Augustus – Rio de Janeiro – Vol. 07 – N. 14 – Jan./Jun. – 2002 – Semestral ANTÔNIO FELÍCIO DOS SANTOS – 1843/1931 – Um Deputado Industrialista no Império José Luiz de Oliveira* RESUMO: A idéia de promover uma política de industrialização no Brasil não ficou limitada a Irineu Evangelista de Souza. Outros pioneiros, como Antônio Felício dos Santos, também tentaram promover a industrialização do Brasil na segunda metade do século XIX. Todavia, contaram não só com a má vontade das autoridades brasileiras, ligadas a uma economia agrícola de exportação, como também tiveram que enfrentar pressões externas, particularmente a Inglaterra. Durante o desenvolvimento da chamada Segunda Revolução Industrial, era vetado aos países periféricos qualquer possibilidade de desenvolverem seus parques industriais. Vigorava a idéia da chamada dependência clássica, isto é, permitir que um país de periferia desenvolvesse seu parque industrial era obter de imediato dois tipos de problemas: perda de mercado consumidor e fornecedor de matéria-prima. Por esta razão, tais iniciativas não galgaram o sucesso esperado, embora ficassem limitadas à indústrias de bens de consumo imediato e ao setor de serviços. Não houve uma iniciativa mais efetiva em termos industriais. Isso seria possível caso existisse, por parte do governo do Império, uma política industrializante. Os surtos industriais vividos pelo Brasil até o início da segunda metade do século XX ficaram condicionados às condições externas – Primeira Guerra Mundial e Crise de 1929 – e não a fatores internos. ABSTRACT: The idea of promoting a policy of industrialization in Brazil was not limited to Ireneu Evangestista de Souza. Other pioneers, like Antônio Felício dos Santos, also tried to promote the industrialization in Brazil in the second half the nineteenth century. However, they not only counted on the unwilling brazilian autorities, linked to an export agricultural economy, but also had to face external pressure, mainly from England. During the development of the so–called Second Industrial Revolution, it was in force the idea of the classic dependence, that is, to allow a peripheral country to develop its industrial park to get two types of problems imediatily: the loss of the consumer market and the loss of the raw material caterer. Because of that, such initiatives did’ not have the expected success, although they were restricted to the industries of immediate consuming goods and to the service sector. There was not a more effective initiative in industrial terms. This would be possible if an industrializing policy was created by the government of the Empire, the industrial spreads experienced by Brazil until the beginning of the second half of the Twentieth Century, were conditioned to the external conditions – First World War and the Crises in 1929 – and not to the internal factors. Palavras-Chave: Brasil – História – Império – Economia. Key Words: Brazil – History – Empire – Economy. –––––––––– * Mestre em História do Brasil pela UFRJ; Professor Adjunto do Centro Universitário Augusto Motta; Professor Adjunto do Centro Universitário Celso Lisboa; Professor do Colégio Pedro II; e Professor do Colégio Santo Antônio Maria Zaccaria. 29 Augustus – Rio de Janeiro – Vol. 07 – N. 14 – Jan./Jun. – 2002 – Semestral 1. Introdução Mesmo com a Independência, o Brasil continuava com uma estrutura socioeconômica inalterada onde as relações de produção continuavam calcadas no latifúndio, na monocultura e na mãode-obra escrava e dominado politicamente por uma elite ligada ao setor agroexportador. Segundo Nícia Vilela Luz, até o último quartel do século XIX “não tinha havido, no Brasil, um movimento coletivo, partindo da própria indústria a favor da industrialização do país” (LUZ, 1975, p. 49). Encontramos sim alguns movimentos isolados que viam na atividade industrial a única forma de se obter um desenvolvimento econômico. Por parte do governo, merece relevo as iniciativas do Príncipe D. João que, em 28 de abril de 1808, baixou um Alvará que isentava de impostos aduaneiros as importações de matéria-prima destinada à produção interna e às exportações de manufaturas além de incentivar o uso de artigos nacionais para o fardamento das tropas. Antes disso, em 1 de abril de 1808, havia revogado o Alvará de 1785 que proibia qualquer atividade industrial no Brasil, exceção da fabricação de panos grosseiros para os escravos. Embora tais iniciativas apresentassem uma certa inspiração liberal, as medidas joaninas apresentavam resquícios de práticas mercantilistas ao estilo colbertista. A partir da década de 40 do século XIX o movimento industrialista adquiriu uma postura um pouco mais nacionalista. No entanto, as tarifas que surgiram somente beneficiavam a indústria indiretamente uma vez que tinham por objetivo aumentar a arrecadação das alfândegas e não propriamente proteger a indústria nacional do que são exemplos as leis tarifárias de 1844 e 1879. Nícia Vilela Luz ao caracterizar o pensamento nacionalista chega a afirmar que o mesmo não apresentava grande ressonância em nosso país. Tal fato pode ser explicado não apenas em função das pressões inglesas, mas também pela presença de uma elite que tinha seus negócios ligados à lavoura monocultora. Todavia, a crise de 1874-75 veio modificar a situação e provocar o congraçamento de uma atividade industrial já existente. Neste clima, encontramos a figura de Antônio Felício dos Santos, político que se transforma em um defensor da indústria na Câmara dos Deputados. 30 2. Breve Biografia de Antônio Felício dos Santos Nascido em Diamantina a 8 de janeiro de 1843, Antônio Felício dos Santos era filho do Major Antônio Felício dos Santos e de D. Maria Fernandes dos Santos. Sendo descendente de uma das mais tradicionais famílias de Minas Gerais, era sobrinho de Joaquim Felício dos Santos, autor de Memórias do Distrito Diamantino, e de D. João Antônio dos Santos, Primeiro Bispo de Diamantina (SANTOS, 1956, p.29). Seu pai, juntamente com seu tio, Joaquim Felício dos Santos, e um primo, João Felício dos Santos, incentivados pelo Bispo, formaram a Sociedade Santos e Companhia e fundaram em 1877, a fábrica de Fiação e Tecidos do Baribiri, a duas léguas de Diamantina, também conhecida como “Fábrica do Bispo”. Segundo Stanley Stein, a fábrica de Baribiri, exemplo de sociedade intrafamiliar, tornou-se a forma encontrada para ocupar a mão-de-obra desempregada das minas de diamantes arruinadas com a concorrência da África do Sul. Tal iniciativa não recebeu o apoio esperado, pois os capitalistas locais temiam a concorrência do algodão estrangeiro, a deficiente rede de transporte e a falta de matéria-prima. Por esta razão, o Bispo D. João Antônio dos Santos teve que recorrer a parentes para inaugurar a sua fábrica de tecidos (STEIN, 1979, p. 42). Antônio Felício dos Santos diplomou-se em medicina no Rio de Janeiro, em 19 de novembro de 1863, retornando para Minas Gerais – Diamantina – onde passou a dedicar-se à profissão de médico e à carreira política. Em 1867, foi eleito deputado geral por Minas Gerais pelo Partido Liberal, tendo uma atuação praticamente nula nesta sua primeira legislatura. Não sendo reeleito deputado passou a dedicarse exclusivamente a vida médica e estando radicado na Corte, fundou com o Doutor Hilário de Gouveia e outros a Casa de Saúde São Sebastião. No ano seguinte iria publicar diversos artigos sobre medicina na revista da Sociedade Médica do Rio de Janeiro. Em 1877, quando sua família inaugurava em Diamantina a fábrica do Baribiri, o Doutor Felício dos Santos comprava as terras da Fazenda do Augustus – Rio de Janeiro – Vol. 07 – N. 14 – Jan./Jun. – 2002 – Semestral Pau Grande, na Raiz da Serra da Estrela. Esta compra foi feita em sociedade com Francisco José Pedro Lessa e John Sherrington e tinha como objetivo o estabelecimento de uma fábrica de tecidos de algodão. Forma-se, então, a Santos & Cia. que construiu a Fábrica Pau Grande na Província do Rio de Janeiro. Esta sociedade foi se transformando na medida em que Francisco Pedro Lessa vendeu sua parte a José Rodrigues Peixoto e este firmou um contrato social com os dois primitivos sócios, formando a Santos Peixoto & Cia. Mais tarde, Sherrington saiu da sociedade sendo substituído um novo sócio, o Sr. Luiz Joaquim dos Santos Lobo. Verifica-se, portanto, que Antônio Felício dos Santos é a grande expressão da companhia, pois encontra-se presente em todos os contratos. Com a formação da Cia de Fiação e Tecidos Pau Grande, ele continua a exercer a posição de um dos principais sócios com 400 ações tendo presidido as quatro primeiras assembléias de acionistas até 1877. A partir da 5a Assembléia Geral, Felício dos Santos, por discordar das decisões tomadas pelos acionistas em assembléias anteriores, nunca mais compareceu às reuniões. Aos poucos foi se desfazendo de suas ações, vendendo as 150 últimas em 1889, ano em que deixou a sociedade. Em 6 de setembro de 1880, surgiu a idéia de se formar uma associação em defesa da indústria nacional, patrocinada pelo Comendador Malvino da Silva Reis e com a participação de um grupo de industriais, dentre os quais Felício dos Santos. Surge a Associação Industrial que tornar-se-ia um dos órgãos mais importantes de defesa do setor industrial. Em 26 de março de 1881 foi eleita a diretoria definitiva na qual Felício dos Santos ocuparia o cargo de Presidente. Esta diretoria iniciou a publicação de um periódico, O Industrial, para veicular as idéias industrialistas e as lutas necessárias ao desenvolvimento industrial. No seu primeiro número, publicado em 21 de maio de 1881, lançou o manifesto da Associação Industrial, de autoria de Felício dos Santos. Este manifesto é uma crítica à estrutura econômica do país, mero produtor de matériasprimas e de café. Tal estrutura mantinha nossa economia atrelada aos interesses externos dando continuidade às práticas econômicas do período colonial. No segundo número do periódico, um novo manifesto, que desta vez, defendia a adoção de uma política protecionista e denunciava os efeitos maléficos do livre cambismo. Já no terceiro número criticava o periódico Rio News, pois este combatia a prática do protecionismo iniciada com a tarifa de 1879. O periódico denunciava esta tarifa como sendo ultraprotecionista na medida em que prejudicava a indústria algodoeira norteamericana. O periódico O Industrial teria 57 edições, além de uma edição especial em comemoração a Exposição Industrial realizada, em 12 de dezembro de 1881, no Rio de Janeiro no palácio do Ministério da Agricultura. Em julho de 1881 houve um convite da Associação Industrial Argentina aos industriais brasileiros para participarem da Exposição Continental de Buenos Aires. Isso daria a idéia à diretoria da Associação Industrial de promover uma exposição nacional, com produtos das diferentes indústrias do país, que serviria de teste seletivo para escolher o que seria enviado a Buenos Aires. Esta exposição iria inaugurar uma nova era nos meios econômicos brasileiros, pois apresentava a existência de um novo segmento da economia que já apresentava uma certa importância. Como conseqüência, a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, órgão fundado na década de 20 do século XIX, até então limitava suas atuações na promoção da modernização da agricultura. A partir daí, também passou a demonstrar um maior interesse em promover o desenvolvimento industrial. Logo após a Exposição Industrial, janeiro de 1882, Felício dos Santos pediu demissão do cargo de Presidente da Associação Industrial. O fato que justificou sua renúncia foi a publicação de uma nova lei eleitoral que proibia aos representantes da nação fazer ou ter contatos com o governo, individual ou coletivo. Como o governo e a Associação Industrial haviam firmado um contrato pelo qual esta receberia auxílio pecuniário para levar a efeito a exposição da indústria nacional, no Rio de Janeiro, e para concorrer a continental de Buenos Aires, a condição de parlamentar de Felício dos Santos ficava ameaçada. Mesmo afastado da Associação Industrial, Felício dos Santos continuava a defender os interes31 Augustus – Rio de Janeiro – Vol. 07 – N. 14 – Jan./Jun. – 2002 – Semestral ses da indústria nacional no Parlamento. Num pronunciamento na Câmara dos Deputados, em 14 de abril de 1882, abordou os problemas causados á indústria em virtude das novas tarifas alfandegárias, o problema dos transportes, o caso específico da navegação de cabotagem e defendeu o protecionismo como única alternativa capaz de defender a indústria nacional. Em 24 de outubro de 1882, foi nomeada uma Comissão, eleita pela Câmara dos Deputados, com o objetivo de instaurar um inquérito sobre as condições do comércio, da indústria têxtil e serviços das alfândegas e sua política tarifária. Esta era composta de 5 membros entre os quais Felício dos Santos, que por falta de um apoio mais financeiro mais efetivo do governo acabaria levando-o a pedir demissão da comissão. Em seu pedido de demissão justificava que estava em divergência com o governo em questões econômicas e que ele estava acima das questões de política partidária. A política e as atividades industriais parecem ter absorvido grande parte de seu tempo e de sua vida. Era um industrialista iniciando no Império uma indústria de tecidos e durante a República passou a se interessar pela indústria de papel. Com a Proclamação da República, foi designado, pelo Governo Provisório (1889/1891), a estabelecer o novo regime em Minas Gerais, na cidade de Ouro Preto, então capital do Estado e em 1891 é nomeado Presidente do Banco do Brasil. Como era partidário do unitarismo se afastou da vida pública logo após a promulgação da Constituição de 1891, pois esta adotara o federalismo. Desse modo, inicia uma nova fase de sua vida indo desde o hipnotismo passando pelo materialismo, pelo espiritismo e pelo catolicismo. Ao mesmo tempo, dedicou-se à prática da medicina e ao estudo da religião. Em 6 de setembro de 1931, Antônio Felício dos Santos morre no Rio de Janeiro aos 88 anos. 3. O Político Antônio Felício dos Santos Como político, Felício dos Santos sempre foi um liberal e retornando à vida parlamentar em 1878 só a deixou em 1885. Teve como maior preocupação, 32 nestas três legislaturas, o desenvolvimento da indústria nacional. Já em seu primeiro discurso em 30 de janeiro de 1879, faz severas críticas ao liberalismo econômico praticado no Brasil: [...] Nós somos um povo imitador, por excelência. Todos os dias aqui fala-se em práticas inglesas, nos regimes parlamentares da Europa e para todos os problemas sociais, importamos da Europa soluções, como importamos gêneros de primeira necessidade e os artefatos da indústria. E não há tarifas protecionistas do bom senso suficientes para impedir tão desastradas importações como se a sociedade fosse uma lógica uniforme ou formula algébrica adaptável a quaisquer quantidade [...]1. Já em outro discurso pronunciado em 4 de setembro de 1880, procurou justificar a sua posição favorável ao protecionismo: [...] Observa que desde o ano passado tem sido o seu principal empenho procurar desviar de uma senda errada administração do país, relativamente às idéias protecionistas, que deseja ver redigidas com maior afinco pelo governo. Embora o taxem de incoerente, porque sendo liberal adiantado a outros respeitos, é inclinado à escola protecionista; o certo, porém, é que antes de tudo é brasileiro e como tal entende que em matéria de indústria não se podem seguir em absoluto os princípios de liberdade absoluta [...]. 2 Mesmo não havendo uma política protecionista, a indústria, durante o Império, não chegou a ser estrangulada totalmente, pois os diversos ministros da fazenda da época só sabiam gerar recursos financeiros aumentando as alíquotas de nossas alfândegas sobre os produtos importados. No entanto, a ausência do protecionismo não apenas dificultava o desenvolvimento industrial, mas também prejudicava outros setores como a Marinha Mercante, pois o liberalismo era estendido à navegação de cabotagem o que prejudicava a defesa do país: [...] quando caiu aqui o privilégio de cabotagem nacional; quando o parlamento arruinou completamente a Marinha Mercante do Brasil, aniquilando ao mesmo tempo toda a indústria de –––––––––– 1 Anais do Parlamento Brasileiro – Câmara dos Deputados – sessão de 1878, Tomo II, Rio de Janeiro, Typografia Nacional, 1879, p. 28. 2 Anais do Parlamento Brasileiro – Câmara dos Deputados – sessão de 1880, TOMO V Prorrogação, Rio de Janeiro, Typografia Nacional, p. 28. Augustus – Rio de Janeiro – Vol. 07 – N. 14 – Jan./Jun. – 2002 – Semestral construção naval, e também outras que se prendem a Marinha Mercante; quando o nosso parlamento tão inconsideravelmente privou-nos das reservas da Marinha de Guerra colocando em circunstâncias tais que, se um desastre naval destruir nossa esquadra, não teremos outro recurso senão entregar a defesa do país a mercenários estrangeiros, porque marinheiros não se improvisam [...]. 3 Por essa razão, Felício dos Santos era contrário à proibição da existência da Marinha Corsária, posição adotada pelos países da Europa, sobretudo pela Inglaterra, pois estes países possuíam uma poderosa frota naval. Alegava, em defesa da pirataria, que nosso país possuindo uma frágil Marinha e sem recursos para fortalecê-la só tinha no corso a forma mais econômica de preservar a defesa da integridade do país. Portanto, para ele a Marinha Corsária era um mal necessário, pois além de nos fornecer uma reserva de marinheiros, gerando empregos, incentivava a indústria de construção naval. Por outro lado, a instabilidade da política tarifária prejudicava bastante o desenvolvimento da indústria nacional, pois se diminuía constantemente a tributação sobre os produtos importados mesmo aqueles que apresentassem similares nacionais: [...] Nós temos gêneros que pagam 70% de direitos e cito entre outros as chitas, os algodões estampados [...] Por que é que as chitas pagam 70% ? É justamente porque não há fábricas nacionais. No dia em que se fundar no Brasil uma fábrica de estamparia, as chitas descerão a pagar 30, 20 e até 10% como pagam outros algodões, que poderíamos muito bem fabricar se a razão dos direitos correspondesse ao valor oficial [...].4 [...] Homens do fisco, sempre os revisores das tarifas aduaneiras fazem esforço no sentido de aumentar a cifra dos direitos percebidos em todos os artigos tarifados, e proteger a indústria afigura-selhes um atentado contra o tesouro [...].5 Felício dos Santos também argumenta que não apenas de café vivia o Brasil existindo uma boa parte da população que se dedicava a outras ativi–––––––––– 3 Anais do Parlamento Brasileiro – Câmara dos Deputados – sessão de 1882 – vol. II, Rio de Janeiro, Typografia Nacional, 1882, p. 156. 4 5 Idem, op. cit. p. 157. Anais do Parlamento Brasileiro – Câmara dos Deputados – sessão de 1882 – vol. IV. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1882, p. 154. dades, que também eram essenciais para a sobrevivência do país. Neste aspecto, adverte que se o Brasil continuasse a produzir quase que exclusivamente café bastava uma guerra, em que se bloqueia nossos portos, para que o país conhecesse uma situação pior do que a vivida pelos Estados do Sul (Confederados) durante a Guerra de Secessão Americana (1861/1865). Desse modo, os brasileiros refratários à profissão agrícola ou incapazes de exercê-la, e não achando lugar no comércio ou na indústria, não teriam outro recurso senão recorrer ao emprego público: [...] Se não quer morrer de fome, ou se não quer viver como parasita dos que trabalham, não acha outra carreira, patente a todos os que são refratários à vida agrícola nos outros países, o industrialismo é quase vedado ao brasileiro. Práticas absurdas, insensatas do nosso governo, mais solicito em captar elogios da Europa, do que em promover a felicidade do povo, tem impedido o desenvolvimento industrial do Brasil, condenando-o a uma eterna vida colonial [...].6 Em relação à posição de alguns deputados de não conceder novas concessões para a construção de ferrovias, Felício dos Santos é radicalmente contrário. Segundo tais deputados, novas concessões só poderiam ser fornecidas na medida em que fossem concluídas todas as ferrovias que estavam em construção. Para Felício dos Santos, parar nesta questão seria a ruína do país, porque o progresso de um país se avalia... pelas suas vias de comunicação, que constituem a primeira, a mais urgente necessidade. Se o Brasil não tivesse recursos preciosos para satisfazer os compromissos, que o seu tesouro já tem sobre si, e para a criação de novas vias de comunicação e melhoramentos das existentes, seria um país perdido. E se fossemos esperar que se construam as estradas de ferro decretadas para então atender a outras, deixaríamos de atender às necessidades vitais de algumas localidades... Estas estradas desenvolvem as riquezas públicas, facilitam as transações, fomentam diversas indústrias e, portanto, o resultado delas só poderá ser reduzido muito indiretamente. Se muitas de nossas estradas não têm produzido renda, havendo até algumas que nem pagam seu custeio, é incontestável que todas elas tenham desenvolvido ao redor de si um aumento de riqueza pública, que se traduz pelo aumento enorme da receita do Esta- –––––––––– 6 Anais do Parlamento Brasileiro – Câmara dos Deputados – sessão de 1882 – vol. II, Rio de Janeiro, Typografia Nacional, p. 214. 33 Augustus – Rio de Janeiro – Vol. 07 – N. 14 – Jan./Jun. – 2002 – Semestral do. A nossa riqueza pública tem aumentado muito, depois que começamos a construir estradas.7 Prejudicando, também, o desenvolvimento do setor industrial, poderíamos citar o imposto interprovincial que elevava os preços dos manufaturados produzidos em uma província e consumidos em outra. Tal imposto era considerado um absurdo por Felício dos Santos uma vez que limitava a produção e o consumo, além de aumentar os custos de produção, o que contribuiria para aumentar os preços das mercadorias. Segundo ele, este imposto era imoral e ilegal, pois seria uma espécie de protecionismo interno e mais um obstáculo para o desenvolvimento industrial. Este mesmo imposto também era cobrado sobre os produtos importados que eram obrigados a circular pelo território de outras províncias até chegar ao seu destino final. [...] Como o nobre Presidente do Conselho sabe V. Ex. Sr. Presidente [...] acha-se fundada no município de Diamantina uma fábrica de tecidos de algodão há dois ou três anos por iniciativa particular de alguns membros de minha família, sem nenhum auxílio do governo. Mandei por ordem dos proprietários buscar máquinas nos Estados Unidos. A despesa do frete das primeiras peças foi de 1:200 $ de Nova Iorque ao Rio de Janeiro. Sabe V. Exa.. quanto se pagou pelo transporte daqui para Diamantina? Cerca de 50.000 $ custou esta odisséia [...].8 Ainda em relação à política tarifária do governo imperial, tinha uma posição contrária à cerca da diminuição do imposto cobrado sobre a importação de cereais, embora fosse favorável a diminuição da carga tributária para a exportação. A política tarifária do Império proporcionava um protecionismo para os produtos importados em detrimento aos produtos nacionais, uma vez que ela estava em harmonia com os interesses estrangeiros e não com os interesses nacionais. Cabe acrescentar que a maioria dos nossos deputados advogavam a prática do livre cambismo, sustentando a idéia de que o Brasil era um país essencialmente agrícola. Tal posição levava o Brasil a ser um país exportador de matérias-primas e gêneros alimentícios e importador de produtos manufatu–––––––––– 7 Idem, op. cit. p. 49. 8 Anais do Parlamento Brasileiro – Câmara dos Deputados – sessão de 1878 – tomo IV, Rio de Janeiro, Typografia Nacional, 1879, p. 243. 34 rados, o que provocava um saldo negativo em nossa balança comercial. Além disso, a existência de uma política tarifária confusa não estimulava a aplicação de capitais estrangeiros na economia brasileira, pois a cada reforma tarifária verificava-se o surgimento de um novo obstáculo ao desenvolvimento industrial. Evidentemente, tal política dificultava a capitação de recursos financeiros necessários para desenvolvimento da indústria nacional. Segundo Felício dos Santos, a baixa da tarifa com critérios traz até certo ponto aumento de renda, mas a baixa absoluta das tarifas não pode deixar de ser prejudicial. Além disso, o governo não baixou a tarifa para os gêneros de exportação como para os da importação de maneira que muitos desses gêneros transportados pela estrada de ferro não pagam nem a despesa do carvão.9 Mesmo assim, a indústria nacional foi lentamente se desenvolvendo e de forma paradoxal, pois surgiu primeiro no interior do país onde a população era menos densa do que no litoral. Isso irá ocorrer, pois a deficiente rede de transporte e de comunicação não só dificultavam a chegada de mercadorias ao interior do país, como também encareciam seus preços. Além do mais, a falta de energia obrigavam a edificação das fábricas em áreas rurais próximas à única fonte energética viável na época, a energia hidráulica. Ao mesmo tempo, quando a nossa indústria começava a ganhar uma certa projeção no interior do país, vinham novas tarifas que a matavam no nascedouro. Daí as palavras de Felício dos Santos: os nossos poetas financeiros, por amor da rima de um liberalismo extravagante, levantaram a propaganda antinacional e funestíssima do livre câmbio, que tende a conservar o Brasil no estado colonial de um país exclusivamente agrícola, isto é, plantador de café e produtor de matérias-primas que lhe revertem fabricadas pelo duplo preço.10 Outro ponto duramente criticado por Felício dos Santos, na Câmara dos Deputados, se refere à preservação de luxuosas representações brasileiras em países da Europa, onde não existiam brasileiros residentes e sequer relações comerciais –––––––––– 09Anais do Parlamento Brasileiro – Câmara dos Deputados – sessão de 1883, vol. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1883, p. 248. 10 Anais do Parlamento Brasileiro – Câmara dos Deputados – sessão de 1882, vol. II: Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1882, p. 155. Augustus – Rio de Janeiro – Vol. 07 – N. 14 – Jan./Jun. – 2002 – Semestral como eram os casos da Rússia, Áustria e Bélgica. Segundo ele, o deslocamento dessas representações para Paris, não apenas diminuiria o número do corpo diplomático, como também as despesas do Ministério do Estrangeiro, possibilitando uma grande economia para as finanças do país já tão combalidas. Sendo um industrialista, Felício dos Santos era um abolicionista, embora para ele a libertação dos escravos tivesse que ser feita de maneira gradual, pois o importante não era apenas libertar os escravos, mas sim emancipá-los e prepará-los através da educação para a vida livre, mantendoos no mercado de trabalho e evitando a sua marginalização social e econômica. Na sua opinião, a libertação dos escravos deveria ser acompanhada por um processo de miscigenação com o branco, pois desse modo seria evitado o caos ocorrido no Haiti, onde a libertação dos escravos provocou a formação de um estado atrasado e selvagem ao estilo africano. Tal pensamento seria fruto da influência sofrida por Felício dos Santos da pseudotese científica desenvolvida ao longo do século XIX que advogava a superioridade racial dos brancos sobre as demais etnias. Por esta razão, defendia a imigração européia, sobretudo ariana, e a utilização desta mão-de-obra não na cafeicultura, mas sim na produção de cereais ou no setor industrial. Já a mão-de-obra indígena e mestiça deveria ser utilizada no sertão devido às dificuldades de aclimatação do europeu nas regiões mais quentes: [...] Existem confinados entre a Cordilheira Central do Brasil e os paramos de Goiás e Mato Grosso, dois milhões de brasileiros quase selvagens que não produzem 10 tostões por cabeça, além de suas necessidades absolutas que são limitadíssimas, que não importa nem exporta coisa alguma, habitando talvez a parte mais rica de nosso solo, e que constituindo uma raça aclimatada, é capaz por si só de resolver completamente o duplo problema social que nos preocupam. São eles os cavalos apropriados para o cruzamento com as raças estrangeiras.11 Visando facilitar a imigração, Felício dos Santos, apresentou um projeto de lei, em 30 de julho de 1883, que estabelecia regras mais flexíveis para a naturalização dos estrangeiros. Todavia, as dificuldades de industrialização, a preservação do escravismo e a posição da Igreja Católica em perseguir os não-católicos irão se constituir em grandes obstáculos para a imigração. A posição da Igreja Católica e de vários eclesiásticos era tão radical em relação aos não-católicos que estes eram até mesmo impedidos de serem sepultados em nossos cemitérios, apesar de em muitas localidades não existirem cemitérios seculares. Finalizando, Felício dos Santos criticava a posição do governo brasileiro ao tecer o seguinte comentário: se o desenvolvimento industrial é causa maior de prosperidade, fornecendo trabalho a maior número de brasileiros e atraindo para o País capitais e profissionais, criando a estabilidade econômica, como poderia daí originar-se a diminuição das permutas internacionais? Pelo contrário, o aumento da riqueza estimulará a importação de todos os artefatos não fabricados no país, como de todos os artigos de consumo não produzidos nele, e, portanto deve elevar-se a cifra dos direitos aduaneiros.12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Anais do Parlamento Brasileiro – Câmara do Deputados – sessão de 1878, Tomo IV. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1879. Anais do Parlamento Brasileiro – Câmara dos Deputados – sessão de 1882 – vol. IV. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1882. Anais do Parlamento Brasileiro – Câmara dos Deputados – sessão de 1878, Tomo II. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1879. Anais do Parlamento Brasileiro – Câmara dos Deputados – sessão de 1878 – tomo IV. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1879. Anais do Parlamento Brasileiro – Câmara dos Deputados – sessão de 1880, Tomo V. Prorrogação, Rio de Janeiro: Typografia Nacional. Anais do Parlamento Brasileiro – Câmara dos Deputados – sessão de 1883, vol. I. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1883. Anais do Parlamento Brasileiro – Câmara dos Deputados – sessão de 1882 – vol. II. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1882. Anais do Parlamento Brasileiro – Câmara dos Deputados – sessão de 1882, vol. II. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1882. –––––––––– 11 11 Anais do Parlamento Brasileiro – Câmara do Deputados – sessão de 1878, Tomo IV, Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1879, p. 241. 12 Anais do Parlamento Brasileiro – Câmara dos Deputados – sessão de 1882, vol. II. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1882, p. 156. 35 Augustus – Rio de Janeiro – Vol. 07 – N. 14 – Jan./Jun. – 2002 – Semestral Jornal O Industrial – num. 1, 2, 3, 10, 18 do Ano I. Edição Especial de 12 de dezembro de 1881, n° 3 do ano II. LUZ, Nícia Vilela. A luta pela industrialização do Brasil. São Paulo: Alfa Omega, 1975. MATTOS, Ilmar R. História do Brasil Império. Rio de Janeiro: Campus, s/d. NEVES, José Teixeira. 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