PROJETO COMPANHIA TEATRO ÍNTEGRO
A Musicoterapia e o Teatro:
uma proposta de inserção social e profissionalizante
do indivíduo com autismo
[estudo e prática de Musicoterapia Músico-centrada]
MT André Brandalise1
RESUMO
Este artigo expõe uma conexão bastante significativa entre a Musicoterapia e um outro
campo de conhecimento no tratamento do indivíduo com autismo: o Teatro. Com esta
relação, podendo ter o Teatro como um recurso terapêutico de importância no processo
musicoterápico, discute a abrangência de atuação do musicoterapeuta e da
Musicoterapia no tratamento do autismo. Ação esta que pode ocorrer além setting tendo
como foco o contexto e a cultura dos agentes envolvidos no processo: uma proposta
teoricamente baseada nos modelos de Musicoterapia Músico-centrada, Community
Music Therapy e na Musicoterapia baseada na cultura (Culture-centered Music
Therapy)
PALAVRAS-CHAVE
Musicoterapia, Autismo, Teatro, Cultura, Contexto
1
André Brandalise é Especialista em Musicoterapia (CBM-RJ), Mestre em Musicoterapia (NYU, EUA) e
Doutorando em Musicoterapia (Temple University, EUA) onde é bolsista como professor-assistente.
Brandalise é diretor-fundador do Centro Gaúcho de Musicoterapia, em Porto Alegre, onde trabalha como
clínico, supervisor e orientador. É autor dos livros “Musicoterapia Músico-centrada” (2001) e “I Jornada
Brasileira sobre Musicoterapia Músico-centrada” (2003).
1
FAZER TEATRO NOS DESABAFA
TRAZ ALEGRIA E MUITO SOM
AQUI FALAMOS, AQUI PENSAMOS
O QUE SENTIMOS
E MUITO MAIS
(G.M., 30 anos, autista,
integrante da Companhia Teatro Íntegro)
Parte da origem do musicoterapeuta, parte da origem do trabalho
Sou o filho mais velho de uma dupla de atores de teatro. No ano de 1958 meu
pai, juntamente com o diretor Mário de Almeida e os atores Paulo José e Paulo César
Peréio (estes dois últimos, atualmente, atores da rede Globo de Televisão) fundaram o
Teatro de Equipe, na cidade de Porto Alegre. Mais tarde, minha mãe passaria a integrar
a companhia. O Teatro de Equipe encenou diversas peças de autores brasileiros e
estrangeiros e trabalhou até 1962. Esta, certamente, uma marca que possuo. Marca
também impressa no musicoterapeuta que sou e, consequentemente, na maneira como
pude vir a escutar e acolher a demanda de pessoas envolvidas em dinâmica de saúde e
criatividade.
Esta pequena introdução objetiva falar sobre origem. Parte da minha e, por
consequencia, parte da origem do trabalho que é exposto neste artigo. Deste modo
propõe uma reflexão sobre a clínica musicoterápica. Este texto tem intenção, entre
outras, de pensar a importância de uma dinâmica (que envolva relação) tendo a história
e o contexto como elementos bastante presentes. Como podem alterar uma maneira de
pensar o fazer musicoterápico podendo torná-lo mais amplo, mais flexível, mais social.
Origens, enfim, atuando no fazer musicoterápico, atuando sobre o chamado musicing:
movimento, ação humana em Musicoterapia. Elliot (apud Aigen, 2005, p. 65) diz: “agir
não é meramente exibir um comportamento. Agir é mover-se deliberadamente, com
controle, buscando objetivos...Musicing, no sentido do fazer musical, é uma forma
particular de ação humana...fazer música é agir".
Quando reflito sobre minha carreira como musicoterapeuta identifico o teatro
lado a lado apoiando o musicing, nas ações humanas na musicoterapia que faço,
juntamente com meus pacientes. E este teatro (dramatizações) não somente como
elemento intermediário mas como território singular na dinâmica. Como mais uma
oferta de espaço num mesmo setting, que é musicoterápico. Não é mera coincidência ter
2
tamanha importância. É, isto sim, a cultura e o contexto dos agentes envolvidos no
processo fornecendo indicações de quão abrangente podem ser as atuações musicais,
corporais, verbais. Dando indicações de quão amplo poderá ser o acolhimento clínicocriativo nos diferentes momentos da dinâmica. Para o musicoterapeuta norte-americano
Kenneth Bruscia, é na história e na cultura que ocorre o unfolding2, a des-coberta.
“O caminho humano em direção à
individualidade implica inserção na cultura e no
coletivo...há que se considerar a relevância dos
processos culturais em terapia. A noção relacional de
saúde mencionada acima nos conduz a uma
averiguação do aprendizado através da participação
em contextos culturais e sociais.” (Stige, 2002, p.
214)
No ano de 1991, ingressei na equipe do Espaço TEACCH Novo Horizonte (em
Porto Alegre) e iniciei trabalho com um grupo de adolescentes com Transtorno Invasivo
do Desenvolvimento. Em sua maioria, meninos e meninas com autismo. Era estudante
acadêmico de música e me propus a fazer um trabalho musical com este grupo sob
supervisão de profissional da saúde (terapeuta ocupacional Viviane de Leon), diretora
técnica da equipe.
A demanda daqueles meninos e meninas era bastante nova para mim. O
repertório que escolhiam, o motivo de o escolherem, os benefícios destas escolhas.
Enfim, tudo muito específico e fascinante ao mesmo tempo. Era fascinante, ao meu
olhar e à minha escuta, o uso muito singular que era feito de um repertório musical que,
à medida que o tempo passava, ampliava-se e contava (ou recontava) a história de cada
uma daquelas pessoas e do próprio grupo.
Foi no final deste mesmo ano, de 1991, que me vi rodeado por inúmeras criações
que cada um dos integrantes do grupo tinha feito em interação com a música. Realmente
um mistério (utilizarei propositalmente o mesmo termo descrito por Thayer Gaston
(1982, p. 30) em seu livro, publicado no ano de 1968). Segundo Stige (2002, p. 79),
“algo intrigante” existe em música. Via ali, a música como nunca antes havia visto. A
música podendo ultrapassar sérias barreiras, que tendem a limitar o indivíduo em vários
aspectos, causadas pela condição crônica imposta pelo autismo. A música convocando à
externalização de conteúdos internos, convocando à expressão e busca das necessidades
2
IN: Stige, 2002. Unfolding é termo utilizado pelo Modelo Nordoff-Robbins de Musicoterapia
(Musicoterapia Criativa) e significa abertura, desbloqueio de determinadas limitações impostas pela
patologia (condition child) a partir da Experiência Criativa.
3
de cada indivíduo. Enfim, a música convocando as forças criativas de cada integrante do
grupo. Como consequencia, o amadurecimento do processo de construção de um grupo
cada vez mais coeso e mais útil no sentido de auxiliar a busca por ampliações de
possibilidades, à busca por saúde.
E, entre os inúmeros movimentos criativos realizados pelos integrantes deste
grupo nos vi acompanhados por diferentes cenários, figurinos, personagens, diálogos,
gestos. Se por nós e para nós se apresentavam, certamente muito diziam respeito à nossa
relação e história. Entendi que era importante acolher aquela forma de criação, aqueles
conteúdos naquele contexto. Penso que aqui encaixa-se a reflexão geral que Stige (2002,
p. 5) propõe sobre relacionar a sessão de Musicoterapia e o contexto ao qual pertence.
Neste enfoque, entendo que se possa expandir a atuação e a reflexão do
musicoterapeuta.
Ansdell3 descreve Community Music Therapy como sendo:
“uma abordagem que visa trabalhar
musicalmente com pessoas em um contexto: entende
que é importante reconhecer os fatores sociais e
culturais de suas saúdes, doenças, relacionamentos e
músicas...reflete a realidade do musicing…o objetivo
é auxiliar clientes a acessar uma variedade de
situações musicais e acompanhá-los ao longo do
processo até alcançarem contextos mais abrangentes
do musicing. Envolve ampliação da função, dos
objetivos
e
locais
de
trabalho
para
musicoterapeutas.”
Enfim,
o
Teatro
passava
a
fazer
intersecção
com
os
processos
musicoterapêuticos dessas pessoas. Primeiramente, então, pensamos sobre o que
“trataríamos” em nossa primeira estória a partir das criações já existentes. Seria nossa
primeira peça de teatro. Título: Padre São José de Portugal. Muito motivados decidimos
juntos mostrar a criação aos parentes e, nas instalações da própria clínica, a primeira
peça de teatro, fruto do trabalho musical, foi apresentada.
No ano seguinte, a segunda peça intitulada “O Labirinto de um Senhor”, ainda
nas dependências da clínica. Desta vez, algo novo: o espaço físico não foi suficiente
para que todos os familiares pudessem prestigiá-la. Surgia a necessidade de expandir as
ambições do projeto que unia as experiências musicais com o drama. Surgia a
necessidade de expandir o setting. Perguntados, os integrantes do grupo disseram que
3
apud Turry, site www.voices.no, 05/2005.
4
gostariam de realizar as próximas apresentações em sala de teatro e não mais na clínica.
Eu e a equipe do Espaço TEACCH Novo Horizonte encontrávamos agora uma questão
importante, delicada a ser pensada. Teria condições um grupo formado por adolescentes
com autismo de enfrentar um ambiente diferente do da clínica? Mesmo sendo apoiados
pelo grupo de profissionais com o qual já estavam vinculados, estando em um teatro
submeteríamos cada um daqueles indivíduos a condições nada previsíveis. E sabíamos
que a imprevisibilidade, que o desconhecido, que o ambiente não familiar podia gerar
na pessoa autista desde um grande desconforto a uma crise comportamental
significativa. Enfrentávamos um dilema: uma demanda (que vinha do próprio grupo e
de seus familiares já que não havia sido possível que todos os interessados pudessem ter
prestigiado o último espetáculo) versus a possibilidade da inserção no ambiente
totalmente desconhecido gerar significativo problema a algum ou alguns dos
adolescentes. Arriscaríamos pois estávamos frente a possibilidade de auxiliar pessoas
com autismo a realizar integração social através de suas criações, seus textos, músicas e
falas. Decisão importante apoiada pelos familiares, é claro.
Os adolescentes adoraram a notícia de que, a partir daquele ano (1993)
passaríamos a apresentar nossas estórias em teatros da cidade. No final do ano, então, a
clínica locou uma sala de espetáculo na Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto
Alegre, e a peça “A Cidade dos Mil Arcos” aconteceu. E aconteceu muito bem. Aqueles
adolescentes estavam “soando” com uma maior abrangência social, estavam “falando
em público” e não somente tendo suas falas restritas aos ambientes de casa e da clínica.
Havia sido uma conquista. Uma conquista que me fez pensar ainda mais diferentemente
sobre o mistério e o poder da música e sobre a atuação da Musicoterapia.
Ano após ano, músicas, criações, estórias, roteiros, apresentações.
Completavam-se dez anos de uma prática que unia música e teatro. Criatividade
e transformação. Ao todo, houve a criação e a montagem de dez peças em um trabalho
musicoterápico (com o recurso terapêutico do Teatro) que intitulei “Projeto Um Novo
Horizonte de Criação”.
5
A Criação do Projeto Companhia Teatro Íntegro
Ano de 2001. Havia concluído meu curso de especialização em Musicoterapia
(no Conservatório Brasileiro de Música, no Rio de Janeiro) e o Mestrado em
Musicoterapia (na New York University, nos Estados Unidos). Havia fundado, em
Porto Alegre, o Centro Gaúcho de Musicoterapia com as missões de tratar, ensinar e
pesquisar musicoterapia. Fundei o Projeto Companhia Teatro Íntegro: a inserção
social e profissionalizante do indivíduo com autismo e com necessidades especiais.
O Projeto foi bem aceito pela comunidade de familiares e profissionais e, de diferentes
Centros e/ou escolas, meninos e meninas começaram a ser encaminhados ao Centro
Gaúcho de Musicoterapia. O Teatro Íntegro é composto, atualmente, por 10 integrantes
jovens-adultos com necessidades especiais (autismo e deficiência mental). Este grupo
reune-se uma vez por semana no trabalho de Teatro, em sessão com duas horas de
duração.
O processo do trabalho de Teatro abrange as seguintes Etapas:
ETAPA 1: a criação de personagens, figurinos e cenário;
Neste momento o grupo já se encontra acompanhado por inúmeras criações tais
como
canções,
personagens,
alguns
cenários,
alguns
bonecos
(geralmente
confeccionados por um dos jovens). As criações vão ocorrendo ao longo do trabalho da
própria dinâmica de encontros no teatro e na Musicoterapia (oito dos integrantes da
Companhia estão também envolvidos alguns em processos individuais e outros em
processos grupais de Musicoterapia).
ETAPA 2: a criação de uma estória;
Esta dinâmica ocorre de diferentes formas. A partir de conversas sobre o
material criado, que passa a fazer parte da rotina (material terapêutico), objetiva-se ir
atribuindo a ele uma forma. Torna-se mais compreensível e nos indica possíveis
posicionamentos na estória que começa então a ser pensada. Obviamente, tendo o
tratamento (a terapia) como fim, entendo que à medida que o material criado vai
recebendo, pelo grupo, uma forma mais clara temos este movimento sendo refletido
novamente ao grupo promovendo assim um ciclo constante de tratamento criativo. Um
dos integrantes, por exemplo, escreve suas idéias em folhas de caderno e as entrega a
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mim sempre no início das sessões de teatro. Em um determinado momento da sessão eu
as leio ao grupo e discute-se. Nem todas as personagens (ou canções ou cenários) que se
apresentam nesta etapa do trabalho de construção da peça de teatro acabam integrando o
roteiro final pois o tempo de duração previsto para as apresentações é de no máximo
quarenta minutos.
Esta etapa é finalizada com grande parte da estória esboçada.
ETAPA 3: criação de trilha sonora;
Acompanhados, nesta etapa da criação, por diferentes canções (algumas criadas
em dinâmica de teatro e outras em dinâmica de Musicoterapia) é o momento de se
pensar sobre a trilha sonora. Surgem diferentes questões: que tipo de estória está sendo
criada? Como deve-se pensar os contrastes envolvendo tensões e relaxamentos? Que
diferentes estilos musicais comporão a trilha? E sobre as tonalidades e melodias? Como
deveria ser a música na apresentação do vilão (se há um vilão na estória, obviamente)?
Quantas canções solo e quantas canções de grupo?
ETAPA 4: contratação de músicos (profissionais e/ou amadores) para
formar a banda que interpreta, em cena, as canções criadas pelo grupo;
Nesta etapa começa-se a esboçar o arranjo e, consequentemente, formaliza-se o
convite a que músicos participem do espetáculo. Um dos objetivos é estimular a
interação dos integrantes do Projeto com músicos (e diferentes instrumentos) bem como
a integração de profissionais não terapeutas ao convívio com os integrantes do Projeto.
ETAPA 5: a produção do roteiro (rotina de trabalho);
Esta função cabe a mim (musicoterapeuta). Uma vez que a trama (ou o
argumento), as personagens e a trilha sonora estão definidos realizo a organização do
roteiro que tem como objetivos principais garantir o tempo da apresentação, a sequência
rítmica, os momentos de tensão e relaxamento, a iluminação, as entradas e saídas de
personagens de cena, as possíveis trocas de figurino. Porém, o mais importante: na
construção do roteiro a percepção de que se trata da construção de uma “rotina de
trabalho”. Rotina esta que garantirá uma previsibilidade necessária (um início, meio e
fim) em um espaço que não é o familiar para os atores e atrizes da Companhia. Penso o
roteiro como também uma elemento fundamental de acolhimento dentro do qual
manifestam-se e relacionam-se materiais terapêuticos criados anteriormente. O roteiro é
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continente que também oferece a possibilidade da improvisação (o aqui-e-agora da
Experiência criativa que acontece durante a própria apresentação). Se há um roteiro há
também a possibilidade de afastar-se dele por algum tempo sem perdê-lo como
referência.
ETAPA 6: construção de cenário e confecção de figurinos;
Já com o roteiro e com os diferentes momentos da estória sendo “ensaiados”,
decide-se o tipo de cenário necessário a partir da movimentação teatral. Uma vez
definido, a Companhia conta com a ajuda de arquiteto, que o desenha, e contrata-se
marceneiro que o executa.
ETAPA 7: contratação de profissionais de apoio;
Uma vez que o roteiro está finalizado e cenário e figurino sendo produzidos
verifica-se o número de profissionais de apoio que será necessário. O grupo de apoio é
composto por: terapeutas (no máximo dois, já vinculados com o grupo de teatro) que
participa auxiliando o ensaio geral (que é realizado horas antes do espetáculo no próprio
teatro), as trocas de figurino, o lanche e a higiene. Quando este terapeuta é um
musicoterapeuta realiza também apoio musical à banda (que interpreta as canções em
cena). Também faz parte do grupo de apoio o transporte, responsável pelo cenário, e o
iluminador.
ETAPA 8: divulgação do espetáculo e venda de ingressos;
A equipe, juntamente com os pais, encarrega-se de realizar a divulgação do
evento bem como a venda de ingressos. É a partir deste esforço que ocorre a
remuneração de cada um dos pacientes.
ETAPA 9: apresentação pública (inclusão social) em sala de espetáculo na
cidade de Porto Alegre;
Em uma data específica, em alguma sala de teatro da cidade, locada
antecipadamente realiza-se a apresentação do espetáculo construído. A
Companhia conta com a presença de familiares, terapeutas e professores (de
diferentes instituições) que também trabalham com estes jovens bem como
oferece espaço para sociedade em geral. Uma das propostas é a de que possa
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ocorrer uma integração afetiva entre todos aqueles que dedicam atenção à vida
de cada um dos integrantes da Companhia Teatro Íntegro.
ETAPA 10: recebimento de cachê (a integração da vivência - O
TRABALHO),
Na semana seguinte a cada apresentação, em envelope timbrado da Companhia
(inclusão profissionalizante), todos recebem valor referente à venda de ingressos
(ao público que compareceu).
Entre os objetivos gerais do Projeto destaco:
* estímulo ao fazer criativo musical e em grupo;
* a detecção e desenvolvimento de áreas de interesse e de habilidades;
* ser mais um espaço-continente (a sessão de Teatro e o próprio roteiro criado)
para externalização de conteúdos internos;
* promoção da inclusão social e profissionalizante;
* promoção de experiência de trabalho em área de interesse (todos os integrantes
da Companhia são remunerados, em envelope com o timbre do grupo, após cada
apresentação)
Reflexões Teóricas acerca da Dinâmica do Projeto
Na produção deste texto dois termos foram adquirindo significativa força:
CONTEXTO e CULTURA. E aqui a proposta não é a de uma reflexão destes dois
conceitos baseada na história singular de uma pessoa ou de um grupo somente. Penso
que este rumo de discussão, apesar de obviamente não esgotado, já encontra-se bastante
difundido entre a comunidade da Musicoterapia mundial. O objetivo, neste artigo, é de
pensar a possibilidade de se estar integrando as vivências clínico-criativas, que
envolvem mundos de terapeuta (motivo pelo qual a introdução deste artigo pontua parte
das origens do terapeuta) e paciente, ampliando o setting, ampliando as possibilidades
do e para o musicing, ampliando o ser/estar, a disponibilidade do musicoterapeuta e da
Musicoterapia que acontece. Nordoff-Robbins nos apresenta como um de seus conceitos
fundamentais BEING IN e WITH, ou seja, poder a relação terapêutica estar na e com a
música. Acrescentaria: poder a relação terapêutica estar na e com a Experiência Criativa
em um setting com possibilidades de ser expandido.
9
Expus, no início do artigo, justamente minha percepção a um determinado
movimento que o grupo realizava a partir de suas vivências criativas. Mencionei
perceber-nos “acompanhados” por cenários, figurinos, personagens, diálogos, gestos.
Chamo a atenção para o verbo que utilizei: acompanhados. Todo aquele material
(terapêutico) havia sido lançado ao centro do setting musicoterápico por ações musicais
(musicing), por demandas humanas. Passavam a “nos acompanhar” (to be with us). Fezse necessária a ampliação do setting. Fez-se necessária a ampliação de nosso being in e
with.
Abertura para o contexto, era também percebido como de extrema importância
no fazer musicoterápico para Paul Nordoff, musicoterapeuta norte-americano. Da
mesma forma o conceito de liberdade criativa. Em Healing Heritage4, obra que
considero conter inúmeras essências legadas à musicoterapia mundial, Nordoff indica
de uma maneira ou de outra esta crença hoje ampliada por novos modelos e
pensamentos advindos de diferentes partes do mundo. Mais especificamente faço
referência a Community Music Therapy, Musicoterapia centrada na cultura (culturecentered Music Therapy) e Musicoterapia Músico-centrada.
Na Exploração quatro intitulada “A Vida dos Intervalos”, de Healing Heritage,
Paul Nordoff (IN: Robbins & Robbins, 1998, p. 32) defende que um determinado
intervalo melódico (mais especificamente a relação intervalar de Bb e Db, terça menor)
colocado em diferentes “contextos” ocasiona diferentes sensações a quem o experencia.
Da mesma forma, defende que diferentes sensações podem ser ocasionadas por
dissonâncias, posicionadas em música, em diferentes contextos.
Logo, existe um fenômeno chamado de Força Dinâmica que diz respeito à
demanda criada a partir de movimento gravitacional em direção à tônica. Posso pensar
que trata-se justamente da força advinda do contexto sobre o qual movimentos
melódicos, rítmicos e harmônicos serão construídos. Alterando-se o contexto altera-se a
força dinâmica. Nesta dinâmica teremos sempre instaladas as relações DissonânciaContexto, Estrutura-Contexto e Relação Intervalar-Contexto, como alguns exemplos.
Amplio este pensamento inferindo que pode-se pensar estes diferentes contextos
relacionados aos diferentes movimentos psíquicos que vão ocorrendo ao longo de um
4
Livro publicado no ano de 1998, organizado em dezoito Explorações (ao invés de capítulos), que
divulga curso ministrado por Paul Nordoff no ano de 1974, curso este considerado por muitos como a
oficialização da Nordoff-Robbins (ou, Musicoterapia Criativa) como modelo de Musicoterapia.
10
processso musicoterápico. O Contexto carrega os fatores sociais e culturais de saúdes e
doenças, relacionamentos e músicas e reflete a realidade do musicing5.
Nordoff (IN: Robbins & Robbins, 1998, p. 87) costumava dizer que quando se
ouve uma significativa Hello song (canção de abertura de sessão, canção de “oi”) ou
uma Goodbye song (canção de fechamento de sessão, canção de “tchau”), deve-se
encontrar estruturalmente o que:
- seja vivo
- apoie
- estimule
- mova
Para Aigen (2005, p. 65) a prioridade de qualquer abordagem músico-centrada é
facilitar a inserção de uma pessoa em um state of musicing. Estado de Musicing,
possibilidades de Encontros e de transformações. Para que tais intenções clínicas
possam ocorrer, penso que há que se ampliar recursos, estratégias, técnicas. Há que se
ampliar os “arredores”, o social.
Considerações Finais
Penso que a maior contribuição deste artigo é a reflexão sobre um fazer
musicoterápico (fazer clínico-criativo) que possa ser o mais amplo possível, o mais
abrangente possível no tratamento com aqueles que têm seus mundos limitados por uma
determinada condição. Que possa ser também além-setting. A Musicoterapia músicocentrada, a Musicoterapia centrada na cultura e a Community Music Therapy, propostas
bastante atuais no cenário da Musicoterapia mundial, certamente possuem suas
diferenças. Porém, entre suas semelhanças destaco a reflexão moderna que trazem
acerca do aprofundamento e da ampliação de práticas, discussões e teorias que pensem
ser humano, música e criatividade relacionados com História, Cultura e Contexto.
FAZER TEATRO NOS DESABAFA
TRAZ ALEGRIA E MUITO SOM
AQUI FALAMOS, AQUI PENSAMOS
O QUE SENTIMOS
E MUITO MAIS
5
Ansdell apud Turry, site www.voices.no, 05/2005.
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Nesta sequência de versos criados por um dos meninos com autismo, integrante
da Companhia Teatro Íntegro, focalizo no último deles: E MUITO MAIS. Diz: “aqui
pensamos, aqui sentimos e muito mais”. Penso que o “muito mais” possa ser o que
expressa os Encontros criativos, as tomadas de consciência, os insights, as peak
experiences6.
Penso também que pode estar contido neste “muito mais” uma chamada à uma
cada vez maior ampliação da escuta e do olhar musicoterápicos. E aí seremos mais
amplos, mais sociais, mais crescidos e maduros. Acredito que a Musicoterapia será,
então, ainda mais benéfica ao indivíduo com autismo.
Bibliografia
AIGEN, Kenneth. Music-centered Music Therapy. Gilsum: Barcelona Publishers,
2005.
GASTON, Thayer. Tratado de Musicoterapia. Barcelona: Paidós Ibérica, 1982.
ROBBINS, Clive; ROBBINS, Carol. Healing Heritage: Paul Nordoff Exploring the
Tonal Language of Music. Gilsum: Barcelona Publishers, 1998.
STIGE, Brynjulf. Culture-centered Music Therapy. Gilsum: Barcelona Publishers,
2002.
6
Experiências culminantes através do fazer clínico-criativo (Musicing).
12
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Projeto Companhia Teatro Íntegro - Biblioteca da Musicoterapia