Artigo
Jorge Felix
Superenvelhecimento
e o desafio da
sustentabilidade
imagens de Divulgação
O
envelhecimento populacional provoca vertigens quando nos debruçamos sobre
sua complexidade. O mesmo ocorre com a questão
ambiental. Logo, a tarefa de buscar a interseção entre essas duas megatendências
globais é árdua, porém urgente. Há alguns
anos, em entrevista ao jornalista Fernando
Gabeira, em seu programa de televisão,
afirmei que o envelhecimento populacional (o maior percentual de idosos na população) precisava ser controlado e postergado ao máximo por meio de políticas de
estímulo ao aumento da taxa de fecundidade (o número de filhos por mulher),
que teria como consequência uma redução mais lenta da população até meados
do século.
Gabeira replicou com a afirmativa de
que uma população menor significaria melhoria na utilização dos recursos finitos do
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planeta. Não se quer aqui criticar Gabeira,
conhecedor profundo da temática ambiental. Apenas procuro sublinhar como, até
então, a visão de especialistas, ambientalistas e inúmeros acadêmicos sobre a relação
entre população e sustentabilidade ecológica era de culpabilização da primeira pelos
problemas da segunda. Aos poucos, estudos vêm constatando o descasamento entre
o quantum demográfico e a degradação do
meio ambiente – pelo menos a sua relação
sempre vista como inexorável.
A insistente questão para o futuro,
diante das transformações climáticas facilmente perceptíveis, é como os dois fenômenos contemporâneos – envelhecimento
populacional e aquecimento global – se
coadunam em seus aspectos socioeconômicos. Pesquisadores começam a demonstrar que o envelhecimento populacional
por alguns de seus desdobramentos e causalidades, entre elas a solidão e a redução
da população, pode provocar impactos
negativos no meio ambiente. Portanto, se
estamos diante desta dinâmica demográfica, novos desafios surgem para as políticas
públicas, o setor privado e os indivíduos
para mitigar seus efeitos.
O primeiro deles é o controle do ritmo
do já chamado superenvelhecimento da
população brasileira com a adoção de políticas de estímulo à fecundidade. É um
ponto polêmico e suscita uma série de ar-
PLURALE EM REVISTA | Janeiro / Fevereiro 2015
gumentos, quase todos preconceituosos e
pouco científicos, porque o Brasil sempre
se viu como um país jovem e mais necessitado de medidas de “controle populacional”. Nada mais equivocado. O Brasil envelhece a um ritmo acelerado devido à
taxa de fecundidade em franca decadência. Hoje é de 1,7 filho por mulher, como
se sabe, abaixo do mínimo para reposição.
O casal sem filho ou a família mononuclear (filho único) amplia o risco de uma velhice solitária. Uma das principais consequências em relação à longevidade
humana é o aumento de idosos vivendo
sozinhos, sobretudo na área urbana.
No livro “Novo regime demográfico
– uma nova relação entre população e desenvolvimento?”, organizado pela economista Ana Amélia Camarano, e recém
publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o pesquisador
Camillo de Moraes Bassi utiliza a metodologia da “pegada ecológica” para constatar
que a composição da dieta dos idosos
(com menor presença de carne bovina e
maior de frutas e hortaliças) explora menos o capital natural em comparação com
a dieta dos adultos não idosos. Isso reforça
a hipótese, escreve Bassi, de que a quantia,
per se, posiciona-se em segundo plano.
O pesquisador utilizou ainda o indicador “pegada hídrica”. A metodologia considera três tipologias (água azul, verde e
cinza), e assume que a produção de alimentos de origem animal é mais água intensiva. A diferença entre idosos e adultos
é de 11% favorável aos primeiros. Ou seja,
o quantum, novamente, tem menos peso
do que o perfil do consumo, no caso da
dieta alimentar.
De acordo com as conclusões de Bassi,
o envelhecimento populacional resultaria
em uma poupança ecológica. No entanto,
no mesmo livro, José Féres nos alerta, em
outro capítulo dedicado ao tema, que
como a redução da população por queda
da fecundidade resulta em famílias mononucleares, o Brasil já vive uma explosão de
residências com apenas um morador. Domicílios, lembra ele, são caracterizados
por economia de escala. Aliás, o lar é a
própria raiz da ciência econômica (oikonomía = gestão da casa).
Se o país perde essa escala, por utilização de recursos (água e energia) tão pulverizada, torna-se espiral o crescimento do
impacto ecológico. O número de pessoas
por domicílio, menciona Féres citando o
IBGE, caiu de 5,3 pessoas em 1970 para
3,3 em 2010. O “arranjo familiar” com
maior tendência de aumento nas próximas
décadas é o de domicilio unipessoal. Idosos em destaque. Portanto, embora com
menor “pegada ecológica” em referência à
alimentação, os idosos apresentam maior
“pegada ecológica” em habitação.
De acordo com essas pesquisas, surgem dois desafios para uma economia da
longevidade. A primeira é, como dito,
desacelerar o ritmo do envelhecimento.
Segundo alterar o padrão de consumo
das populações desde os produtos manufaturados até a alimentação, como o
fazem os ecologistas. Em terceiro, os governos precisam estimular a co-habitação. O Brasil está atrasado neste modelo.
Não estamos falando em asilos. Trata-se
“
O pesquisador utilizou
ainda o indicador “pegada
hídrica”. A metodologia
considera três tipologias
(água azul, verde e cinza),
e assume que a produção
de alimentos de origem
animal é mais água
“intensiva. ltos é de 11%
favorável aos primeiros.”
de condomínios com espaços compartilhados, intergeracionais, com possibilidade de otimização do uso de água e
energia. Uma sociedade envelhecida precisa revolucionar seu modelo de habitação sob pena de ampliar seu risco às mazelas ambientais.
O Brasil, por enquanto, apenas assiste
sua população envelhecer, ampliar as moradias unipessoais sem fazer nada. Da
mesma forma que só estimulou, durante
décadas, a cada um ter o seu carro. A população nunca é culpada pela crise ambiental. Antes dela existem as escolhas, a
vontade política e o processo de produção. Basta dizer que, segundo a ONU,
apenas 8% do consumo hídrico nos países
em desenvolvimento é atribuído às residências. A indústria consume 10% e a
agricultura 82%. Portanto, é pouco razoável afirmar que o envelhecimento populacional ajudará ou prejudicará o meio
ambiente. Toda dinâmica demográfica
pode ser favorável ao desenvolvimento.
Não existe a tal da bomba-relógio. Basta
ação e planejamento.
Jorge Felix
É jornalista especializado em
economia da longevidade, mestre em
Economia Política e professor da
FESP-SP e da PUC-SP. www.
economiadalongevidade.com.br
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