“Bolha Económica” em Moçambique?
Problematizando a Sustentabilidade
de um Sistema de Acumulação de Capital
Carlos Nuno Castel-Branco
[email protected]
Lançamento do livro “Desafios para Moçambique 2015”
Maputo, 18 de Setembro de 2015
Contexto do assunto
• Há cerca de um ano fiz a minha primeira apresentação sobre a economia de bolha (acumulação
especulativa de capital fictício) em Moçambique. Era um conceito ainda estranho. Havia receio que a
audiência não o entendesse. Soprámos bolhas de sabão na palestra, para capar a imaginação para
algumas características das bolhas económicas – rápida expansão, gerada por pouco mais do que
especulação (ar), que enfraquece o tecido da economia à medida que esta expande, que é efémera,
que pode implodir ou explodir, que tudo o que deixa quando termina é a mancha doq eu realmente
era a sua substância (água com sabão, ou dívida).
• Infelizmente, passado este tempo estamos todos muito mais familiarizados com o significado real da
bolha económica: galopante dívida pública com dinâmica própria de crescimento, desvalorização da
moeda à medida que fica insustentável financiar a taxa de câmbio “antimotim”, aprofundamento do
carácter especulativo do sistema financeiro, redução da credibilidade financeira internacional da
economia e encarecimento do capital, conversão de activos reais em financeiros e crescente
submissão da economia e das suas principais dinâmicas de acumulação à especulação com esses
activos, rápida expansão do número de milionários em contraposição com o aumento significativo do
número de pobres nas zonas rurais e urbanas, crescente casualização do emprego e deterioração
das condições de emprego, instabilidade macroeconómica e social e sinais de retracção de grandes
projectos de investimento.
2
Contexto do assunto
• Secção económica do livro Desafios 2015 – economia de mega projectos, a sua lógica como parte de
um sistema social de acumulação, e as suas implicações para os padrões de vida e desenvolvimento
• Dois capítulos a considerar em conjunto: “Capitalizando” o capitalismo doméstico: ligações entre o
capital doméstico e multinacional facilitadas pelo Estado, em que a expropriação sistemática do
Estado, ou porosidade económica, é um mecanismo privilegiado de distribuição de mais valia; “Bolha
económica”, ou desafios de sustentabilidade macroeconómica: efeito do processo de capitalização
especulativa do capitalismo doméstico por via da porosidade económica
• Portanto, a apresentação começa com a síntese da lógica socioeconómica que cria as tendências de
“bolha económica” em Moçambique – um sistema de acumulação de capital dominado pela
acumulação de capital fictício (ou financeirização)
• Objectivo principal: lógica e mecanismos. Os detalhes estão no livro. Boa leitura.
3
Acumulação primitiva e a voracidade por capital – modelo de acumulação e uma
economia cara
Influxos de capital externo
sem condicionalismos
políticos
Ligações entre tais
influxos de capital e
oligarquias nacionais
Base de rentabilidade
do capital:
expropriação do
Estado + força de
trabalho remunerada
abaixo dos custos da
sua reprodução social
4
O que atrai capital externo em grande escala e como é ligado com o capital doméstico?
• O que atrai?
• Recursos estratégicos – minerais e energéticos
• Oportunidade de especular com tais recursos, convertendo-os em activos financeiros transacionáveis – mega concessões a
baixo custo e liberdade de especulação (rápida recuperação do investimento por via da conversão de activos reais em
financeiros, e subsequente substituição de capital real por fictício)
• Redução de custos de investimento privado – PPPs, dívida pública ou garantida pelo Estado, baixos custos de expropriação
(terra e infraestruturas), compensação plena pelo investimento (privatização plena das externalidades positivas e
socialização das externalidades negativas – por exemplo, conversão de externalidades negativas em responsabilidade
social com impacto fiscal negativo para o estado)
• Redução dos custos de desinvestimento – oportunidade de revenda
• Como é ligado?
• Porosidade económica (expropriação do Estado – dívida, expropriações a baixo custo, conversão de propriedade pública em
acções privadas, concessões de infraestruturas e contratos, etc.), associada a oportunidades especulativas e diferentes
formas de cumplicidade social na formação de alianças para acesso a recursos (familiares, políticas e outras).
5
Contexto internacional do Sistema especulativo de acumulação de capital em Moçambique
Capitalismo Contemporâneo
Especificidade histórica de Moçambique
Global e desigual
De onde vêm os
capitalistas –
elites políticas e
especulativas
Afunilamento da
base produtiva e
expansão da
financeirização
como negócio
Subordinação
do Estado e da
política pública
às dinâmicas
de
financeirização
e crise
Financeiro
(domínio do
capital fictício
ou
financeirização
do capital)
Monopolista
Dependência de
influxos de
capital externo
em grande escala
Acumulação
Primitiva de
Capital
Acesso barato a
recursos e
infraestruras para
atrair e ligar com
capital
internacional
Socialização de
custos – pobreza
e dívida pública –
e privatização dos
ganhos
Expansão do
Sistema
capitalista –
mercantilização
do que é público
6
O modelo de acumulação de capital em Moçambique
Dependência de capital privado
Ligações com o capital doméstico emergente
Acesso
barato e
privilegiado
a recursos
naturais
Manter expectativas
elevadas –
financiamento público
Redução dos riscos
Vantagens locacionais
– recursos
estratégicos ou
estratégias
corporativas
Mercantilização
dos recursos,
infraestruras e
serviços
públicos
Porosidade
económica
Subsídos
fiscais por
acções
Redução dos custos
de investimento
Investimento
público e
dívida
7
Por que é que a “bolha económica” emerge deste modelo de acumulação?
• O papel da dívida
• Manter as expectativas, reduzir custos de investimento e riscos e criar oportunidades para grande capital (financeiro e
especulação imobiliária)
• O papel da especulação
• Ligações com o capital doméstico, rápida acumulação/recuperação do capital e redução dos riscos privados
• As consequências
• Afunilamento do investimento e sua concentração na acumulação e negócio de recursos, emergência da financeirização
como negócio (negócio da dívida, da moeda e de acções)
• Acumulação de dívida e um sistema financeiro monopolista, especulativo
• A especulação imobiliária
• Redução das oportunidades para pequenas e médias empresas, diversificação e articulação, e desemprego selectivo (mas
em grande escala)
8
Da acumulação primitiva especulativa de capital à “bolha económica”
Dívida, finanças e serviços públicos
Investimento
público como
oportunidade
de negócio
numa
economia de
enclave
Redução das
oportnidades
para PMEs,
diversificação e
dnâmicas do
mercado
domêstico
A dívida pública
como
mecanismo de
acumulação – o
FMI e as
reservas de
dívida criadas
Sistema
financeiro
especulativo
e capital
caro
Implicações económicas gerais
Base
económica
afunilada e
financeirizada
Austeridade
como
oportunidade de
negócio
Muito
investimento
com limitada
produção e
emprego
Expansão
baseada em
expectativas –
novos
recursos,
dívida e
mercados de
commodities
Bolha Económica
9
Aplicação de capital, afunilamento e a dependência da incorporação extensiva de novos
recursos
Finanças
[IDE, empréstimos bancários externos e
domésticos, investimento/endividamento
públicos, PPPs]
5% da taxa de crescimento do PIB
Indústrias de montagem final, dependendentes de importações, com
carácter oligopolista
5% do investimento privado, 5% da taxa de crescimento do PIB
Infraestruturas, serviços de apoio, negócio
imobiliário,
15% do investimento privado, 5% das exportações,
15% da taxa de crescimento do PIB
Núcleo Extractivo
[complexo mineral-energético e commodities
agrícolas, para exportação]
75% do investimento privado, 90% das
exportações, 50% da taxa de crescimento do
PIB
10
Conclusões
• Muitas tensões neste sistema de acumulação apontam para vulnerabilidades e crise de acumulação
de capital:
• Potencial para uma bolha especulativa que pode implodir, se as expectativas do grande capital não forem
alimentadas, ou explodir, se continuarem a ser por vida da dívida pública e privada.
• Crescente exposição e vulnerabilidade perante os mercados internacionais, financeiros e de commodities, geralmente
especulativos e voláteis.
• Inconsistências entre política fiscal e monetária que exacerbam as tendências especulativas dos mercados
financeiros e imobiliários
• Emprego e pobreza – casualização, deterioração das condições de trabalho, especialização e rigidez da força de
trabalho, conduzindo à expansão das camadas lúmpen da força de trabalho
• Conflitos entre facções de capital – pequeno que não pode crescer e grande que se torna mais especulativo
• Haverá algum espaço mais para austeridade social de modo a extrair as últimas gotas de valor de classes
trabalhadoras cada vez mais sem trabalho?
• Que futuro – uma revolução social ou a reforma do capitalismo? O que nos diz a história recente do
capitalismo mundial?
11
OBRIGADO!
12
Download

“Bolha Económica” em Moçambique? Problematizando a