CURSO EDUCAÇÃO, RELAÇÕES RACIAIS E DIREITOS HUMANOS ADRIANA DA SILVA Diversidade Cultural na Escola: A tarefa por fazer SÃO PAULO 2012 Religiosidade - Para a nação afrodescendente, religiosidade é mais do que religião: é um exercício permanente de respeito à vida e doação ao próximo. 1 Tratar sobre pluralidade cultural é sempre uma questão polêmica, pois todo o sistema educacional foi pensado a partir de uma cultura eurocêntrica, assim, o outro, o ser que foge ao fenótipo esperado é colocado no plano da invisibilidade, pois, senão está dentro dos padrões esperados, não existe. Penso ser dois, os pontos chave no processo de ensinagemaprendizagem que considero serem os “calcanhares de Aquiles” da instituição escolar – a pluralidade cultural e sexualidade. Assuntos tabus carregados de moralidade, marcados pela história de opressão que desenha uma parte significante de nossa história. Vale lembrar que a história da educação em nosso país, é marcada pelas relações de gênero e raça e é exatamente nesse ponto que os Temas Transversais são emancipadores, uma vez que, ousa colocá-los como pauta relevante e necessária na roda de conversa da educação. Em um seminário que aconteceu em São Bernardo do Campo-SP2, cuja temática foi os desafios para a Implementação das Leis 10.639 e 11.645 na Educação das Sete Cidades3, no grupo em que eu participava das discussões voltadas à formação inicial e continuada de professores e professoras, esse ponto foi discutido com muito cuidado, e o nó, o que ninguém quis nem tratar foi o da religiosidade; no que tange à questão etnicorracial, o que vemos são efemérides, ou seja, 20 de Novembro, onde o negro é lembrado como o escravo que foi alforriado, lembra-se de Zumbi dos Palmares, dos Quilombos e, como apoteose do mês, o desfile com trajes exóticos remetendo todos a um estereótipo do que vem a ser os africanos na África. Acabou o mês, acabou o 1 2 3 FONTE: A Cor da Cultura – http://www.acordacultura.org.br/pagina/Valores%20Civilizat%C3%B3rios. Acesso em 30/10/2012 I Seminário Regional de Monitoramento da Implementação das Leis 10.639/03 e 11.645/08 no Grande ABC”, 31 de agosto de 2012, Centro de Formação de Professores Ruth Cardoso - CENFORPE As sete cidades são: Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra) trabalho referente à temática e todas as possibilidades de trazer a diversidade como conteúdo em sala de aula, com vistas à superação do racismo, da intolerância, enfim, do preconceito racial. Falta preparo, falta compromisso com a causa, falta politicidade e eticidade na escola, essa ainda, à exceção dos modelos como a de Campinas, ou a escola de ensino fundamental que existe dentro da comunidade do Ilê Axé Opó Afonjá, por exemplo, trabalham sob o modelo eurocêntrico e, nesse modelo, não cabe o negro e sua cultura, nem o indígena e sua cultura. Ao negar ao educando, à educanda, o direito humano a uma educação em Direitos Humanos e aqui, quero fazer o recorte da educação para as relações etnicorraciais, estamos reforçando o racismo, pois negar sua existência é uma forma de ratificá-lo. Nesse sentido, Carrera4 afirma que: “O racismo tem que ser entendido como um obstáculo à garantia do direito humano à educação porque ele limita as oportunidades, ele limita as condições para que a população negra seja reconhecida como detentora de direitos. O racismo no cotidiano cria um conjunto de obstáculos que estão refletidos nas atitudes, nas discriminações habituais, mas também nas políticas públicas. Então, ele é um entrave muito concreto pra que a população negra possa exercer os seus direitos. (CARRERA, 2012) Crianças e adolescentes estão sendo expulsos(as) das escolas, perseguidos(as), humilhados(as) e obrigados(as) a agirem em prol de crenças que não as suas, se um educando(a) assumir-se candomblecista, seu tempo na escola é curto. São apedrejadas, maculadas e, portanto, vale ressaltar que 4 Denise Carrera, Coordenadora da área de educação da AE. Entrevista cedida a Ação Educativa no curso Educação, Relações Étnico Raciais e Direitos Humanos. “o racismo dói na alma, mas sangra na carne” e isso não é retórica, não é frase soltar no ar, não é apelo sentimental, é fato e só quem vive o racismo pode dizer, desse lugar, o que é, porém, cabe a todos e todas nós, educadores e educadoras, garantir aos educandos e educandas o direito à dignidade humana. A criança negra, a criança indígena, na escola, não existe enquanto ser pleno de cultura e acaba por perder-se em sua identidade, em sua origem devido ao trabalho perverso de exclusão, sob o discurso da escola para todos, que não reconhece o negro, o indígena, as pessoas com uma outra orientação sexual na escola e o que não entendem é que elas não estão negras, indígenas, gays, lésbicas, elas são e serão enquanto vida tiverem e é isso que mais causa indignação. Nessa condição vivem as crianças não brancas em nosso país e, para complicar mais o quadro, quando suas diferenças são ressaltadas, isso acontece de forma negativa, estereotipada e essas, por sua vez, acabam destituídas de sua identidade, origem, ancestralidade, história.5 Vivemos tempos perversos, a escola é não é laica, apesar de o Estado ser laico, nem nunca foi e hoje, mais que nunca, reforça a intolerância em toda sua nuance, em toda sua plenitude e acaba por permitir que crueldades sejam feitas com seres humanos, como a humilhação pública, por exemplo, a que uma professora da rede pública de uma cidade do ABC sujeitou um educando, em sala de aula, quando este se declarou de religião de Matriz Africana (Candomblé)6. Trabalhar o tema Pluralidade Cultural, como eixo transversal, por meio de projetos que sejam interdisciplinares e transversais, é de suma importância, 5 Sobre a questão ler artigo de OLIVEIRA, Kiusam R. de. Preconceito Racial Escolar: Crianças Negras como Alvos Permanentes. Disponível para download em http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=racismo%20kiusam%20artig&source=web&cd=8&sqi= 2&ved=0CFoQFjAH&url=http%3A%2F%2Fwww.iluobademin.com.br%2Fracismoescolar.doc&ei=A5bC UIGqOIy88wTr_oHADQ&usg=AFQjCNG2cgAjIoZOPzu4WDFI0LIwe2qR7g. Acesso em 04/12/2012. 6 Sobre o assunto ver matéria no Jornal do Grande ABC publicada: “Estado investigará professora e escola”, de 20 de Março de 2012. Disponível em http://www.dgabc.com.br/News/5949426/estadoinvestigara-professora-e-escola.aspx. Acesso em 14/12/2012 não cabe mais à escola a negação das questões que envolvem a diversidade, também não cabe mais à escola, em tempos de militância pela afirmação de Direitos Humanos para todos e todas, uma cultura que não atenda às necessidades contemporâneas que caminhem nessa perspectiva. Mais que textos frios e escolares ou ‘trabalhados’ sem a reflexão e discussão necessária, há a necessidade de mudar sua cultura, seu ser, sua função e, com isso, é necessários que as relações de opressão se transformem em relações de respeito e construção coletiva, porém, para que isso se efetive, a escola precisa se reconhecer como aprendente para que possa buscar parcerias que garantam o direito de todos e todas serem com dignidade e orgulho, senão, não haverá mudança. A comunidade do entorno precisa tomar para si a 'coisa pública' e a escola é uma dessas 'coisas' a serem tomadas. Urge a necessidade de ampliar as discussões sobre a função social da escola, demandas para ela e, numa construção coletiva, dar forma à escola que queremos, democrática, inclusiva, competente, solidária, política, criativa, plural. Se assim não for, não haverá transformações concretas, somente desfiles, textos vazios, preconceituosos, alienantes. Se queremos a mudança, precisamos ser a mudança que queremos. Uma possibilidade de começar a pensar a escola por outro prisma é o trabalho por assembleias escolares, já que essas rompem, transgridem as relações de opressão que se dão no interior da escola. AS ASSEMBLEIAS ESCOLARES E DEMOCRACIA ESCOLAR COMO PROPOSTA PARA UMA OUTRA ESCOLA POSSÍVEL "Ubuntu!! - Sou quem sou, porque somos todos nós!" A roda, o círculo, a circularidade busca, numa relação de igualdade, através do coletivo a busca por resolver conflitos, problemas, o respeito à opinião do outro, tendo o diálogo como princípio, e esse valor, sim, porque a circularidade é um valor, me remete aos valores civilizatórios negro africanos 7, mais particularmente o da circularidade, da oralidade e o do cooperativismo/comunitarismo. É nesse espaço, no roda de conversa, no respeito ao saber e leitura de mundo de cada um que se constrói coletivos coesos, diversos, mas dentro de uma unidade, nunca uniformidade, pois a todos e todas é garantido o direito à vez e voz. Por meio do diálogo, princípio da assembleia, que se pode vislumbrar a possibilidade de uma cultura de paz e de mudanças significativas na cultura escolar, não como passe de mágica ou como a solução para todos os conflitos, uma vez que o respeito à diversidade também é um princípio e esse respeita o ser e estar no mundo, de cada um(a). Mas pelo fato de que, por meio das assembleias, a busca por resolver os problemas e conflitos e, de forma muito interessante, também tratar daquilo que é bom, positivo na comunidade, é de fundamental importância e só traz benefícios para a escola, para o seu entorno e para as famílias dos(as) educandos(as). Assim, na escola onde esses processos se constituem como práticas e essas práticas estão inseridas no currículo da escola, o exercício de cidadania vivido pelos educandos(as) transcende os muros da escola e acaba por influenciar as relações estabelecidas no núcleo familiar. Podemos, inclusive vislumbrar mudanças futuras nas comunidades onde esses educandos(as) estão inseridos(as). Sem sombra de dúvidas, trabalhar com assembleias é possibilitar e, mais que isso, contribuir para a construção de valores como solidariedade, respeito, humanidade. Enfim, as assembleias são uma excelente estratégia para o empoderamento dos meninos e meninas que dão vida à escola. Como experiência exitosa, recomendo conhecerem a escola do Ilé Asé Opó Afonjá em Salvador-BA, que criou sua escola, onde o currículo trata das questões pertinentes à população negra e afrodescendente. 7 Sobre o assunto ver LEITE, Fabio. Valores Civilizatórios em Sociedades Negro Africanas. Disponível em http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-content/uploads/2012/11/Valores-civilizatorios-emsociedades-negro-africanas4.pdf. Acesso em 26/11/2012. Referências Bibliográficas ARAÚJO, U. F. Assembleia escolar – um caminho para a resolução de conflitos. São Paulo: Ed. Moderna, 2004. Resolução de conflitos e assembleias escolares. Cadernos de Educação. FaE/PPGE/UFPel. Pelotas [31]: 115 - 131, julho/dezembro 2008. Disponível em http://evc.prceu.usp.br/curso2/course/view.php?id=3&topic=6. Acesso em 21/Set/2012) Assembleias Escolares e Democracia Escolar In: Ética, Valores e Cidadania na Escola. Módulo I. Interdisciplinaridade, Transversalidade e Construção de Valores. São Paulo. Ulisses Araújo, 2010. 33:18min., color. (USP/ UNIVESP – internet – vídeo-aula 23) CAPUTO, Stela Guedes. Educação nos terreiros e como a escola se relaciona com crianças de candomblé, Rio de Janeiro: Pallas, 2012 CARRERA, Denise. Por que o racismo é um obstáculo à garantia do direito à educação. In Formação em Direitos Humanos - Educação, Relações Étnico Raciais e Direitos Humanos. 1ª Edição. São Paulo, 2012. Disponível em http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/?p=1458. Acesso em 17/09/2012 Diversidade/Pluralidade Cultural na Escola In: Ética, Valores e Cidadania na Escola. Módulo I. Interdisciplinaridade, Transversalidade e Construção de Valores. São Paulo. Ulisses Araújo, 2010. 15:27min., color. (USP/ UNIVESP – internet – vídeo-aula 24) LEITE, Fábio. Valores Civilizatórios em Sociedades Negro-Africanas. África: Revista do Centro de Estudos Africanos. USP, S. Paulo, 18-19 (1).103- 118, 1995/1996. Disponível em http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wpcontent/uploads/2012/11/Valores-civilizatorios-em-sociedades-negroafricanas4.pdf. Acesso em 29/Nov/2012 PRISCO, Yá comendadora Carmen S. As religiões de matriz africana e a escola: Guardiãs da Herança Cultural, memória e tradição africana. Ilè Asé e Instituto Oromilade. Praia Grande-SP, 2012. PUIG, J. Democracia e participação escolar. São Paulo: Ed. Moderna, 2000.