e s L tra d i g i t a i s Teses e Disser tações originais em formato digital o: i r á n i g o Ima a o ã ç p ac e l c i e B R o a v d a tica de Ol a i s e o Da Esté p da s e c a f i t as mul es m o G s e l e T Robson 2002 Programa de Pós-Graduação em Letras Ficha Técnica Coordenação do Projeto Letras Digitais Angela Paiva Dionísio e Anco Márcio Tenório Vieira (orgs.) Consultoria Técnica Augusto Noronha e Karla Vidal (Pipa Comunicação) Projeto Gráfico e Finalização Karla Vidal e Augusto Noronha (Pipa Comunicação) Digitalização dos Originais Maria Cândida Paiva Dionízio Revisão Angela Paiva Dionísio, Anco Márcio Tenório Vieira e Michelle Leonor da Silva Produção Pipa Comunicação Apoio Técnico Michelle Leonor da Silva e Rebeca Fernandes Penha Apoio Institucional Universidade Federal de Pernambuco Programa de Pós-Graduação em Letras Apresentação Criar um acervo é registrar uma história. Criar um acervo digital é dinamizar a história. É com essa perspectiva que a Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Letras, representada nas pessoas dos professores Angela Paiva Dionisio e Anco Márcio Tenório Vieira, criou, em novembro de 2006, o projeto Letras Digitais: 30 anos de teses e dissertações. Esse projeto surgiu dentre as ações comemorativas dos 30 anos do PG Letras, programa que teve início com cursos de Especialização em 1975. No segundo semestre de 1976, surgiu o Mestrado em Linguística e Teoria da Literatura, que obteve credenciamento em 1980. Os cursos de Doutorado em Linguística e Teoria da Literatura iniciaram, respectivamente, em 1990 e 1996. É relevante frisar que o Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPE, de longa tradição em pesquisa, foi o primeiro a ser instalado no Nordeste e Norte do País. Em dezembro de 2008, contava com 455 dissertações e 110 teses defendidas. Diante de tão grandioso acervo e do fato de apenas as pesquisas defendidas a partir de 2005 possuirem uma versão digital para consulta, os professores Angela Paiva Dionisio e Anco Márcio Tenório Vieira, autores do referido projeto, decidiram oferecer para a comunidade acadêmica uma versão digital das teses e dissertações produzidas ao longo destes 30 anos de história. Criaram, então, o projeto Letras Digitais: 30 anos de teses e dissertações com os seguintes objetivos: (i) produzir um CD-ROM com as informações fundamentais das 469 teses/dissertações defendidas até dezembro de 2006 (autor, orientador, resumo, palavras-chave, data da defesa, área de concentração e nível de titulação); (ii) criar um Acervo Digital de Teses e Dissertações do PG Letras, digitalizando todo o acervo originalmente constituído apenas da versão impressa; (iii) criar o hotsite Letras Digitais: Teses e Dissertações originais em formato digital, para publicização das teses e dissertações mediante autorização dos autores; (iv) transportar para mídia eletrônica off-line as teses e dissertações digitalizadas, para integrar o Acervo Digital de Teses e Dissertações do PG Letras, disponível para consulta na Sala de Leitura César Leal; (v) publicar em DVD coletâneas com as teses e dissertações digitalizados, organizadas por área concentração, por nível de titulação, por orientação etc. O desenvolvimento do projeto prevê ações de diversas ordens, tais como: (i) desencadernação das obras para procedimento alimentação automática de escaner; (ii) tratamento técnico descritivo em metadados; (iii) produção de Portable Document File (PDF); (iv) revisão do material digitalizado (v) procedimentos de reencadernação das obras após digitalização; (vi) diagramação e finalização dos e-books; (vii) backup dos e-books em mídia externa (CD-ROM e DVD); (viii) desenvolvimento de rotinas para regularização e/ou cessão de registro de Direitos Autorais. Os organizadores nário: i g a m I pção ao e c e Bilac R o a v d a l a O c ti esia de o Da Esté p a d s iface as mult es les Robson Te Gom 2002 Copyright © RobsonTeles Gomes, 2002 Reservados todos os direitos desta edição. Reprodução proibida, mesmo parcialmente, sem autorização expressa do autor. f! Universirrade Federal de PernamPilfo 9 'fogf.m. de emLelras pos·Gradua~ae DA ESTETICA DA RECEP<;AOAO IMAGINARIO: AS MULTIFACES DA POESIA DEOLAVO BILAC UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO ,.., CENTRO DE ARTES E COMUNICA<;AO , ,.., PROGRAMA DE POS-GRADUA<;AO EM LETRAS DA ESTETICA DA RECEPf;AO AO IMAGINARIO: AS MUlTIFACES DA POESIA DE OLAVO BILAC Dissertac;;ao de mestrado apresentada ao Programa de P6s-Graduac;;ao em Letras da Universidade Federal de Pernambuco, para obtenc;;ao do grau de Mestre em Teoria da Literatura. RECIFE 2002 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE ARTES E COMUNICA<;;AO PROGRAMA DE POS-GRADUA<;;AO EM LETRAS DA ESTETICA DA RECEP~AO AO IMAGINARIO: AS MULTIFACES DA POESIA DE OLAVO BILAC S ~rniverSidcde Feder.1de Pfrn2~:: " """ A MINHA IRMA ROSANA TELES, ogrim. G~Pos·Gri.u.~ti. emletr., primeira leitora, paciente e atenta, ser indispensavel AO MEU IRMAO RICARDO TELES, pelo incansavel estfmulo AOS PROFESSORES E AMIGOS ALFREDO CORDIVIOLA E LUZILA FERREIRA, pelo valioso apoio AO PROFESSOR, AMIGO E SEMPRE COMPANHEIRO SEBASTIEN JOACHIM, pelo carinho e dedica<;;ao ' A PROFESSORA, AMIGA E SEMPRE COMPANHElRA MARIA DA PIEDADE MOREIRA DE sA, pelo brilho da palavra-incentivo nos momentos necessarios AO AMIGO-IRMAO DJAIR REGO, pela presen<;;a-Iuz, dedica<;;aoe incentivo A TAMBEM BlLAQUIANA MARISA LAJOLO, pelo conhecimento, aten<;;aoe cumplicidade AO COLEGIO SANTA MARIA, pela oportunidade que me concedeu Quando as palavras me chegam, me fa~o tao sitencio Que a poesia sai de dentro Faz-se tempo E num tempo em mim Sin to-me assim Uma palavra no ar Queroachar Quero cantar Quero patriar os meus sentimentos Sou silencio Sorriso Suspenso Denso Intenso Repenso Meus sons Meus sonhos Ex-ponho minha fe Como uma "Profissao Num sonho poetico Fora estao as regras Outras, dentro, sim ff Sel77 fim De caber aqui ou ali Nem esteta Sem 'Isto ou Aquilo" Apenas Poeta 017, lavo as maos Da crftica Bi-Iacuna: Espa~o entre Poesia e Arte Poetica A dissertac;ao DA ESTETICADA RECEPC:AO AO IMAGINARIO: AS MULTIFACESDA POESIA DE OLAVO BILAC tern 0 objetivo de buscar possibilidades de leitura na produc;ao poetica bilaquiana, investigando a relac;ao estabelecida entre autor, obra e receptor, de acordo corn a orientac;ao teorica de Hans Robert Jauss, bern corno observar 0 Irnaginario do poeta, a partir dos estudos de Gilbert Durand, Jean Burgos, Gaston Bachelard, Chevalier & Gheerbrant. Tal dissertac;ao pretende evidenciar curnplicidades vivenciadas entre leitor e irnagerni, alern de, principalrnente, dernonstrar as outridades presentes na poesia de Olavo Bilac, ao identificar aspectos sensuais, sociais, politicos, ideologicos, fonologicos e IingUlsticos ern poernas assurnidarnente pouco parnasianos - 0 que contradiz a insistente c1assificac;aode poeta beletrista a ele conferida ou, ainda, a alcunha de escravo da fOrrna parnasiana. Verificar corno 0 autor foi visto por seus conternporaneos e levantar urna posslvel fortuna crftica constituern urn indispensavel instrurnento de apoio a urn estudo crftico que se prop6e a trazer tona a discussao de Que, ao longo dos anos, as observac;6esfeitas acerca da poesia de Bilac, parece, pouco revelarn da extensa e plural produc;ao de seus versos. Para tanto, e necessaria urna re-visita a obra desse poeta que cac;ava esrneraldas, fazia as palavras brilharern corno vidas e os arnantes ouvirern estrelas. a Palavras-chave: Olavo Bilac, Literatura Brasileira, Estetica da Recepc;ao, Irnaginario, Multifaces. The dissertation FROM THE AESTHETIC OF THE RECEPTIONTO THE IMAGINARY: THE MULTIFACETEDPOETRYOF OLAVO BILAC has the objective of searching for possibilities of interpretation in the poetical production of Olavo Bilac by investigating the relation established between the author, his work and the reader, in accordance with the· theoretical examination of Hans Robert Jauss, as well as observing the imaginary of the poet, through the studies of Gilbert Durand, Jean Burgos, Gaston Bachelard, Chevalier e Gheerbrant. Such dissertation reveals not only the complicities between the reader and the images, but also and mainly it demonstrates other aspects present in the poetry of Olavo Bilac through the identification of sensual, social, political, ideological, phonological and lingUistic characteristics in poems with few Parnassian characteristics. These poems contradict the classification given to the Bilac as a belletristic poet and a slave of the Parnassian'form. To verify the way as the author was seen by his contemporaneous and to raise one possible criticism constitutes one essential instrument of support for a critical study that has the purpose of raising a discussion that, through the years, comments made on the poetry of Bilac show little of the extensive and plural production of his verses: To achieve this objective, it is necessary that one re- examine the work of this poet who hunted emeralds, made the words shine as lives and the loving ones to hear stars. Key words: Olavo Bilac, Brazilian Literature, Multifaceted. Aesthetic of Reception, Imaginary, SUMARIO INTRODU<;;:AO 09 1. A ESTETICA DA RECEP<;;:AO E BILAC 14 I 2. IMAGENS DO pornco EM BlLAC 25 3. BILAC E 0 PARNASIANISMO 33 3.1. Outra face em Profissao de Fe 33 3.1.1. Vestfbulos kitsches 37 3.2. Tons na ansia de perfectibilidade 39 3.3. Bilac nao busca a expressao retorcida e diffcil. .40 3.4. Parnasiano antes na inten~ao do que na emo~ao .43 ..... uma epfgrafe ; 44 4. A RECEP<;;:AO A BILAC: UMA POSSIVEL FORTUNA CRITICA 4.1. Bilac e 0 infcio do seculo .45 xx 45 4.1.1. Bilac: modelo de legibilidade .45 4.1.2. Bilac: 0 deputado da Beleza na terra do Brasil .47 4.1.3. Sob a fgnea cauda db cometa bilaquiano 50 4.1.4. Tarde: um triste crepusculo 52 4.2. Bilac re-visitado: 57 atualiza~ao e possibilidades 4.2.1. 0 lirismo amoroso em Bilac: palpavel e realizado 4.2.2. Armadilha para preconceitos 4.2.3. Prosa bilaquiana: injustamente .5S : desconhecida 4.2.4. Sete faces bilaquianas? 5. BIBLIOGRAFIA 64 65 LEITOR E IMAGEM: CUMPLICIDADES VIVENCIADAS NA POETICA BlLAQUIANA CONSIDERA<;;:OESFINAlS 63 " 72 95 98 Os Manuais de Literatura apontam Olavo Bilac como um poeta parnasiano ou, quando muito, com nuances romanticas. Entretanto, uma leitura mais cuidadosa da obra bilaquiana podera permitir ao leitor 0 encontro com outridades presentes na produc.;ao poetica desse autor. 0 objetivo deste trabalho, POl'conseguinte, e propor uma re-visao, uma re-Ieitura frllidora, em busca dessas outridades, da obra poetica de Olavo Bilac, ja que, ao longo dos anos, as observac.;6es feitas acerca de sua poesia, parece-nos, pouco revelam da extensa e plural produc.;aode seus versos. Nao constitui novidade alguma afirmar que inumeras sac as proposic.;6esde leitura que uma obra de arte permite. Nessa perspectlva, existem sentidos na produc.;ao poetica de Bilac que merecem ser buscados cUidadosamente, quando se 'I desejam evidenciar camadas de significac.;aoque permeiam e estao sob a referencia ao meramente formal em sua poesia. A opc.;ao por Olavo Bilac se deve ao fate de perceber que 0 poeta foi, de certa forma, vilipendiado, formal, atribuindo ao Ihe observarem insistentemente 0 aspecto estetico- ao autor a condi()'io de poeta meramente beletrista, e 0 ideologico, vinculando Bilac a um frio perfil dvico, nacionalista. A sua poesia, ao contrario do que a maioria dos crfticos aponta, apresenta caracteres que denunciam multifaces; alem do esmero estetico, evidenciam-se aspectos ideologicos, sociais, politicos, sensuais. Pretendemos buscar limites e possibilidades de recepc.;aona obra bilaquiana e observar as Imagens no Poeta. Portanto, um dos objetivos maiores deste estudo e re-visitar a obra poetica biiaquiana e trazer a tona a discussao de que a crftica podera tel' dado uma atenc.;ao quase que exclusiva aos posicionamentos polfticos do homem Olavo Martins dos Guimaraes Bilac, 0 que provavelmente resultoll numa visao negativa de sua poesia. Poucas vezes e poucas vozes observaram um Bilac que extrapola e subverte regras, digamos la, parnasianas. 0 que dizer quando a teoria aponta regras, fOrmas na produc.;ao poetica bilaquiana, e a pratica, a propria poesia desse poeta, aponta 0 diferente,o quase in/verso? Nao mencionar parnasiana se presta au ignorar e, no mlnimo, uma vasta produ~ao bilaquiana que pouco parece-nos, um posicionamento pre-conceituoso, imediatista. Promover uma mistura au uma sobreposi~aodo homem politico-social ao poeta pode ser, mais uma de muitas vezes, discrimina~ao. Na otica de Dimas (1996), por exemplo, a partir do momento em que a estudo da Iiteratura apontou Bilac como parnasiano, "construiu-se a preconceito de que sua poesia e puro exibicionismo metrico e vocabular, prato cheio para aqueles que entendem Iiteratura apenas como ornamento social". Esta re-visita a produ~ao poetica bilaquiana busca, principalmente, entrar em contato e evidenciar faces multiplas da poesia de Olavo Bilac, investigando a rela~ao estabelecida entre auter, obra e receptor, de acordo com a orienta~ao teorica da Estetica da Recep~ao de Hans Robert Jauss. Alem disso, desejamos observar 0 Imagimlrio do poeta. Para tanto, lan~aremos mao da leitura de autores como Gilbert Durand, Jean Burgos, Gaston Bachelard, Chevalier & Gheerbrant. I A Estetica da Recep~ao, ao propor uma valoriza~ao do leitor na cria~ao artlstica, contribuiu bastante com a critica, a estudo e a ensino de Iiteratura, porque propos a observa~ao de momentos importantes em uma obra de arte: a leitura perceptiva, que busca contemplar a compreensao dessa obra; a leitura reflexiva, associada a interpreta~ao das ideias contidas nessa obra; e, par fim, a leitura do efeito que essa obra pode provocar no leitor. No processo da comunica<;;aopoetical de acordo com a Estetica da Recep<;;ao, a herizonte de expectativas e um dos elementos mais importantes para que possamos observar a papel do leitor. Esse horizonte de expectativas e, na verdade, "um esquema mental que um indivfduo hipotetico pode trazer a qualquer texto, onde a previsao sabre as resultados esperados pela obra acontecem dentro de um micro all macrocosmos" (ZILBERMAN, 1989:113). Alem desse carater de destaque atribufdo ao leitor, a Teoria de Jauss sLlstenta a ideia de que a leitura em diferentes momentos historicos coopera para a melhor compreensao da forma e do conteudo presentes na obra de arte. Isso esta diretamente associado ao interesse que determinado tE:!xto poetico, por exemplo, desperta no leitor. No caso de Bilac, quando da pLlblica~ao de suas Poesias, que compreendem PqDQRlias,Via-L~cteq e Sarc;asde Fogo, em 1888,0 autor obteve uma boa receptividade do publlco, criadora e Ihe concedeu 0 Ifrica amorosa bilaquiana qual reconheceu no Poeta uma enorme capacidade 0 tftulo de 'Prfncipe dos Poetas Brasileiros: Ainda hoje, "a sobrevive. [ universalidade do sentimento amoroso, [ J E sobrevive nao por uma hipotetica ] mas parque Bilac era um bom poeta" (LAJOLO, 2000:9). Ademais, na Ifrica bilaquiana ha uma evidente valoriza<;ao do leitor, quando 0 eu poetico gera intimidade com 0 receptor e instaura uma especie de dialogo, faceta muito bem exemplificada com os sonetos de Via-Lcktea. Ainda que infinitamente citado, 0 soneto XIII e um dos melhores exemplos que confirmam esse dialogo entre a voz poetica e 0 leitor: Ora (direis) ouvir estre/as! Certo Peldeste 0 sensor E eu vos dire~ no entanto, Qu~ para ouvi-/as, muita vez desperto E abm as jane/as pa/ido de espanto ... I Essa intimidade, evidenciada principalmente quando 0 eu Ifrico da voz ao receptor -- "Ora ... ouvir estrelas! Certo / Perdeste 0 senso!" ---representa um recurso bastante recorrente nos poemas bilaquianos. 0 leitor, assim, ganha uma participa<;ao muito ativa no texto, processo que gera, sem duvida, uma grande empatia em quem envia e ern quem recebe a mensagem. Munidos do poder que ha nas imagens e se deixando levar pelos dinamicos trajetos do Imaginario, autor e leitar percorrem rotas propostas por um e vivenciadas, experimentadas par outro. Nesse processo, ha um intercambio ininterrupto de obra, criadar e receptor. Envolvendo-se e deixando-se envolver pelas imagens, 0 leiter de Bilac passa a encontrar universos visivelmente nao apenas parnasianos. As outridades sac reftetidas em sfmbolos que seduzem os que entram em contato com sua poesia, nllma visao que passa por tons romanticos, par sensualidade explfcita. Isso quebra, de maneira evidente, a ideia de versos criados par uma especie de maquina poetica, como podemos perceber nesta composi<;ao, na qual 0 eu Ifrico deseja enredar-se nllm amplexo que mescla prote<;ao e posse, preciosas imagens nacaradas de ouro, de perolas, 0 sentimento-tesouro, riqueza maior de quem ama, tanto e tanto: Pudesse eu ser a concha nacarada, Que, entre os co/ais e as algas, a infinita Mansao do oceano habita, E dorme reclinada No fofo leito das areias de OlffO... Fosse eu a concha e, 6 perola marinha! Tu fosses 0 meu lfnico tesouro, Minha, somente minIJa! (Numa Concha - ~arQls de FogQ) Em observar-Ihe imagens, pretendemos questionar a c1assifica~aoparnasiana de Olavo Bilac, destacando a poem a Profissa'o de Fe, revelador de um EU muito mais metalingufstico do que cantor da ourivessaria poetica. At~ que ponto ha apenas a , busca desenfreada pela forma perfeita, pelo verso de ouro em Olavo Bilac? Para tanto, entraremos em cantata com a fortuna crftica acerca do poeta e de sua poesia. De inlcio, analisaremos a que a crltico Nestor VitOI' disse sabre a importancia ideologica de Bilac. Em seguida, veremos um ensaio que Mario de Andrade escreveu sabre 0 ''Prfncipe dos Poetas Brasileiros'; no qual a autor de Macunafma expoe suas impressoes sabre a poetica bilaquiana e aponta, apos a exposi~ao e analise do poema 0 COMErA, uma outra face do Poeta: "Olavo fizera Simbolismo!" E destaca, entre outros elementos, nesse poema a fato de que "As palavras .brilhavam como vidas". i Ainda dialogando com a crftica das duas primeiras decadas do seculo XX, buscarert:l0s a analise de Manuel Bandeira, principalmente quando a poeta pernambucano destaca a fluencia na Iinguagem e a sensualidade que encontra em Bilac. Apesar de ser 0 autor do poema Os sapos, que, na Semana de Arte Moderna, ridicularizou 0 Parnasianismo e, POl' conseqOencia, a Figura de Bilac, veremos que Bandeira estava, na verdade, envolvido com 0 carateI' "demolidor" da Semana e que nao queria atacar diretamente Bilac, a quem admirava. Alem dessa crftica, cremos conveniente e necessario verificar como Bilac e visto hoje. Para essa verifica<;ao, destacaremos os estudos de Marisa Lajolo (1984), Alexei BLleno (1996), Antonio Dimas (1996) e Ivan Teixeira (1997). Lajolo, em sua sele<;aodos melllOres poemas de Bilac, destacara a produ~ao Ifrico-amorosa do Poeta, par achar que reside af a maior aproxima~ao entre Bilac e 0 leitor. Bueno apontara um Bilac que representa 0 "senso comum, aquela sabedoria de todos e de ninguem que eo axioma eo gozo dos povos" . E embora pretendamos estudar apenas a obra poetica do criador de Via-~cktea, 0 registro do levantamento da prosa bilaquiana nas cr6nicas de Vossa Insolencia feito por Dimas e mais que illlportante, Teixeira, e necessario, por, tambem, delllonstrar outra face de Bilac. E, por fim, que mostrara, em seu ensaio que prefacia uma edi<;ao das Poesias bilaquianas, sete topicos acerca do autor de O_CiKadoLd_e Esmeraldas, nos quais evidenciam-se as nuances bllaquianas. Esse ensaio de Teixeira se Illostrara como uma importantfssima contribui<;ao ao estudo da obra de Bilac, principalmente porque trara a tona discuss5es curiosas que contribuem para a revisao da problematica c1assifica<;aoda poetica bilaquiana. Agudamente, 0 ensafsta aponta possibilidades de rela<;aoentre a poesia de Bilac e a dos modernistas Carlos Drummond de Andrade e Joao Cabral de Melo Neto, alem de suscitar um possfvel intercambio do universo epico bilaquiano, especialmente no poemeto Sagres, com 0 universe epico de Fernando Pessoa, em Mensagem. Nessa perspectiva de problematizar 0 que a crftica tem dito sobre Olavo Bilac, selecionamos algumas de suas composi<;5es poeticas com 0 objetivo de, pelo menos, provocar ullla re-discussao da obra do "Principe dos Poetas Brasileiros': :1..A ESTETICA DA RECEP(;AO E BIlAC A visao da crftica litera ria no secllio XIX refletia lima preferencia pela abordagem em que se destacavam "circunstancias ambientais ou determinantes biogrMicos manifestos na genese da obra de arte, enquanto relegava a importancia de seus atributos intrinsecos" (PIRES, 1989: 101). Isso provocou uma tendencia a relacionarem-se os aspectos sociologicos aos aspectos psicologicos da cria~ao Iiteraria, apontando-se nesta carater, do temperamento 0 contexto historico-social e os "reflexos da alma, do de seu autor" (Ibid: 102). A admissao dessa tendencia pode tel' provocado uma crftica com uma conota~ao estetica menor. Com menos interesses no texto e em sells elementos intrinsecos, essa critica considerava a obra litera ria como um documento. No seculo XX, acerca da obra Iiteraria, "a crftica imanente preferiu ve-Ia em si mesma, considerando-a um monumento" (Ibid: 102). Conquanto, para a Estetica da Recep~ao, a prodw;;ao artfstica constitui-se num abjeta intencianal direcionado a consciencia de um leitor, ja que a "recep~ao da obra de arte nao pode ser considerada como um consumo passivo; cumpre encara-Ia uma atividade estetica que levara a aceita~ao ou a recusa" (Ibid:l02), como sugere Hans Robert Jauss. Em sua teoria, Jauss propoe uma visao bastante ampla de como 0 leitor recebe a obra. Nao e uma simples recep~ao do texto, mas algo que promove "uma teoria formal da recep~ao, procurando atualiza~5es particulares definir todo quase sempre determinadas 0 seu potencial, POl' livre de interesses mutaveis" (Ibid:l02) Indiscutivelmente, a Estetica da Recep~ao soma bastante a visao da crftica moderna, ao reconhecer no leitor uma imensa importancia e valori2ar as diferentes e possiveis interpreta~oes que na qual se admite tudo 0 0 texto pode receber, nao numa Iiberdade desenfreada que se venha a dizer sobre a obra de arte, senao dentro de um sistema em que se observam a produ~ao, a recep~ao e a comunica~ao, destacando-se, portanto, autor, obra e leitor. Nesse sentido, a Estetica da Recep<;;aopermite que entremos em contato com aquilo que se realiza no leitor envolvido com a obra de arte e com 0 que emana da propria obra. A paltir do momenta em que admitimos que 0 texto poetico tem 0 poder de despertar emot;;5es no leitor, passamos a contemplar esse texto na dimensao de sua recepc;;:aoe de seu efeito. Tal visao vislumbra as variadas interpretac;;:oes que um texto pode fazer nascer em quem 0 recebe. Assim, esse universe ajusta-se a uma analise da poetica bilaquiana por conta das multifaces presentes em Olavo Bilac, como, por exemplo: > a dvica: "Patriar latejo em tir 170 teu lenhor po onde / Circulor(pATRIA- Tarde); > a formal: "Indar ao cair, vibrando a lanr;ar / Em prol do Esti/or(PROFISSAO DE 'r FE - Poesias); a metaffsica: ''Mas as almas nao morrem como as flores, / Como as homens, os passaros e as (eras: / Rotas, despedar;adas pelas doresr o sol de novas plimaveras / E de novas amores. N / Renascem para (CAMPO SANTO - Alma Inquieta); 'r a romantica: ,(CAN(AO- y "Da··me 0 clarao do teu riso! / Da-me 0 fogo do teu beijor' San;;asde Fogo); a sensual: "Tem nos seios - dois passaros que pulam / Ao contacto de um beijo, - nos pequenos / Pes, que as sandalias sofregas osculamN(A TENTA(;AODE XENOCRATES- .s~s r de Fogo); a de carater epico: "E serenor feliz, no maternal regar;o / Da terra, sob a paz estrelada do espar;o, / Fernao Dias Paes Leme os olhos cerra. E morre. N(O CA(ADOR DE ESMERALDAS- Poesias). Baseando-se no processo hermeneutico proposto por Hans-Georg Gadamer1, Jauss observa 0 entendimento de uma obra de arte a partir de tres momentos: 1 Hans Georg Gadamer, ex-professor de Jauss na Universidade de Heidelberg, publicou, em 1961, sua obra ate hoje mais renolllada: Verdade e f'.1etodo[Wahrheit und Methode], em que procurou infundir nova dire<;ao hermeneutical ao atribuir-Ihe a papel de interprete da historia. Retomando conceitos da fenomenologia, como a de horizonte de expectativa, resgatando as no<;5es de tradi<;ao e elaborando sua propria terminologia, como a concep<;ao de "consciencia da historia dos efeitos" [Wirkungsgeschichtebewusstsein], G"ldamer ofereceu ao pensamento alemao a possibilidade de uma reflexao filosofica que renovava estatuto da hermeneutica e possibilitava a (re)visao da historia sem ter de percorrer a trilha, talvez ja par demais batida, do marxismo. (Cr. ZILBERMAN, Regina. Estetica da Recep~/Joe a Hisloria da Literatura. Sao Paulo, Atica, 1989. p. 11-12) a ° )..- Compreensao esta associada leitura perceptiva, imediata; fruto da percep<;ao estetica, a experiencia primeira de leitura; ~ Interpretac;;ao - leitura refletida, reflexiva; 0 sentido do texto e reconstitufdo no horizonte da experiencia do leitor; ~ Aplicac;;ao- leitura pesquisadora do horizonte2 historico determinante da genese e do efeito da obra; que permite distinguir os horizontes passados do atual, pelo confronto merecidas ate da leitura entao. contemporanea (Adaptado de com todas as 'outras PIRES: 1989: 103 e de ZILBERMAN:1989: 113) A Estetica da Recepc;;aoretomou argumentos da filosofia hermeneutica de Gadamer, quando questionou da Iiteratura. E importante fundamentalmente 0 objetivismo e a exegese impostos no ensino e estudo mencionar-se que a Estetica da Recepc;;aonao se ocupou da multiplicidade de interpreta<;5es anteriores; entretanto, do reconhecimento da compatibilidade de diversas interpretac;;5es. As ideias de Gadamer evidenciam-se na teoria de Jauss principalmente produc;;ao artfstica partindo-se daqueles tres no ato deste compreender momentos: a compreensao, a a interpretac;;ao e a aplicac;;ao. Assim, Jauss sugere a atenc;;ao para 0 interesse de "medir e ampliar na comunicac;;ao Iiteraria com 0 passado, 0 horizonte da experiencia propria, a partir da experiencia. de outros" (Apud. COSTA LIMA, 1983:313). Dessa forma, serao valorizadas as leituras em diferentes epocas, pois, segundo a Estetica da Recepc;;ao, compreende-se "0 sentido e a forma da obra literaria pela variedade historica das suas interpretac;;5es" (PIRES, 1989: 109). o objeto das investigac;;5esliterarias da Estetica da Recepc;;ao,como ja vimos, e a historia definida como um processo que implica sempre tres fatores: 0 autor, a obra de arte e 0 receptor dessa obra. 0 contato entre produc;;aoe recepc;;aose da pela comunhao da criac;;aoIiteraria. Assim, a noc;;aode Recepc;;aorefere-se a acolhida Significa, no sentido literill, 0 limite do vislvel, 0 qual esta sujeito a ser constantemente alterado em func;ao da mudanc;a de posic;ao do observador. Na teoria do conhecimento, 0 objeto da consch~ncia intuicional nunca sera considerado isoladamente, senao inserido num contexto, dentro do qual ganhara configurac;ao propria, urn perfil singular; esse contexto chamado l7orizonte. Todo horizonte tem Lima dimensao temporal: a percepc;ao do objeto varia no tempo. (Cf. PIRES, Orlando. Manual de Teoria e Tecn;ca Uteraria. Rio de Janeiro, f'resem;a, 1989. p. 104) 2 e que uma obra alcan~a na epoca ern que vai a publico e ao longo da Historia, observando-Ihe a vitalidade a partir do interesse que tal obra desperta no receptor, ou ainda a ideia de interdlmbio suscitado naqueles tres fatores. Nessa perspectiva, observamos que 0 esmero estetico, 0 gosto pe/o formal, 0 excesso de patriotismo tao apontados em Bilac podem ser tomados como um processo de obscurecer a desilusao amorosa do Poeta. Relativamente frequente em sua Ifrica, 0 tema do amor irrealizado pode representar 0 frustrado relacionamento com Amelia de Oliveira, Irma do amigo parnasiano Alberto de Oliveira. Para Afranio Peixoto, "Bilac era afligido por uma secreta perturba~ao nervosa, que 0 condenou a ficar solteiro, envolto numa fama de boemio e dissoluto, e nao Ihe permitiu veneer as oposi<;;5es a seu casamento com a ex-noiva." (Apud MERQUIOR, 1996: 170). Acusado de ter uma vida boemia, desregrada, Bilac se ve proibido de levar a frente seu idflio com Amelia, a quem tanto ama. Provavelmente, a atitude moralista da familia Oliveira nao permitiu que se percebesse que a boemia e 0 dissolutismo de Bilac traduziam-se-Ihe como elementos de carater poetico, e nao marginalizado. Amelia, entao, passa a ser a musa inspiradora dos versos doloridos da Ifrica amorosa bilaquiana. Afinal, "a vida de um poeta esta Iigada perola a ostra a ~ua poesia como a [... ]. Ambas - vida e poesia - nao podem ser dissociadas, porquanto se interpenetram e explicam-se mutuamente. Nunca existe uma separa<;;aototal entre 0 criador e a obra. Esta, por mais singular que se mostre, constitui urn fiel corolario das tendencias ou da filosofia daquele que a produziu" (JORGE, 1992:91). E com Bilac, alma sensfvel - alma de poeta - nao poderia ser diferente; entao, a acuidade do sentimento reflete-se na intensidade da expressao: [. ..] e o amor uma alVore amp/a, e fica De frutos de ouro, e de embriaguez: !n(-e/izmente, frutifica Apen3s uma vez... Alii Esquec;amos, esquec;amosi Dwma lra/lqiJlJo 0 /10$50amor Na cova rasa onde 0 el7terramos Entre os rosa!r; em flor ... Tradicionalmente, constante a sfmbolo da vida, elemento em evolu<;;ao e em ascensao para a ceu, e evoca a simbolismo da verticalidade. arvore representa Par outro lado, a arvore tambem representa "a aspecto dclico da evolu<;;aocosmica: morte e regenera<;;21o"(GEERBRANT& CHEVALIER, 2000:84). E quanta mais copada, "ampla, e rica I De frutos de ouro, e de embriaguez", elas "evocam um cicio, pais se despojam e tomam a recobrir-se de folhas todos as anos" (Ibid). Conquanto, a arvore da dor dofda no eu !frico desse p6ema "frutjfjca uma vez... ", cren<;;a, um tanto romantiea, sentimental, verdade, uma vez na vida. Ademais, as frutos s210"de metais - e "de embriaguez" colheitas" (Ibid:364) - "que estaligada a I Apenas de que so se ama, de oum"- a mais precioso dos fecundidade, a riqueza das , a que nos faz perceber que a eu !frico encara a amor como um fremito inaudito. Embora embebido de amor, a eu lfrieo nos mostra que, infelizmente, par um motivo admoestador, e necessaria esquecer a sentimento que Ihe vai n'alma, e propoe que este se recolha ao abismo interior do irrealizado idHio, a "cava'; mesmo que "rasa'~local para onde se recolhem, escondem-se, preservam-se sentimentos, imagens. Essa ideia de enterrar regenera<;;ao, pais a terra "Da a nos sugere a simbologia de feeundidade e luz tad as as seres, alimenta-os, depois recebe novamente deles a germe fecundo" (Esquilo, Coeforas, 127-128, apud GEERBRANT & CHEVALIER, 2000:879). Alem de representar a origem de toda a vida, par produzir as formas vivas, a terra simboliza tambem a marte, mas "morrer para uma forma de vida, pt;lra renaseer em uma outra forma" (Ibid), e "Entre as rosais em flor ...", esta que, "par sua natureza, e sfmbolo da fugacidade das coisas, da primavera e da beleza" (CIRLOT, 1984:256). Vemos, ent21o, que a frustrado relacionamento e indesejado rompimento entre Bilac e sua ex-noiva se converteram em imagens na poetica do autor de "Via- lc'ktea". Isso confinna a sugestao de Jauss para a interesse de que a comunica<;;21o Iiteraria amplia alga ja vivido e poe em destaque a horizonte da experiencia propria. Nessa perspectiva, diz Umberto Eco: 'So se fazem Iivros sabre outros Iivros e em tomo de outros livro5" (1985:40). ! Quanta a no(,;21ode Estetica, nao diz respeito a Ciencia do Bela, mas a ideia , de se aprender alga sabre arte atraves da propria arte, atraves da considera<;;ao historica da pratica estetica existente na base de todas as manifesta<;;oesda arte, perceptfveis nas atividades da produ<;;ao,recep<;;aoe comunica<;;aodo objeto artfstico. As amplas possibilidades que a Estetica da Recep<;;aooferece quanta a analise do papel do leitor, inserido num instante historico determinado, evidenciamse quando a comunica<;;aoentre receptor e texto e efetivada, destacando-se 0 efeito produzido, a recepc;;:aoe a concretiza<;;aodo sentido que se dao no contato entre 0 universe suscitado pelo texto e as experiencias e os conhecimentos internalizados no leitor. Dessa maneira, a Estetica da Recep<;;aopossibilita ao leitor sair da passividade enquanto receptor de uma obra de arte, pois permite-Ihe nao apenas 0 contato com tal obra, senao uma visao critica, muito mais participativa, por ser ativa. Levando-se em considera<;;aoque 0 destinatario da obra de arte pode reagir de maneiras diferentes, considera-se tambem 0 fato de que esse receptor pode responder a uma obra produzindo comunicativo da historia literaria: 0 outra. Nesse caso, c4mpre-se 0 circuito produtor, quando recebe, portanto, uma obra como resposta, e, tambem, um receptor, desde 0 momento em que come<;;aa escrever. A partir de tudo isso, 0 sentido de uma obra se constitui sempre novo, como resultado da coincidencia suscitado pela obra e o 0 de dois fatores: 0 horizonte de expectativas horizonte de experiencias complementado pelo receptor. horizonte de expectativas presehte em cada individuo, e uma especie de sistema de referencias ou um esquema mental de associa<;;oesque um determinado receptor pode trazer a obra, no momenta de contato entre eles. De acordo com Zilberman (1989:113), "Uma das tarefas da Estetica da Recep<;;aoe a reconstru<;;aodesse horizonte, a fim de esclarecer 0 relacionamento da obra com 0 publico." Essa visao nos permite desmistificar a tese de que 0 Parnasianismo era 0 sorriso da sociedade e que existiu apenas nos grandes saloes. Ao contra rio, Olavo Bilac foi consagrado pelo povo. Em 1.888, Bilac levou a publico a primeira edi<;;aodo volume poesia~; "0 Iivro Ihe conquistou uma gloria imediataf! (MERQUIOR, 1.996:170). A excelente aceitac;;:aopllblica que a obra obteve talvez se de pelo fato do eu p(~etico bilaquiano ser multifacetaclo: as se<;;oespanojJJjg-S,Y-!a Lactea e Sar<;;asde Fogo.,revelam nao apenas culto inquieta<;;oesd'alma. a forma, mas sensualidade, tom dVico, carater epico, Ja 0 horizonte de experiencias e resultado do relacionamento entre obra e leitor, "aspecto fundamental de uma teoria fundada na recep~ao" (ZILBERMAN, 1989: 113). de experiencias Esse horizonte relacionadas: "a poefsis3, pois quando este alarga 0 0 0 em tres eta pas inter- receptor participa da produ~ao do texto; a aisthesis4, conhecimento que durante a qual ocorre reflete-se 0 destinatario tem do mundo; e a katharsis5, processo de identifica~ao que afeta as possibilidades do leitor" (Ibid, 113). A proposta metodologica que a Estetica da Recep~ao deseja introduzir na interpreta~ao cientffica busca distinguir esses dois horizontes, para compreender-se as estruturas condicionadoras do efeito de uma obra e as normas esteticas aplicadas POl' seus interpretes no decorrer da historia literaria. E preciso, pois, investigar-se a intera~ao da produ~ao e recep~ao de uma obra. A partir disso, observa-se 0 intercambio do autor, obra e receptor, bem como da experiencia artfstica presente e passada. Nesse processo, a teoria de Jauss retoma a participa<;;ao ativa do leitor na concretiza<;;ao sucessiva do sentido nas obras. Conquanto, nao se deve confundir a Estetica da Recep<;;aocorn uma sociologia historica do pUblico, interessada apenas nas mudan<;;asde gosto, de interesse ou de ideologias. Ao contra rio, em vez de reduzir a historia a casualidades unilaterais, "Ia !=stetica de la Recepcion sostiene una concepcion dialectica: desde su perspectiva, la historia de las interpretaciones de una obra de arte es un intercambio de experiencias 0, si se quiere, un dialogo, un juego , de preguntas y respuestas" (Jauss, Apuc! Punto deVista, Argentina, 1981:4). Par isso que a obra de arte gera entropia e conflito, e no caso de Bilac, parque inter- Corresponcle ao prazer de se sentiI' co-autor cia obra. Revisanclo a hist6ria cia mx;ao cle poresis no pensamento ocidental, Jauss conclui que ela se tornou praticamente uma exigencia nas criac;oes do seculo XX, cujo experimentalismo determina a participac;ao crescente do leitor no seu processo de prodUl:;ao. (Cf. ZILBERMAN, Regina. ES!~!jc;;L_daJe_Q~pt;;a9~..1LbJsl(iri;;L(ta liteLaJura. Sao Paulo, .Atiea, 3 1989. p. 55) a Esta mais relacionada experiencia estetica enquanto tal, dizendo respeito ao efeito, provocado pela obra clearte, de renovac;ao cia percepc;ao clo rnundo circunclante. Aclotanclo essa posic;ao, Jauss nao cleseja descobrir um novo sentido para a aislhesis, procuranclo, pelo contrario, assimilar a ela as interpret,ac;oes vigentes. (Ibid) 5 A concretizac;ao de um processo cle identificac;ao que leva 0 espectaclor a assumir novas normas de comportamento social, numa retomada de icleias expostas anteriormente. Mais tarde, esse conceito se alarga: coincide com 0 prazer afetivo resultante cia recepc;ao de uma obra verbal e que motiva "tanto uma transformac;ao de suas [do recebedor] convio:;oes, quanta a liberac;ao de sua mente" (Ibid:57) 4 S _ relaciona, POl'exemplo, 0 "rico e 0 Universidade Federal de Pem:· Progrimi de POS.Gridua~;~e~ le:i., social num mesmo plano, sem estabelecer jufzo de valores. Partindo de uma forte influencia da Herrneneutica, a Estetica da Recepc;;aose situa nas ciencias do sentido. Mas 0 fato de voltar-se para a interpretac;;ao nao significa dizer que as propostas de Jauss refletem um abandono as aquisic;;6esda aproxima<;ao estrutural, ou que se entregue ao ideal de uma exegese imanente. De acordo com as ideias da Estetica da Recepc;;ao,a interpretac;;ao exige do receptor um contrale acerca de sua subjetividade, reconhecendo, entao, 0 horizonte Iimitado de seu posicionamento hist6rico. Dessa reflexao, a hermeneutica pravoca um contato entre 0 presente e 0 passado. Isso resultara numa nova interpretac;;ao, dentra do processo historico, atrelada a concretizac;;ao do sentido. Podemos ver isso, por exemplo, na preocupac;;aocfvica de Bitae. 5e na estetica romantica a tematizac;;aodo indianismo congrega a maior forc;;anacionalista, na poetica bilaquiana isso se da na sublimac;;ao da lingua, revelando-se, talvez, numa preocupac;;ao mais exegetica. Afinal) no plano estetico-cfvico, Bilac propGe a lingua pOltuguesa como elemento unificador da cidadania: "Ultima flor do Likio, inculta e bela, I Es, a um tempo, esplen'dor e sepultura: I Ouro nativo, que na ganga impura I A bruta mina entre os cascalhos vela ... " . A partir de tudo isso, questionamos a interpreta<;ao dispensada a obra de Bilac, porque parece ter havido uma reduc;;ao do sentido multifacetado que sua pradU<;aoartfstica pode assumir. A crftica talvez nao tenha percebido a obra de Bilac de maneira plural, entretanto com uma aparente unilateralidade, pretensiosamente objetiva na superffcie textual. Assim, nao foi posslvel perceber-se a estrutura estetica da produc;;ao bilaquiana na dimensao em que prop6e Jauss, bem como 0 universe imaginario do poeta, ja que a crftica especializada desconhecia algumas teorias Iiterarias. Nesse sentido, essa crltica parece manter um posicionamento cristalizado na ideia de que Olavo Bilac apenas faz usa de um perfil academico que a amarra a estetica parnasiana e nao Ihe permite revelar multifaces nos poemas em que "assomam alguns indfcios da supera<;ao do figurino parnasiano e convencional que muitas vezes espartilha sua poesia" (LAJOLO, 2000:9), poemas pelos quais a Autor "pode, sem desdouro, dialogar corn a sensibilidade do publico" (Ibid), como a sugestao romantica presente em SONHO (I.iude): Quantas veZ5, em sonho, as asas da saudade So/tv para onde 5tas, e fico de ti petto! Como, depois do sonl1o, triste a realidade' Como tudo, sem t~ fica depois deselto! e A sonoridade sibilante presente em "Quantas vezes, em sonho, as asas da saudade / Solto para onde estas..." sugere a forl;;a do vento, a qual ernbala 0 leitor num ambiente onfrico e nostalgico, cheio de "sonho", de "saudade" e, porque "deserto", de solidao. AIE~mdisso, 0 paralelismo no uso do termo "Como" acentua a significa<;;aode apelo que esses versos desejam imprimir na alma de quem os recebe. Some-se af tambem uma inquietante certeza de fim, de ausencia do ser amado. Tambem pode representar uma especie de dialogo com a sensibilidade do publico esse emotivo lamento em REMORSO(Tarde): Versos e amores sufoquei ca/ando, Sem os gozar numa exp/osfJo sincera ... AM Mais cem vidas' Com que ardor quisera Mais viver, mais penal' e amar cantando!, no qual os "Versos" e as "amores" tem 0 mesmo valor para 0 eu Ifrico. , Podemos ver 0 posicionamento crftico de que a poesia bilaquiana e puro exibicionismo metrico e vocabular, por exemplo, na analise de Ronald de Carvalho (1925): "0 processo Iiterario de Bilac impressiona pela singeleza e Iimpidez do estilo; nab ha, nos seus versos, geralmente, as grandes notas de inquieta<;;ao e da duvida ..." (AMOROSO LIMA, 1980:107). Ainda sob esse olhar crftico, Agripino Grieco (1947) diz que as amores de Bilac "foram todos de cabe<;;a,puramente cerebra is. ( ...) Tudo, em seus versos Ifricos, parece simulado. E, como esses versos sac sempre admiraveis, Bilac deu, sem querer, razao a quantos afirmam que arte e artiffcio ..." (Ibid)., Segundo Alexei Bueno (1996), ha em Bilac "uma ausencia quase total de inquieta<;;aometafisica, como talvez em nenhum outro poeta brasileiro" (Ibid). Nao ha como negar inquieta<;,:aometaffsica e dialogo com a sensibilidade de um publico nos versos de Maldir;ao, por exemplo, poema inclufdo em Alma Inquieta. Ademais, nao parece simula<;,:ao0 que 0 eu \frico sente e expressa: Se por vinte an0Sr nesta fuma escura, Deixei dormir a minha maldir;ao, -~ Hoje, velha e cansada da amargura, Ninha alma se abrira como um vulcao. Inumeras vezes lutamos por nao dar muita atenc;ao aquilo que nos habita 0 ser e nao dominamos, porque buscamos domfnio e contrale dos mundos interno e externo. A perda do contrale e uma das situac;oes que mais aterrarizam 0 ser humano, e "0 ego s6 consegue aceitar a perda do contrale quando a vivencia" (JUNG, Apud RAFF, 2002:190). Entao, 0 ego se da conta de que 56 e possfvel continuar a vida "abrindo mao da ilusao do contrale e voltar-se para 0 interior" (Ibid): Alem disso, deve abdicar de "seu orgulhoso papel de sol regendo 0 ceu" (Ibid), descer "ate 0 mundo subterraneo e encontrar a vulnerabilidade e a abertura necessarias" (Ibid) ao existir. Ja no tftulo do poema sentimos uma inquietude do eu Ifrico, ao abordar um estado de pragas e amaldic;oar 0 ser amado: Maldir;ao. Sua a<;,:aosegue: "Maldita sejas pelo ideal perdido!", e fecha 0 soneto de maneira contundente: [Maldita sejas] "Pelo esplendor do que eu deixei de ser! ..." Alem disso, foram "vinte anos" em uma "furna escura". Essa "fuma"pode representar um lugar de sofrimento e de punic;ao, um mundo onde se ocultam segredo5. Para Platao, uma caverna e uma especie de mundb, morada subterranea que tem "uma entrada a abrir-se amplamente para 0 lade da luz" (CHEVALIER & GEERBRANT, 2000:213), e esta representada pelo "vulcao"no poema bilaquiano. Em algumas culturas, como ados Maias, "0 numera vinte representa 0 Deus Solar (Ibid), alem da figura de um homem (pelos vinte dedos que representam a unidade)" (Ibid:958). Entao, podemos dizer que a simbologia da luz presente no "vulcao" e no numera "vinte" indica um caminho que a "alma" deve seguir em busca do bem e da verdade: "a subida para 0 alto e a contemplac;ao daquilo que existe no alto representam 0 caminho da alma para elevar-se em direc;ao ao lugar inteligfvel" (Ibid). E ainda segundo Platao, 0 mundo de aparencias agitadas que a "furna" representa deve ser abandonado, para que a "alma" possa "contemplar 0 verdadeiro mundo das realidades - 0 mundo das Ideias" (Ibid). Diante disso, podemos afirmar que 0 sentimento presente no eu Hrico desse poema amadureceu, fez esse eu lIrieo tornar-se homem, estar no ponto, aos vinte an05. A ideia de "hiberna~ao" que 0 texto suseita pode ser confirmada quando oeu ! poetico admite que sua "alma se abrira como um vulcao", elemento que tem, dentre outras, a caracterfstica de representar "uma fase de trabalho latente, contido e oeulto que sucede uma brusca e terrfvel erupc;;ao"(CIRLOT, 1984:606). Esse quarteto do poema Maldit;ao FIgura a imagem de um ser com os brac;;osabertos, como numa entrega do que e e do que pode representar. Em um abrir 0 peito e permitir-se a sensac;;oesguardadas que explodem nurna paixao avassaladora. Enquanto imagern da alma, 0 vulcao esta clararnente relacionado ao fogo, simbolizando 0 abrasamento interior, 0 prindpio animador que da vida ao corpo e faz deste urn ser individual. "Psicologicamente, e um sfrnbolo das paixoes - que( ... ) sac a (mica fonte de nossa energia espiritual, se podernos transforrna-Ias e doma-las" (Ibid). Diante desse breve contato com urn trecho de um poerna de Bilac, como, entao, reduzir 0 Iirisrno desse autor a urna c1assificac;;aofria, rnaterial, meramente insfpida? Como bern observa Paul Valery, 0 poeta e um espfrito que deseja 0 estagio sublirne, no qual busca estabelecer-se corn suprernacia e modelar 0 mundo que pensa apenas representado. 0 poeta e urn ser poderoso dernais para ver apenas 0 visfvel. Ele e ate capaz de criar ou recriar vocabulos que faltarn ao seu idiorna, para satisfazer os equilfbrios poetico-forrnais dos versos. A poesia, de maneira sintetica e (lnica, estabelece um momento de troca, de soma, ou ate mesmo de subtra~ao, entre dois mundos: 0 Eu Ilrico e 0 receptor. A produ~ao poetica e resultado de uma especie de atrito entre as palavras, e e atraves desse atrito que se buscam novos sentidos. Nestes, reside a comunica~ao poetica. Comunicar pela poesia e necessidade vita!. E quando os outros domlnios da vida nos recusam todo desfruto, resta-nos pelo texto poetico uma frui~ao posslve!. Do poema, diz Carlos Bousono (1956:28) que "en su tejido ultimo, es algo impr~visible". Essa ideia de "imprevisibilidade" pode ser a ponte que une 0 sujeito que produz ao sujeito que recebe a realiza~ao poetica. Afinal, 0 poema e uma ''aventura de sUjeitos" (PAZ: 1998); e a ventura da palavra. 0 que um poema produz em tal receptor pode ser extremamente distinto do que produz em tal outro, principalmente em virtude d::l diferen~a de estado emocional em que se encontra seu respectivo universo. Vale a mesma considera~ao para 0 Eu IIrico e seus leitores potenciais. Alias, depois do contato entre dois uni(e/m)-versos em um texto, nao existe mais amalgamados EU IIrico e em um EU receptor; ambos irremediavelmente tornam-se NOS. E os ate entao sujeitos consubstanciam-se hlO imprevislveis quanto 0 poema. A palavra irrompe no mundo, e 0 propno mundo, este ou aquele que desejamos. Ela chega ate nos quando estamos dispostos, prestes a mudar, pois a palavra poetica nos al~a acima de nosso ego comum. Habitualmente dizemos tudo sempre da mesma maneira. 0 poetico vem abrir 0 ventre da palavra para revelar outras possibilidades de senti do, uma vez que a poesia transfigura realidades e metacomunica emo~oes. Segundo Emerson, 0 homem e apenas metade de si mesmo, a outra metade e sua expressao; dal, a importancia do poetico como elemento transfigurador de realidades. A linguagem impreenchlveis, poetica supre para alem da realidade. a carenCla E humana, preenche vazios embriaguez natural, diz Nietzsche; e Dionisio redivivo, e Apolo em desterro. Tal emprego da palavra, a emergencia de mundos que Ihe sao correlatos se chama Imagem. As imagens poeticas vivem de uma polpa sui generis. nao--Iugar onde f10rescem os frutos das Imagens geradoras a Imaginario e 0 lugarde Arte. a universo do Imaginario e uma especie de fuga estrategica, e a ideia angustiante da finitude humana e que empurra 0 ser humane em dire~ao do Imaginario. Urn escritor, urn artista propoe mundos originarios, produtos de sua imagina~ao. a verdadeiro receptor acha a porta de entrada - as Imagens. Porta sempre aberta, no entanto, a todos. A partir daf, inicia-se a grande aventura par entre as formas. Uma aventura sensorial que nao deixa de ser cognitiva: 0 poeta faz ver ao leitor, antes cego, a via c1arividente das Imagens. Vejamos 0 soneto XXVI de Via-Lactea: Quando cantas, minl7'alma, desprezando G involucra do corpo, ascende as belas Altas esferas de ouro/ e, acima delas, Guve arcanjos as dtaras pulsando. Corre 05 pa/sC'slonges, que revelas Ao som divino do leu canto: e, quando Baixas a voz, ela tambem, cl7orando, Desce, entre os claros grupos das estrelas. E expira a tua voz. Do para/50, A que subira ouvindo-te, ca/do, Fico a fitar-te palido, indeciso ... E enquanlo cismas, sorridente e casta, A teus pes, como um passaro ferido, Toda a minl7a alma tn3mula se arrasta ... , A partir do "canto", san criadas betas imagens nesse poema. A "alma" do eu Hrico se descola do "involucro do corpo" e passeia pelo espac;o, "ascende as belas / Altas esferas de ouro", enquanto se encanta com 0 que ouve. Findo o"canto", a "alma" desce das "estrelas" e, "passaro ferido", ser vencido, se ve no chao, pois que "se arrasta ...". "Sem duvida, Bilac e mestre em traduzir, num lance visual e concreto, as experiencias abstratas do mundo emotivo" (TEIXEIRA, 1997:29). Princfpio de vida, centro energetico, a alma e "0 sopro, com todos os seus derivados"(GHEERBRANT & CHEVALIER, 2000:31), a "Anima: princfpio da aspira~ao e expiraC;ao do ar" (Ibid). Sugerinclo-se espfrito, eave que simboliza as rela~oes I entre oceu e a terra, representa a leveza, a Iibera~ao do peso terrestre. Por sua vez, o canto, "e 0 sopro da criatura a responder ao sopro do criador" (Ibid: 176). E alem rf~ "as cftaras", "pulsando", representarem "uma rela~ao entre a terra eo ceu, como o vao do passaro ou 0 encantamento da musica" (Ibid:260), canto do universo" (Ibid). elas simbolizam "0 A melodia, entao, esta presente na constru~ao dos versos , bern cpmo nas imagens que estes evocam. Jean Burgos, na Poetica do Imaginario, "divide em diurno e noturno os regimes au dinamismos impulsianadores da mente e do comportamento artfstico e social" (apud JOACHIM, 1997:13). 0 Regime Diurno seria a materializa~ao de simbalos que resulta na ascensao, na verticalidade; ja 0 Notunlo se desdobra em dois aspectos: "0 regime mlstico ou a modalidade da eufemiza~ao ou da recusa e 0 regime sintetico ou a modalidade da reconcilia~ao" (Ibid: 16). Nesse soneto XXVI de "Via-Laetea", a imagem de vao e constantemente reiterada: "alma" - "ascende" - maneira circular, como 0 movimento giratorio da imensa cupula do universo. Essa imagem-movimento Regime Diurno, esta fortemente de ascensao e verticalidade, representada em "minh'alma, que representa 0 desprezando involucro do corpo, ascende as belas / Altas esferas de auro, e, acima delas Carre os palses longes [ ... J" , e e mais que I 0 [ ...] I movimento, eo voar etereo, tao desejado pelo eu IIrieo e conduzido pela melodiosa voz que canta. Imagem de passagem, proje~ao, esta~ao da alma. Par outro lado, as possibilidades face ao Destino, quando 0 ser que canta baixa "a voz" e a alma, "tambem, chorando, I Desee, entre a? c1aros grupos das estrelas", representam 0 passo para 0 Regime Noturno, ja que se da a recusa, a eutemiza~ao, representada pelas imagens digestivas, a descida: "Baixas a voz, ela tambem, chorando, I Desee, entre os clams grupos das estrelas". A partir daf, lfrieo experimenta 0 eu uma sensa~ao de pulveriza~ao daquela melodia e satre uma metamorfose: "caldo, I Fico a fitar-te palido, indeeiso ... ", ate chegar as imagens de passagem, enfraquecimento, redu~ao: "A teus pes, como um passaro ferido, I Toda a minha alma tremula se arrasta ... " Assim observa Joachim: "Ora, para Burgos [ ... J e tambem para nos, nao ha mensagens no espa~o do texto poetieo; existe apenas urn espa~o plural e aberto para urn sem numero de trajetos. No easo de vir se articular 0 encontro texto-Ieitor, surgira urn vetar orientado numa clire~ao especificada pela(s) constela~ao(5es) de imagens. Doravante se inicia uma genese, uma marcha para aquilo que ainda nao se sabe" (JOACHIM, 2). o poeta, entao, evoca as palavras para que estas deem sentido as coisas. E oreal se ve tao submisso ao Imaginario, que se admite pequeno, Infimo, diante do gigante simbolico: a Imagem. Uma simples coisa passa a ser a simples coisa mais 0 criou-se, ou melhor, recriou-se algo. 0 que as coisas novo do discurso poetico - querem dizer, 0 que elas querem evocar? 0 poeta dara voz(es) a essas coisas, com 0 poder que ele tem de evocar(se). A Imagem na poesia Iiberta a consciencia da finitude humana, mas, paradoxalmente, aprofunda essa finitude ao po-Ia em face do desejo de eternidade, tao entranhado no ser humano. Durand e Alquie acham a luta com 0 tempo, a angustia que disso decorre, a raiz mesma do ate de criar. A estrategia do Imaginario criador e ora dar as costas a morte, ora se opor frontalmente a ela, ora, ainda, se valeI' d~ um compromisso astucioso. A arte faz-se testemunha dessas manobras trifacetadas. Para Burgos, melhor Que compreender, e viver as Imagens. se levar POl' elas e aceitar que a Imagina<;;aodirija a razao. a Imagem, entretanto, E precise deixar- E saboroso nao encontrar reencontra-Ia; nao a conhecer, conquanto, reconhece-Ia. E essa compreensao permite-nos aclarar que 0 poema vem antes do intelecto e depois do emocional. Alem disso, e nftida a ideia de que metade do Imaginario do poema e do poeta. A outra metade, de quem 0 Ie, sente-o. E a partir dessa consciencia, este estudo pretende observar 0 Imaginario e1e Bilac e pennitir que se fluam pluri- interpr~ta<;;5es a que os textos selecionados sirvam, alem de ressaltar as outridades I bilaquianas, presentes nas relac;:5es intertextuais, na metacomunica<;;ao, na transfigura<;;ao e10real que a obra desse poeta evielencia. o poema transcenele 0 tempo. 0 poema e irredutfvel ao instante historico. Por isso, parece improcedente reduzir a produ<;;aode um artista ao recorte de um momenta e1esua existencia. Olavo Bilac paeleceu e1isso.Foi c1assificaelocomo um autor que apenas se preocupou com a fOrma poetica, como se esta fosse uma fria maquina de fazer versos. Essa c1assificac;aodemonstra pouca Ihaneza com a criac;ao poetica, ja que esta e Iiberdade e nao enjaulamento. A poesia , na verdade, "Niega a la historia: en su seno se resuelven todos 105 conflictos objetivos y el hombre adquiere al fin conciencia de ser algo mas que transito. Experiencia, sentimiento, emoci6n, intuici6n, pensamiento no-dirigido. Hija del azar; fruto del G3lculo. Arte de hablar en una forma superior; lenguaje primitlvo. Obediencia alas reglas; creaci6n de otras" ( PAZ, 1998: 13). Como negar em Olavo Bilac um universe avesso as vozes parnasianas, objetivas, em poemas assumidamente sensuais, er6ticos, romanticos, filosoficos? Na prodU<;;aobilaquiana, a mulher, POl' exemplo, ganha dimens5es romanticas e ate naturalistas, contrariando a visao da mulher c1assica no Parnasianismo, como podemos perceber nestes versos de Satania: Sobe cinge-Ihe a perna longamente; Sobe - e que volta sensual descreve Para abranger todo 0 quadri/! - prossegue, Lambe-Ihe 0 ventre, abra~a-Ihe a cintura, Morde-Ihe os bicos tumidos dos seios, Corre-Ihe a espadua, espia-Ihe 0 reconcavo Da axi/a, acende-Ihe 0 coral da boca E os seios dizem: '- Que sedentos Mbios, Que avidos Mbios sorverao 0 vinho Rubro, que temos nestas cheias ta~as? Para essa boca que esperamos, pulsa Nestas carnes 0 sangue, enche estas veias, E entesa e apruma estes rosados bicos... -' Nesse poema de SaKCis de.LQW assumidamente erotico, (Poesias,1888), 0 processo descritivo, ressalva lima intertextllaJidade par alusao com textos naturalistas, de um Alufsio Azevedo, POl' exemplo, quando da descri<;;aode Rita Baiana, em 0 Cortic;o (1890), aproximando poesia e prosa num mesmo perfodo hist6rico, em bora esteticamente diferente : . Ela saltou em meio da roda, com os bra<;os na cintura, rebolando as i1hargas e bamboleando a cabec;a, ora para a esquerda, ora para a direita, como numa sofreguidao de gozo carnal num requebrado luxurioso que a punha ofegante; ( ... ). Depois, como se voltasse Vida, soltava urn gemido prolongado, estalando as dedos no ar e vergando as pernas, descendo, subindo, sem nunca parar com as quadris, e em seguida sapateava, miudo e cerrado freneticamente, erguendo e abaixando osbra<.;os, que dobrava, ora urn, ora outro, sabre a nucar enquanto a carne Ihe fervia toda, fibra por fibra titilando. a Alguns detalhes desses textos sao atraentemente sugestivos. E 0 caso do movimento de circularidade que ha neles: "cinge-Ihe"; "volta"; "abranger"; "abrac;aIhe a cintura"; "os bicos tumidos dos seios"; "0 reconcavo / Da axila"; "boca", no primeiro trecho do poema Sat/mia. Ja no segundo, "seios"; "Iabios" (como metonfmia de boca); "tac;as"; "boca"; "bicos" (como metonfmia de seios). Quanto a descric;ao da Figura de Rita Baiana, "roda"; "cintura"; Esses drculos "rebolando"; "bamboleando"; "cabec;al!. que se notam na constrU<;ao dos textos podem representar a concepc.;aode volta ao comec;o, as origens, ao prindpio da vida. Tambem se fazem vel' interessantes os enjambements intencionalidade que, de uma certa forma, materializam a do verso, como em " ... e que volta sensual descreve / Para abranger todo 0 quadril" e em " ... espia-lhe 0 reconcavo / Da axila". A partir desses textos, podemos estabelecer relac;5es entre as imagens sensuais bilaquianas e as imagens sensuais azevedianas. Em Silac, tais imagens revelam um estado d'alma; a alegoria e a mulher, em toda sua plenitude. No caso de Alufsio Azevedo, evidenciam-se valores s6cio-historicos, numa' forte referencia as Teorias Cientificistas da segunda metade do seculo XIX, principalmente ao Determinismo de Taine. Alem disso, enquanto Aluisio Azevedo constroi 0 texto com as melodias fricativas das palavras, Bilac faz usa das oclusivas, 0 que lembra suor, a vontade de lamber - a sinestesia IUbrica, lasciva. "E lasciva e a musicalidade de seu verso, como lasciva e a luz que, 'tremendo, como a arfar, desliza' pelo corpo de Satania e, 'como uma vaga preguic.;osa e lenta"'(Ivan Junqueira, apud BUENO, 1997:63). Conquanto, se acaso houvesse um encaixe desses excertos de Satania com esse tretho de Q Cortt{;Q.,num simulacro, talvez nao fosse tao facil identificar qual foi escrito POl'Bilac equal 0 escrito POl'Alufsio Azevedo, no caso de os dois assumirem, ao mesmo tempo, a forma poetica ou a prosaica. Embora percebamos isso, e bastante claro que as intenc;5es dos autores sac distintas. 0 Naturalismo, como sfmbolo da Teoria Determinista de Taine - 0 homem e produto do meio -, chama a atenc;ao para 0 momenta hist6rico em que esta inserido. Agora 0 elemento POrtllgw3S [Jeronimo] esta sendo conquistado pela mulata sensual brasileira [Rita Baiana], grac.;as ao meio tropical em que convivem. Enquanto que em Bilac a abordagem tematica e inquietac;ao d'alma, resultante de uma atmosfera lubrica consubstanciadora da alcunha que 0 Poeta recebeu, porter sido "envolto numa fama de boemio e dissoluto" (fI>1ERQUIOR, 1996:170). , Para sentiI' e admiral' a obra bilaquiana, e necessario que 0 receptor se deixe levar pelo poder sugestivo de que se revestem as palavras, visite 0 centro, 0 centro de tudo, de onde se originam as "versimagens" de Olavo Bilac e em que tudo toma sentido: a poesia. Havera, entao, um (re)encontro que a I.uzinterior do poeta deseja refletir naquele que recebe, embora desvincule a quem recebe do mundo exterior. A ida ao Imaginario poetico proposta pela poesia sugere ao receptor nao tomar uma Imagem como objeto, menDs ainda como substituto do objeto, mas perceber-Ihe a realidade espedfica. Para tanto, deve relacionar 0 ato da consciencia criadora ao produto mais fugaz da consciencia: a Imagem poetica . . Talvez com Bilac a crftica tenha deixado de encontrar ou reencontrar a i erup<;;~oque as palavras podem assumir quando postas em atrito - 0 poetico, por haver yinculado-se insistentemente a posicionamentos polftico-ideologicos do homem em que habita 0 poeta, "aquele que trabalha fora de si" (PAl, 2001). A obra redime o homem. o ser do poeta parece 0 nosso ser, ja que naquele sentimos reflexos, repercussao de nossas angustias, de nossas vivencias, de uma interioridade nossa que e - no plano poetico -- do poeta. Essa liga<;;aoparece corresponder a um fen6meno que se da todas as vezes, embora repetidas e par si 50S diferentes, em que nos deixamos levar pelo poetico presente na existencia dos versos. Estes, POl' inumeras vezes, parecem-nos tao Intimos e tao espelhos de nos, que chegamos a nos vel' mais proximos do poeta, como se este nos conhecesse profundamente ou soubesse representar melhor 0 nosso mundo interno. Afinal, como diz Pessoa, o poeta e um fingidor Finge tao completamente Que chega a flngir que dor A dor que deveras sente. e No mundo imaginario, portanto, somos vizinhos do poeta, embora este conhe<;;ae reconhe<;;a as sendas dos caminhos que trilhamos; enos, receptores, admiramos-Ihe 0 trajeto e a capacidade de provocar, em nos, profundezas do ser, a partir das Imagens suscitadas e representadas no mundo que somos e no mundo em que vivemos. Para Gadamer, "a fum.;ao da Imagem e trazer nela mesma aquilo que representa, nao se anulando diante de sua fonte, mas tampouco a abolindo" (apud COSTA LIMA, Vol. 1, 1983:66), pois "so pelas Imagens 0 representado se torna propriamente figurado" (Ibid), ja que a Imagem nao se constitui uma copia, mas, ao contra rio, a inten<;ao de apresentar "a unidade original e nao a diferenciac;ao entre representac;ao e representado" (Ibid). Podemos dizer, assim, que as Imagens, na visao gadameriana, possibilitam ao elemento representado se tornar propriamente figurado. Nesse ponto de vista, a Imagem caracteriza-se por ser "a base da I especificidade da representac;ao na obra de arte" (Ibid). A ideia de representac;ao aqui nao e de algo anterior que deve ser refletido fielmente - isso cabe a copia - mas de algo que "se funde com esse anterior, concedendo-Ihe a figuratividade que nao possufa" (Ibid). Gadamer ve a Dessa maneira, podemos perceber mais e me/hor por que representc:J<;ao artfstica tanto como reconhecimento quanto descoberta, alem de essa representac;:ao fazer necessario 0 receptor, embora este eventua/mente nao esteja presente. Tais ideias representaram um grande subsfdio para a elaborac;ao da Teoria de Jauss. i ~rniverSiaf6eFeeml de~ernfm,uCO "'''' I ogr.m. de pOs-Gradua"a- l ,oem eiras Sabemos que a Parnasianismo tomou um posicionamento de oposic;;aoao Romantismo, eombatendo-Ihe eonsonaneias, colis5es. reestruturaram a lirismo exacerbado, Segundo Alberto as versos alexandrinos, de Oliveira, "imprimindo as cae6fatos, os poetas uma diferente ecos, parnasianos feic;;ao aos agrupamentos das suas 'unidades rftmieas, deslocando-Ihe as pausas e dando-Ihe nova e mais bela harmonia'." (apud JORGE, 1992:34), ja que 0 Romantismo, com seu earater revolucionario, buseava uma Iiberdade formal e estetica, admitindo mais valioso a derramamento sentimentalista que propriamente a composic;;ao textual. Com b passar do tempo, essa Iiberdade transformou-se numa reiterac;;ao que se desga!stou par demais nas chamadas gerac;;5esromantieas, e a poesia parnasiana pretendeu-se mais objetiva e buscou a contenc;;ao dos arroubos sentimentalistas romantieos. Nessa perspeetiva, Pmfissao de Fe e uma especie de plataforma teorica do Parnasianismo no Brasil. Sobre esse poema, uma importante equivocada tend€meia de se ler Pmflssao de observac;;ao e a de que ha uma Fe de maneira muito mais literal que propriamente literaria, a que provoea uma visao taeanha, parca, aeerca do universo poetico e do discurso que perpassam todo 0 texto. Assim, 0 poema passou a ser eonsiderado representante do imobilismo sentimental e sensorial em Bitac - uma busca pela falsa imparcialidade, por uma falsa frieza de fe metaffsica. Analisando essa eomposic;;ao bilaquiana, esereve Marisa Lajolo (1982): em Pmflssao de Fe, "a pretensa imparcialidade poetiea - de que 0 poeta, ao nfvel denotativo, faz alarde -- e eomprometida desde a infcio: a texto se abre com urn 'Nao quero' malcriadoe altivo". Longe de ser imparcial, passionalidade, emoc;;5es, envolvimento discurso eheio de entusiasmo, 0 0 eu IIrieo transborda total com aquilo que diz e pensa, num que se eonstata no intenso e representativo uso de exclamac;;5es, reticencias e adjetivos valorativos, elementos que denotam a estado emocional de um EU inflamado que fala em um determinado tfilxtO. Embora haja a defesa de um ideal parnasiano, a forma, os elementos que dao corpo as ideias atestam um envolvimento que contradiz a irnpassibilidade associada diretarnente aos preceitos parnasianos. Nao r,' lero 0 Zeus Capito/ino, Hercu/eo e be/o, Ta/har no marmore divino Com 0 camalte/o. Que oUiro - nao eu/ - a pecka corte Para, bruta( Erguer de Atene 0 a/livo potte Descomuna/. fllais que esse vu/to exiraordinario, Que assombra a vista, Seduz-me um /eve re/icario De fino artifita A influencia c1assica e rnuito eVidente, corn a referencia a elementos rnitologicos, como "Zeus", com 0 adjetivo valorativo "herculeo", a compara<;;:aocom a elegancia de "Atene". Soma-se a isso um material que constroi um ambiente de tradi<;;:aoc1assica, quando menciona 0 "marmore", POl' exernplo, relacionado a sugestivas palavras que dao um tom de valoriza<;ao de formas" contornos, de "fino artista" - "talhar", "carnartelo", "pedra", "porte", "relicario". A ideia de negar algo grande, "descomunal", para que se evidencie um "Ieve relicario I De fino artista" parece-nos, no caso dessa constru<;;:aobilaquiana, um recurso funcional para que 0 poetico se realize de maneira mais representativa. um espa<;;:o, embora sutil, aberto a uma intuic;:aoparadoxal no verSo "Que outro- Ha nao eu! - a pedra corte", pois a malcriada expressao "nao eu!" produz uma especie de 'corte' na constru<;;:aosintatico-semantica de tal verso. Isso pode evidenciar urn grande envolvimento de forma e conteLldo, misturados, mesclados, indissociaveis, pOI' fim. Nesse caminho, das "herclileas" imagens que "erguem" 0 texto, a que mais nos fica e se amplifica e a propria poesia. Cuidar do "belo" aqui, entao, nao pode corresponder a um menor valor, ja que a constru<;;:aoda "Profissao" de Bilac se faz e se remete a si mesma, numa especie de 'metafe' do fazer poetico. Observamos que ha, na verdade, um EU envolvido com 0 processo criativo, um EU metalingOfstico. Apos 0 advento da Semana de Arte Moderna, 0 que os i ardorosos crfticos rnodernistas charnavarn de culto excessivo a forma, submissao a regras nesse poem a, podemos correlacionar ao que se denornina Metaliteratura. Ern Profissffode F~ Bilac clemonstra urn desejo latente num poeta: clescobrir e habitar urn espac;;ono rnunclo, numa perspectiva clo clevir, numa especie de re-criac;;ao clo poetico que pulsa no poeta, Dentre as preciosiclacles rnetalicas que brilharn no poema, 0 ouro e 0 destaque, simbolizando a irnortalidade da poesia, ja que 0 ouro e luz, e 0 sfmbolo clo conhecimento: Invejo 0 ourives quando escrevo: Imito 0 amor Com que ele, em ouro, 0 alto relevo Faz de uma flor. Carre; desen17a,enfeita a imagem, A ideia veste: Cinge-ll7e ao corpo a ampla roupagem Azul-celeste. E, se morreres POI' ventura, Possa eu morrer Configo, e a mesma Iwife escura Nos envolver! , Mesmo que 0 poem a sugira que 0 poeta esta querendo fazer urna especie de exercfcio verbal, a exemplo de "Seduz-me urn leve relicario I De fino artista"; "Invejo o ourives quando escrevo"; "Corre; desenha, enfeita aimagem, I A ideia veste", trabalhando a palavra como urn ourives 0 faz em sua oficina, e, assim, manter 0 tal distanciamento, a propagacla impassibiliclacle, 0 que ha, realmente, e uma entrega a um Iirismo flagrantemente eivado de sensac;;5es.Alem disso, "0 discurso e exortativo, fulminante." (LAJOLO,1982: 152) porque a "Forma maiusculizada e duplamente serena" termina "assumindo 0 papel de ouvinte explfcito clo discurso", 0 que "acaba de vez com a serenidade do locutor." (Ibid). Ademais, e perceptlvel que habitam 0 poema, no mlnimo, duas faces em Bilac: uma evidente influencia dos parnasianos franceses - ecos de Theophile Gautier - e um forte tom ret6rico, bastante presente nos textos bilaquianos, quem sabe, reflexos do Bilac jornalista e empreendedor de campanhas. Lajolo (1982) faz, ainda, outro interessante comentario acerca desse poema: "Profissao de Fe e 0 vestibulo Entao, se se toma Proflssao de kitsch e parnasiano (ate certo ponto) de Panoplias". Fe como um poem a kitsch, por ser imediatista, com um carater sensacionalista, par deixar-se transparecer, pelo menos, como manifesto do Parnasianismo, em oposit;:ao ao movimento Romantismo -, que estava em vigencia - 0 esse texto de Olavo Bilac se posicionaria no mesmo patamar de outros manifestos _. aparentemente "kitsches" -, como e ° caso de POETICA, de Manuel Bandeira: Estou farto do /iri<ilTlOeomedido Do /itismo bem comportado Do /irismo func;onario pub/ieo com /ivro de ponto expediente protoc% e [manifestar;oes de aprer;o ao senhor diretor Estou farto do /irismo que para e vai averiguar no dieionario 0 cunha vemacu/o [de um vocabu/o Abaixo os puristas Como podemos observar, ° texto de Bandeira e uma especie de manifesto do Modernismo: ha Iiberdade de expressao, 0 ritmo e os versos sac Iivres, estes nao obedecem a nenhuma medida, praticamente nao ha rima, 0 vocabulario e simples, nao ha pontua<;;ao,0 autor prefere a ordem direta a inversa. Alem disso, nao se quer o "lirismo comedido" e "bem comportado", foge-se as regras forma is, desprezandose 0 verso "bem martelado". Ou ainda, num outro poema tambem de Bandeira, a mesma icJeiade manifesto do Modernismo: "Enfunando os papoS,Saem da penumbra, Aos pu/oS,- os sapos. A /uz os des/umbra. Em ronco que aterra, berra 0 sapo-boi." 'Mell pal foi guerra!' 'Nao foi." - '{-oil' - 'Nao foil' a i , o sapo-tanoeiror Pamasiano aguador Diz: - 'Meu cancioneiro E bem marte/ado. ( ..) Brada em assomo o sapo··tanoeiro: "_ .. )I grande ade d como Javor de joa/heiro. / Vemos, entao, que a crftica a poetas do Parnasianismo, identificados como "sapos", torna esse outro poema de Bandeira, enquanto representante das teorias moderristas, tambem/ kitsch; uma vez que percebemos, dentre outros elementos, a provavel referenda ao pai de Olavo Bilac, heroi na Guerra do Paraguai - "Meu pai foi a guerra!' I - 'Nao foil' - formalista de arte parnasiana - 'Foi!' - 'Nao foil" - presente, principalmente, em "parnasiano aguado" e a presen<.;ados versos "A grande arte e como lembram, sarcasticamente, , a ironia com a concep<.;ao versos de I Lavor de joalheiro", Profissao de que Fe. Numa outra 6tica, percebemos que Manuel Bandeira nao critica, nessas duas composl<.;oes poeticas, propriamente 0 Parnasianismo ao ponto de tentar 'demolir'esse movirnento. Bandeira, que teve uma forte influencia parnasiana em suas primeiras prodw;;6es, chama a atenc)io para 0 fate de que nao ha mais espa<.;o para 0 Parnasianismo, pais cre que este verteu-se em estetica-polftica, distanciandose bastante de ser uma manifesta<.;ao artfstica. 0 poeta pernambucano, profundo conhecedor das ideias das visitantes ao Monte Parnaso, nao condena exatamente 0 Parnasianismo, porque reconhece esse movimento Iiterario como uma estetica que contribuiu como parametro para 0 surgimento do Modernismo. Se 0 Parnasianismo nao, qual entao? A partir de 1882, com a publicac)lo das Fanfarras, "diminuto volume de estrofes redondilhadas, parnasiano" de versos hedonlsticos, (JORGE, 1992:33), de Teofilo Parnasianismo no Brasil. Dando prosseguimento mas de inconfundfvel Dias, inaugura-se, a estetica cunho oficialmente, 0 contida nessa obra, vem a publico as Sinfonias, de Raimundo Correia, em 1883, nas quais, segundo Machado de Assis, 0 autor demonstra "0 labor de um artista sincero e paciente" (Ibid); e depois, as MeridJon9is, de Alberto de Oliveira, ja em 1884, obra em que 0 autor abra<;;a0 ideario parnasiano ao qual se manteria fiel, tornando-se, segundo a crftica especializada, 0 mais ortodoxo de nossos parnasianos. Quanto ao volume Poesias, de Olavo Bilac, composto por Panoplias, Via-Lactea e Sar~as de Fogo, na edi<;;aooriginal, tem sua primeira edi<;;aono ano de 1888 e consolida Entao, Raimundo Correia, Alberto 0 Parnasianismo no Brasil. de Oliveira e Olavo Bilac formam 0 que, norma,lmente, chamamos de trindade parnasiana brasileira. Esse movimento Iiterario e comumente acusado de demonstrar, quase que apenas, um cego amor pelo estilo e uma ansia deperfectibilidade. E importante lembrar que "nem toclos os parnasianos revestiram os seus sonetos numa armadura de bronze, a semelhan<;;ade Heredia" (Ibid,:34) ou de Leconte de Lisle. "Nascido num pais tropical e possuinclo sangue latino, Bilac" (Ibid:35), por exemplo, "nao poderia ser um poeta frio, impasslvel" (Ibid). Embora Olavo Bilac demonstre, desde suas primeiras produ<;;5es,caracterfsticas bem representativas da estetica parnasiana, "ele denota, mesmo nos primeiros poemas, um grande extravasamento emotivo" (Ibid), como !poclemos ver neste terceto, extrafdo de Via-Lclctea.f do soneto XXXIII, em que ha uma retomacla de imagens bastante romanticas, como a de quem caminha perdido e se encontra no amor ou a do castfssimo beijo numa "pequenina maO'I: A.'i..<iim por largo tempo andei perdido: AM Que alegria ver de novo 0 ninl7o, ver-te, e beijar-te a pequenina mao! Sobre os sonetos de Via-Lclctea, Fernando Jorge (1992:84) faz, dentre muita5, uma observa()lo importante, quando comenta que se percebem, "nos aludidos 5onetos, a presenc;a de um asslduo leitor do5 poetas qUinhentistas e seiscentistas da lingua portuguesa". 15S0e bastante visfvel ao nos depararmos com poemas em que ha 0 usa muito forte de uma aliterac;ao sibilante, 0 que corrobora um ritmo angustiante no poema, ritmo reiterador da 5en5ac;aode algo que esta a se perder sem que haja 0 querer. 1550 e bastante presente na I(rica camoniana e denuncia um elemento platonico: 0 5enslvel x 0 inteliglvel. Vejamos: Quando a suprema dor muito me aperta, se digo que desejo esquec;mento, E forr;a que se faz ao pensamento, De que a vontade livre desconcerta. (soneto 26, apud PASSONI: 1991:46) Quantas vezes, em sonho, as asas da saudade So/to para oade estas, e fico de ti pertol Como, depo;s do son17o,Ii triste a rea/tdade/ Como lvdo, sem ti, fica depots deserto/ (son/w, Alma_lnQ1l1el-q) No Soneto 26, Carn5es platoniza 0 amor a partir do instante em que 0 transforma em pen5amento, favorecendo ao Eu IIrico, dessa forma, a condic;aode esquecer a suprema dor que 0 aflige atraves do entendimento, para distancia-Ia do consciente. Um similar posicionamento platonico encontramos no poema Sonho, no ! qual· Bilac permite ao Eu poetico, em sonho, a condil;;ao de ficar ao lado da mulher amada; entretanto, esse EU surpreende-se com a consciencia da imagem que Ihe causa dor: 0 bem de que 0 Eu Iirico carece esta distante, pois "depois do sonho, e triste a realidade!" Uma leitura mais minuciosa da obra bilaquiana nos faz perceber, por exemplo, que Bilac "em bora comungue, desde 0 inlcio, no credo parnasiano, ele denota, mesmo nos primeiros poemas, um grande extravasamento emotivo" (JORGE, 1992:35). Claro que 0 poeta fez uso de modelos, e e inegavel a influencia do c1assico; entretanto, Bilac transfigura os modelos, voa sozinho, pois, em seus £;ij Umversidade Federal de Pernambuco o l'rogrimi de P6s-G iQUi em letris - r yaO versos, "se a tecnica nao suplanta a inspirac;;:ao,pelo menos esta se coloca a altura daquela" (Ibid). Quando da publicac;;:aodo volume Poesias, a escritor Raul Pompeia escreveu um artigo no qual afirmava que Bilae nao era um poeta meramente parnasiano, ainda que Profissao de Fe quisesse dizer a contra ria. Para a autor de 0 AteneuJ Bilac 'tem a forma facil e a Inspirac;;:aoardente" (apud JORGE, 1992: 117), alem de nao apresentar a fria irnpassibilidade buscada pelos poetas parnasianos, em que se tOrturavam a concepc;;:aoe as imagens. Prosseguindo, Pompeia afirma que 0 ritmo dos versos de Bilac "e natural e variado" e que 0 Poeta, "na qualidade de manejador destro do ritmo, adota com felicidade todas as formas de metrificac;;:aoe de estrofe'! (Ibid). Quanto as imagens bilaquianas, Pompeia ainda acrescenta que "sao quase i sempre abstratas, enquanto as metMoras coneretas sac breves e precisas!' (Ibid). ,A produc;;:aopoetica de Bilac, inegavelmente, obedece a regras parnasianas, - Jloriza a correc;;:aoversificatoria, espelha uma forma polida e a maneira de um ourives: Quero que a estrofe cdstalina, Dobrada ao jeito Do ourives, saia da oficina Sem um defeito Entretanto, nao se trata de algo constante e unico, pois 0 poeta "nao busca, a diferen<;;a de Alberto de Oliveira, a expressao retoreida e diffeil" (MERQUIOR, 1996: 172), 0 que! dentre outras caracterlsticas, tornou 0 autor de "0 eac;;:adorde Esmeraldas" 0 mais popular dos parnasianos. Num concurso promovido pela revista Fon-Fon, foi eleito 0 Principe dos Poetas Brasileiros e homenageado "com uma das maiores manifestac;;:5esde consagrac;;:aoliteraria da nossa Historia" (Ibid: 171). Os versos de Bilac querem-se, geralmente, descritivos e objetivos. Mas, "Antes de tudo, ele eo poeta da carne, do prazer dos sentidos" (JORGE, 1992:181). Entretanto, e imposslvel negar que Bilae antecipa, canota uma atmosfera simbolista, revelada quando a realidade exterior se encontra com a inquietac;;:aointerior; quando, dada a inercia, a vontade de mudar se esbarra nas impossibilidades presentes na concretude da realidade cotidiana. Assim, "Bilac tambem foi simbolista. Por mais singular que possa parecer tal afirmativa, ela e verdadeira" (Ibid). Vejamos alguns versos do poema Milagre, do livro Sarca_sde Fogo: Anjo exilado das risonhas RegiiJes sagradas das alturas, Que passas pura, entre as impuras Humanas coleras medonhas! Trata-se de urn anjo que foi exilado do espac;o sagrado mas que, talvez por l sua propria condic)io eterea, simbologica, mantem-se puro, pelo menos diante da calera hurnana. Ha urna insinuar;ao de descida desse anjo (ser celestial) a terral 0 qual se ausenta de um ~Hnbiente feliz - "risonhas / Regioes sagradas" -e comer;a a envolver-se com urn universo mais material, a coneretude humana. Nesse quarteto, visualizamos a imagern de um anjo cafdo, 0 infcio da perda da aura de pureza. Estaria, entao, despregando-se da cara desse anjo, apos um atrito entre 0 ser e 0 parecer, uma mascara? Esse texto bilaquiano nos permite perceber algumas caracterfsticas simbolistas, como a elaborac;ao sonora do poema, presente na assonante repetir;ao do som vocalico "au ("exilado", "passas", "as", "impuras", "das", "risonhas", "sagradas", "das", "alturas", "humanas", "coleras", "medon has") ; a aliterar;ao em "Que passas puro, entre as impuras"; as imagens muito mais sugerem do que definem algo, numa valorizar;ao do intuitivo e da f1uidez do texto: "Anjo exilado das risonh<;ts/ Regioes sagracfas das alturas"; a compreensao do que esta ao redor do eu Ifrico decorre do que sua subjetividade pode captar: "as impuras / Humanas coleras medonhas!"; 0 poema interpretar;ao - e oferecido como um conjunto de significar;ao aberta, cuja quase nunca definitiva -- depende de uma cuidadosa e sensfvel leitura. Todos esses indicios constatam que Bilac, consciente ou inconscientemente, antecipou a estetica simbolista. Em seu ensaio "Bitae Versemakel', Junqueira se propoe a analisar "0 que Sitac fez, nao propriamente como it miglior, mas enquanto 0 competentfssimo fabbro que sJmpre foi" (apud BUENO, 1997:57). Nesse sentido, acentua que Bilac nos surpreende, ainda hoje, com sua insatisfal;;ao e constante repetil;;ao, com suas f6rmas' e formas, "sob as quais pulsava antes uma alma romantica do que um frio temperamento parnasiano" (Ibid), 0 que 0 distingue dos que apenas valorizaram 0 Monte Parnaso. Na verdade, 0 autor de 0 Ca@dor de Esmeraldas "foi parnasiano antes na intenl;;ao do que na emo~ao, a qual den uncia rafzes acima de tudo romanticas" (Ibid:59). Isso, segundo 0 ensafsta, justificaria a grande receptividade e prestlgio de que gozou Bitac junto ao publico, muito mais que a crftica. Entretanto, se a crftica atacou a poetica bitaquiana, reconheceu-Ihe a inegavel qualidade. Vale salientar que 0 posicionamento hostil a poesla de Sitac era por que esta "nao interessava em absoluto ao projeto modernista" (Ibid:60), e nao por consideraremno um mau poeta. Segundo Junqueira, Sitac deve ser lembrado como um grande exemplo de uma "atitude criativa e artesanal perante 0 verso, como versemaker e fabbro de uma arte que dominou com indiscutfvel rigor e tenaz aplica~ao, matizando-a com uma pureza e uma intensidade de emot;;ao de que nao foram capazes muitos de seus pares" (Ibid). o poeta explora as possibilidades internas da linguagem e faz do texto a extensao dessas possibilidades, que revestem cada palavra com a uniao fntima do significado e do senslvel. E 0 objeto poetico torna-se revelat;;ao do sob as palavras e nos faz vivenciar a beleza da obra de arte, beleza plena advinda das harmoniosas relat;;oesformais e significativas. a Pensamento fervet e e um turbilhao de lava: A Forma, fria e espessa, e um sepulcro de neve ... E a Palavra pesada abafa a Ideia leve, Que, perfume e c1arao, refulgia e voava. (Inania Verba) " e voava// e voa e voara dentro da Historia da Poesia brasileira, ja que, como constatam as estudiosos e biografos de Olavo Bilac, poucos poetas tiveram a proje<;;aoe a reconhecimento em vida que se encontra no caso do autor de ~LQ'::: Lacteg. Bilac dispos desse reconhecimento como poeta, jornalista, autor de textos infantis, propagandista, patriota, enfim, a homem que transcendeu a Literatura e gozou de uma imensa popularidade e prestfgio - em vida. 4. A RECEP(:AO A BIlAC: UMA POSSIVEl a FORTUNA CRITICA crftico Nestor Vftor escreveu, ern 1902, embora so tenha vindo a publico apen~s ern 1919 no volume A Crftica de Ontem., urn texto ern que analisa esse reconhecimento de que Bilac gozava, tanto por parte da crftica geral, tanto pelos leitores mais comuns como pelas elites: "Nao e a toa que uma sociedade, que um povo,que uma ra~a qualquer cria fe num tipo seu, apaixona-se por ele, e levanta-o. E que esse tipo de qualquer forma corresponde aos ideais da coletividade, de qualquer modo representa-a legitimamente. ( ...) [Bilac] eo nosso tipo representativo no que de mais normal possufmos, por for~a que a sua carreira se parecera com a que leve 0 pais" (apud BUENO, 1997:34-35). o texto de Nestor Vftor demonstra f entre outros aspectos, que a produ~ao bilaquiana evidencia 0 fato de que Bilac e um homem de visao, que deixa florescer suas possibilidades, dentre as quais, uma fun~ao ideologica, no tempo e no espa~o em que esta inserido. Isso deu legibilidade principalmente a a produ~ao de Bilac, ja que estava "Iigada manutenc;ao da ideia de capacidade de nosso povo e, assim, representa~ao que estavamos elaborando em rela~ao 1983: 17). a texto bilaquiano, dessa maneira, a a nossa realidade" (CARA, revelaria uma funcionalidade ideologica, na medida em que criaria a "imagem de um pafs culturalmente moderno a partir de uma produ~ao literaria consagrada por um modelo de legibilidade" (Ibid). FreqOentando sal5es, escolas, quarteis dos variados ,Estados brasileiros, Bilac, na condi~ao de conferencista, divulgava e legitimava valores nacionalistas, dentre os quais, "a defesa da lingua nacional, aquele instrumento que .ele dominava do avesso e do direito, de tras para diante" (LAJOLO, 1982:43). Amalgamados, "0 poeta e 0 jornalista defendiam sua materia-prima, a 'ultima flor do Lacio', metMora floral de multiplos significados ideologicos" (Ibid): Amo 0 teu vi~oagreste e 0 teu aroma De virgens selvas e de oceano largo! Amo-te, 6 rude e doloroso idioma (liNGUA PORIVGUESA, A palxao pela lingua demonstrada Tarde) par Bilac mais se assemelha ao comportamento de um homem completamente enamorado diante da mulher de sua vida. Nao ha duvidas de que Olavo Bilac viu brilhar em sua vida a luz do amor, e esse amor a acompanhou intensamente, em todos os sentidos, inclusive no uni-verso dvico. A declara~ao de ,amor que e 0 poema Lingua POItuguesa par si so confirma essa face bilaquiana. E imposslvel negar a influencia que Bilac representou para a seu tempo, ja que "ele fal a slntese de sua ciasse, de sua cidade, de seu grupo, das duas primeiras decadas da Republica Velha, do Rio de Janeiro dos idos de 1900" (LAJOLO, 1982:4344). Embora 0 Poeta tenha sido uma das vozes mais importantes de seu tempo, de sua gera~ao, "e curiosa, nesse sentido, observarmos quae pouco se conhece do indivlcluo Bilac" (Ibid). Mario de Andrade, por outro lado, sob a efervescencia do posiclonamento artlstico-estetico e politico de 22, tece alguns comentarios sobre Bilac e sua obra: "Considero Bllac um dos bons poetas brasllelros. Nao ha novidade nenhuma nisso? Ha. E que nao 0 considero dos maiores. Bilac entusiasmou-me; atrai-me ainda ... Nao me prende, porque raro me comove. Mas nao sei bem por que nao me comove. Talvez a excessiva perfei<;ao. Talvez. Acho mesmo que e isso." e "Por enquanto quero considerar Bilac como deputado da Beleza na terra do Brasil" (Apud BUENO, 1996:37). , Sem duvida, os idealizadores da Semana de Arte Moderna, buscando legitimar uma nova literatura, como todos nos sabemos, demonstraram um aparente horror ao passado, ao Parnasianismo e, por consequencia, a prodw;;:ao poetica de Olavo Bilac. Talvez 0 movimento parnasiano tenha sido, mesmo, um dos grandes motivos que impulsionaram a realiza<;ao da Semana, e com aquelas propor<;oes "demolidoras" buscadas pelos participantes. Mas, apesar disso, "A forma irreverente com que tratavamos 0 poeta maximo de sua gera<;ao era, para nos, os de 22, uma reverencia. DiscutHo era ama-Io. Era quere-Io integrado no nosso anseio de autonomia mental e no esplrito de revisao dos valores nacionais que postulavamos, pois levavamos em conta a seiva do seu estro, a for<;a do seu verbo, 0 Impeto passional dos seus poemas e sua mestria de artesao", escreveu Menotti Del Picchia, no prefacio ao livro Vida e Poesla de Olavo Bilac, de Fernando Jorge. Diante dos comentarios de Mario de Andrade, fica c1arlssimo que a paixao pela Poesia no autor de. Pauliceia Desvairada 0 faz perceber a necessaria e fremitosa vivencia do prazer estetico na obra bilaquiana, em bora Mario admita, aparentemente, nao se comover com os poemas de Bilac. Nesse sentido, como bem observa Janilto Andrade (2001:78), "0 nosso trajeto, levando-nos da experiencia prazerosa ao conhecimento sistematico da obra de arte, revela-nos que 0 'que se constroi por este caminho livre entre a faculdade de criar imagens e a compreensivoconceitual' (Gadamer, 1985:47, apud ANDRADE 2001:78) e 0 domfnio da beleza artfstica.". Mario de Andrade aliou, por conseguinte, em suas observa<;oesacerca da obra bilaquiana, 0 julgamento estetico com 0 julgamento crRico. E, pois, necessario que haja uma intersec;;:aodo intelecto e do amor pela arte para que 0 apreciador consiga perceber a Beleza; somente assim ele percebera a composic;;:aodos versos, por exemplo. E na emoc;;:aointelectual que reside 0 prazer estetico. Ao considerar Olavo Bilac "deputado da Beleza na terra do Brasil", Mario parece lidar, ainda, com a Estetica da Recepc;;:aoproposta por Jauss: "0 efeito estetico comp5e-se de dois fenomenos simu/taneos: a compreensao fruidora e a frui<;ao compreensiva. 0 prazer estetico conta de antemao com um componente intelectual" (1994:63, apud ANDRADE, 2001:79). Mario de Andrade parece ter realizado uma leitura de fruic;;:aoda obra bilaquiana, observando-Ihe, principalmente, o processo de criac;;:ao.E ao constatar-/he a Beleza, sugere-nqs que se validou a sensibilidade, as impressoes provocadas pelo texto, a subjetividade. Entao, embora destaque a forma - que para alguns se fez fOrma - Mario de Andrade nao deixa de levar-se pelo sensfvel, pela seduc;;:aoimpulsionada a partir dos poemas de Olavo Bilac, numa explfcita visita ao deleite e ao conhecimento da Poetica que Ihe habita, peremptoriamente despertada no momento em que se encontra com os versos bilaquianos. E "Quando devorei Tarde pela primeira vez, sei se me compreendem) diante deste5 versos: 0 meu pensamento parou estarrecido (nao Um comet a passava... Em luz, na penedia, Na elva, no inseto, em tudo uma alma reblill7avar" Enlregava-se ao sol a terra, como escravar" Ferviam sangue e seiva. Eo cometa fugia ... Asso/avam a terra a terremoto, a lava, A agua, 0 cic/one, a guelra, a fame, a epidemiar" Mas renascia a amor, a orgull7o revivia, Passavam re/igioes ... Eo comet a passava. E fugia, rir;ando a /gnea cauda flava ... Fenecia uma rar;ar"a so/id/Jo bra via Povoava-se oulra vez. E a comet a vo/tava... Escoava-se 0 trope/ das eraSr dia a diar" E tudo, desde a pedra ao 170mem,proc/amava A sua eternidade! EO comet a sorria ... Reli. Tornei a ler. Creio mesrno que treli. Qual! Nao compreendia! Que diabo! Olavo fizera simbolismo! Ou coisa que 0 valha? Nao podia ser! Reli. Qual! Nao entendia! Senti que me p~ava a minha alma parnasiana! Joguei-a fora. Eureca! Esplendor! Fecunda<;;ao!As palavras brllhavam COIllO vidas. As ideias palpitavam como profecias. (Ibid). , o alumbramento parece confirmar em Mario de Andrade, a partir da leitura desse poema, a compreensao fruidora e a frui~ao compreensiva. Afinal, ele confessa que Ihe "pesava a alma parnasiana" e decide joga-Ia "fora", ja que entra no mundo das sensa~oes e, ap6s varias leituras, constata: "Olavo fizera simbolismo!" E isso se da porque ha em 0 Cometa uma especie de nega~ao, renuncia ao meramente formal para que sobressaia a fugacidade do tempo, em favor do ritmo do devir. 0 "cometa" evoca associa~5es e situa~5es reveladoras de um lirismo exacerbado, a que contradiz a ideia de que Bilac representa, produz uma extrema submissao ao elemento formal. As palavras, nesse poema, Iibertam-se de uma estrutura sintatica ordenada, concreta, para assumirem-se sugestoes, "Esplendor! Fecunda~ao!" e estimularem a Imagina~ao a encontrar - sons, "Eureca!" - "As palavras" que brilham "como vidas." Portanto, Mario de Andrade, eivado pelas impressoes que a texto Ihe provoca, parece estar mais que atrafdo pela poesia de Bilac; na verdade, sugere que esta comovido. Oautor de 1'1acunafm-iLdeixatransparecer que sua leitura esta alem do aparente "exibicionismo metrico e vocabular", que taa insist~ntemente apontam na poesia bilaquiana. Em abril de 1892, Bilac e preso, acusado de participar ativamente de um movimento subversivo contra 0 entao dirigente do pais, 0 marechal Floriano Peixoto. Segundo 0 proprio poeta, em carta a um amigo: "[ ... J vivo ha quase quatro meses [ ... J Parado, e engordando insulado no meio do meu tedio monstruosamente. 6 paternal! 6 6 afetuoso! prodigiosamente, imensamente benigno governo, que me atribulas a alma, violando-me a correspondencia e cercando-me de vexames" (Apud JORGE, 1992:177). Apenas em agosto do mesmo ano, Floriano Peixoto concedeu anistia a todos aqueles acusados de promover movimentos subversivos. Em novembro do ana seguinte, Bilac foi exilar-se em Minas Gerais, pois 0 Marechal nao havia estendido 0 estado de sltio a terra Em tais circunstancias podera estar de Claudio Manuel da Costa. 0 nascedouro das imagens presentes no poema 0 COMETA. A prisao e 0 exllio de Bilac se deram nos anos de 1892 e 1893, resRectivamente, e a publica~o do volume TARDE, do qual faz parte essepoema, em 1919, apos a morte do Poeta. Talvez as relal;;oes entre esses problemas politicos de l3i1ac e as imagens poeticas presentes no poema possam parecer distantes temporalmente, mas imagens sempre se impregnam na alma de seres senslveis, a semelhan~a de um eco que nao se extingue, que insiste em dizer, em dizer. o prazer estetico em Bilac pode ter ido buscar inspiral;;ao para escrever 0 poem a 0 COMETA numa uniao entre 0 poetico e 0 politico, ja que tal poema relaciona construl;;ao e destrui<;ao, estado d'alma e exllio. representa~o metaforica da luz, da consciencia a ''cometa'' pode ser a presente em um homem desapontado, presQ por discordar de atitudes polltico-sociais que prejudicavam a sociedade a que pertencia. Diante de uma situa<;;aode inercia do homem, 0 poeta cria imagens que revelam a revolta existencial provocada por uma perseguil;;ao politica, num flagrante encontro da realidade com a fic<;;ao.Isso nos leva a crer, portanto, que Bilac nao viveu alheio a realidade social na qual estava inserido. A imagem do "cometa"suscita a ideia de passagem, de transcendencia do eu IIrico, que dicotomiza a pulsao de vida - constrtJl;;ao - e a pulsao de morte - destrui<;;ao,com um senso de justi<;;afigurado no desejo de mudar. Essa mudan<;;ae representada no ir e vir do "cometa'; revelada, por exemplo, no uso dos tempos verba is no preterito imperfeito, sugestao de aspecto durativo: "passava", "rebrilhava", "Entregava-se", "Ferviam", "fugia", "Assolavam", "renascia", "revivia", "Passavam", "Fenecia", "Povoava-se", "voltava", "Escoava-se", "proclamava", "sorria", E 0 "cometa" sorri no final do poema porque 0 eu Ifrico acredita que 0 marechal Floriano Peixoto passara, enquanto a plenitude democratica social e 0 clvismo permanecerao. "Eles passarao, eu passarinho", como tao belamente nos disse 0 poeta Mario Quintana, "Que diabo! Olavo fizera simbolismo! Ou coisa que 0 valha?". Mario de Andrade chama a aten<;ao para 0 universo simbolista presente nesse poema bilaquiano. Poderfamos dizer, entao, que as inquieta<;oes existenciais ocasionadas pela persegui<;ao do governo de Floriano Peixoto fizeram Bilac escrever um poema com elementos simbolistas. Tal posicionamento poetico bilaquiano antecipa, denota uma atmosfera simbolista quando a realidade exterior se encontra com a inquieta<.;ao interior. Literatura e transfigura<;ao, transforma<;ao. E 0 poeta nao precisou pegar em armas para transformar a realidade que 0 incomodava. Usou a palavra, poetica. Na ansia de querer mudar, de dar Iiberdade a conscil~ncia presa, Bilac extravasa intui<;6es simbolistas em 0 COMETA. Tal atitude poetica contrasta com 0 posicionamento do eu lIrico no poema, do mesmo volume Tard~, A UM POETA, no qual a prisao, oenclausuramento serve para transformar a realidade: Longe do esteril turbilhao da rua, Beneditino, escreve.! No aconchego Do Claustra, na paciencia e no sossega, Trabalha, e teima, e lima, e sorre, e sua.! De acord 0 com Jauss, 0 entendimento de uma obra suscita tres momentos: le,itura perceptiva, imediata - a compreensao; leitura refletida, reflexiva - interpreta<.;ao, e a leitura pesquisadora do horizonte hist6rico determinante genese e do efeito da obra - a da a aplicac;ao. A compreehsao, portanto, do universo poetico em 0 COMETA hOSe possfvel quando refletimos e associamos 0 horizonte historico de um fato da vida de Bilac aos efeitos que esse texto suscita em nos, leitores. Um outro estudo sobre 0 "Principe dos Poetas Brasileiros' que merece destaque eo de Manuel Sandeira: Ao contrario dos sells gloriosos companheiros, que tatearam com indecisao a cidadela da Forma, Bilac, ao estrear com seu volume P~5ias, aos vinte e tn§s anos, se apresentava no maior rigor da nova escola, e no entanto, corn uma f1uencia na linguagem e na metrica, uma sensualidade flor da pele, que 0 tornavam muito mais acessfvel ao grande publico ... 0 sucesso do livro foi irnediato." "Faleceu 0 poeta quando se imprimia a seu lJltimo Iivro, Tard~, uma cole~ao de sonetos tao diversos dos de Via Liktea, quanta urn triste crepusculo 0 e de uma manha de sol. A idade dos amores tinha passado, agora chegava a da reflexao ... E a hora dos remorsos, das saudades, mas tambem da resigna~ao e do apaziguamento ... Nota-se na forma desses sonetos uma involuc;ao para a rigidez parnasiana, para a l6gica da chave de ouro, para a solenidade vocabular. Desejarfamos menos clangor de metais nessa grave sinfonia da tarde.(apud AMOROSO LIMA, 1980:109). a Em sua crftica, Manuel Sandeira observa 0 fato de que, entre os poetas "que tatearam com indecisao a cidadela da Forma", ou seja, dentre os parnasianos, Sitac merece destaque porque faz uso de "uma fluencia na linguagem e na metrica, uma sensualidade a flor da pele, que 0 tornavam muito mais acessfvel ao grande publico". Quando se refere ao "clangor de metais", 0 poeta pernambucano destaca 0 trabalho com a sonoridade que, a seu ver, e bastante estridente nesse livro de Silac. Nao significa dizer que e uma musicalidade que se aproxima daquela buscada pelos simbolistas. Trata-se de algo mais forte, mais encorpado. Talvez essa sinfonia estridulante ocorra por deixar-se transparecer nos 98 sonetos mais uma preocupa<;;ao com a constru<;;aodo texto do que propriamente com uma inquieta<;ao amorosa do eu \frico, processo explicclvel, quem sabe, porque "A idade dos amores tinha passado, agora chegava a da reflexao ... E a hora dos remorsos, das saudades, mas tambem da resigna<;;aoe do apaziguamento ...". Mais preocupado em discutir temas que perpassam a retorica c1assica, Sitae dispensa maior aten<;;aoao verso alexandrino e it composi<;;aobem elaborada, valorizando, imensamente, a chave de ouro. Alem disso, no Iivro Igrde 0 leitor e arrastado para dentro do discurso, porque 0 eu Ifrieo mantem seu discurso direcionado a uma segunda pessoa, qualquer que seja ela, no momenta em que esta contempla os poemas ali presentes. Esse recurso provoca uma maior intimidade entre a voz que fala nos textos e a voz que fala dentro de quem Ie ou ouve. Embora haja um trabalho meis apurado com a forma, 0 usa frequente do alexandrino, uma dedica~ao malor ao processo da composi~ao poetica e uma aparente ausencia de inquieta~ao, "acham-se em Tarde alguns dos sonetos mais bem realizados de Bilac, consensualmente admirados: Lingua POituguesa, As Ondas, A um Poeta, Vila Ricci' (TEIXEIRA, 1997:48). Alem disso, esse Iivro e ''composto basicamente pelos poemas reflexivos de Bilac"(Ibid:47). sugestivo, por se tratar de suas ultimas produ~6es. 0 titulo Tarde e bastante a Poeta compara a sua velhice a luz de uma tarde de verao, dessas que 56 se veem em nasso firmamento E uma luz que nao quer morrer, uma luz que se agarra desesperadamente a tudo, e que [ ] loucamente se atira ao prazer, amanda e chorando, aproveitando com febre as derradeiros instantes da existencia: expelida das furnas, apega-se aas vales; recha<;ada das rechas, segura-se aos pfncaros das serras; espancada dos montes, pela noite que cresce, refugia-se nas nuvens; e ja a treva cobriu toda a terra, e ainda essa luz, recalcitrante e teimosa, tinge vagamente a ceu todo povoado de estrelas ... (Apud JORGE, 1992:305). No fundo do meu ser, our;o e suspeito Um pe/ago em suspiros e rajadas: Mill76er; de vivas a/mas sepu/tadas, Cidades submergidas no meu peito. As vezesr um torpor de aguas paradas ... Mas, de repenter um temporal desfeito: Festar agoniar jUbilor despeitor Clamor de sinos, retinlim de espadas, Prociss6es e motinsr g/6ria e /utor Choro e 170sana... TeNer de sangue novOr Fermentar;ao de um mundo agrestp p bruto .. E ha na esperanr;ar de que me COi, ,vor E na grita de duvidasr que escutor A incerteza e a a/vorada do meu povo! Em Caos, 0 eu Ifrico faz uma viagem ao amago do Ser, a um ventre-Iabirinto, ventre-mar, 0 "pfi!agor: Experimentar 0 que se sente, par vezes, pode ser expulsar 0 de-dentro; mas tambem, mirar, contemplar, dar-se conta das "Milh6es de vivas almas sepultadas, / Cldades submergidas"; "um torpor de aguas paradas ..."; "um , . tempOl)al desfeito"; "Festa, agonia, jubilo, despeito, I Clamor de sinos, retintim de a IEl'I espadas, novo, I I Procissoes e motins, gloria e luto, I UOIYersidade Federal de Pern.mbuco ~rograma de P6s·Graauayio em letras Choro e hosana ... Ferver de sangue Fermenta~ao de um mundo agreste e bruto ..."; "a incerteza e a alvorada". Diante disso, e possfvel ate que 0 de-fora, agora, nao seja mais 0 de-dentro de outrora, outra hora. Para a sustenta~ao do EU, a "esperan~a" e as "duvidas" num flagrante oxfmoro ~ levam 0 Homem a criar, inventar, transmutar-se, deixar-se conduzir pela possibilidade de alcan~ar a "alvorada". A exemplo de "esperan~a" e "duvidas","incerteza" e "alvorada" tambem assumem um carateI' de oxfmoro nesse a "incerteza", Caos bilaquiano. Afinal, contrapondo-se a "alvorada" vislumbra a ideia de vitoria, um esplendor apolfneo, presen~a do deus Sol. AJem do mais, ressoa, nesse texto de Bilac, mais que um ir para dentro, senao uma ida para 0 infinito que somos e temos, universo solicitado, cobrado POl'esse EU que se pluraliza e ganha a dimensao de "povo". o leitor, naturalmente, sabendo 0 significado de CAOs;. espera algo que reflita "grande desordem ou confusao'; num ritmo agitado, forte. Entretanto, tocaIhe algo mais leve, com perfodos longos, ora~oes intercaladas, varios adjuntos, 0 que torn a , 0 ritmo mais lento. Os termos "CAOS'~ ''l?AJADAS'~ "CIDADES'~ ''PEITO'~ "TEMPORAL'; ''FESTA'~ ''PROCISSOES'; "MOTINS'; "HOSANA'~ "FERMENTA(;AO" dao ideia, geralmente, de m'ovimento. POl' outro ''SUBMERGIDAS'~ "AGONIA '~ lado, "TORPOR'; ''ALVORADA" denotam, os "CLAMOR termos "PARADAS'~ tambem geralmente, Superpoem-sesemanticamente DE SINOS'; ''SUSPIROS'; ''LUTO'; "DUVIDAS'; ''l?ETINTIM'; "SEPULTADAS'; "INCERTEZA'; serenidade, um ritmo mais lento. no poem a os termos que refletem uma certa calmaria. POl'se tratar de um texto do infcio do secuJo XX, reflete-se af uma rela~ao desse: ritmo com a epoca em que foi produzido: embora um CAOs;. algo padronizado, mais calmo. Escandindo os versos do texto citado, temos 0 seguinte: No - fun - do - do -- meu - SER - au - <.;0 e - sus - PEl [to] 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Urn 1 pe 2 la - go ern 3 4 GUS - 5 PI - res - e - ra - JA [das] 6 7 8 9 10 Mi - Ihoes - de _.vi - vas - AL - mas - se 1 2 3 4 5 6 7 Ci - da - des - sub - met- - GI - das - no 1 2 3 4 5 6 7 _. pul - TA [das] 8 9 10 - meu - PEl [to] 8 9 10 a esquema rftmico desse quarteto e representado da seguinte maneira: E.R.: 10 (6- 10). au seja, os versos sao decassflabos, com acento na sexta sflaba. Tratase, portanto, de uma composi<;:aosimetrica. 1550, de uma certa forma, contra ria uma posslvel ideia inidal do leitor em pensar que 0 texto teria um ritma forte, alucinante, por se nomear Caos. Uma observa<;:aoimportante que se deve fazer em rela<;:aoao ritmo de um poem a eo fate de que nao devemos procurar sempre esquematizar esse ritmo, pois um poeta pode deixar ao leitor a chance de usar uma leveza acentual, de que dispoe o idioma. E, dessa forma, encontrar-se com a musicalidade das palavras. Como diz Verlaine, em sua Art poetique: A musica antes de qua/quer outra coisa E para isso prefira 0 impar Mais vago e mais so/uve/ no ar, Sem nada ne/e que pese Oll que pouse. Ressoarn-se, nesse poema, sutis sons - ''retintim'' de palavras - que nao podern passar desapercebidos na melodia que enche todo esse CADS de Bilac: No fundo do meu ser, ou~o e suspeito Um pt§lago em suspiros e rajadas - a repeti<;;aoda sllaba "do" e a alitera<;:aoda letra P podem insinuar uma ideia de rnovirnento para 0 interior, parece urna especie de'pancada' nesse "fundo do ... ser" ou as proprias "rajadas". Alem disso, 0 sorn de S, presente, tarnbern e sobretudo, ern "Cidades subrnergidas"; "As vezes"; "sinos"; "Procissoes"; "Choro e hosana ...", sussurrarn ao leitor uma sensa<;:aode transpasic;:ao. E flagrante, igualrnente, a assorl,ancia de 0 e de A. Tudo isso nos apresenta a parentesco sonoro corno recurso da linguagern poetica. Em "Clamor de sinos, retintim de espadas", por exemplo, a palavra "retintim" ganha urn valor onomatopaico que tanto serve ao sonido do "sino" como a pancada das "espadas". Numa rela<;:aoparalellstica, inclusive, a estrutura slntatica do ultimo terceto imprime um ritmo de prepara<;:aopara 0 ultimo verso - a tao famasa chave de ouro parnasiana; preparac,;aocorroborada pelo tom conclusivo assumido pragmaticamente pelo conector E: E IJa na espe!an~a, de que me comovo, E na grita de dtJvidas, que escuto, A incerteza e a alvorada do meu povo./ E possivel ao leitor perceber determinado ritmo em um poema por este apresentar-se organizado em versos, os quais estao agrupados em estrofes. Sem duvida alguma, a extensao de um verso esta intimamente associada ao processo ritmico, pela evidente correlac,;aoentre ritmo e metrica. o criterio pelo qual e estabelecida a extensao de um verso e a metrica. Utilizando-se 0 sistema silabico-acentual, conta-se 0 numero de sflabas dos versos; em seguida, verifica-se quais as sflabas fortes, tonicas ou acentuadas em cada verso. Tudo isso que diz a respeito de uma teoria Iiteraria e necessario, nao ha duvidas. Entretanto, poetico, el poetizar, originalmente nao pode ser esse apenas 0 olho que ve. Afinal, "el acto el decir del poeta [ ...] es un acto que no constituye, al menos, una interpretacion, sino una revelacion de nuestra condicion" (PAZ, 1998:148). Ao Homem que nao conhece ou pouco conhece a poesia, 0 poema e um elo com 0 mundo. Quanto aquele que e Intimo da poesia, 0 poema e um mundo. Areia movedil;;a, fio condutor, trilha, a Iinguagem poetica muda o ser humano, humanizando-o e harmonizando-o. Nos Manuais de Literatura, quanta a hoje, encontram-se inci~ientes informa<;;5es obra de Olavo Bilac, bem como ao proprio Parnasianismo. Uma simples observa<;;aonos faz constatar que quase todos repetem as mesmas informa<;;5ese as mesmos textos: Profissao de Fe, a soneto XIII de Via-Ljlctea, Lingua POItuguesa, qUi<;;aA Um Poeta. 0 conteudo desses poemas - exceto a soneto de Via-Lactea - e a referencia constante a eles tendenciosamente refor<;;ama ideia de que Bilac apenas trabalhou a aspecto formal, que e um poeta beletrista, escravo da forma/fOrma, que em seus textos "Nao ha mais poesia, / Mas ha artes poeticas ...", como diz Bandeira em Os Sapos. Dessa maneira, as nuances romanticas - au neo-rornanticas - e as simbolistas presentes em Via-Uktea quase passam despercebidas. Alem do mais, a cita<;;aoconstante daqueles poemas cria uma certa antipatia do leitor/estudante para com Bilac e a Parnasianismo e nao da, assim, a dimensao real do que representaram para a Literatura. Tal posicionamento estetico-polftico-pedagogico parece sugerir "Repetem-se hoje as estereotipos criados pela estrategia do combate modernista que ha mais de oitenta anos, como se essa fosse urna perspectiva absoluta." (TEIXEIRA, 1997:112-13). Das leituras atualizadas sabre Bilac, destacamos as de Marisa Lajolo, em Melhores Poemas de Olavo Bilac (1984); de Ivan Junqueira, no ensaio Bilac Versemaker, reeditado em Obra Reunida de Olavo Bila~ (1996); de Alexei Bueno, na introdu<;;ao a esse mesrno volume; de Antonio Dimas, na organiza<;;ao de Vossa Insolencia: cronicas de Olavo BilC:l~,para a serie Retratos do Brasil, e as de Ivan Teixeira, na organiza<;;aoe prefacio a Poesias I Olavo Bilac (1997). Na antologia organizada por Lajolo, destaca-se 0 Bilac Hrico-amoroso, ja que, segundo a organizadora, este retrata os "melhores poemas: aqueles pelos quais ele pode, sem desdouro, dialogar com a sensibilidade do publico contemporaneo e, de quebra, onde assomam alguns indfcios da supera~aa do figurino parnasiano e convencional que muitas vezes espartilha sua poesia." (LAJOLO, 2000:9) Para a autora, tais poemas sobrevivem nao porque a tematica do sentimento amoroso seja universal e transponha qualquer barreira, "mas porque Bilac era urn born poeta, como nao gostam de admitir crfticos engajados."(Ibid) , e, sobretuda, "por certos procedimentos modernos (au modernizantes, va la...) que, talvez, it propria revelia, Bilac praticou aqui e ali, de permeio a amadas e estrelas, e apesar da riqueza da rima e da exatidao do metro."(Ibid:9-10). A aprecia<;ao de Lajolo se refere, tambem, ao comportamento crftico que se tern rela<;ao it obra bilaquiana que, apesar de vastamente conhecida, a ponto de ter sido declamada nas ruas, nas festas, goza, hoje, de pouca aten<;ao. Mantem-se, ainda, a ideia de urn poeta escravo da forma/fOrma e i1ustre representante da estetica parnasiana no Brasil, 0 que fez de BHacuma especie de 'bode expiatorio dos modernistas de 22" (Ibid:9.). E uma leitura escravizantes teorico-metodoI6gicas, de frlJi<;ao, sem preocupa<;6es nos permite perceber que 0 estigma de urn I poeta apenas parnasiano se desvanece sob as multifaces dos Bilaques. Vejamos como se comporta 0 eu Ifrieo nesta composi<;ao poetica de Bilac: Dormes ... Mas que sussurro a umedecida Terra desperl-a? Que rumor enleva As estrelas, que no alto a Noite leva Presas, luzindo, tunica estendida? a Sao meus versos! Palpita a minl7a vida Neles, falenas que a saudade eleva De meu sei~ e que vao, rompendo a treva, Encl7er teus son17os,pomba adormecida! Dormes, com 05 seios nus, 170 lravesseiro Solto 0 cabelo negro:' .. e eNos, correndo, Doudejantes, sutis, teu corpo inteiro ... Beijam-te a boca tepida e macia, Sobem, descem, teu hi/ito sOlvendo ... POl'que surge tgo cedo a /uz do dia?! (Soneto XVIII, Via~L,kteg) Como ocorre freqOentemente na produc;;ao bilaquiana, 0 eu Hrico nesse soneto se dirige diretamente a um interlocutor, 0 que confirma aquela ideia de envolvimento com 0 leitor: "Dormes ..."; "Eneher teus sonhos"; "teu corpo inteiro ..."; "Beijam-te a boca"; "teu halito sorvendo", num ambiente sensualidade. De maneira bastante representativa, verdadeiro leito em que 0 eu Hrico deseja estar. E de intimidade os "seios" se constituem e no uma especie de cola generoso, espac;;oque expande dadivas que podem ser ao mesmo tempo sfmbolo de protec;;aoe sfmbolo de provocac;;aosexual; para um ou para outro, um espac;;ovivificador. Ademais, os cabelos negros podem refletir uma imagem de teia de aranha, na qual 0 poeta ambiciona enredar-se numa louca paixao. Ou ainda os cabelos podem ser 0 reflexo das maos sedentas, que querem estar no outro corpo, que querem encher-se do outro corpo, apalpar, apertar, sentir, esquentarem-se. Todo 'a luz do dia';a esse ambiente e dissolvido quando chega, muito ''cedo'; o razao. Iirismo intimista que Bilac revela, sobretudo, nos sonetos de "Via-Lactea N representa a visao de um amor iluminado, sob 0 brilho das estrelas e atrelado a abstrac;;6es. 0 eu Ifrico em Bilac ama de maneira intensa, entrega-se a paixao com uma sensualidade que realc;;a"formas, cores, texturas, sons, temperaturas, brilhos e movimentos que espreitarn 0 leitor a cada verso, dando concretude ao mundo criado" (LAJOLO, 200: 10): Beijam-te a boca tepida e macia, Sobem, descem, teu hi/ito sOlVendo... POl'que surge tgo cedo a /uz do dia?! l 0 interesse que a Ifrica de Bilac ainda desperta atualmente no leitor parece "residir na profunda plasticidade do universe que seus poemas constroem. Seu mundo, como 0 nosso de hoje, e um mundo de imagens" (Ibid). Alem disso, as imagens revelam sensualidade, erotismo, materializam numa imagetica Iibidinosa, lubrica: 0 amor e a mulher amada, Dorme~ com as seios nus, no travesseiro Saito a cabelo negro ... e ei-lo~ correndo, Doudejante.s, suti~ teu corpo inteiro ... "que, transbordando, erotiza todo a universo, mesmo aquele permeado de valores outros, mais peredveis" embora num alexandrino (Ibid). E a natureza se converte num cosmos lascivo, au decassflabo elegantes, em que a emo~ao, as sentimentos, as sensa(,;oesse metaforizam em "for(,;as encarnadas pelos elementos mais concretos da natureza" (Ibid: 11), e a lirismo exala-se "no c1ima nada platonico de uma sensualidade palpitante e palpavel" (Ibid). I i , Ainda nesse sentido, Lajolo comenta que essa dimensao sensual e sensorial contagia outros poemas, mesmo as nao amorosos. Em alguns textos de carater patriotico, historico, epico, "as imagens de posse e conquista da terra se constroem a partir de uma linguagem que feminiza a patria e a territorio, masculinizando 0 heroi conquistador" (Ibid). Sobre isso, escreveu Affonso Romano de Sant'Anna em sua analise a 0 Ca<;adorde E:smeralda~:"Substitui-se 0 objeto do desejo: ja nao e mais a mulher, simbolizando a interdi(,;ao do desejo erotica [ ...]. Agora este acresce-se de urn qualitativo a mais: alem de erotica e economico. 0 objeto nao e a mulher, mas a terra. E 0 sujeito que deseja nao e apenas a amante, mas 0 heroi nacional. Bilac vai privilegiar as imagens eroticas para narrar uma versao ideologica da historia" (Apud LAJOLO, 1984:11). "violador Alem do drama do bandeirante Fernao Dias Paes Leme, a de sertoes, plantador de cidades", numa evoca(,;ao epica, espraiam-se paixoes em imagens da natureza, da terra, que valem menos por sua descri(,;ao objetiva, e mais pela alegoria dos estados de espfrito e das sensac;oesque envolvem o heroi e a terra, amante e amada: E, no seio nutriz da natureza bruta, Resguardava a pudor teu verde corac;ao! AM Quem te vira assim, entre as selvas ,c;onhando, Quando a bandeira entrou pelo teu seiol quando Femao Dias Paes Leme invadiu a sertao! A feminilizac;ao da terra esta muito clara nesse trecho de 0 Cac;ador de Esmeraldas, principalmente quando a voz que fala no texto faz uma representativa referencia ao seio -- elemento bastante recorrente na produC;aopoetica bilaquiana. E tambem ao mencionar a imagem da bandeira entrando na terra, "quando / Fernao Dias Paes Leme invadiu 0 sertao". A partir daf, nao seria tao distante a ideia de uma relac;ao sexual, 0 que se acentua nas sugestoes de movimento para dentro presentes no texto: "entrou", "invadiu". 0 Iirismo amoroso bilaquiano e, pois, algo palpavel e realizado, pouco estelar e pouco distanciado, como podem sugerir, por exemplo, os sonetos de Via-Lactea. Na opiniao de Lajolo, "e essa concretude um dos elementos responsaveis por sua [do lirismo amoroso bilaquiano] sobrevivencia neste nosso final de seculo XX, de poucas estrelas e muitos satelites" (Ibid: 13). I Outro elemento de atualidade presente na produc;ao bilaquiana destacado por Lajolo e uma especie de coloquialismo e de oralidade, bem como de uma Intima relac;;aoestabelecida entre a voz que fala no texto eo leitar, na maiaria dos poemas. Claro que nao se trata do coloquialismo convencionalizado pela tradic;ao modernista, no qual se encontram modos cotidianos e infarmais da fala. Um poeta como Bilac, sabemos, empenhado em "recuperar 0 verso de um certo desalinho e descompasso a que algumas vertentes romanticas 0 tinham conduzido" (Ibid:14) e que faz uso de um lexico rebuscado, nao iria compor sua poesia de elementos lingiHsticos informais. . Nessa perspectiva, segue a autora, "coloquialismo e intimidade se I instaoram entre leiter e poeta [ ...]", par este mimetizar, em sua produ<;;ao,"situac;oes de dialogo: as vezes com a amada, presente em forma de vocativo; as vezes com 0 proprio leitor, alc;ado assim a condic;ao de confidente e interlocutor" (Ibid: 15). Essa participac;;ao ativa do receptor do texto e um importante ponto destacado par Jauss, na Estetica da Recepc;;ao.Allnal, essa Teoria possibilita ao leitor sair da passividade enquanto receptor de uma obra de arte, numa visao muito mais participativa, ja que oferece amplas possibilidades quanto a analise do papel de talleitor no momenta em que a comunicac;;ao e efetivada. Destacam-se af, portanto, 0 efeito produzido, a recepC;ao e a concretizac;;ao do sentido que se dao no contato entre 0 universo suscitado pelo texto e as experiencias e os conhecimentos internalizados em quem os recebe. "Com isso, para 0 interlocutor, a Ifrica amorosa bilaquiana reserva um espac;;oimportantfssimo muitas v€zes trazido ao texto pela presenc;;aexplfcita de um pronome da segunda pessoa" (Ibid). Talvez um dos melhares exemplos que possam ilustrar essas observac;;oes acerca do relacionamento entre 0 poeta e 0 interlocutor seja aquele famoso e antol6gico dialogo, em que Bilac explica e justifica suas conversas noturnas com as estrelas: Ora (direis) ouvir estrelas.! Certo Perdeste 0 senso.!" E eu vos direir 170 entanto, Q{j~ para ol/vi-Ias, muita vez desperto E abro as janelas, palido de espanto ... (Soneto XIII, Via-La~le_Cl) Ha nesse soneto uma mescla entre a discurso do Poeta e a discurso desse misteriosointerlocutor, numa atitude de concordancia ejou conivencia com a que e dito, a que denota uma profunda identifica~ao entre 0 leitor e a texto poetico. Em outros textos de sua Hrica amorosa, Bitac consubstancia uma interlocutora, uma figura de mulher, presente nas composi~5es poeticas como tema au metMora, alem de ser materializada "pela posi~ao de vocativo que ocupa, implkita ou explkita na segunda pessoa verbal"(Ibid: 16): OIho-te: cega ao meu olhar te fazes... Falo-te - e com que fogo a voz levanto! Em vao... Finges-te surda as minhas frases ... (Soneto XIX, Via-Ukteq) Pela intimidade estabelecida no texto, temos a impressao de um dialogo entre amante e amada. Par fim, Lajolo certifica-se de que essas nuances a respeito da Ifrica amorosa bilaquiana servem "para assegurar a Bilac a leitura prazerosa de leitores contemporaneos", por serem, no conjunto da obra, "elementos mais que suficientes [. ..] para que um seculo depois de sua estreia poetica, ainda haja razoes para se ler e se amar Bilac" (Ibid: 17). Em seu ensaio, Bueno (1997), inicialmente, destaca a imensa popularidade de qavo Bilac e 0 prestfgio de que 0 Poeta dlspunha. a ensafsta afirma: "Figura paradigmatica do Ifrico da nossa belle epoque, Bilac propiciava aos seus inumeros leitores 0 que para eles representava a propria qulntessencia da poesla, motlvo provavel de seu imenso prestfgio entre contemporaneos e da perda posterior desse prestlgio" (1997: 15). Prosseguindo em sua analise, 0 ensafsta diz que, reagindo ao desleixo tecnico dos romanticos, a hipertrofla formal do credo parnaslano ja propiciava terreno a essa queda de tons na poesia. Reducionista, a visao de Bueno nos faz desconflar de que ele nao consegulu perceber as multifaces ou 0 rico universe imagetico que se reah;;ana poetica bilaquiana. "Talvez seja mais atualler 0 Parnasianismo como se leem os demais estilos do passado, isto e, com relativismo hist6rico, nao em termos de adesao ou recusa estetlca" (TEIXEIRA, 1997:30-31). Comparando a prosa e a poesia infantil bilaquianas, Bueno faz referencia ao fato de que "e na obra poetica seria (sic) que encdntramos os processos tecnicos que representaram a max,ima estesia verbal para toda uma gera<;ao de leitores brasileiros" (BUENO, 1997:21). Num outro momenta de seu ensaio, Bueno aponta que "0 levantamento do ideario de Bilac revela uma das chaves de sua popularidade. Bilac representa, sem um momento de dissidencia, a 'senso comum', aquela sabedoria de todos e de ninguem que e 0 axioma e 0 gaze dos povos" (Ibid:19). marcante historicismo a autor ainda destaca um na obra bilaquiana, muito mais do que nos outros dols componentes da trfade parnasiana. Ora, "projetar no passado convicc;;5esadquiridas no presente pode gerar anacronismos incompatlveis com a boa inteligencia dos textos, alem de funcionar como armadilha para possfveis preconceitos" (TEIXEIRA, 1997:31). Ademais, 0 ensaio de Bueno parece estar utilizando como criterio, apenas, o gosto pessoal, desprezando, assim, de uma maneira geral, as contribuic;;5es artfsticas que a poesia de Olavo Bilac representam para a Literatura Brasileira. e Unlversldade Federal de Pernambuco 9 Program. d~ Pvs-GraOoa\io em le!r.s Apesar de neste trabalho nossas atem;5es estarem voltadas apenas para a poetica do autor de Q__ C~adQr dej;smeraldas, cremos valido e necessario 0 registra, embora brevfssimo, da pesquisa realizada pelo Professor Antonio Dimas acerca de um vasto material de Bilac em prosa. Num magnIfico resgate das cronicas bilaquianas, reunidas no volume Vossa Insoh~ncia, Dimas nos apresenta nao so 0 Bitac prosador - imensa e injustamente desconhecido -, senao um autor que "Nesses quase vinte anos de jornalisrno diario, muitas vezes espalhado por mais de um vefculo, sell posta privilegiada permitiu-Ihe llma visao angular da sociedade, cujas frinchas e reentrancias dificilmente escapavam ao seu olhar bisbithoteiro e nem sernpre certeiro. Ideologicamente irregulares como e de se esperar de quem nao se palltava por um credo unico, religioso ou politico, as cr6nicas de Bilac pouco atraem aqueles que precisam de posi<;5esalheias para confirmar as suas." Alem disso, segue Dimas, as cronicas revelam que Bitac era "uma figura contraditoria mesmo, rica, na medida em que nao poderfamos cataloga-Ia e, por isso de maneira esquematica sob pena de sermos injllstos e arbitrarios." Vejamos urn trecho da cr6nica "Antonio Conselheiro", de 11 de dezembro de 1896, para "A Bruxa": o Conselheiro e (dizem-no todos) um fanatico, um desequilibrado, um histerico. Em criam;a, tinha crises de epilepsia. Casou. A mae dele desandou logo a ter conflitos e bate-llnguas, e troca de insultos asperos com a nora. Entre as duas, Antonio Conselheiro penava, querendo em VaG reconcilicHas. Um dia, desesperado, foi-se velha: "Par que briga a senhora com minha mulher? Que Ihe fez ela? Por que nao a cleixa em pazi (DIMAS, 1996: 384). a Teixeira (1997) divide em sete topicos seu ensaio sobre Bilac. De infcio, observa as rela~5es entre "Bilac e os Modernistas", mencionando pontos em comum, embora bastante perifericos, entre 0 'Prfncipe dos Poetas' e Machado de Assis. Este "partilha de prindpios adotados por Bilac, tanto no verso (Ocidentais) quanta na prosa (Quincas Borba). 0 desejo de c1areza, concisao, harmonia, penetra~ao e simplicidade aproximam os dois escritores" (TEIXEIRA, 1997:10). Ambos foram consagrados em vida e muito criticados pelos modernistas de 22. Machado e atacado por Mario de Andrade e por Drummond, que Ihe creditam admira~ao, mas, por conta do excesso de tecnica, "empenllam-se em fixar sua importancia a historia" 0 mestre no passado, restringindo (Ibid: 11). Com Bilac, 0 ataque e mais intenso; aqueles dois Oswald de Andrade e Manuel Bandeira, dentre modernistas, os quais apontam a poesia bilaquiana um mero culto juntam-se outros jovens a forma, de um esteticismo desinteressante. Conquanto, Teixeira chama a aten~ao para 0 fato de que nao podemos repetir, hoje, 0 posicionamento daqueles autores, que tinham um objetivo bastante espedfico. Seus textos "eram 'manifestos', modalidade textual que necessariamente tem de combater a situa~ao dominante em favor de uma nova plataforma" (Ibid: 13). Alguns criticos e leitores da obra bilaquiana nao tem levado em considera~ao os aspectos teoricos e historicos dos modernistas. E isso pode inibir 0 nosso contato com Bilac e 0 Parnasianismo. De acordo com 0 estudo de Teixeira, "muito do melhor de Drummond seria impassivel sem Bilac. Veja-se Clam_En&ma, tao proximo dos procedimentos ret6ricos consagrados peJa pratica bilaquiana" (Ibid). Nessa obra, i Drummond apresenta poemas de grande per(cia formal, como A ingaia ciencia. Partinda dessa abordagem, 0 estudo que Teixeira faz da obra bilaquiana destaca 0 momento de "45 e Depois", no qual 0 ensaista afirma que "os pr6prios modernistas se incumbiram de reconsiderar criticamente a paesia parnasiana" (Ibid:14). Eo caso de Bandeira que, apesar da satira mordaz presente em Os Sapos e em POf2tica,tern sua fase inicial fortemente marcada por influencia parnasiana. E em seu estudo critico, a poeta pernambucano "emitejulzos favoraveis a Olavo Bilac, afirmando que 'Protlssao de Fe' [ ...] e tao bom quanto sua fonte de inspirac,;ao, 0 poema 'L }lIt; de The6phile Gautier" (Ibid). Mario de Andrade e Bandeira se confessam leitores arrebatados pelos sonetos de Via-La~:tea e por 0 Ca<.;:adorde I Esmeralda~. As restric,;oes dos dois poetas "dirigem-se sobretudo ao Iivro Tarde" (Ibid: 15). A chamada Gerac,;ao 45, de maneira polemica, reage a um "suposto afrouxamento do verso modernista" (Ibid) e propoe uma revalidac,;aodo rigor formal bilaquiano, das "formas fixas e dos versos metrificados dos parnasianos" (Ibid). Ha um "quase Neoparnasianismo" (Ibid). Temos como exemplos Ledo Ivo e Geir Campos, alem do inegavel Vinculo de Joao Cabral de Melo Neto "ao ressurgimento dessa poetica nos anos 40, 0 que se observa sobretudo em sua obsessao pe!a metrica regular e pela simetria das estrofes" (Ibid). Claro que Cabral, com sua originalidade, soube aproveitar a objetividade sem se confundir com ela. Com agudeza, Teixeira chama a atenc,;aopara 0 fato de que os dois poetas, Bilac e Cabral, apresentam "Olltro trac;:ocompositivo mais ou menos em comum: a produc,;aoem serie, ainda nao analisada pela crltica" (Ibid:16). Nas obras Quaderna e Serial, Cabral experimellta variac;5es em torno do mesmo tema, abordando ''aspectos diferentes de uma so topicaN(Ibid). No livro larde, Bilac faz a mesma experiencia, principalmente nos "conjuntos de poemas interligados pela explorac,;aode motivos de uma mesma area semantica, como a serie constitulda pelos sonetos: 0 Vale, As Montanhas., Os Rios, As Estrelas, As Nuvens e As OndasN (Ibid). Bilac ainda faz usa desse recurso no Iirismo epico de As-Y.iagens,em que aparecem sonetos em torno da "t6pica da aventura de povos ou indivfduos que se entregam aos extremos" (Ibid). Estaria ai, provavelmente, 0 embriao do procedimento cabralino. Essa semelhanc,;a merece um estudo mais aprofunclado, para que se investigue uma "possfve! forma mental" (Ibid) comum aos dois poetas. A "MultiplicidadeNbilaquiana tambem e destacada no ensaio, t6pico que se justifica como 0 momenta em que 0 ensafsta oferece, sobre a obra de Bilac, "uma divisao provis6ria, com prop6sitos didaticos: poemas de impassibilidade parnasiana, poemas de erotismo espetacular, poemas de lirismo intimista, poemas epicos e poemas reflexivos" (Ibid: 18). Dos "poemas da impassibilidade parnasiana", Teixeira destaca aqueles em _que Bilac esta mais preocupado com a beleza, plastiea, visual, numa flagrante absor~ao dos ideais da "arte completamente pela arte". Entretanto, tais poemas nao sac estaticos, e sim 'lima especie de eontemplar;ao ativa". Teixeira sugere que vejamos 0 soneto A Ronda Notuma, no qual 0 poeta "descreve, com objetividade de nouveau roman, um ambiente noturno dominado pela imobilidade; subito, surge 0 movimento de guarclas em seu ofleio de espreitar": Noite cerrada, tormentosa, escura, La fora. DOrine em trevas 0 con vento. Queda imoto 0 arvoredo. Nao fulgura Uma eslrela no lorvo firmamenlo. e Dentra tudo mudez. Ftebil murmura, De espa~o a espa~o, entanto, a vaz do venlo: E l7a um rasgar de sudarios pela altura, Passo de espectros pelo pavimento ... NasI de sllbito, as gonzos das pesadas POIt-aSt-angem... Ecoa surdamente Leve rumor de vozes abafadas. E, ao clarao de uma tampada tremente, Do claustra sob as tacit as arcadas Passa a ronda notuma, lentamente. No primeiro quarteto, ha uma n1tida sensa~ao de inereia, uma descri~ao aparentemente "eerrada", objetiva, que denota um universo estatieo, revelado nos termos "escura", "trevas", "imoto", alem de "mudez", no primeiro verso do segundo quarteto. Esse ambiente come<;;aa ser transformado de maneira sutil, ja que "Flebil murmura / [ ... ] a voz do vento: / E ha urn rasgar de sudarios pela altura, / Passu de espectros pelo pavimento ..." denotam suavidade de movimento. SUbitamente, 0 ambiente e modificacJo, pois "os gonzos das pesadas / Portas rangem ... e "Ecoa [ ...] / Leve rumor de vozes abafadas. / E [ ...] / Do c1austro [ ...] / Passa a ronda noturna, lentamente ... ". a que poderia ser a mera descri<;;:aode um pormenor desinteressante e inexpressivo do ambiente, ganha uma expressividade visual e auditiva. Atentemos, POl' exemplo, para a alitera<;ao de passos marcados com 0 fonema P no seguinte verso: "Passode sugestao movimento de distanciamento espectros pelo pavirnento ..." e a desses passos que as reticencias dos guardas, "em seu offcio de espreitar", provocam. 0 assume uma "brusca ~ Universidade Federal de Pernambuco if ~rO!r.mide Pos'Gridui~~Gemletr.! movimenta<;;ao" que "sauda a vida, que se imp5e contra a inercia da noite. Trata-se, essencialmente, de um poema que registra 0 momenta solene de um instante da vida exterior" (Ibid: 19). Contra essa descri<;;aode um momenta solene, insurgem-se os modernistas, valorizando 0 cotidiano, as "coisas miudas de todo dia" (Ibid:20). Conscientemente, Bilac "preferiu f1agrar a realidade a partir de arquetipos da tradi<;;ao c1assica" (Ibid:21); daf resllita "0 princlpio da impassibilidade", como os poemas '~ Sesta de Nero, 0 Ioo§/ldio de Roma e a Sonho de Marco Antonio, todos de Pan6plias'; 0 Iivro, par isso mesmo, "mais radicalmente parnasiano do autor" (Ibid:22) . .s.~n:;asde Fog.Qe 8llJliLlo.mliet.a seriam as duas obras em que ficam mais evideqtes os "poemas de erotisrno espetacular" na Ifrica bilaquiana. Essas obras "comp5em a face mais popular de Olavo Bilac" (Ibid:24). Ha descri<;;5esde mulheres nuas,em posi<;;5esbastante insinuantes, numa flagrante "expansao de desejos e fmpetos sexuais" (Ibid). Mas apesar desse universe lubrico, libidinoso, mantem-se a elegancia bilaquiana, fruto de um poeta que sabe jogar com sentidos, imagens, descri<;;5es,sugest5es, sons: { ..] Desata, como um veu, Sabre a tua nude? a cabeleira! Vamos! Arda em chamas a chao; rasguem-te a pele as ramos; Morda-te a COlPO0 sol; il1juriem-te 0.<;l1in1105; SUljam fera.e;a uivar de tados os caminhos" (A Alvorada do Amor- ,i\.JrniLl!lQ.uietClJ o amor illlminado - imagens de eshelas, luar e amplidao celeste - se revela nos "poemas de Iirismo intimista", nos quais a musa, "a um tempo mulher e santa, inunda-se de luz e musica das esferas" (Ibid:28). Nessa perspectiva, convencionou-se falar em "Iirismo estelar de Olavo Bilac" (Ibid), justamente por causa da popularidade de Via-Lactea: "Ora (direis) ouvir estrelas!" e um dos versos mais conhecidos do Poeta. Entretanto, nem todos os poemas de lirismo intimista bilaquianos estao presentes em Via"Lclctea; muitas dessas produ<;;5es estao em Sarcas de Fogo e em AlmilJnillJietQ. Alguns desses poemas "representam 0 que ha de mais persuasivo na poesia brasileira" (Ibid:32), como e 0 caso de Nel Mezzo Del Camin... (SanAs de FoQ,Q): E elf, solitalJo, volta a face, e tremor Venda 0 teu vulto que desaparece Na extrema curva do caminho extremo. Esse soneto de Bilac, de uma certa maneira, deixa transparecer sensualismo reprimido, sublimado em magoa e ressentimento". "um 1550 sugere a Teixeira observar que 0 Poeta "inspirou-se na tradi<;ao arcaica do Iirismo portugues para fugir da poesia social dos realistas e do Iirisllio sexualista dos primeiros baudelarianos brasileiros, dos anos 70-80" (Ibid). o ensaio menciona, ainda, mais uma rela<;ao da obra bilaquiana com a drummondiana: Nel Mez10 Del Camin... e No Meio do Caminho. Dessa vez, afirma que "a imita<;ao ironica de Drummond talvez seja mais conhecida do que sua matriz bilaquiana" (Ibid:36). No meio do caminho tinha uma pedra tinha lima pedra no melo do camlnho tinha lJma pedra no meio do caminho tinha uma pedra (Alguma Poesla, 1930) Claro que 0 poeta itabirano reproduziu, com ironia, apenas "0 esquema retorico de Bilac, que e a repeti<,;:aoinvertida do qUiasmo", e, propositadamente, incluiu a oralidade cotidiana tao a gosto dos modernistas, na troca do classico haver pelo usa coloquial do verbo tel: Indiscutivelmente consagrado pela produ<,;:aoHrico-amorosa, "Bitac sempre se preocupou com a ideia de compor um hino as glorias do passado nacional'l (lbid:38). E sua principal experiencia epica e, sem duvida, p Ca~ad9Lde Esmeraldas, no qual refulge um forte carater patriotico, na tematiza<;ao das "bandeiras do seculo XVII, que, em bllsca de riqllezas, alargaram as fronteiras do pais" (Ibid:39). Alem desse poema, Bilac produziu outros de carater epico, como Sagres, no qual celebra as navega<;6es lusitanas e comemora 0 quarto centenario da descoberta do caminho maritimo para as Indias, e 0 conjunto de sonetos intitulado As Viagens. Teixeira charna a aten<;ao para 0 fato de que 0 Ca(;ador de Esmeraldas apresenta urn "aspecto inovador na tradi<;ao epica brasileira, que eo minimalismo da epopela", ou sejal um "recorte rnetonfmico da historia colonial" (lbid:41); que se entenda aqui 0 termo minirna/ismo "como a busca do maximo atraves do mfnimo" (Ibid). Na visao do ensafsta, essClconcisao epopeica, 0 seu "/irismo epico'~ aproxima Olavo Bilac de Fernando Pessoa, 0 qual utiliza esse recurso na obra Mensagem (1934). 0 resultado das produc;oes dos dois poetas e distinta~ mesmo que persista num e noutro "0 ideal c1assico da sintaxe e da explora<;;aoretorica das t6picas da tradi<;;ao" (Ibid:42). A partir disso, Teixeira faz um levantamento de evidencias comprovadoras de que Pessoa leu, de fato, a obra bilaquiana, ja que "0 poeta brasileiro era muito estimado em Portugal", alem de que 0 nome de Bilac "constava da antologia como um classico do idioma" (Ibid). Para corroborar esse posslvel dialogo entre a cria<;;aopoetica em Pessoa e em Bilac, 0 ensaio menciona que 0 'I poemeto Sagres (1898) e sobre 0 Infante D. Henrique; 0 primelro poem a de Pessoa para 0 Iivro MenSfigem "foi escrito em 1913" e se trata de "D. Fernando, Infante de portugal" (Ibid:44), epoca em que 0 poeta portugues estava "envolvidocom a ideia de se irnpor como 0 segundo Carnoes, procurando urna teoria que 0 irnpulsionasse a urn novo projeto de epopeia nacional" (Ibid). Parece-nos valida fundamentar transcrever aqui as textos que Teixeira cita para a hipotese de que Bilac e Pessoa podern partilhar de uma mesma perspectiva nacionalista: so, fla tragica noite e no SIVOmedonho, Inquieto como 0 mar sentindo 0 corac;ao, Mais largo do que 0 mar sentido 0 proprio sonl7o, 56,. aferrando os pes sobre um penl7asco a pique, SOlvendo a ventania e espiando a escuridfJo, Quedar como um fantasmar 0 Infante Dom Henrique. (Sagres, est. II) Em seu trono entre 0 brill70 das esfera/i, Com seu manto de floite e soNdao, Tem aospes 0 mar novo e as mOltas erasUnico imperador que tem, deveras, o globo mundo em sua mao. (J\ll~ns1'lgell], 0 Infante D. Henrique) Ao analisar OS "poernas reflexivos" de Bilac, Teixeira afirma que, normalmente, atribuem-se ao Iivro Tarde, editado em 1919, apos a morte do poeta, caracterfsticas simbolistas, "nao 56 pela musicalidade, mas tambem pelas sugestoes cromaticas" (Ibid :46). Entretanto, e estamos de acordo com 0 ensafsta, 0 "lirismo estelar de Via-Laclea deve tel' influfdo na coneep(;ao da poesia evanescente e alvar do Simbolismo, sobretudo em BrQ!llL~ de Cruz e Sousa" (Ibid:47). Portanto, a antecipa(;ao de um ambiente simbolista na Ifrica bilaquiana se da sob 0 brilho e as evaneseeneias de Via- Lactea: Tu, mae sagrada! Vas tambem, formosas I/us6es' sonhos meus! leis par eta Como um banda de sombras vaporosas. (Sol/eta 1, 'iia-L~et~941888) Formas do Amor, cOl/ste/armente puras, De Vi/gens e de Santas vaporosas... Bd/hos errantes, madldas fresclJras E dotencia de //rios e de rosas... (Cruz e Sousa, Ant/mna, BIQQueis--, 1893) Na analise de Teixeira, 0 Iivro Tarde e uma obra "dominada POI' esquemas retorieos"(Ibid), recurso comum em Bilac. Entretanto, nessa obra, em muitos poemas, "os proeessos se dao mais a vel' do que os efeitos"(Ibid). Se nos Iivros anteriores Bilac conseguiu assimilar tan bem os recursos retorieos que eles passam uma visfvel naturalidade e ausencia de esquemas, na maioria dos sonetos de Tarde "a maq'uinaria retorica torna-se muito saliente"(Ibid). muito assoeiados a retorica as temas af abordados estao classica: "a velhice, a passagem do tempo, 0 sentido da solidariedade, a aproxima(;ao da motte, a resigna(;ao em faee da inexorabilidade da motte etc."(Ibid). 0 autor da analise acha que existe uma "impressao de eoisa for(;ada" (Ibid :48), impressao evidenciada pela "extensao meio lenta do verso alexandrino, muito freqUente em Ia[d~"(Ibid). A ultima produ~ao poetica de Bilac parece demonstrar que 0 Poeta, em sua maturidade artfstiea, eoncluiu que sem a dediea(;ao minueiosa ao trabalho nao ha um grande resultado estetico, que 0 verso bem pensado torna melhor a ideia viva. Ha, desse modo, em Tar9~, uma retomada daquelas influeneias parnasianas, embora sem a busca da quase inalcam,;:avelimpassibilidade total e da tematica c1assica. 5. LEITOR E IMAGEM: BILAQUIANA CLJ~1PlICIDADES VIVENCIADAS NA POETICA As rotas da imagina~ao criadora originam-se do modo como se enxerga 0 mundo. E 0 poeta nos conduz a irnagens, a sonhos, que representam a vida e sao rnotores de atos imensos. Ah~1l1disso, a cumplicidade gerada em cada leitura evidencia que 0 poema e uma especie de condi~ao de existencia, uma forma de agir frente ao viver, e nao apenas uma poesia escrita. Nessa rela~ao, de maneira alusiva, o poem a guia, adverte, inicia 0 leitor no conhecimento desse mundo (re)criado peJa imagina~aopoetica. Dessa maneira, 0 texto poetico absorve em sua forma 0 assunto de que trata, embora nao seja nunca 0 atestado restrito desse assunto, mas 0 campo de confluencia, sempre iminente, entre 0 que anuncia eo que e anunciado. a texto e uma produ~ao na qual componentes se juntam, se mesclam, se soltam, para que as palavras tenharn a Iiberdade de se renovar, de ser. E 05 sentidos da composi~ao poetica sao as indica~oes de procura, a forma, 0 espa~o estabelecido, o universo que 0 leitor se incumbira de eriar. A Hrica bilaquiana abre possibilidades para 0 horizonte de expectativas, principalmente pela intimidade estalJelecida nos sonetos de Via-L<3ctea,por exempJo, nos quais a intersubjetividade esquema mental e bastante evidente. 0 "sistema de referencias ou que um indivfduo hipotetico pode trazer a qualquer texto" (ZILBERMAN, 1989: 113) sugere-nos uma analise mais livre, fruto de uma leitura de frui~ao, dos poemas escolhidos. Nesse caminho, e pertinente aqui retomar que reconstruir 0 horizonte de expectativas, observar 0 que pode haver entre 0 leitor e a mensagern e uma das tarefas da Estetica da Recep~ao. A partir desses prindpios, perserutar a simbologia e seguir rotas do Imaginario e evidenciar os posslveis do texto poetico bilaquiano. :Na produ~ao bilaquiana, as imagens convidam a multifaces. Em busca disso, ou tent~ndo tangenciar esse universo, selecionamos algumas composi~5es poeticas de Bilac, esperando intuir uma posslvel rota para uma re-visao da obra desse poeta, 1 ern que 0 ratulo parnasiano se dilui completamente existentes em seu texto. na pluralidade de poetas Em mlm tambem, que desculdado vlste.r:;, Ellcalltado e aumelltalldo 0 proprio encanm Terels notado que outras cousas canto Mullo dlvelsas das que outrora ouvlstes. Mas amastes, sem dtJvida... Pottanto, Medltal nas tristezas que sentistes: Que eu, por mlm, nao conlJec;ocousas tdstes, Que malr:;aflijam, que torturem tanto. Quem ama Inventa as penas em que vlve: E, em /ugar de aca/mar as penas, antes Busca novo pesar com que as avlve. Pols sabel que e por isso que asslm ando: Que e dos /OllCOSsomente e dos amantes Na malor a/egria andar cl7orando. (Soneto VI - Via-l<ktea) Aos homens que conhecem as san;as de fogo e tem a alma inquieta, de vez em quando, a tristeza faz visita. Eleva consigo tons melancolicos. 0 eu Ifrico desse soneto faz vel' ao leitor que sensac;5es exteriores se misturam com 0 universo interior, ja que as impress5es da vida se refletem em estados d'alma, as quais sac captapas pela sensibilidade de cada indivfduo. Nesse soneto, 0 leitor e diretamente i interpelado pelo eu Ifrico, cumplicidade: "Pois sabei que 0 que provoca e por uma rela<,;ao de intimidade, de isso que assim ando". Nessa perspectiva, "A Ifrica amorosa bilaquiana reserva um espa<,;oimportantlssimo para 0 interlocutor, muitas vezes trazido ao texto pela presel1(;;aexplfcita de um pronome da segunda pessoa" (LAJOLO, 2000: 15). a fato de 0 poema relacionar amar a sofrer soa-nos como um Iirismo intimista romantico, no qual a impossibilidade de realizar 0 sonho imensamente desejado gera melancolia, anglistiar inquietude, desespero. 0 eu Ifrico, "Encantado e aumentando 0 proprio encanto", revela uma especie de metamorfose na conversao de sell estado de espfrito. "0 encantamento e lima redu<,;aoa lIm estagio inferior" (CIRLOT, 1984:222), lima forma de castigo, pois "Quem ama inventa as penas em que vive: / E, em lugar de acalmar as penas, antes / Busca novo pesar com que as avive". Esse processo valorativo do sofrimento revela as nuances romanticas nas multifaces bilaquianas. o poema convida 0 leitor a uma constata<,;ao paradoxal: e proprio dos "Ioucos" e dos "amantes" "Na maior alegria andar chorando". 0 ser "Iouco" e aquele que esta fora dos limites da razao; no poema, aparece numa equivah~ncia com 0 ser "amante", que tambem excede os limites da razao. Isso justificaria, entao, 0 usa e a funcionalidade do paradoxo no final do texto. o Iivro Tarde, como ja vimos, traz em seu bojo uma prodw;;ao reflexiva, de alguem que olha pela janela 0 clesenho e os tons clo sol se indo, para que chegue a noite, com seus sortilegios e seu brilho lunar - luz emprestada desse sol que quase se vai, ja que se faz presente POl' tras do cla'rao da lua. A passagem do tempo, pOltanto, trajeto entre a nascente e a foz que somos, pode tel' 0 ritmo das aguas de um ''ria'; que corre sempre, sempre para 0 mar. Estabelecida essa relac;ao, 0 ritmo do poema pode revelar a visao cle mundo de Bilac, como no texto abaixo: Nagoados, ao crepusculo dormente, Ora em rebojos galopantes, ora Em desmaios de pena e de demora, Rios, chorais amarguradamente, Desejais rC"'gressar ... Nas, leito em fora, Correr<;,.. E misturais pela corrente Um desejo e uma angustia, entre a nascente De onde vlndes, e a foz que vas devora. Sofrels da pressa, e,. a um tempo, da lembram;a ... Pois no 1/05S0 clamor, que a sombra invade,. No 1/0550 pranto, que no mar se lan<;a, Rios trist-est agita-se a ansiedade De lodos or:; que vivem de esperan<;a, De todos as que morrem de saudade ... (Os rios. Tarde) Esse poema permite ao leitor perceber que a variac;ao do acento poetico, das sflabas fortes e fracas, e ate mesmo dos acentos menos fortes sugere 0 movimento das aguas dos ''Rios'~ Assim, 0 ritmo clo poema de Bilac encontra-se numa correspondencia sintatico-sema ntico-melod ica. Em "Ora em rebojos galopantes, ora I Em desmaios de pena e de demora"; "Desejais regressar"; "Correis ... E misturais pela corrente ! Um desejo e uma angustia, entre a nascente ! De onde vindes, e a fOl que vos devora";"Sofreis da pressa/; "que a sombra invade"; "que no mar se lanc;a" e "a'gita-se a ansiedade" ha a nftida correspondencia semanticaentre 0 movimento das aguas e 0 sentido que essas palavras evocam; as palavras parecem transcorrer pelo poema. Alem disso, a sibilancia que corre por todo () texto e a presenc;a dos enjambements tambem correspondem a esse movimento. Os "rebojos galopantes" e os "desmaios de pena e de demora" san termoschave para a compreensao do soneto. A ideia que esses termos representam e retomada: a ''rebojo'; movimento circular das aguas do "rio", causado par redemoinhos ou sorvedouros, seria a ''desejo// e a "pressa// do eu lirico; e os ''desmaios// poderiam corresponder a "angustia'; ao tempo ''da /embranca'; duas constantes no poema. A pontua<;;ao no texto e extrema mente sugestiva: as retieeneias pareeem representar as aguas dos "Rios" - um ir de aguas. 0 usa das vfrgulas e mais que recurso sintatico; elas parecem traduzir 0 estado de espfrito ~o poeta e imprimem um ritmo bastante adequado ao sentido. Em "Sofreis da pressa, e, a um tempo, da lembranc;a...", a ideia de tempo e destacada pela virgulac;ao, pelo uso das reticencias e pela melodia sibilante dos termos "Sofreis", "pressa" e "Iembran<;;a", pois que essa melodia evoea uma ideia de distaneiamento temporal. Ademais, 0 usa do sinal de exclama<;;aono vocativo presente no antepenultimo verso - "Rios tristes!" - denota uma redobrada intensidade no estado emocional do eu !frieo. I No verso "Rios, chorais amarguradamente", 0 sufixo -mente que, segundo a gramatica, em geral, denota modo, ganha aqui um sentido de intensidade e extensao. Nessa feliz construc;:aobilaquiana, 0 choro parece ser mais amargo do que normalmente 0 e. Visual e numericamente (eontem tres palavras apenas), parece ser o verso rnais curto, embora seja clara a regularidade simetrica. Engano. 0 vocativo e o tom melancolico tornam esse verso, talvez, 0 mais duradouro, por ser, mais uma vez talvez, um dos mais dolorosarnente sentidos. Os sons sibilantes do texto, como ja vimos, denunciam um movimento de aguas, que VaGe vem, estao e sao. E uma especie de forc;:aimaginante que escava 0 ser. ~odemos dizer que e uma forma interna que se externa nos sons que as palavras evocam, aeasalando ritmos e rimas, imagem formal e imagem material: margens dos rios que enchem 0 ell lirico. A ernoc;:aoestetica disp5e de caminhos que ~: conduzem as palavras ao maximo que elas podem representar: de uma "nascente" a uma "foz que devora", de um autor a um leitor. Curiosamente, as rimas externas desse poema de Bilac correspondem a uma regularidade consoante, par apresentarem semelhanGa de consoantes e vogais; tal ocorrencia, inclusive, divide 0 poema: ~J!atte "dormente' "ora" "demora" "arnarguradamente" "fora" "corrente' "nascel1te" "devora" "Iernbr an~:a" "invade" "Ian~a" "ansiedade" \'esper am;a" "saudade" Sugere-se af, parece-nos, que estetica. 0 a intenGao sistema de rimas esta relacionado Isto e, as duas partes em que estao divididas as rimas poderiam representar, no imaginario formal, os dois lados do rio, as duas margens, por onde corre 0 eu Ifrico - 0 proprio rio. Uma cuidadosa leitura desse soneto de Bilac possibilita-nos absorver uma inunda.;;ao de relac;6es semanticas, figuras que se estendem da "nascente" "0 ria'; personificado, e 0 a "foz". interlocutor da voz poetica e permite criarem-se multiplas sugestoes: as aguas como espelho, reflexo do eu Hrico; sensaGao tactil, pranto que molha a pele e por ela transcorrencia/transcendencia escorre, "Ieito em fora"; a sensa<;;ao de do tempo, ora apressada - "rebojo galopante", ora lenta - "desmaios de pena e de demora", que evoca tanto a "esperanGa" quanto a "saudade". A partir dessas sugest5es, insinua-se-nos a imagem de mergulho interior, devaneio, reflexao. a ultimo terceto, momenta em que "0 riollja tem cl1egado ao "mar'; leva-nos a erer que estamos diante de ondas do mar, as quais morrem na praia, imagem presentifieada pela sonoridade da palavra ''saudade ll e pelas reticencias. Essa visao quanta ao ultimo terceto nos e posslvel pela utiliza~ao do paralelismo: "De todos os que vivem de esperanl;;a,/De todos os que morrem de saudade ...". A presen<;;:ada agua como metMora de um mergulho nesse lago nossomuitas vezes turvo - que e ode-dentro, reflete-se em todo 0 soneto: "Magoados"; Prosseguindo, ha outras associa<;;:oes que podem ser feitas, como a ideia de oposi<;;:ao entre os seguintes elementos: • "Ora em rebojos galopantes, ora" x "Em desmaios de pena e de demora" - percebemos aqui uma relac;ao antitetica quanta ao modo do percurso das aguas; • "Um desejo e uma angustia" - sob 0 sentido dessas palavras, sussurra- se uma antftese. Como as aguas correm, representa-se al a vontade de, 0 proprio "desejo". Entretanto, as aguas tambem lembram choro, lagrimas, sofrimento, "angustia"; • "a nascente/De onde vindes, e a foz que vos devora" - 0 comec;o e 0 fim, a origem e • 0 destino; "pressa" x "Iembranc;a" - 0 ir-se rapido e a correnteza do "rio"; as margens, as paragens, as vargens ficaram para tras, e so "Iembran~a"; • "De todos 05 que vivem de esperanc;a" x "De todos os que morrem de saudade ..." - a visao de que existe no ultimo terceto uma ocorrencia de oposi~ao e posslvel, como ja ressaltamos, pela ideia de que e 0 momenta no qual 0 rio ja tem chegado ao mar, e isso nos leva a crer que estamos diante de ondas, que van e vem, que mon-em na praia. A simbologia da agua que vem e a que foi, e isso refor<;;:a o rebojo do infinito - a foz e a nascente, repeti~ao de movimento pela repetic;ao da mesma estrutura sintatica, l1um flagrante paralelismo. No poema "Os rios', 0 uso do para,lelismo fUl1ciona como recurso de progressao textual e resvala a ideia do i "rebbjo", 0 ir e vir intencional do eu IIrico. . I A aproximac;ao dos opostos no texto de Bilac reforc;a a representa~ao metaforica da agua: imagern que reflete, a agua espelha 0 lado oposto. Os opostos seriam 0 reflexo do interior e do exterior da voz poetica. Segundo Bachelard (1998), "e posslvel estabelecer, no reino da imaginac;ao, uma lei dos quatro elementos", que c1assifica as diversas imagina<;;:oesmateriais conforme elas se associem ,10 fogo, ao ar, a agua Oll a terra". E, se e verdade, como acreditamos, que toda poetica cleve receber componentes - por fracos Que sejam de essencia material, e aincla essa c1assificac;ao pelos elementos materia is fundamentais Que deve aliar mais fortemente as almas poeticas. Essa "lei dos Quatm elementos" vislumbra a necessidade de se observar analiticamente as estruturas de cada elemento, desde a origem ate a significa<;ao assumida por eles. Assim, de infcio, cada elemento e ele mesmo, isento de uma i rela<;ao; depois, ele funde a sua realidade material a uma realidade indireta, numa ,relac;ao em Que submergem sentidos. Finalmente, os elementos se acharao numa rela<;ao simbolica, por encontrarem uma correspondencia de sentidos, um desdobramento de significac;5es. Dessa maneira, percebemos mais claramente Que "As imagens poeticas tem, tambem elas, uma materia." e que a observa<;;ao das "rela<;;oes da causalidade material com a causalidade formal" permite um contato mais intrfnseco com a imagina<;;aohumana, com a cria<;;aopoetica, artfstica. Nessa perspectiva, vejamos 0 proximo texto: F-alava 0 sol. Dizia: ''Acordal Que alegria Pelos ridentes ceus se espalha agora! Foge a neb/ina fria ... Pedete a luz do dia, Pedem-te as chamas e 0 sorrir da aurora!" Dlzla a rio, chela De amo/~ abrindo 0 seio: "Quem abl'at;ar-te as formas pl'imorosas! Vem IUr que embalde veio 0501: somente anseio Por tell .cO/po, formosa entre as formosa~!" (JuenHe inteiramente Nua! quemr lremenle, Cingir de beijos tuas rOseaspomasr Cobtir teu cO/po ardente, E na agua transparente Guardar teus vivo~ sensuals aromas!" E pmsseguia 0 vento: "Escur-a0 meu lamento! Veml nao quem a fvlhagem perfumada; Com a flor nao me contento! Mais alto 0 meu intenlv: Quem embalar-te a coma desnastradar e Tudo a exipia ... Entantq A/quem, oell/lo a um canto ja/dim, a chorar, dizia: "0 bela! lei te nao pero tanto: Secara-se 0 meu pranto Se visse a t{fa sombra na jane/a!" Do (S_(m;;g_Ld_!~_IQgQ) Nesse poema, Bilac parte dos quatro elementos materiais: fogo, agua, ar e terra (ordem presente na cornposic)lo bilaquiana), para descrever 0 estado emo<;:ionaldo eu /frieo. I , Na primeira estrofe, fgnea, 0 fogo e um e 0 elemento FOGO que arde no eu Ifrico. De maneira irnpulso de vida, um farfalhar fero de fafscas flamejantes que ferem 0 frio e 0 fazem fugir, fulgindo 0 fulgor da fecundidade. Associado it libido e it fecundiclade, 0 elemento fogo (~ urn sfmbolo de transformac;ao, procede do sol, representa a luz, numa luta contra as trevas. Ademais, 0 fogo, para alimentar-se, necessita consumir vidas alheias; insinua 0 desejo de destruir 0 tempo e levar tudo a seu final. Associado it luz, a c1aridade, encontra ressonancia no "acordar" (despertar), na "alegria", no "ridente", nas "chamas", no "sorrir", na "aurora". No primeiro verso do poema - "Fa lava 0 501." - 0 uso do ponto final sugere ao leitor a ideia do anuncio de alqo muito importante, imprime um tom cerimonioso, prenuncia um important{ssimo eOl11unicado.Eo e, pais que a "alegria I Pelos ridentes ceUS se espalha agora!" e "Foge a neblina fria ..." Essa "neblina" - algo FRIO parece representar trevas (l11ornentos de tristeza, angustias) pelas quais ha passado o eu Ifrieo, e a elemento fogo chega como uma luz que vence essas trevas. Destacamos 0 usa das reticeneias no final do verso, insinuando a imagem da propria fuga da "neblina fria". Chama-nos atenc;ao 0 usa do paralelismo nos dois ultimos versos da primeira estrofe: "Pede-te a luz do c1ia, I Pedem-te as chamas e 0 sorrir da auroral". A repetic;ao da rnesma estrutura sintatica, alem de funcionar como recurso de progressao textual, concede aos terrnos paralelfsticos 0 mesmo valor poetico e os faz coincidir semanticamente, pais que "a luz do dia", "as chamas" e 0 "sorrir da aurora" representam um sfmbolo de transfonnac;ao e de regenerac;ao: 0 proprio fogo. o texto poetico aciona uma linguagem geradora de sentidos. E 0 imagimlrio nos apresenta rotas que podemos e/ou devemos percorrer. E uma especie de for<;;a imaginante que escava 0 ser no texto, do texto e para 0 texto. Seguindo, entao, as rotas propostas por Durand, 0 "SUPLICAS" bilaquianas, com leitor se confronta, ainda nessa primeira estrofe das Regime Diw'no. Afinal, subjaz a essa composi<;;ao 0 poetica a ideia de luz resplandecente, de ascensao, uma conquista a movimenta<;;ao no espaco solar, referencia a inteligencia, ao conhecimento, aos mitos de Prometeu, de Apolo e de Minerva. Podemos, ainda, tomar 0 "sol" como a metonfmia de toda essa gama imaginante do Regime Diurno. Na segunda e na terceira estrofes do poema em questao, 0 eu Ifrico se inunda no elemento AGUA. I1imitadas e imortais, as aguas sao 0 princlpio e 0 fim de todas as coisas. Das aguas surge tudo imersao nas aguas pode significar 0 0 que e vivente, como do ventre da mae. "A retorno ao pre-formal, com seu duplo sentido de morte e dissolu<;;ao,mas tambem de renascimento e nova circula<;;ao,pois a imersao multiplica potencial 0 da vida" (CIRLOT, 1984). E um elemento transitorio, transcorrente, circular, de percurso, fecundador tambem. Sugere intimidade. E um tipo de destino. Alem de representarem 0 elemento mais feminino, as aguas simbolizam os desejos humanos mais escondidos, simples e simplificadores. Enquanto 0 elemento FOGO ~como se reftete na primeira estrofe ~ propoe 0 furor, a for<;;ahidrante abre 0 seio para aprofundar sentimentos; e, de maneira seminal, procura dar um impulso inesgotavel ao objeto de desejo do eu Ifrico. Isso e bastante perceptfvel na constru<;;ao do poema; por exemplo, em "Dizia 0 rio, cheio / De amor, abrindo 0 seio: Quero abrac;ar-te as formas primorosas!" e "somente anseio / Por teu corpo, formosa entre as formosas!" os enjambements, 0 o usa ~os dois pontos dao ideia de cOhtinuidade; usa das vfrgulas e, principalmente, 0 encadeamento dos versos sugere uma especie de escoamento, um vazar de aguas Ifricas; quanta as vfrgulas, parecem i representar a transcorrencia das aguas -' que nao cumprem uma passagem retilfnea - e buscam dart sintaticamente, a leveza ao hidrante. No que diz respeito aos doispontos, sao, parece-nos, a abertura dos possfveis, como um acesso, nas margens, ao amort e/ou 0 retirar a tampa de urn reservatorio cheio de energia. Fonologicamente, o som das aguas subjaz it sele<;:aosintatica: as sibilancias que sussurram um "chuechua". A imagem da agua se vi!. refletida tambem em otltras palavras, como uma inunda<.;:aosemantico-Ifrica, vazada nos vocabulos "rio", "cheio", "seio", "abra<;:ar-te". o elemento transitorio reflete-se em agua-ventre-rio-cheio, acolhedor-seio, num amplexo que deseja "Cobrir teu corpo ardente", - trazendo calma ao furor fecundo do fogo - "E na aQua transparente / Guardar teus vivos, sensuais aromas!" (numa suave sinestesia), agua--profunda, aquela que guarda em suas profundezas a agudeza de sentimentos. Como obselva Bachelard (2000), "uma Qota de aQua basta para erial' um mundo" e, com certeza, permitir uma profundidade. E 0 que vemos nesse texto poetico de Bilac. "E prosseguia 0 vento" ... e prossegue 0 eu Ifrico, agora, VENTO. De acordo com 0 Dicionario de Sfmbolos de CHEVALIER & GHEERBRANT(2000), 0 vento pode ser um sfmbolo de vaidade, e se caracteriza POI' uma agita<;:ao. Essa ideia de "vaidade" parece ser sugerida, sobretudo, em "Com a flor nao me contento! / Mais alto e 0 meu intento: I Quero embalar-te a coma desnastrada!". 0 elemento AR permite ao eu poetico al<;:arurn vao, e como um sopro na imagina<;:ao.Eo pontilhado que encerra a estrofe representa a passagem do vento: um sopro imaginario, viario para um outro estaQio. o fato de 0 elemento AR vir depois do elemento A.GUA pode sugerir 0 seguinte: aliado as nuvens, 0 , vento se encarregaria de conter as aQuas em que esta imerso 0 eu Ifrico, ademais, isso proporciona 0 fato de que apenas 0 AR tem direito a inflar 0 peito do eu poetico, embora conduza a uma concretu(1e. A ordem em que estao dispostos os elementos nao e, portanto, gratuita, parece uma rota necessaria ao estado emotivo-poetico--bilaquiano. Elemento feminino e passivo como a aQua, a TERRA aparece na ultima estrofe, fechando, assim, 0 elo entre os quatro elementos nessa composif;ao de Olavo Bilae. A terra e uma especie de mae, da a vida. Entretanto, toma-a de volta: "Do po vieste, ao po tornaras" (Genesis). E um elemento de fecundidade e regenera<;:ao, pois "Da it luz todos as seres, alimenta-os, depois recebe novamente I I.. . , deles () germe fecundo" (Esquilo, Ce6foras, 127-128). A terra precisa dos mortos para alimentar a si mesma, claf poclerrnos associcHa, tarnbern, a uma concepc;ao de melancolia, de sepulcro, de fugas, de tristeza. Essa proximidade com algo entristecedor pode, talvez, ser Ulna tomada de consciencia de que toda a alegria dos sentimentos que regozijaram a ser sao, apenas, fruto de fantasias que, agora, chegaram ao fim: "Ja te nao pe<;;otanto: I Secara-se 0 meu pranto I Se visse a tua sombra na janelal". Inclusive as palavras que cultivam a estrofe se aproximam de um ambiente pessimista: "Alguem" (claro que nesse determinado contexto), "oculto", "chorar", "Secara··se", "pranto", "sambra". Sintaticamente, tambem ha essa mesma proximidade com pessimismo, ja que as inversoes sintaticas podem simbolizar uma 0 ceha djficuldade de acessoao objetivo; alem do uso do condicional e do preteritomais-que-perfeito, sugestoes de submissao. A afirma<;;aoque aqui fazemos de que nessa ultima estrofe temos 0 elemento terra nao e s6 pela referencia ao local onde se encontra mas, principalmente, 0 eu Ifrico - num jardim - pelo que tal estrofe evoca do imaginario e que podemos relacionar, ainda sob a visao de Bachelard, quanta as diversas imagina<;;:oesmateriais da "lei dos quatm elementos". A constru<;ao sintatica dos dois ultimos versos atesta, confirma 0 elemento sepulcral, quando 0 ell poetico rnenciona primeiro 0 pranto, para refor<;;:ar,de maneira suplicante, 0 distanciamento/impossibilidade ceus", ao usaI' a conclic:ional sintaticamente, poeticamente da alegria pelos "ridentes que se transforma pragmatica e na irnpossibilidacle, na profunda tristeza do nao, da motte que 0 elemento TERRA pocle representar. E da terra ao DESTERRO la me nao amas? Basta.! Ire~ triste, e exilado Do meu primeiro amor para outro amor, sozinfJo... Adeus, came cfJeirosa.!A deus, primeiro ninl70 Do meu delkio.! A deus, belo corpo ador"ado.! Em it como num vale, adormeci deitado, No meu sonho de amor, em meio do caminho ... Beijo-te ainda uma ve.z;.nllnJ. ultimo calinho, Como quem vai sair da paMa desterrado ... Adeus, corpo genti" patria do meu desejo.! Ben;o em que se emplumou 0 meu ptimeiro id,7io, Tetra em que floresceu 0 meu primeiro beijo.! Adeus.! Esse outro amor ha de amargar-se tanto Como 0 plIo que se come entre estranl7os, no ex/7io, Amassado com reI e embebido de pranto ... (81JmUnq!Ji,eta) Sutilmente, leitor e poeta assumem uma rela<:;aode intimidade nesse soneto. Bilac, ern grande parte de sua Ifrica, estabelece 'situa<:;5esde dialogo: [ ... J corn a amada, [ ... ], corn 0 proprio interlocutor, ern cujos ouvidos sozinho" (LAJOLO, 2000: 15). E leitor, al<:;ado assim 0 0 a condi<:;ao de confidente e poeta desfia sua experiE~ncia.Bilac raramente fala torn confessional desses versos prende a aten<:;ao do leitor e gera, sem duvida, urn arnbiente de expectativas. Para a compreensao desse Desterro bilaquiano, elemento terra e sustenta<;ao, e fei<;ao maternal, e necessario sabermos que 0 "fonte do ser e protetora contra qualquer for<;a de destrui<;ao" (GHEERBRANT & CHEVALIER, 2000:879). E tambem fecundidacle, porque produz as formas vivas. 0 elemento terra pode ser tornado como "slrnbolo consciente" (Ibid) e tambem como "situa~ao de conflito" (Ibid). "E a arena dos confiitos da consciE2nciano ser humano" (Ibid). Tomando-o ern sua acepc;ao feminina, ventre-mae, 0 elernento terra e percebemos os sentimentos de angl'lstia, de fracasso; ern si 0 valor distanciamento I Ja aconchego no qual todos queremos estar. da 0 negac;ao. DES-TERRo, entao, de tudo aquilo que 0 elemento 0 seio, 0 colo, 0 no titulo do poema prefixo latino DES- comporta significaria terra, a perda ou 0 na acep<;ao feminina, • represe'nta. Eo exllio "Do [ ...] primeiro amor para outro amor, sOlinho ...", porque se encont~a "Como quem vai sail' da patria desterrado ... " Essa ideia de perda e uma constante nessa composi<;:aopoetica: "Irei, triste, e eXilado"; "Do meu prirneiro arnor para outro amor, sozinho ..."; "Adeus" (5 vezes mencionado, corno urn eco, aviso necessario que precede urna transforrna<:;ao); "nurn ultimo carinho"; "Como quem vai sail' da patl"ia desterrarJo ..."; "exllio". o primeiro "Adeus" dado e compreender que 0 a c1ima angustiante "carne cheirosa!". Isso possibilita ao leitor do poema "parece derivar do erotismo reprimido" ern Bilac, pois "os estados de depressao se acham ligados, as vezes, libido" (JORGE, 1992: 131). Afinal, a "carne" norrnalmente a e associada a imagens de "urn Sao Jeronimo a dilacerar a propria pele corn uma pedra, ou pela tenta<;ao de Santo Antonio" (GHEERBRANT& CHEVALIER, 2000: 187); e isso faz corn que a carne esteja relacionada a "uma forc;a diabolica que habita no COIVO do homem, 0 diabo no corpo" (Ibid). Munidos das informac;5es de que dispomos hoje quanta poeta, podemos "afinnar que boa quantidade a biografia do da poesia de Bilac tern carateI' autobiograFico" (JORGE, 1992: 131) e que "0 poeta insuflou nos seus versos muitos sentimentos reconditos"(lbid), basta lembrarmos a desilusao amorosa que foi 0 seu relacionamento com Amelia de Oliveira, a t'mica mulher que Bilac amou na vida e it qual teve de dizer "adeus", para sempre. Dando prossequimento a uma atmosfera erotizada, a despedida se'da ao "primeiro ninho / Do [ ... J dellrio!" e ao "belo corpo aclorado!". Alem cia doce ideJa de "ninho" como lugar puro onde se encontram os pombinhos enamorados, esse lugar pode ser tomado, tambem, como a alcova, recondito dos amantes, que vaG ao "delfrio" quando estao em conubio, no contato lascivode um "belo corpo adorado!". Ponto de convergencia, equivalente a uma passagem, "0 vale e uma c:avidade, um canal, para 0 qual necessariamente convergem as aguas vindas das alturas que 0 cercam" (GHEERBRANT & CHEVALIER, 2000:929). Diante dessa simbologia, os versos "Em ti, como num vale, adormeci deitado, INo meu sonho de amor, em meio clo caminho ..." se apresentam bastante sugestivos e com uma plasticidade erotica impetuosa. Embora haja eonstantemente um elima de extrema sensualidade, 0 que confirmaria eu \frieo nao se afasta dos sentimentos de angustia, de fracasso, 0 aquela ideia de que os estados de depressao podem estar associados it libido. A metaforizac,;ao da "patria" como elemento feminino, que ja foi observada por Affonso Romano de Sant'Anna, em seu estudo sobre 0 poema de fei<;;aoepica.Q {:£~(1dQLd~_E:smeraldas,pareee encontrar ressonancia aqui. Para Sant'Anna, nesse poema epico: "Bilac vai privilegiar as imagens eroticas para narrar uma versao ideologica da hist6ria" (apud LAJOLO, 2000:11-12); "0 objeto nao e a mulher, mas a terra. E 0 sujeito que cleseja nao e apenas 0 amante, mas 0 her6i nacional" (Ibid), afinal, "pOl' cletras de toda conquista" (Ibid) evidenciam-se "a pulsao, 0 instinto, 0 desejo que procura transgredir as interdic,;5es" (Ibid). metaforizac,;ao se confirrna com 0 primeiro terceto: No poema Desterro, essa "Adeus, corpo gentil, patria do meu desejo! / Berc,;oem que se emplumou 0 meu primeiro idflio, / Terra em que f10resceu 0 meu primeiro beijo!". Alem de tudo isso, 0 carateI' dvieo e nacionalista que ha em Bilac atesta 0 enor-me valor que a "patria" representa para 0 poeta. Sendo assim, 0 objeto de clesejo presente em Desteno revela uma importaneia incomensuravel para 0 eu IIrico quando comparada a "pcltria", par isso a teor angustiante do seguinte verso "Como quem vai sair da patria desterrado ..." e da ultima estrofe do poema. Todas as vezes em que 0 eu IIrico pronuncia 0 "adeus", ha a presenc;a de um elemento que funciona como vocativo. Na quinta e ultima vez em que 0 eu Ifrico se despede do ser amado, nao ha uso de vocativo, 0 que sugere a ideia de um "adeus" absoluto, sem volta. Eo momenta em que opoeta preve um angustiante e incomodo futuro, no qual 0 "outro amar" vai-lhe amargar "tanto I Como 0 pao que se come entre estranhos, no exflio", ja que "pao" e sfmbolo do alimento essencial - 0 amor -, e sera "Amassado com fel e embebido de pranto ...", tomando-se "fel" e "pranto" , como sfmbolos da elar. Sobre as poemas de imenso carater sensual, erotica de Bitac, Mario de Andrade disse que a 'Principe dos Poetas Brasileiros' foi "exfmio na pintura da pornocinematografia" belfssima metMara entretanto, (Apucl TEIXEIRA, 1997:25), observac;ao que revela "uma critica, de insinuante poder descritivo" (Ibid). Destaque-se, "a extrema pedcia construtiva desses textos" (Ibid), que evidencia "0 requinte compositivo" (Ibid) que "atinge pontos poucas vezes observados na lingua portuguesa" (Ibid). Ra/va a inc(india. A ruif~ sa/ta~, desconjuntadas, As mura/has de pecka, a espaC;aadarmecida De eca em eco acardanda ao medonho estampido, Como a um sopro fatal ra/am esface/adas. E os temp/os, os museus, 0 Cap/tolia erguida Em marmor fr/gio, 0 Forq as eretas arcadas Dos aquedutas, t"lldo as gafTas inflamadas Do ino3ndio cingemr tudo esbroa-se paltida. Longe, reverberanda a claraa purpurino, Ante em chamas a Tlbre e acende-se 0 horizonte ... Impas.c;/vel POrell7r no a/to do Pa/atino, Nero, com 0 manto grego ondeando ao omblo, assoma Entre os /ibeltas, e ebrio, engrin8/dada a fronte, Ula em pl/nIJo, ce/ebra a destruir;c70de Rama. (P-,;lllQPHg$ ) A utiliza(;ao de temas ~xtralclos da histeria e da mitoJogia greco-romanas que ocorre, principalrnente, em E.9JJQR-liQ_s caracteriza a busca de Bitac peJa impassibilidade de que fala a crftica especializada, mas tambem indica a atra<;ao pela Classicismo, pela harrnonia, pelo Belo. 0 controle da emo~ao, 0 objetivismo total, 0 gosto pelo descritivismo sac algumas das metas apregoadas dentro do Parnasianismo, metas quase nunca alcanc;adas, porque, em poesia, a impassibilidade e um mito. o Incendio de Roma e um poema revestido pela ideia de que a poesia deve ser pJastica, visual, sem preocupa~ao com ideias ou problemas, um exerdcio da fodna, uma capacidade de manobrar as palavras, para que elas traduzam um ideal de beleza. Sendo assim, evidencia-se aqui a perfil parnasiano da poesia bilaquiana. E quando Bilac procura "flagrar a realidade a partir de arquetipos da tradi<;ao c1assica" (TEIXEIRA, 1997: 21), destaca-se-1I1e "0 aspecto arqueoJegico de diversos poemas'; (Ibid), nos quais se aplica 0 i1userio prindpio da impassibilidade, 0 que ocorre com 0 Incendio de Roma, A Sesta de Nero e 0 Sonho de Marco Antonio, todos de Pan6plias. Nero, imperador romano, figura na Hist6ria como 0 tirano que mandou matar membros de sua propria familia e manteve rela~5es· incestuosas com sua mae. Enlouquecido, ordenou que Roma fosse incendiada. Na ultima estrofe desse soneto, Nero, artista, de "lira em punho", faz do terrfvel espetaeulo um motivo para compor e eriar. Percebemos, logo na primeira leitura, 0 trabalho dedicado a forma que ha nesses versos, principalmente no que diz respeito a lima especie de desconstru~ao sintatica, numa reiterativa utiliza<;ao de hiperbatos, para criar as imagens da desconstrU<;;aode Roma. Ademais, a musicalidade e outro recurso evidente: "De eco em eco acordando ao medonho estampido". 0 "eco" se materializa, com maior destaque, na for<;a aliterante do fonema "d" e nos fonemas nasais presentes em "dan", "donho" e "tam", as quais sugerem prolongamento do "ruir" d"As muralhas de pedra", que "rolam esfaceladas" e provocam 0 estollro, 0 "estampido". Nao apenas as ideias e a conteudo emocional constitllem a essencia e 0 valor de um texto poetico. A constru~ao do verso, de sua materia sonora e as quest5es Iing(.Hsticas sac indissoluveis e de igual importancia. Um bom ritmo mais que agrada aos ouvidos; evidencia 0 poder de sugestao das palavras, porque "el ritmo no es medida: es visi6n del mundo" (PAZ, 1998:59). Por outro lado, Bilac experimentou tambem a poesia. leve, bem humorada, ainda que parec;a estranho, raro. Vejamos: Mcolau, varao casado, Porem, de sorte mofina, Porque nao tem descendencia, Resolve, desesperado, II' ate a Pa/estina, Para faze,. penitencia, Parle, enceta a IOmalia fIn casa a esposa deixando Sozinl7a, nos tris(-es lares. E, piedoso dia a dia, Passa tres anos rezando Pe/os Sagradoc; Lugares. j Pede ao Sen/70r que consagre Pe/os gel7lidos que so/ta, ES."iedesejo que 0 abrasa; E efelua-se 0 mi/agre, Pois Nico/au, quando volta, Acl1c7 trds fi/l7os em casi'l. (apud JORGE, 1992:217) Tlpica poesia brejeira, simples, que revel a urn bom senso de humor, esse poema, por si 56, provoca no leitor habituado a um cantata corn a Iiteratura e as esteticas Iiterarias um l.itranhamento. Afinal, fomos e estamos acastumados a reconhecer em Bilac uma produ~ao que, no mlnimo, nos remeta a um estilo completarnente distante do apresentado nesse poema. De cunho extrernamente popular, inclusive no uso dos versos heptassilabicos, a redondilha maior medieval desprezada por conotac;5es classicas, esse poema de Silac atesta que "ainda sac desconhecidos, em grande parte, os seus versos espirituosos" (Ibid). o fim desse poema aned6tico e tragicomico. Enquanto 0 coitado do "Nicolau busca soluc;5es espirit:uais para sua "sorte mofina, / Porque nao tem descendencia lf lf , a esposa, que havia ficado "Sozinha, nos tristes lares", procura, para si, soluc;6es materia is. Destaca-se nesse poema um forte carater narrativo, inclusive de um fato prosaico, numa valoriza<;ao do cotidiano de pessoas simples. Esse perfil compositivo, somado ao humor, ao pitoresco, ao aned6tico faz lembrar caracterfsticas modernistas, principalmente da primeira fase, na qual Oswald de Andrade faz todo tipo de experimentalismo com as composi<;;5espoeticas, prlncipalmente com esse perfil menclonado. Claro esta que ha uma distancia consideravel entre essa prodw;;ao aned6tica de Bilac e 0 experimentalismo de Oswald. "Olavo sabia fazer versos bem- humorados e graciosos, versos que eram, pode-se concluir, conseqOencia de um espfrito ironico" (Ibid). Para confirmar essa face bilaquiana, acreditamos conveniente transcrever outra composi<;ao poetica dessa natureza: Fim do almoc;o. A loura Anita Comeu como um passarinl70 Ou como mor;a bonita ... Noll7ando os raNos no vinllO. 011105esparsos, medita ... Eo seio seu /10 corpinl70 Cath 'e preso palpita ... Oll7a sorrindo 0 vizinl7o. Diz este: - "N/io comeu nada! E sobremesa? QueI' queijo? Pudim? Frutas? Nartnelada?" '11que escoll7eres" - diz ela. E ele, entao, sem mais aquela, Depoe-/l7e 17aboca um beijo. (apud JORGE, 1992:247) e Domingo. Cl7ove. Como triste a cl7lJva! Como triste e monotono 0 dor17ingo! Out:;oa chuva cair de pingo em pingo ... AM Se cl7egasses, palida viuva! e Sonl7o que chegas; livro-te da capa; Todas as vestes umida.~ te arranco; Como de um ninl7o, 0 teu pezinho branco, Da bota, como um passaro, se escapa... Tremes de frio, entrec!Jocando as dentes ... Bategas de agua, tepidas, Iii fora Rufam nas pedras, encharcando a rua: E, dos meus Mbios tn3mulos, ardentes, Dutra c!Juva te cai, quente e sonora, ChI/va de beijos, sabre a espadua nua. (apud JORGE, 1992:203) 'Poema dedicado 'a uma viuva'" (Ibid), esse texto poe 0 leitor em contato com uma enxurrada de sensualidade. 0 eu Hrico, num universo "meio humorfstico, [ ...] nao ve sua musa em carne e osso" (Ibid:204), pois "sonha que ela chega ao ninho de amor" (Ibid), e essa ideia de sonho e refon;;ada pelo uso da condicional "se" I ! - "Ah! Se chegasses, palida viuva!". Nesse caso, 0 erotismo de Bilac "e puramente imaginativo" (Ibid). Mas a freqOeneia com que aparece sugere que esse compoltamento 0 erotismo na obra bilaquiana lascivo "talvez fosse conseqOencia de uma ideia fixa" (Ibid). "Alfred Adler, 0 fundador da Individualpsychologie, ja salientou Que as obsessoes se relacionam com os sentimentos de inferioridade. Freud acha que etas sac frutos da liberta<:;aodos instintos reprimidos. Seja como for, ha urn misterio na vida Intima de Olavo" (Ibid). Bilac amou de mpneira intensa Amelia de Oliveira, 0 Que podemos constatar em grande parte de seu Iirismo intimista. Mas, embora fosse homem comedido em suas atitudes, levou uma vida boemia, muito movimentada; por isso, a familia de Amelia proibiu 0 relacionamento amoroso dos dois. Esse rompimento inerusta uma amargura na alma de Bilae, eo poeta se fecha em si, em sua poesia e naquele arnor frllstrado, QlIardado ern seu Intimo. , Como a vida e a obra de urn poeta se interpenetram e se ref1etem a si e em si mesmas, Bilac, portanto, impregnou sua obra daquela sensa<:;aode nao-realizac;;:ao amorosa, dentre outros temas, e permitiu ao eu Iirico presente em suas composi<:;oes poeticas uma vivencia que 0 homem nao concretizou. Sendo assim, nao se pade falar que 0 poeta lIS0U lima fOrma na cria<:;aode sua obra. Apesar do taa comentada a e criticado cuidado formal, Bilac derramolJ em sua poesia sentimentos, sensac;;:oes, maneira dele, confirma<:;aoda slIbjetividade. A pontua<:;50 no primeiro verso desse soneto dedicado "a uma viuva" da a esse verso um forte carateI' narrativo: "Domingo. Chove.". Alem disso, tal ritmo cria expectativa no leitor e destaca essas duas palavras, dando-Ihes uma grande importancia dentro cia composic;ao poetica. "Domingo" representa para nos, quase sempre, a dia de descanso, 0 de nao fazer nada, por isso, fastidioso, entediante; e se e f3companhado de "chuva": "Como e triste e monotono 0 domingo!", dia ern que, I as vezes, apenas ouvirnos "a chuva cair de pingo ern pingo.~.", desejamos, entao, que algo ocorra, para nos tirar desse ostracismo. A chuva pode ser considerada esperma au semente, por ser sfmbolo de fertilizaC;ao. Essa concepc;ao esta diretamente relacionada ao universo erotica do poema, 0 que "revela a grande perturbac;ao que a carne feminina causa ern Bilac" (Ibid). Ambientado no sonho, que "nos aparece como a expressao mais secreta e mais impudica de nos mesmos" (GHEERBRANT& CHEVALIER, 2000:844), 0 desejo de extrema fagosidade que ha no eu poetico contrasta corn a frialdade da "chuva". Esse desejo faz as maos do poeta Iivrar a "viuva" "cia capa" e arrancar ''todas as vestes umidas", em busca cia lasdvia carnal que lateja no toque da pele. 0 emprego das formas verbais "livro-" e "arranco" denotam, denunciam urn espfrito de passionaliclade, de pressa para a realizac;ao daquilo que arde no eu poetico. Na sequencia, eu !frico intercala, nos dois ultimos versos cia segunda· 0 estrofe, imagens de liberac;ao (acentuada com 0 sfmbolo do "passaro"), desnudez da viuva e cia alma do poeta: "Como de urn ninho, 0 teu pezinho branco, I Da bota, como urn passaro, se escapa ... " De acordo com a psicamllise, "0 pe teria tambem uma significac;ao falica e 0 calc;ado seria urn sfmbolo feminino; cabe ao pe adaptar-se a ele. 0 pe seria 0 sfmbolo infantil do falo" (Apud GHEERBRANT & CHEVALIER, 2000:695). Sendo assim, par extensao, ve-se no calc;ado, no caso do poema a "bota" e, por analogia, 0 "ninho", um sfmbolo vaginal. Ainda nesse sentido, ouso do diminutivo "pezinho" estaria ligado ao fato de que, curiosamente, ha homens que adaram pes pequenos, admiram-nos; sfmbolos da "mais elevada sutileza sensual" (Ibid), os pes peqllenos fllncionariam como "um fetiche de amor" (Ibid). No verso "Tremes de frio, entrethocando os dentes ...", de infcio, destaca-se a representac;ao musical onomatopaizante "entrechocando"; da tremedeira: "Tremes", "frio" e no verso seguinte, escutamos a batida da agua da chuva por conta da musicalidade conseguida com os sons tonicos de "Bategas", "agua" e "b:!pidas", bem como par conta da assonancia com 0 fonema "a" em "Bategas de agua, tepidas, la fara", que escoa para 0 outro verso: "Rufam nas pedras, encllarcando a rua"; em "Rufam" e em "encharcando" temos, mais uma vez, uma representa~ao musical onomatopaizante, dessa vez do barulho ,de agua, da chuva. Ah§m dessa sonoridade observada, slmbolo de sensualidade: nesse terceto "os dentes" destacamos, ainda, mais um representam a for~a, a agressividade necessaria aos apetites dos desejos materiais, carnais. Vale salientar que a presen~a da agua das chuvas remete a exterioridade, enquanto POl'dentro existe um estado abrasante. Na ultima estrofe do poema, a sensualidade tern uma dirnensao plastica, palpavel, sensorial, sensual, lubrica. A "chuva" agorae "quente e sonora", pelos estalos que os labios produzem no momento de beijar a "espadua nua", esta que "representa 0 poder de fazel', de agir" (Ibid:393). com a "espadua nua" 0 contato dos "Iabios tremulos" e a materializac;:50 da ardencia. Essa face erotica de Silac, na qual se percebem irnagens de corpos nus e sons insinuantes, uma "massa aClIstica, representada POl'gemidos, solu~os e frases de prazer" (TEIXEIRA, 1997: 25), nao se distancia, em hip6tese alguma, de uma "elegancia suficiente para que os textos persistam como obra de arte" (Ibid) e possam conviver, POl' exemplo, com outras produ~6es em que 0 poeta aborda a busca' pela perfei<;;aoformal oucom um texto em que se percebe uma angustia bem ao gosto romantico. Em A urn poet a, POl'exemplo, Longe do esteril turbill7ao da rua, Beneditinq escreve! No aconcl7ego Do claustra, na paciencia e no sossego, Trabalha, e teime, e lima, e sofre, e sua.' Mas que na forma se disfarce a emprego Do esfvrc;or' e a trama viva se construa De tal modo, que a imagem fique flua, Rica mas sobria, como um temp/a grego. Nao se mostre na fcibrica a sup/kio Do mestre. E, natural a efeito agrade, Sem lemIJrar os andaimes do edifTCio: Porque a Beleza, gemea da Verdade, Alte pura, inimlga do arlineio, E a forC;ae a grac;a na simplicidade. percebemos ja no titulo a pro posta de que 0 poema e urn modelo formal; Jecnicamente esse soneto e perfeito: apresenta versos decassflabos, e composto de rimas ricas ("rua"l"sua"; "emprego"l"grego"; "construa"l"nua"; "agrade"jVerdade"), ap6ia-se ern uma simetria rftmica. A compara<;;ao de um poeta com um frade beneditino procura associar a cria~ao poetica a paciencia, a dedica<;;aoda busca de lima forma perfeita, que se consegue quando se "trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua", Inclusive, 0 polissfndeto af presente acentua 0 esfor<;;odo eu Hrico. Para Olavo, nesse soneto, a poesia busca na perfei<;;aofonnal a realiza<;;aodo ideal dela. POl' outro lado, encontram-se poemas nos quais a eu Hrico bilaquiano extrapola as questOes sintatico-formais, especialmente nos textos direcionados ao amor e a mulher, LIma vez que percebemos nestes ressaibos romanticos, alem dos c1a.ssicos,nos quais a eu !frieo apresenta aquelas multifaces que contradizem a "deusa forma", proposta contida na P,vfissao de fe dos parnasianos, Entao, ha elementos semanticos, lexicais, IingOfsticos qlle vao ao encontro de lima inquieta<;;ao d'alma desventurosa, que torna a eu Hrico bilaquiano angustiado, exacerbado, posta que seriam "epifanias" no sentido lispectiano de revela<;;aode uma sensibilidade que o poeta nao consegue constringir na pura forma sintatica. ~af, encontrarem~se elementos sociais e sensuais numa poetica nao apenas pura forma, puro artesanato, pura arte pela arte. Vejamo5 lIm POlito desses elementos: Paixao sem gritaf amOr sem agoniaf Que nao oprime flem magoa 0 peito f (}ue nada rnais do que passui que/fa, E com tao pouco vive satisfeito ... Amor, que os exagero.c;repudia, Mit:;lurado de estima e de respeit~ E, tirafldo das mdgoas alegria Fica fatto, ficando sem proveito ... f Vh{Jsempre a paixao que me consome Sem lima quei;.:a; sem um 56 lamento! Arda sempre este amorque desanimas! f E eu tenl7a sempre, ao murmurar teu nome, o corac;ao; ma~qrado 0 sofrimento, Como um mc;al desabrochado em rimas. BCl1dito 0 qUE',113lerra, 0 fogo feLj e 0 leclo,' Eo que I1l1iua charrua ao boi paciente e amigo,' Eo que encol1lrou a enxada; e 0 que, do chao abjeto, FeLj aos beijos do sol 0 ouro brotar do trigo; Eo que 0 ferro forjou; e 0 piedoso arquiteto Que ideou, depois do ben;o e do lar, 0 jazigo; Eo que os fios urdiu; e 0 que achou 0 alfabeto; E 0 que deu uma esmo/a ao plimeiro mel1dlgo; E 0 que so/tou ao mar a qUilha, e ao vento 0 pano; Eo que inventou 0 canto; e 0 que crimI a lira; Eo que domou 0 raio; e 0 que alc;ou 0 aeropI3no ... Mas bendito, entre os mais, 0 que, no do profunda, Descobriu a Diperanc;a, a divin3 mentira, Dando aD homem 0 dom de suportar 0 mundo! Percebe-se em "lncontentado//uma voz angustiada, que se contenta com 0 que 0 amor oferece, embora perceba que "Fica farto, ficando sem proveito ...", poiS "com tao pouco vive satisfeito ...". paixao que 0 E quase 0 amor, e quase a expansao de uma deve consumir. Essa submissao ao sentimento se assemelha a uma atitude romantica, posicionamento que declara mais uma face do eu !frieo bilaquiano, que se traduz "Como um rosaI desabroehado em rimas." - a chave de ouro tao ao gosto de Bilac. AIE§mdisso, a forma<:;aosintatica dos versos apresenta-se, na maioria, em inversoes e com uma pontua<:;aoque torna 0 ritmo mais lento, mais eadenciado. Esse proeesso sintatieo-formal coopera para a revela<:;aode um eu !frieo angustiado, intranqOilo. A esse Bilae, soma-se outro: um poeta que aborda os aspectos sociais presentes em "Benedicite!'~earater foi expostaa poetiea bilaquiana. que eontraria os eomentarios vilipendiosos a que Como nao refletir sobre as 'benedid~neias' e ap(:mtadas no texto? Ademais, a ideia de que a "Esperan<;;a" a "divina mentira" que da "ao homem 0 dam de suportar 0 mundo!" e que essa e a maior "benedieite" de todas e, fremitosamente, agradavel, contribui<;ao para uma visao mais humanizante. , Ha nesse texto urn forte paralelismo, proeesso sintatieo que funciona como recurso para a progressao textual e que estabeleee urn equillbrio das ideias. Sendo assim, os dois poemas Incontentado e Benediclte!, por exemplo, revelam outros bilaques que devem ser re-vistos, re-buseados, para que possamos ter uma verdadeira dirnensao do que realrnente e a obra de Olavo Bilac. Este estudo se propos, ate aqul, a ser urn convite a urna redescoberta da produc;;aopoetica de urn dos rnais irnportantes poetas brasileiros. A obra de arte deve sempre ampliar nossa visao das palavras, das coisas, do mundo. E, com essa visao, Iimitar a prodU<;;:ao artfstica a um posicionamento polfticopartidario, pre-conceituoso/ a uma sumaria analise, sem Ihe ponderar os componentes do contexto em que e produzida e, no mfnimo, enfraquecer ou impedir o poder altfstico de tal obra. Nosso contato com a produc;ao de Olavo Bilac sempre despertou curiosidade a respeito do que ha na criac;ao desse poeta e questionamento sobre a que a crfUca observa nele. Sendo assim, buscamos elementos para re-ler a multifacetada e mal c1assificada produc;ao de Bilac. Nesse sentido, a proposta desta re-Ieitura da obra bilaquiana a partir da Estetica da Recepc;ao e do Imaginario buscau, par exempla/ evidenciar que a leitor tem uma participac;ao ativa no cantata com a produc;aa artfstica, ja que esse leitor passa a identificar e a compartilhar com 0 autor os elementos poeticos presentes nos textos. Assim, 0 cantata mais direta com a composic;ao poetica bilaquiana e percepc;ao de que "a epoca de Bilac [ ... ] nao deve ser entendida como contexto, mas sim como texto, [ ... J cujas regras se entendem como a poetica cultural do per/odo, na qual se inscreve, como frases intercaladas, a produc;ao do poeta" (TEIXEIRA, 1997:53) protestam 0 equivocado comportamento crftico que autor e obra vem sofrendo desde 0 advento do Modernismo. A Estetica da Recepc;ao permite-nos perceber detalhes mais valiosos na Uterat!Jra e reconstruir um perfil de determinada obra a partir das analises historicas POl' que passou tal obra e de seu contato com os receptores. E estabelecida uma cumplicidade entre auter e leitor, este ira vivenciar 0 prazer estetico que a obra proporciona. Dessa maneira, segundo Jauss, estabelecer-se-ao dois conceitos fundamentais: "os de fruic;ao compreensiva e compreensao fruidora, processos que ocon"em simultaneamente e indicam como 56 se pode gostar do que se entende e compreender 0 que se aprecia" (ZILBERMAN, 1989:53). Quanto a isso, nao podemos negar 0 enorme sucesso da obra poetica bilaquiana junto ao publico, embora a cHtica especializada a tenha visto de maneira oblfqua. I Uma leitura fruidora permite um cantata mais interessante e mais envolvente com a poesia de Bilac, por nao se constituir tal teitura numa busca desenfreada e, pOl' conseqUencia, pre-conceituosa de caracterfsticas identificadoras dedeterminada estetica litera ria. Nessa perspectiva, verificamos que a produc;ao poetica de alavo Bilac contesta, de maneira bastante funcional e significativa, a c1assificaC;aode sua obra como meramente parnasiana. Pluralizada em imagens que revelarn outras conotac;oes, a poesia bilaquiana sU5cita multifaces e desafia 0 leitor a urn mergulho num espac;o poetico que se preenche com nuances sensuais, polfticas, sociais, ideolo9icas, c1assicas, embora se mantenha sempre valido 0 convite a outras conotac;oes, que sao as possfveis do texto literario. , Nas PoeslClS,editadas inicialmente em 1888 e reeditadas em 1902, com 0 'acrescimo de AlrmLJnctLJJe1Q, As_YLQgerlSe a Ca~CLdoLdJ~~smeraldas, passeiam bilaques de feic;oes fonnais, de uma flagrante sensualidade, de um panorama neoromantico, de sugestoes confesso nacionalismo, e sonoridades antecipadoras de um erotismo espetacutar, do Simbolismo, de um de um Iirismo ref1exivo, angustiado, de inovac;oes em conotac;oes epicas. au seja, a partir do momenta em que 0 leitor entra em cantata com esse uni-verso e com as imagens af presentes, constata, de maneira inquestionavel, aquelas rnultifaces que negam a conotar;;ao de Bitac como urn poeta beletrista. Essa riqueza e pluralidade de imagens e sfmbalos presentes na obra poetica de Bitac, a nosso ver, POl' si sos ja justiflcam a necessidade de se re-ver 0 tratamento crftico que essa obra recebeu e continua recebendo, tanto da crftica especializada como do ensino e estudo de Iiteratura. a que pode afastar 0 teitor medio da produc;ao poetica de Bilac e a lexico de que 0 poeta faz uso. Afinal, em tempos da cornunicac;ao rapida, do advento da internet, par exemplo, a vocabutario academico de alavo Bilac se constitui em uma barreira, apesar do carater convidativo de desafio. No perfodo entressecular ern que o poeta produziu sua obra, havia urna boa receptividade a esse vocabulario. Nao ha como negar urn Bilac que, se sofreu uma explfcita inf1uencia dos parnasianos franceses, como de Theophile Gautier, dernonstra uma apurada sensibilidade na captac;ao de ternas e de imagens denunciadores de urn poeta mal classificado esteticarnente. a imaginario nao apenas provoca reflexoes, mas tambem convida a um aprofundamento transformador daquilo que poe em evidencia. Potencializando a universo simb6lico da Iinguagem, a Poeta permite ao leitor experimentar uma outra visao daquilo que vemos, sentimos, sabemos au pensamos saber. E como 0 Reino da Poesia e feito de ambigOidades, e necessaria ceder nossa capacidade de escutar e de I entender as palavras ao que a Poeta dlz, para que possamos tamar melhor nossas constrlJ~oes disso ou daquilo que nos permite satisfeitos. Pareceu-nos interessante e relevante uma leitura da obra bilaquiana a luz das propostas da Estetica da Recep~ao e do Imaginario. Buscamos af um espa<;o poetico-textual em que 0 leitor pudesse participar mais ativamente da obra com a qual mantem contato, e que se levem em considera<;ao as dialogos que 0 conteudo do texto provoca, resultando num efeito estetico, 0 qual se realiza pela compreensao e pela interpretac;;ao provocadas no leltor, individualmente, e como Importante componente inserido no sistema estetico. Assim, 0 leitor podera desfrutar melhor e mais satisfatoriamente da pluridimensionalidade das imagens, dos sfmbolos que real<;am as ideias das composi<;5es poeticas. A sensa<;aode que a imagem torna sensfvel e convidativo a discurso e que cultiva as qualidades das palavras esteve presente no decorrer deste trabalho. E 0, ha muito almejado, re-encontro com Bilac, alem de necessario, afigurou-se-nos a uma re-descoberta que pretendeu levantar hip6teses de re-Ieitura e abrir espac;;o para mais e mais discuss5es. Afinal, a obra de arte sempre e um desafio aqueles que querem sentir a vida mais de perto e tecer interminaveis caminhos. au como diz Bilae em seu enTA~DEeer: Sem preSS81 sem peS8" sem alegri81 Sem almal 0 Tecelaol que cabeceiar Cardal retorcel estiral assedal fiar Doba e ent,.ela~al na infindavel teia. (0 Tea" Tarde) BACHELARD,Gaston. ,l\agua.eQS.SQJlI1QS.Sao Paulo: Martins Fontes, 1997 I BANDEIRA, Manuel. Apresentacao da-poesia Ediouro. brasileil'q. Olavo Bitae. Sao Paulo: BILAC, Olavo. Qbra re~micLq.Organiza~ao de Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997. _______ . MelhQI];.SJtoemas de Olavo Bilae. Sele~ao de Marisa Lajolo. 3a ed., Sao Paulo: Global, 2000. ___ ~ . YO_~~ljns.Q1em2q:cronicas de Olavo Bilae. Organiza<;;aode Antonio Dimas. Sao Paulo: Companhia das Letlas, 1996. BOUSONO, Carlos. IeQ[1i,LCleJ~Le~Qresi6nJ2oeti{:a.lSa ed. Madrid: Editorial Gredos, 1970. CAMOES, LUIs Vaz de. Ci3lI1Qe_s: sonetos. Sele~ao de Celia A. N., Passoni. Sao Paulo: Nucleo, 1991. 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