Angela Maria Gonella-Diaza é graduada em medicina veterinária e zootecnista pela “Universidad de Ciencias Aplicadas y Ambientales, UDCA” em Bogotá, Colômbia. Possui mestrado em Ciências da Saúde Animal da “Univeridad Nacional de Colombia” em Bogotá Colômbia. Atualmente cursa o Doutorado no Departamento de Reprodução Animal da Faculdade de medicina veterinária e zootecnia da Universidade de São Paulo, campus Pirassununga. Linha de trabalho: Fisiologia e endocrinologia molecular. Manipulação das concentrações peri-ovulatórias de esteroides sexuais afetam a expressão gênica do oviduto em vacas Nelore Angela Maria Gonella-Diazaa; Sónia Cristina da Silva Andradeb; Saara Carolina Scolaria; Mariana Sponchiadoa; Guilherme Pugliesia; Fernando Silveira Mesquitac; Gustavo Gasparinb; Luiz Lehmann Coutinhob; Mario Binellia a Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, Pirassununga, SP, Brasil. b Laboratório de Biotecnologia Animal, ESALQ, Universidade de São Paulo, Piracicaba, SP, Brasil. c Universidade Federal do Pampa, Faculdade de Medicina Veterinária, Uruguaiana, Brasil. *Autor para correspondência: [email protected] INTRODUÇÃO As tubas uterinas ou ovidutos são estruturas pares que são responsáveis pelo transporte de gametas e embriões, e se estendem das proximidades do ovário até a união com o útero. Três regiões são claramente distinguidas: infundíbulo, ampola e istmo. O infundíbulo tem forma de funil e é a região que está mais perto do ovário, possui as fímbrias e faz a captação do ovócito após a ovulação (1, 2). A ampola é uma região que inicia após o infundíbulo e se limita até o istmo, o qual finaliza na junção útero-tubárica (2). A ampola está envolvida no transporte do ovócito e a fertilização. Por outro lado, o istmo é responsável por capacitação dos espermatozoides e transporte do embrião até o útero (3). Desde o descobrimento do oviduto por Gabriele Falloppio em 1561 e até a década de 1900, acreditava-se que este era simplesmente uma via para a passagem do espermatozoide e do embrião, sem funções metabólicas ou fisiológicas (4). No entanto, atualmente é conhecido que o oviduto desempenha um papel importante na formação de reservatórios de espermatozoides, na capacitação espermática (5, 6), na fertilização (7) e no desenvolvimento embrionário precoce (3, 8). O oviduto é revestido por um epitélio luminal que contém dois tipos de células: ciliadas e não ciliadas ou secretoras (9). As secreções destas células disponibilizam ao ovócito e ao embrião, nutrientes (substratos energéticos, ions e aminoácidos) e fatores de crescimento, que são necessários para o desenvolvimento destas estruturas (10). O conteúdo das secreções pode ser modulado pela ação dos hormônios sexuais: estradiol (E2) e progesterona ([P4]; (3), como evidenciado pelo aumento de volume do oviduto em torno da ovulação e redução durante a fase luteal (11, 12). Em bovinos, as concentrações circulantes de E2 durante o proestro-estro e de P4 durante o metaestro-diestro estão associadas positivamente com a probabilidade de sucesso de gestação (13-15). Por exemplo, a suplementação de P4 durante os primeiros dias do diestro regula a expressão gênica do endométrio e favorece o maior crescimento do concepto (1618). Em trabalhos recentes do nosso grupo de pesquisa, foi testado um modelo experimental no qual, usando protocolos de sincronização de cio, dois grupos de animais foram obtidos: vacas que ovularam um folículo maior e formaram um corpo lúteo maior (FG-CLG) e, consequente tinham maiores concentrações de E2 no estro e P4 no diestro inicial; e vacas que ovularam um folículo de menor diâmetro formando um CL menor (FP-CLP) com menores concentrações de E2 e de P4. Usando este modelo, foi determinado que as vacas do grupo FG-CLG, tem uma expressão gênica endometrial diferenciada (19, 20) e uma maior taxa de concepção (Pugliesi et al 2014; dados não publicados), quando comparadas com as vacas do grupo FP-CLP. No presente estudo, objetivamos avaliar se, estas mudanças nas concentrações de E2 e P4 nos grupos FG-CLG e FP-CLP expostas acima, modificam a expressão gênica no oviduto. Para isto, utilizamos a metodologia do sequenciamento de RNA (RNAseq) para a obtenção do transcriptoma da ampola. O transcriptoma constitui os RNA mensageiros (mRNA) que se encontram dentro do tecido, ou seja, as moléculas que levam a informação dos genes para a tradução em proteínas. MATERIAL E MÉTODOS O experimento foi conduzido na Universidade de São Paulo, no campus Pirassununga. Vacas multíparas e não-lactantes (n=41), da raça Nelore (Bos indicus), com condição corporal entre 3 e 4 (0=magro, 5=obeso), foram utilizadas. As vacas foram mantidas em sistema de pastejo extensivo (Brachiaria brizantha), e com sal mineral e água ad libitum. Os animais foram aleatoriamente distribuídos em dois grupos e submetidos a um protocolo de sincronização de cio a base de P4/E2. As vacas receberam um dispositivo intravaginal de liberação de P4 (1g, Sincrogest, Ouro Fino Saúde Animal, Cravinhos, SP) e 2 mg de benzoato de E2 (BE; Sincrodiol, Ouro Fino Saúde Animal) foi aplicado por via intramuscular (im). Os animais do grupo FG-CLG, receberam um tratamento adicional com análogo de prostaglandina F2α (PGF2α; cloprostenol sódico; Sincrocio, Ouro Fino Saúde Animal) por via im no dia da inserção do dispositivo. O dispositivo foi removido 8,25 ou 8,75 dias após sua inserção nos grupos FG-CLG e FP-CLP, respectivamente. Estas duas mudanças visaram permitir: 1) o desenvolvimento folicular em um ambiente de baixa P4 pela aplicação adicional de uma dose de PGF2α no momento da inserção do dispositivo no grupo FG-CLG; e 2) propiciar maior tempo para o crescimento do folículo pré-ovulatorio durante o proestro. Um análogo de GnRH (10 µg; acetato de buserelina, Sincroforte, Ouro Fino Saúde Animal) foi administrado via im no Dia 0 para a indução da ovulação. Os animais foram abatidos no dia 4 (Dia 0 = tratamento com GnRH). Amostras de sangue para a mensuração de das concentrações circulantes de P4 foram colhidas diariamente entre os Dias 0 e 4, e amostras de tecido do oviduto ipsolateral ao corpo lúteo e de duas regiões (ampola e istmo) foram obtidas logo após ao abate. A técnica de radioimunoensaio foi utilizada para mensurar as concentrações plasmáticas de E2 no Dia 0 e P4 no Dia 4. Nas amostras de ampola e istmo, realizou-se extração de RNA total. Três amostras por grupo foram selecionadas para a determinação do transcriptoma da ampola; empregou-se 1 μg de RNA total e o protocolo TruSeq da Illumina Technologies (San Diego, CA). As amostras foram sequenciadas na plataforma Illumina HiSeq 2000. Posteriormente, análises de bioinformática foram realizadas para identificar os transcritos e sua abundância. Finalmente, sete amostras por grupo foram usadas na validação dos resultados do sequenciamento pela técnica de PCR em tempo real (qRT-PCR), metodologia que permite avaliar a expressão de genes individuas pela quantificação relativa do número de transcritos para este determinado gene. RESULTADOS O modelo experimental comprovadamente resultou em um folículo pré-ovulátorio maior (15,70 ± 0,43 mm vs. 11,31 ± 0,23 mm; P<0,01) e maiores contrações de estradiol no Dia -1 (2,44 ± 0,19 pg/ml vs. 0,65 ± 0,15 pg/ml; P<0,01) no grupo FG-CLG quando comparado com os animais do grupo FP-CLP. Além disso, no Dia 4 as vacas do grupo FGCLG apresentaram maior área do CL (1,39 ± 0,08 mm2 vs. 1,02 ± 0,09 mm2; P<0,01) e maiores concentrações plasmáticas de P4 (1,40 ± 0,23 ng/ml vs. 0,80 ± 0,10 ng/ml;P<0,01). O resultado do RNAseq revelou que 190 genes foram diferencialmente expressos entre os dois grupos (P<0,05), sendo que 114 foram mais expressos no grupo FG-CLG e 76 mais expressos no grupo FP-CLP. A diferença na abundância dos genes foi claramente indicada pela expressão individual de cada gene na representação gráfica “Heat-Map”. Através da análise de ontologia gênica, na qual os genes são agrupados de acordo com sua função, identificou-se no grupo FG-CLG maior atividade de vias funcionais relacionadas à: 1) resposta imune; 2) remodelamento de matriz extracelular; 3) complexo proteicolipídico; e 4) vacúolos. Por outro lado, as principais vias no grupo FP-CLP estavam relacionadas com 1) complexo de canais de íons e cátions; 2) membrana plasmática; e 3). Aparelho de Golgi. Pela técnica de qRT-PCR foi estudada a expressão de 22 genes de interesse (receptores de esteroides, proteínas de choque térmico, catepsina S, lipoproteína lipase e componentes da matriz extra-celular). Dos genes avaliados, 95% exibiram o mesmo perfil de expressão do RNAseq. Figura 1: “Heat-Map” construído pelo agrupamento dos 40 genes mais diferencialmente expressos entre os grupos FG-CLG e FP-CLP. As cores do mapa mostram o nível de expressão relativa dos genes. A cor verde indica um valor de expressão que é menor do que o valor médio da média, enquanto que a cor vermelha indica um valor de expressão mais elevada do que a média. Os tons da cor indicam o quão longe estão os dados do valor da média. As colunas representam amostras individuais de FG-CLG e FP-CLP. Tabela 1: Categorias e termos de ontologia gênica dos transcritos diferencialmente expressos em amostras de ampola no Dia 4 após a indução da ovulação. Número Fold Termo de genes P Enrichment Membrana plasmática 10 < 0,01 2,94 FP-CLP Função molecular Atividade do canal de potássio 3 0,02 13,11 FP-CLP Comp. Celular 4 0,05 3,76 16 < 0,01 4,70 Resposta imune 13 < 0,01 3,78 FG-CLG biológico Ativação de células 7 < 0,01 4,78 FG-CLG Comp. Celular Espaço extracelular 10 < 0,01 3,11 FG-CLG Comp. Celular Complexo proteico-lipídico 3 0,02 12,44 FG-CLG Função molecular Ligação de carboidratos 6 0,03 3,41 FG-CLG Comp. Celular Vacúolo 5 0,04 3,84 Adesão celular 8 0,06 2,23 Grupo Categoria FP-CLP Comp. celular Aparelho de Golgi FG-CLG Função molecular Ligação ao GTP Processo FG-CLG biológico Processo Processo FG-CLG biológico DISCUSSÃO O oviduto fornece o ambiente ideal para o transporte de oócitos, fertilização e desenvolvimento embrionário inicial. Este ambiente é regulado pelos esteroides sexuais. Diante desta importância fisiológica, objetivou-se com o presente estudo investigar o efeito de diferentes ambientes endócrinos peri-ovulatórios no transcriptoma da ampola, utilizando um modelo experimental já consolidado (19, 21, 22), baseado no maior ou menor crescimento do folículo dominante, e consequentemente maior ou menor desenvolvimento do corpo lúteo resultante. Verificamos, pela primeira vez, que o ambiente endócrino peri- ovulatório, modificado pelo crescimento e ovulação de folículos de tamanho diferentes, mudou o transcriptoma da região da ampola no Dia 4 após a indução da ovulação, momento em que o embrião ainda não ingressou ao útero e depende das secreções do oviduto para sua nutrição e desenvolvimento. Estas alterações na expressão gênica resultaram aparentemente de uma associação das diferentes concentrações de E2 e P4 em torno da ovulação e da distribuição dos seus receptores no tecido. A maior abundância de mRNA para vias relacionadas com a secreção tubárica no grupo FG-CLG, pode estar relacionado com uma maior probabilidade de sobrevivência embrionária, como indicado pela maior fertilidade de vacas de corte que ovulam folículos maiores e possuem mais P4 circulante no diestro (15). O enriquecimento funcional das vias associadas com a resposta imunológica, de matriz celular e as funções do vacúolo pode estar envolvido com maior fertilidade do grupo FG-CLG. Entretanto, estudos futuros são necessários para esclarecer as vias moleculares envolvidas em cada região do oviduto em resposta ao níveis ótimos de E2 e P4, e para verificar como a associação entre esses fatores aumenta a probabilidade de gestação. A determinação do padrão de genes fundamentais para a funcionalidade do oviduto se constituiu um fator importante para compreensão do ambiente tubárico ideal para o desenvolvimento embrionário precoce e para otimização dos sistemas de produção in vitro de embriões. Referencias: 1. Getty R, Sisson S, Grossman JD. Anatomía de los animales domésticos: Masson; 2002. 2. Bacha WJ, Bacha LM. Color Atlas of Veterinary Histology. Third edition ed: Wiley-blackwell. ; 2012. 3. Saint-Dizier M, Sandra O, Ployart S, Chebrout M, Constant F. 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