1 PODER LOCAL ASSISTÊNCIA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO: um estudo no município de Mossoró-RN Maria Ivonete Soares Coelho* Suzaneide Ferreira da Silva Menezes** Lúcia Helena Costa de Góis*** RESUMO O objetivo do presente texto constitui-se em problematizar a articulação entre os conceitos poder local, desenvolvimento e assistência social e sua materialização no município de Mossoró-RN. Fundamenta-se na compreensão do município como locus privilegiado de articulação de forças sociais (poder local) em função do desenvolvimento e da afirmação de cidadania, sendo o desenvolvimento concebido em suas dimensões econômicas, sociais e humanas como gerador de capacidades a indivíduos e grupos e a Assistência Social como uma política do e para o desenvolvimento local. Palavras-chave: Poder Local. Assistência Social. Desenvolvimento. ABSTRACT The objective of the present text consists in dealing with the joint among the concepts power local, development and social assistance and its materialization in the city of Mossoró-RN. It is based on the understanding of the city as a privileged locus of articulation of social power towards the development and statement of citzenship, being the development conceived in its social, human and economical dimensions as a providing means of capability to individuals and groups and the Social Assistance as a politic of and for the local development. Key words: Local Power. Social Assistance. Development 1 INTRODUÇÃO As questões referentes a cultura política que motiva, mobiliza, constroe e reconstroe visões sobre o passado e futuro, constituem-se condições para discussões e construção de novas referências. Neste sentido a discussão acerca do poder local e as diferentes relações deste com a sociedade civil induzindo o desenvolvimento e construindo espaços de democratização e cidadania, são centrais para o estudo das realidades locais e identificação de instrumentos e elementos de possíveis mudanças ou afirmações de visões/ concepções. * Professora de Serviço Social da UERN, Mestranda do Curso de meio Ambiente e Desenvolvimento – PRODEMA/UERN. ** Professora Mestra do Curso de Serviço Social da UERN, Doutoranda do Curso de Ciências Sociais da UERN. *** Professora Mestra do Curso de Serviço Social da UERN. São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 2 Nestes termos, justificamos a importância da temática poder local 1, assistência social e desenvolvimento, como elemento importante para entender as novas relações que se configuram na simbiótica unidade local/global, poder estatal local/sociedade civil, buscando como horizontes a reflexão sistemática sobre a política de assistência social no município de Mossoró, identificando também a sua incidência/relação com o desenvolvimento local. Resignificar o lugar, a política, a história, faz-nos afirmar a preocupação da idéia do local, na percepção de Daniel (1988, p. 26), como a esfera municipal como o lugar, o espaço geográfico, marcado por temporalidade e singularidades, por relações econômicas, políticas, sociais e culturais que o particularizam e o vinculam ao global, cujo poder político local passou a ser portador de possibilidades de gerenciamento eficiente dos recursos públicos e protagonista de iniciativas de desenvolvimento da vida econômica e social (COSTA, 1993,1996,1988) O nosso desafio constitui-se, com base na problematização da relação poder local assistência social e desenvolvimento, identificar possibilidades e caminhos que contribuam com a afirmação de um poder estatal local democratizado, com participação da população e consequentemente com estabelecimento de relações responsáveis que concretizem o conceito de desenvolvimento como liberdade (SEN,2002), Sustentável e sustentável(SACHS,2004) e, de construção de um lugar socialmente justo e ambientalmente sustentável. Neste contexto encontra-se a singularidade deste estudo, do olhar, como Assistente social, sobre os novos conceitos e idéias que emergem em nossa realidade local de município de Mossoró(RN), e sobretudo, a sua contribuição para a região Nordeste, marcada pela particularidade de caracterizar-se como semi-árida, vítima de atrasos sociais e políticos, berço de miséria e exclusão social, valorando assim, reflexões e indicações sobre políticas sociais e cultura política como protoformas para entendimento e avanços democráticos na relação Estado/Sociedade e pensando o desenvolvimento local como elemento perpassador, integrador, articulador de todas as políticas sociais em especial as públicas, chamando atenção ainda para que o desenvolvimento local demanda mudanças institucionais que aumentam a governabilidade e a governança das instituições públicas locais, incluindo o município, construindo um a relativa autonomia de finanças públicas e acumulação de excedentes para investimentos sociais e estratégicos para a localidade. (BUARQUE, 1998, p.26). 1 Utilizamos a expressão Poder Local para designar o conjunto de forças sociais presentes no âmbito do município. Ao tratarmos do Estado local, utilizamos as expressões poder estatal local e/ou poder político local, fundamentando assim, nossa percepção em Daniel (1988) e Costa (1993,1996,1988). São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 3 Neste sentido, reafirmamos a centralidade do município e do poder estatal local como protagonista e indutor do desenvolvimento. 2 PODER LOCAL, MUNICIPALIZAÇÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS E DESENVOLVIMENTO As transformações no sistema capitalista com a Globalização e o neoliberalismo e, como particularidade, o fim do Estado de bem estar social, determinam aos espaços nacionais novas formas de configuração do Estado e de suas relações com a sociedade civil, bem como a transferência das funções de prover o bem estar dos cidadãos para novos entes político-administrativos. Os municípios, no caso especial do Brasil, pós Constituição de 1988, são elevados à condição de ente fundamental na estrutura federativa da nação, sendo-lhe determinado, fundamentado nos princípios da descentralização político-financeira- administrativa e na democratização, a obrigatoriedade de planejar, executar e avaliar políticas sociais, expressas nos processos de municipalizações. Ao assumir, por determinação social/legal, políticas/ações que pertenciam anteriormente à União, os municípios passam por profundas modificações em sua estrutura tributária e administrativa, de capacitação de pessoal, de conhecimento técnico e científico de sua realidade, no papel de Estado local que passa a ser responsável por iniciativas que visem o desenvolvimento, construa cidadania e contribua, por sua vez, com o desenvolvimento das regiões nas quais estão inseridos. Desenvolvimento este entendido não só do ponto de vista econômico, mas como desenvolvimento humano, ou seja, "[... ]desenvolvimento que coloque o ser humano e os interesses coletivos e das maiorias, como ponto central, convergindo para a possibilidade de potencialização das capacidades de todos os indivíduos". (BAVA, 1996). Os municípios assumem assim, o papel de articuladores de suas forças internas e externas, redesenhando o Estado a nível local, redefinindo papéis e fazendo emergir novos cenários, atores e relações, transformando-se na "[... ]instância em que se torna mais viável a implementação de processo de gestão que gere bem estar, que permita acesso a bens culturais, que melhore a qualidade de vida, focalizando toda a atenção no cidadão". (SALGADO, 1996). As mudanças constitucionais em prol dos municípios, estabelecidas com a Constituição Federal de 1988 (descentralização e municipalização), no campo das políticas sociais tomam forma e se operacionalizam em nível nacional, especialmente, através de leis complementares entre elas o Estatuto da Criança e dos Adolescentes (E.C.A., Lei n.º 8069/90), Sistema Único e Descentralizado de Saúde (SUS Lei n.º 8080/90) e Lei Orgânica da Assistência Social( LOAS, Lei nº8.742/93) que tratam da organização das políticas São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 4 sociais determinando usuários, direitos, e obrigatoriedade das diferentes esferas de governo.: e em nível local com leis municipais que as detalham e concretizam. Tais legislações acarretam, entre outras, profundas modificações na forma de recolhimento e de repasse de tributos e recursos da União para os Estados Federados e Municípios, condição fundamental para a objetivação das políticas sociais municipalizadas que têm o ônus de sua manutenção dividido entre as três esferas de poder, ressaltando-se também, como modificações em nível dos próprios municípios, a incrementação na arrecadação de impostos como o Imposto Sobre Serviço (ISS) e o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) e a destinação de recursos próprios para a concretização das políticas municipalizadas. Ressalta-se uma outra mudança fundamental que concretiza as municipalizações e afirma a centralidade do município como "locus" privilegiado de cidadania que é a emergência, dos Conselhos Municipais de Políticas Sociais Públicas que objetivam indicar, acompanhar e fiscalizar a ação dos governos locais no planejamento, execução e avaliação de tais políticas, constituindo-se em espaços de debate e canais defesa de direitos, estabelecendo novas relações entre o Poder Público local e a sociedade civil, e possibilitando formas de gestão e articulação das políticas sociais e econômicas, constituindo-se, a nosso ver , "[...] modelo alternativo de desenvolvimento que possa se contrapor ao atual modelo neoliberal [...]" envolvendo "[...] um complexo campo de relações e competências que requerem a combinação de políticas de âmbito nacional com projetos de desenvolvimento regional e local". (BAVA, 1996). As municipalizações são portanto, a expressão da " [... ]transferência de encargos dos governos Federal e Estadual" onde o município "[... ]passa a ser o ‘locus’ privilegiado do aparelho de Estado para gerir os serviços públicos essenciais à reprodução social dos cidadãos". (SPOSATI; FALCÃO, 1990) e que as possibilidades geradas por tal fenômeno no que diz respeito a consolidação de novas percepções/conceitos e relações cimentadas na democracia solidificam-se e ampliam-se de acordo com cada realidade local a partir do envolvimento da sociedade civil e disseminação de uma cultura republicana e de direitos. 3 PODER LOCAL, ASSISTÊNCIA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO MUNICÍPIO DE MOSSORÓ(RN) A Constituição Brasileira de 1988, possibilitou múltiplas e significativas mudanças, dentre estas, o reconhecimento da centralidade dos municípios na estrutura administrativa do Estado, as municipalizações das políticas sociais e a consolidação da Assistência Social como Política de Seguridade Social. Tal realidade remete ao espaço São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 5 municipal local, leia-se município e neste ao Poder Estatal local a obrigatoriedade de planejar, executar e avaliar as políticas socais entre estas a Assistência Social e criar mecanismos e instrumentos de controle social, tais como os Conselhos Municipais. A Assistência Social municipalizada, controlada pelo Conselho Municipal de Assistência Social, deve apresentar-se como uma política, materializada em um plano Municipal em consonância com a Lei orgânica da Assistência Social , notadamente com seus objetivos, princípios e diretrizes e com a Política Nacional de assistência Social. A Efetivação desta por sua vez, nos espaços locais, a nosso ver, deve estar articulada aos conceitos e processos de democratização e de desenvolvimento econômico, social e humano. A Assistência Social municipalizada controlada pelo Conselho Municipal de Assistência Social constitui-se uma política do e para o desenvolvimento local. Desenvolvimento este entendido como gerador de potencialidades de indivíduos e grupos fragilizados e propulsor de suas inserções na vida societária local, idéias estas subscritas na LOAS a partir de seus objetivos, princípios e diretrizes. Neste contexto, o presente estudo acerca da política de assistência social a partir de seus processo de municipalização evidencia a necessidade de vinculação desta com o desenvolvimento local e a democratização da relação estado sociedade, com bases no poder local, como condição para a reconstrução destes conceitos e a efetivação real da assistência social como política pública. Ressalta-se que a assistência social tradicionalmente foi tratada como ações pontuais, assistemática marcadas por relações paternalistas e clientelistas, sendo que somente pós constituição de 1988 passou a ser vista como uma política de direitos e uma obrigatoriedade do Estado, não tendo evidenciada uma relação com o desenvolvimento por ser vista como conjunto de ações reparadoras e/ou amenizadoras das situações de pobreza e exclusão e não como um componente das políticas de desenvolvimento econômico e social (BOSCHETTI citando ALAYON,1996). Constitui-se portanto, um desafio identificar como as idéias e as experiências se efetivam na particularidade dos diversos municípios brasileiros identificando em que medida os conceitos se materializam e no caso especial da assistência social como esta poder ser percebida como uma política do e para o desenvolvimento local, constituindo-se em elemento central do processo de democratização das relações Estado/Sociedade capitaneadas pelo Poder Local Neste sentido, torna-se fundante a construção de conhecimento acerca dos espaços locais, a incorporação do conceito de territorialidade e ambiência para identificação dos limites e possibilidades das intervenções do Estado em especial via as política sociais e em particular a Assistência Social. Ressaltamos que tais questões ao serem tratadas em âmbito de região nordeste do Brasil ,uma região marcada pelo viés da pobreza, da miséria e da autocracia devem conduzir a uma maior e melhor compreensão acerca das temáticas e São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 6 demandas emergentes, mas sobretudo para a identificação e compreensão de novos papéis, cenários e atores, determinados pelas modificações políticas, sociais, econômicas e culturais deste início de século e sua contribuições para a democratização das relações Estado/Sociedade, condição sine qua non para a identificação de ações que possibilitem ver, entender e construir realidade/relações novas com centralidade nos cidadãos, fundando e concretizando, pelo menos em nível local, as bases de um desenvolvimento socialmente justo, ambientalmente sustentável e profundamente humano, e com isso, contribuindo com a construção de"[....] um mundo em que prevaleçam a compaixão, a felicidade, a beleza e a solidariedade."(FURTADO, 2000)2 Assim, ao materializarmos as presentes reflexões no âmbito do município de Mossoró, constatamos e concluímos que :O poder estatal local efetiva a política de Assistência Social a partir de programas, projetos e ações pontuais, planejadas e executadas atendendo as demandas burocráticas/legais/orçamentárias das demais esferas de governo(Federal/Estadual)e, em detrimento da realidade municipal. O CMAS não exerce o seu papel de formulador e controlador da política municipal de Assistência Social, sendo seus agentes absorvidos pelas exigências burocrático legais do Conselho. A presença do CMAS como canal de articulação Estado/Sociedade é incipiente no cenário local. O Conceito, objetivos, diretrizes e princípios da LOAS são plenamente assimilados e propagados a nível dos documentos oficiais e dos discursos do Poder Estatal Local e do CMAS não se materializando e/ou efetivando-se conforme os objetivos propostos haja vista ser marcada por ações pontuais e programas que atendem as demandas externas que tem fonte de financiamento garantido pelo governo federal em especial em detrimento de um planejamentos que leve em consideração a realidade local e a definição de recursos locais para sua efetivação. 4 CONCLUSÃO A Assistência Social, efetivada no município de Mossoró-RN é marcada por fragilidades não se configurando como política de inclusão social, emancipatória, articuladora das demais políticas, potencializadora do desenvolvimento local e de uma nova agenda para a cidadania, ao não potencializar, sobretudo a afirmação de cidadania , a construção de relações democráticas e democratizantes entre Estado e Sociedade que possibilitem o atendimento as demandas da realidade local, a ampliação de beneficiários e apreensão em seu planejamento e execução do conceito de desenvolvimento como 2 Discurso proferido em 09/08/2000, no seminário comemorativo aos 40 anos da SUDENE. Recife(PE). São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 7 liberdade(SEN,2002), gerador de capacidades a indivíduos e grupos, marcado pelo viés da sustentabilidade, preocupado e comprometido com as gerações futuras e ,portanto, contribuinte na construção do município como lugar de bem viver. REFERÊNCIAS BAVA. Desenvolvimento Local: uma alternativa para a crise social? Revista São Paulo em Perspectiva. São Paulo-SP, Fund. SEADE, v. 10, n. 03, jul-set, 1996. BOSCHETTI. Ivanete. A assistência social no Brasil: um direito entre originalidade e conservadorismo. 2.ed. Brasília, DF: GESST/SER/UNB/CPPq.2003. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Editado por Antônio de Paulo. 16 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. BRASIL. República Federativa do Brasil. Lei n° 8.742, Brasília, DF, de 7 de dezembro de 1993. Aprova... ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome/Secretaria Nacional de Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social. 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