SOCIEDADE DE EDUCAÇÃO DO VALE DO IPOJUCA LTDA. FACULDADE DO VALE DO IPOJUCA - FAVIP COORDENAÇÃO DE PSICOLOGIA CURSO DE GRADUAÇÃO DE PSICOLOGIA JONI VON SILVA DE LIMA HOMEM CHORA OU NÃO CHORA: UM ESTUDO SOBRE A EXPRESSÃO DO AFETO NA CONSTRUÇÃO CONTEMPORÂNEA DA MASCULINIDADE CARUARU/PE 2010 Prof° Vicente Jorge Espíndola Rodrigues Diretor – Presidente da FAVIP Profª Ma. Mauricélia Bezerra Vidal Diretora Executiva da FAVIP Profª Ma. Maria do Socorro Santos Coordenadora do Curso de Psicologia SOCIEDADE DE EDUCAÇÃO DO VALE DO IPOJUCA LTDA. FACULDADE DO VALE DO IPOJUCA - FAVIP COORDENAÇÃO DE PSICOLOGIA CURSO DE GRADUAÇÃO DE PSICOLOGIA JONI VON SILVA DE LIMA HOMEM CHORA OU NÃO CHORA: UM ESTUDO SOBRE A EXPRESSÃO DO AFETO NA CONSTRUÇÃO CONTEMPORÂNEA DA MASCULINIDADE Trabalho de conclusão do curso de Psicologia da FAVIP, apresentado para obtenção do grau de Bacharel em Psicologia. Orientadora: Juliana Barbosa Lins de Almeida CARUARU/PE 2010 L732h Lima, Joni von Silva de. Homem chora ou não chora: um estudo sobre a expressão do afeto na construção contemporânea da masculinidade / Joni von Silva de Lima. -- Caruaru : FAVIP, 2010. 44 f. Orientador(a) : Juliana Barbosa Lins de Almeida. Trabalho de Conclusão de Curso (Psicologia) -- Faculdade do Vale do Ipojuca. Inclui anexo. 1. Masculinidade. 2. Choro. 3. Gênero. I. Título. CDU 159.9[10.2] Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário: Jadinilson Afonso CRB-4/1367 SOCIEDADE DE EDUCAÇÃO DO VALE DO IPOJUCA LTDA. FACULDADE DO VALE DO IPOJUCA - FAVIP COORDENAÇÃO DE PSICOLOGIA CURSO DE GRADUAÇÃO DE PSICOLOGIA HOMEM CHORA OU NÃO CHORA: UM ESTUDO SOBRE A EXPRESSÃO DO AFETO NA CONSTRUÇÃO CONTEMPORÂNEA DA MASCULINIDADE Autor JONI VON SILVA DE LIMA Aprovada em: ____/____/____ Banca Examinadora Profª. M. Sc. Juliana Barbosa Lins de Almeida Sousa (Orientadora) Profª. M. Sc. Aline Oliveira Machado Profº. M. Sc. Etiane Oliveira CARUARU/PE 2010 IV Aos meus pais, por ter me possibilitado cursar Psicologia, seja com apoio financeiro, seja encorajando nas horas mais difíceis. À minha grande mestra e amiga Juliana Barbosa, por todo o apoio e empenho, sem sua presença a maioria de minhas conquistas acadêmicas não teriam acontecido. V Agradecimentos A Deus, por sua fidelidade, em nossa relação de pura sinceridade, oração e filosofia caminharam juntas, com muitas dificuldades, mas com muito crescimento e conquistas pessoais; Aos meus pais, Sr. João Monteiro e Dona Ivonete, que sempre acreditaram em minha capacidade e apostaram mais na minha felicidade do que eu mesmo; A grande Mestra Juliana Barbosa, professora e amiga inesquecível; A minha namorada Virginia Santos, parte de minha história, minha maior conquista; As minhas irmãs Janielle e Janicleide que sempre estiveram presentes em todos os momentos de minha vida; Aos meus irmãos, João Filho e Monteiro, pela preocupação e atenção; Ao “quarteto fantástico”: Marco, Robson, Jociel e Anne Karine, amigos “todinhos”, companheiros de todas as aventuras, minha vida fica muito mais gostosa com vocês nela; Ao trio “parada dura”: Ângelo, Wedja e Tâmara, muito mais que colegas, foram amigos e professores a certeza da amizade de vocês me fez sorrir e perseverar, quando tudo ficava difícil; Às “duplas dinâmicas”: Luana e Suelem, Laudiane e Kelma, minha família na faculdade, tantas vezes choramos e sorrimos juntos, com toda dificuldade nunca deixamos de nos encontrar e zelar por essa amizade tão bonita; A Viviane, por sua indispensável ajuda na condução do trabalho de campo e por sua amizade incondicional; A Jeane e Flaviana, primeiras a me mostrarem o prazer da busca pelo conhecimento; As mestras Claudine Alcoforado e Suely Emilia, mestras na arte de viver, com vocês cresci muito; A Ângelo Xavier e Getulio Amaral os homens mais sábios que já tive o prazer de conhecer; A professora Etiane por suas valiosas contribuições para este trabalho; A Socorro Santos coordenadora desse curso, por seu empenho em trazer sempre melhor para nós alunos; A Aline e a turma de Psicologia e Gênero 2010.1, por permitirem que este trabalho acontecesse; A todos os professores e colegas da turma Psi0502, foram momentos incríveis que vivemos juntos; VI “A única coisa da qual se possa ser culpado,(...) é de ter cedido de seu desejo.” (Jacques Lacan). VII RESUMO O que hoje é chamado de masculinidade vem sendo construída ao longo do tempo sob conceitos e preconceitos que determinam, ao menos no imaginário popular, o que seria ser homem, conforme afirma Welzer-Lang (2001). O que se percebe em nossa sociedade, é que padrões de gênero são construídos mesmo antes do nascimento do bebê, uma vez que há adequações a modelos de feminilidade e masculinidade já estabelecidos. Algumas implicações acarretadas por determinadas formas de conceber a masculinidade são exploradas por Braz (2005) que afirma que a cultura do “macho forte” que não cuida de si e de seus afetos, leva a uma série de prejuízos para a saúde dos homens em geral. Entre esses muitos (pré) conceitos acerca do que constitui ser homem, há um ditado popular que anuncia que “homem não chora”. Assim, o objetivo deste trabalho foi analisar, a partir das músicas “Guerreiro menino” e “Homem não chora”, o quanto essa crença está arraigada na constituição da masculinidade e até que ponto forja homens que se encontram impossibilitados de cuidar de seus afetos, receosos de ir contra ao padrão estabelecido do que se compreende, na nossa cultura, por “homem de verdade”. Este estudo foi realizado através de um grupo focal formado por alunos do ensino superior da cidade de Caruaru, PE, sob o tema “homem chora ou não chora?” e foi analisado à luz das teorias de gênero. Palavras chave: Masculinidade, choro, gênero. VIII ABSTRACT What is now called masculinity has been constructed over time on concepts and prejudices that determine, at least in the popular imagination, what would be a man, as stated Welzer-Lang (2001). What is noticeable in our society, is that gender patterns are built even before the baby's birth, since there are adjustments to models of femininity and masculinity already established. Some implications brought about by certain forms of masculinity are explored design by Braz (2005) who argues that the culture of the "strong male" do not take care of themselves and their friendship leads to a lot of damage to the health of men in general . Among these many (pre) concepts about what constitutes being a man, there's a popular saying that announces that "man does not cry." The objective of this study was to analyze, from the songs "Guerreiro Menino" and "Homem não chora," how this belief is rooted in the constitution of masculinity and the extent to which forge men who are unable to care for their affections, afraid to go against the established standard of what is understood in our culture, a "real man". This study was conducted through a focus group formed by students of higher education in the city of Caruaru, PE, under the theme "man cry or not cry?" And was considered in the light of theories of gender. Keywords: Masculinity, crying, gender IX SUMÁRIO Dedicatória.................................................................................................................... IV Agradecimentos ............................................................................................................. V Epígrafe ........................................................................................................................ VI Resumo ....................................................................................................................... VII Abstract ...................................................................................................................... VIII Sumário ........................................................................................................................ IX 1.Apresentação .............................................................................................................10 2. Justificativa ...............................................................................................................11 3. Problema ...................................................................................................................12 4. Objetivos ..................................................................................................................13 4.1 Objetivo Geral ........................................................................................................13 4.2 Objetivos Específicos .............................................................................................13 5. Método ......................................................................................................................14 5.1 Tipo de pesquisa .....................................................................................................14 5.2 Amostra ..................................................................................................................14 5.3 Métodos de Análise ................................................................................................15 5.4 Considerações Éticas ..............................................................................................15 6. Referencial teórico ....................................................................................................16 6.1 Sobre Heróis e Mitos: A História no Masculino ....................................................16 6.2 Explicações Essencialistas para o Masculino .........................................................17 6.3 Concepções Sociais e Culturais na Construção do Masculino ...............................20 6.3.1 Sobre o Patriarcado .............................................................................................20 6.3.2 A Revolução Feminista .......................................................................................23 6.3.3 O mal-estar masculino: há lugar para a dor masculina? .......................................25 7.Um breve histórico sobre a Teoria Socionômica ......................................................28 8.Resultados e discussões .............................................................................................30 CONCLUSÕES ............................................................................................................37 REFÊRENCIAS ...........................................................................................................39 ANEXOS ......................................................................................................................40 10 1.APRESENTAÇÃO O que hoje é chamado de masculinidade vem sendo construída ao longo do tempo sob conceitos e preconceitos que determinam, ao menos no imaginário popular, o que seria ser homem, conforme afirma Welzer-Lang (2001). Ainda segundo este autor, em algumas sociedades, os adolescentes do sexo masculino passam por alguns rituais para se tornarem adultos e esses rituais garantirão a masculinidade. Segundo Alves (2004), o que se percebe em nossa sociedade, é que padrões de gênero são construídos mesmo antes do nascimento, uma vez que haverá, inevitavelmente, uma adequação a modelos de feminilidade e masculinidade já estabelecidos. Conceitos históricos e culturais atravessam o sujeito, que formará sua imagem do que é ser homem, quais os atributos e as qualidades necessárias para construir determinado padrão de masculinidade. Algumas implicações acarretadas por determinadas formas de conceber a masculinidade são exploradas por Braz (2005). Esta autora irá mostrar como a cultura do “macho forte” que não cuida de si e de seus afetos, leva a uma série de prejuízos para a saúde dos homens em geral. Entre esses muitos (pré) conceitos acerca do que constitui ser homem, há um ditado popular que anuncia que “homem não chora”. Logo, o objetivo deste trabalho foi analisar o quanto essa crença está arraigada na constituição da masculinidade e até que ponto forja homens que se encontram impossibilitados de cuidar de seus afetos, receosos de ir contra ao padrão estabelecido do que se compreende, na nossa cultura, por “homem de verdade”. A importância de se lançar um olhar no que se refere à compreensão de gênero de que os homens, pela cultura patriarcal, foram e ainda são criados sob o dogma do sexo forte, mesmo quando isso implica em sacrificar a saúde, o bem estar e até seus desejos pessoais. Para tanto, a partir das músicas “Guerreiro menino” (Um homem também chora) de Luiz Gonzaga Júnior (Gonzaguinha) e “Homem não chora” de Frejat, foi traçado um paralelo entre as diferentes formas de encarar a expressão masculina do choro/afeto. através de um grupo focal com alunos do curso de Psicologia e da utilização de métodos da teoria socionômica proposta por J. Moreno (apud Almeida, 2008). 11 2. JUSTIFICATIVA Segundo Silva (2006), ao entrar no terreno da construção do gênero, precisamos percorrer mitos e crenças que sustentam um padrão. Esse aparato cultural forma no imaginário popular o modelo do ser masculino idealizado, que apesar de ser retratado algumas vezes com ironia, esconde na verdade, um modelo de comportamento, que faz sofrer. O autor ainda aponta para uma suposta crise masculina, resultado do fato de não sabermos lidar com os novos padrões que se desenharam a partir das conquistas femininas. Por isso, tenta-se reproduzir papeis antigos em contextos novos, e uma dessas formas do homem tentar garantir o antigo status, é por meio da violência e da negação da fragilidade. Diante desse contexto é de grande relevância, um trabalho que lançasse um olhar sobre a construção de identidade masculina, sob tantos atropelos culturais e históricos de longa data, mas que ainda perpassam o homem contemporâneo (ALVES, 2004), tornando-nos condicionados a uma crença que é aceita sem questionamentos e que causa sofrimento a homens e mulheres. 12 3. PROBLEMA Percebe-se em nossa sociedade que o cuidado com afeto e com a saúde do homem adulto é negligenciado e pouco se dá atenção a estas demandas (BRAZ, 2005). Sabe-se que este é um problema cultural e histórico, pois negligenciar-se cuidados ou ocultar vulnerabilidade emocional é parte do que se acredita ser necessário ao ser masculino; opor-se ao que se construiu por muito tempo acerca do que é ser homem pode levar a uma mudança brusca e como toda mudança, gera crise. Neste sentido, podemos pensar na questão do que seria necessário para forjar um ser masculino? O quanto essas crenças estão presentes e influenciando o homem moderno no cuidado de si e de seus afetos? O quanto os indivíduos do sexo masculino se permitem chorar e demonstrar suas limitações sem que isso negue aquilo que acreditam constituir o ser masculino? Qual o lugar do choro e do afeto na vida dos homens? 13 4. OBJETIVOS 4.1 Geral Refletir sobre algumas crenças que circundam a concepção do que é ser homem, compreendendo a relação estabelecida entre a concepção contemporânea do ser homem e a expressão de afeto/choro. 4.2 Específicos Refletir sobre a expressão do choro e do afeto na constituição da masculinidade contemporânea; Identificar os discursos que orientam os comportamentos dos homens em relação aos seus afetos dentro de um contexto sócio histórico e cultural; Analisar a relação entre a demonstração de choro/afeto e as representações do que é instituído enquanto “ser homem” na concepção de homens e mulheres. 14 5. MÉTODO 5.1 Tipo de pesquisa A pesquisa utilizada foi de caráter qualitativo, que segundo Minayo (2007), apresenta a singularidade de poder se ocupar com realidades que não podem ser quantificadas, trabalhando com questões subjetivas que não podem ser reduzidas ao manejo das variáveis. Quanto à técnica abordada, utilizou-se o grupo focal temático, com base na proposta de Almeida (1999) e da teoria Socionômica proposta por J. Moreno (apud ALMEIDA, 2008). Foi proposto ao grupo o tema Homem chora ou não chora?, que teve como objetivo abordar a crença no ditado popular de que “Homem não chora”. Para tanto, utilizou-se das músicas “Guerreiro menino” e “Homem não chora” (Anexo I) para traçar esse paralelo, com o intuito de refletir sobre a expressão do choro e do afeto na constituição da masculinidade contemporânea. Para a consecução do mesmo foi necessário apenas um encontro, com duração de aproximadamente duas horas. 5.2 Amostra O trabalho foi realizado com um grupo de estudantes de uma faculdade particular na cidade de Caruaru, no estado de Pernambuco. O grupo foi composto por dezessete alunos, sendo quinze mulheres e dois homens, com idades entre 18 e 50 anos, cursando Psicologia e que se encontravam em diferentes períodos (do terceiro ao décimo), que estavam concluindo a disciplina de psicologia e gênero. 15 5.3. Método de análise Quanto a analise dos dados, a teoria de gênero deu suporte a essa pesquisa, juntamente com o método da Análise de Conteúdo Temática, que é uma vertente da análise de conteúdo proposta por Bardin (1979) e tem por objetivo obter, por procedimentos de categorização, inferência, descrição e interpretação, compreender o contexto da qual faz parte o tema que estamos analisando (MINAYO, 2007). 5.4. Considerações éticas De acordo com a “resolução do Conselho Federal de Psicologia N016/2000 de 20 de dezembro de 2000”, toda pesquisa com seres humanos deve incluir consentimento informado (modelo em anexo) e ser avaliado os riscos apresentados para os participantes da pesquisa. Assim, este trabalho não apresentou riscos para os participantes da pesquisa, mas poderia despertar questões subjetivas que causem sofrimento. Contudo este trabalho foi acompanhado por uma profissional, com experiência que possui a competência necessária para lidar e intervir em qualquer possível dano, como exige o parágrafo 4º do art. 3º da referida resolução. O trabalho foi realizado, após aprovação do Comitê de Ética, na Faculdade Vale do Ipojuca, na cidade de Caruaru, no segundo semestre do ano de 2010. Inicialmente foi necessário um contato prévio com a Direção Acadêmica para explicar o contento da pesquisa para obtenção da autorização para realização do trabalho (Vide anexo II). Com o grupo de participantes, no primeiro momento serão passados aos participantes alguns esclarecimentos sobre o trabalho, assim como a garantia, o caráter voluntário da participação, o anonimato e sigilo com o intuito de obter o consentimento verbal e escrito (Vide anexo III). 16 6. REFERENCIAL TEÓRICO 6.1 Sobre Heróis e Mitos: A História no Masculino A crença de que homem de verdade não chora, não demonstra fraqueza, nem sentimentos está profundamente disseminada em nossa cultura, trazendo conseqüências às vezes prejudiciais para homens e mulheres que sofrem com esses modelos estabelecidos de masculinidade e feminilidade. Juntamente com a implantação do patriarcado, a humanidade assiste ao surgimento de mitos, que engrandecem o herói, modelo masculino idealizado socialmente para todo homem. Os heróis mitológicos e religiosos têm em comum, características como força e bravura, nunca falham nem demonstram fraqueza ou indecisão. Segundo Bulfinch (2002), na mitologia grega, a figura masculina está quase sempre associada à imagem do herói. Numa sociedade patriarcal, esses mitos surgem cercados pelo brilho do poder, mas essa imagem gloriosa muitas vezes aparece contaminada por aspectos sombrios ou, por vezes, marcada surpreendentemente pela fragilidade. Assim, os homens desde criança incorporam atitudes e gestos “heróicos” e “viris” para compensar essa fragilidade (ADLER, 1984, apud, CASTAÑEDA, 2006, p.63). Para Campbell (1990), todo herói se caracteriza por realizar uma missão, algo fora do nível normal da possibilidade humana, O herói é alguém que deu a vida por algo maior que ele, provocando o homem a alcançar um nível semelhante de proeza. A imagem dos heróis e suas façanhas estão espalhadas por todos os âmbitos da vida, desde a mitologia e a religião até o entretenimento e as escolhas profissionais. Heróis como Hercules e seus doze trabalhos, Ulisses e sua jornada, Alexandre, Sansão e Moises, Super-homem, Batman e Lampião, mostram como o ideal de herói atravessa todos os tempos e todas as idades, e de diferentes formas, mas sempre com a mesma mensagem: ser forte, valente, destemido e não demonstrar fraqueza. Tudo isso povoa o pensamento e o imaginário masculino e como conseqüente, feminino. Albuquerque (s/d) aponta a literatura de cordel como exemplo do papel que as figuras do cangaceiro e do coronel têm no nordeste brasileiro. São personagens que simbolizam o ideal de “cabra macho”. Assim como Hercules, que realizava os seus 17 trabalhos mostrando força e bravura, cangaceiros mostraram sua bravura e força vencendo a policia, às vezes com recursos mínimos. A história, segundo Bourdieu (2002), foi construída a partir do homem. Os valores, assim como os mitos e as instituições religiosas foram edificados com o objetivo preservar e manter a ordem patriarcal. Não conhecemos uma história das mulheres, exceto pelo atravessamento do feminismo, marco da luta por direitos iguais, uma vez a história foi “narrada” por homens, a partir de suas construções de fatos em que estes estavam no foco dos acontecimentos. Toda possibilidade de variação cultural, estaria fatalmente vinculada aos valores patriarcais. Também as religiões, como as predominantes em Roma e Grécia Antigas, que têm um deus supremo masculino (Júpiter e Zeus, respectivamente). Essa ordem masculina se perpetua por meio dos heróis e lideres - sempre homens deixando a marca da superioridade masculina e conseqüente, inferioridade e submissão feminina. O mito estabeleceria modelos de conduta, ajudando a preservar as idéias contidas neles (CAMPBELL, 1990). Por essa razão, mitos e heróis, acabam por ratificar as idéias de homem ideal, com uma superioridade muitas vezes difícil de sustentar. O mito pode ser considerado um dispositivo de auxilio para organizar uma sociedade, conforme um padrão e uma estrutura idealizada. 6.2 Explicações Essencialistas para o Masculino Para o essencialismo, cada ser possui uma essência pautada na natureza. Deste modo, teria uma substância própria que o diferencia de outros seres (SEVERINO, 2007). A partir dessa visão, todo o modo de agir e de sentir do ser humano estaria mais ou menos determinada por sua essência. Castañeda (2006) enumera alguns argumentos, que segundo a visão essencialista seriam provas que justificariam como normais e imutaveis a forma de se comportar de homens e mulheres. Alguns argumentos levantados são 1. a questão hormonal, que em diferentes níveis entre homens e mulheres desenvolveriam aptidões e gostos diferentes; 2. A testosterona seria o responsável pela agressividade masculina, tornando assim a agressividade como algo natural no homem. 3. Os homens têm uma maior necessidade de sexo do que as mulheres, justificando assim a infidelidade 18 masculina. Assim, como a mulher só poderia ter uma gestação de cada vez, não sentiriam o mesmo desejo do homem que pode sair por aí engravidando quantas mulheres quisesse. Esse é um dos argumentos que também demonstra a falta de compromisso do homem com a família. Assim, necessariamente a mulher estaria como as fêmeas de outras espécies de mamíferos: totalmente envolvida com suas crias. Talvez esteja aí o motivo para na luta pela guarda dos existir uma crença de preferência materna natural, a mãe por ser mãe já entraria na questão judicial com muitos pontos a seu favor. 4. O maior porte físico garantiria ao homem o direito de mandar na mulher, até porque ela precisaria dele para protegê-la. Segundo Silva (2001), percebe-se que os papeis de macho e fêmeas vão tomando formas distintas na medida em que avançamos na cadeia animal, de baixo pra cima a fêmea apresenta predominância, enquanto o macho desempenha papel periférico. Ou seja, nas formas de vida mais simples como insetos, os machos só reproduzem e em seguida morrem, e em outros casos são assassinados pela fêmea. Em algumas espécies de pássaros, são os machos que sozinhos ou em companhia da fêmea cuidam dos filhotes. Nos mamíferos, os machos são os dominantes. Suas funções de macho são caçar, reproduzir, proteger o bando (em alguns casos) e demarcar seu território e a fêmea se compromete com sua prole, para gerar, alimentar e proteger. Todo o esforço do macho é para seduzir a fêmea, e para isso utilizam vários recursos, como a cauda do pavão, a juba do leão, ou oferecer comida e/ou proteção em troca de sexo como alguns pássaros, ou chimpanzés. Contudo, praticamente não existe ou tem pouca importância à disputa pelo poder no reino animal, entre os gêneros. A vertente biológica nos dá duas causas para, no caso do seres humanos, existir o domínio do homem sobre a mulher. Uma delas é o fato do homem possuir maior porte físico. A outra é que a o bebê humano é o mais desprotegido e frágil do reino animal e a mulher está comprometida com sua cria. Seria difícil para a mulher se defender de possíveis perigos, providenciar alimento e carregar seu filhote no colo e por esse motivo seria ela tão dependente do macho. Para Begun (s/d) essa fragilidade só passaria a existir depois que passamos da condição de quadrúpedes para bípedes, que segundo a Teoria da Evolução, seria ponto crucial para nos tornarmos humanos. Embora essa diferença física exista, é importante ressaltar que isso nunca impediu as mulheres de realizar trabalhos pesados, como carregar baldes de água, cortar lenha e realizar tarefas agrícolas, sem contar que devido 19 a atividades físicas e esportes como natação, o desempenho dos corpos de algumas mulheres estão se desenvolvendo em ritmo mais acelerado que dos homens (CASTAÑEDA, 2006). Com explicações que partem da biologia, a visão essencialista conclui que os homens são machistas por razões inatas e assim ocorre em todas sociedades em todos os tempos. As teorias que têm suas teses provadas ou evidenciadas na perspectiva essencialista são muitas vezes utilizadas para ratificar pensamentos e ideais machistas. Um exemplo é a Teoria da Evolução de Charles Darwin, que é utilizada, para tentar provar que homens e mulheres foram se adaptando ao longo do tempo, e os papeis que hoje exercem, são resultados dessa evolução (BEAUVOIR, 1970). Sendo assim, lutar contra isso seria lutar contra a natureza e em alguns casos contra Deus, que teria determinado que a mulher deve ser submissa ao homem (Gn, 3, 16). Em contrapartida às explicações essencialistas,, existe outro enfoque conhecido por construtivista, que entende, dentre outras questões, as diferenças entre homens e mulheres a partir de fatores sociais, econômicos e culturais (CASTAÑEDA, 2006). Alguns autores como Castañeda (2006), Silva (2001), Lins (2007), Beauvoir (1970), Bourdieu (2002), dentre outros que embasam este trabalho, defendem que apesar de toda argumentação essencialista, percebemos o quanto o conceito dos papeis que homens e mulheres devem desempenhar foi construído ao longo dos tempos e das diferentes culturas, numa relação de poder (FOUCAULT apud BOURDIEU, 2002)., Essas relações em que os homens submeteram as mulheres e outros homens que tinham e têm menos poder político e social, foram a constante que utilizou de vários recursos e discursos ao longo da história, como mitos, religiões, leis, exclusão social e intelectual, violência física e psicologica para manter o ideal do patriarcado. Só recentemente com a revolução feminista, esses padrões passaram a ser questionados, pelos menos em grande escala. 20 6.3 Concepções Sociais e Culturais na Construção do Masculino 6.3.1 Sobre o Patriarcado O patriarcado, ao pé da letra quer dizer um sistema, ou regime social organizado em torno do pai, onde este é autoridade máxima. Para Silva (2001), o Patriarcado tem aproximadamente cinqüenta mil anos, época em que a sociedade deixa de ser coletora e passa a sobreviver da caça. Segundo Beauvoir (1970), devido a seu maior porte físico o homem sempre levou vantagens em algumas atividades vitais para a sobrevivência e por esse motivo subjugou a mulher. Sendo assim para esses autores , o patriarcado é uma forma de organização social que predominam os valores enaltecem a superioridade sexo masculino e a submissão das mulheres a estes. Para Lévi-Strauss (apud BEAUVOIR, 1970), com o surgimento da cultura, o homem passou a pensar as relações biológicas em questão de dualidade e oposição, que formariam uma harmonia e simetria onde um, sendo oposto do outro o completaria: “A passagem do estado natural ao estado cultural define-se pela aptidão por parte do homem em pensar as relações biológicas sob a forma de sistemas de oposições: a dualidade, a alternância a oposição e a simetria, que se apresenta sob formas definidas ou formas vagas.” (LÉVI-STRAUSS, s/d, apud BEAUVOIR, 1970, p. 11). Se o homem é o oposto da mulher e vice versa, um tem que dominar e o outro ser dominado, como acontece no reino animal, em especial com os de maior porte, onde o macho domina a fêmea ou a “possui”. Porém, na singularidade humana, aonde os fatores biológicos não são os que prevalecem, a dominação masculina precisou de um contexto histórico para se estabelecer (BEAUVOIR, 1970). Castañeda (2006) descreveu sobre a naturalidade e normalização do comportamento machista, sob alguns vieses essencialistas, nos quais a dominação masculina seria compreensível e até desejada para a organização da sociedade. É interessante perceber que além dos discursos populares que sustentam um modelo idealizado do ser masculino, uma série de pesquisas, que conforme a mesma salienta, são pseudocientíficas e conservam esses pressupostos. Também Silva (2001) aborda a questão do machismo e a tentativa de dominação masculina, onde, dentro da estrutura patriarcal, os homens não desejaram 21 dominar somente as mulheres, mas também outros homens. A dominação masculina teria se iniciado com a apropriação do homem da esfera publica, por meio da caça e de atividades que exigiam um maior esforço físico: “A figura de provedor e protetor que já se esboçava no estágio anterior, o da sociedade de caça, tornou-se de fato o dono da mulher, e passou a exigir que ela somente mantivesse intercurso sexual com ele.” (SILVA, 2001, p.52). Depois de dominar a mulher e propriedades o homem teria se lançado na busca por poder e imposição da sua vontade e desejos sobre outros. A história do patriarcado começaria então com a mudança de uma sociedade coletora para uma sociedade de caça, na qual o homem teria a vantagem de um maior porte físico. Junto com a caça, as relações do ser humano e seu meio ambiente se tornaram mais hostis e surgiu também a propriedade: de terra, de alimento e da mulher. Com o surgimento do patriarcado, apareceu a noção de poder e o homem precisou garantir que sua propriedade seria deixada pra seus filhos. Para isso, se faz necessário a certeza da legitimidade do filho (a) e assim se deu a monogamia. O homem impôs a fidelidade feminina, mas não aderiu para si. Com o avanço de técnicas que possibilitassem um crescimento da propriedade o homem expandiu seu poder, e passou a dominar também outros homens com menos posse. Essa maneira de ser homem, dominar as mulheres e conquistar o poder foi ao longo do tempo se estabelecendo e uma questão acabava levando a outra; ter muitas mulheres era sinal de poder, e ter poder e propriedade era garantia de ter muitas mulheres. O homem passou então a uma busca de poder, força e dominação e essa busca definiu o que a sociedade entendia por homem. O homem, até hoje tenta a todo custo sustentar essa supremacia, mesmo que isso signifique negar algumas necessidades. Esse modelo de homem forte e poderoso construído e sustentado ao longo os anos gerou como pano de fundo a agressividade e violência para garantir poder e força, que também se tornaram pré-requisito na construção do papel da masculinidade. Mas tudo isso trouxe grande sofrimento para os homens. A necessidade de desempenhar esse papel de “macho”, levou e leva os homens a pagarem um alto preço, muitas vezes abrindo mão da própria felicidade, negligenciando cuidados e até fingindo para poder garantir respeito e status sociais. Para Welzer-Lang (2001) o modelo de masculinidade que ainda vigora apresenta uma tentativa de controle das mulheres como também expressa a homofobia, quase sempre, por meio da violência. É na cultura nordestina que a violência não só é 22 pressuposto para a construção individual de um papel masculino, como também se expressa na maneira de demonstrar afeto pelos entes mais próximos (ALBUQUERQUE, s/d). Esta maneira é muitas vezes expressa por alguns homens de forma indireta e até mesmo grosseira, o que deixa, em algumas pessoas, a impressão de que não são queridas; embora sejam. Em consonância, afirma Castañeda: “(...) se os homens não devem demonstrar ternura, por se tratar de um sentimento pouco viril, tenderão a expressar seu carinho de maneiras indiretas, bruscas, ou simplesmente invisíveis aos demais. E depois perguntarão por que os filhos não gostam deles, ou por que as esposas não lhes dão a ternura que antes prodigalizavam tão espontaneamente.” (CASTAÑEDA, 2006, p.159) A violência contra a mulher expressa esse poder atribuído ao homem Indo além, estaria no imaginário de alguns homens, que as mulheres gostam de certa dose de violência, se excitando quando são violentadas. No entanto, Silva (2001) chama a atenção para o fato de que apesar dessa crença muito divulgada, praticamente todos os praticantes do masoquismo são do sexo masculino. A insegurança e sensação de incapacidade levariam muitos homens a agirem de forma violenta numa tentativa de camuflar e esconder esses sentimentos ou a maneira como realmente se enxergam. De acordo com o autor, a mulher é coisificada, por vários motivos. Primeiro, pela necessidade que os homens sempre tiveram de apropriar-se delas e de sua sexualidade. Um dos exemplos da transformação da mulher em objeto pode ser observado na forma como se fala corriqueiramente à respeito das relações: “fulana é a mulher de alguém”, mas nunca se diz que alguém é o homem dela. Na raiz disso estaria o medo da rejeição, pois dói menos ser rejeitado por um objeto do que por um ser humano. Presentificado a relação objetal, o homem não se acha igual a mulher, mas num degrau acima de importância seriam então seus desejos e suas necessidades mais importantes e urgentes do que o da mulher, suas faltas como traição seriam também perdoáveis e até plausíveis ao contrario da infidelidade da mulher que seria repudiável e imperdoável e seus e desejos muitas vezes deixados para segundo plano (SILVA, 2001). 23 6.3.2 A Revolução Feminista O olhar da história é capitado pelo viés masculino, atestando que esta foi escrita pelas mãos de homens; o que acaba perpetuando a dominação masculina e mantendo o ideal do patriarcado com seu discurso da superioridade do homem e consequentemente a inferioridade da mulher. Incontáveis são os discursos de filósofos, pedagogos, religiosos, políticos, entre outros que afirmam essa superioridade. A história da mulher passa a ser uma sombra da história oficial, segundo Colling (2004), devido ao confinamento da mulher no espaço privado, como rainha do lar. A Revolução Feminista foi um movimento intelectual, filosófico e político, que visava a igualdade de direitos para homens e mulheres, ocorrido em três etapas (ou ondas): a primeira no final do século XIX e inicio do século XX, a segunda nas décadas de 1960 e 1970, e terceira que teria se iniciado na década de 1920 e se estenderia até os dias de hoje. Para Lins (2007), as conquistas femininas começaram com o direito ao voto, mas quando passaram a incluir a liberdade sobre seus próprio corpos, estas mudanças trazidas pela revolução, levaram alguns homens a tomar medidas cada vez mais radicais para preservar a organização e a hierarquia anterior. Segundo Silva (2001), esse movimento que possibilitou a uma igualdade entre os sexos (pelo menos em alguns aspectos), acabou assustando alguns homens que passaram a se sentir ameaçados e inferiorizados pelas mulheres. O feminismo aconteceu por etapas e segundo Lins (2007), teve inicio no século XIX, mas somente a partir da década de 1960 passou a ser notado com força intelectual e política, a partir dessa observação da autora podemos ver como é recente as conquistas das mulheres diante de tantos séculos e até milênios de dominação masculina, como aponta Bourdieu (2002). Para o autor, seria necessário escrever uma nova história que não fosse vista de forma unilateral, mas que incluísse uma desconstrução da forma como a conhecemos, para que se incluísse uma história das mulheres. Com o marco histórico do lançamento da pílula anticoncepcional as mulheres da segunda metade do século XX e inicio do século XXI, viram a possibilidade de viver livremente sua sexualidade, esse foi um ponto crucial para deslocar os homens de suas zonas de segurança e conforto, uma vez que somente eles tinham direito a viver uma sexualidade livre. Surgiu muitas vezes a violência física, verbal e social contra as 24 mulheres como tentativa de abafar as mudanças que estavam e estão acontecendo (LINS 2007). Para Silva (2001), as primeiras formas do feminismo foram carregadas de rancor e ódio das mulheres contra os homens. Essa forma radical da revolução feminista estariam em vias de acabar, pois cada dia mais um feminismo de busca por igualdade entre os sexos e entre as classes sociais, uma forma mais madura de encarar as mudanças, sem precisar alimentar ódio, ou nas palavras do autor “coisificar” um ser humano, que serviria como depositário de toda revolta por séculos de opressão. Bourdieu (2002), diz ser necessária uma releitura das estruturas que sustentam a dominação masculina. O autor propõe uma reconstrução da história da (re) criação continuada das estruturas objetivas e subjetivas desta dominação masculina, pois ao longo do tempo a ordem masculina foi instalada e atualizada constantemente. As instituições como a Igreja, família e escola reproduziram através dos tempos esse discurso. A idéia não é o de somente descrever as transformações que as condições das mulheres sofreram, mas ajudar a identificar os agentes que contribuem para essa imposição da dominação como algo natural, reconstituindo as estruturas das relações de dominação. Ao passo que alguns tentaram manter por séculos o privilégio dos homens, alguns movimentos de ruptura aconteceram na história. Lins (2007), cita “as Preciosas” da França, no século XVII, como uma das primeiras manifestações de reação das mulheres contra a opressão masculina, já nesse tempo havia os “preciosos”, homens que concordavam com a liberdade das mulheres. Também ocorrido na França esse movimento pode ser considerado um precursor da revolução feminista, que teve sua expressão maior na França no século XX. É pelo fato de estarmos inseridos no discurso patriarcal da superioridade masculina que alguns homens não conseguem conceber outra forma de organização social que não seja a já estabelecida, e por isso sofrem com as mudanças nas estruturas sociais. Para Colling (2004), a dominação masculina é na verdade uma dominação simbólica, que triunfa com tanto êxito por conseguir fazer com que as mulheres acreditem em sua pouca importância e achem natural o desmerecimento a que são submetidas, isso justificaria tanto tempo sem reivindicarem por justiça. Segundo Silva (2001) o marco para o inicio do movimento feminista, foi a conquista do direito de votar pelas mulheres na década de 1920, confirmando a teoria de Foucault (FOUCAULT, 1979b, apud COLLING, 2004), onde as relações de poder 25 movem a história e estruturam os caminhos por onde ela enveredará. Pois é justamente com o direito de votar e nomear quem estará no poder que começa a conquista da liberdade feminina e também a crise da masculinidade. 6.3.3 O mal-estar masculino: há lugar para a dor masculina? Os ideais de masculinidade foram construídos e a manutenção desse ideal de homem, é culturalmente imposto, conforme afirma Lins: “O homem, a vida inteira, deve estar atento e mostrar que é homem, deve ter atitudes , comportamentos e desejos masculinos. Qualquer variação no jeito de falar, andar e mesmo sentir, e sua virilidade é posta em dúvida. Assim como a feminilidade, a masculinidade foi construída a partir do surgimento do patriarcado” (LINS, 2007, p. 151) A crise da masculinidade, quando os homens ficam perdidos diante das novas formas de ser mulher, gerou um grande mal-estar em alguns homens, que tentam manter antigos modelos de organização social, que garantam antigos papeis bem definidos para homens e mulheres, com conseqüente superioridade deles e submissão delas. Segundo Lins (2007), nos Estados Unidos ao se depararem com todas as conquistas femininas, os homens do século XX tentaram se defender da ameaçadora liberdade das mulheres com advertências para os filhos do sexo masculino, incentivando-os a praticarem futebol e beisebol, pois estes são espaços onde a supremacia masculina é incontestável. A autora chama atenção para o fato de que junto com as conquistas das mulheres, aumentou paralelamente o número de divórcios e as taxas de natalidade diminuem nas mesmas proporções. Nesse período surgiu uma literatura de advertência para que a família não acabasse. Nesse sentido, percebe-se que esta advertência confinava não só as mulheres no lugar de “rainhas do lar”, cuidando dos afazeres domésticos e do bem estar dos filhos e do marido, mas também os homens no local de “chefes de família”, responsáveis pelo sustento e pela fortaleza desta. . Com o passar do tempo, as mulheres ganharam mais espaço, embora exista ainda muita desigualdade econômica, social e cultural entre homens e mulheres, com larga vantagem para eles (LINS, 2007). 26 Existe um campo, no entanto, que as conquistas femininas superaram e muito as masculinas: o campo das políticas de saúde publica. Segundo Braz (2005), isso se deve a fatores culturais e está atrelado ao velho jargão de que “homem é o sexo forte” e por isso não necessita de cuidados como a mulher. A literatura, assim como os programas de saúde, apontam que o cuidado em relação à saúde é imprescindível para as mulheres. Segundo Braz (2005), a política de cuidado da mulher não exclui a necessidade do cuidado com o homem. No entanto, a autora reconhece que essa falta de cuidado é proveniente do mito do sexo forte. Mitos como “homem não chora”, parecem querer dizer também que o homem não se cuida e que esse presumido cuidado é coisa de mulher ou de homem considerado fraco ou ainda percebido como homossexual (BRAZ, 2005). Acreditar que o masculino é o sexo forte remonta a história da humanidade, onde isto justificaria uma dominação dos homens sobre as mulheres (CASTAÑEDA, 2006). Percebe-se que alguns atributos físicos, como estrutura física e força, foram exageradas e até transpostas para aspectos psicológicos, onde homens não demonstrariam fragilidade alguma, com intuito de se impor sobre as mulheres e até sustentar uma posição social superior. No entanto, Castañeda vai além da simples rememoração histórica, quando aponta que apesar dos homens possuírem algumas singularidades físicas que o tornariam mais fortes e mais resistentes que as mulheres, esses traços não impediram, no entanto, que as mulheres muitas vezes fizessem trabalhos mais pesados que os homens e na atualidade, com alguns exercícios físicos, o corpo feminino se desenvolve e em breve estará equiparado ao dos homens em alguns aspectos (CASTAÑEDA, 2006). Braz (2005) alerta que o descuido do homem com seus afetos e até com a saúde, parece ser uma constante manutenção do ser homem, mas tem suas conseqüências. “Atualmente, ser do sexo masculino é o maior fator demográfico, para morte prematura” (NESSE apud BRAZ, 2005, p.99). Silva (op. cit.),faz uma comparação, constatando certa semelhança ao comportamento dos animais, principalmente entre os mamíferos. Mas também mostra o quanto esta superioridade na verdade esconde sentimentos de fragilidade, desamparo e inferioridade e que essa necessidade de dominação e constantes demonstrações de superioridade seria inversamente proporcionais a esses sentimentos. A clínica atesta a dificuldade de alguns homens em se adequar as cobranças deste discurso, apesar das dificuldades estes homens adoecem, mas não conseguem 27 expressar suas angústias (choro), pois isso significaria falhar naquilo que é fundamental. Assim, surge o sintoma como forma de lidar com essa demanda (SANTAELLA, 2003). Nas palavras de Silva (2001), “Quem se sente fraco é quem precisa mostrar-se e posar de forte” (p.68). Assim, poderíamos pensar num mal-estar masculino que se instaura quando o homem sente que precisa se mostrar forte, demonstrar sua masculinidade aos outros e a si mesmo. Para este autor, isso implica em questões históricas e culturais, que refletem no modelo de masculino ideal, que os homens seguem, e que na maioria das vezes é inatingível. Segundo Alves (2004), a cultura determina a questão de gênero desde a infância, nas palavras do autor: “Este padrão sexo/gênero ocorre desde antes o nascimento, já que o bebê, sem liberdade de escolha, vai ter que se adaptar aos padrões da feminilidade ou masculinidade.” (ALVES, 2004, p.09). Portanto, ser homem é não se permitir ao que é feminino, por mais que isso seja difícil, desagradável ou dolorido. Apontar que a crise no que se acreditava ser uma masculinidade natural e se descobre não sendo, parece ter tido inicio com a revolução feminista, é o que indica Silva (2006, p.03): “A crise da masculinidade contemporânea foi um reflexo do movimento feminista ocorrido no final da década de 60, e levou alguns homens a buscarem um modelo que melhor conseguisse descrever suas subjetividades.” (SILVA, 2006, p.03) Com toda a dor que parece silenciar o homem pós-moderno, este trabalho segue no encalço da questão: homem chora, ou não chora? O que se deseja ao silenciar esse choro, ou o que se pretende ao chorar? Questionar crenças enraizadas, mas não criar novas é um caminho que desafia os homens da atualidade, frente a uma mídia que joga sempre a obrigação do ser humano se superar a níveis heróicos e irreais. Ceochetto (apud Vicente & Souza, 2006), alerta que os modelos de masculinidades, embora admirados por muitos, dificilmente sejam seguidos pelos homens, a menos que se trate de um personagem de filme. Ainda no seguimento do pensamento de Vicente e Souza (op. cit.), percebe-se que os padrões masculinos encontram-se em processos de mudança e os homens sentem-se geralmente desorientados. Perder certos privilégios causa sofrimento e algumas conquistas, como expressar alguns afetos, ainda são vistos com certo receio. 28 Chorar parece assumir o aspecto de fraqueza, que por ser tão diferente do que se espera do homem provedor, forte e com apetite sexual ilimitado acaba entrando na lista dos itens proibidos para o homem. Os avatares da masculinidade exigem alguns sacrifícios, mas alcançar essas exigências parece garantir alguns privilégios sociais, entre eles respeito e admiração por parte de seus iguais, conforme afirma Alves (2004). Segundo Castañeda (2006), é necessário entender estas atitudes como processos culturais e educativos. Aprender a não chorar, não ter medo, “não levar desaforo pra casa”, “não brincar de boneca”, são alguns dos ensinamentos que a criança do sexo masculino é submetida desde muito nova para que se cresça “sendo homem”. Braz (2005) também aponta para as dificuldades de se construir um sujeito do sexo masculino: “Os estudos de gênero apontam que é mais difícil „construir‟ um homem do que uma mulher pelas vicissitudes por que passa o gênero masculino para construção de sua identidade e subjetividade desde a concepção até a vida adulta viril” (BRAZ, 2005, p.100) . Outra forma encontrada para expressar esse choro talvez seja pela via das drogas (GIKOVATE, 1992). Assim como a violência, as drogas podem dar vazão a um sofrimento que muitas vezes não é falado, pois revelaria um sujeito “fraco”. Será que a repressão do choro/afeto encontra sua expressão maior na imposição de dor no outro? Se “todo mundo sabe que, homem não chora”1, então ele faz chorar? O problema parece estar em ser a expressão do choro/afeto tão necessário, mas tão negligenciado em nome de um ideal de masculinidade, que aparentemente só serve para sustentar um sofrimento que atinge homens e mulheres (BRAZ, 2005). 7.Um breve histórico sobre a Teoria Socionômica Segundo Menegazzo (1994), Jacob Levi Moreno fundou uma metodologia que deveria ter utilidade para as ciências humanas, inclusive a psicoterapia. Em seu conjunto, o Psicodrama e o Sociodrama, formam a Sociometria. Para esse mesmo autor, a visão antropológica moreniana coloca o homem como um ser inacabado, em 1 Trecho da música Homem não chora, de autoria de Frejat. Esta foi utilizada como instrumento de pesquisa com grupo alvo. 29 constante transformação de si mesmo. Na definição de Almeida (2008) o método psicodramatico, se sustenta numa ação drámatica, podemos conceituar o drama como uma ação que evoca emoções. Assim, a autora descreve: O Psicodrama foi criado em 1921 por Jacob Levi Moreno (1899-1974) e é um método de ação dramática que faz parte da ciência denominada Socionomia, também criada por Moreno. O termo psicodrama refere-se tanto a um método terapêutico como também a todo o conjunto da obra e a uma enorme quantidade de técnicas utilizadas em psicoterapia, na educação ou em instituições, tais como hospitais e organizações. (ALMEIDA, 2008, p.28) Outro conceito importante da teoria socionomica é o de papel. Segundo este conceito, cada pessoa desempenha papeis durante toda sua vida (MENEGAZZO, 1994). Considerando a importância do fator histórico e cultural para a construção e execução de papeis, a teoria de Moreno será utilizada como víeis de investigação e analise deste trabalho, para lançar um olhar sobre o papel culturalmente idealizado para o homem e a permissividade do choro para estes. A espontaneidade no Psicodrama é o ponto que impulsiona o ser humano em sua capacidade de vir-a-ser, liberando sua genialidade (ECHENIQUE, 1996, apud, ALMEIDA, 2008). Mais uma vez, a teoria dos papeis se torna necessária para a compreensão, pois segundo o mesmo autor, para a espontaneidade operar é preciso descobrir os papeis que não estamos autorizados a viver. Para Menegazzo (1994), o homem não pode viver plenamente sua liberdade se estiver fixado em modo de ser não resolvido. Sendo assim, esse papel em que se fixou seria um impedimento para se vivenciar plenamente a espontaneidade e se adaptar a novas situações. Segundo Martín (1996, apud ALMEIDA, 2008) as conservas culturais (na qual incluímos o papel de homem idealizado culturalmente), são opostas da espontaneidade, cristalizam o ser humano e os transformam em robôs programados, teriam como finalidade assegurar uma resposta diante do desconhecido e na falta de espontaneidade estaria a raiz do adoecer. Para a compreensão da teoria moreniana é necessário também entender o conceito de identidade. Para Menegazzo (1994), a idéia de identidade contém, implicitamente, a de papel, sendo a concepção de papel imprescindível para a compreensão do homem. É fundamental a concepção de Moreno de que os papeis não surgem do eu, mas o eu é que surge dos papeis, ou da confluência destes, formando uma totalidade integrada. 30 Para este trabalho, compreendermos o papel como função psicológica, já que na constituição de um comportamento individual, desempenha-se também uma função social (ALMEIDA, 2008). Por esse motivo, por meio do sociodrama, este trabalho busca refletir sobre os papeis normativos, que circundam o imaginário de homens e mulheres sobre a permissividade à fragilidade e expressão do choro para os indivíduos do sexo masculino. 8. RESULTADOS E DISCUSSÕES Os resultados, assim como as discussões apresentadas aqui se referem à experiência realizada com dezessete estudantes de Psicologia de uma faculdade particular nu grupo focal, sobre o questionamento: “Homem chora, ou não chora?”. No primeiro momento, foi explicado o conteúdo do trabalho e o caráter voluntário da participação. Uma vez que todos concordaram e assinaram ao termo de consentimento livre e esclarecido, o trabalho foi iniciado. Foram apresentadas três imagens (em anexo) como forma de aquecimento para o tema proposto. Segundo Menegazzo (1994), o aquecimento serve para possibilitar a entrada do individuo em uma nova matriz e facilitar a apropriação de sua espontaneidade. Foram sugeridas, com esse intuito, três imagens de homens. A primeira mostrava um homem sentado num banco com a cabeça abaixada entre as duas mãos. Na segunda imagem, um ator conhecido chorava visivelmente desesperado e na terceira imagem, um homem fazia a barba com uma serra elétrica. Foi pedido que cada um escolhesse a imagem que mais chamou a atenção e justificasse a escolha. Segue alguns comentários sobre a primeira figura: ”Achei que fosse uma mulher, não é muito comum ver um homem neste estado, parece mesmo uma mulher.” (Mulher, 23 anos). “-Para um homem estar assim acho alguém morreu.” (Mulher, 38 anos) “-Também pensei que era uma mulher, é mais fácil de aceitar.” (Mulher) Podemos perceber, já nesse primeiro momento, as representações bem definidadas dos papeis de homens e de mulheres, pois a percepção da aparente tristeza 31 não remeteu a um homem. Quando foi questionado o porquê de acharem que seria uma mulher, as participantes foram unânimes em responder que “geralmente um homem não fica assim sozinho, triste” Quando uma das mulheres confirmava, dizendo que: “o costume é ver uma mulher chorando e não um homem”, um dos homens interrompeu, afirmando: “Homem não chora, não coloca lágrimas pra fora, mas chora por dentro.” Conforme afirma Castañeda(2006), demonstrar fraqueza e chorar são coisas proibidas para os homens, que diante da urgência do que sentem, acabam, muitas vezes, expressando seus sentimentos por meio da violência, ou sendo rude com aqueles que ama por não conseguir demonstrar afeição. Esse dificuldade faz com que as pessoas que convivem com homens que agem assim não se sintam amadas. Em relação à segunda imagem (ator chorando), algumas pessoas se pronunciaram da seguinte maneira: “O choro está contido, ele está sofrendo por não querer expor para a sociedade.”( Mulher). “-Mas a expressão de seu rosto, está buscando sensibilidade.” (Mulher) A segunda imagem mostra claramente o rosto e a expressão de sofrimento de um homem. Ao que pareceu desde a primeira figura, existe um estranhamento com a possibilidade de um homem demonstrar que está sofrendo. Assim, outra participante encerra o debate sobre a segunda imagem, comentando sobre as outras duas: “-Esse homem (figura três) tem a necessidade de ser macho, ou de demonstrar que é. Na figura um e na dois deve ser algo muito serio para um homem ficar naquela situação”. (Mulher) No segundo momento, foram distribuídos entre os alunos as letras das músicas “Guerreiro menino” e “Homem não Chora” (em anexo). Foi informado o ano das músicas e solicitado que ouvissem a letra das músicas com atenção para depois comentarem aquilo que mais chamasse atenção. Segue alguns comentários: 32 “Achei muito interessante a música Homem não chora.,o homem não pode demonstrar ser sensível, não pode demonstrar que é inferior e afirma que não chora, mas chora.” (Mulher, 38 anos). “Não é construção cultural impor que homem não pode chorar?”( Mulher). “É uma dicotomia, a sociedade pede alguma coisa, mas o desejo é outro, a primeira música (Guerreiro menino) é um desabafo.” (Mulher, 50anos). “-Concordo que é um desabafo, mas homem tem que manter a pose de forte, é uma necessidade.” ( Homem). “- A primeira música é corajosa de verdade ,pois desafia uma construção cultural, mas a segunda é bem mais real.” (Mulher). “-Eu choro, mas é raro.” (Homem) O conceito Moreniano de espontaneidade, preceitua que alguns condicionamentos sociais e conflitos não resolvidos cerceiam nossas possibilidades de vir-a-ser, fixando algumas pessoas em alguns papeis que causam sofrimento e impedem o desenvolvimento pessoal. O choro, para o homem parece ser permitido, mas somente em casos raros. Assim como aconteceu ao observarem as imagens, alguns participantes concordaram que para um homem estar em uma situação de demonstração de sofrimento precisaria estar sofrendo muito, como no caso de morte, pois somente assim o choro masculino seria permitido. Braz (2005), alerta que os homens, geralmente, só procuram cuidar de si em casos extremos, em que não podem mais evitar. Enquanto isso não acontece, procuram negar qualquer necessidade de cuidado. Algumas falas parecem confirmar isso: “-Eu tinha um namorado que só dizia que me amava e só chorava, quando estava muito bêbado e por telefone.” (Mulher) . “O meu pai morreu muito doente, mas nunca chorou, nem reclamou de nada.” (Mulher). Através da analise da fala dos participantes, foi percebido o quão contraditório são as opiniões sobre o choro masculino. A exemplo disso, abaixo a fala de uma das participantes: 33 “O homem precisa chorar, porque o choro é um alivio, (...) Eu não namoraria um homem que chorasse por besteira, namoro, essas coisas.”, Assim, fica claro que o choro feminino é permitido mesmo quando, mesmo quando se trata de questões bobas, frívolas. Às mulheres é creditado o direito ao choro, não necessitando ocorrer algo drástico. Diferentemente do homem, que precisa mostrar que é forte e que não chora. Assim, podemos concordar com Silva (2001), quando este diz que quem não é forte, precisa demonstrar que o é. Quando foi questionado quem já tinha visto um homem chorando, dos dezessete participantes, doze já tinham presenciado esta cena pessoalmente. Uma participante, citando a criação diferenciada de homens e mulheres, conclui: “Como é cruel dizer para um menino que não chore.”. Conforme Lins (2007), os heróis foram criados para sustentar um modelo de masculinidade e no imaginário popular, espera-se que homens sigam exemplo desses heróis. Uma das participantes parece demonstrar isso, quando diz: “Meu pai sempre foi um herói pra mim, sempre o imaginei como o homem mais forte do mundo, um dia o vi chorando e fiquei espantada, nunca imaginei que viria ele chorando, mas foi a coisa mais linda que já vi... meu herói chorando”. Ao que parece, o choro masculino mesmo sendo “lindo”, ainda causa “espanto”. Poderíamos pensar o quanto esse espanto seria um sinalizador de interdição, causando talvez mal-estar em quem o expressa. Castañeda (2006), alerta para os perigos de se reproduzir modelos extremamente prejudiciais para homens e mulheres que vivem papeis sem questionar, reproduzindo dispositivos sociais que causam prejuízos para a saúde física, psicológica e danos sociais. A manutenção do ideal do patriarcado parece cobrar um alto preço a mulheres e também aos homens, que aparentemente seriam os beneficiados com esse ideal de organização social (SILVA, 2001). Para Braz (2005), os homens apresentam maior fragilidade psicológica, por precisarem se afirmar enquanto homens, para isso acontecer passam a vida inteira renegando tudo que seja feminino e com isso passam a representar aquilo que a sociedade espera deles e a negar o que sentem. Segundo Almeida (2008) o papel de gênero desempenhado por homens e mulheres, além da função psicológica, tem uma 34 função social normativa. Segundo Lacan (2003), o olhar do Outro é soberano, tem um poder de fiscalização e coerção. O discurso de um dos participantes parece confirmar isto: “Eu conheço um homem da minha família que quando sente vontade de chorar se tranca no quarto pra ninguém ver. Quase ninguém sabe que ele vai chorar porque ele tem vergonha... é como se não fosse homem, quem chora.” No terceiro momento, foi solicitado para que os participantes se dividissem em três grupos. A partir da reflexão, foi pedido para que formassem esculturas que refletissem o que pensavam sobre o que havia sido discutido por eles naquela tarde. Depois que todos se organizaram, foi dado vinte minutos para que discutissem e formasse as esculturas, que também deveriam ter um nome. Os grupos ficaram divididos da seguinte forma: o primeiro era formado por oito mulheres, com idades que variavam de dezoito a vinte anos;o segundo era formado por quatro pessoas (três mulheres e um homem), com idades que variavam de vinte a trinta e oito anos; e o terceiro grupo formado por cinco pessoas (quatro mulheres e um homem) com idades entre vinte a cinqüenta anos. O primeiro grupo a se apresentar foi o terceiro. Eles formaram uma escultura de um homem sentado lendo algo e com a expressão de choro. Antes do grupo explicar ou dizer o nome do grupo, foi solicitado que os demais tentassem adivinhar o que o grupo estava tentando mostrar com aquela escultura. Algumas respostas, que surgiram: “-Ele deve estar lendo uma noticia muito triste, alguma tragédia.” “-Deve ser o jornal e aconteceu algum acidente, ou ele perdeu o emprego” “-Ou uma carta com a noticia de que alguém morreu.” Em seguida o grupo explicou “-O homem está sentado com as pernas cruzadas de uma maneira que geralmente somente as mulheres cruzam. E ele está lendo um jornal e se emocionou com uma noticia do cotidiano, não como foi falado, que para homem chorar precisa de um motivo, como morte de um familiar.” O grupo deu o nome de “Homem chora”, para a escultura. O segundo grupo a se apresentar foi o grupo dois. Eles representaram um homem em cima de uma cadeira, de pé chorando e embaixo, três mulheres olhavam para ele. Uma com as mãos nos olhos, tenta venda-los, outra chora e a outra faz uma expressão de susto. Quando questionada a turma sobre o que o grupo estava tentando 35 representar com aquela escultura, surgiram algumas sugestões, mas a mais repetida foi a de que o homem em questão era gay. Chamo a atenção para dois comentários que serão importantes mais adiante: “As pessoas que estão embaixo devem estar achando que não é um homem, deve ser um gay.” “Acho que não existe nada mais feio do que um homem chorando, vamos ser sinceros, ninguém quer namorar um homem que viva chorando, eu mesma não namoraria um homem que chorasse quando a gente brigasse.” O grupo chamou a escultura de “Homem da visão três D”: “-O motivo do homem estar em cima de uma cadeira mais alto que os demais é que a sociedade costuma ver o homem como um ser superior, mas ele está chorando, quando as mulheres o viram tiveram diferentes reações: uma acha que ele é gay, outra fica espantada com um homem chorando e a outra tenta fechar os olhos para não ver um homem chorando, mas também chora, ao perceber que todos somos semelhantes.” O terceiro grupo a se apresentar, formado só por mulheres, apresentou um homem sentado no chão com as pernas bem abertas e com uma folha em branco e uma caneta, de cabeça baixa, olhando fixamente para o papel. As pessoas dos outros grupos sugeriram que fosse um homem escrevendo uma carta de amor. E o grupo em seguida explicou, chamando a escultura de “A dificuldade de expressar afeto”: “-A carta está em branco, pois ele não consegue escrever o que sente, mas precisa escrever porque não consegue falar o que sente, sua dor.” Apesar de todas as falas contribuírem para o presente trabalho, chamou-me a atenção as duas falas durante a apresentação do segundo grupo e uma fala do próprio grupo. Primeiro, uma das pessoas que tentava entender a escultura do grupo fez uma distinção, a de que o homossexual masculino não seria homem (“devem estar achando que não é um homem, deve ser um gay.”). Como lembra Lins (2007) e Castañeda (2006), na sociedade patriarcal e machista, o homem legítimo é heterossexual, com toda a sua gama de atributos que foi discutidos anteriormente. Segundo Braz (2005), é mais difícil construir um homem do que uma mulher, uma vez que o que chamamos de homem e mulher, da forma que concebemos, é uma construção sociocultural.,Isso se dá pois o homem tenta a todo preço se diferenciar do universo feminino e de seus atributos, pois essa aproximação lhe tiraria a virilidade e a masculinidade. Segundo Lins (2007), sob a pressão dos modelos estabelecidos passamos a excluir tudo que é diferente do que o modelo estabelecido prega como normal, um exemplo seria o homossexual do sexo 36 masculino que é excluído do status de homem, perseguido e excluído por não se comportar como dita a regra, a mesma regra que parece dizer que homem não pode chorar e enumera uma lista de emoções proibidas para os homens sentirem (CASTAÑEDA, 2006). A segunda fala “não namoraria um homem que chorasse quando a gente brigasse” mostra uma cultura difícil de ser mudada, talvez por aquilo que Braz (2005) tenta mostrar como mecanismos de educação, nos quais somos inseridos desde pequenos e dos quais é difícil se desvincular. Embora se trate de uma fala isolada, parece refletir o que talvez não seja dito, mas apenas sentido e praticado por muitos de nós. Associada a esta mesma idéia, a mesma pessoa disse não haver “nada mais feio do que um homem chorando”. O próprio grupo deixa escapar que: “a sociedade costuma ver o homem como um ser superior, mas ele está chorando”.O choro aparece como um sinal de fraqueza, e/ou inferioridade, associado sem problemas às mulheres. Esses possíveis condicionamentos acabam limitando o homem, que se vê impossibilitado de viver sua espontaneidade, que seria sua única possibilidade de viver plenamente (MENEGAZZO, 1994). Sem possibilidades ou perspectivas de olhar de outra forma para o que sente, ou que as pessoas lancem um olhar de compreensão para seus sentimentos sem julgá-los como apropriado ou não para o seu gênero, resta aos homens recorrerem a defesas psicológicas contra essa devastação dos sentidos. Castañeda(2006) descreve alguns recursos que os homens acabam utilizando para se livrar ou lidar com o que sentem, mas não podem demonstrar.Uma das possibilidades seria o da projeção, quando acabamos projetando nos outros aquilo que não suportamos em si. Podemos ver que algumas crenças atravessam tempo e espaço e permanecem, independente do nível cultural, idade, ou nível econômico. 37 9. CONCLUSÕES Podemos perceber que as relações de gênero são construções culturais e históricas que atravessam o tempo, cristalizando as pessoas em papeis préestabelecidos, onde muitas vezes em nome de uma organização, se sacrifica a felicidade individual (MENEGAZZO, 1994). No começo da civilização, visualizamos que a diferenciação biológica de homens e mulheres proporcionou a diferenciação de atividades para eles e para elas, mas que esta divisão acabou sendo extremamente injusta para as mulheres (BEAUVOIR, 1970), porém o que parece que ninguém havia notado, era que essa suposta vantagem masculina trouxe prejuízos também para os homens (SILVA, 2001). Numa sociedade injusta, sofre o oprimido e o opressor, que tenta a um alto preço sustentar sua suposta superioridade. Para Castañeda (2006), homens e mulheres são vítimas do machismo, com dores e perdas diferentes, mas ambos marcados pelo sofrimento de um ideal capenga e razão para ser. Tanto homens e mulheres ainda consideram o choro como algo “descompassado” no que é instituído enquanto masculino. Ainda há o espanto em relação ao homem extravasar suas emoções, e ainda assim, esse esvaziamento é associado a algo exclusivamente permitido frente à uma tragédia ou algo dessa esfera. Se a dor de silenciar estiver afetando na qualidade de vida e na felicidade das pessoas como apontam as pesquisas (BRAZ, 2005), o grito da espontaneidade deve ser posto pra fora como defende o fundamento do Psicodrama. E se o choro faz alguém inferior, talvez não valha a pena ser superior, afinal, como disse um dos participantes da pesquisa “Homem chora pra dentro”..Quem sabe se aceitarmos chorar pra fora sejamos mais espontâneos. 38 REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE Junior, Durval Muniz de. “Quem é frouxo não se mete”: violência e masculinidade como elementos constitutivos da imagem do nordestino. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sem data. ALMEIDA, Wilson C. de (org.). Grupos: a proposta do psicodrama. São Paulo: Ágora, 1999. ALMEIDA, Juliana Barbosa Lins de. Encontros e desencontros amorosos: Refletindo os papeis de Gênero através do Sociodrama. Recife, Federação brasileira de Psicodrama Cosmos - Instituto de Psicodrama de Pernambuco, 2008. ALVES, José Eustáquio diniz. A linguagem e as representações da masculinidade. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Rio de Janeiro, 2004. BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: fatos e mitos. Difusão Européia do Livro, São Paulo, 1970. BOURDIEU, P. A dominação masculina. Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 2002. BRAZ, Marlene. A construção da subjetividade masculina e seu impacto sobre a saúde do homem: reflexão bioética sobre justiça distributiva. Ciência & Saúde Coletiva, 10(1): 97-104, 2005. BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia: (a idade da fabula): história de deuses e heróis- 26 ed. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 2002. CASTAÑEDA, Marina. O machismo invisível. São Paulo: A Girafa Editora, 2006. CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1990. Código de Ética Profissional do Psicólogo. Agosto 2005. Brasil COLLING, A. (2004). A construção histórica do feminino e do masculino. In: STREY, Marlene Neves, CABEDA, Sonia T. Lisboa & PREHN, Denise R., Gênero e Cultura: Questões Contemporâneas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. 39 GIKOVATE, Flávio. Drogas opção de perdedor. São Paulo: moderna, 1992. LACAN, Jacques. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. LINS, Regina Navarro. A cama na varanda: Arejando nossas idéias a respeito de amor e sexo. Edição revisada e ampliada. Rio de Janeiro: Bestseller, 2007. MENEGAZZO, Carlos M. Magia, mito e Psicodrama. São Paulo: Ágora, 1994. MINAYO, Maria Cecília de S. (org). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis/RJ: Vozes, 2007. SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia- 2.ed. São Paulo: Cortez, 2007. SILVA, Marco Aurélio Dias da. Todo poder às mulheres: esperança de equilíbrio para o mundo. São Paulo: Ed. Best seller, 2001. SANTAELLA, Lúcia. O corpo como sintoma da cultura. Sem Data. In http://revistacmc.espm.br/index.php/revistacmc/article/viewFile/28/28 SILVA, Sérgio Gomes. A crise da masculinidade: uma crítica à identidade de gênero e à literatura masculina. Brasília: Psicologia Ciência e Profissão V.26, N.01 mar. 2006. VICENTE, Daniel Domith e SOUZA, Lídio de. Razão e sensibilidade: Ambigüidades e transformações no modelo hegemônico de masculinidade. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006. WELZER-LANG, Daniel. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. Estudos feministas, 2001. 40 ANEXOS 41 Anexo I Homem não chora http://letras.terra.com.br/frejat/ Composição: Frejat / Alvin L. Homem não chora Nem por dor Nem por amor E antes que eu me esqueça Nunca me passou pela cabeça Lhe pedir perdão E só porque eu estou aqui Ajoelhado no chão Com o coração na mão Não quer dizer Que tudo mudou Que o tempo parou Que você ganhou Meu rosto vermelho e molhado É só dos olhos pra fora Todo mundo sabe Que homem não chora Esse meu rosto vermelho e molhado É só dos olhos pra fora Todo mundo sabe Que homem não chora Homem não chora Nem por ter Nem por perder Lágrimas são água Caem do meu queixo E secam sem tocar o chão E só porque você me viu Cair em contradição Dormindo em sua mão Não vai fazer A chuva passar O mundo ficar No mesmo lugar Guerreiro Menino Composição: Luiz Gonzaga Jr. Um homem também chora Menina morena Também deseja colo palavras amenas Precisa de carinho Precisa de ternura Precisa de um abraço da própria candura Gerreiros são pessoas são fortes, são frágeis Gerreiros são meninos por dentro do peito Precisam de um descanso Precisam de um remanso Precisam de um sonho que os tornem perfeitos É triste ver meu homem guerreiro menino com a barra do seu tempo com o nosso ideal São frases perdidas num mundo por sobre seus ombros Eu vejo que ele sangra Eu vejo que ele berra a dor que tem no peito pois ama e ama Um homem se humilha se castram seus sonhos Seu sonho é sua vida e vida é trabalho E sem o seu trabalho o homem não tem honra E sem a sua honra se morre, se mata Não dá pra ser feliz, não dá pra ser feliz... 42 Anexo II DEPARTAMENTO DE PSICOLOGA TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Prezado (a), Você está sendo convidado (a) a participar de uma pesquisa sobre a construção contemporânea da masculinidade, orientada pela Profa. Doutoranda Juliana Almeida. Os objetivos do estudo são refletir sobre algumas crenças que circundam a concepção do que é ser homem e compreender a relação estabelecida entre a concepção contemporânea do ser homem e a expressão de afeto/choro. A finalidade deste trabalho é proporcionar subsídios que fomentem a pesquisa realizada para o trabalho de conclusão de curso, intitulada de “Homem chora ou não chora: um estudo sobre a expressão do afeto na construção contemporânea da masculinidade”. A sua participação na pesquisa é voluntária e, portanto, você não é obrigado (a) a fornecer as informações e/ou colaborar com as atividades solicitadas pela Pesquisadora. Caso decida não participar do estudo, ou resolver a qualquer momento desistir do mesmo, não sofrerá nenhum dano. Assim sendo, solicito sua autorização para apresentar os resultados deste estudo em eventos da área e publicar em revista científica. Por ocasião da publicação dos resultados, seu nome será mantido em sigilo. A Pesquisadora estará a sua disposição para qualquer esclarecimento que considere necessário em qualquer etapa da pesquisa. Diante do exposto, declaro que fui devidamente esclarecido (a) e dou o meu consentimento para participar da pesquisa, para reprodução de imagem e para publicação dos resultados. Estou ciente que receberei uma cópia desse documento. ____________________________________________ Assinatura do Participante da Pesquisa __________________________________________________ Assinatura do(a) Pesquisador(a)Responsável _________________________________________ Assinatura do(a) Pesquisador(a)Participante Contato com o pesquisador responsável: Caso necessite de maiores informações sobre o presente estudo, favor ligar entrar em contato com a professora Juliana Almeida: Email: [email protected] 43 Anexo III TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO SOCIEDADE DE EDUCAÇÃO DO VALE DO IPOJUCA CURSO DE PSICOLOGIA Prezado Prof. Marjony Camelo, Venho por meio desta solicitar-lhe a autorização à participação dos alunos do curso de psicologia nesta instituição, no grupo temático intitulado “homem chora ou não chora?” Este se refere à experiência de campo na área de Psicologia Social e está sendo desenvolvido por Joni Von Silva de Lima, aluno do curso de Psicologia da FAVIP, Faculdade do Vale do Ipojuca, sob a orientação da Profa. Doutoranda Juliana Almeida. A finalidade deste trabalho é proporcionar subsídios que fomentem a pesquisa realizada para o trabalho de conclusão de curso, intitulada de “Homem chora ou não chora: um estudo sobre a expressão de afeto na construção contemporânea da masculinidade”. A participação dos alunos é voluntária e, portanto, não serão obrigados (as) a fornecerem as informações e/ou colaborarem com as atividades solicitadas pelo (a) aluno (a). Caso o aluno (a) decida não participar do estudo, ou resolver a qualquer momento desistir do mesmo, não sofrerá nenhum dano. Assim sendo, solicito sua autorização para apresentar os resultados deste estudo em eventos da área e publicar em revista científica. Por ocasião da publicação dos resultados, seu nome e da instituição será mantido em sigilo. O aluno estará a sua disposição para qualquer esclarecimento que considere necessário. Diante do exposto, declaro que fui devidamente esclarecido (a) e dou o meu consentimento para participar da pesquisa e para publicação dos resultados. Estou ciente que receberei uma cópia desse documento. ______________________________________ Assinatura do Participante da Pesquisa ou Responsável Legal ____________________________________ Assinatura do(a) Pesquisador(a)Responsável ____________________________________ Assinatura do(a) Pesquisador(a)Participante 44 Contato com o pesquisador responsável: Caso necessite de maiores informações sobre o presente estudo, favor ligar entrar em contato com a professora Juliana Almeida: Telefone para contato: (81) 9137-8935. Endereço: Av. Adjar da Silva Casé, nº 800, Bairro Indianópolis. Email: [email protected]