, sob coo rdenaçã o da p refeitu ra co m 248 249 250 Movimento dos Conselhos Populares. Trabalho e Poder para o Povo de Fortaleza. Campanha Contra o Desemprego. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2005, págs. 11, 12 e 13. Ibidem, p. 15 e 16. Ibidem, p. 25 e 26. fisca liza ção dos mo vimen to s soc ia is” 251. Com isso, buscara m e vitar o uso e leito reiro do prog ra ma. No último ite m “O rga nizaçã o e luta” ele s defin e m que: Só a o rg a n i z a ç ã o i n d ep e n d e n t e , a u t ô n o m a e d e mo c r á t i c a d e t o d o s o s h o me n s e mu l h e re s d o p o vo p o d e o b t e r re s u l t a d o s p o s i t i vo s . O rg a n i z a ç ã o i n d ep e n d e n t e s i gn i f i c a não estar s u b o rd i n a d o a o go v e r n o , s ej a q u a l go ve rn o f o r. O rg a n i z a ç ã o a u t ô n o m a s i gn i f i c a d i s t i n t a d e t o d o s o s p a r t i d o s políticos e de todas as confissões re l i gi o s a s . O rga n i z a ç ã o d e mo c rá t i c a s i gn i f i c a q u e n ã o h a v e rá u n s p o u c o s c h e f e s vi t a l í c i o s q u e ma n d a m e mu i t o s que obedecem c e ga me n t e . To d o s d i s c u t e m, t o d o s d e c i d e m , t o d o s l u t a m. 252. / . . . / To d o s f i s c a l i z a m t o d o s A segunda medid a foi a elabora ção d e u ma metodo log ia p ara a construçã o dos “ Núcleos de Trabalh adore s Dese mp regados”, n a qua l o Mo vimen to dispon ib ilizou u ma espéc ie de passo -a -p asso a se r imp le menta do na o rg anizaç ão de cada n ú cleo. Neste docu men to, d eno mina do “P roposta me todo lógica pa ra lutarmos por fre nte s de trab alho ”, está pre vista a organ izaç ão de núc leo s de traba lhado res dese mpreg ados, assim co mo o rienta çõe s co m re lação à rese rva do loca l, convoca tória, estru tu ra do loca l, coord enação da reu nião e te mpo de du ração da s reuniõe s. A meta era mo biliza r, pelo menos, 15 núc leos d e 20 traba lhado res d ese mp regado s distribu ídos e m d iversos ba irros, de fo rma a co mpro me ter 300 pessoas co m a luta pe la s fren tes de serviço. Na metodo log ia d e co mp o sição dos n úcleos, estava pre vista ainda a re alizaç ão de três reun iões antes de partir para a ação d ire ta, ou se ja, a man ifestação púb lic a. Ma is u ma 251 252 Movimento dos Conselhos Populares. Trabalho e Poder para o Povo de Fortaleza. Campanha Contra o Desemprego. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2005, p. 26. Ibidem, p. 28 e 29. vez , o Movimento disponib ilizou o passo -a -passo do que deveria o correr em cada u ma dessa s reuniõ es preparató rias. Na p rime ira reun ião deba te r-se -ia a proposta das fre nte s d e trab alho ; na se gunda , o que era o Movimento dos Conse lhos P opulare s; e na te rce ira, os deta lhes da manifestaç ã o e m si. Dentre os doc u men tos cole tados pa ra esta p esquisa, encontra mo s ta mb é m u m ofíc io do Mo vimen to direc ionado à Autarqu ia Mun icip al de Trân sito, co municando a realiza ção da ma nifestação no dia 8 de a bril de 2006 e solic itan do que a mesma o rgan iza sse o trá fe go dura nte a manifestaç ão, da do qu e alg u ma s ru as seria m in terd itada s pelo MCP. No docu men to con sta o trajeto da manifestaç ão, saindo da P raça do BNB à P raça do Fe rreira (a p rincip al praça d a c idade ), a mba s no ba irro do Centro. Essa man ife stação e o utra s não so mente co ntribu ía m na visib ilidad e do MCP e de sua ca mp an ha contra o dese mp rego, co mo ta mbé m tivera m u m impo rtan te pape l pedagógico de con tribuir co m o enga ja me nto d e mais militan tes no Mo vime nto. S egundo depo imento d e u m coordenad or do MCP entre vistado por Costa Júnior: [ … ] a g e n t e c o me ç o u a f a z e r mu i t a s ma n i f e s t a ç õ e s , e e s s a s m a n i f e s t a ç õ e s p o s s i b i l i t a ra m mu d a n ç a s i n t e rn a s e m t e rmo s d e o rg a n i c i d a d e d o mo v i m e n t o . A cada manifestação acontecia quase u ma re vo l u ç ã o i n t e rn a e m t e r mo s d e c o mp ro mi s s o das pessoas com o mo vi me n t o , na centralização, em c u mp ri r o c a l e n d á r i o , d e a d o t a r u m d i s c u r s o ma i s o u me n o s p a r e c i d o . / . . . / P o l i t i c a m e n t e , a s Fr e n t e s d e S e r vi ç o t i n h a m s i d o i mp o rt a n t e s p o rq u e t i n h a m d a d o u m g á s n o vo a o mo vi m e n t o . A ge n t e f e z ma n i f e s t a ç õ e s c o m 4 0 0 , 5 0 0 253. p e s s o a s . ( EN TR EV IS TA 1 ) 253 Costa Júnior, Pedro W. O. O estreito fio da navalha: participação e transformismo na relação do Movimento dos Conselhos Populares (MCP) com a gestão de Luizianne Lins As ava liações c o m relação à s man ifestaç ões são positivas e a indepe ndê ncia finance ira d a ca mpanha co ntra o dese mprego era e nfatizad a co mo u ma impo rtante de marc ação co m a alc unha de 'mo vimento d a pre fe itu ra ' que paira va sob re a o rganiza ção. O depoimen to que segu e é mu ito esc larecedo r de co mo e sse proc esso se deu: Er a u m ap re n d i z a d o , p o r q u e a s p e s s o a s vi a m q u e d ep e n d i a m d e l a s q u e a s c o i s a s a c o n t e c e s s e m. A ge n t e n ã o e r a u m mo vi me n t o d a p r e f e i t u r a , c o mo mu i t a ge n t e a c h a va . A s p e s s o a s c o z i n h a va m, a s p e s s o a s c a r re ga v a m a s p a n e l a s , a á gu a e ra a s p e s s o a s q u e l e v a v a m. Ti n h a m re u n i õ e s q u e o rg a n i z a va m i s s o . /.../ O t ra n s p o rt e p a ra essas ma n i f e s t a ç õ e s , o u a g e n t e l e va va ri f a s para fazer nas comunidades, ou c o n s e gu i a c o m o u t ro d o a d o r. A ge n t e ga s t a v a u n s 6 0 0 , 7 0 0 r e a i s p o r a t o , a me t a d e d o d i n h e i ro , n o mí n i mo e ra c o m o p o vo . A o u t r a me t a d e e ra c o m o s s i n d i c a t o s , ap o i a d o re s , ge n t e i n c l u s i v e d a p re f e i t u ra q u e ap o i a v a a g e n t e , q u e dava 50 reais, 100 reais, e que não c o b ra v a n a d a , i n c l u s i v e d a va me i o e s c o n d i d o . E a s p e s s o a s l e va n t a va m n o b a i r ro : q u e m d á a c o mi d a , o a rro z , q u e m d a a c a rn e ? Fo i u m p ro c e s s o d e ap r e n d i z a d o mu i t o g r a n d e o q u e n ó s p a s s a mo s p ra c o n s t ru i r a i n d ep e n d ê n c i a financeira dos conselhos, dos núcleos dos d e s e mp r e ga d o s . (E N TR E V IS TA 254. 1) A luta pe las fren te s de traba lho foi mu ito ma rcan te e consu miu muitas fo rça s do Mo vime nto nesse período. O desgaste no proc esso de viabilização do “ P rogra ma de Frentes Urb anas de Trabalho” junta men te à prefe itura fo i 254 em Fortaleza (2005 a 1009). Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará, pág. 106. (dissertação de mestrado). Ibidem, p. 106. intenso, sob re tudo, p elas su cessiva s reneg ociaçõ es e m rela ção à qu antidade de benefic iário s c ausada pe la restrição orça men tá ria destinada ao P rogra ma pe la Secre taria de Desen volvimen to Econô mico, a SDE - ó rgão respon sá ve l pelo P ro gra ma interna men te à P refe itura Munic ipa l de Forta leza. As Sec retarias Executivas Regiona is ta mbé m fo ra m en vo lvidas, mas so men te do ponto de vista op era tivo. De ac ordo co m o proje to d as Frentes e labo rado p ela P refeitura , por in te rmé dio da SDE: N o p ro j e t o o ri gi n a l , p r e vi a -s e u m p ú b l i c o -a l vo d a o rd e m d e 1 3 m i l c h e f e s d e f a mí l i a s . Es t e q u a n t i t a t i vo f o i a l t e r a d o , e m re u n i ã o c o m a c o mu n i d a d e , p a r a u m c o n t i n g e n t e d e 1 0 mi l c h e f e s d e f a m í l i a . P o s t e ri o r m e n t e , s e mp re p o r c o n t a d a s r e s t ri ç õ e s o r ç a me n t á ri a s , c h e go u -s e a u m p ú b l i c o d e 4 m i l c h e f e s d e f a m í l i a / . . . / A c o n t e c e q u e o p ro j e t o n ã o d i s p õ e d e d o t a ç ã o o rç a me n t á ri a s u f i c i e n t e p a r a a t e n d e r 4 mi l p e s s o a s p o r m ê s . A d i s p o n i b i l i d a d e d e re c u r s o s é d e ap e n a s 2 , 2 mi l h õ e s d e re a i s . O ra , a d e s p e s a me n s a l c o m 4 m i l p e s s o a s é d a o rd e m d e 4 , 1 mi l h õ e s . Q u e f a z e r e n t ã o ? A s o l u ç ã o e n c o n t r a d a f o i a d e c o me ç a r o p ro j e t o c o m u m n ú m e r o m e n o r d o q u e 255. 4 mi l : c o m 1 . 0 0 0 p e s s o a s Com o enga ja me nto d e todo o Mo vimento na luta pelas frente s de trab alho, o MCP ficou por mu ito tempo iden tificado co mo 'o mo vimen to da s fren te s de trab alho '. No curso de ssa mob iliz ação, e m 22 de no ve mbro d e 2007 , militan tes do MCP fora m ag red idos por soldad os da Guarda Mun ic ipa l de ntro do gab ine te d a P refeitura 256. Na 255 256 Prefeitura Municipal de Fortaleza - Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Programa Com os Pés no Chão: Frentes de Trabalho Urbanas para Fortaleza. Fortaleza: impressão, setembro de 2005. “A etapa de implementação das frentes para 2008 está prevista para o orçamento do próximo ano; no entanto, devido a cortes orçamentários, os recursos previstos para as frentes também sofreram cortes. Munidos desta informação, o MCP organizou uma comissão com integrantes dos Núcleos de Trabalhadores Desempregados para negociar ocasião esta va ocorren do u m a to no qu al os militan tes do MCP reivindic a va m q ue os benefic iário s d o P rogra ma fosse m a loca dos e m obras de con strução de con junto s habitac iona is. Apesar do ocorrido e d as enormes dificu ldade s en fren tadas pe lo Mo vimento na mate rializa ção das Fre ntes, o MCP conseguiu viabiliza r algu mas ex periênc ias. Outro fa to r re le van te q ue va le de staque ne sse relato é que os militan tes do MCP trocara m exp e riên cia s co m outro s mo vime nto s soc iais, isso se deu e m fu nção de sua atuaçã o na Asse mb léia P opular Nacio na l. Ne la, o Movimento te ve con tato co m ou tras expe riên cia s de organ izaç ões popu la res urbanas, co mo o Mo vimen to dos Trabalh adore s Dese mp regados, o MTD, po r exe mp lo. O caso do MTD é significa tivo , pois o MCP mante ve u ma rela ção d e troc a de e xperiênc ias que a judo u bastan te o Movimento . Houve, in clusive, u m militante do MTD do Rio Grande do Su l que passou u ma te mporad a e m Fo rta lez a e alé m d isso , militan tes do MCP fora m a té São P aulo e Brasília man ter u m in terc â mb io e conhecer de perto a exp eriênc ia do MTD. Na visão da coo rdena çã o do Mo vimen to, a introdução da consc iênc ia da necessidade o rgan izativa e a solida ried ade estabe lecida en tre o s milita nte s q ue partic ipa ra m d o pro cesso de lu ta pe las Fren tes fo ram os princ ipa is sa ldo s po líticos desse proc esso . A lu ta p ela s com o secretário da SEPLA (Secretaria de Planejamento). Por volta das 12:00h do dia 22 de novembro (Quinta-feira) cerca de 70 pessoas chegaram a sede da prefeitura e se dirigiram a SEPLA; uma parte se acomodou na ante-sala e nos corredores da secretaria e uma parte foi recebida na sala do secretário. A reunião durava cerca de meia hora; os encaminhamentos finais já estavam sendo debatidos e tudo corria bem, enquanto isso as pessoas na ante-sala esperavam tranqüilamente o resultado da reunião. De repente, sem que fossem solicitados pelo secretário, cerca de 15 soldados da Guarda Municipal invadiram a ante-sala ordenando de forma agressiva que todos se levantassem e se retirassem do local. Um dos guardas se dirigiu a um jovem que se levantava sem esboçar reação alguma e o agrediu com soco, em seguida o enforcando e o atingindo nos testículos. /.../ Essa episódio ocorrido no gabinete da prefeita infelizmente não é uma exceção e nem se trata de fato inédito.” Fonte: http://movimentodosconselhospopulares.blogspot.com/2007/11/militantes-do-mcp-s-oagredidos-pela.html Acesso em 12/03/11. Frentes de Traba lho p re va lece ra m de ma io de 2005 a té abril de 2008 e à s vé speras de co mple ta r 3 anos de mo bilização pe la s fren tes, o Mo vimento reso lveu re aliza r trê s encon tros: u m sobre a o rg aniz ação d o MCP, um segundo sobre va lores que no rteia m o Mo vimento e u m terc eiro para plan eja r o MCP para os próx imo s anos. Entre os d ias 1 8 a 21 de abril de 2008, o MCP lanç ou ma is u ma cartilha deno mina da “ Organização e pode r popula r para lib ertar o po vo traba lhado r”, a ide ia e ra atua lizar o progra ma po lítico e a forma de o rgan ização do MCP. O progra ma mais re cen te havia sido deba tido e e scrito, co mo vimo s, ao fina l de 200 4 e in íc io de 2005. Nesse pro cesso, o Mo vimen to man te ve muito de suas formula ções o rigina is, poré m atua lizou pa rte d o seu progra ma e a lte rou a sua estru tura org anizativa. Alé m disso, no docu mento d eno min ado “Con vite” , datado de 6 de abril de 2008, e le s fa ze m u m ape lo pa ra que ma is militan tes pa rtic ipe m dire ta me nte da coo rdenação do Movimento . No conteú do dos enco ntros ha via 4 (qua tro) eixos funda men tais d o progra ma do MCP : Asse mb lé ia P opular, Econo mia P opular, Direito à Cidade e Comun ica ção P opula r. Esses era m os três princip ais pon tos d o no vo progra ma político do MCP. P rime ira men te a c rítica à de mocracia repre sen tativa e a propo sta de superação no sentido de con strução do que e le s cha ma m de “de moc rac ia dire ta” . E m segu ndo lugar, a crític a ao cap ita lismo, no qual ap resen ta m a lóg ica da cidad ania versus a lógic a do capita l, ne sta parte con sta a seg uin te p assage m: da Além de identificar as seis faces c r i s e e s t ru t u r a l d e Fo rt a l e z a , s i t u a mo s a me s m a c o mo re s u l t a d o d e u m a l u t a d e c l a s s e s e n t re ri c o s q u e s e b e n e f i c i a m d e s t a o rd e m d e c o i s a s e o p o vo t r ab a l h a d o r q u e p ro d u z a s ri q u e z a s , m a s s ó c o l h e mi s é r i a . / . . . / s e a f o rç a d o s 257 Crise econômica, crise social, crise urbana, crise ambiental, crise cultural e crise política. ri c o s é o d i n h e i ro , a d o p o vo é a q u a n t i d a d e , p o i s s o m o s a i me n s a ma i o r i a e , o rg a n i z a d o s , t e mo s p o d e r. Lo go , s ó c o m u m a a mp l a o rg a n i z a ç ã o e mo b i l i z a ç ã o d o p o vo t r ab a l h a d o r a l ó g i c a d a C i d a d a n i a ve n c e r á a l ó gi c a d o C ap i t a l , e t e re mo s u m a c i d a d e j u s t a , d e mo c r á t i c a e b o a d e s e v i ve r. Ta l e x e rc í c i o d e ra c i o n a l i z a ç ã o s o b re o conflito de classes na cidade é f u n d a me n t a l p a ra q u e t e n h a mo s u m mo vi me n t o c o m u m c o rp o mi l i t a n t e o rg â n i c o , p o l i t i z a d o , p ro gr a má t i c o e 258 classista. No terce iro pon to, o Movimento tra z u ma n ovidade e m re laç ão à Ca rtilh a -P rogra ma de 2005 . Tra ta -se da formula ção so bre o q ue deno mina m de “C onstrução d o P oder P opular”. Esse p onto é sub -d ivid ido e m outros três. O primeiro fala da “ Fo rmação po lítica /c idadã” : D e ve mo s ter espaços dedicados e x c l u s i va me n t e p a ra a p rá t i c a d a f o rm a ç ã o e m q u e p o s s a mo s r e f l e t i r s o b re o n o s s o mo vi m e n t o e o s n o s s o s mé t o d o s , p o s s a mo s e n t e n d e r e f o r mu l a r s o b re t e m a s c o mp l e xo s c o mo o Es t a d o , a R e vo l u ç ã o , o P ro j e t o P o p u l a r, a C ri s e d o S i s t e m a C ap i t a l i s t a , H i s t ó ri a d a s 259. Lu t a s e O rga n i z a ç õ e s P o p u l a r e s P ara aprofunda r tais te ma s, fo ra m p re vistas trê s mo dalidad es de formaç ão: cu rsos, se miná rios e pale stras, be m co mo fo rma ção comu nitá ria . No progra ma de refund ação do Mo vime nto h a via a pro posta d e construção de u ma Universida de P opular Soc ia lista 260 que não está 258 259 260 Movimento dos Conselhos Populares. Organização e Poder Popular para libertar o povo trabalhador. Fortaleza: documento impresso, abril de 2008, p. 4 e 5. Ibidem, p. 6. Nos primeiros documentos do MCP havia um projeto de construção de uma Universidade Popular Socialista. Dentre os documentos que tivemos acesso, há uma coletânea de textos sobre políticas de geração de emprego e renda, um ofício de 06 de fevereiro de 2006 direcionado ao Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Federal – SINTSEF, com a solicitação de uma sala de reuniões para a primeira reunião da Universidade Popular presen te nessa a tua liz a ção prog ra mática. O segundo sub -ite m fa la d a “Mob ilização de massas: P rogra ma de Reivind icaçõe s Imed ia tas” . Alé m da já conhecida “Ca mpa nha trab alho e pode r pa ra o po vo de Fo rta lez a”, o d ocu men to d iz que o Mo vimen to realizaria ainda outras duas ca mpanh as: Ca mpanha pe la mu nic ipa lização da s co ncessõe s de rá dio s co munitárias e a Camp anha pela con strução pa rtic ipa tiva do P lano Dire to r de Forta leza 261. O terc eiro sub -ite m diz resp eito à “Org a nizaçã o P opular ind ependen te e autôno ma”. Ne le, o Movimento reafirma o s princ íp ios políticos de forma idên tic a ao s que consta m na p rime ira cartilha 262, poré m, red efine a sua estrutura o rgan iza tiva, mante ndo as instân cias “Conse lho P opular do Ba irro”, “Co mitê Exe cutivo Regiona l”, “Comitê Execu tivo Centra l” e c riando ou tra s duas, qua is seja m: “Núcleo de Militan tes do MCP ” e “P lená ria Munic ipa l”. De a cordo co m o Mo vimento: N a c o n c ep ç ã o o rg a n i z a t i va d o MC P, a e s t ru t u ra é m a l e á v e l e e s t á e m c o n s t a n t e e xp e r i me n t a ç ã o , j á q u e c o n s i d e ra mo s o MC P c o mo u m c o rp o mi l i t a n t e e m f o rm a ç ã o . O f u n d a m e n t a l é t e r u m mé t o d o d e o rg a n i z a ç ã o e mo b i l i z a ç ã o q u e p o t e n c i a l i z e a c ap a c i d a d e c r i a t i va 261 262 Socialista, além de um documento de 3 páginas denominado “Programa de Cursos para o primeiro semestre de 2006”, onde constam quatro cursos a serem realizados no decorrer do semestre: Marxismo revolucionário, Economia política do desemprego, Democracia e participação popular e Ferramentas de participação. Todos os cursos estavam previstos para acontecer no IMPARH, um órgão qualificação de profissional ligado à Prefeitura Municipal. Em nenhuma das 12 entrevistas houve qualquer referência ao projeto. Ao final de 2005, o MCP ocupou a Câmara Municipal exigindo da nova gestão a retirada do texto do Plano Diretor elaborado pela administração anterior e reivindicando o início de um novo processo com a participação popular. O projeto foi retirado e teve início um novo processo que ficou conhecido como Plano Diretor Participativo, no qual o MCP teve uma forte influência. Ver: Sousa, André L. O Território da Habitação no Processo do Plano Diretor Participativo da Cidade de Fortaleza/Ce, Brasil. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2010, vol. XIV, nº 331 (9). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn331/sn-331-9.htm>. [ISSN: 1138-9788]. Já explicitados anteriormente. d o p o vo d e Fo rt a l e z a , o n d e t o d o s o s e n vo l v i d o s s e s i n t a m p a rt e a t i va n a c o n s t ru ç ã o desse i n s t ru me n t o de 263. o rg a n i z a ç ã o e l u t a d o p o v o P aralela men te à expe riência da s Fren te s de Trabalho, o MCP tamb é m participou dos no vo s in stru men tos de de mocratizaç ão imp le mentado s p ela ge stão mu nic ipal, são eles: o P lano P luria nual P artic ipa tivo, o Orça men to P artic ipa tivo e o P lano Diretor P artic ipa tivo. A primeira expe riênc ia de de moc rac ia pa rticipa tiva da gestão pe tista fo i o P lano P lurianua l P artic ipa tivo . Apelidad o de P PA P artic ipa tivo, fo i rea lizad o no ano de 2005. Nu m docu me n to do MCP 264 de ava lia ção da experiênc ia do P PA Partic ipa tivo , e le s a firma m que “a decisão po lítica de e stabelec er u m método de participa ção popula r para a elab oração do P lano P lurian ual foi funda me nta l pa ra q ue a gestão de mo nstrasse seu co mpro misso co m a p artic ipação popular na to mad a de decisões” 265. Ma is à fren te, o MCP ava lia que : S o m e n t e c o m u ma g r a n d e e s t ru t u r a b a n c a d a p e l o P o d e r P ú b l i c o é p o s s í ve l re a l i z a r p ro c e s s o s d e f o r ma ç ã o e m ma s s a c ap a z e s d e f a z e r c o m q u e u m g ra n d e n ú me ro d e c i d a d ã o s p o s s a m s e ap ro p ri a r dos m e c a n i s mo s de d e mo c r a c i a p a rt i c i p a t i v a . N o c a s o d o P PA P a r t i c i p a t i vo , n e m d e l o n ge p u d e mo s c o n s t a t a r a l go d e s s e p o rt e . A q u i p o d e mo s c o n s t a t a r ma i s u m a ve z o f a t o r t e mp o c o mo r e s p o n s á v e l , p o r é m a l é m d o p ra z o e xí gu o , ap o n t a mo s t a mb é m a d e mo ra d a P r e f e i t u ra e m c o m e ç a r o p ro c e s s o . E / . . . / f i c o u c l a ro q u e u m p ro c e s s o p a rt i c i p a t i vo b a s e a d o 263 264 265 Movimento dos Conselhos Populares. Organização e Poder Popular para libertar o povo trabalhador. Fortaleza: formato eletrônico, abril de 2008, p. 8 e 9. Movimento dos Conselhos Populares. Avaliação do MCP sobre o PPA Participativo – Primeira experiência de democracia participativa da gestão popular de Fortaleza. Fortaleza: documento impresso fotocopiado, 4 páginas. Ibidem, p. 1. na divisão administrativa atual da c i d a d e é i n v i á ve l , p o i s n ã o c ap i l a ri z a o d eb a t e . Ta l f a t o a g ra vo u - s e p e l a f a l t a d e s u p o rt e d e u m t r a n s p o rt e p ú b l i c o g ra t u i t o p a r a q u e o p o vo p u d e s s e p a rt i c i p a r. / . . . / c o n c l u í m o s q u e ap e n a s s e t o re s o rga n i z a d o s p u d e r a m p a rt i c i p a r a t i v a m e n t e d o p ro c e s s o , s o b re t u d o a q u e l e s q u e p o s s u e m a l gu m p o d e r e c o n ô mi c o . /.../ nesse sentido é f u n d a me n t a l q u e a P re f e i t u ra s e e s f o r c e p a r a ap ro va r o p ro j e t o d e l e i d e f e n d i d o p e l o MC P, a o q u a l a P r e f e i t u r a j á d e c l a ro u ap o i o , q u e mu n i c i p a l i z a a concessão de rádios c o mu n i t á ri a s ; i n s t a l e rá d i o s n o s t e r m i n a i s d e ô n i b u s p a r a i n f o r m a r o p o vo e p ro d u z a c a r t a z e s e panfletos em quantidade p a ra 266. ma s s i f i c a r n o s b a i r ro s Apesar d a a va liação c rítica sobre o proce sso, neste docu men to de 2005, o MCP chama a sua militâ ncia a organ iza r o po vo pa ra partic ipa r: “o MCP deve, e m tod os os bairro s, a juda r a divu lgar e mob iliza r o povo para partic ipa r dos processos. Isso imp lica e m p ro mo ver ativida des de fo rmaç ã o; atua r jun to à pop ulação pa ra conquista r cada c idadã o pa ra u ma cu ltu ra de partic ipaçã o autôno ma”. 267A intenç ão do MCP com esse e ngaja mento nos instru men tos d e mo crático s de gestão é fa zer co m qu e esse s mecan ismos to rne m-se u m ca minh o para ob te r vitó rias. Outro instru mento de partic ipaçã o popu lar q ue te ve forte enga ja mento do MCP foi o Orça men to P artic ipa tivo , ta mbé m con hec ido co mo “OP ”. P ara a participaçã o nesse instru men to, o MCP realizou u ma p repa ração pré via, tendo 266 267 Movimento dos Conselhos Populares. Avaliação do Primeira experiência de democracia participativa Fortaleza: documento impresso fotocopiado, p. 2. Movimento dos Conselhos Populares. Avaliação do Primeira experiência de democracia participativa Fortaleza: documento impresso fotocopiado, p. 3. MCP sobre o PPA Participativo – da gestão popular de Fortaleza. MCP sobre o PPA Participativo – da gestão popular de Fortaleza. e m vista a g rande expe cta tiva co m a ge stã o de mo crá tica da cidade . O Mo vimen to chego u a o rgan izar cursos pro mo vidos pe la Unive rsidade P opular Soc ia lista, no qua l prepara va sua ba se pa ra a partic ipaçã o. Os in tegrante s do MCP mob iliza ra m-se para a o p roce sso do Orça mento P artic ipa tivo co m o obje tivo de ap ro va r o máx imo de propostas co ntida s no “P rogra ma de Re ivin dic ações Imed ia tas” , docu men to já c itado an te rio rmen te . O MCP se prepa ra p ara p articipa r d os ch a mados “Ciclo s do O rça me nto P artic ipa tivo”, mas se mp re co m rese rvas. Logo no in ício do pro cesso, o “Núcleo d e P artic ipação P opular” do Mo vimen to fe z uma pequen a carta a os militan tes e m que a firma que “p ara nós o ma is impo rtante é que todos os militan tes do MCP que este ja m partic ipando do OP, seja co mo dele gad o ou como conse lheiros nunca esqueça m q ue sã o re pre senta nte s do povo precisando q uando nec essário ir pa ra o enfren ta men to d ireto c om a Gestão P úblic a, não podendo nunca assu mir o d iscu rso da ge stão”. 268 Os curso s servia m nã o so men te para prep a rar a militânc ia pa ra a participaçã o, mas ta mb é m para de ixá -la cien te dos limites de sse tipo de instru men to e , co mo vimo s na ca rta do Núcleo de P artic ipação P opula r, p ara rea firma r a independ ência do MCP frente à ge stão mu nic ipa l. O Movimento , já nas primeiras atividade s do OP, percebeu que a próp ria gestão nã o esta va su fic ien te mente prepa rada : “é importan te a inda qu estiona r se a Gestão Munic ipal está preparada p ara u ma ge stão de mo crá tica pa rtic ipa tiva, po is no Conse lho do OP se pe rcebeu de forma nítid a e ssa deficiên cia n o caso d a secre tá ria de educa ção que não sabia o que e sta va aco ntecend o ali, chegando a ir para o enfren ta men to co m os c onselh eiros do OP ”. 269 Os prime iros anos de e xperiênc ia d o OP indic a m u ma falta de p repa ro da gestão ia a lé m de ac iden te s pontua is. A maio r fonte de leg itimidad e do in stru men to, apa rte a 268 269 Documento intitulado “OP”, do “Núcleo de Participação Popular” do MCP, s/d, página única. Ibidem, s/d, página única. partic ipaçã o popular, p ode -se d ize r que é a efetivação da s obras e serviços d efinid os co le tiva men te. Durante os quatro an os do p rimeiro manda to do P artido dos Trabalh adore s à fren te da P re feitu ra Munic ipa l de Fo rta lez a, a méd ia de partic ipaçã o nas asse mblé ias do OP foi infe rior a 1% da populaç ão. No que diz respe ito à efetiva ção d a von tad e popu lar de fin ida e m fo rma de prio ridades na ex ecução o rça me ntá ria , ele men to imp resc ind íve l para mante r o OP vivo, e sse ficou aqué m do esp erado . No an o de 2006, por exe mp lo, fora m dispon ib ilizad os a pen as 7,76 % do to ta l de recu rso s orça me ntá rios de stinad os para o OP na Le i Orça men tária Anual en viada à Câ ma ra Municipa l a o fina l de 2005. A í t e m a h i s t ó ri a d o s e s p a ç o s d e p a rt i c i p a ç ã o , q u e n ó s d e f e n d e mo s q u e e x i s t a m, e q u e a ge n t e p a rt i c i p e , m a s q u e a g e n t e p a rt i c i p a mu i t o p o u c o p o rq u e a ge n t e va i t e r q u e a va l i a r q u a l é o e s p a ç o q u e va l e a p e n a . O O P, p o r e x e mp l o , n o c o me ç o n ó s p a rt i c i p a mo s , q u e m f o i o g ra n d e mo b i l i z a d o r d o O P n o c o me ç o a q u i e m F o rt a l e z a f o i o MC P, q u e m mo b i l i z a va ma i s g e n t e p ra i r p ro O P e r a m o s C o n s e l h o s P o p u l a r e s , j u s t a m e n t e p o rq u e a g e n t e j á vi n h a , q u a n d o t e ve o O P a g e n t e j á t i n h a f e i t o a s a s s e mb l é i a s p o p u l a re s n o s b a i r ro s , n ó s j á t í n h a mo s u m p ro gr a ma d e re i v i n d i c a ç õ e s i me d i a t a s , e n t ã o n ó s e n t r e ga mo s esse p ro gr a ma na a s s e mb l é i a d a c i d a d e p a ra a p re f e i t a e f o mo s p a r a o s O P 's p a ra re a f i r ma r e s s e p ro g r a ma , e n t ã o n o p ri me i ro a n o n ó s p a rt i c i p a mo s , j á d ep o i s n o s e gu n d o , t a n t o p o r d i ve rg ê n c i a s n a c o n d u ç ã o p o l í t i c a , ma s p ri n c i p a l me n t e p o r u ma f a l t a d e e f e t i vi d a d e . / . . . / o O P f o i d e r ro t a d o p e l o c l i e n t e l i s mo a q u i e m Fo rt a l e z a / . . . / n ó s ap ro v a mo s a s p a u t a s d e r e i vi n d i c a ç õ e s e a t é h o j e n ã o f o ra m re a l i z a d a s , e n q u a n t o o u t r a s o b ra s q u e n ã o s ã o d o O P s ã o re a l i z a d a s d e u ma h o ra p r a o u t r a , p a ra a t e n d e r o v e re a d o r, e n f i m, t e m e s s e p ro b l e ma a í . Ma s p o r o u t ro l a d o n ó s t i v e mo s e xp e ri ê n c i a s boas, o Plano Diretor foi u ma e xp e r i ê n c i a b o a , q u e p e r mi t i u u m e mb a t e s o c i a l i n t e re s s a n t e e f o i b o m nesse sentido, o OP tem suas coisas p o s i t i va s , p e l o me n o s n o p o n t o d e vi s t a d e e d u c a ç ã o p o l í t i c a d e a l gu é m q u e 270 p a rt i c i p e . Outro impo rtan te e le mento de a trito e a fasta mento d o Movimento co m re laçã o à P refe itu ra foi o fato do MCP percebe r que o OP estava servindo d e “a ma c ia men to” d a militânc ia e que a P refeitura, na verdade, e sta va “dispu tand o” se us qua dros, o fe recendo ca rgo s à vá rio s de seus me mb ros. Na a va liação d e u m coordenador d o Movimento entre vistad o por Costa Júnio r: “ o espaço d o OP tinha mais a ve r co m a cabe ça de les [do s me mb ros que aceitara m ir pa ra a g estão ] do que co m o que o MCP defende : a lu ta d ireta ”. P ara esse me smo en tre vistado : O O P f o i u ma g ra n d e s a c a d a p a ra a re t i ra d a d e p e s s o a s q u e q u e ri a m f a z e r l u t a . / . . . / p e ga r a m n o va s l i d e r a n ç a s e t r a n s f o r ma ra m n u ma espécie de “ v e re a d o r z i n h o ” / . . . / d e r ep e n t e , a s p e s s o a s f i c a ra m s ó p e n s a n d o n a s o b r a s e d e i x a r a m d e f a z e r l u t a . O Es t a d o s ab e mu i t o b e m s e ap ro v e i t a r d i s s o . Eu a c h o q u e o MC P p e rd e u m u i t a g e n t e p o r causa disso. /.../ essas lideranças a c h a r a m s e u e s p a ç o n o go ve rn o o u n o 271. O P (E N TR EV IS TA 3 ) 270 271 Entrevistado “A”. Observação: As entrevistas A, B, C, etc. Foram realizadas diretamente pelo autor dessa dissertação. Costa Júnior, Pedro W. O. O estreito fio da navalha: participação e transformismo na relação do Movimento dos Conselhos Populares (MCP) com a gestão de Luizianne Lins em Fortaleza (2005 a 1009). Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará, pág. 114 (dissertação de mestrado). Outras variá ve is fize ra m co m que o Mo vimento fosse, aos po ucos, de ixand o de ac redita r n o Orça mento P artic ipa tivo , co mo o fato de certa s re ivind icações nunca tere m sa ído do pape l, mas que ou tra s e ra m e nca minhadas pelo fa to de te re m u m ve reado r p or trás. Ou tro de talhe era o fato d e que a própria pre fe itura mobilizara os “seu s” para ter g aran tia da a pro vação de a lgu ma s ações de seu intere sse. Fina lmen te, o MCP toma a decisão po lítica d e retirarse do OP, en treg ando seus “ ma ndatos” n o Conselho do Orça men to P artic ipa tivo. 272 O P lano Dire tor P articipativo (P D Fo r) fo i outro obje to de grand e mobilização po r parte do MC P. De acordo co m a leg islação , o prazo pa ra a re visão dos P lanos Diretore s é de 10 ano s. Dessa forma, o P la no de 19 92 co meçou a se r re visad o e m 2002 pe la a ntiga gestão, que contratou a ASTE F 273 para coo rdena r sua ela boração. O proje to apre sen tado p ela ASTE F, tecn ica me nte, deix ava mu ito a dese ja r e, d o ponto de vista da participa ção popula r, p ratica men te não houve, co m so me nte algu mas reuniões nas Reg iona is. E m 2004 , o P roje to de Lei é enviado à Câ mara no ú ltimo ano de man dato do P artido da Mobiliz ação De moc rática Bra sile ira. Ao fin al do mesmo ano, apó s a ele ição do P artido dos Trab alh a dores para a ad min istração mun ic ip al, o MCP e outros mo vimen tos socia is ocu para m p arte do prédio do P arla men to Mun icipal duran te u ma se mana, conse guind o ad ia r a votação do plano. E m 2005, a no va gestão que a ssu me a P refeitura d e Fo rta lez a re tira o p roje to de pau ta. O p lano an tigo é tirado 272 273 Para entender o processo: O “Ciclo do OP” iniciou-se com a realização de reuniões direcionadas à comunidade e alguns seguimentos para explicar o orçamento público e como ocorrerão as etapas de decisão. Logo após, ocorrem as etapas deliberativas, que elegem obras, serviços e delegados em cada território. Na sequência, o Fórum de Delegados escolhem os Conselheiros para compor o Conselho do Orçamento Participativo (COP), instância que negociará diretamente com os Secretários e com a Câmara de Vereadores a realização das demandas aprovadas. A Associação Técnico-Científica Eng.° Paulo de Frontin - ASTEF é uma entidade jurídica de direito privado, vinculada ao Centro de Tecnologia da Universidade Federal do Ceará – UFC. Do site www.astef.ufc.br acesso em 04/02/2010. de pau ta da Câ ma ra pa ra dar iníc io ao p rocesso partic ipa tivo, ma s é so mente e m 2006 , u m an o depois, que se dá o inicio efetivo d a elabora ção do no vo p lano atra vés de capac itaçõe s e rea liz ação de d iagnó stic os técn icos. Mais u ma vez, a P refe itu ra con trata u ma institu ição p ara prestar assessoria técn ica no pro cesso de elaboração do novo P lano Dire to r, d essa vez, o In stitu to P ólis, d e São P aulo 274. As princ ipa is etapas d o P lano D ire tor P artic ipa tivo de Forta leza oco rre ra m nos d ias 10 e 11 d e fe ve re iro de 2006 e en tre o s d ias 26 e 28 de jane iro de 2007. O processo con tou co m 534 de leg ados, 7 audiênc ia s te má ticas na Câ mara e co m a e labo ração de 35 0 pág inas do diagnó stico “A cidad e que qu ere mos”, qu e inc lu i u m esfo rço técn ico pa ra se co mpreende r a “c ida de rea l” (ou pelo meno s p arte dessa ), 57 reuniões do Núc leo Gestor do P DP For (que é co mposto po r 39 en tidad es g o ve rna menta is e da so cied ade c ivil) e mais 28 audiências qu e ocorrera m após a apro vação do texto fina l no Congresso da Cidade. Vale ressalta r que o P lano Dire to r fo i o prime iro macroz onea mento a mb ienta l e u rbano ocorrido na c idade. P or inte rméd io de entre vistas, pôd e -se constatar os trê s agen tes funda mentais que in tervie ra m no processo do P DP For: o P oder P úblic o, o s e mpre sários e o cha mado “ca mpo po pula r” d en tre outros, in teg rado pelo MCP. Outros agen tes ta mbé m partic ipara m de fo rma po ntua l, dentre os qua is se de staca m: os a mb ien ta lista s, os se tore s intere ssado s no te ma da mob ilidad e urbana e o cha mado trade turístico. Esse ú ltimo apa rece, sobre tud o, no debate acerca da ocupa ção d a P raia do Fu tu ro. O Congresso d a Cidade, in stânc ia ma ior do P DP Fo r fo i formado por delegad os repre sen tan tes do P oder P úblic o Munic ipa l e da Sociedad e Civil, nu ma propo rção d e 6 0% e 40%, 274 O Pólis - Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais é uma Organização-Não-Governamental de atuação nacional, constituída como associação civil sem fins lucrativos, apartidária, pluralista e reconhecida como entidade de utilidade pública nos âmbitos municipal, estadual e federal. Do site: http://www.polis.org.br/ acesso em 04/02/2010. respec tiva mente. O engaja mento do P oder P úblico se de u de forma não coesa. P arte da Gestão Mun ic ipa l, iden tificada co m o P lano Direto r anterio r, resistiu à abe rtura de um no vo processo. Nesse segu imento p re va lec ia m os funcionários antigos, p lane jado res, engenheiros, etc ., que esta va m presen te s princ ipa lmen te na Sec re taria de Infra -Estru tura e na Sec retaria d e Me io A mbiente , a lé m da s Sec retarias Executivas Reg iona is. Havia, no en tan to, um “segu ndo ca mpo” co mposto po r funcioná rios p resen te s n a Secreta ria de P laneja men to e no Habitafo r que era m iden tificados co m o p rojeto do n ovo P lano e co m a persp ectiva de mocrática do p lane ja mento pa rtic ipa tivo 275. Apesar de dividido , o P oder P úblico centra liza va seu s re presen tan te s, dando o co mando d o qu e de veria ser votado. O seg mento e mp resa rial fo i lid erado p elo S indica to da Construção C ivil (SINDUSCON), seguid o por ou tra s institu içõe s. Esse seg mento chegou ao p roc esso so mente quando o P DP Fo r co meçou a to mar fo rma , mas te ve u ma partic ipaçã o bastan te incisiva no tex to fina l. Esse se tor consegu iu ad iar o Cong resso da Cidade p or u m mê s devido a pre ssão exerc ida sob re o P oder P úblico Mun icipa l. O Movimen to P opular formo u o cha ma do “Campo P opular”. O mesmo era fo rmado pe la s in stitu içõe s e mo vimen tos que co mpõ e m a REDE NUAHB: o Movimen to dos Conse lho s P opula res, Fed eraç ão de Bairros e Fa ve las, Movimento de Lu ta n os Bairro s, Cáritas, Comun idad es Eclesia is de Ba se, Coo rdenação d e Mo vimen tos P opulare s, Movimento A mbienta lista, den tre outros. Outro seg men to qu e te ve u ma pa rticipaçã o consid erá vel, apesa r d e pontua l, foi o do ch a mado trade turístico, p rincip almen te ho té is e barraca s d e pra ia. E ste seg men to mob ilizou se us func ioná rio s (trab alhadores d os 275 Ver: Sousa, André L. O Território da Habitação no Processo do Plano Diretor Participativo da Cidade de Fortaleza/Ce, Brasil. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2010, vol. XIV, nº 331 (9). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-331/sn-331-9.htm>. [ISSN: 1138-9788]. estab ele cimen tos) sob o pretexto de que o P lano Diretor iria pro ib ir as ba rra ca s de p raia, causa ndo dese mp rego. Apesar d e po ntua l, a atuaçã o de sse se to r te ve u m fo rte impac to no pro cesso do P DP For. Houve ainda algu mas institu içõe s qu e p artic ipara m do proc esso a tra vés d e um con selho pa ritá rio c om presenç a da soc iedad e c ivil. Tais seg me nto s e sta v a m se mpre alinhados ao s in teresses do s e mp resá rios o u do ca mpo popula r. Den tre esta s in stitu ições, esta va m a lgu ma s Universidad es pú blica s e privad as, o Conse lho Regiona l d e Administraçã o, a Ord e m dos Advog ados d o Brasil, o Institu to d e Arquite tos do B rasil, o Cen tro Industrial do Ceará, etc . A d ive rsidade de partic ipação ocorrid a no processo do P DP Fo r fo i muito g rande e várias entidade s e mo vimen tos con vergia m no sen tin do de fo rtalecer suas reivind icaçõ es e spec íficas, fo rmando u ma verdadeira red e articu lada e po larizad a. Após a rea liz ação do Congresso da Cidad e, onde o tex to do P lano fo i ap rovad o, o me smo de mo rou a inda 6 mese s para se r en viado à Câ mara Municip al. Fo i institu ída uma co missão e spec ial de Vere adore s fo rmad a por todos os presiden tes d e Co missõ es sob a c oorden ação d o presiden te da Casa e cuja rela to ria ficou a ca rgo d e u m ve reado r do P artido do s Trabalhad ores. Ta mbé m fo ra m realizada s 28 audiênc ia s púb licas p ara se co le ta r no va s con tribuições. É neste mo men to que , segundo u m militan te do MCP, repre sen tan te do ca mpo po pula r no Co mitê Gesto r, “hou ve u ma mo vimenta ção para se re ve rte r u ma corre laç ão de forç as que n o Congresso da Cid ade esta va ma is fa vorá vel a o Ca mpo P opula r” 276. Ele argu men ta que as 28 audiênc ia s se mana is q ue ocorrera m no mo mento ap ós o Congresso d a Cidade fora m bastan te desg astan tes e que existia u m sen timen to gera l de cansa ço e m re lação ao processo. Destacou ta mb é m o p ape l re serva do ao poder público: “o Cong resso da Cidade, e le me io que 276 Entrevistado “A”, coordenador do MCP, representante do “Campo popular” no Conselho Gestor do PDPFor. repre sen ta va o ta manh o de cada seto r que a cidade tinha. O que desequilibra va, descon figura va isso era a repre sen tação do P od er P úblico ”. O entre vistado “A” aprese nta ou tro ob stá culo encon trado: “a agenda dos mo vimen tos sociais muda, a gen te não pode fic ar a vida toda a rebo que da histó ria do P lano Dire tor” , diz ele. O P lano Direto r de Fo rta leza foi ap ro vado n o d ia 1 8 de deze mbro de 2008 , por co nsen so, en tre o s vereadores da cidade . No outro dia, matéria de u m impo rtan te jorna l loca l diz ia : “a tão ag uardada vo tação do P roje to de Le i que cria o no vo P la no Dire to r de Forta leza fo i tão tranq üila qu e assustou” 277. No balanço do Mo vime nto sob re o pro cesso, u m fa tor de grande re le vân cia foi o lapso de te mpo en tre as e tapa s do pro cesso, o qu e d ificu ltou a mob iliz ação da população e fa vo receu os aco rdo s de bastid ore s. O Ca mp o P opula r ta mbé m conseguiu c on quista r as ZE IS (Zonas Especia is de Inte resse So cia l), no entan to, para que essa s se ja m efetivad as, aind a de veria se r mon tad a u ma equip e da prefe itura para garanti-las. U ma de rro ta ap ontada pelo Movimento foi e m rela ção ao Siste ma de Gestão Democ rá tic a no P lano Diretor. A criaç ão do Conselho de P laneja me nto Urbano da Cidad e, ac ordad a e ntre to dos os agente s no Cong resso d a Cidade , não fo i en via da à Câ ma ra pela P refe itu ra, con forme o co mbina do. Há, segundo ele “u m prob le ma de gestão popula r de fa to. Q ue m hoje é respon sá ve l p or to ma r a s d ecisões sobre os gra ndes e mpree ndimen tos de imp acto? Da forma c omo e stá, a decisão fica a ca rgo de um ó rgão in terno à P refeitura, onde não há nenh u ma p articipação popu la r” 278. Ainda e m relação a os prob le mas ob serva dos no decorrer d o P lano D ire to r P artic ipativo d e Fortaleza, encontra -se o fato de que tex to apro vado por toda s a s partes na oca sião do Congresso d a Cidad e, instân cia 277 278 Diário do Nordeste: Plano Diretor é aprovado em primeira votação. 19 de Dezembro de 2008. Entrevistado “A”, coordenador do MCP, representante do “Campo popular” no Conselho Gestor do PDPFor. máxima d esse instru mento de pa rtic ipa ção de mocrática, não fo i in teg ra lmen te e nviado à Câ mara, o qu e pre jud icou a leg itimidad e do proc esso. A P refe itura Mu n icipal a lego u que a P rocu radoria Geral do Mun ic íp io ha via questio nado o fa to de q ue na Le i Orgânica do Municíp io ha via u ma dispo sição d ize ndo qu e todo S iste ma de Gestã o de ve ria ser tra tado nu ma le i e spec ífica . 3.3 A atua lidade do MCP: org aniza ção, ocupações e outro s te mas (2008 - 2 011) No decurso d o p roce sso que desc re ve mos ac ima - qu e inc lui a fund ação, a su spensão te mpo rária dos trabalhos e os três prime iros a nos após a re fundaç ão - o Mo vimen to te ve opo rtunid ade de a madurecer e ape rfeiç oar sua atuaçã o, clarificand o ta mbé m sua postu ra política a p artir da nece ssidade de a firmar e reafirmar sua in dependênc ia fren te ao s desvios q ue a meaça va m sua p róp ria existênc ia . Como vimo s, o Mo vimento fez isso po r interméd io da aplicação de no vas tá ticas, a daptação d a su a e strutu ra e do seu progra ma à no va rea lid ade, se mp re n o sen tido de mante r seus p rincíp io s, obje tivando a construç ão do que o MCP chama de “po d er popular”. Fo ra m vária s id as e vindas, expe riên cia s b e m e ma l suced ida s, dificu ldade s. Como vimo s, o Mo vimento ta mb é m a ma rg o u a perda de vá rio s militante s imp o rtan te s pa ra o pode r público, mas ta mbé m viu o su rg imento d e u ma no va geração de militan tes formados a partir de su a próp ria experiência. Fo ra m d iversas reun iõ es, mob iliza ções, p ro jetos e açõ es, que fize ra m co m qu e o MCP atingisse uma rela tiva co mplexid ade no siste ma de ações praticada s pe lo Movimento co mo o que há a tua lme nte . Desde sua refund ação, e m 2 005, até o ano de 200 8, hou ve u ma mu dança de qua lidade sig nific ativa e m re laç ão à po stu ra política do MCP, não somente fre nte à s ele içõ es e m tod os os níve is, 279 mas ta mbé m e m re laç ão à sua n ova po stu ra 279 Após a eleição de 2005 o Movimento não apoiou oficialmente nenhuma candidatura, isso progra má tic a con stru íd a a pa rtir da s lu tas d esen vo lvid as ao longo desses ano s. P or me io de en tre vista rea lizada co m u m dos coo rde nadores do Mo vimen to, pude mos percebe r co mo esse p rocesso de transforma ção se d eu, se mp re tendo e m vista a experiênc ia p rá tic a concre ta do Movimento : N o c o m e ç o a g e n t e vi a o p o d e r p o p u l a r c o mo u ma c o i s a mu i t o p o l í t i c a . O s go ve rn a n t e s go v e rn a va m o u vi n d o o s d e b a i xo , a q u e l e s q u e go v e rn a m, go v e rn a r s o b a s o rd e n s , a q u e l e s q u e a s s u me m p ap e l d e go v e rn o , go ve rn a r s o b a s o rd e n s d o p o vo o rga n i z a d o , s e ri a ma i s o u me n o s i s s o a í a g o ve rn ab i l i d a d e p o p u l a r. D i g a mo s a s s i m. . . En t ã o , n o c o m e ç o , i s s o e r a mu i t o f o rt e , e h o j e a ge n t e v ê q u e o p o d e r p o p u l a r v a i p a r a além do poder de influenciar as d e c i s õ e s p o l í t i c a s , é q u e s t ã o t a mb é m d e ap ro p ri a ç ã o d o e s p a ç o , d a s ri q u e z a s a mb i e n t a i s , u rb a n í s t i c a s , dos e q u i p a me n t o s p o r p a rt e d a p o p u l a ç ã o , e n t ã o i s s o t e m g a n h a d o mu i t a f o rç a n o 280 mo vi me n t o . Esse depo imento é mu ito sign ific ativo p ara se entende r co mo o MCP te m adap tado se u conteúdo progra má tic o, nu m ve rdade iro “ jogo d ia lético”, se mpre insp irado na s suas própria s experiênc ia s co ncre tas. U m exe mp lo de co mo as nova s exp eriênc ias implicara m e m alteraç ões na estru tura orga niz ativa do Mo vimen to é o caso d o Núc leo do ba irro P arque Água Fria , q ue pa rece te r sido a experiênc ia fun da men tal p ara qu e o MCP adotasse essa no va te rminologia de “Núcleo”, qu e fo i incorporado ofic ia lme nte a p artir d a elabo ração d a segun da Cartilha - 280 não quer dizer que os seus militantes não tenham participado do processo eleitoral, alguns apoiaram candidaturas do Partido dos Trabalhadores e há, inclusive, um que foi candidato pelo Partido Socialismo e Liberdade, mas quem participou direta ou indiretamente, o fez de forma individual e não enquanto Movimento. Entrevistado “A”, coordenador geral do MCP, atualmente acompanhando a ocupação “Raízes da Praia”. Entrevista realizada em 9 de dezembro de 2010. P rogra ma apro vada na P lenária Gera l de 2 0 08 e que não consta va na prime ira Cartilha de 2005. O perfil a tua l da militâ ncia do Mo vimento é b astante va riado. Os segu in tes depo imento s de me mbros coordenad ore s gera is do MCP, é possíve l ter u ma boa noção de co mo é a co mposição média das pessoas engajad as a tua lmen te n o Movimento , be m co mo, e m me nor proporç ão, a lgu ma s carac terísticas e sp ecífica s dos Conselho s P opulares de bairro : Se eu fosse dizer um perfil médio, seria mu l h e r e s . N u ma f a i xa d e 3 0 a 4 0 , a t é 5 0 a n o s , mu l h e re s q u e s ã o mã e s d e f a mí l i a s , a vó s , mã e s , m u i t a s v e z e s , e j o ve n s t a mb é m, d o s b a i rro s q u e o mo vi me n t o se o rga n i z a , nas c o mu n i d a d e s s ã o a q u e l a s q u e r e a l m e n t e tomam a f re n t e dos assuntos c o mu n i t á ri o s normalmente. En t ã o , mu l h e r e s e j o v e n s , h o me n s e mu l h e r e s , a ma i o r parte dos h o me n s que p a rt i c i p a m s ã o h o me n s j o ve n s . O p e rf i l é e s s e , mu l h e r e s e j o ve n s , d a p e ri f e r i a d e Fo r t a l e z a , d a s c o mu n i d a d e s p o b re s de Fo rt a l e z a , mesclando com a mi l i t â n c i a q u e f u n d o u o mo v i m e n t o , j u n t o c o m o s c o mi t ê s p o p u l a r e s d a ép o c a d a c a mp a n h a , a mi l i t â n c i a d e p e rf i l m a i s i d e o l ó gi c o , q u e ve m d e mo vi me n t o e s t u d a n t i l , d e mo vi m e n t o s i n d i c a l , m a s e s s a é a í é u ma m i n o r i a n o mo vi me n t o , n ã o d á p ra , s e vo c ê f o r p e g a r o m i l i t a n t e m é d i o é e s s e p e rf i l 281 que eu to lhe dizendo. B a s i c a me n t e j o ve n s n o s b a i r ro s e m q u e e s t a mo s a r t i c u l a d o s , o mo r a d o r d o b a i r ro q u e d i s c u t e . . . É mu i t o d i f e re n t e d e l u g a r p ra l u g a r, s e v o c ê f o r ve r. O s n ú c l e o s d o MC P s ã o m u i t o d i f e r e n t e s 281 Entrevistado “A”. e n t r e s i . Q u a n d o vo c ê t e m o c u p a ç ã o , n a re gi ã o d a o c u p a ç ã o vo c ê t e m u m p o vo q u e e s t á mo vi d o p e l a l u t a d e mo ra d i a . Vo c ê va i t e r i s s o n a R a í z e s d a P r a i a [ P ra i a d o Fu t u ro ] e vo c ê va i t e r i s s o n a C o mu n a [ b a i r ro J o s é Wa l t e r] . N o s b a i r ro s o n d e o MC P n ã o t e ve o c u p a ç ã o , o p e rf i l é o mo r a d o r d o b a i rro q u e a i n d a está discutindo aquela coisa da me l h o r i a d o b a i r ro . Is s o s e d á n o P a l m e i ra s , i s s o s e d á a q u i n a r e g i ã o , i s s o s e d á n o J o ã o X X I II . O p ú b l i c o v a i d i f e r e n c i a r. Vo c ê va i t e r u m, s e i l á . . . N o P a l m e i ra s s ã o p e s s o a s d e i d a d e ma i o r, pessoas mais velhas que tinham uma b a s e n a Ig r ej a C a t ó l i c a , C EB s e t a l . N o J o ã o X X I II t ê m a m e s ma ra i z : C EB s . A q u i n o P a rq u e Á gu a Fr i a é a j u ve n t u d e , u ma g a l e r a m a i s n o v a m e n o r d e 2 5 , m e n o r d e 3 0 a n o s , d i ga mo s a s s i m. N a s o c u p a ç õ e s é o p ú b l i c o e m ge r a l , a c h o q u e n a m a i o ri a mu l h e re s . 282 Q u e m t a ma i s a f re n t e ? Mu l h e r . O perfil dos in teg ran tes do MCP pode va ria r de acordo co m a s c arac terísticas sócio -espac iais de cada territó rio e m que ex ista m que, por sua vez, influe ncia m a natureza das de manda s prio ritá rias de cad a Núcleo ou Conselho P opular de ba irro. E sse fato r é o princ ipal respon sá ve l pe la re lativa co mp lexidade que ex iste atua lmen te no MCP, ta l qual n os re fe rimos a nterio rmen te. O fator que cha ma mais a ten ção nos dois depoimento s, se m so mb ra de dú vida, é a forte pre sença fe min ina en tre os quad ros do Mo vime nto. Não é ob jeto de ssa de scriçã o analisa r po rque que isso o corre, p oré m cabe u ma indagaç ão sob re essa c arac terística mé dia , qu e m sabe e m uma ou tra pe squ isa, mas fic a a í o mo te pa ra que m queira se a ven tu rar. Nas oportun idad es e m que partic ipa mos de a tividades 282 Entrevistado “B”. do MCP pudemos p ercebe r a ma rca e x pressiva da partic ipaçã o das mu lhe res. Na p lená ria da oc u pação Raízes da P raia , po r exe mp lo , co m ex ceção do coo rdenado r da reunião e de so men te u ma in tervenção de u m militan te do sexo mascu lino, toda s as ou tra s in tervenções, e m to rno de 10, fo ra m de mu lheres. A mesma co isa o corre na ocupação Comun a 17 de abril, o u “Co muna da Terra”. Se le va rmo s e m con sidera ção as en tre vista s rea liz adas, d as 11 to ta is, te mo s 4 ho mens e 7 mulh ere s. A ju ven tu de é ou tra carac terística ma rcan te , a nova ge ração que já foi fa lad a ante rio rmen te é co mp osta marca da men te p or mulhere s jo vens, isso p ode se r justificado, d entre ou tros motivos, e m fu nção da questão do de se mp rego q ue atinge a ju ven tude de 16 a 29 anos, e m méd ia, 3 vez es ma is que entre os adulto s na c ida de de Fo rta leza . Outra qu estão qu e e videnc ia o pe rfil ge ral das pessoa s o rgan izada s no Mo vimento, co mo nos info rmo u o entre vista do “B”, é a d eterminação d esse perfil segu ndo as carac terística s territoriais p róprias de ba irro on de o Núcleo ou Conse lho e stá o rgan izad o. Ve ja mos a segu inte passage m: / . . . / a q u i [ P r a i a d o Fu t u ro ] a ge n t e o c u p o u . Lu t a p o r mo r a d i a . M a s e m o u t ro s c a n t o s a ge n t e t á l u t a n d o p ra n ã o s e r d e s p ej a d o , o u t ro s c a n t o s t á l u t a n d o p ra q u a l i f i c a r d e t e r mi n a d a á re a , p o r e x e mp l o n o C o n j u n t o P a l me i r a t e m u m a l u t a mu i t o gr a n d e p o r q u e s t ã o d e c a n a l i z a ç ã o , p a v i me n t a ç ã o , u m a l u t a d e i n f ra -e s t ru t u r a u rb a n a c l á s s i c a , P a rq u e Á gu a Fr i a é l u t a p ra n ã o s e r r e mo vi d o , c o mo n o Tr i l h o t a mb é m q u e t á s e 283. c r i a n d o a go ra Ainda co m re laç ão às carac terística s atua is d o MCP, dos cerc a de 70 ba irros nos qua is hou ve a tividad es do Movimento en tre 2004 e 2005, segundo informaçõ es de militan tes d a coordena ção do Mo vimen to, há atua lmente 283 Entrevistado “A”. cerca de 13 Conse lho s P opulares ou Núc leos de Militante s constituíd os nos seg uintes ba irros 284: Caça e P esca, Vicente P inzón (Co munidade Morro da Vitória ), José Walter (Co muna da Terra ou Co muna 17 de ab ril), P raia do Fu turo (Lagoa do Co ração ), Cais do P orto (Servilu z), P arque Água Fria, Con junto P almeira s, João XXIII, Autran Nunes, P lanalto P ic i, Bairro de Fá tima (Comun idad e Aldaci Barbo sa), Montese e Vila Ve lha . Seg undo con sta, há so men te u m Conselho P opular Reg iona l, que é o “Regiona l P ra ia”, lo calizado no lito ra l leste d e Forta leza. Quando há n ecessidade , o Con selho Reg iona l reúne -se por região ad ministra tiva. O Regional P raia, co mo é chamado, é o ma is organizado, sendo que, en tre o s docu mento s cole tados, en contra mos u ma prog ra mação de p lane ja mento dessa Reg iona l. A lé m disso, o Mo vimento realizou o 1º Encontro do s P ovos do Cocó, nos dias 30 d e julho e 1º de agosto de 2007. Fo i na reg ião da p ra ia on de ocorreu a primeira expe riênc ia d e ocupação tota lmente organ izada pelo MCP, a ocupaçã o “Raízes da P ra ia”, que va mos conhecer me lhor u m pouco ma is à fre nte . Segundo u m coordenad or do Mo vimento ligado à sup rac ita da ocupaçã o: / . . . / h o j e n ó s e s t a mo s o rg a n i z a d o s a í t a l v e z p o r vo l t a d e 1 5 [ 1 3 ] b a i r ro s d a c i d a d e n é , m a s c o m u m a c ap i l a ri d a d e mu i t o b o a , u ma n o va ge ra ç ã o d e mi l i t a n t e s q u e s u rgi u n é , mi l i t a n t e s p o p u l a r e s , h o j e o mo vi m e n t o é d i ri gi d o n a v e rd a d e p e l a s p e s s o a s q u e s u rgi ra m n o s c o n s e l h o s p o p u l a r e s d o s b a i rro s , com mu i t o pouca influência das ge r a ç õ e s m a i s a n t i ga s n é , q u e f u n d a ra m 285 o mo vi m e n t o A forma de o rgan ização do MCP é outra espec ific idade q ue o dife renc ia d e ou tra s o rgan izaçõ es, co mo as Asso cia ções de bairro pre valecen te s duran te a 284 285 Nome das comunidades e nome do bairro entre parênteses. Quando há somente o nome, é o do bairro. Entrevistado “A”. década de 1990 286, que mu itas vez es são dep e ndente s d e lid eranç as co m pod ere s superio res ao s de ma is me mbros, quase que in varia ve lmente ligad a a algu m “p olítico”, seja ve reado r, depu tado, prefeito, etc. O MCP age de forma dife renc iada ta mbé m n essa questão, ju sta men te por se r u m mo vimen to so cia l p o pular co m identidad e política e m perman ente con strução . A negação do clien telismo e da troc a de fa vore s por privilégios mate riais é u ma das carac terística s fo rte s d o Movimento desde su a fundaçã o. Como nos re la tou u m d os integ ran tes do Mo vimento : “/. ../ a gen te traba lha muito essa co isa de não ter lid eranç a, d e ter u m co le tivo e a d istribu ição das tarefa s ne sse co le tivo, a gente não u sa o te rmo manda to” 287. Segundo co mp reensõ es por nós formada s co nforme no deco rre r da in ve stigação sobre o Mo vimento, não há estrutura s rígid as no MCP. Há sim u ma e stru tura pré estab ele cid a, ma s que é se mpre decid ida co le tiva mente nas instânc ias gerais. P oré m, mesmo co m essa fo rma de estrutura, o Mo vimento não fic a “enge ssado ”, tendo e m vista que h á u ma flexibilidad e exp líc ita na sua fo rma de organ izaç ão. Essa fle xibilidade reco nhece, inc lusive, o surg imento de instân cias ou tra s que , durante certo pe ríodo pode m coex istir “extra -o ficia lmente ” co m a estru tura vigen te. Isso poderá pe rmanec er a té qu e ch egu e o p róx imo mo men to de atu aliza ção p rogra má tica e organ iza tiva. Nessas oca siõ es, as nova s instânc ia s pode m se r incorporad as ou n ão pelo co letivo do Mo vimen to. Ta is alteraç ões a tende m à s necessidad es o rgan iza tiva s que, por sua vez, va ria m de acordo co m cada mo men to da existênc ia do Mo vime nto dos Con selhos P opulares e de acordo co m as cara cte rística s do te rritório e m que está imp lan tada. A passage m que segue aba ixo fo i re tirada da última Cartilha -P rog ra ma do Mo vimento: 286 287 As chamadas Associações de Bairro foram muito fortes para o movimento popular durante a década de 1980, culminando com a criação da “Associação de Bairros e Favelas de Fortaleza”, na década de 1990, esse modelo entra em crise com a maioria dessas organizações servindo como intermediadoras do chamado clientelismo. Entrevistado “A”. N a c o n c ep ç ã o o rg a n i z a t i va d o MC P, a e s t ru t u ra é m a l e á v e l e e s t á e m c o n s t a n t e e xp e r i me n t a ç ã o , j á q u e c o n s i d e ra mo s o MC P c o mo u m c o rp o d e mi l i t a n t e s e m f o rm a ç ã o . O f u n d a m e n t a l é t e r u m mé t o d o d e o rg a n i z a ç ã o e mo b i l i z a ç ã o q u e p o s s i b i l i t e a c ap a c i d a d e c r i a t i va d o p o vo d e Fo r t a l e z a , o n d e t o d o s o s e n vo l v i d o s s e s i n t a m p a rt e a t i va n a c o n s t ru ç ã o desse i n s t ru me n t o de 288 o rg a n i z a ç ã o e l u t a d o p o v o . Essa flex ibilidade pô de ser iden tificada co m a cria ção do p rime iro Núcleo de Militan tes do MCP no P arque Água Fria (u ma instân cia diferenciad a e m relação ao Conselho P opula r de bairro), mas ta mb é m nu ma mu dança exp ressiva q ue re flete a s no vas preocupações e co mpre ensõe s con ceitu ais do MCP, re lac iona d as à ideia de produção do espaço u rbano, co m o que e les cha ma m d e “direito à c idade” e com a no ção que eles tê m de “territó rio”, de co mo eles vêe m o te rritório. O exemplo mais acab ado d isso qu e esta mo s fa lando pod e ser cap tado no depo imen to que seg ue aba ixo, no qu al o me mbro rela ta co mo o MCP se o rgan iz a atua lmente: Te m o n ú c l e o d o b a i rro , q u e é o C o n s e l h o P o p u l a r, q u e é o n ú c l e o q u e vi s a c o n s t ru i r o c o n s e l h o p o p u l a r, q u e a s v e z e s vo c ê t e m o n ú c l e o d e t r ab a l h a d o r e s d e s e mp r e g a d o s , o n ú c l e o d e l u t a p o r mo r a d i a , ma s o o b j e t i vo é s e mp r e j u n t a r o m á xi mo d e a t o re s p o s s í v e i s d o b a i r ro p ra f o r ma r o c o n s e l h o p o p u l a r. Te m a re gi o n a l q u e re ú n e e s s e s n ú c l e o s , e s s e s c o n s e l h o s d a q u e l e d e t e r mi n a d o t e r r i t ó r i o , c o mo é q u e s e o rga n i z a a re gi o n a l ? P o r c a ra c t e rí s t i c a s t e rr i t o ri a i s , c a ra c t e rí s t i c a s a mb i e n t a i s , u rb a n a s , 288 Movimento dos Conselhos Populares. Poder Popular para Libertar o Povo Trabalhador – Programa Político do Movimento dos Conselhos Populares. Fortaleza: documento impresso, 2008, p. 9. p o l í t i c a s q u e ap ro x i ma m e s s e s b a i rro s . À s v e z e s n ã o s ã o n e m d a m e s ma re gi o n a l a d m i n i s t ra t i va , ma s é d a me s m a r e a l i d a d e t e rr i t o r i a l e o c o mi t ê e x e c u t i vo , q u e c u mp re e s s e p ap e l d e c o o rd e n a ç ã o central, de a rt i c u l a r i n t e r ve n ç ã o c o n j u n t a d o mo vi me n t o , a rep re s e n t a ç ã o c o n j u n t a d o mo vi me n t o nos espaços, falar em nome do mo vi me n t o e, ao m e s mo t e mp o , a r t i c u l a r o s v á r i o s t e r ri t ó ri o s p ra 289 f o rt a l e c e r a s l u t a s mu t u a me n t e . Ainda busca ndo co mpreende r a a tua l estru tura organ iza tiva d o Mo vimento , o caso ma is significa tivo de uma no va po stu ra q ue dife re o terc eiro p eríod o do MCP do primeiro e do segun do é exata men te e ssa noção de territó rio e o que ch a ma m de “dire ito à c idade” . Nos primeiro e segundo pe ríodo s, o Mo vimento se o rgan iza va segundo a estru tura ad ministrativa in stituc iona l da P refeitura Mu nic ipa l d e Fo rta lez a, ou se ja, n uma Region al do MCP esta va m ag re gados os ba irros con tidos e m cada Secre taria Exec utiva R egiona l da P re feitu ra, indiferen te à s afin idad es que pude sse m ha ve r, ou não, entre e sse s bairros. Acontece qu e e ssa e stru tura não e sta va ma is d ando conta da s no va s nece ssidade s e o Mo vimento percebeu que seria ma is in te ressante estru turar sua s Reg io nais a partir do te rritório. Va mos a mais u ma passage m das entre vistas: /.../ e buscar conquistar aquilo que d e n t ro d o c o n s e l h o p o p u l a r s e d e f i n e c o mo p r i o r i d a d e n u ma c o mu n i d a d e . N u m a , q u e a g e n t e c h a ma d e re gi o n a l , q u e é u m d e t e r mi n a d o e s p a ç o , u m t e rr i t ó r i o d a c i d a d e , p o rq u e a ge n t e o rg a n i z a p o r c o mu n i d a d e , e vá ri a s c o mu n i d a d e s f o r ma m u m a r e gi o n a l , / … / n a p r a i a , n é ? Te m MC P P r a i a , p o r q u e ? P o rq u e s ã o vá ri a s c o mu n i d a d e s . C a ç a e 289 Entrevistado “A”. P e s c a , Mo r ro d a Vi t ó r i a , S e r vi l u z e o u t ra s c o mu n i d a d e s d a re g i ã o q u e f o rm a m a r e gi o n a l P ra i a . E a í n a s i n s t â n c i a s d o mo vi m e n t o q u e s ã o a u t ô n o m a s . Q u e r d i z e r, a s p e s s o a s definem a condução política do mo vi me n t o nas instâncias do mo vi me n t o , com mu i t o foco nas i n s t â n c i a s d e b a s e n é , i n c l u s i v e e xi s t e u ma a u t o n o mi a a t é e n t re o s p ró p ri o s c o n s e l h o s p o p u l a re s e a c o o rd e n a ç ã o d o mo vi me n t o mu i t o g r a n d e n é , q u e a l gu n s a t é v ê e m c o mo u m p ro b l e m a p o rq u e u m 290. p ro b l e m a d e o rg a n i c i d a d e P ara fac ilitar a visua liz ação da estru tura o rgan iza tiva do MCP, cria mo s o se guin te o rga nogra ma, n o qua l e stão contidas a s in stânc ias presen te s no seu ú ltimo docu men to progra má tic o: 290 Entrevistado “A”. Plenária Municipal Comitê Executivo Central Comitê Executivo Regional Conselho Popular do Bairro Núcleo de Militantes Fi g u r a 1 5 : O r g a n o g r a m a d a s i n s tâ n c i a s d o M C P ( Fo n te : elaboração própria) De acordo co m o ú ltimo prog ra ma d o Mo vime nto dos Conselho s P opula res, há a segu inte de scrição das atribu içõe s de c ada instância organizativa 291: a) Núcleo s de M ilitantes do MCP: e m ba irros ond e o Conselho P opular não existe, ou ain da não func iona plena men te. O núcleo se org aniza e m torno dos p rinc íp ios e d iretrizes do MCP, tend o co mo princ ipa l obje tivo a rea lização de Asse mb lé ias P opulares e a construção do Conselho P opular do ba irro o u da co munidade. 291 Movimento dos Conselhos Populares. Poder Popular para Libertar o Povo Trabalhador. Fortaleza: documento impresso, 2008, p. 9. b) Conse lho Popu la r do Bair ro: onde qua lq uer morado r partic ipa e as tare fa s, inc lusive de coo rdenação, sã o defin ida s pela Asse mb léia P opular do ba irro , be m como seus exe cuto res, que pode m se r mod ificad o s a qualq uer mo men to. c) Co mitê Execu tiv o Regiona l: co mposto por do is me mb ros de cada Conselh o de ba irro ou Núcleo de Militan tes, e m u ma d eterminada reg ião da cidade (não corre spondend o ob riga toria mente à d ivisão a dmin istrativa da P refeitura ). É re spo nsá ve l pela artic ula ção das lu tas e m co mu m da regiã o, be m co mo pe lo forta le cimen to do s núcleo s de ba se e d os Conse lhos P opula res, fazendo chegar até eles info rma ções e in ic iativa s do Movimen to. d) Co mitê Executivo Centra l: co mpo sto po r três me mbro s de cada Co mitê Exec utivo Region al. É re sponsá ve l por articu lar as ações do movimen to e m n íve l ge ra l da cidad e. e) P lenár ia Mun ic ipal: reúne m os militan tes do MCP. A P lenária munic ipa l d efin e as políticas e ações do mo vimen to na c idade . O Comitê Exe cutivo Centra l se orien ta por e ssa s de fin içõe s. As P lená ria s region ais reúne m os militan tes de u ma de te rminada região para o mesmo fim, poré m, e m níve l re gion al. Com essas c inco instância s o rg aniz ativa s, o MCP busca manter u m d iálo go entre todas elas, d e forma que haja u m fluxo de mocrático de in formaçõe s e controle da base so bre essa s mesmas instânc ia s. Apesa r da c la reza sobre o pap el de ca da instânc ia, ne m se mpre elas existe m de forma efe tiva e não há menção a u ma periodic idade de realiza ção da s reun iõe s, mesmo as ma is ge rais, co mo seria de se esp era r. Indagad o sobre c o mo o Mo vimento faz pa ra mante r esse fluxo e esse contro le da base so bre tod as as instânc ias, o en tre vista do “A” nos d eu a segu inte respo sta: A ge n t e b u s c a s i n c ro n i z a r a o s v á r i o s c o l e t i vo s q u e t e m n a c i d a d e , o s v á r i o s c o n s e l h o s p o p u l a r e s , b u s c a s i n c ro n i z a r p o rq u e f i c a m a i s f á c i l . En t ã o , p o r e x e mp l o , a l u t a p o r t r a b a l h o . En t ã o a ge n t e c o m e ç a a d i s c u t i r j u n t o , c o me ç a a f a z e r u ma f o r m a ç ã o c o n j u n t a n a c i d a d e , vo l t a p ro s b a i r ro s , p r a t e n t a r f a z e r, f a z a s m a n i f e s t a ç õ e s p ra c o n s e gu i r a s c o i s a s . Mo r a d i a , me s m a c o i s a . A ge n t e faz uma f o r mu l a ç ã o conjunta, i n t e r vé m. . . In t e r vi mo s n o p l a n o d i re t o r e e m vá ri a s q u e s t õ e s q u e d i z e m re s p e i t o 292. à cidade Uma vez tend o a noçã o de co mo o MCP se organ iza atua lmen te, passa mo s a outro te ma . Vária s pa ssagens le va nos a cre r que há u m certo “discu rso ofic ia l” sobre co mo se dá a fo rma de açã o do MCP. Ou seja , qu al o c a minho ofic ia l ado tado p elo Movimento para a ting ir seu s obje tivo s, sob retudo, no que diz respe ito às de manda s mate riais? A resposta para isso p ode ser dad a a p artir d a noção que pode mo s cha mar de a “ mo bilização co mo método ” ou o “ méto do da mobilizaçã o”. Veja mo s o depoimento d e u m dos coordenad ore s do MCP acerca desse “ méto do”: S ó u ma c o i s a , a n o s s a m e t o d o l o gi a b á s i c a é a s e gu i n t e , ma n i f e s t a ç ã o p ra d ep o i s n e go c i a r. S e mp r e q u e a ge n t e q u e r c o me ç a r a l gu ma c o i s a , a g e n t e d á u m j e i t o d e f a z e r u ma mo b i l i z a ç ã o , p a ra ab ri r o c a n a l d e d i á l o go , n u n c a va mo s l á p e d i r u m a re u n i ã o p ra n e go c i a r a l gu ma c o i s a , p r i me i r o f a z e r u ma mo b i l i z a ç ã o p a r a l e gi t i ma r o p ro c e s s o d e n e go c i a ç ã o d a l i e m d i a n t e , e a í n ó s n e go c i a mo s , nós d i s c u t i mo s , nós re u n i mo s c o m ó rgã o s a f i n s / . . . / A ge n t e f a l a mu i t o a s s i m n a h o ra d e e xp l i c a r / . . . / o h , n ã o a d i a n t a vo c ê s e r e u n i r, s e re u n i r, e s t u d a r n a f o r ma ç ã o , s e re u n i r, d i s c u t i r a s c o i s a s e d ep o i s a s c o i s a s n ã o vi ra r e m re a l i d a d e e o m é t o d o p a r a q u e i s s o v i re re a l i d a d e é a m o b i l i z a ç ã o , p o r ma i s q u e e s s a mo b i l i z a ç ã o s ej a , o u u m a a ç ã o d i r e t a , o u s ej a u ma p re s s ã o n o poder institucional, ou a participação 292 Entrevistado “A”. n o c a n a l d e p a rt i c i p a ç ã o , m a s a mo b i l i z a ç ã o é q u e f a z c o m q u e a ge n t e t e n h a f o rç a , o P l a n o D i r e t o r mo s t ro u i s s o , f o i a n o s s a c ap a c i d a d e d e mo b i l i z a ç ã o q u e f e z c o m q u e a g e n t e c o n s e gu i s s e v á r i a s c o i s a s d e n t ro d o 293 P l a n o D i re t o r . Sobre a re lação do MC P com as ocupaçõ es, u m fa to a ser le vado e m conside ração é que muito an tes da prime ira experiênc ia de ocupaç ão urbana genu ina mente org anizada pelo Mo vimen to, o MCP já ha via constitu íd o núcleos e m outra s ocup ações. Segu ndo Costa Jún io r, co m o auxílio de info rma ções d o Jorna l O POVO: O MC P ap o i o u , d e s d e s e u i n í c i o , a l gu ma s o c u p a ç õ e s d e t e rr e n o s p a r a mo ra d i a . En t re t a n t o , e s s a s o c u p a ç õ e s n ã o e ra m o rg a n i z a d a s p e l o Mo vi m e n t o , o c o r re n d o de f o r ma a u t ô n o ma e p o s t e r i o r m e n t e s e a g re g a n d o a o MC P. A i n d a e m 2 0 0 4 f o i o rg a n i z a d o u m n ú c l e o d o mo vi m e n t o n a o c u p a ç ã o “ C h e G u e va ra ” , l o c a l i z a d a n a B R 11 6 . E m junho de 2005, centenas de famílias o c u p a r a m u m t e r re n o p ró xi mo a o Mo r ro d a Vi t ó r i a , n o B a i r ro Vi c e n t e P i n z ó n , zona leste de Fo rt a l e z a . Nessa o c u p a ç ã o , o s mo ra d o re s s o f re ra m c o m a vi o l ê n c i a d e h o m e n s a r ma d o s q u e e f e t u a r a m d i s p a ro s a t i n gi n d o a l gu n s ocupantes; um p e s c a d o r, que p a rt i c i p a va d a o c u p a ç ã o , n ã o re s i s t i u e f a l e c e u n o l o c a l . S e gu n d o re l a t o s , o s h o me n s a r m a d o s p e r t e n c i a m à e mp re s a C e a rá S e gu ra n ç a , que n e go u p a rt i c i p a ç ã o n o ep i s ó d i o . ( O P O V O , 2 8 / 0 6 / 2 0 0 5 ). O j u d i c i á r i o o rd e n o u o d e s p ej o d a o c u p a ç ã o , q u e d e a c o rd o com a nota do m o vi m e n t o , foi e x e c u t a d o p o r ma i s d e 9 0 0 p o l i c i a i s . 293 Entrevistado “A”. V á ri o s d o s d e s p ej a d o s p a s s a ra m a s e o rg a n i z a r n o MC P d o Mo rro d a Vi t ó r i a . E m 2 0 0 7 , n o b a i r ro C a ç a e P e s c a [ P r a i a d o Fu t u ro ] , o u t ra o c u p a ç ã o d e n o mi n a d a “ B e i r a R i o ” , o c o r re u c o m o ap o i o d o MC P e p a s s a n d o a c o n s t i t u i r u m n ú c l e o 294 d o mo vi me n t o . A experiênc ia adqu irid a co m os Núcleos o rga nizado s nas ocup ações “espo ntâ neas” qu e an teced era m as primeiras ocupações do Mo vimen to, a lé m do assassina to do pescado r ocorrido no Morro d a Vitória, fo ra m a lguns ingre dien te s que dera m concretud e à experiênc ia de o rg anizaç ão da ocupação Raíz es da P raia . Segundo nos co ntou u m dos entre vista dos, qu e é me mbro do Co mitê Executivo Regiona l P raia : D e n t ro d e s s e c o n t e xt o d a mo ra d i a , o q u e f o i q u e n ó s vi m o s ? Q u e n ó s e s b a rr á va mo s s e mp re n u m p ro b l e ma d e a c e s s o à t e r ra , p r i n c i p a l me n t e e m d e t e r mi n a d a s á re a s d a c i d a d e , a q u i n o c a s o d a p r a i a p ri n c i p a l me n t e . A t é o f e re c e ra m c o n j u n t o h a b i t a c i o n a l p ro mo vi me n t o l á n o C u ri ó , q u e é l á d ep o i s d e Me s s ej a n a , s ó q u e a t u r ma re u n i u e d e f i n i u q u e t i n h a q u e s e r n a p ra i a , q u e s ã o f a mí l i a s q u e s e mp re vi v e r a m a l i n o G r a n d e Mu c u r i p e , a l i n o Mo rro , n o S e rv i l u z , s e mp r e vi v e ra m n e s s a c o i s a p ra i a n a , é u m a c u l t u r a p r a i a n a me s mo e i n c l u s i v e d e t r ab a l h o , vo c ê s ab e q u e n a ocupação Raízes da Praia, tem vários pescadores, várias pessoas que t r ab a l h a m ve n d e n d o l a n c h e n a p r a i a , e n t ã o , n ó s d e f i n i mo s a o c u p a ç ã o c o mo u ma t á t i c a p r a e f e t i va r u ma d e t e r m i n a d a d e m a n d a q u e s e p ro d u z i u n a s i n s t â n c i a s 294 Costa Júnior, Pedro W. O. O estreito fio da navalha: participação e transformismo na relação do Movimento dos Conselhos Populares (MCP) com a gestão de Luizianne Lins em Fortaleza (2005 a 1009). Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará, pág. 121 (dissertação de mestrado). d o mo v i m e n t o . N o c a s o d a R a í z e s d a P r a i a , n ó s t i ve mo s a p re o c u p a ç ã o , o c u i d a d o d a d i s c u s s ã o , q u e f o i u ma d i s c u s s ã o l o n ga q u e , p r a a l é m d a t á t i c a p ra c o n s e gu i r a s mo ra d i a s , s e r t a mb é m u ma e s t r a t é gi a d e p a u t a r a q u e s t ã o d a cidade, pautar a questão do direito à 295 cidade Identific ada a d e mand a por mo rad ia por pa rte da sua Regiona l P raia e le vando em co nside ração o a madurecimen to d a c o mp reen são do MCP sobre a que stão do territó rio , do dire ito que ele s afirma m ter sobre a terra urbana, ele s seguira m p asso a passo o seu méto do: / . . . / n a p ra i a n ó s d e f i n i mo s u ma o c u p a ç ã o c o mo mé t o d o p ra c o n q u i s t a r o que foi decidido, o que é que foi d e c i d i d o ? Q u e t i n h a q u e t e r t e r ra e n a p ra i a , n ã o p o d i a s e r d e s l o c a d a p ra o u t r a área, então, nós tínhamos as pessoas q u e p r e c i s a va m d e mo ra d i a e q u e rí a mo s t e rr a n a re gi ã o d a p r a i a , e a í p r a t r a n s f o r ma r essa reivindicação em re a l i d a d e , nós f i z e mo s p ri m e i ro ma n i f e s t a ç ã o n a p re f e i t u r a . A p r e f e i t u r a t o p o u ma i s n u n c a f e z , a i v e i o a o c u p a ç ã o , c u l mi n o u c o m i s s o . Eu t ô f a l a n d o i s s o c o mo e xe mp l o d o p o d e r p o p u l a r, q u e r d i z e r, a g e n t e d e f i n i u n a instância a u t ô n o ma do mo vi m e n t o p o p u l a r e f o i a t é o l i mi t e d a o c u p a ç ã o 296. n é , p r a f a z e r va l e r o q u e f o i d e c i d i d o A ocupação Raízes da P raia acon teceu no d ia 3 de julh o de 2009 . Ao tod o, fora m 75 fa mílias q ue ocupara m um te rreno re la tiva mente pequeno , de 4 hectare s, abandonado a ce rca de 20 ano s. O te rreno está loca lizado nu ma da s áreas d e maio r e specu lação imobiliá ria da cidade , que é ta mbé m u m d os princ ipa is, senão o 295 296 Entrevistado “A”. Entrevistado “A”. princ ipa l, destin o tu rístico de Forta leza – a P raia do Fu turo , loca lizada no lito ra l leste da cida de. A iniciativa partiu da “Region al P raia” do Mo vimen to d o s Conse lho s P opulares e te ve os Conselho s P opula res do S erviluz e d o Morro da Vitó ria co mo princ ipa is mob ilizadores. Segundo rela to s dos entre vista dos, a o rga niz ação d a ocupação iniciou -se co m mais de u m ano de an tecedê ncia e mo bilizou todo s os Conselho s P opula res da Reg iona l P raia, que eng loba o s Conselh os P opula res do Serviluz, Lagoa do Cora ção, Morro da Vitó ria , C aça e P esca. Realizada a ocupaç ão, o Mo vime nto garan tiu a perman ência das fa mílias no terreno nu m processo muito desgastan te, já que os proprie tários não esta va m d ispo sto s a vende r o te rreno a le gando qu e, co m a pro ximidade da Copa do Mundo de 2 014, o me smo iria va loriz ar muito mais. A pressão pa ra que as fa mília s sa ísse m do lo cal ocorre u instan tane a me nte. Que m primeiro ch egou foi u m grupo de seguranç as a rmad os con tra tados p elo s proprie tários, u ma fa mília de e mp resários mu ito rica e influen te, que a tua n o ra mo de con fecçõ e s, hote la ria, dentre outros e mpre e ndimen to s. O maio r receio dos ocupantes e ra que oc o rre sse no va me nte o qu e se deu na ocasião da o cupação no Morro da Vitó ria, e m que u m pescado r a cupan te d o terreno foi mo rto a tiro s de re vólver no loca l. P ara ag ra va r ainda ma is a situação da ocup ação, nu m p rime iro mo mento , a pre feitu ra n ão qu is interferir no caso. A primeira visita téc nic a oco rre u so men te no d ia 17 de junho, ou se ja, 1 4 dias após a o cupação do te rreno . Alé m d isso, a justiça chegou a e mitir u m manda to de rein teg ração de po sse, que fo i ba rrado na mesma in stânc ia. Os meses d e p repa ra ção que an tecede ra m a ocu pação esta va m fin almen te sendo colocados e m prática . E a violênc ia co m q ue os proprie tários reag ira m à ocupação ta mbé m já ha via sido pre visto pelo Mo vimen to. Ou seja, todos esta va m conscie n tes do que p oderia o correr: En t ã o vo c ê t e m o c o n f l i t o c o m o p ro p ri e t á r i o , e nessa área aqui p ri n c i p a l m e n t e , s e mp r e é u m c o n f l i t o mu i t o vi o l e n t o , n a P ra i a d o Fu t u ro , o G ru p o D i a s B ra n c o t e m mi l í c i a q u e c i rc u l a p o r a í , vo c ê vê o s c a ra s e m c i m a d o B u g g y a r ma d o d e e s c o p e t a . . . En t ã o é n e s s e n í ve l . Vo c ê t e m o c o n f l i t o c o m o p ro p ri e t á r i o , q u e , n e s s e c a s o , e r a a f a mí l i a O t o c h , vo c ê t e m c o n f l i t o c o m a p re f e i t u ra q u e f i c a n a q u e l a n ã o t e n h o 297 nada haver com isso, num sei o que. Nesse mo men to, o MC P contou co m u m considerá ve l apoio ex terno . Militan tes de outros mo vime ntos soc ia is, entidades e stud antis, sind ica tos, ad vo gados volu ntários, parla men ta res, jo rnalistas, pro fessore s u niversitá rios, co municadores popu lares e um g rupo anarquista constituíra m u ma “ red e de so lid ariedade ” qu e con tribu iu para a fasta r o risco do isola men to que está se mpre presen te e m situaçõe s co mo essa. O clima continua va tenso e no vas in ve stid as para desoc upar o local e sta va m sendo p lane jada s e e xecutad as d ia ria men te . Dentre os registros da época, en contra mo s u ma ma té ria do jorna l O Estado : A l vo r a d a d e t e rro r: é o q u e d e n u n c i a m os ocupantes da invasão “Raízes da P r a i a ” . El e s c o n t a m q u e u n s 2 0 h o me n s a r m a d o s i n va d i r a m o n t e m, p o r vo l t a d a s 2 h d a ma d ru ga d a , a o c u p a ç ã o R a í z e s d a P r a i a d i s p a r a n d o t i ro s e a gr e d i n d o p e s s o a s . “ Q u e re m n o s c a l a r, ma s n ã o vã o c o n s e gu i r. / . . . / A s a c u s a ç õ e s s ã o g ra ve s , a f i r mo u Igo r Mo re i r a . S e gu n d o e l e , a s f a mí l i a s d u ra n t e o o c o rr i d o d e o n t e m, l i ga r a m p a r a a C o o rd e n a d o ri a In t e g r a d a d e O p e ra ç õ e s d e S e gu ra n ç a (C i o p s ) re l a t a n d o a s a g r e s s õ e s . P o r vo l t a d a s 2 h 3 0 mi n d a ma d ru ga d a , a s vi a t u ra s d o 5 º B a t a l h ã o d a P o l í c i a Mi l i t a r (B P M ) c h e g a r a m. “ A m a i o ri a d o s a gr e s s o re s , c o mo b o n s b a n d i d o s q u e s ã o , f u g i r a m p a ra o f u n d o d o t e r re n o e 297 Entrevistado “A”. p u l a r a m o mu ro d a a ve n i d a D i o gu i n h o , a r ro d e a r a m o q u a r t e i r ã o e vo l t a ra m p a r a f re n t e d o t e rr e n o , s e m e n t r a r. Q u a t ro mi l i c i a n o s f i c a ra m e c o n ve rs a r a m c o m o s p o l i c i a i s , u m d o s e n c a p u z a d o s e n t ro u n u ma vi a t u r a e s a i u ” , re l a t o u o a d vo g a d o . O maj o r Ma rd e m O l i ve i r a , comandante da 1a Companhia do 5o B a t a l h ã o d a P o l í c i a Mi l i t a r, c o n f i r mo u a p re s e n ç a d a s v i a t u r a s d o B P M n o l o c a l . “N ó s re a l me n t e e s t i v e mo s l á , ma s q u a n d o c h e ga mo s o c o n f l i t o j á t i n h a a c ab a d o ” , d i s s e . C o n f o r m e d e n ú n c i a d o s mi l i t a n t e s d a o c u p a ç ã o , e n t re o s s e gu r a n ç a s estava um policial, c o n h e c i d o c o mo C a rl ã o . S e gu n d o o a d vo g a d o , o g ru p o a r m a d o n ã o c a n s a v a d e a me a ç a r a s f a mí l i a s . “ A n t e s d e s a í re m a m e a ç a ra m vo l t a r t o d o s o s d i a s a t é c o n s e gu i re m b o t a r o s o c u p a n t e s p a r a f o r a n a ma r ra , “ n e m q u e t i ve s s e m q u e ma t a r t o d o mu n d o ” e r ep e t i a m d i z e n d o q u e “ n ã o s ab i a m c o m q u e m e l e s tinham se me t i d o ” , re l a t o u Igo r Mo r e i ra . / . . . / D i z e n d o q u e o s p o l i c i a i s do 9º DP não fazem nada sem a sua a u t o r i z a ç ã o , o d e l e g a d o Fá b i o Fa c ó s e d e f e n d e u a f i rm a n d o q u e t u d o e ra c a l ú n i a d o gru p o . “ Eu n ã o a u t o ri z e i n i n gu é m p a r a i r f a z e r s e r vi ç o d e s e gu r a n ç a p ri v a d a . Is s o é i n a d m i s s í v e l ” , e s b r a vej o u o d e l e g a d o . S e gu n d o e l e , h á vi n t e d i a s d o i s p o l i c i a i s e s t i ve ra m p re s e n t e s n o t e r re n o , m a s e l e n ã o s o u b e d a p r e s e n ç a d e n i n gu é m n a ma d ru ga d a d e o n t e m. A p a re n t e me n t e c h a t e a d o c o m a s d e n ú n c i a s , e l e a f i r mo u q u e , s e e s s a s “mentiras c o n t i n u a re m a ser d i vu l g a d a s ” , h o j e m e s mo i rá f a z e r u m a vi s i t a à o c u p a ç ã o p a ra t e n t a r re s o l v e r o p ro b l e m a . “ N e n h u m C a rl ã o p e r t e n c e a o 9 o D P. Te m u m t a l d e C a r l ã o n a P M, ma s n ã o é d a q u i ” , d i s s e o d e l e ga d o p ro m e t e n d o ap u ra r a s a c u s a ç õ e s , c a s o 298 a l gu ma d e l a s s e c o n f i r m e m . A partic ipaç ão de policia is o u ex -polic ia is e m açõe s co mo a que vimo s é co mu m na ga ran tia da prop ried ade priva da imob iliá ria . A preca riz ação do trabalho policial é um dos fa to res desse fenô meno que induz esses trab alha dore s a ace ita re m serviço s de sta na ture za co mo forma de aufe rir u ma rend a ex tra , co mo u m “b ico ”. Impo rtan te faze r nota que, à época , o Mo vimento e ou tras organ izaç ões rea lizara m u ma a mp la ca mp anha contra o que cha ma m de “ milíc ias” (Figu ra 17), c o m pan fle tagen s na P raça do Fe rreira e de núncia na impren sa lo cal sob re a s a meaça s q ue vinha m oc orrendo , alé m de man ifesta ções e m fren te à e mp reend ime ntos do Grupo Otoch (Figu ra 18), donos do te rreno onde hoje se en contra a ocu pação Ra ízes da P raia. Fi g u r a 1 6 : Fa i x a n a e n t r a d a d o R a í z e s d a P r a i a e m re p ú d i o à a tu a ç ã o d a s m i l í c i a s . ( Fo to : A n d r é L i m a ) 298 Jornal O Estado. Matéria: 'Raízes da Praia denunciam PM por interar milícias'. Fortaleza, 29 de julho de 2009. Matéria da reporter Ivna Girão. Fonte: http://www.oestadoce.com.br/index.php?acao=noticias&subacao=ler_noticia&cadernoID= 22¬iciaID=15085 Fi g u r a 1 7 : C a m p a n h a c o n tr a a s mi l í c i a s e m Fo r ta l e z a (Fo n t e : w w w. r a i z e s d a p r a i a . b l o g s p o t. c o m) Fi g u r a 1 8 : M a n i f e s ta ç ã o e m f re n t e a u m a l o ja d o G r u p o O to c h , n o C e n tro d e Fo r ta l e z a . (Fo n t e : w w w. r a i z e s d a p r a i a . b l o g s p o t. c o m) Apesar d a p ressão, o Movimen to conseguiu ma nte r-se no loca l, re sistindo à p ressão vind a de várias direções. As manifestaçõ es de ap oio ajuda va m a resistênc ia do Movimento (Figura 16). P or exe mp lo, o MCP cha mou seus apoiado res ex te rnos p ara particip are m d e u m sarau pa ra co me mo rar u ma se ma na de ocup ação. Esse apo io era funda me nta l pa ra mostrar p ara a soc ie dade que o Movimento nã o esta va sozinh o. Após o atribulado prime iro mo men to pós-ocupaç ã o, co m a pa ssag e m d a a meaça de expulsão e a en trada da P refeitu ra na in termedia ção da negocia ção entre os prop rietá rios e o s ocupantes, a ocupação mante ve -se. Contudo, ou tro s de safios fora m surg indo para o MCP, c omo re la ta o Entre vista do “A”: / . . . / É u m a e xp e r i ê n c i a mu i t o ri c a . É mu i t o difícil o rga n i z a r ocupação u rb a n a , é mu i t o c o mp l i c a d o e e xi g e u m n í v e l d e c ap a c i d a d e o rg a n i z a t i va mu i t o g ra n d e , n ó s s o mo s u ma o c u p a ç ã o pequena até. Relativamente. São 60 f a mí l i a s , / . . . / d e 3 0 0 a 4 0 0 p e s s o a s . O t e rr e n o t a mb é m n ã o é t ã o g ra n d e , é u m t e rr e n o d e 2 h e c t a re s , n ã o s e i , m a s mu i t o b e m l o c a l i z a d o , d e f re n t e p ra p ra i a , d e n t ro d o d eb a t e q u e a ge n t e f a z i a . Ma s e x i ge u m e s f o rç o mu i t o g ra n d e , p o rq u e , i n c l u s i v e , t e m q u e s e r u ma c o i s a p a re c i d a c o m o s p ri n c í p i o s q u e a g e n t e d e f e n d e . En t ã o , p o r e x e mp l o , p o d e r p o p u l a r. Vo c ê t e m q u e t e r a s a s s e mb l é i a s c o m o i n s t â n c i a d e decisão das coisas, as pessoas não têm essa c u l t u ra . No começo era c o mp l i c a d í s s i mo , p re c i s a v a d e mu i t a i n t e r ve n ç ã o mi l i t a n t e p r a p o d e r ga r a n t i r a s s e mb l é i a s c o m q u a l i d a d e . A c o mi s s ã o o rg a n i z a d o r a , o s c o n f l i t o s i n t e rn o s , e n t ã o é u ma s é ri e d e c o i s a s , o t r ab a l h o c o l e t i vo p ra p ro d u ç ã o d o s b a r ra c o s , p ra l i mp e z a d o t e r re n o , t u d o i s s o é e x t r e ma m e n t e c o mp l i c a d o , difícil, d e s g a s t a d e m a i s a n o s s a mi l i t â n c i a , t e m ge n t e q u e ab ri u o b i c o , n ã o a gu e n t o u , t e ve q u e p e d i r u m t e m p o p o rq u e n ã o a gu e n t a v a ma i s . Com a conqu ista d o d ireito da s fa mília s d e se mante r no loca l, o mo vimen to ganha no vo fô lego. Ma s a prime ira experiênc ia de o rg aniz ação de u ma ocupaç ão própria do MCP ainda era só parcialmen te vito rio sa. Cad a passo a se r dado a p artir da í, conforma ria o ca minho de um exe rc ício de con strução len ta e p acien te, nu m verdad eiro labora tó rio de auto -o rgan izaç ão popula r. U ma experiênc ia contraditó ria (co mo va mos exp lic itar ad iante ), mas extre ma mente in te ressante , po is se trata va d e alg o totalmen te no vo para o con junto do MC P. Uma da s primeiras me dida s fo i a esco lha do n o me da ocupação, u m no me qu e sin te tiz asse a e ssê ncia do mo vimen to de ocupação. De aco rdo c om a Entre vistada “G”, moradora da ocupação e militan te d o MCP : A g e n t e s e n t o u c o m t o d a a c o mi s s ã o e c o l o c a mo s t r ê s t e ma s , ma s o q u e e ra ma i s s i mb ó l i c o e r a o R a í z e s d a P r a i a . P o rq u e c a d a p e s s o a q u e mo ra a q u i , s ã o p e s s o a s q u e n a s c e r a m n e s s a á re a . Q u e r d i z e r, a m i n h a mã e e o me u p a i , n a s c e r a m n ã o a q u i n a P r a i a d o Fu t u ro , ma s p ró xi mo a B e i r a M a r, q u e é p r a i a . O p a i d o me u p a i j á e r a p e s c a d o r d a p ra i a , e n t ã o a q u e l a ra i z e l a j á v e m d e l o n g e , j á ve m e n ra i z a d a . P o rq u e o q u e a ge n t e d eb a t i a , q u a n d o a s p e s s o a s d i z i a m : - a h ! ma s vo c ê s n ã o p o d e m q u e re r o c u p a r o u t ro c a n t o n ã o ? N ã o . P o rq u e n ó s s o mo s e n ra i z a d o s , a s n o s s a s p e s s o a s q u e j á f a l e c e ra m, p a i , a vó s e b i s a vó s , s ã o p e s s o a s q u e n a s c e r a m a q u i , e r a m p e s c a d o re s , mu l h e r re n d e i ra , mu l h e r q u e t i r a va o m a ri s c o d a p ra i a , d o ma n gu e , e n t ã o a ge n t e a c e rt o u , a q u i 299 o n o me s e rá e s s e : R a í z e s d a P ra i a . 299 Entrevistada “G”. Entre tan to, manter coesa u ma qu antidade rela tiva mente gran de d e fa mília s, co m todos os proble mas típ ico s do me io u rbano, co mo a c rimin alidade , as drog as, a violênc ia, alé m dos pró prio s p rob le ma s de re la ção en tre as pessoa s, n ão é tare fa das mais fáce is. O MCP te ve que cria r reg ras de co n vivên cia e método s co letivo s para supera r os pro ble mas que fora m su rgindo, sob pena de perder mais d e u m an o de traba lho e dedica ção co le tiva. Tamb é m por inte rmé dio das en tre vistas, pro c ura mo s sabe r quais era m a s p rin cip ais reg ras da o cupação e obtive mo s o depoimento que segue m aba ixo : A s p e s s o a s t ê m l i vr e a r b í t r i o d e e s t a r aqui, é lógico que cada um tem a sua ma n e i ra d e v i v e r, a ge n t e n ã o e s t á p a ra c o n t ro l a r a c o n v i vê n c i a d e c a d a p e s s o a n o s s e u s b a r ra c o s , m a s e xi s t e re g ra s s i m . Vo c ê v ê q u e t e m u ma s q u i t a n d a s a q u i e a l i , o q u e a ge n t e n ã o a c e i t a n o mo me n t o , e n q u a n t o t i v e r o c u p a ç ã o , s ã o b eb i d a s a l c o ó l i c a s . A q u i m e s mo n ã o t e m c o n d i ç õ e s d e t e r t ra f i c a n t e , e s i m o l a ra n j i n h a o u o a vi ã o z i n h o . S e a ge n t e d e s c o b ri r a g e n t e j á t e n t a c h a m a r a p e s s o a , j á c o n v e rs a . S e vo c ê e s t á f a z e n d o i s s o , l á f o ra , a ge n t e v a i s e r vi s t o p e l a TV: “ o l h a , n ã o d i s s e , a q u e l e p o vo q u e e s t á l á s ã o o s b a d e rn e i ro s , l a d rõ e s ” . En t ã o a g e n t e t e n t a c o l o c a r e s s e t i p o d e c o i s a s o b re a p e s s o a q u e e s t á t e n t a n d o a va c a l h a r, e vo c ê é u m d o s mo ra d o re s , e n t ã o n o s aj u d e . Te m a q u e l a c o n v e rs a e n t re c o mi s s ã o e c o o rd e n a ç ã o e mo ra d o r. Es s a s s ã o a s 300 re g ra s q u e a ge n t e c o l o c a . Do depoimen to ac ima, destaca mo s a que stão da partic ipaçã o. Co mo n ingué m é ob rig ado a partic ipa r de uma ação co le tiva co mo a que é pra ticada pe los militante s do Mo vimen to do s Con selho s P opula res, pressupõe -se que 300 Entrevistada “G”. as pessoas e stã o ali, co mo afirma o depo imen to, por “ livre arbítrio” . Obvia mente , há a questão da necessidad e. Inclu sive, p ôde -se percebe r a tra vés de con versas info rma is, que algu ns militan tes u tiliza m o termo “ideo lóg icos” pa ra distingu ir aque las pe ssoa s que estã o no MCP por u ma opção d e tran sfo rmaç ão soc ial (con sc iênc ia de c lasse), ba seando -se na crític a a o siste ma cap italista, agindo co m in tenc iona lid ade re vo luc ionária d e in spiração socia lista, daq uelas ou tra s que, ao menos in icia lmen te, se aprox ima ra m do Mo vimen to po r causa d a necessidade mate rial, mas que pode rão desp ertar p ara e ssa consciênc ia política po r inte rmédio da vivência e da p ercepçã o de co mo fu ncio na a socie dade cap italista e do p orquê da sua condiçã o de se m teto , dese mp regado , ana lfa beto, po bre, etc. A vivênc ia d a lu ta conc re ta faz co m que os “não ideo lógicos” apre nda m por me io da percepção de ssa contradição. A partir desse mo mento, va mos in dica r alguns ele mento s do no sso obje to d e e stud o, o espa ço de tran sição. Isso não qu er dize r que an tes, no decorre r do capítulo, não e xistisse m outros ele men tos d a transição, mu ito pe lo contrá rio. A explic itação de sse s ele mentos serão expostas a partir daqui e o balanço ge ra l ocorrerá a o fina l, nas c onclusõe s d este traba lho. No caso da p ro ibiç ão do co mé rcio e consumo de álcoo l n a ocup ação, en tende mos que e xiste o ele mento de dife renc iaçã o na fo rma de relação e stabe lec ida en tre o s mo rado res. Nesse caso, há u ma ind icação para exp licar isso que ch a ma mos de espa ço d e transição, que se pod e aponta r co mo u m e le mento, me smo que singe lo. Apesar de ser o álc ool u ma d roga lícita no Brasil, e la é proibida na ocupação. A consciê n cia d e que o con su mo de á lcoo l poderá a fe tar a image m externa da ocup ação e, co m isso, atra palh ar os ob je tivos de fin ido s pe lo co letivo fo i o mo tivo dessa dec isão . A decisão pe la pro ib iç ão é algo que ajuda a con stru ir o sen tido c ole tivo da expe riência, qu e, a nosso ve r, rep resenta u m dos e le men tos da tra nsitoriedad e. Muito pro va ve lmen te ne m todos d e ve m co ncorda r co m essa reg ra, mas cha ma mo s a a tenção para que o fa to dessa regra ex istir a p artir d e u ma , repe timos, dec isão co le tiva, aponta u ma a utono mia daque le esp aço, u ma dife renc iaçã o co m ou tro s e spaço s, u ma c onstruç ão independen te. Resu min do. A pro ib içã o e m si do con su mo e co mérc io de álcoo l na oc upação n ão te m n ada de re vo luc io nário , ma s a decisão ou a de libera ç ão cole tiva simbo lizad a neste ato , sim. P assa mo s ago ra a mais dua s passagen s: A ge n t e f a z a s s e mb l é i a s a c a d a p r i me i ro s áb a d o d o m ê s p a r a d eb a t e r o q u e t e m a c o n t e c i d o a o l o n go d o mê s . S e h o u v e r a l gu ma d i v e rgê n c i a , a l gu ma c o i s a e n t r e o s mo ra d o re s , a l gu m a c o i s a a s s i m . . . ma i s g r a v e , a ge n t e f a z u ma a s s e mb l é i a e x t r a o rd i n á ri a p a ra r e s o l v e r l o go a s i t u a ç ã o . 301 / . . . / e n f i m, s ã o p ro b l e m a s q u e s u rg e m, ma s q u e s ã o r e s o l vi d a s d e n t ro d a s i n s t â n c i a s d a c o mu n i d a d e , s e m p r e c i s a r c h a ma r p o l í c i a , s e m p r e c i s a r c h a ma r p re f e i t u ra , mi n i s t é ri o p ú b l i c o , s ã o re s o l v i d a s d e n t ro d a s i n s t â n c i a s d a c o mu n i d a d e , e n t ã o a r e l a ç ã o é b o a p o rq u e e xi s t e u ma relação de l e gi t i mi d a d e . N e m s e mp re . C l a ro q u e n e m t o d o mo ra d o r c o n c o rd a c o m t u d o q u e é f e i t o , d a f o rm a q u e é f e i t o , ma s e x i s t e u m a g ra n d e l e gi t i mi d a d e e m t o rn o d a s ma c ro d e c i s õ e s , q u e é a c e s s i b i l i d a d e à t e rr a , a l u t a p e l a s 302 p o l í t i c a s h ab i t a c i o n a i s . Esses dois depo imen to s se co mpleta m. Ente nde mos que há ele men tos ind ic adores d o espa ço de tra nsiçã o mu ito intere ssan tes ne ssa s d uas passagens. A forma co mo o Movimento lida co m o s proble mas que su rge m no in te rio r da ocupa ção, esp ecifica men te a forma enc ontra da p ara soluc iona r os prob le mas dessa co munidade e m fo rmação, indica -no s qu e e sse não pode se r en tend ido co mo u m 301 302 Entrevistada “C”. Entrevistado “A”. espaço co mo ou tro qualque r. Há u ma d ife rença de qualidade. O fa to do R aíze s da P raia não p rec isa r recorre r às in stituições d a soc iedade, seja a políc ia, a justiça ou poder pú blico para a resolu ção de pro ble mas in tern os, faz co m q ue ente nda mo s q ue e stão sendo gestado s a li e spaço s de tran siç ão. Le mbre mo -nos da cond ição co mum que une a maio ria desses se res hu manos. Co mo ind ic a o prime iro depoimento , a s saída s para os prob le mas se dão nas instânc ias do próp rio Movimento que, no caso da ocupaçã o Raízes da P raia, são as reun iões aberta s se man ais da coordena ção, a s asse mblé ia s ord iná rias mensa is 303 e asse mblé ia s ex trao rd in ária s se mp re que fo r ne cessá rio. Segundo a exp eriênc ia do MCP, passa mos a gora a mais u m trecho d e depo imen to : Q u a i s s ã o a s re g r a s ? N ã o p o d e ve n d e r, q u e é d i f i c í l i mo e m o c u p a ç ã o e m Fo rt a l e z a , e u d e s a f i o a n t e s d a R a í z e s d a P r a i a vo c ê d i z e r u m a o c u p a ç ã o e m Fo rt a l e z a q u e n ã o t i v e s s e u m a v e n d a d e t e rr a n o s ú l t i mo s 5 a 1 0 a n o s . / . . . / i s s o a í é mu i t o d i f í c i l , p o rq u e s e vo c ê f o r d e i xa r, a s p e s s o a s q u e re m o q u e ? C a d a u m p e g a o s e u p e d a ç o , c o n s t ró i o s e u e a c ab o u -s e , ma s a ge n t e d i z i a q u e t e m q u e c o n s t ru i r u m e s p a ç o q u e s ej a u ma f o r m a d i f e r e n c i a d a , e s s a é a d i f e r e n ç a d a o rga n i z a ç ã o , e n t ã o a s s i m, a s re g ra s q u e s ã o vá ri a s , e s s a s s ã o a s p ri n c i p a i s , e n t ã o s ã o vá ri a s re g ra s q u e vã o s e n d o d i s c u t i d a s n a c o mu n i d a d e , n o 305 mo vi me n t o e v ã o s e n d o c o l o c a d a s Entende mos que e ssa carac terística da ocupa ção, de acordo co m o depo imento ante rior e ta mb é m seg undo o conteúdo do Anexo 1, é a q ue ma is c oncre ta men te pode mos a pontar pa ra fala r do e spaço d e tran sição. A forma d e a prop ria ção do espa ço, de u ma apropriação 303 304 305 Ver anexo 1 “Termo de Compromisso e Responsabilidade da Comunidade Raízes da Praia. Entrevistado “A”. Entrevistado “A”. priva da ind ivid ual que, co mo vimos aqu i e no capítulo 2, é a prática mais corriq u eira , a outra fo rma de apropriação , que co mp reende mos que se ja u ma o rde m soc ial qualita tiva mente supe rio r, u ma aprop riaçã o soc ial da rique za ou, e m outras pala vras, soc ia lizada, constitui u m ponto fulcra l de nossa argu men taçã o para explicita r o nosso ob je to de estudo. Contudo, p ara de mon stra r o contrapon to, o u se ja, para ex plic ita r qu e pode mo s a firma r que e ssa carac terística p resen te na ocupação Raíz e s da P raia constitui u m e le me nto do espaço de transição, dispon ib iliza mos ma is um trecho de depo ime nto que trata exata men te do oposto ao que esta mo s nos refe rin do, a forma trad ic iona l, ou a velh a fo rma d e apropriaç ão individu al: /.../ a cidade se esfacelou um pouco [na década de 1990] e as ocupações p a s s a ra m a s e r c h a ma d a e s p o n t â n e a s , q u e a g e n t e s ab e q u e n ã o e xi s t e o c u p a ç ã o e s p o n t â n e a , ma s e n f i m . . . O c u p a ç õ e s d e s o rg a n i z a d a s , q u e t e m d e s s a c o i s a , é mu i t o f o rt e a q u e s t ã o d a ve n d a , q u e t a mb é m. . . a s s i m. . . é u m o u t ro d eb a t e , p o rq u e t e m ge n t e b o a , q u e d i z a s s i m: i s s o a í é b e s t e i ra , f a z p a r t e do p ro c e s s o d e n t ro do s i s t e ma c ap i t a l i s t a , o i mp o rt a n t e é q u e a s pessoas tenham acesso, eu conheço uma q u e ve m d e s d e a ép o c a d o D o m A l o í s i o Lo s c h e i d e r q u e f a l a p ra mi m “ m e u f i l h o , e s s e n e gó c i o d e o c u p a ç ã o é a i mo b i l i á r i a d o s p o b r e s , t e m q u e t e r me s mo ” [ v e n d a ] . En t ã o n ó s p a rt i mo s d o s e gu i n t e , a o c u p a ç ã o n ã o p o d e s e r i mo b i l i á r i a d o s p o b re s , n ó s t e mo s q u e s e gu r a r essa coisa, então nós s e gu r a mo s . N ã o t e m ve n d a , t e m d i v i s ã o i gu a l i t á ri a d o e s p a ç o , q u e t a mb é m é d i f í c i l vo c ê e n c o n t r a r n a s o c u p a ç õ e s . 306. Uma mudan ça de qua lida de n as rela ções estab ele cid as en tre co letivos de se res h u man os pre ssupõ e um proc esso le nto e gradua l ge stado desde dentro do próprio siste ma capita lista. Que isso fique mu ito cla ro, se o capitalismo produ z a condição de pob reza e miséria de vá rias de ssa s pessoa s e do ou tro lado a riqueza concentrada pa ra a lgun s nu m processo qu e é o mesmo, ele ta mbé m cria as cond ições de sua próp ria superação e o estudo do espa ço de tran sição pressu põe a busca po r ele mento s p resen te s ho je que apon ta m para e ssa mudança qualita tiva. Tal tran sformação pa ssa, ne ce ssaria mente, pelo reconhec imento de u ma cond ição co mu m e pe la to mad a de consc iênc ia ou, melho r dizendo, de u ma auto consc iênc ia co letiva , que, imp re terive lmente , constitui-se ta mbé m nu ma con sc iên cia ind ivid ual. Recorde mo s, ma is u ma vez , que a consciên cia de si é uma característica particu lar do s se res hu man os, confo rme vimo s no prime iro cap ítulo d essa disse rta ção, co m a ajuda de Ortega y Gasse t e Karl Ma rx, pen sad ores que , a despe ito de sere m co ntrad itórios e m d iversas questõe s essenc ia is, con verg e m neste ente ndimen to. P ortan to, a ide ia de co mun idad e, q ue passa po r e sses do is mo vimen tos que acaba mos de rele mb ra r, é fu nda me nta l na construção da identidad e d a ocu pação Ra íze s da P raia co mo u ma co munidade : “A gen te ten ta, e a í é o p rocesso ma is difícil de todos, que é u m processo len to, de construção de u ma co munidade, co m espírito co mun idad e, c om respeito mú tuo , co m respe ito a instânc ia s de pode r popula r da co munidade, en tão isso é o traba lho ma is difícil que ve m sendo feito” 307. Outra qu estão que ch a mou a tençã o no p roc esso d a ocupação Raíz es da P raia é co mo eles p ercebe m sua própria lu ta, sua co ndição co mu m, ou seja , co mo, consc ientes do s sac rifícios que tivera m que passa r para 306 307 Entrevistado “A”. Entrevistado “A”. chegar a té a li, e le s va loriza m essa expe riência nu ma espéc ie de “a uto -estima cole tiva”. U m do s ex e mplo s ma is concre tos é a re solu ção da o cupação co m re laç ão ao P rogra ma do Gove rno Fede ra l “Minha Casa Minha Vid a” (Ver anexo 2 ), e m que o Mo vimen to nega a proposta d a P refeitura de Fo rtale z a de insc rição dos in tegrantes da ocupação n o P rogra ma. Segu e o d epo imen to d a entre vista da: A n o s s a e n t ra d a a q u i f o i u m t u mu l t o mu i t o g r a n d e . A ge n t e p a s s o u p o r mo me n t o s d e s a g r a d á ve i s , e u a c h o q u e vo c ê c h e go u a t e r c o n h e c i m e n t o , a l gu n s f o ra m e s p a n c a d o s , e u f u i mi r a d a p a r a f i c a r e m p é e o c a ra c o m u m r e vó l ve r n a mi n h a c a r a , q u e r d i z e r, n ó s f o mo s ma l t ra t a d o s f i s i c a m e n t e e v e rb a l me n t e . “ Vo c ê s são é ladrão, só tem ma c o n h e i ro ” , a q u e l a s c o i s a s , e d ep o i s , o c o n f ro n t o q u e a ge n t e t e v e , c o l o c a ra m u ma p a rt e a q u i e u ma p a rt e d e s e gu r a n ç a s d o s e mp re s á ri o s d o o u t ro l a d o , e a ge n t e m e d i u , c a d a c o i s i n h a d e s s a s a ge n t e c o l o c o u n a b a l a n ç a . A ge n t e p a s s o u o c o n f ro n t o , ap a n h a mo s , a c o rd a va de m a d ru g a d a com os c ap a n g a s e n t r a n d o d e l á p a r a c á , f a z e n d o a m e a ç a d e ma t a r, d e t o c a r f o go . N ó s p a s s a mo s a q u i mo m e n t o s e n o i t e s d e t e rro r. D e p a s s a r a n o i t e a c o rd a d o e o d i a e vi g i a n d o e a q u e l a c o i s a a q u i d e n t ro , e a g e n t e vi u q u e p o r t rá s d e s s e c o n f ro n t o , f o i a t é n o t e mp o q u e a H ab i t a f o r c h e go u , a P re f e i t u ra , d e s ap ro p r i o u u ma p a r t e , q u e n ã o é a á r e a t o d a , a i n d a d e s ap ro p r i a d a . Vo c ê s ab e q u e n ó s a i n d a e s t a mo s n a f a s e d e p e ri go c o m o re s t a n t e d o s n o s s o s c o mp a n h e i ro s . A q u e l e l a d o n ã o f o i a i n d a , a q u e l e o u t ro a l i t a mb é m n ã o f o i , t e m a q u e l e o u t ro l a d o a l i q u e t a mb é m n ã o é d e s ap ro p ri a d o . Q u e r d i z e r, o ú n i c o d e s ap ro p ri a d o é s ó e s s e p e d a ç o , n ó s c o n t i n u a mo s a i n d a n u m mo me n t o t e n s o , p o rq u e n ã o t e m o s a l i b e rd a d e t o d a . To m a mo s p o s s e d e t u d o , p o rq u e a ge n t e t e m q u e e n f re n t a r d e s s a m a n e i ra , q u e é p a r a i n t i m i d a r o s ó rg ã o s e d i z e r q u e n ó s e s t a mo s o c u p a n d o a á re a t o d a . N ó s m e d i mo s e s s a s i t u a ç ã o c rí t i c a q u e n ó s p a s s a mo s e a ge n t e v i u q u e p a r a n ó s n ã o s e ri a l o u vá v e l , p o r q u e s e ri a u ma f o rm a d e p a ga m e n t o e n t r e ó rgã o e n ó s . P o rq u e q u e a ge n t e , d ep o i s d e t u d o q u e a ge n t e p a s s o u a q u i d e n t ro , d e c o n f ro n t o , p e i a , d e t u d o , a g e n t e t e m q u e e n t r a r a i n d a n u m p ro c e s s o d e s s e s d e mi n h a c a s a mi n h a vi d a . A ma i o r p a rt e d o s mo ra d o r e s d a q u i s ã o p e s s o a s d e z e ra re n d a . Eu n ã o vo u d i z e r n e m b a i xa , p o rq u e s ã o p e s s o a s q u e n ã o t e m re n d a f i xa , s ã o p e s s o a s q u e vã o p a r a a p ra i a a l i c o m c a ma r ã o , à s ve z e s v e n d e , à s ve z e s n ã o ve n d e . S ã o p e s s o a s q u e s ã o re c i c l a d o re s . A ge n t e n ã o p e n s o u t a n t o n a q u e l e q u e j á t e m u m e mp r e go a s s a l a ri a d o , p e n s a mo s n o o u t ro . E a í , q u a n d o n ã o p u d e s s e p a g a r e s s a p a rc e l a , e l e i ri a vo l t a r d e n o vo p a r a a ru a ? P a ra a s c a l ç a d a s o u p a r a d eb a i xo d a p o n t e , p o rq u e é c l a ro q u e a C a i xa n ã o v a i f a z e r u ma c a s a e d a r d e mã o b e i j a d a . O Movimen to re ivin dic a a construção da s casas co m recursos p úblico s se m preju ízo aos oc upan tes. Os motivo s da ocupaç ão Ra ízes d a P raia te r recusa do a entrada no P rogra ma Minh a Casa Minha Vida são d iversos e varia m desde o desin teresse por parte da s e mp reiteiras pe la construção de hab itaçõ es po pula res, cuja ma rge m d e luc ro é pequena 308, até o que e les conside ra m a p rinc ipal a meaça 308 Selecionamos algumas passagens da excelente análise: “Como o Governo Lula pretende resolver o problema da habitação. Alguns comentários sobre o Programa 'Minha Casa Minha'”; elaborado por Pedro Fiori Arantes e Mariana Fix: “Existem algumas diferenças entre as prioridades do governo e do mercado imobiliário que precisam ser avaliadas, mesmo que a dependência recíproca proporcione a convergência de interesses e de ganhos, iden tificada na po ssibilidad e de desconfiguração sentimento de co mun id ade construído até o momento : do A p o s s i b i l i d a d e d e q u e a l gu n s i mó v e i s possam ser tomados e vendidos a t e rc e i ro s i n c o mo d a a t o d o s , p o i s d e s c a r a c t e ri z a ri a a c o mu n i d a d e c o n s t ru í d a na luta com re l a ç õ e s baseadas na solidariedade e não na c o mp ra e ve n d a . O P ro g ra ma ab re possibilidade de descaracterização da c o mu n i d a d e t a mb é m p o r q u e a v e n d a d o i mó v e l é p e r mi t i d a , p o d e n d o p e s s o a s q u e n ã o p a rt i c i p a r a m d a l u t a n e m t e m q u a l q u e r r e l a ç ã o c o m e s t a a d q u i ra m i mó v e i s c o m b a s e n a s l e i s d e m e r c a d o , e xp l o r a n d o a s d i f i c u l d a d e s f i n a n c e i ra s 309 d e a l gu n s . Busca mos saber ta mbé m se há pro je tos do MCP com as Unive rsidade s e se ele s tê m de mandad o dessas o desen vo lvimen to d e a lgu m p rojeto e m con ju nto, ou seja, co mo (ou se ) o Mo vimento te m pro curado se apropria r do conhecimen to acadê mico e c ien tífic o p ara au xilia r na sua luta. De concre to, ide ntifica mo s pouca co isa e, mesmo assim, n enhu ma in ic ia tiva o fic ia l da s Unive rsidades co m o 309 tanto eleitorais quanto econômicos. De um lado, o governo quer que o subsídio favoreça o deslocamento do mercado imobiliário para faixas de baixa renda, onde obtém maiores dividendos políticos, enquanto o mercado quer aproveitar o pacote para subsidiar a produção para classe média e média-baixa, onde obtém maiores ganhos econômicos. /.../ O déficit habitacional urbano de famílias entre 3 e 10 salários mínimos corresponde a apenas 15,2% do total (dados da Fundação João Pinheiro para o ano 2000), mas receberá 60% das unidades e 53% do subsídio público. /.../ Enquanto isso, 82,5% do déficit habitacional urbano concentra-se abaixo dos 3 salários mínimos, mas receberá apenas 35% das unidades do pacote, o que corresponde a 8% do total do déficit para esta faixa. A enorme diferença entre as porcentagens de atendimento demonstra que as construtoras conseguiram dirigir o pacote para atender o filão que mais lhe interessa. /.../ Tais dados evidenciam que o atendimento aos que mais necessitam se restringirá, sobretudo, ao marketing e à mobilização do imaginário popular. Mesmo para alcançar os 8% do déficit de 0 a 3 salários a empreitada será difícil, pois as construtoras irão privilegiar a faixa acima de 3 salários, que irá capturar atenções e as iniciativas do setor.” Fonte: http://www.correiocidadania.com.br/content/blogcategory/66/171/ Passagem retirada do documento “Ao presidente do Habitafor, Roberto Gomes”. (Anexo 2). MCP, so men te algu mas açõe s pon tua is de “a migos” que se utiliza m de u m conhec imen to técnico -c ien tífico obtido na acade mia pa ra colabo rar co m a o cupação . Uma dessas inicia tivas é u m p ro jeto a rqu ite tôn ico 310 de habitaçõe s popula res, que fo i do ado se m c ustos aos mo rado res do Raízes e que foi ap ro vado pelo s me mbros da ocupação para servir de re fe rênc ia nas negoc iaçõ es co m a P refe itu ra, tal p rojeto se e ncon tra a tualmen te no Hab itafor (ó rgão da P MF re sponsá vel pe la questão hab itacio nal). Todos os mo rado res tê m u ma có pia do p ro jeto que é a ssinado pelo escritório Expansão – Arquite tos Associa dos, e cu jo “clien te” é estranha mente iden tificado co mo “Aldeia d a P raia”. Co mo se pode percebe r no Anexo 3, trata -se de u m proje to de 80 c asa s e stilo dup lex bastan te re sumido e se m a pre visão d e e spaço s coletivos (co mo o b arrac ão), de produção ou de co mercia liz ação, contrad izen do o sentido gera l de co le tivid ade e a preocu pação co m a re produção da vida do s mo rado res da ocupação ob servada a té aqui. As alte rna tiva s para a rep rodução da vida dos ocupantes é u m do s maio res p rob le ma s ide ntificado po r eles. Há poucas in ic ia tivas de p roduç ão e mesmo a s que existe m são de masia do precá rias pa ra responde r às necessidad es de tod os, me smo s as ma is bá sicas. Atualmente há u m pro jeto de confe cção ch a mado “Casa de costu ra” que se enco ntra pa rado d e vido à impossibilidade dos moradore s co mp ra re m os insu mos pa ra a p rodução, po r isso, o maqu inário d isponíve l para in iciar a s ativid ades encontra -se parado. Esse maqu iná rio foi a dquirido po r meio do p rojeto “Co m os pés no chão” q ue é resu ltado da luta pe las fren tes de serviço. Há 15 mu lhe res in scritas nesse pro je to, todas mo radora s da ocupaçã o. No local ond e era p ossível e ncon tra r o que os mo rado res cha ma m d e “ba rrac ão”, u ma e strutu ra de madeira a pa lha ond e são rea lizadas a s reuniões do Movimento , ele s estã o querendo mon ta r u m c entro de co merc ia lização : “ a ge nte qu er faze r u ma estrutura ig ual a 310 Anexo 3. Projeto Habitacional “Raízes da Praia”. essa aqui, de pa lha, a quela coisa a mb ien te praia. É u ma maneira ta mbé m d e ren da que a gen te está buscando para a co munidade, essa b arraca de praia ” 311. Há pou co te mpo o barra cão fo i d esmon tad o de vido à te mpo rada d e chu vas e à necessidad e de te rrap la nage m do te rre no. No in terio r da oc up ação e xiste m ta mbé m dua s pequenas qu itan das (me rcea ria s) que são in ic iativa s individu ais. A se gurança da ocup ação ta mbé m fo i “profissio nalizad a”, h á u ma pessoa que trabalha c o mo seguran ça e que receb e men sa lmen te u ma a juda de custo que é divid ida e ntre os ocupantes. A lé m d o segurança , há duas p rofe sso ras que traba lha m nos período s da manhã e tard e, que faze m reforço esc ola r co m a s crian ças e adolec ente s e que ta mbé m recebe m u ma a ju da de cu sto para isso. Igua lmen te por in iciativa p rópria, u ma das mo rado ras está sen do capac itada por u m pro je to d e educação popular insp irado na p edagog ia P aulo Freire e que pretende in ic ia r uma turma de a lfabe tiz ação co m os mo rado res que nã o sab e m le r. O projeto é fin anciado pe la P etrobrá s. A despe ito das dificuldade s e das a va lia ções in varia velmen te nega tiva s no qu e diz re spe ito à gera ção de renda den tro d a co munidade , ele s ta mbé m consegue m iden tificar ele men tos p ositivos d o processo, o u se ja, co mo o sen timen to de pe rte n cimen to a u ma co mun idade e m que todos se preoc upa m co m to dos, u m e spaço q ue se rea liza so men te co m a coop eração e a re cip roc idade, pod erá tran sfo rma r a vid a de que m já ha via perd ido a esp eran ça e m d ias me lhore s: / . . . / a ge n t e e n t ro u a q u i c o mo u m p o vo q u e p a ra a s o c i e d a d e n ã o va l i a m a i s n a d a . H o j e , g ra ç a s a D e u s , t ê m p e s s o a s re c u p e ra d í s s i ma s , c o mo n o c a s o d o j o ve m q u e a ge n t e t i n h a a q u i , q u e a t é a f a mí l i a t i n h a c o mo p e rd i d o e a g e n t e e n g aj o u n o va me n t e n a s o c i e d a d e , h o j e e l e e s t á n o i vo , v a i c a s a r, t r ab a l h a e m 311 Entrevistada “G”. p i z z a r i a e e s t á f i c a n d o ma i s “ ma r ru d o ” a i n d a , e o u t ro s m a i s , q u e e s t a v a m n o f u n d o d o p o ç o e q u a n d o n ó s vi e mo s a q u i , a l é m e m p ro l d a mo ra d i a , c o n q u i s t a r e s s a s p e s s o a s p a ra s e e n g aj a r e m, p o rq u e vo c ê s ab e d a s d i f i c u l d a d e s d e u m a p e s s o a q u e vi ve n o mu n d o d a s d ro g a s , q u e j á é e x p re s i d i á ri o . / . . . / É u m o rgu l h o mu i t o g ra n d e p r a ge n t e q u a n d o v ê u ma p e s s o a s e re c u p e ra n d o , s a i n d o d o t i p o d e vi d a 312 que tinha. Outra q uestão importa nte d e ser tra tada aqu i é co mo os moradore s da ocu pa ção vêe m a sua relação co m a míd ia e co mo ele s faze m para passa r sua “ versão dos fa tos” para fora da o cupação , p ara a so cied ade fortalezen se. De acordo co m os depo imentos, a rela ção d a ocu pação c om a míd ia é mu ito con tro versa. Há me ios de co municaç ão que atende m as de ma ndas do MCP por maté rias, por exe mplo , “/... / te m a TV Opo vo, a TV União, que se mpre cha ma a gente pro deb ate , a Rádio Un iversitá ria , [quando vão debate r a ] qu estão da c idade, questõe s qu e d ize m respe ito à cidade, que e le s quere m ou vir a versão d as c omunid ades, do mo vimen to pop ula r... princ ipa lmen te a rád io unive rsitá ria a ge nte te m u ma re laç ão muito boa ” 313. Ainda, segundo no s rela tou o entre vistado, “às ve zes a gente pu blica, milita nte no sso pub lica u m artigo pra defende r de termin ada postu ra, de pende muito do jo rnal, voc ê fa z u ma ma nife staç ão con tra a p re fe itu ra, aí no Diário do No rdeste apare ce lega l, n o Opovo não aparece ” 314. Contudo, no gera l, o viés d o tra ta mento dad o pela imp rensa sobre o Movime nto é a valiad o co mo ru im, por exe mplo, após u ma maté ria no Diá rio d o Nordeste e m que os repre sen tan tes do Mo vimen to afirma ra m ter havido manipu laç ão das fa las, e le s dec idira m que não 312 313 314 Entrevistada “G”. Entrevistado “A”. Entrevistado “A”. O Diário do Nordeste e O Povo são os dois principais jornais do Estado do Ceará. concederia m ma is entre vista s para e sse jornal 315, “inc lusive n ão fala mo s ma is co m o Diário do Nordeste, princ ipa lmente depois das ocupaçõe s. Fi zera m u ma maté ria, en tre vistara m a gente, mu dara m a s fala s, en fim, co m o Diá rio do Nord este nós tira mo s de nã o fa lar mais, pelo men os enquan to não mud are m essa postu ra não fala mos ma is” 316. No que diz resp eito a como o MCP procura passar suas ve rsõe s sob re o s fato s, e les apon ta m qu e o principal instru men to para isso é a in tern et: “Ex iste m ta mbé m a interne t que e ssa o cu pação desd e o in íc io foi co locada para fo ra do país me smo , até un s cubano s viera m pra cá ta mbé m p ra faze r en tre vista e tudo, po r me io da interne t, foi u m me io que a gente enc ontrou de divulgar o mo vimen to, sobre a necessidad e da s pe sso as” 317. Alé m disso, se mpre qu e oco rre a lgu ma no vid ade q ue necessita de mob iliza ção u rgen te , o MCP faz u m in forme que c ircula nas listas d e e -mails, redes so cia is, blo gs e, e m pouco te mpo , ao menos a esq uerda social d a c idade fica sabe ndo do ocorrido. No in íc io da ocupação, quando a Raízes e ra constante men te a me a çada d e de spe jo, o Mo vimen to utilizou -se mu ito da in tern et para solic itar ap oio e xte rno. Há u m b log 318 da ocupa ç ão Raíze s d a P raia ond e pode ser encontrada s a lgu mas maté rias, re flexões e textos sob re a ocupação. A segunda expe riê ncia de ocupaçã o urbana organ izad a p elo MCP foi a ocupaç ão “Co mu na da Te rra” ou “Co muna 17 de ab ril”, rea lizada e m parceria co m o Movimento do s Traba lh adores Rurais Se m Terra, o MST. A partir de ago ra va mo s fa lar u m pouc o de ssa expe riência , contudo info rma mos q ue tive mos menos con tato co m essa ocupação, po rtanto , não aprofu ndare mos n este de bate, consid erand o importan te ao menos re lata r, rapid a mente, 315 316 317 318 Ver Anexos 4 (reportagem do Diário do Nordeste) e 5 (resposta do Movimento à reportagem) Entrevistado “A”. Entrevistada “G”. www.raizesdapraia.blogspot.com quais as princ ipa is c ara cterística s dessa ocupa ção e no que ela se diferencia da Raízes da P ra ia co mo fo rma de co mple men ta r este re la to so bre o Mo vimen to. No dia 15 de abril de 2010, cerca de 400 fa mílias ocupara m u m do s maio res “la tifúnd io s urbanos” de Fo rta lez a, u m sítio d e 500 hecta res loca lizad o na zona su l da c idade, no bairro José Walte r. Tra ta -se de u ma experiênc ia mu ito distinta da ocupaçã o Raíz es da P raia, não so mente pe lo a sp ecto d a pa rce ria en tre o MCP e o MST, mas, sobre tudo, pelas ca rac te rística s o rganizativas e pelas propo rçõe s que a ocupação a ssu miu . Das cerca d e 400 fa mílias que in ic ia lmen te ocupa ra m o S ítio São Jo rge, atua lmen te há e m to rn o de 1 .200 in scritas n a ocupação, dessa s, cerca de 1.0 00 in scritas pa ra a obtençã o de mo rad ia u rbana e o utra s 200 são p ara a cha ma da “Co muna Rural”, na qu al os moradores p lane ja m p rodu zir a limen tos para con su mo e co mércio. A “ex plo são” nu mérica d a ocupação o correu de vido à conc epção de o rganiza ção da Comun a que , in icialme nte, fo i aberta à entra da de outra s fa mília s alé m da s q ue partic ipa ra m do processo de organ izaç ão da ocupa ç ão e, certa mente , esse número foi incre men tado e m funçã o do ele vado dé fict h a bitacio nal de Fo rta lez a, que se enco ntra e m to rno de 70.0 00 moradias. As fa mílias são p ro ven ien tes de vários ba irro s da cidade, entre eles: José Wa lte r, P antanal (P lanalto Airton Se nna), Modubim, S ique ira , Messe jana, Jard im Viole ta, Ba rro so, Caste lão, Conjun to P alme iras, P assaré, Montese, Vila Velha, S errinha , en tre outro s. De acordo c o m u ma da s coordenado ras d a oc upação, a Co muna da Terra te m a segu in te justifica tiva : C o mu n a d a Te r r a , s e ri a u ma o c u p a ç ã o o n d e a ge n t e i ri a m o s j u n t a r o s t r ab a l h a d o r e s u rb a n o s , aqueles t r ab a l h a d o r e s q u e s ã o f i l h o s d e p e s s o a s u rb a n a s , q u e j á n a s c e r a m e s e c ri a r a m a q u i , q u e n ã o t e m n a d a a ve r c o m o c a mp o , m a s q u e t a mb é m n a s gr a n d e s c i d a d e s a g e n t e s e n t e , p o rq u e e u a c o mp a n h e i d u r a n t e m u i t o t e mp o o t r ab a l h o n a c o n s t ru ç ã o c i vi l e s e mp r e e u a c h a va n o s c a n t e i ro s d e o b r a , q u e e u go s t o mu i t o d e c o n ve rs a r, s e mp re e u e n c o n t ra v a t rab a l h a d o re s ru ra i s , q u e vi n h a m d a s s u a s c i d a d e s d e o ri ge m p o rq u e l á e l e f o i e xp u l s o d a t e r r a e t e rm i n a v a a q u i e m F o rt a l e z a s e n d o p e d re i ro , sendo servente, fazendo q u a l q u e r f u n ç ã o . Eu t e n h o n o ç ã o d i s s o a í , a c h e i q u e e ra mu i t o i n t e re s s a n t e e s s a a l i a n ç a , a ge n t e i r i a u n i r o c a mp o e a c i d a d e , t rab a l h a d o r e s u rb a n o s j u n t o c o m t r ab a l h a d o re s ru r a i s , t r ab a l h a d o r e s ru r a i s c o mo ? C o mo é q u e n ó s v a mo s a c h a r t r ab a l h a d o r e s ru r a i s n a c i d a d e , q u e n ó s s ab e mo s q u e n a c i d a d e t e m mu i t a ge n t e é q u e t r ab a l h a d o r ru ra l , q u e ve i o d o c a mp o p o rq u e n o c a mp o e l e s não têm condições, aí nossa luta, nós 319 f o rm a mo s a q u i a C o mu n a d a Te rr a . Fi g u r a 1 9 : Fo to d a o c u p a ç ã o C o mu n a 1 7 d e a b r i l , n o b a i r ro J o s é Wa l t e r (Fo n t e : w w w. c o mu n a 1 7 d e a b r i l . b l o g s p o t. c o m ) 319 Entrevistada “E”. Esse fo i o “ mote ” qu e o Mo vimen to se apeg ou pa ra realiza r a p rime ira e x periência de ocup ação urbana co m trab alha dore s o rig iná rios do ca mpo exp ulsos pa ra a cidade . É a prime ira vez que o Mo vimen to dos Trabalh adore s Rura is Se m Terra rea liza e sse tipo de ação no Ceará e en contro u no Mo vimento do s Conse lhos P opulares o pa rce iro id eal pa ra tal feita. O fato do terreno ocupado ser mu ito g rande, c o m ma is de 5 00 hec tares, poderá propo rc ionar u ma exp eriênc ia to ta lme nte d iferen te das outras qu e os d ois mo vimen tos já e mp reend era m. Relac ionando -se essa experiênc ia d os Movimento s MCP /MST ao nosso c onceito de “esp aço de tra nsição”, seria fac tível ap rox imá -los ao que Frie drich Enge ls deno minou, e m sua o bra “A que stão da ha bitação”, de “supre ssão da opo siç ã o entre ca mpo e c idad e” 320? Não se pretende aqui desen volver u ma respo sta , deixa mos a indagaç ão aos nossos leitores e co mo qu estão a ser aprofun dada e m e studo s posterio res. A orga niza ção d a Co muna da Terra, até mesmo pe la quantidade de p esso as envo lvidas, é ma is co mp lex a que a organ izaç ão da primeira ocupação do MCP. A cada grupo de até 30 fa mília s se forma u m Núcle o de base, cada Núcleo d e ba se ind ica dois Coo rdenado res, sen do, necessaria me nte , u m h ome m e u ma mu lhe r pa ra coo rdena r o Núcleo. Apro ximad a mente, pa ra cad a 10 Núcleos se forma u m P ólo, atu almente há 5 P ólos na ocupação, no entan to, ne m tod os os P ólos são rea lmente formado s por 10 Núcleos, esse nú mero pode va riar: / . . . / f i z e mo s v á ri o s g ru p o s d e 3 0 f a mí l i a s , a í e s s e s vá ri o s g ru p o s d e 3 0 f a mí l i a s a ge n t e d e u o n o me d e N ú c l e o d e f a m í l i a s , a í d ep o i s j u n t a mo s v á ri o s g ru p o s d e 3 0 e c r i a mo s u m P ó l o , 320 “Quanto à maneira pela qual uma revolução social pode resolver esta questão [da habitação], isto não depende apenas das circunstâncias de cada caso, mas também de questões muito mais profundas, entre as quais a supressão da oposição entre cidade e campo, questões mais essenciais” p.29. entendeu? 10 Núcleos de 30 famílias a q u i é u m P ó l o . / . . . / a í p ra c a d a P ó l o t i r a mo s 2 c o o rd e n a d o re s , u m h o m e m e u ma mu l h e r q u e va i c o o rd e n a r o P ó l o n o g e ra l , q u e va i d a r a q u e l a o r i e n t a ç ã o p ro p e s s o a l q u e é c o o rd e n a d o r d e N ú c l e o s d e f a mí l i a s . / . . . / Es s e s d o i s c o o rd e n a d o r e s d e P ó l o f o r ma m a d i re ç ã o j u n t a m e n t e c o m a g e n t e , t e m a q u i a mi l i t â n c i a q u e c o o rd e n a mo s o 321 a c a mp a me n t o n o g e r a l . Quando su rge a lgu m p roble ma n os nú cleo s, p rimeiro os coorden adore s de nú cleo tenta m re solver in tern a men te e só no último ca so le va m o p rob le ma p ara coo rdenação do P ólo. Na Comuna há a inda Comissões e spec íficas, co mo as Comissões de seg urança, saúde , ed ucaç ão, águ a e produção, “/... / se a ge nte não distrib ui ta refa a gente não consegue fa zer nada, é tan to que a s ve zes a g ente passa o dia aqu i tranqu ilo se m nenhu ma oco rrên cia n e m na da, /... / nu m te m uns co mp anheiros aqui no p ortão? Essa co mpanhe rada da segu rança é pe rman ente , de dia e de noite te m co mpan heiros na segu rança” 322. Se gundo os entre vista dos, vão sen do fo rmada s no vas C omissõe s de acordo c o m a s nec essid ades da ocupaçã o. Há ta mbé m u ma prog ra maç ão quase que d iária na ocupação, q ue en vo lve desde a rea lização d e Asse mb léias, reuniões de Se tores, de Núcleos, d e P ólos, formaçõe s, sessõ es de cine ma etc: / . . . / n ó s t e mo s a s s i m u m a p ro gr a ma ç ã o , n a s e gu n d a n ó s t e mo s re u n i õ e s d o s N ú c l e o s , t o d o s o s N ú c l e o s s e re ú n e m l á n a s s u a s b a r r a c a s , s e mp r e s e re ú n e m l á p ra d a r s e u s e n c a m i n h a m e n t o s , n a t e rç a -f e i r a n ó s t e mo s o c i n e ma d a t e rr a , c i n e m a e d u c a t i vo n a s t e r ç a s -f e i r a a n o i t e , a í n a q u a r t a -f e i ra n ó s t e mo s re u n i õ e s d o g ru p o d e e s t u d o q u e t á ma i s 321 322 Entrevistada “E”. Coordenadora da ocupação “Comuna da Terra” e militante do MST. Entrevistada “E” n a f re n t e , s e ri a a m i l i t â n c i a e e s s a c o o rd e n a ç ã o d o s P ó l o s , n ó s c h a m a mo s d e g ru p o d e e s t u d o d a s p e s s o a s q u e vã o d i ri g i r / . . . / n a q u i n t a e n t ã o n ó s t e mo s a s a s s e mb l é i a s d o s P ó l o s , c a d a P ó l o f a z s u a a s s e mb l é i a , a í n a s e xt a t e m a s s e mb l é i a ge r a l . A l é m d a s re u n i õ e s e x t r a o rd i n á ri a s e a l é m d a s f o r ma ç õ e s d i a d e s áb a d o , n ó s a c ab a mo s d e c h e ga r d a f o r ma ç ã o a go r a , t o d o s áb a d o t e m 323 e s s a f o r ma ç ã o . No que diz respe ito à p rodução, a Co muna, ap esar de ser u ma ocu pação rece nte, conta co m alg u ma s in ic ia tivas co mo, po r exe mp lo, u m g rupo de p rodução de confec ção que já e stá e m func io na men to, “a g ente in iciou foi u m grupo de costura que ta mbé m é u m me io [de obter renda ], um g rupo, a s roupa s sã o vend ida s po r fo ra, sã o pessoas do próprio aca mpa mento 324 que traba lha m lá, à s vezes as menin as pega m por enco menda , tipo va mos peg ar enco menda s de hosp ital p ra faze r farda s” 325. O ra mo d a confecç ão, junta men te co m a horta são os do is que estão mais a vançado s, “A ge nte tá p roduz indo uns farda mentos agora pra São Be rnard o, u ma e mp re sa, u ma constru tora , te m u ma mu lher q ue traz toda se mana u ma p arte , a gen te entregou ho je [o s farda men tos enc o men dados pe la e mpre sa]” 326. A forma de distribu ição d os recu rsos ob tido s co m essa a tividade é de acordo co m a p rod utividad e de cada pe ssoa enga jada na prod ução, “se a g e nte tiver 20 mu lhe r, cada u ma faz e va i separando a li, a í e les só le va m quando fizer 200 qu ilo s, ele s só ve m pe gar se for ac ima de 200 quilos e aí a gen te pre sta conta da seg uinte forma, que m fe z ma is, cla ro que vai te r seu luc ro maio r, aí, 323 324 325 326 Entrevistada “E”. A terminologia “acampamento” aparece neste momento devido à presença da militância do MST que tem costume com esse conceito, mas não apareceu nenhuma vez nas entrevistas com os membros da ocupação Raízes da Praia. Entrevistada “D”. Entrevistada “F”. daquele din heiro a rre ca dado não te m pa trão /. . ./” 327. Ainda co m re lação à produção na con fec ção, os entre vista dos nos in formara m que há u ma lojinha do MCP no Termina l da P ara ngaba 328 que serve pa ra escoar a produção e qu e e les estaria m o rgan izando as pessoa s que te m expe riênc ia co m a rte sana to, produ ção de bijou teria s, bordado, e tc ., para ven der lá. No que d iz re sp eito a ou tro s planos “/... / co mérc io cole tivo, os plan os da gente é isso daí, co mé rc io co le tivo, padaria coletiva /. .. / a li na fre nte , não sei se vo cê já viu, te m u m p rojeto já be m começando, que é p ra gen te te r u m mercad ozin ho co le tivo ” 329. Quanto à ho rta que fo i mencionada logo acima : a h o r t a a ge n t e c o me ç o u a go r a , s e n ã o me e n g a n o e m s e t e mb ro [ d e 2 0 1 0 ] , d ep o i s q u a n d o a g e n t e a v a n ç o u n o t e rr e n o e d a í c o me ç o u a c o n s t ru i r a h o rt a e t o d a a l i me n t a ç ã o , v a i t u d o p ra b e n e f í c i o d a c o mu n i d a d e a q u i d o a c a mp a me n t o , t u d o q u e é p ro d u z i d o l á va i p ra n ó s me s mo e s ã o c u i d a d o p e l o s p ró p ri o s mo ra d o re s d o a c a mp a m e n t o , t e m f e i j ã o , t e m j e r i mu m, t e m a l f a c e , t e m v á r i o s o u t ro s l e gu m e s l á d e n t ro e a go ra t a mb é m a ge n t e i n i c i o u u m t r ab a l h o de h o rt a me d i c i n a l , p ri n c i p a l m e n t e com xa ro p e , com p o ma d a s , c o m c re m e s , e s s a s c o i s a s a s s i m f á c e i s d e p ro d u z i r e q u e é u ma 330 c o i s a a ma i s . O estru me pa ra o cu ltivo da horta foi tra zido de um assen ta mento do MS T loca lizado na c idad e de Russas, interior do Ceará, q ue fica a pou co mais d e 300 quilô me tro s d e Fo rtale za. A ma ior pa rte da produção na horta é p ara o con su mo próp rio dos moradore s, ma s a lguns co merc ia liza m no ba irro co mo forma de le vanta r a lguma 327 328 329 330 Entrevistada “F”. Terminal de ônibus. Entrevistada “F”. Entrevistada “D”. renda, ainda qu e irrisória , con forme nos in formara m o s entre vista dos. No que se refe re à apropria ção do espa ço, a Comun a 17 de abril age de fo rma simila r à ocu paçã o Raízes da P raia, ou seja , não é permitido faze r especu lação co m o terreno o u co m os b arra cos: N ó s q u e t rab a l h a mo s n o c a mp o t i n h a c o s t u me d e o c u p a r a t e rr a d e ma n e i ra d i f e r e n t e e e l e s j á t i n h a m o c o s t u me d e o u t ra m a n e i r a / . . . / c h e g a a q u e l a 'ru ma ' d e ge n t e , 'u r ru ', a d o i d a d o e p e ga u m c o rd ã o e f i c a m a r c a n d o p e d a c i m d e chão 'p r a q u i ', pedacim de chão 'p r a c o l á ', c o m a q u e l a s l i n h a , c o m aquela coisa e quando dá fé, tão e s p e c u l a n d o . Te m c o mp a n h e i ro s q u e à s ve z e s a t é f a z i s s o , m a s o n o s s o a q u i f o i d i f e r e n t e , a ge n t e o c u p o u e e l e s começaram a fazer a mesma coisa, aí a ge n t e i a l á e t i r a va , n ã o , n u m é a s s i m, é a s s i m. O b a r ra c o va i s e r f e i t o p ra vo c ê mo ra r, p r a c o n q u i s t a r t e m q u e mo r a r, a í n u m é f á c i l , p o rq u e e l e j á t i n h a o c o s t u me , t e m ge n t e a q u i q u e à s ve z e s j á ve m d e o u t r a s o c u p a ç õ e s , j á t i n h a o c o s t u me d e f a z e r i s s o p ra d ep o i s e s p e c u l a r, a g e n t e j á c o n vi d a e l e , e d u c a d a me n t e , p ra s a i r p e l o p o r t ã o q u e e n t ro u , a q u i vo c ê n ã o t e m n a d a , n ó s n ã o 331 t e mo s n a d a p r a ve n d e r / . . . / Outra dificuld ade d a o cupação é e m re lação à água e luz. Co mo to da ocup a ção ainda e stá irregu lar, a Coelce (e mp resa p rivada de en erg ia) e a Cagece (e mp resa púb lica de água), nã o pode m ligar esses serviços o fic ialmente, há inc lusive u m dos in teg rantes da o cupação que se encon tra preso e m razão de suspeita de ha ve r fu rtado água da e mpre sa púb lica 332: 331 332 Entrevistada “E”. Segundo matéria do site Ceará Agora: “Ocupantes da Comuna da Terra 17 de Abril estão, neste momento, em frente ao Palácio da Abolição. Eles querem ser recebidos pelo a í a g e n t e l i ga e s s a l u z , é u m b i c o , e l e s fazem denúncia, quando dá fé a Coelce ve m c o rt a r, q u a n d o d á f é n ó s l i g a , a go r a t a mo s c o m u n s d i a s q u e n ó s t a mo c a l mo , ma s a q u i n ó s t e v e mo me n t o q u e t o d a n o i t e a g e n t e t a va n e s s a p i s t a a q u i , t o d a n o i t e n ó s t a va n e s s a p i s t a a q u i p o rq u e a C o e l c e vi n h a c o r t a r, n ó s i a l i ga r, a C o e l c e c o r t a v a , n ó s l i g a va , á gu a d o m e s mo j e i t o , C a g e c e c o rt a e n ó s l i ga , n u m t e m e s s e n e g ó c i o , s e c o rt a r n ó s l i g a , p o rq u e a q u i a g e n t e t e m m i l e d u z e n t a s p e s s o a s / . . . / e d ep o i s e l e s p a s s a ra m a a gi r c o m m a i s f o rç a , q u a n d o vi n h a m , v i n h a u m c a r r o d a C o e l c e e p o l í c i a , c h e ga r a m a b o t a r. . . t e v e u ma ve z q u e b o t a ra m u ma s 2 0 vi a t u ra s , i s s o e r a u ma s d u a s h o r a s d a m a n h ã , m a s a 333 ge n t e l i go u a n t e s d o d i a a m a n h e c e r . Em a bril os pa rtic ip antes da Co mun a da Terra partic ipa ra m da s mobiliza ções do ch a mado “Abril Verme lho” que te ve c o mo princ ipais açõe s e m Fo rtaleza a Marcha que sa iu da Comun a e fo i a té o P alácio do Govern o do E stad o no dia 19 de abril. P oste rio rmen te, a Marcha partiu para a Sede do INCRA (In stituto Nac iona l de Colonização e Refo rma Agrá ria), ond e permaneceu po r 10 dia s, qu ando p artiu para a Asse mb lé ia Le gisla tiva no dia 27 . E m ma io d e 2 010 te ve in ício a tu rma do p rojeto educação de jo vens e a dultos deno mina do “Sim, eu posso ”, que utiliza no ve la para a alfabe tização. Tra ta -se de u m 333 governador. O major Brito disse ao Porta Ceará Agora que solicitou a lista com os cinco nomes que comporão a comissão que será atendida. De acordo com Marcos Bentes, do Movimento dos Conselhos Populares, a pauta requer moradia para 1.200 famílias, indicando inclusive um terreno do Dnit, às margens da BR-116, na altura de Messejana. O pessoal quer implantar, em parceria com a prefeitura de Fortaleza, uma creche, nas dependências do ABC do José Walter e a liberdade para um preso da Comuna, suspeito de furto dágua da Cagece. Fonte: http://www.cearaagora.com.br/noticias/diadia/manifestacao-em-frente-ao-palacio-da-abolicao-por-habitacao-emfortaleza?quicktabs_1=0. Acesso em: 29/03/2011. Entrevistada “E”. método cubano qu e já é utilizado e m mais de 20 países e que alfabe tiz a e m men os de 4 meses, co m ap enas 2 horas de aula po r d ia. A Comun a contou co m o apoio de profe sso res cu banos que esta va m e m Fo rtaleza e que fize ra m a ca pac ita ção de voluntá rios d a e ducação, que estão da ndo a aula pa ra turmas de, e m méd ia , 15 pessoa s, que varia m de 25 anos a 70 ano s. Como fo rma de anga riar apo io e xte rno, a Comun a realiza a tividades e m que abre a ocupa ção para a visita dos mora dore s do bairro. No dia 3 de ju lho de 2010, por exe mp lo, e les rea lizara m o P rime iro Arra iá da Comuna 17 de abril que con tou c om a presenç a de trê s quadrilhas, barra cas d e co mida s típic as, brinquedo s, fogue ira, decoraç ão e band a de forró “pé de se rra” co m can tore s do MST. Conforme info rma mos na introdução deste c apítulo , nosso ob je tivo não é e xplana r sob re a e xperiê ncia do MCP e m toda a su a co mp le xidade, no sso ob je tivo foi, a lém de aponta r algu mas que stõ es p ara o deba te do nosso ob je to de estudo , já ind ica r algu mas que stõe s re le va nte s que serão reto mada s e ap rofunda das na s conc lusõ es de sse trabalho. 4. À GUISA DE CONCLUSÃO Tr a n s c e n d e r não é e s c ap a r. A possibilidade de t ra n s c e n d e r sem t r a n s g r e d i r d ep e n d e e s t ri t a m e n t e d e s ab e r mo s , e d e s ab e r m o s mu i t o b e m, q u a l é a s u p e rf í c i e d o re a l a q u e e s t a mo s t ra t a n d o ou, em outras p a l a v ra s , q u a l é o o b j e t o d e n o s s a 334 p re o c u p a ç ã o . A s r e vo l u ç õ e s n e c e s s i t a m d e u m me mb ro p a s s i vo , d e u ma b a s e ma t e ri a l . A t e o ri a s ó s e c o n c r e t i z a n u m p o vo n a me d i d a e m q u e é a re a l i z a ç ã o d e s u a s 335 necessidades. A singularidade de ser Forta leza u ma cidade loca lizada no n orde ste bra sile iro faz co m qu e ha ja neste lugar u ma espac ia lizaç ão ún ica. Espa cia lizaç ão essa que, e m sua inte raçã o igua lmente ú nic a co m o a mbien te natura l da reg ião n a qua l está inse rida, nu nca de ixa de coaduna r co m ce rta forma ge ra l de re laçõ es soc iais, d e soc ializa ção da existên cia , de urb a nizaçã o da soc iedad e, de tra nsição para ou tro modo de p ro dução. Neste estudo , busca mo s apree nder pa rte da re alidade sócio -espac ial do de sen vo lvimen to urb ano da metrópole de Fo rta lez a co mo forma de id entific ar ele men to s do período atua l que apon te m para de scon tinuid ades dentro da continuidade h istó ric a, ou se ja, e le men to s q ue estão n a atua lid ade e q ue p o ssa m ser conside rado s e le mento s tran sitó rio s do modo de produção c apita lista para ou tra s formações sóc io -espa cia is qu alitativa men te superio res. Esse é u m dos ma iore s desafios de todo pesquisad or no ca mpo das c iênc ia s soc iais que pre tend e “tran sgred ir”, ou 334 335 Santos, M. Introdução de A natureza do espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção. São Paulo: Edusp, 2008a, p. 20. Marx, K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Matin Claret, 2002, p. 54. seja , que tenh a co mo o bje tivo faze r u ma aná lise do obje to que vá a lé m das apa rência s e qu e procure in vestigar as carac terística s p resen te s no mundo a tua l qu e a pontam pa ra outra s fo rmas de soc ia bilidad e e de e spac ia lidade que não possa m se r red utíve is ao modo de produ ç ão da vida capita lista . No prime iro cap ítulo dessa d issertaç ão, deb ate mo s teorica men te co mo os seres hu manos, ao se produzirem no capita lismo, p roduze m ta mbé m o próp rio capita lismo. Busca mos segu ir esse in ício de pe rcu rso na pesqu isa quando exp use mos, no segundo cap ítu lo, o co mp orta mento de alg uns p roce sso s-va riá veis qu e co mpõ e m o qu e cha ma mo s d e exp ansão e d e de generação urban a da metrópo le de Forta leza. Ora , tais d ime nsões estão imb ric adas u mas na s o utra s ju sta men te po r fazere m parte de um mesmo de sen volvimen to urban o -cap ita lista. Quere mos cha mar a a tenção aqu i pa ra o fa to de que o processo que p roduz a rique za de uns é o mesmo p roce sso que gera a po brez a e a miséria de tan tos ou tros. P ortan to, não se ria corre to con ceber a expan são e a degene ração urbana de fo rma sepa rada. A seg regação só cio -espac ia l, por exe mplo , so mente pode se r co mp reend ida, e m sua essênc ia, se ana lisa rmos o que e stá p or trá s do preço d a terra ou d o pre ço da força de traba lho e co loca rmos e m questiona men to a pre va lênc ia da p ropried ade privada sobre a pro priedade so cia l, u ma ca rac terística funda men ta l do siste ma cap italista. Fo i e m razão d isso que, no primeiro capítulo, re ssa lta mos a importân cia do con ce ito de maisva lia co mo centra l pa ra desvela rmo s o func iona men to da produção cap ita lista do espaço e m sua e ssên cia. Entre mentes, o percu rso metod ológ ico não estaria co mpleto se n ão p rocu rásse mos ana lisar a ex periência da metrópo le de Forta lez a e m seu proc esso, o u seja, como uma totalidade e m movimen to. Não se tra ta aq ui de explicita rmo s todo s os ele men tos que c onstitue m a totalidade dessa ex pe riên cia e m particula r, isso seria impo ssíve l. Trata -se de buscarmos iden tifica r quais são a s particu la rida des, a s principa is va riá ve is, cu ja análise no s ajuda ria a cu mp rir c om o obje tivo d e realizar u ma in vestigação do desen vo lvimen to urban o de ssa metrópo le sob u ma p erspec tiva mate rialista dialé tica. P or isso, o centro de no ssa re fle xão, ou se ja, o nosso objeto de análise é o que cha ma mo s de espa ço de transição e aqu i se faz necessário re afirmarmo s que não faze mo s h ierarqu ias ou separações e ntre as dimensõ es do de senvo lvimen to urbano, po is se ria c o mo ne gar o mé todo dia lético. Os estudo s da expansão e da degene ração urban a no segund o capítulo, be m co mo da tran sição, no te rce iro capítulo, so men te pode m ocorrer co m a fina lidade de análise, contudo, ta is dimensõe s co existe m no mesmo te mpo e no mesmo espa ço formand o u m mo vimen to ún ico. A imensa maio ria dos e studo s que tive mos ace sso por meio do le van ta mento bibliog ráfico e da s tan tas ho ras de leitu ra e estudos p raz erosa men te rea lizada s no decorre r desse s do is anos de mestrado, fez -nos c onsta ta r que , sobre tudo p ela naturez a do nosso ob je to de a nálise e pe lo método p recon izado , b usca mo s p roduz ir u ma disse rtação que contribui c o m o debate sobre o desenvo lvimen to urbano de Forta leza no início do sé culo XXI. Espera mos an ima r a re alização d e no vas análises ao coloca rmo s o deba te sobre os mo vimen tos soc ia is popula res urban os n ova men te e m pau ta no ca mpo disc ip lin ar geog ráfico. Recorda mo s q ue u ma d as p rime ira s in vestigaçõe s de ssa na tureza rea lizada s no país - datada n a década d e 1980 - fo i justa men te ou tra pe squ isa que te ve Fo rta lez a co mo pa lco, intitu lada : “Quando os inco modado s não se re tira m: u ma a nálise do s mo vimen to s socia is e m Fo rta lez a”, de autoria do pe squisado r José Bo rzach ie llo da Silva. Tive mos ta mb é m a opo rtunid ade de poder con tar co m u m p rime iro estudo que te ve o MCP co mo te ma central e q ue nos a ju dou na esc rita do terc eiro c apítu lo dessa disse rta ção, in titulado : “O estreito fio da na va lha : partic ipaçã o e transfo rmismo n a re laçã o do Movime mto dos Conse lhos P opulares (MCP ) co m a gestã o de Lu izianne Lins e m Fortaleza (2 005 a 2009 )”, d e au toria do soció logo P edro W. O. Costa Júnior. A experiênc ia do Movimento dos Co nselho s P opulares, a de spe ito de se u re la tivo cu rto período d e existênc ia (2000 a 2 0 11), é ex tre ma mente intere ssante. Desde a prime ira fund a ção do Mo vimen to no ano 2000 a té o pre sen te mo me nto, pude mos pe rcebe r u ma diversidade de fa to res que a mea ça ra m e qu e a té hoje a meaça m não so men te o MCP, mas todo e qua lque r Mo vimento So cia l P opular. Esta mo s no s refe rindo à po ssibilidade se mpre presen te da p erda de sua in dependên cia po lítica. Não sã o poucas as “fo rças cen trípe tas” que se utiliz a m de méto dos dos mais va riados pa ra “ sugar” ta is mo vimento s pa ra dentro do “siste ma” . A sociedade bu rg uesa, desde mu ito te mpo , ve m ape rfeiço a ndo as sua s in stituiçõ e s e métodos de aco moda ção e d e coopta ção de lid erança s dos mo vimen tos popu lares, sobre tudo daque les qu e atua m co m independ ênc ia política, e m contrapo siç ão aos “consen sos” plane jado s, d ia ria men te, pelo pode r púb lic o qua se in varia velmen te e m p a rceria co m de terminad os in te resses priva dos. Isso fic a e spec ia lme nte visível na aná lise da efetiva ção d esfo cada d a e vocad a de mocracia partic ipa tiva, quando a c lare za e o rigor po lítico de u m mo vimen to popula r co mo o MCP esbarra co m fa lsa s c oncilia ções e reais man ipu laçõe s de uma detu rpada de mocratização do s instru men tos d ecisório s do Estado. P or isso, consid era mos o caso do Mo vimen to dos Conselhos P opulares co mo repre sen tativo para se deba ter o e spaço de tran sição. A história de sse Mo vimento, e m toda su a peculiaridad e, ajuda -nos a en tende r c omo se gesta u m Mo vimento Socia l P opular e qua is são os princ ipais d ile mas e desafio s encontrados pa ra ma nter a coe rênc ia co m o s seus princ íp ios d e ind epend ência e auto no mia. En tende mos que a ação co letiva p ara a reivind icaç ão de d ire itos e pa ra a luta po r melho res con diçõe s de vid a, e m si, já conforma um e le mento do espaç o transitório. Entre tan to, so mente essa ca rac terística n ão basta ria para a firmarmos a existênc ia, n aque la e xperiênc ia, de e mbriõ es de outra forma de soc iab ilidade que pode nos propo rcionar, mesmo hoje, ind icado res ou e le mentos do vir a ser so cia l. Tive mos a inda qu e busca r co mpre ende r essa experiênc ia e m seus p ormeno res, tentativa mate rializad a no te rce iro cap ítu lo, inc lusive co m a id entificaçã o e a sugestão de u ma p eriod iza ção do Mo v imen to dos Conselho s P opulare s desde 2000 a 2011. Espera mo s te r consegu ido deba te r a s prin cip ais cara cte rísticas dessa tra je tória do MCP e ta mbé m que tenha mo s log rado explicita r, c o m a c lareza nec essária, os pontos que iden tifica mo s co mo co nstituin tes do esp aço d e tran siçã o. A seguir, re su mimo s cad a u m de les: a) ação coletiva, con scien te e in dependen te da c lasse trab alha dora, sob retu do de parte de ssa classe que , dese mp regada , acaba c aindo na po brez a e na miséria, mas que encon tra no MCP uma sa ída viá vel para a rep rodução da sua vida e, muitas vez es, da sua fa mília. A própria existênc ia de u m mo vimen to co m e sse cará ter já mate rializa u m e le men to do e spaço d e transição, a forma co mo são o rgan iza das suas ocup ações, as reg ras interna s, instânc ias, formas de reso lução de prob le ma s inte rnos, a rela ção que o MCP tem c o m os go verno s, etc., são ou tro s exe mp los d isso que esta mos fa lando ; b) a apro priação so cia l (ou co le tiva) do s me ios de reprodu ção da vida hu mana, cu jos en sa ios sã o possíveis de sere m iden tificado s na experiênc ia do MCP, sobretudo nas ocupações. Co mo e mpiria disso, aponta -se a proib ição da vend a dos lotes, a d istribu ição igua litá ria d a terra e o s e mpree ndimen tos c ole tivo s; c) a p rodução d o esp aço urban o e m c ontra dição c o m a lógica priva tista e esp ecula tiva da ra cion alid ade burg uesa foi iden tificada na lu ta tra vad a pelo MCP para que se cu mpra a função soc ial da te rra e mais uma vez , a proib ição da vend a do lo te pode se r utiliz ada co mo exe mp lo, alé m da d este mida reivind icaç ão para que a P refeitura con strua a s residênc ias se m preju ízo fina nce iro aos ocup ante s e a ne ga ção do P rogra ma Minh a Casa Minha Vida, a postura do MCP na sua pa rtic ipaçã o crític a no processo do P lano Dire to r P artic ipa tivo d e Fo rta leza, ta mbé m a ponta co mo u m ele men to de ssa produção do espaço u rbano contrá ria a lógic a priva tista. d) a apropriação dos meios de produ ção da vida, da s no vas tecno log ias co mu nic aciona is, info rma cio nais e de conhecimen to c ien tífico pe los mo vimen tos sociais popula res ou, e m ou tras pa la vras, o encon tro da s ma is desen vo lvidas c ond ições ma teria is dispo níve is conte mporan ea men te , c om o me io pop ula r, po de fo rtale cer a viab ilizaç ão dos in teresses da s ma iorias socia is. Neste quesito, o Mo vime nto encon tra -se muito pou co desen vo lvido, d ete cta n do -se a quase au sênc ia de p arce rias entre o MCP e a s U niversidades, b e m co mo a qua se irrele vânc ia das inicia tivas p rodutiva s do Mo vimen to e o pouco in vestimen to no conhec imento téc nico e e m “in teligên cia ”, se m falar que , apesa r de ex istir u ma tendênc ia à ma ssificaç ão dos no vo s me io s in formacionais e co mun ica cion ais (co mo a in tern et, os te le fones móveis, as câ mara s d igita is, de ntre outros), o s me smos ainda sã o pouco acessíveis ao perfil sóc io -econô mico da maio ria dos militan tes do MCP, o q ue to rna o seu p oder d e ação mu ito reduz ido; e) o plan eja men to do traba lho social é ou tro e le mento mu ito importan te na transcendên cia do modo de produção capita lista . Se a p rod ução da vida já é so cia liz ada, o trab alho social ta mb é m pode ser so cia lizado, be m como o plane ja mento desse tra balho soc ial, de forma a me lhora r a s condiçõ es de vida do s se res hu mano s e m conjun to. Os ele mento s do pla neja mento do traba lho so cia l pode m ser iden tificados no func io na men to interno das oc upações, por intermédio da forma co mo e le s constro e m as b arrac as e os espaços coletivos, na divisão d as respon sa bilidad es e m reuniões, p lená rias e asse mbléia s, be m co mo na organ izaç ão das manife staçõ es, mo men tos no s quais todos contribue m pa ra a via biliza ção de u m ob je tivo co mu m a todos. Ainda e m referê ncia à s manifestaçõ es, ve rificou -se que a s mesmas se torn a ra m u ma va riá ve l fund a mental pa ra a qua lificação política e o rgan iza tiva do Mo vimen to, be m co mo u m me io pa ra a obtenç ão de conqu istas ma te ria is imp resc ind íve is à con tinuidade do Mo vime nto . Demon stra mo s, ta mbé m, que o s mo vimen tos sociais popula res são agen tes produto res do e spaç o urbano e, inc lusive, in terfe re m n a configu ração te rrito rial a partir de sua a ção cole tiva. Como exe mp lo te mos a in te rvenção decisiva do Mo vimen to do s Conse lho s P opula res no processo do P lano Diretor P artic ipa tivo de Forta leza, e m espec ial na oca siã o e m que o MCP se jun tou a ou tro s mo vimen tos e en tidad es para forma r o cha mado “Ca mpo P opular” e tivera m co mo princ ipa l conqu ista a institu içã o das Zona s E spec iais d e In te resse So cia l, a s ZE IS. Outro exe mp lo, e m grau men or, fo i a ex periênc ia d o Mo vimen to co m o Orça mento P artic ipa tivo imple mentado pe la P refeitura de Forta le za que , ap esa r de ter sido u ma experiênc ia trau mátic a, a ssim co mo u ma esp écie de “pro vaçã o” pa ra o MCP, ta mbé m pro porc io nou algu ma s pequenas vitó rias que não de ve m ser desco nside rada s, a despe ito do p róprio Movimento te r to mad o a dec isã o política de se retirar do proc esso do Orça men to P artic ipa tivo . U m te rceiro exe mp lo de c o mo o MCP interfere , à sua mane ira, na configu ração te rrito rial, se ria as ocupa ções. Os exe mplos da ocupa ção “Ra íz es da P ra ia” e “Co muna 17 de a bril” (ou Co mun a da Terra) são e mble má ticos do poder de re sistência e da ca pacidade do MCP de dissipa r aqu ela s fo rça s cen trípe ta s sistê mica s que , para man ter seu s in teresse s, faze m uso inclu sive da força bruta , co mo no ca so d as milíc ias; da rep ressão, co mo no caso da po líc ia militar; da pe rsegu içã o e coop tação, co mo no caso do pode r público, dentre ou tro s entra ve s ao ple no desen vo lvimen to do Movimento ta l q ual pude mos constata r e m nossa in vestigaçã o. No que diz re spe ito à sugestão de pe riodiza ção do MCP ressa lta -se qu e foi a ssu mido co mo método de ssa construção a obse rvaç ã o das su cessões e das c oexistênc ia s, rela cion ando o de sen vo lvimen to d o no sso te ma de estudos co m e ven tos que oc orre ra m - sob re tudo nos planos político, econô mic o e socia l - n a c idade de Fo rta lez a. Da mesma forma, fo i fund a mental pa ra a iden tificação de ta is perío dos a prob le mática da independ ênc ia política do MCP. Espera mo s ter c umprido a con ten to co m o ob je tivo colocad o da e laboraçã o de u ma suge stão de perio diz ação para o Mo vimento. Abaixo estão resu midos os três perío dos iden tificado s. Esque ma tica men te te mos: 1º Per íodo: de 2000 a 2004 - In ic ia -se após a ca mpan ha ele ito ra l mun ic ipa l do ano 2000 e m que a coligação d e esquerd a pe rdeu a eleição e termina e m 2004 co m a “suspen são te mpo rária das atividades d o MCP ”, como vimo s na p rime ira parte do cap ítulo três. 2º Per íodo: de 2005 a 2008 – A refundação d o MCP se d á nova men te no pro cesso e leito ral e te m co mo marco princ ipa l a rea lização da prime ira Asse mblé ia P opular da Cidade, a pós u ma long a rodada de Asse mb lé ias P opulare s loca is e regionais; é simbo lizada ta mbé m pe la lu ta pe la s “ Fren tes de Serviço ” e pe la particip ação nos instrumen tos de de mocratizaç ão da g estão pú blica. Dura nte esse pe ríod o o Movimento a madu re ceu sua açã o polític a na afirmação dos seu s p rinc íp ios. 3º Período: d e 2008 a … - Nesse terc eiro pe ríodo, o MCP concentra suas ene rg ia s na tá tica da s ocup açõ es urb anas e na lu ta por mo rad ia. Entre mentes, o MCP manté m a luta por traba lho, p artic ipa ção popular e in ve ste ta mb é m e m outro s te mas co mo educação, saúde e produção. A defin içã o g radua l d e sua au tono mia e indep endência e m rela ção ao Estado, aos P artid os e à s Ig re jas é a p rin cip al carac terística q ue ma rc a esse mo men to. O MCP te m ap rend ido co m a sua ação e co m a su a reflexão e seu s p rogra ma e estrutu ra tê m se adap tado às nova s rea lid ades e necessidad es, de man d ando no va s tática s e no vas experimentaçõ es co mo forma d e atingir seu horiz onte estratégic o, por e les deno min ado co mo “poder popula r”. Isso te m dad o vida a o Mo vimento. A partir das suas p róp ria s exp eriên cias, o MCP te m mo dificado sua “teo ria ”, seu p rogra ma e d ia letica men te fe ito de sua a ção cole tiva o sentido da p ala vra p ráxis. Dive rsa s va riá veis in fluen cia ra m e in flu en cia m a história do MCP, são as un iversalidade s e as singu la rida des que caracte riz a m o con tex to e m que essa experiênc ia se de sen vo lve. No que d iz resp eito ao con tex to metropo litano, de sta ca mos co mo singu laridade s a tendênc ia à te rc iariza ção da econo mia e a queda na produção industria l; a mu dança de cen tra lidad e da Aldeo ta e m direção à Av. Washing ton Soa res; a derro ta da coligação de e sque rda na eleiç ão do ano 200 0 e a vitó ria do P artido dos Trab alhado res n a e leição de 2004; a existênc ia de u m acú mulo pré vio do ca mpo de esquerda e m Fo rta lez a no que diz respe ito a ex p eriê ncias de organ izaç ão popu lar; dentre outras. Às re la ções socia is capita lista s que se desenvo lve m nesse luga r-região e qu e debate mos – a inda que cien tes da co mp lex idad e do a ssun to e da consequ ente inco mp le tude de nossa abo rdage m - no primeiro cap ítu lo, co nferimo s a un iversa lidade de ssa pesquisa. P assando a outro te ma impo rtante e te ndo e m vista o que já afirma mos sob re o d esen vo lvime nto técn ico num contex to so cia l de d o minaç ão das re laçõe s de capital, a supera ção da ba se ma teria l ex isten te na conte mporan eid ade po de sign ifica r a p ossibilidad e do s sere s hu ma nos se bene fic ia re m, de fo rma rea l e unive rsa l, dessa herança h istó rica. Se m lugar a dú vidas, u ma socie dade de no vo tipo que sup ere as relações soc iais burgue sas e, po rtan to, o próp rio dese nvo lvimen to capita lista do e spaç o, pressupõe o uso racion al e consc iente do te rritó rio usado p elo s se res hu manos. A ciência, no pape l de força p rodu tiva a serviço do capita l, fo i u m fe rmento na acu mulação do mesmo e poderá a ssu mir, nu ma formação soc ial qua lita tiva mente superio r, ou tras fun ciona lidades e, u ma ve z sen do utilizada a fa vor do be m e star co mu m, po de torna r-se nova men te u na, tendo e m vista que “a c iê ncia natu ral acabará por inco rpora r a ciênc ia do ho me m, da me sma maneira qu e a c iênc ia do ho me m in teg rará e m si a c iênc ia natural; ha ve rá apena s uma ún ica c iênc ia” 336. Agindo co m essa fina lida de, e la (a c iênc ia ) a ssu miria u m p apel re volucio nário na transformação d as relações socia is. P ara Marx, a eliminaç ão da au to -a lienaç ão segue o mesmo ca minho que a auto -a lienação, ou seja , pode -se afirma r que a aliena ç ão, le vad a ao seu limite , tende a percorre r o mesmo ca minho da su pera ção d esta me sma alienação . Ora , se a alien ação te m co mo princ íp io a 336 Karl Marx, Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Matin Claret, 2002, p. 146. propriedad e privada e a acu mula ção de capita l via apropriaç ão da ma is-va lia, supõ e -se que a supera ção positiva de sta fo rma h istó ric a de p ropriedad e poderá le va r à libe rtaç ão da vid a a lie nada, qual se ja a superação da explo ração d os sere s h umanos entre si e m fu nção de u m plane ja mento rac iona l do traba lho so cia l. O proble ma da transiç ão histó rica e da supe ração da racionalidad e capita lista não é a lgo no vo, mu ito pelo contrário, veja mos a se guin te pa ssage m de Ka rl Ma rx: O q u e ve m a s e r a s o c i e d a d e , q u a l q u e r q u e s ej a s u a f o r ma ? O p ro d u t o re c í p ro c o d o s h o me n s . P o d e m o s h o me n s e s c o l h e r l i v re m e n t e e n t re e s t a o u a q u e l a f o r ma s o c i a l ? D e mo d o a l gu m. A u m n í ve l d e t e r mi n a d o d o d e s e n vo l vi m e n t o d a s f o r ç a s p ro d u t i va s d o s h o me n s c o rr e s p o n d e u m a f o r m a 337 d e t e r mi n a d a d e c o mé r c i o e c o n s u mo . P artimo s do pre ssup osto de que a s co ndiçõe s mate riais c apaze s de propo rc iona r ta l transfo rmaç ão qualita tiva nas cond ições d e p rodução d a soc ieda de conte mporân ea já e stã o colocada s 338. Acontece que essas “condiç ões ma teria is” encon tra m-se, co mo vimos, sub me tidas à re laç ão capita l. Aos traba lhadores dese mp regado s, na impossibilidade de se reproduz irem trad ic iona lme nte c o mo pressupõe o siste ma, ou seja, por meio da venda de sua fo rça d e tra balh o, resta -lhe s c riar suas pró prias formas d e cooperaç ão, de so lid arie dade, de rela ção social n a busc a pela p erpe tuaç ão da sua vida e da sua ex istên cia , é da í q ue nasce m os Mo vime ntos Soc iais P opulares. Enquanto a manu tenção dessa rac io nalidade 337 338 Marx, K. Carta à Pavel Annenkov in Miseria de la filosofía. São Paulo: Global, 1985, p. 246. Segundo Friedrich Engels: “foi precisamente por meio da revolução industrial que a força produtiva do trabalho atingiu um nível tal que há a possibilidade pela primeira vez, desde que existem homens, de produzir com uma divisão racional do trabalho entre todos, não só o suficiente para o consumo, suficiente para todos os membros da sociedade e para um fundo de reservas abundante”. A questão da habitação. São Paulo: Ed. Acadêmica, 1987, p.23. do mina nte do cap ital for possível, esse segu imento soc ia l tende se mp re a ser a mpliado. O dese n volvimento técnico media do pe la re lação soc ial do c apita l n ão te m po r fina lidade a d iminu ição da jo rnada de trab alho e, consequen te mente, o aumento do te mp o livre dos trab alha dore s, ao con trá rio, te m co mo fim primeiro e último o au men to da rentabilidade d o cap ital. S ign ifica dize r que esse au me nto p rogre ssivo força de traba lho ociosa é consequê ncia sine qua non da acu mula ção capita lista e, a o me smo te mpo, seu “c alc anhar de Aquiles” , uma vez que tende a se r cada vez mais “exp lo siva”. P or isso, co mpreende -se que a práxis soc ial dos trab alha dore s - se ja q u al for a su a cond ição , e mpregados ou dese mpre gados - é dete rminan te para a supera ção da alienação e d as c rises pro vocada s pe lo siste ma do capita l. P or inte rméd io do estu do deste seg men to soc ial (popu lar) foi po ssíve l ve rificar nova s so ciab ilid ades e m gestação , co mo qu e e m u m labo ratório sóc io -espac ia l. Entre mentes, são soc iab ilidad es de novo tipo, ma s que estão alienada s da base ma te rial ne cessária à tran scendên cia cole tiva dos sere s hu mano s, à sua e manc ipação . Marx te m u ma visão particu la r e o rig ina l so bre a miséria, segun do ele : A m i s é ri a , c o n s i d e r a d a e m s e u a s p e c t o re vo l u c i o n á ri o , d e s t r u i d o r, que t e rm i n a rá por d e r ru b a r a ve l h a s o c i e d a d e . U m a ve z a d v e r t i d o e s t e aspecto, a ciência, p ro d u t o do mo vi me n t o h i s t ó r i c o n o q u a l p a rt i c i p a , já com pleno conhecimento de causa, d e i xa d e s e r d o u t ri n á ri a e s e c o n v e rt e 339 e m r e vo l u c i o n á ri a . Nesse se ntido, o in divíduo se tran sfo rma e m cla sse media nte o co nfronto . Quando o traba lhado r vende sua 339 Tradução livre do autor a partir do original: “más que miseria, sin advertir su aspecto revolucionario, destructor, que terminará por derrocar a la vieja sociedad. Una vez advertido este aspecto, la ciencia, producto del movimiento histórico en el que participa ya com pleno conocimiento de causa, deja de ser doctrinaria para convertirse en revolucionária”. Marx, K. Miseria de la filosofia respuesta a la filosofia de la miséria del señor Proudhon” Buenos Aires: Editora Siglo XXI, 1973, p.109. força de traba lho de ix a de se r n ão -p roprie tário e pa ssa a ser ele men to in tegrante do modo de pro dução e rep roduçã o do capita l. O operário é parte, e stá in serido, produz e reprodu z a so cie dade capita lista . Já a misé ria não está vincu lada ao traba lho e ao p roce sso prod utivo , quando e la se co nfronta co m a riq ueza, to rnando a aprop riaç ão soc ial, há u m ele men to re vo lucioná rio . A ap rop ria ç ão soc ia l da rique za p ela co le tiv idade cria na soc iedade u ma cooperaç ão de n o vo tip o. A ciência no meio soc ial do cap ita l se co n verte e m força d e afirmação, d epois e m fo rça de de generaç ão e, nu m terc eiro mo men to, e m ace lera ção d a dege neração e d a supera ção do a tua l estad o das co isas. P or me io da requa lificação d e sua s atua is funçõe s, a ciê ncia pod erá contribu ir d ecisiva me nte na co nstitu ição de u m no vo perío do histó rico, pós mo do de produç ão capitalista. P ara não dar luga r à dú vidas, alerta -se que a “superação positiva” do desen volvimen to urb ano capita lista - o obje to de estudo de sta d isse rtaç ão cujo s ele men to s expu se mos acima - pode m nunca c hegar a se universaliza r, dad o que, igua lmen te co mo hipó tese o s ele men tos da degenera ção poderão prod uzir ta mb é m u ma “supe ração ne gativa” pela quebra dos “fios in visíve is” de toda ou quase tod a potenc ia lid ade re volu cioná ria criada e m razão da constituição do ser soc ial. O processo soc ial d ecorrente da co mb ina ção da ciênc ia co m meios d e p rodução e o merc ado ca pitalista fez acele rar a ma rcha do desen vo lvimen to h istó rico ao longo do séc ulo XX. Ela s proporc iona m u ma riqueza soc ial nunca antes vistas, a o passo e m que gera m u ma massa de pobreza ta mbé m nunca dante s observad a: Es s a s c o n d i ç õ e s d a vi d a j á e n c o n t ra d a s p e l a s d i f e r e n t e s g e r a ç õ e s d e c i d e m, t a mb é m, s e a s a gi t a ç õ e s re vo l u c i o n á ri a s q u e p e r i o d i c a me n t e s e rep e t e m n a h i s t ó r i a s e r ã o f o rt e s o b a s t a n t e p a r a s u b ve rt e r a b a s e d e t o d o o e xi s t e n t e , e s e o s e l e me n t o s m a t e ri a i s d e u m a s u b ve rs ã o t o t a l , q u e s ã o , s o b re t u d o , d e u m l a d o a s f o r ç a s p ro d u t i v a s e x i s t e n t e s e , d e o u t ro , a f o r ma ç ã o d e u ma m a s s a re vo l u c i o n á ri a q u e r e vo l u c i o n e n ã o s o me n t e a s c o n d i ç õ e s p a rt i c u l a re s d e p ro d u ç ã o a t é e n t ã o e x i s t e n t e s , c o mo 340 t a mb é m a p ró p ri a 'p ro d u ç ã o d a vi d a ' . O surgimen to de u m novo pe ríodo h istó rico da hu manidade nã o pode ria ocorrer an tes d a s cond içõe s mate riais estare m colo cadas. P aralela men te, as c rises do siste ma faze m co m que as expe riências au tên ticas de no vo tipo se mu ltip lique m, c riand o u ma fo rma ção sócio -espac ia l de qualidade d istinta e, porta nto, limita d ora da livre expansão do cap ital. O siste ma cap ita lista e a socied ade bu rguesa, o que inc lui ta mbé m o E sta do burgu ês, vê m ao longo do seu percurso de monstra ndo enorme capac idade d e regene ração após suce ssivas c rises, não send o po r acaso que logra se mante r do min ante e m pleno sécu lo XX I. P ara David Harve y, “a con struçã o de uma crise ve rdadeira men te globa l de pende do e sgota mento das possibilid ades para nova s transformações re volucio nárias ao lon go do cu rso do próp rio cap ita lismo” 341. A hipótese da qua l pa rte Le feb vre e m “A re vo lução urbana” de “u rban izaç ão co mp le ta da soc ied ade” nos faz ave riguar o p roble ma da supera ção do urba n o, não co mo uma ex tinç ão ou sup ressão arb itrá ria, ma s co mo u ma incorporaç ão e u ma su peração , viabilizada s n os ma rcos do próprio desen volvimento urb ano cap ita lista. Esse, plena mente a mad urec ido, não ma is se ide ntifica co m aquele antigo u rbano, rugoso, pre térito, cu ja separa ção e do mina ção sobre o meio ru ral re pre sento u so me nte o primeiro e dec isivo passo e m direçã o a u ma no va ma triz de formação sóc io -e spac ial que e stá co lo cada co mo possibilidade. A partir dessa pre missa, busca mos ve rific ar o s te mas por me io dos qu ais d efende mos ser possíve l deba te r o 340 341 Marx, K. O capital. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1968, p. 20. Harvey, D. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2006, p. 118. desen vo lvimen to urba no e m se u mo vimen to d ialético. Trata -se ta mbé m de c ontribu ir co m o deb a te sobre as possibilidade s e limite s do ca mpo d isc ip linar geográfico. Ou seja, p ratica r o que Lefeb vre c ha mou de “ tran sdução ”, que ele colo ca ao lad o dos proc edimen tos clássicos da indução e d a dedu ção e que sig nific a a “re flexão sob re o obje to possíve l” 342. Enten de mos que foi isso (u m exerc ício de tran sdução ) que Milton San to s fez ao fo rmu la r a idé ia de que esta ria e m fo rmação u m no vo pe ríod o da história hu mana, por ele deno minado de “P eríodo D e mográ fico ou P eríodo P opula r da História”. Nesse mesmo sentido, Marx e Engels formula ra m à sua época no vas c ompreen sõe s sobre a teo ria do soc ialismo e do c o mun ismo . Ida le to Aued, atua n esse me smo ca mp o ao teoriza r sobre o que cha ma de "e spaço d e tran sição”. A lerta mos que não esta mos a firmando q ue essa s teorias se ja m idên ticas, poré m, e la s pod e m se r c lassific adas den tro d e u m mesmo ca mpo teórico e, de ssa forma, são teorias co mple me nta res. Todos e les fiz era m esse “anún cio ” e a e les recorri para a elabo ração dessa in vestigação . Nas obra s de sse s au tores encon tra mos pon tos de ilu minação co m o s q uais nos d ispo mo s a ve rificar sua equiva lênc ia e mp írica por me io d o estudo d o Mo vimento dos Conse lhos P opula res d e Forta leza, en te ndendo esse co mo re flexo da s c ontra diçõ es do p róp rio modo de produção cap italista. Verific a mo s a possibilidade de sín tese d ia lética que esse mo vime nto pode rep rese nta r, desde que este ja au to -referenc iado nu ma perspec tiva e manc ipa tória e consc ien te que apon te pa ra u ma no va rela ção social funda mentada , re petimos, n a aprop riação socia l da riqu eza, no p lane ja me nto do trabalh o soc ia l e na propriedad e social d os meio s de p roduç ão da vida. Chega mos à conc lusã o de q ue foi po ssíve l iden tificar alguns ele men tos que sugere m o no vo, ou seja , no va s formas de re laç ão entre os sere s hu man os e desse s co m o territó rio usa do, g e stado s no siste ma de a ções 342 Lefebvre, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte: Annablume, 2008, p. 16. desen vo lvido p elo MC P e que são in co mpa tíve is co m as rela ções soc ia is do cap ita l. Contu do, o MCP ainda não é o “novo”, po ré m essa e xperiênc ia não pode ser reduz ida simple smen te à s ve lhas relações capita listas-b urguesas. Há no MCP ele men tos do “novo”, de u ma supe ra ção positiva do modo de p roduçã o capita lista e é po r isso que defende mos q ue é po ssíve l iden tificar nesse mo vimento popula r os ele men tos d o espaço de tran sição. A condição d a polític a é o te rritó rio. O acon tece r é produto da von tade po lítica e será tan to ma is po ssíve l à medid a que pro je tos p olíticos con tra -ra cion ais ou contra hege môn icos popu lare s e anticap italista s for o objeto racional e a tivo da ma ioria pop ula r d a soc iedade , constru indo o seu espa ço e o seu p róprio pe ríodo. So men te quando a expe riência da propried ade soc ia l deixa r de se r algo ex ótico e passar a ser o con teúdo nece ssário (u ma necessidad e histó rica ) da rep rodução d a existênc ia hu mana, é que a hu manidade buscará me ios pa ra unive rsa lizá -la. Expe rimen taçõ es loca is e me smo ensa ios mu ndia lizado s vão introdu zind o no vo s c onteúdo s à mate rialidad e posta no perío do a tua l. A ace lera ção e a co mp lex idad e do pe ríod o a tual forma m u ma barre ira q ue dificu lta qua lque r a nálise sobre os e vento s con te mpo râneos, sob re tudo os estudo s que adota m fenô menos soc iais (co mo o su rg imen to e de u m mo vimen to popu lar) co mo te ma e que funda menta m-se no método d ia lé tico. É por isso qu e fecha mos e ssa dissertação co m u ma passage m q ue, iron ica me nte , apo nta pa ra o s limite s dessa pesqu isa. Acredita mos que o no sso ob jetivo tenha sido a ting ido , qual se ja, o de realizar u ma dissertação que con tribua co m a reflex ão sob re o desen vo lvimen to u rban o a partir de u ma p re missa d ialética do nosso ob jeto de estudo : espaço de tran sição. P oré m, esta mos de aco rdo co m o que no s ad ve rte Aue d: Não há possibilidade de os homens c o n h e c ê - l o p a r a a l é m d e c o mp a ra ç õ e s s e n s i t i va s c o m f e n ô me n o s j á c o n h e c i d o s / . . . / n o mo m e n t o h i s t ó r i c o e m q u e o f e n ô me n o s e ap re s e n t a , o s h o me n s p o d e m u s a r d e t o d o s o s i n s t ru m e n t o s e me i o s q u e d i s p õ e m p a ra c o n h e c ê -l o . Ma s , n ã o p a s s a rã o d e d e s c ri ç õ e s f u n d a me n t a d a s n a re l a ç ã o c o m o s 343 f e n ô me n o s j á c o n h e c i d o s . Como não sabe mos o que é exa ta men te o “novo”, pois na sce mos e cresce mos no meio socia l do minan te burguê s, so men te pode mo s rea liza r transduçõ es, re fle xões baseada s nas experiê ncias e nos conhec imento s que obtive mo s ao long o de nossa ex istênc ia. P oré m, esse no vo, por ser qu alitativa me nte dife rente do mu ndo e m que vive mo s, não pode ser cap tado senão n a forma de possibilidade, co mo re flexão sobre o ob je to do possíve l. 343 Aued, Idaleto. Dois dedos de prosa sobre O Capital. Florianópolis: Revista Geosul, 2004, p. 43. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ARAÚJO, Ana M. M. Fortaleza, Metrópole Regional. Trabalho, moradia e acumulação. Fortaleza: Eduece, 2010. AUED, I. M. Estratégias e contradições na construção da sociedade Socialista Soviética: socialismo de menos, capitalismo de mais (19171929). São Paulo: FFLCH/USP, 1995. (Tese de doutorado) AUED, I. Marxismo e geografia. In Alba, R. S. Et all (Org.) O ensino da geografia no novo milênio. Chapecó/SC: Editora Argos, 2002. AUED, Idaleto. Marxismo e Geografia. In: O ensino da Geografia no novo milênio. Chapecó, SC: Editora Argos, 2002. BERNAL, Cleide. A metrópole emergente – A ação do capital imobiliário na Estruturação Urbana de Fortaleza. Fortaleza: Editora UFC / Banco do Nordeste, 2004. CASIMIRO, Liana M. C. Acumulação capitalista, emprego e crise: um estudo de caso. São Paulo: Instituto de Pesquisas Econômicas, 1986. COSTA JÚNIOR, Pedro W. O. O estreito fio da navalha: participação e transformismo na relação do Movimento dos Conselhos Populares (MCP) com a gestão de Luizianne Lins em Fortaleza (2005 a 2009). Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará, 2010. (Dissertação de mestrado) COSTA, Ana C. L. Cidade 2000: expansão urbana e segregação espacial em Fortaleza. Universidade de São Paulo, 1988. (Dissertação de mestrado) DANTAS, Eustógeno e Silva, José. A formação histórica da metrópole e principais tendências de desenvolvimento. In Pequeno, Luiz (Org.) Como anda Fortaleza. Conjuntura Urbana 5. Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Metrópoles, 2009. DIÓGENES, Beatriz H. N. A centralidade da aldeota como expressão da dinâmica intra-urbana de Fortaleza. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005. (Dissertação de mestrado). ENGELS, Fridrich. A questão da habitação. São Paulo: Editora Acadêmica, 1987. ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1979. FIGUEIRA, Pedro de A. Economistas políticos. O significado histórico da economia política. São Paulo: Musa Editora, Cuiabá, Sugesta Editora, 2001. FORTALEZA. Prefeitura Municipal - Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Programa Com os Pés no Chão: Frentes de Trabalho Urbanas para Fortaleza. Fortaleza: Impressão, setembro de 2005. FORTALEZA. Programa de Governo, Por amor a Fortaleza: construir uma cidade bela, justa e democrática. Coordenadoria de Comunicação Social da Prefeitura Municipal de Fortaleza. Editora Expressão Gráfica, 2006. GIRÃO, Raimundo. Pequena História do Ceará. Fortaleza: Edições Universidade Federal do Ceará, 1984. HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2006, p. 131. LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Tradução de Sérgio Martins: Belo Horizonte: Editora UFMG, 3ª reimpressão, 2008. MARX, K. & ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2008. MARX, K. O capital - Posfácio da segunda edição, Livro 1, Vol. 1, 1968. MARX, K. O capital. Crítica da Economia Política. O processo Global de Produção Capitalista, Livro 3, Vol. 5. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1968. MARX, K. Capítulo VI Inédito de O Capital. Resultados do processo de produção imediata. São Paulo: Ed. Moraes, 1973. MARX, K. Manuscritos econômico-filofóficos. São Paulo: Martin Claret, 2002. MARX, Karl. La miseria de la filosofía. Buenos Aires: Editora Siglo Veinteuno, 1973. OLIVEIRA, Alexandra Maria de. A contra-reforma agrária do Banco Mundial e os camponeses no Ceará – Brasil. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005, p. 137. (Tese de Doutorado). ORTEGA y GASSET. Meditação da Técnica. Rio de Janeiro: Livro Ibero-americano, 1963. PAIVA, Ricardo A. Entre o mar e o Sertão. Paisagem e memória no Centro de Fortaleza. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005. (Dissertação de Mestrado). PEREIRA, Alexandre Q. Veraneio marítimo e expansão metropolitana no Ceará-Brasil: Fortaleza em Aquiraz. Fortaleza, Universidade Federal do Ceará 2006. (Dissertação de Mestrado) PRADO, Eleutério. Desmedida do valor: Crítica da pós-grande indústria. São Paulo: Xamã, 2005. SANTOS, M. A natureza do espaço. São Paulo, Edusp, 2008a. SANTOS, M. Espaço e método. São Paulo: Edusp, 2008b. SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo: Edusp, 2008c. SANTOS, M. Técnica – Espaço – Tempo. Globalização e meio técnico-científico Informacional. São Paulo: Hucitec, 1996. SANTOS, M. At all Manifesto – O papel ativo da geografia. In XII Encontro Nacional de Geógrafos, Florianópolis, 2000. SILVA, José B. A cidade contemporânea no Ceará. In: Souza, S. (Org.) Uma nova história do Ceará. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2000. SMITH, Adam. Esboço primitivo de parte de A Riqueza das Nações. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1983. SPOSATI, Aldaíza; Torres, Haroldo; Pasternak, Suzana; Villaça, Flávio. Espaço e Debate: revista de estudos regionais e urbanos. São Paulo. v. 24 n. 45, jan/jul 2004. VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel, 2001. INTERNET acesso em 04/02/2010. http://www.overmundo.com.br/overblog/mercado-informal-em-fortaleza Habitação no Processo do Plano Diretor Participativo da Cidade de Fortaleza/Ce, Brasil. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2010, vol. XIV, nº 331 (9). http://www.ub.es/geocrit/sn/sn331/sn-331-9.htm>. [ISSN: 1138-9788]. !"#$!%"&"" %'" " ' '"( " "! )**+ ,, ! $'$ %-&"-!--"-( &$&"- '!' Acesso em 12/03/11. http://www.alphaville.com.br/empreendimentos/nordeste/fortaleza/ "#!%&""! "#'"( !&"-$%" ! '-!- " '. Jornal O Estado. Matéria: 'Raízes da Praia denunciam PM por interar milícias'. Fortaleza, 29 de julho de 2009. Matéria da reporter Ivna Girão. Fonte: "&" "! $%&/0"1 %" $$2" 1' %" $$2&%"451)) 2%" $$451 ,6*76 3 Madeira, Hérica M. e Costa, Maria C. L. A desindustrialização do bairro Jacarecanga (Fortaleza – Ceará). Fortaleza: Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC, 2005. Disponível em: http://www.sbpcnet.org.br/livro/57ra/programas/senior/RESUMOS/resu mo_2934.html (Acesso em 14/01/11). " '$" ( acesso em 04/02/2010. Plano de Manejo pretende transformar Sabiaguaba em bairro ecológico. Fonte: Site da Prefeitura Municipal de Fortaleza. Disponível em: " '. ("# $%&/0" $" %1"! " %% 2 3 81#$2$&1 ,6***24! $&1)9: (" "! %" $ $ &$-&$ ! %$"-!%-"- '$"-&- " '$"- " - $"-!" '.0;$ 8 ,1* . Acesso em: 29/03/2011. 3 $( ("# WIKEPÉDIA, a eniclopédia livre. wikipedia.org Acesso em:25 de fevereiro de 2011. DOCUMENTOS - MCP MOVIMENTO DOS CONSELHOS POPULARES, Circular 002, Fortaleza, 01 de dezembro de 2005. MOVIMENTO DOS CONSELHOS POPULARES. Avaliação do MCP sobre o PPA Participativo – Primeira experiência de democracia participativa da gestão popular de Fortaleza. Fortaleza: documento impresso fotocopiado, 4 páginas. MOVIMENTO DOS CONSELHOS POPULARES. Boletim do MCP Regional IV 001/06. Fortaleza, 15 de janeiro de 2006. MOVIMENTO DOS CONSELHOS POPULARES. Organização e Poder Popular para libertar o povo trabalhador. Fortaleza: documento impresso, abril de 2008. MOVIMENTO DOS CONSELHOS POPULARES. Poder Popular para Libertar o Povo Trabalhador – Programa Político do Movimento dos Conselhos Populares. Fortaleza: documento impresso, 2008. MOVIMENTO DOS CONSELHOS POPULARES. Princípios, Diretrizes Políticas, Programa e Estrutura. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2005. MOVIMENTO DOS CONSELHOS POPULARES. Trabalho e Poder para o Povo de Fortaleza. Campanha Contra o Desemprego. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2005. NÚCLEO DE PARTICIPAÇÃO POPULAR. Documento “OP”, do “Núcleo de Participação Popular” do MCP, s/d, página única. ANEXOS ANEXO 1 TERMO DE COMPROMISSO E RESPONSABILIDADE DA COMUNIDADE RAÍZES DA PRAIA Art. 1º: Venho por este te rmo d eclara r que me co mpro me to a cu mp rir toda s a s reg ras aba ixo a ssina ladas co m fin s de garan tir a o rgan izaç ão e o be m-esta r cole tivo da co munidade, de aco rdo co m a s d elibe raçõe s a pro vada s n a Asse mb léia no dia 2 8/06 /2009 realizad a n o Morro d a Vitória e seqüe nte s realizada s na p róp ria Raíze s da P raia. Art. 2º: S ão regra s da Comun idad e Raíz es da P raia: 2 Só partic ipa m da ocu pação aque les que pre cisa m de terra pa ra morad ia (aqu eles que, an te s de se in sta la re m na Raíz es da P ra ia mo ra va m d e a lugue l, e m co habitação, áre a de risco ); 3 É to talmen te p ro ibid o venda ou qua lque r tipo d e co merc ia lização ou doa ção da terra ou da ca sa ; 4 A divisão do s e spaço s será igu al entre todo s e a sua distribu ição se rá se mpre feita pe la Comissão Organizadora, podendo ir para Asse mb lé ia e m ca so de impa sse ; 5 Em c aso de desistênc ia, a pessoa será substituíd a por outra ind icada pe lo Movimen to dos Conselho s P opulares-MCP ; 6 Não há lideranças na co munidade e as dec isões serão to mad as p elo con jun to do s seus morado res nas Asse mb léias e execu tad as pe la Co missão O rga nizado ra; 7 Todos os morad ore s de ve m pa rtic ipar das Asse mblé ia s; 8 É deve r de todo s os mo radore s respe itar a s de cisõe s da Asse mb léia e se su b me ter a e la s. 9 Quem rep resenta a co mu nida de e xte rna mente são as pessoa s que particip a m da Co missã o Orga niz a dora; 10 É de ver de cada mo rad or ga ran tir e z ela r p elo s e spaços públicos rese rvado s na ocupação pe la co mu nida de (Barra cão da co mun ida de, rua s, e spaço d e con vivênc ia ) sendo p roib ida a ocu pação de les para mo radia o u qualque r ou tro tipo d e apropriaç ão individua l; 11 Todos os prob le mas d a ocupação se rão reso lvid os na Comissão O rganizadora e Asse mbléia ; Art. 3º: Outras no vas reg ras e no rmas de con vivênc ia pode m ser a cre scidas a estas desde que a pro vada s e m Asse mb léia; Art. 4º: Se qua lq uer da s reg ra s ac ima fore m desre spe ita das, o caso será le va do à Asse mblé ia p ara decisão de qua l penalidad e será aplicada ao tran sgresso r(a ). A Asse mblé ia te m p lenos p oderes para decid ir a medida ade q uada podend o a té le va r a e xpulsão da co mun idade . Art. 5º - O descu mprimento de ste Termo poderá aca rre ta r denúncias aos ó rgão s p úblicos co mpetentes, sobretudo nos casos de tran sgre ssão d os iten s 1 e 2 do a rt. 2º. Fo rta lez a -Ce, 03 de Julho de 2009. _________________ __ _________________ __ ________ Morado r(a ) RG ou CP F: ANEXO 2 Ao Presid ente d a Hab itafor, Roberto Go me s Em Asse mb lé ia rea liza da no dia 11 de se te mbro de 2010, a Co mun idade Raízes da Pra ia discu tiu e delibe rou sobre a p ossib ilidad e de aderir a o P rogra ma Minha Cassa Minha Vida. Ta l dec isão fo i p reced ida de vário s de bates inc lusive co m re pre se ntan tes d a P refe itu ra Munic ipal de Fo rta lez a. A Comun idade Raízes da P raia reso lveu q ue o P rogra ma Minha Casa Minh a Vida não con te mp la seu s anseios e nece ssidades pelas ra zões abaixo re latadas: 1. A co munid ade nã o se c on venceu da viabilida de do progra ma, u ma vez q u e até ag ora nenhu ma constru to ra de monstro u in tere sse e m e fe tivar tal p rogra ma na região onde a c o mun idade se loca liza. O valo r d a te rra nesta região litorânea e a qu antidade d e fa mílias na co mun idade refo rça m ta l d escon fiança, po is redu ze m a ma rge m de lucro . De fato, o b aixo dese mpenho e m termos de construção para a faix a de ba ixa renda e m toda a c idade refo rça e sta desconfian ça. 2. So mado ao de sin teresse e mp resa rial, as pendências quanto à prop riedade dos lo te s ocupa dos e a buroc rac ia não permite m o vislu mbre da construç ão de moradias ne m a curto ne m a méd io p razo, o qu e é d esan imad or pa ra que m está vivendo e m ba rra cos p recá rio s há ma is de u m ano. Le vando e m con ta o q ue se te ria que pagar depois, ma is intere ssan te pa ra os moradores se ria in vestir desde já e m benfe ito rias, au to -construindo n o ritmo e pad rã o possíve is, mas imed ia tos. 3. Alé m d isso, o pa ga men to po r dez ano s, reaju stado anualmente pe la TR, é rejeitado p elo s mo rad ores. Alguns são despro vidos de co ndiçõe s segu ra s para realizarem ta l paga men to e te me m qu e a inad imp lên cia g era da pela fa lta de renda ou por au men tos an uais e le vado s ( a depender da conjun tura econô mica e política ) imp lique na to mada do s imó ve is pela Caix a. A possibilidade d e que a lguns imó ve is possa m ser to mado s e vend idos a terce iros in co moda a todos, pois de scaracterizaria a co mun idad e c onstruída na luta co m re laçõe s b a seadas na so lidarieda de e não na co mpra e vend a. 4. O P rogra ma abre po ssibilidade de d esca rac terização da co munidade ta mbé m porque a vend a do imó vel é permitida , podend o pe ssoas que não pa rtic ip ara m da lu ta ne m te m qua lquer re laç ão co m esta adqu ira m imó veis co m base na s le is de me rcado, exp lorando as dificu ldades finan ceiras de a lgun s. 5. Se as pe ssoa s tive sse m optado pe la lógica de mercado do Min ha Casa Minha Vida te ria m se in scrito no P rogra ma , não o fize ra m po is optara m p ela lóg ica d a o rganiza ção e da luta para c on seguire m e fe tivar seu dire ito constituc iona l a mora d ia atra vé s de ju sto in vestimento do P oder P úblico. Assim, parte re jeita por te mer n ão ter condiçã o de pagar (já que pro pobre o fu turo é incerto e dez ano s é muito te mp o), p arte porque reje ita o pa ga men to por de sfigu rar a ca min hada de luta s e sacrifíc ios em busca dos d ire itos que ca rac teriz a a Ra ízes da P raia. 6. Fo rta lez a, e a reg ião que a Raízes da P raia está inse rida e m e spec ia l, será a lvo de grandes in vestimen tos co mo é de conhecimen to de todo s. Ta is in ve stimento s não de ve m visa r apena s o e mbelez a mento e a pad ron izaç ão da cid ade para in tere sse s do me rcado turístico, ten do co mo foco abertura de via s e paisagismo. Ta is in vestime ntos (PAC2, Aldeia da P raia , inte rven ções estru turante s visand o Copa de 2014) de ve m prio riz ar a de moc ra tiz ação d o solo urb ano e a mo rad ia d igna. 7. E m re laç ão a o pon to ante rio r, chegou -se à conc lusão que a qualifica ção (inc lusive hab itac iona l) da área onde a co munidade está in sta lada é de in teresse ta mb é m do P oder P úblico e de toda a sociedad e, inc lusive po r in te resses econô micos, não sendo justo que o s mo rado res pob res da Raízes da P raia arque m finan ceira mente co m pa rte deste processo de re mode la mento. 8. O pro je to hab itaciona l d e ve ser integrado à requa lificação da p raia dentro dos pad rões cultu ra is d e nossa gen te e co m u ma lóg ica de mocrátic a de uso e explo ração econô mica (o qu e não acon tece no re sto da P raia do Fu tu ro qu e é priva tiz ada e exc lude nte). Apena s assim fa z sen tido a pa rceria co m o P oder P úblico. Logo, quere mo s u m pro je to globa l que alé m da c onstrução de unidade s h abitac iona is, ga ran ta laz er e gera ção de rend a para no sso p o vo. CONCLUSÃO: por en tender que o p rogra ma Minha Casa Minha Vida não rep rese nta o s b enefíc ios que a co munidade necessita, pedimos que a P refe itura sub sid ie integralmen te as morad ia s n a Ra íze s da P raia e in vista p ara, e m pa rceria co m a co mun idade , re vitaliza r e sta que é u ma da s á reas mais be las de nossa Fo rta leza e que, ao con trá rio de ou tras partes da orla, a inda não foi totalmen te de struíd a pela ganância do c apita l e d o mercado. ANEXO 3 ANEXO 4 ´CAÇA´ AOS VOTOS (3/9/2010) Ocupações irregu la res cre scem em ano ele ito ral 3/9/2010 É preciso a ções mais e fetiva s do s pod eres públicos munic ipa l e estadu al no combate a essa prá tic a criminosa. Registra -se um au mento de oc upaçõ es irregu lare s e m Forta lez a. P ara se ter u ma ide ia, e m to do o ano passado , fora m 36. Já e m 201 0, até agosto, a Defesa C ivil registrou 51. E m an o ele ito ra l, e ssa s a ções parec e m ser me io s de pression ar por mo radia dign a. P ara a P refe itura, ocupações au menta m nesse período de vido à "ca ça " a os voto s e às p ro me ssa s da casa própria. Nada ma is u rg ente e nece ssá ria do q ue uma açã o ma is expressiva do poder púb lic o n o co mba te a essa prá tica crimin osa. Ocupações urban as no José Wa lte r, P raia d o Fu turo , P aupina , Curió , Bonsuce sso e Conjun to Ceará. Não falta m exe mp lo s de pe ssoa s q ue se apro ve ita m de sse cená rio fa vo rá ve l e mon ta m seus barracos e m qua lq uer luga r a fim de ex ig ir um ca nto pa ra ficar, de sre spe itando a organ izaç ão d a Cida de. E sobra m "mau s políticos que se utiliz a m disso pa ra p ro me te r e estimu la r as ocupaç ões", d isse Roberto Gome s, presiden te da Fundaç ão de Desen vo lvimen to Habitac iona l d e Forta le za (Habita for). Segundo o co mandan te da Célu la d e Operaç õ es da Defesa Civil, Ron iely P inhe iro, h á mu itos cabos e leito rais fa zend o pro me ssa s e "caçand o" vo tos nessas o cupaçõe s. "Tive mos u m a u men to devido à s exp ecta tivas de aju da de po lítico s e de conqu ista s de vaga s em conju ntos habitac iona is. Mas a P refeitura não n ego cia casas co m in vaso res. Há um esforço claro de co mba te ao défic it hab ita cion al. Já en treg a mos 4.750 un idade s". Proje tos Ana Virgín ia, militan te do Mo vimen to d e Lu tas nos Bairro s (MLB ), a firmou que a qu estão d a mo rad ia de veria ter ma is espaç o no s p roje to s de gove rno do s cand ida to s. "Os partidos só sabe m fala r de se guran ça e saúde, pa rece que n ão existe prob le ma habitac iona l", friso u, apontand o o alto d éfic it hab itacional e m Fo rta lez a, que é de ma is de 77 mil u nida des. P ara Igo r More ira, militan te do Mo vimen to do s Conselho s P opulare s (MCP ), a oportun idade das ele ições é b oa mesmo para que en tid ades d e luta urban a e un iversidades possa m fo rçar os políticos a assu mire m co mpro misso s c o m a pauta da moradia, qu e priorize o cu mp rimen to do Esta tu to da C idade e do P lano Direto r, p or exe mp lo. Ou se ja, imple me nta r u ma polític a habitac iona l coe ren te, que não permita ma is in vasõ es e todos os gra ve s pre ju ízos consequen te s das oc u pações irregu lare s. "No caso da s in va sões, as ele ições ma is a trapa lha m do que a juda m, po is te m mu ito polític o que só va i nu ma ocupa ção busc ar voto e fa zer pro me ssa. São opo rtun ista s qu e, ante s, critica va m o s ocup a ntes, cha ma va m e ssas pessoa s d e in va sore s e , agora, p ara ganh ar voto, vão apo iá -los. É perigo so ". Entre a s ocupaçõ es irre gulares ma is recen te s d o MCP está a Co muna 17 de abril, no José Walte r, que, e m parc eria c om o Mo vime nto d os Trabalh adore s Rura is Sem Terra (MST), foi ocupada por 1.200 fa mílias e m 15 d e ab ril de 2010. Conforme os movimen to s, os ocup antes são p ro ven ien tes de vário s b airro s d a Cap ital, entre e les, José Wa lte r, P lanalto Ayrton Senn a, Mondubim, S ique ira, Messejana, Jardim Violeta, Barroso, Ca ste lão, Con junto P alme ira s, P assaré, Mo nte se e Vila Velha. Fon te : http ://d ia riodonord este. globo.co m/ma teria. asp? aviso= ye s&cod igo=844 559 ANEXO 5 Resposta do Mov imen to Conselho s Popula res (MCP) à matér ia do Jorna l Diá rio do Nordeste – “Ocupa çõ es ir regu lares cresce m em ano e le itora l” - 03 /09/2010 1 – Ocupaçõe s de te rra s pa ra morad ia nã o configura m prá tica c riminosa . Se esse fo r o entend ime nto do jorna l, e ste e sta ria classificando co mo c rimino sos c ente nas d e milhares d e forta lezen ses q ue vive m e m áre as orig iná ria s de ocupaçõ e s. 2 – Não é pap el do poder p úblico co mb ater que m luta por morad ia. A obrig ação do E stad o é garan tir o d ireito con stitu cion al à mo rad ia (art. 6° C F) e co mbater a esp eculação imob iliá ria (Esta tu to da C idade e P lano Dire tor). Até porque prop riedade q ue não cu mpre funçã o socia l d esrespe ita a Co nstituiçã o Fede ra l. 3 – O víncu lo da s ocup ações à proximid ade da s ele ições não é funda menta do c ien tifica n e m e mpirica men te. O rep resentante do mo vimen to procurado pe la repo rtage m, Igo r Mo reira, foi claro ao re sponde r à re pórte r que a s ocupaçõ e s faze m parte do processo urb ano de Forta lez a desde se mp re, o rgan iz adas po r mo vimento s ou não e m todos os ano s, independ ente da e le içã o. P or isso mesmo a fra se “Ou se ja, imple men tar uma po lítica ha bitac ional co eren te, que n ão permita ma is in vasõ es e todo s os gra v es preju ízo s conseqü en tes da s ocu paçõe s irregu lare s”, não faz sen tid o a lgu m, po is política a lgu ma imped irá ocupa ções enquan to o acesso ao so lo urba no não fo r de moc ratizad o. Sequer o te rmo “in va sões” faz parte d o voc abulário do milita nte c onsu ltado ne m de nenhu m militan te do MCP, o que demo nstra uma clara manipula ção da fala do entre vistad o, na fa la en tre a spas q ue lhe é a tribu ído se guin do malfadada frase sup rac itada. 4 – A Co muna 17 de ab ril não é u ma “o cupaçã o irregu lar” , ma s u m instru men to de lu ta leg ítimo para asse gura r o dire ito à morad ia de fa mílias que e spera va m há mais de trê s q ue os co mpro misso s que o po der púb lico a ssu miu co m elas fo sse m conc re tiz a das (confo rme exp lic a do à jo rna lista), inclu sive tra ta -se de u m aca mpa mento não de “barraco s erg uido s por in vaso re s”. Irregular n a verdad e é a existências de vazio s urbanos e m áre as a mpla men te cobertas por infra -estrutura e se rviços urban os custe ados pe lo con ju nto da soc ieda de pa ra atende r os inte resses da população , não de especu lado res imo biliá rio s. 5 – O MCP é u m mo vimento que, co m ob je tivo de constru ir o P oder P opula r, a rticu la u m conjun to de lu tas urba nas – mo rad ia, traba lh o, cultura etc . E ven tualmente o Mo vimen to realiza ocupações c o mo u ma tática p ara rea liz ar reivind icaçõ es d efin ida s nas instânc ias do MC P, quando ou tras vias são in terro mp ida s p e la inação do Estado. POVO QUE OUSA LUTAR, CONSTROI O PODER POPULAR. MCP - MOVIMENTO DOS CONSELHOS POPULARES