e
s
L tra
d i g i t a i s
Teses e Disser tações originais em formato digital
o:
i
r
á
n
i
g
o Ima
a
o
ã
ç
p
ac
e
l
c
i
e
B
R
o
a
v
d
a
tica
de Ol
a
i
s
e
o
Da Esté
p
da
s
e
c
a
f
i
t
as mul
es
m
o
G
s
e
l
e
T
Robson
2002
Programa de
Pós-Graduação
em Letras
Ficha Técnica
Coordenação do Projeto Letras Digitais
Angela Paiva Dionísio e Anco Márcio Tenório Vieira (orgs.)
Consultoria Técnica
Augusto Noronha e Karla Vidal (Pipa Comunicação)
Projeto Gráfico e Finalização
Karla Vidal e Augusto Noronha (Pipa Comunicação)
Digitalização dos Originais
Maria Cândida Paiva Dionízio
Revisão
Angela Paiva Dionísio, Anco Márcio Tenório Vieira e Michelle Leonor da Silva
Produção
Pipa Comunicação
Apoio Técnico
Michelle Leonor da Silva e Rebeca Fernandes Penha
Apoio Institucional
Universidade Federal de Pernambuco
Programa de Pós-Graduação em Letras
Apresentação
Criar um acervo é registrar uma história. Criar um acervo digital é dinamizar a
história. É com essa perspectiva que a Coordenação do Programa de Pós-Graduação
em Letras, representada nas pessoas dos professores Angela Paiva Dionisio e Anco
Márcio Tenório Vieira, criou, em novembro de 2006, o projeto Letras Digitais: 30
anos de teses e dissertações. Esse projeto surgiu dentre as ações comemorativas
dos 30 anos do PG Letras, programa que teve início com cursos de Especialização
em 1975. No segundo semestre de 1976, surgiu o Mestrado em Linguística e Teoria
da Literatura, que obteve credenciamento em 1980. Os cursos de Doutorado em
Linguística e Teoria da Literatura iniciaram, respectivamente, em 1990 e 1996. É
relevante frisar que o Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPE, de longa
tradição em pesquisa, foi o primeiro a ser instalado no Nordeste e Norte do País. Em
dezembro de 2008, contava com 455 dissertações e 110 teses defendidas.
Diante de tão grandioso acervo e do fato de apenas as pesquisas defendidas a partir
de 2005 possuirem uma versão digital para consulta, os professores Angela Paiva
Dionisio e Anco Márcio Tenório Vieira, autores do referido projeto, decidiram
oferecer para a comunidade acadêmica uma versão digital das teses e dissertações
produzidas ao longo destes 30 anos de história. Criaram, então, o projeto Letras
Digitais: 30 anos de teses e dissertações com os seguintes objetivos:
(i) produzir um CD-ROM com as informações fundamentais das 469
teses/dissertações defendidas até dezembro de 2006 (autor, orientador, resumo,
palavras-chave, data da defesa, área de concentração e nível de titulação);
(ii) criar um Acervo Digital de Teses e Dissertações do PG Letras, digitalizando
todo o acervo originalmente constituído apenas da versão impressa;
(iii) criar o hotsite Letras Digitais: Teses e Dissertações originais em formato
digital, para publicização das teses e dissertações mediante autorização dos
autores;
(iv) transportar para mídia eletrônica off-line as teses e dissertações digitalizadas,
para integrar o Acervo Digital de Teses e Dissertações do PG Letras, disponível
para consulta na Sala de Leitura César Leal;
(v) publicar em DVD coletâneas com as teses e dissertações digitalizados,
organizadas por área concentração, por nível de titulação, por orientação etc.
O desenvolvimento do projeto prevê ações de diversas ordens, tais como:
(i) desencadernação das obras para procedimento alimentação automática de
escaner;
(ii) tratamento técnico descritivo em metadados;
(iii) produção de Portable Document File (PDF);
(iv) revisão do material digitalizado
(v) procedimentos de reencadernação das obras após digitalização;
(vi) diagramação e finalização dos e-books;
(vii) backup dos e-books em mídia externa (CD-ROM e DVD);
(viii) desenvolvimento de rotinas para regularização e/ou cessão de registro de
Direitos Autorais.
Os organizadores
nário:
i
g
a
m
I
pção ao
e
c
e
Bilac
R
o
a
v
d
a
l
a
O
c
ti
esia de
o
Da Esté
p
a
d
s
iface
as mult
es
les
Robson Te
Gom
2002
Copyright © RobsonTeles Gomes, 2002
Reservados todos os direitos desta edição. Reprodução proibida, mesmo parcialmente,
sem autorização expressa do autor.
f! Universirrade Federal de PernamPilfo
9
'fogf.m. de
emLelras
pos·Gradua~ae
DA ESTETICA DA RECEP<;AOAO IMAGINARIO:
AS MULTIFACES DA POESIA DEOLAVO BILAC
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
,..,
CENTRO DE ARTES
E COMUNICA<;AO
,
,..,
PROGRAMA DE POS-GRADUA<;AO EM LETRAS
DA ESTETICA DA RECEPf;AO AO IMAGINARIO: AS
MUlTIFACES DA POESIA DE OLAVO BILAC
Dissertac;;ao de mestrado apresentada ao
Programa de P6s-Graduac;;ao em Letras da
Universidade Federal de Pernambuco, para
obtenc;;ao do grau de Mestre em Teoria da
Literatura.
RECIFE
2002
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE ARTES E COMUNICA<;;AO
PROGRAMA DE POS-GRADUA<;;AO EM LETRAS
DA ESTETICA DA RECEP~AO AO IMAGINARIO: AS
MULTIFACES DA POESIA DE OLAVO BILAC
S ~rniverSidcde Feder.1de Pfrn2~:: "
"""
A MINHA IRMA ROSANA TELES,
ogrim. G~Pos·Gri.u.~ti. emletr.,
primeira leitora, paciente e atenta, ser indispensavel
AO MEU IRMAO RICARDO TELES, pelo incansavel estfmulo
AOS PROFESSORES E AMIGOS ALFREDO CORDIVIOLA E LUZILA FERREIRA, pelo valioso
apoio
AO PROFESSOR, AMIGO E SEMPRE COMPANHEIRO SEBASTIEN JOACHIM, pelo carinho e
dedica<;;ao
'
A PROFESSORA, AMIGA E SEMPRE COMPANHElRA MARIA DA PIEDADE MOREIRA DE sA,
pelo brilho da palavra-incentivo
nos momentos necessarios
AO AMIGO-IRMAO DJAIR REGO, pela presen<;;a-Iuz, dedica<;;aoe incentivo
A TAMBEM
BlLAQUIANA MARISA LAJOLO, pelo conhecimento, aten<;;aoe cumplicidade
AO COLEGIO SANTA MARIA, pela oportunidade que me concedeu
Quando as palavras me chegam, me fa~o tao sitencio
Que a poesia sai de dentro
Faz-se tempo
E num tempo em mim
Sin to-me assim
Uma palavra no ar
Queroachar
Quero cantar
Quero patriar os meus sentimentos
Sou silencio
Sorriso
Suspenso
Denso
Intenso
Repenso
Meus sons
Meus sonhos
Ex-ponho minha fe
Como uma "Profissao
Num sonho poetico
Fora estao as regras
Outras, dentro, sim
ff
Sel77 fim
De caber aqui ou ali
Nem esteta
Sem 'Isto ou Aquilo"
Apenas Poeta
017, lavo as maos
Da crftica
Bi-Iacuna:
Espa~o entre
Poesia e Arte Poetica
A dissertac;ao DA ESTETICADA RECEPC:AO
AO IMAGINARIO: AS MULTIFACESDA POESIA
DE OLAVO BILAC tern 0 objetivo de buscar possibilidades de leitura na produc;ao poetica
bilaquiana, investigando a relac;ao estabelecida entre autor, obra e receptor, de acordo
corn a orientac;ao teorica de Hans Robert Jauss, bern corno observar 0 Irnaginario do
poeta, a partir dos estudos de Gilbert Durand, Jean Burgos, Gaston Bachelard, Chevalier
& Gheerbrant. Tal dissertac;ao pretende evidenciar curnplicidades vivenciadas entre leitor
e irnagerni, alern de, principalrnente, dernonstrar as outridades presentes na poesia de
Olavo Bilac, ao identificar aspectos sensuais, sociais, politicos, ideologicos, fonologicos e
IingUlsticos ern poernas assurnidarnente pouco parnasianos - 0 que contradiz a insistente
c1assificac;aode poeta beletrista a ele conferida ou, ainda, a alcunha de escravo da fOrrna
parnasiana. Verificar corno 0 autor foi visto por seus conternporaneos e levantar urna
posslvel fortuna crftica constituern urn indispensavel instrurnento de apoio a urn estudo
crftico que se prop6e a trazer
tona a discussao de Que, ao longo dos anos, as
observac;6esfeitas acerca da poesia de Bilac, parece, pouco revelarn da extensa e plural
produc;ao de seus versos. Para tanto, e necessaria urna re-visita a obra desse poeta que
cac;ava esrneraldas, fazia as palavras brilharern corno vidas e os arnantes ouvirern
estrelas.
a
Palavras-chave: Olavo Bilac, Literatura Brasileira, Estetica da Recepc;ao, Irnaginario,
Multifaces.
The dissertation FROM THE AESTHETIC OF THE RECEPTIONTO THE IMAGINARY: THE
MULTIFACETEDPOETRYOF OLAVO BILAC has the objective of searching for possibilities
of interpretation in the poetical production of Olavo Bilac by investigating the relation
established between the author, his work and the reader, in accordance with the·
theoretical examination of Hans Robert Jauss, as well as observing the imaginary of the
poet, through the studies of Gilbert Durand, Jean Burgos, Gaston Bachelard, Chevalier e
Gheerbrant. Such dissertation reveals not only the complicities between the reader and
the images, but also and mainly it demonstrates other aspects present in the poetry of
Olavo Bilac through the identification of sensual, social, political, ideological, phonological
and lingUistic characteristics in poems with few Parnassian characteristics. These poems
contradict the classification given to the Bilac as a belletristic poet and a slave of the
Parnassian'form. To verify the way as the author was seen by his contemporaneous and
to raise one possible criticism constitutes one essential instrument of support for a critical
study that has the purpose of raising a discussion that, through the years, comments
made on the poetry of Bilac show little of the extensive and plural production of his
verses: To achieve this objective, it is necessary that one re- examine the work of this
poet who hunted emeralds, made the words shine as lives and the loving ones to hear
stars.
Key words: Olavo Bilac, Brazilian Literature,
Multifaceted.
Aesthetic of
Reception, Imaginary,
SUMARIO
INTRODU<;;:AO
09
1. A ESTETICA DA RECEP<;;:AO
E BILAC
14
I
2. IMAGENS DO
pornco
EM BlLAC
25
3. BILAC E 0 PARNASIANISMO
33
3.1. Outra face em Profissao de Fe
33
3.1.1. Vestfbulos kitsches
37
3.2. Tons na ansia de perfectibilidade
39
3.3. Bilac nao busca a expressao retorcida e diffcil.
.40
3.4. Parnasiano antes na inten~ao do que na emo~ao
.43
..... uma epfgrafe
;
44
4. A RECEP<;;:AO
A BILAC: UMA POSSIVEL FORTUNA CRITICA
4.1. Bilac e 0 infcio do seculo
.45
xx
45
4.1.1. Bilac: modelo de legibilidade
.45
4.1.2. Bilac: 0 deputado da Beleza na terra do Brasil
.47
4.1.3. Sob a fgnea cauda db cometa bilaquiano
50
4.1.4. Tarde: um triste crepusculo
52
4.2. Bilac re-visitado:
57
atualiza~ao e possibilidades
4.2.1. 0 lirismo amoroso em Bilac: palpavel e realizado
4.2.2. Armadilha para preconceitos
4.2.3. Prosa bilaquiana: injustamente
.5S
:
desconhecida
4.2.4. Sete faces bilaquianas?
5.
BIBLIOGRAFIA
64
65
LEITOR E IMAGEM: CUMPLICIDADES VIVENCIADAS NA POETICA BlLAQUIANA
CONSIDERA<;;:OESFINAlS
63
"
72
95
98
Os Manuais de Literatura apontam Olavo Bilac como um poeta parnasiano
ou, quando muito, com nuances romanticas. Entretanto, uma leitura mais cuidadosa
da obra bilaquiana podera permitir ao leitor 0 encontro com outridades presentes na
produc.;ao poetica desse autor. 0 objetivo deste trabalho, POl'conseguinte, e propor
uma re-visao, uma re-Ieitura frllidora, em busca dessas outridades, da obra poetica
de Olavo Bilac, ja que, ao longo dos anos, as observac.;6es feitas acerca de sua
poesia, parece-nos, pouco revelam da extensa e plural produc.;aode seus versos.
Nao constitui novidade alguma afirmar que inumeras sac as proposic.;6esde
leitura que uma obra de arte permite. Nessa perspectlva, existem sentidos na
produc.;ao poetica de Bilac que merecem ser buscados cUidadosamente, quando se
'I
desejam evidenciar camadas de significac.;aoque permeiam e estao sob a referencia
ao meramente formal em sua poesia.
A opc.;ao por Olavo Bilac se deve ao fate de perceber que 0 poeta foi, de
certa forma, vilipendiado,
formal,
atribuindo
ao Ihe observarem insistentemente 0 aspecto estetico-
ao autor a condi()'io de poeta meramente
beletrista,
e
0
ideologico, vinculando Bilac a um frio perfil dvico, nacionalista. A sua poesia, ao
contrario do que a maioria dos crfticos aponta, apresenta caracteres que denunciam
multifaces; alem do esmero estetico, evidenciam-se aspectos ideologicos, sociais,
politicos, sensuais. Pretendemos buscar limites e possibilidades de recepc.;aona obra
bilaquiana e observar as Imagens no Poeta.
Portanto, um dos objetivos maiores deste estudo e re-visitar a obra poetica
biiaquiana e trazer
a tona
a discussao de que a crftica podera tel' dado uma atenc.;ao
quase que exclusiva aos posicionamentos polfticos do homem Olavo Martins dos
Guimaraes Bilac, 0 que provavelmente resultoll numa visao negativa de sua poesia.
Poucas vezes e poucas vozes observaram um Bilac que extrapola e subverte regras,
digamos la, parnasianas. 0 que dizer quando a teoria aponta regras, fOrmas na
produc.;ao poetica bilaquiana, e a pratica, a propria poesia desse poeta, aponta 0
diferente,o quase in/verso?
Nao mencionar
parnasiana se presta
au ignorar
e, no mlnimo,
uma vasta produ~ao bilaquiana que pouco
parece-nos, um posicionamento pre-conceituoso,
imediatista. Promover uma mistura au uma sobreposi~aodo homem politico-social ao
poeta pode ser, mais uma de muitas vezes, discrimina~ao. Na otica de Dimas (1996),
por exemplo, a partir do momento em que a estudo da Iiteratura apontou Bilac como
parnasiano, "construiu-se
a preconceito de que sua poesia e puro exibicionismo
metrico e vocabular, prato cheio para aqueles que entendem Iiteratura apenas como
ornamento social".
Esta re-visita
a produ~ao poetica
bilaquiana busca, principalmente, entrar em
contato e evidenciar faces multiplas da poesia de Olavo Bilac, investigando a rela~ao
estabelecida entre auter, obra e receptor, de acordo com a orienta~ao teorica da
Estetica da Recep~ao de Hans Robert Jauss. Alem disso, desejamos observar
0
Imagimlrio do poeta. Para tanto, lan~aremos mao da leitura de autores como Gilbert
Durand, Jean Burgos, Gaston Bachelard, Chevalier & Gheerbrant.
I
A Estetica da Recep~ao, ao propor uma valoriza~ao do leitor na cria~ao
artlstica, contribuiu bastante com a critica, a estudo e a ensino de Iiteratura, porque
propos a observa~ao de momentos importantes em uma obra de arte: a leitura
perceptiva, que busca contemplar a compreensao dessa obra; a leitura reflexiva,
associada
a
interpreta~ao das ideias contidas nessa obra; e, par fim, a leitura do
efeito que essa obra pode provocar no leitor.
No processo da comunica<;;aopoetical de acordo com a Estetica da Recep<;;ao,
a herizonte de expectativas
e um dos elementos mais importantes
para que
possamos observar a papel do leitor. Esse horizonte de expectativas e, na verdade,
"um esquema mental que um indivfduo hipotetico pode trazer a qualquer texto, onde
a previsao sabre as resultados esperados pela obra acontecem dentro de um micro
all macrocosmos" (ZILBERMAN, 1989:113).
Alem desse carater de destaque atribufdo ao leitor, a Teoria de Jauss
sLlstenta a ideia de que a leitura em diferentes momentos historicos coopera para a
melhor compreensao da forma e do conteudo presentes na obra de arte. Isso esta
diretamente associado ao interesse que determinado tE:!xto poetico, por exemplo,
desperta no leitor. No caso de Bilac, quando da pLlblica~ao de suas Poesias, que
compreendem PqDQRlias,Via-L~cteq e Sarc;asde Fogo, em 1888,0 autor obteve uma
boa receptividade do publlco,
criadora e Ihe concedeu
0
Ifrica amorosa bilaquiana
qual reconheceu no Poeta uma enorme capacidade
0
tftulo de 'Prfncipe dos Poetas Brasileiros: Ainda hoje, "a
sobrevive.
[
universalidade do sentimento amoroso, [
J
E sobrevive nao por uma hipotetica
] mas parque Bilac era um bom poeta"
(LAJOLO, 2000:9).
Ademais, na Ifrica bilaquiana ha uma evidente valoriza<;ao do leitor, quando 0
eu poetico gera intimidade com
0
receptor e instaura uma especie de dialogo, faceta
muito bem exemplificada com os sonetos de Via-Lcktea. Ainda que infinitamente
citado, 0 soneto XIII e um dos melhores exemplos que confirmam esse dialogo entre
a voz poetica e 0 leitor:
Ora (direis) ouvir estre/as! Certo
Peldeste 0 sensor E eu vos dire~ no entanto,
Qu~ para ouvi-/as, muita vez desperto
E abm as jane/as pa/ido de espanto ...
I
Essa intimidade, evidenciada principalmente quando
0
eu Ifrico da voz ao
receptor -- "Ora ... ouvir estrelas! Certo / Perdeste 0 senso!" ---representa um recurso
bastante recorrente nos poemas bilaquianos. 0 leitor, assim, ganha uma participa<;ao
muito ativa no texto, processo que gera, sem duvida, uma grande empatia em quem
envia e ern quem recebe a mensagem. Munidos do poder que ha nas imagens e se
deixando levar pelos dinamicos trajetos do Imaginario, autor e leitar percorrem rotas
propostas por um e vivenciadas, experimentadas par outro. Nesse processo, ha um
intercambio ininterrupto de obra, criadar e receptor.
Envolvendo-se e deixando-se envolver pelas imagens, 0 leiter de Bilac passa
a encontrar
universos visivelmente
nao apenas parnasianos. As outridades sac
reftetidas em sfmbolos que seduzem os que entram em contato com sua poesia,
nllma visao que passa por tons romanticos, par sensualidade explfcita. Isso quebra,
de maneira evidente, a ideia de versos criados par uma especie de maquina poetica,
como podemos perceber nesta composi<;ao, na qual 0 eu Ifrico deseja enredar-se
nllm amplexo que mescla prote<;ao e posse, preciosas imagens nacaradas de ouro,
de perolas, 0 sentimento-tesouro,
riqueza maior de quem ama, tanto e tanto:
Pudesse eu ser a concha nacarada,
Que, entre os co/ais e as algas, a infinita
Mansao do oceano habita,
E dorme reclinada
No fofo leito das areias de OlffO...
Fosse eu a concha e, 6 perola marinha!
Tu fosses 0 meu lfnico tesouro,
Minha, somente minIJa!
(Numa Concha - ~arQls de FogQ)
Em observar-Ihe imagens, pretendemos questionar a c1assifica~aoparnasiana
de Olavo Bilac, destacando a poem a Profissa'o de Fe, revelador de um EU muito mais
metalingufstico do que cantor da ourivessaria poetica. At~ que ponto ha apenas a
,
busca desenfreada pela forma perfeita, pelo verso de ouro em Olavo Bilac?
Para tanto, entraremos em cantata com a fortuna crftica acerca do poeta e
de sua poesia. De inlcio, analisaremos a que a crltico Nestor VitOI' disse sabre a
importancia
ideologica de Bilac. Em seguida, veremos um ensaio que Mario de
Andrade escreveu sabre
0
''Prfncipe dos Poetas Brasileiros'; no qual a autor de
Macunafma expoe suas impressoes sabre a poetica bilaquiana e aponta, apos a
exposi~ao e analise do poema 0 COMErA, uma outra face do Poeta: "Olavo fizera
Simbolismo!" E destaca, entre outros elementos, nesse poema a fato de que "As
palavras .brilhavam como vidas".
i
Ainda dialogando com a crftica das duas primeiras decadas do seculo XX,
buscarert:l0s a analise de Manuel Bandeira,
principalmente
quando
a poeta
pernambucano destaca a fluencia na Iinguagem e a sensualidade que encontra em
Bilac. Apesar de ser
0
autor do poema Os sapos, que, na Semana de Arte Moderna,
ridicularizou 0 Parnasianismo e, POl' conseqOencia, a Figura de Bilac, veremos que
Bandeira estava, na verdade, envolvido com
0
carateI' "demolidor" da Semana e que
nao queria atacar diretamente Bilac, a quem admirava. Alem dessa crftica, cremos
conveniente e necessario verificar como Bilac e visto hoje. Para essa verifica<;ao,
destacaremos os estudos de Marisa Lajolo (1984), Alexei BLleno (1996), Antonio
Dimas (1996) e Ivan Teixeira (1997).
Lajolo, em sua sele<;aodos melllOres poemas de Bilac, destacara a produ~ao
Ifrico-amorosa do Poeta, par achar que reside af a maior aproxima~ao entre Bilac e 0
leitor. Bueno apontara um Bilac que representa
0
"senso comum, aquela sabedoria
de todos e de ninguem que eo axioma eo gozo dos povos" . E embora pretendamos
estudar apenas a obra poetica do criador de Via-~cktea,
0
registro do levantamento
da prosa bilaquiana nas cr6nicas de Vossa Insolencia feito por Dimas e mais que
illlportante,
Teixeira,
e necessario, por, tambem, delllonstrar outra face de Bilac. E, por fim,
que mostrara,
em seu ensaio que prefacia uma edi<;ao das Poesias
bilaquianas, sete topicos acerca do autor de O_CiKadoLd_e Esmeraldas, nos quais
evidenciam-se as nuances bllaquianas.
Esse ensaio de Teixeira se Illostrara como uma importantfssima contribui<;ao
ao estudo da obra de Bilac, principalmente porque trara
a tona
discuss5es curiosas
que contribuem para a revisao da problematica c1assifica<;aoda poetica bilaquiana.
Agudamente, 0 ensafsta aponta possibilidades de rela<;aoentre a poesia de Bilac e a
dos modernistas Carlos Drummond de Andrade e Joao Cabral de Melo Neto, alem de
suscitar um possfvel intercambio do universo epico bilaquiano, especialmente no
poemeto Sagres, com 0 universe epico de Fernando Pessoa, em Mensagem.
Nessa perspectiva de problematizar 0 que a crftica tem dito sobre Olavo
Bilac, selecionamos algumas de suas composi<;5es poeticas com 0 objetivo de, pelo
menos, provocar ullla re-discussao da obra do "Principe dos Poetas Brasileiros':
:1..A ESTETICA DA RECEP(;AO E BIlAC
A visao da crftica litera ria no secllio XIX refletia lima preferencia pela
abordagem em que se destacavam "circunstancias ambientais ou determinantes
biogrMicos manifestos na genese da obra de arte, enquanto relegava a importancia
de seus atributos intrinsecos" (PIRES, 1989: 101). Isso provocou uma tendencia a
relacionarem-se
os aspectos sociologicos aos aspectos psicologicos da cria~ao
Iiteraria, apontando-se nesta
carater, do temperamento
0
contexto historico-social e os "reflexos da alma, do
de seu autor" (Ibid: 102). A admissao dessa tendencia
pode tel' provocado uma crftica com uma conota~ao estetica menor. Com menos
interesses no texto e em sells elementos intrinsecos, essa critica considerava a obra
litera ria como um documento.
No seculo XX, acerca da obra Iiteraria, "a crftica imanente preferiu ve-Ia em
si mesma, considerando-a um monumento" (Ibid: 102). Conquanto, para a Estetica
da Recep~ao, a prodw;;ao artfstica constitui-se num abjeta intencianal direcionado
a
consciencia de um leitor, ja que a "recep~ao da obra de arte nao pode ser
considerada como um consumo passivo; cumpre encara-Ia uma atividade estetica
que levara
a aceita~ao ou a recusa" (Ibid:l02),
como sugere Hans Robert Jauss.
Em sua teoria, Jauss propoe uma visao bastante ampla de como
0
leitor
recebe a obra. Nao e uma simples recep~ao do texto, mas algo que promove "uma
teoria formal
da recep~ao, procurando
atualiza~5es particulares
definir todo
quase sempre determinadas
0
seu potencial,
POl'
livre de
interesses mutaveis"
(Ibid:l02)
Indiscutivelmente,
a Estetica da Recep~ao soma bastante
a visao da crftica
moderna, ao reconhecer no leitor uma imensa importancia e valori2ar as diferentes e
possiveis interpreta~oes que
na qual se admite tudo
0
0
texto pode receber, nao numa Iiberdade desenfreada
que se venha a dizer sobre a obra de arte, senao dentro de
um sistema em que se observam a produ~ao, a recep~ao e a comunica~ao,
destacando-se, portanto, autor, obra e leitor.
Nesse sentido, a Estetica da Recep<;;aopermite que entremos em contato
com aquilo que se realiza no leitor envolvido com a obra de arte e com
0
que emana
da propria obra. A paltir do momenta em que admitimos que 0 texto poetico tem 0
poder de despertar emot;;5es no leitor,
passamos a contemplar
esse texto na
dimensao de sua recepc;;:aoe de seu efeito. Tal visao vislumbra as variadas
interpretac;;:oes que um texto pode fazer nascer em quem 0 recebe. Assim, esse
universe ajusta-se a uma analise da poetica bilaquiana por conta das multifaces
presentes em Olavo Bilac, como, por exemplo:
>
a dvica:
"Patriar latejo em tir 170 teu lenhor po onde / Circulor(pATRIA-
Tarde);
>
a formal: "Indar ao cair, vibrando a lanr;ar / Em prol do Esti/or(PROFISSAO
DE
'r
FE -
Poesias);
a metaffsica: ''Mas as almas nao morrem como as flores, / Como as homens,
os passaros e as (eras: / Rotas, despedar;adas pelas doresr
o sol de novas plimaveras / E de novas amores.
N
/
Renascem para
(CAMPO SANTO - Alma
Inquieta);
'r
a romantica:
,(CAN(AO-
y
"Da··me 0 clarao do teu riso! / Da-me 0 fogo do teu beijor'
San;;asde Fogo);
a sensual: "Tem nos seios - dois passaros que pulam / Ao contacto de
um beijo, -
nos pequenos / Pes, que as sandalias sofregas osculamN(A
TENTA(;AODE XENOCRATES- .s~s
r
de Fogo);
a de carater epico: "E serenor feliz, no maternal regar;o / Da terra, sob a
paz estrelada do espar;o, / Fernao Dias Paes Leme os olhos cerra. E
morre. N(O CA(ADOR DE ESMERALDAS- Poesias).
Baseando-se no processo hermeneutico proposto por Hans-Georg Gadamer1,
Jauss observa
0
entendimento de uma obra de arte a partir de tres momentos:
1 Hans Georg Gadamer, ex-professor de Jauss na Universidade de Heidelberg, publicou, em 1961, sua
obra ate hoje mais renolllada: Verdade e f'.1etodo[Wahrheit und Methode], em que procurou infundir
nova dire<;ao hermeneutical ao atribuir-Ihe a papel de interprete da historia. Retomando conceitos
da fenomenologia, como a de horizonte de expectativa, resgatando as no<;5es de tradi<;ao e
elaborando sua propria terminologia, como a concep<;ao de "consciencia da historia dos efeitos"
[Wirkungsgeschichtebewusstsein],
G"ldamer ofereceu ao pensamento alemao a possibilidade de uma
reflexao filosofica que renovava
estatuto da hermeneutica e possibilitava a (re)visao da historia sem
ter de percorrer a trilha, talvez ja par demais batida, do marxismo. (Cr. ZILBERMAN, Regina. Estetica
da Recep~/Joe a Hisloria da Literatura. Sao Paulo, Atica, 1989. p. 11-12)
a
°
)..- Compreensao esta associada
leitura perceptiva, imediata; fruto da percep<;ao estetica,
a experiencia
primeira de leitura;
~ Interpretac;;ao - leitura refletida, reflexiva;
0
sentido do texto e reconstitufdo
no horizonte da experiencia do leitor;
~ Aplicac;;ao-
leitura pesquisadora do horizonte2 historico determinante da
genese e do efeito da obra; que permite distinguir os horizontes passados do
atual,
pelo confronto
merecidas
ate
da leitura
entao.
contemporanea
(Adaptado
de
com todas as 'outras
PIRES:
1989: 103
e
de
ZILBERMAN:1989: 113)
A Estetica da Recepc;;aoretomou argumentos da filosofia hermeneutica de
Gadamer, quando questionou
da Iiteratura.
E importante
fundamentalmente
0
objetivismo e a exegese impostos no ensino e estudo
mencionar-se que a Estetica da Recepc;;aonao se ocupou
da multiplicidade
de interpreta<;5es anteriores; entretanto,
do
reconhecimento da compatibilidade de diversas interpretac;;5es. As ideias de Gadamer
evidenciam-se
na teoria de Jauss principalmente
produc;;ao artfstica
partindo-se
daqueles
tres
no ato deste compreender
momentos:
a compreensao,
a
a
interpretac;;ao e a aplicac;;ao.
Assim, Jauss sugere a atenc;;ao para 0 interesse de "medir e ampliar na
comunicac;;ao Iiteraria com 0 passado, 0 horizonte da experiencia propria, a partir da
experiencia. de outros"
(Apud.
COSTA LIMA, 1983:313).
Dessa forma,
serao
valorizadas as leituras em diferentes epocas, pois, segundo a Estetica da Recepc;;ao,
compreende-se "0 sentido e a forma da obra literaria pela variedade historica das
suas interpretac;;5es" (PIRES, 1989: 109).
o objeto
das investigac;;5esliterarias da Estetica da Recepc;;ao,como ja vimos,
e a historia definida como um processo que implica sempre tres fatores: 0 autor, a
obra de arte e 0 receptor dessa obra. 0 contato entre produc;;aoe recepc;;aose da
pela comunhao da criac;;aoIiteraria. Assim, a noc;;aode Recepc;;aorefere-se
a acolhida
Significa, no sentido literill, 0 limite do vislvel, 0 qual esta sujeito a ser constantemente alterado em
func;ao da mudanc;a de posic;ao do observador. Na teoria do conhecimento, 0 objeto da consch~ncia
intuicional nunca sera considerado isoladamente, senao inserido num contexto, dentro do qual
ganhara configurac;ao propria, urn perfil singular; esse contexto
chamado l7orizonte. Todo horizonte
tem Lima dimensao temporal: a percepc;ao do objeto varia no tempo. (Cf. PIRES, Orlando. Manual de
Teoria e Tecn;ca Uteraria. Rio de Janeiro, f'resem;a, 1989. p. 104)
2
e
que uma obra alcan~a na epoca ern que vai a publico e ao longo da Historia,
observando-Ihe a vitalidade a partir do interesse que tal obra desperta no receptor,
ou ainda
a ideia de interdlmbio
suscitado naqueles tres fatores.
Nessa perspectiva, observamos que 0 esmero estetico, 0 gosto pe/o formal, 0
excesso de patriotismo
tao apontados em Bilac podem ser tomados como um
processo de obscurecer a desilusao amorosa do Poeta. Relativamente frequente em
sua Ifrica, 0 tema do amor irrealizado pode representar 0 frustrado relacionamento
com Amelia de Oliveira, Irma do amigo parnasiano Alberto de Oliveira. Para Afranio
Peixoto, "Bilac era afligido por uma secreta perturba~ao nervosa, que 0 condenou a
ficar solteiro, envolto numa fama de boemio e dissoluto, e nao Ihe permitiu veneer as
oposi<;;5es a seu casamento com a ex-noiva."
(Apud MERQUIOR, 1996: 170).
Acusado de ter uma vida boemia, desregrada, Bilac se ve proibido de levar
a frente
seu idflio com Amelia, a quem tanto ama. Provavelmente, a atitude moralista da
familia Oliveira nao permitiu que se percebesse que a boemia e
0
dissolutismo de
Bilac traduziam-se-Ihe como elementos de carater poetico, e nao marginalizado.
Amelia, entao, passa a ser a musa inspiradora dos versos doloridos da Ifrica
amorosa bilaquiana. Afinal, "a vida de um poeta esta Iigada
perola
a ostra
a
~ua poesia como a
[... ]. Ambas - vida e poesia - nao podem ser dissociadas, porquanto
se interpenetram
e explicam-se mutuamente.
Nunca existe uma separa<;;aototal
entre 0 criador e a obra. Esta, por mais singular que se mostre, constitui urn fiel
corolario das tendencias ou da filosofia daquele que a produziu" (JORGE, 1992:91). E
com Bilac, alma sensfvel -
alma de poeta -
nao poderia ser diferente; entao, a
acuidade do sentimento reflete-se na intensidade da expressao:
[. ..]
e
o amor uma alVore amp/a, e fica
De frutos de ouro, e de embriaguez:
!n(-e/izmente, frutifica
Apen3s uma vez...
Alii Esquec;amos, esquec;amosi
Dwma lra/lqiJlJo 0 /10$50amor
Na cova rasa onde 0 el7terramos
Entre os rosa!r; em flor ...
Tradicionalmente,
constante
a sfmbolo da vida, elemento
em
evolu<;;ao e em ascensao para a ceu, e evoca a simbolismo
da
verticalidade.
arvore
representa
Par outro lado, a arvore tambem representa "a aspecto dclico da
evolu<;;aocosmica: morte e regenera<;;21o"(GEERBRANT& CHEVALIER, 2000:84). E
quanta mais copada, "ampla, e rica
I
De frutos de ouro, e de embriaguez", elas
"evocam um cicio, pais se despojam e tomam a recobrir-se de folhas todos as anos"
(Ibid). Conquanto, a arvore da dor dofda no eu !frico desse p6ema "frutjfjca
uma vez... ", cren<;;a, um tanto romantiea, sentimental,
verdade, uma vez na vida. Ademais, as frutos s210"de
metais - e "de embriaguez" colheitas" (Ibid:364) -
"que estaligada
a
I Apenas
de que so se ama, de
oum"-
a mais precioso dos
fecundidade,
a
riqueza das
, a que nos faz perceber que a eu !frico encara a amor como
um fremito inaudito.
Embora embebido de amor, a eu lfrieo nos mostra que, infelizmente, par um
motivo admoestador, e necessaria esquecer a sentimento que Ihe vai n'alma, e
propoe que este se recolha ao abismo interior do irrealizado idHio, a "cava'; mesmo
que "rasa'~local para onde se recolhem, escondem-se, preservam-se sentimentos,
imagens.
Essa ideia de enterrar
regenera<;;ao, pais a terra "Da
a
nos sugere a simbologia
de feeundidade
e
luz tad as as seres, alimenta-os, depois recebe
novamente deles a germe fecundo" (Esquilo, Coeforas, 127-128, apud GEERBRANT
& CHEVALIER, 2000:879). Alem de representar a origem de toda a vida, par produzir
as formas vivas, a terra simboliza tambem a marte, mas "morrer para uma forma de
vida, pt;lra renaseer em uma outra forma" (Ibid), e "Entre as rosais em flor ...", esta
que, "par sua natureza, e sfmbolo da fugacidade das coisas, da primavera e da
beleza" (CIRLOT, 1984:256).
Vemos, ent21o, que a frustrado relacionamento e indesejado rompimento
entre Bilac e sua ex-noiva se converteram em imagens na poetica do autor de "Via-
lc'ktea". Isso confinna a sugestao de Jauss para a interesse de que a comunica<;;21o
Iiteraria amplia alga ja vivido e poe em destaque a horizonte da experiencia propria.
Nessa perspectiva, diz Umberto Eco: 'So se fazem Iivros sabre outros Iivros e em
tomo de outros livro5" (1985:40).
!
Quanta
a no(,;21ode Estetica, nao diz respeito a Ciencia do Bela, mas a ideia
,
de se aprender alga sabre arte atraves da propria arte, atraves da considera<;;ao
historica da pratica estetica existente na base de todas as manifesta<;;oesda arte,
perceptfveis nas atividades da produ<;;ao,recep<;;aoe comunica<;;aodo objeto artfstico.
As amplas possibilidades que a Estetica da Recep<;;aooferece quanta
a
analise do papel do leitor, inserido num instante historico determinado, evidenciamse quando a comunica<;;aoentre receptor e texto e efetivada, destacando-se 0 efeito
produzido, a recepc;;:aoe a concretiza<;;aodo sentido que se dao no contato entre
0
universe suscitado pelo texto e as experiencias e os conhecimentos internalizados no
leitor. Dessa maneira, a Estetica da Recep<;;aopossibilita ao leitor sair da passividade
enquanto receptor de uma obra de arte, pois permite-Ihe nao apenas 0 contato com
tal obra, senao uma visao critica, muito mais participativa, por ser ativa.
Levando-se em considera<;;aoque
0
destinatario da obra de arte pode reagir
de maneiras diferentes, considera-se tambem 0 fato de que esse receptor pode
responder
a uma obra
produzindo
comunicativo da historia literaria:
0
outra.
Nesse caso, c4mpre-se
0
circuito
produtor, quando recebe, portanto, uma obra
como resposta, e, tambem, um receptor, desde 0 momento em que come<;;aa
escrever. A partir de tudo isso, 0 sentido de uma obra se constitui sempre novo,
como resultado da coincidencia
suscitado pela obra e
o
0
de dois fatores:
0
horizonte de expectativas
horizonte de experiencias complementado pelo receptor.
horizonte de expectativas
presehte em cada individuo,
e uma especie de sistema de referencias
ou um esquema mental de associa<;;oesque um
determinado receptor pode trazer
a
obra, no momenta de contato entre eles. De
acordo com Zilberman (1989:113), "Uma das tarefas da Estetica da Recep<;;aoe a
reconstru<;;aodesse horizonte, a fim de esclarecer 0 relacionamento da obra com 0
publico." Essa visao nos permite desmistificar a tese de que 0 Parnasianismo era 0
sorriso da sociedade e que existiu apenas nos grandes saloes. Ao contra rio, Olavo
Bilac foi consagrado pelo povo. Em 1.888, Bilac levou a publico a primeira edi<;;aodo
volume
poesia~; "0 Iivro
Ihe conquistou
uma gloria
imediataf! (MERQUIOR,
1.996:170). A excelente aceitac;;:aopllblica que a obra obteve talvez se de pelo fato do
eu p(~etico bilaquiano ser multifacetaclo: as se<;;oespanojJJjg-S,Y-!a Lactea e Sar<;;asde
Fogo.,revelam nao apenas culto
inquieta<;;oesd'alma.
a forma,
mas sensualidade, tom dVico, carater epico,
Ja
0
horizonte de experiencias
e resultado
do relacionamento entre obra e
leitor, "aspecto fundamental
de uma teoria fundada na recep~ao" (ZILBERMAN,
1989: 113).
de experiencias
Esse horizonte
relacionadas: "a poefsis3, pois
quando este alarga
0
0
0
em tres eta pas inter-
receptor participa da produ~ao do texto; a aisthesis4,
conhecimento que
durante a qual ocorre
reflete-se
0
destinatario tem do mundo; e a katharsis5,
processo de identifica~ao que afeta as possibilidades do
leitor" (Ibid, 113).
A proposta metodologica que a Estetica da Recep~ao deseja introduzir na
interpreta~ao cientffica busca distinguir esses dois horizontes, para compreender-se
as estruturas condicionadoras do efeito de uma obra e as normas esteticas aplicadas
POl'
seus interpretes no decorrer da historia literaria.
E
preciso, pois, investigar-se a
intera~ao da produ~ao e recep~ao de uma obra. A partir disso, observa-se
0
intercambio do autor, obra e receptor, bem como da experiencia artfstica presente e
passada.
Nesse processo, a teoria de Jauss retoma a participa<;;ao ativa do leitor na
concretiza<;;ao sucessiva do sentido nas obras. Conquanto, nao se deve confundir a
Estetica da Recep<;;aocorn uma sociologia historica do pUblico, interessada apenas
nas mudan<;;asde gosto, de interesse ou de ideologias. Ao contra rio, em vez de
reduzir a historia a casualidades unilaterais, "Ia !=stetica de la Recepcion sostiene una
concepcion dialectica: desde su perspectiva, la historia de las interpretaciones de una
obra de arte es un intercambio de experiencias 0, si se quiere, un dialogo, un juego
,
de preguntas y respuestas" (Jauss, Apuc! Punto deVista, Argentina, 1981:4). Par isso
que a obra de arte gera entropia e conflito, e no caso de Bilac, parque inter-
Corresponcle ao prazer de se sentiI' co-autor cia obra. Revisanclo a hist6ria cia mx;ao cle poresis no
pensamento ocidental, Jauss conclui que ela se tornou praticamente uma exigencia nas criac;oes do
seculo XX, cujo experimentalismo determina a participac;ao crescente do leitor no seu processo de
prodUl:;ao. (Cf. ZILBERMAN, Regina. ES!~!jc;;L_daJe_Q~pt;;a9~..1LbJsl(iri;;L(ta
liteLaJura. Sao Paulo, .Atiea,
3
1989. p. 55)
a
Esta mais relacionada experiencia estetica enquanto tal, dizendo respeito ao efeito, provocado pela
obra clearte, de renovac;ao cia percepc;ao clo rnundo circunclante. Aclotanclo essa posic;ao, Jauss nao
cleseja descobrir um novo sentido para a aislhesis, procuranclo, pelo contrario, assimilar a ela as
interpret,ac;oes vigentes. (Ibid)
5 A concretizac;ao de um processo cle identificac;ao que leva 0 espectaclor a assumir novas normas de
comportamento social, numa retomada de icleias expostas anteriormente. Mais tarde, esse conceito se
alarga: coincide com 0 prazer afetivo resultante cia recepc;ao de uma obra verbal e que motiva "tanto
uma transformac;ao de suas [do recebedor] convio:;oes, quanta a liberac;ao de sua mente" (Ibid:57)
4
S
_
relaciona, POl'exemplo,
0
"rico e
0
Universidade Federal de Pem:·
Progrimi de POS.Gridua~;~e~ le:i.,
social num mesmo plano, sem estabelecer jufzo
de valores.
Partindo de uma forte influencia da Herrneneutica, a Estetica da Recepc;;aose
situa nas ciencias do sentido. Mas 0 fato de voltar-se para a interpretac;;ao nao
significa dizer que as propostas de Jauss refletem um abandono as aquisic;;6esda
aproxima<;ao estrutural, ou que se entregue ao ideal de uma exegese imanente. De
acordo com as ideias da Estetica da Recepc;;ao,a interpretac;;ao exige do receptor um
contrale acerca de sua subjetividade, reconhecendo, entao, 0 horizonte Iimitado de
seu posicionamento hist6rico. Dessa reflexao, a hermeneutica pravoca um contato
entre 0 presente e 0 passado. Isso resultara numa nova interpretac;;ao, dentra do
processo historico, atrelada a concretizac;;ao do sentido. Podemos ver isso, por
exemplo, na preocupac;;aocfvica de Bitae. 5e na estetica romantica a tematizac;;aodo
indianismo congrega a maior forc;;anacionalista, na poetica bilaquiana isso se da na
sublimac;;ao da lingua, revelando-se, talvez, numa preocupac;;ao mais exegetica.
Afinal) no plano estetico-cfvico, Bilac propGe a lingua pOltuguesa como elemento
unificador da cidadania: "Ultima flor do Likio, inculta e bela, I Es, a um tempo,
esplen'dor e sepultura:
I
Ouro nativo, que na ganga impura
I
A bruta mina entre os
cascalhos vela ... " .
A partir de tudo isso, questionamos a interpreta<;ao dispensada a obra de
Bilac, porque parece ter havido uma reduc;;ao do sentido multifacetado
que sua
pradU<;aoartfstica pode assumir. A crftica talvez nao tenha percebido a obra de Bilac
de maneira plural, entretanto com uma aparente unilateralidade, pretensiosamente
objetiva na superffcie textual. Assim, nao foi posslvel perceber-se a estrutura estetica
da produc;;ao bilaquiana na dimensao em que prop6e Jauss, bem como 0 universe
imaginario do poeta, ja que a crftica especializada desconhecia algumas teorias
Iiterarias.
Nesse sentido, essa crltica parece manter um posicionamento cristalizado na
ideia de que Olavo Bilac apenas faz usa de um perfil academico que a amarra a
estetica parnasiana e nao Ihe permite revelar multifaces nos poemas em que
"assomam alguns indfcios da supera<;ao do figurino parnasiano e convencional que
muitas vezes espartilha sua poesia" (LAJOLO, 2000:9), poemas pelos quais a Autor
"pode, sem desdouro, dialogar corn a sensibilidade do publico" (Ibid),
como a
sugestao romantica presente em SONHO (I.iude):
Quantas veZ5, em sonho, as asas da saudade
So/tv para onde 5tas, e fico de ti petto!
Como, depois do sonl1o, triste a realidade'
Como tudo, sem t~ fica depois deselto!
e
A sonoridade sibilante presente em "Quantas vezes, em sonho, as asas da
saudade / Solto para onde estas..." sugere a forl;;a do vento, a qual ernbala
0
leitor
num ambiente onfrico e nostalgico, cheio de "sonho", de "saudade" e, porque
"deserto", de solidao. AIE~mdisso,
0
paralelismo no uso do termo "Como" acentua a
significa<;;aode apelo que esses versos desejam imprimir na alma de quem os recebe.
Some-se af tambem uma inquietante certeza de fim, de ausencia do ser amado.
Tambem pode representar uma especie de dialogo com a sensibilidade do
publico esse emotivo lamento em REMORSO(Tarde):
Versos e amores sufoquei ca/ando,
Sem os gozar numa exp/osfJo sincera ...
AM Mais cem vidas' Com que ardor quisera
Mais viver, mais penal' e amar cantando!,
no qual os "Versos" e as "amores" tem 0 mesmo valor para 0 eu Ifrico.
, Podemos ver 0 posicionamento crftico de que a poesia bilaquiana e puro
exibicionismo metrico e vocabular, por exemplo, na analise de Ronald de Carvalho
(1925): "0 processo Iiterario de Bilac impressiona pela singeleza e Iimpidez do estilo;
nab ha, nos seus versos, geralmente,
as grandes notas de inquieta<;;ao e da
duvida ..." (AMOROSO LIMA, 1980:107). Ainda sob esse olhar crftico, Agripino Grieco
(1947) diz que as amores de Bilac "foram todos de cabe<;;a,puramente cerebra is.
( ...) Tudo, em seus versos Ifricos, parece simulado. E, como esses versos sac sempre
admiraveis, Bilac deu, sem querer, razao a quantos afirmam que arte
e artiffcio ..."
(Ibid)., Segundo Alexei Bueno (1996), ha em Bilac "uma ausencia quase total de
inquieta<;;aometafisica, como talvez em nenhum outro poeta brasileiro" (Ibid).
Nao ha como negar inquieta<;,:aometaffsica e dialogo com a sensibilidade de
um publico nos versos de Maldir;ao, por exemplo, poema inclufdo em Alma Inquieta.
Ademais, nao parece simula<;,:ao0 que 0 eu \frico sente e expressa:
Se por vinte an0Sr nesta fuma escura,
Deixei dormir a minha maldir;ao,
-~ Hoje, velha e cansada da amargura,
Ninha alma se abrira como um vulcao.
Inumeras vezes lutamos por nao dar muita atenc;ao aquilo que nos habita 0
ser e nao dominamos, porque buscamos domfnio e contrale dos mundos interno e
externo. A perda do contrale e uma das situac;oes que mais aterrarizam 0 ser
humano, e "0 ego s6 consegue aceitar a perda do contrale quando a vivencia"
(JUNG, Apud RAFF, 2002:190).
Entao, 0 ego se da conta de que 56 e possfvel
continuar a vida "abrindo mao da ilusao do contrale e voltar-se para 0 interior"
(Ibid): Alem disso, deve abdicar de "seu orgulhoso papel de sol regendo 0 ceu"
(Ibid), descer "ate 0 mundo subterraneo e encontrar a vulnerabilidade e a abertura
necessarias" (Ibid) ao existir.
Ja no tftulo do poema sentimos uma inquietude do eu Ifrico, ao abordar um
estado de pragas e amaldic;oar 0 ser amado: Maldir;ao. Sua a<;,:aosegue: "Maldita
sejas pelo ideal perdido!", e fecha 0 soneto de maneira contundente: [Maldita sejas]
"Pelo esplendor do que eu deixei de ser! ..." Alem disso, foram
"vinte anos"
em uma
"furna escura". Essa "fuma"pode representar um lugar de sofrimento e de punic;ao,
um mundo onde se ocultam segredo5. Para Platao, uma caverna
e uma especie de
mundb, morada subterranea que tem "uma entrada a abrir-se amplamente para 0
lade da luz" (CHEVALIER & GEERBRANT, 2000:213),
e esta representada pelo
"vulcao"no poema bilaquiano.
Em algumas culturas, como ados Maias, "0 numera vinte representa 0 Deus
Solar (Ibid), alem da figura de um homem (pelos vinte dedos que representam a
unidade)" (Ibid:958).
Entao, podemos dizer que a simbologia da luz presente no
"vulcao" e no numera "vinte" indica um caminho que a "alma" deve seguir em busca
do bem e da verdade: "a subida para 0 alto e a contemplac;ao daquilo que existe no
alto representam 0 caminho da alma para elevar-se em direc;ao ao lugar inteligfvel"
(Ibid).
E ainda segundo Platao, 0 mundo de aparencias agitadas que a "furna"
representa deve ser abandonado, para que a "alma" possa "contemplar
0
verdadeiro
mundo das realidades - 0 mundo das Ideias" (Ibid).
Diante disso, podemos afirmar que 0 sentimento presente no eu Hrico desse
poema amadureceu, fez esse eu lIrieo tornar-se homem, estar no ponto, aos vinte
an05. A ideia de "hiberna~ao" que 0 texto suseita pode ser confirmada quando oeu
!
poetico admite que sua "alma se abrira como um vulcao", elemento que tem, dentre
outras, a caracterfstica de representar "uma fase de trabalho latente, contido e
oeulto que sucede uma brusca e terrfvel erupc;;ao"(CIRLOT, 1984:606). Esse quarteto
do poema Maldit;ao FIgura a imagem de um ser com os brac;;osabertos, como numa
entrega do que e e do que pode representar. Em um abrir
0
peito e permitir-se a
sensac;;oesguardadas que explodem nurna paixao avassaladora.
Enquanto imagern da alma,
0
vulcao esta clararnente relacionado ao fogo,
simbolizando 0 abrasamento interior, 0 prindpio animador que da vida ao corpo e faz
deste urn ser individual. "Psicologicamente, e um sfrnbolo das paixoes - que( ... ) sac
a (mica fonte de nossa energia espiritual, se podernos transforrna-Ias e doma-las"
(Ibid).
Diante desse breve contato com urn trecho de um poerna de Bilac, como,
entao, reduzir
0
Iirisrno desse autor a urna c1assificac;;aofria, rnaterial, meramente
insfpida? Como bern observa Paul Valery, 0 poeta e um espfrito que deseja 0 estagio
sublirne, no qual busca estabelecer-se corn suprernacia e modelar 0 mundo que
pensa apenas representado. 0 poeta e urn ser poderoso dernais para ver apenas 0
visfvel. Ele e ate capaz de criar ou recriar vocabulos que faltarn ao seu idiorna, para
satisfazer os equilfbrios poetico-forrnais dos versos.
A poesia, de maneira sintetica e (lnica, estabelece um momento de troca, de
soma, ou ate mesmo de subtra~ao, entre dois mundos: 0 Eu Ilrico e 0 receptor. A
produ~ao poetica e resultado de uma especie de atrito entre as palavras, e e atraves
desse atrito que se buscam novos sentidos. Nestes, reside a comunica~ao poetica.
Comunicar pela poesia e necessidade vita!. E quando os outros domlnios da vida nos
recusam todo desfruto, resta-nos pelo texto poetico uma frui~ao posslve!.
Do poema, diz Carlos Bousono (1956:28) que "en su tejido ultimo, es algo
impr~visible". Essa ideia de "imprevisibilidade"
pode ser a ponte que une
0
sujeito
que produz ao sujeito que recebe a realiza~ao poetica. Afinal, 0 poema e uma
''aventura de sUjeitos" (PAZ: 1998); e a ventura da palavra.
0 que um poema
produz em tal receptor pode ser extremamente distinto do que produz em tal outro,
principalmente em virtude d::l diferen~a de estado emocional em que se encontra seu
respectivo universo. Vale a mesma considera~ao para
0
Eu IIrico e seus leitores
potenciais. Alias, depois do contato entre dois uni(e/m)-versos em um texto, nao
existe
mais
amalgamados
EU IIrico e
em um
EU receptor;
ambos
irremediavelmente
tornam-se
NOS. E os ate entao sujeitos consubstanciam-se
hlO
imprevislveis quanto 0 poema.
A palavra irrompe no mundo, e 0 propno mundo, este ou aquele que
desejamos. Ela chega ate nos quando estamos dispostos, prestes a mudar, pois a
palavra poetica nos al~a acima de nosso ego comum. Habitualmente dizemos tudo
sempre da mesma maneira. 0 poetico vem abrir
0
ventre da palavra para revelar
outras possibilidades de senti do, uma vez que a poesia transfigura realidades e
metacomunica
emo~oes. Segundo Emerson, 0 homem e apenas metade de si
mesmo, a outra metade e sua expressao; dal, a importancia do poetico como
elemento transfigurador de realidades.
A
linguagem
impreenchlveis,
poetica
supre
para alem da realidade.
a
carenCla
E
humana,
preenche
vazios
embriaguez natural, diz Nietzsche;
e
Dionisio redivivo, e Apolo em desterro. Tal emprego da palavra, a emergencia de
mundos que Ihe sao correlatos se chama Imagem.
As imagens poeticas vivem de uma polpa sui generis.
nao--Iugar onde f10rescem os frutos das Imagens geradoras
a Imaginario e 0 lugarde Arte. a universo do
Imaginario e uma especie de fuga estrategica, e a ideia angustiante da finitude
humana e que empurra 0 ser humane em dire~ao do Imaginario. Urn escritor, urn
artista
propoe mundos originarios,
produtos de sua imagina~ao.
a
verdadeiro
receptor acha a porta de entrada - as Imagens. Porta sempre aberta, no entanto, a
todos. A partir daf, inicia-se a grande aventura par entre as formas. Uma aventura
sensorial que nao deixa de ser cognitiva: 0 poeta faz ver ao leitor, antes cego, a via
c1arividente das Imagens. Vejamos 0 soneto XXVI de Via-Lactea:
Quando cantas, minl7'alma, desprezando
G involucra do corpo, ascende as belas
Altas esferas de ouro/ e, acima delas,
Guve arcanjos as dtaras pulsando.
Corre 05 pa/sC'slonges, que revelas
Ao som divino do leu canto: e, quando
Baixas a voz, ela tambem, cl7orando,
Desce, entre os claros grupos das estrelas.
E expira a tua voz. Do para/50,
A que subira ouvindo-te, ca/do,
Fico a fitar-te palido, indeciso ...
E enquanlo cismas, sorridente e casta,
A teus pes, como um passaro ferido,
Toda a minl7a alma tn3mula se arrasta ...
, A partir do "canto", san criadas betas imagens nesse poema. A "alma" do eu
Hrico se descola do "involucro do corpo" e passeia pelo espac;o, "ascende as belas /
Altas esferas de ouro", enquanto se encanta com 0 que ouve. Findo o"canto", a
"alma" desce das "estrelas" e, "passaro ferido", ser vencido, se ve no chao, pois que
"se arrasta ...". "Sem duvida, Bilac e mestre em traduzir, num lance visual e concreto,
as experiencias abstratas do mundo emotivo" (TEIXEIRA, 1997:29).
Princfpio de vida, centro energetico, a alma e "0 sopro, com todos os seus
derivados"(GHEERBRANT & CHEVALIER, 2000:31), a "Anima: princfpio da aspira~ao
e expiraC;ao do ar" (Ibid). Sugerinclo-se espfrito, eave
que simboliza as rela~oes
I
entre oceu e a terra, representa a leveza, a Iibera~ao do peso terrestre. Por sua vez,
o canto, "e 0 sopro da criatura a responder ao sopro do criador" (Ibid: 176). E alem
rf~
"as cftaras", "pulsando", representarem "uma rela~ao entre a terra eo ceu, como
o vao do passaro ou 0 encantamento da musica" (Ibid:260),
canto do universo" (Ibid).
elas simbolizam "0
A melodia, entao, esta presente na constru~ao dos versos
,
bern cpmo nas imagens que estes evocam.
Jean Burgos, na Poetica do Imaginario, "divide em diurno e noturno os
regimes au dinamismos impulsianadores da mente e do comportamento artfstico e
social" (apud JOACHIM, 1997:13). 0 Regime Diurno seria a materializa~ao de
simbalos que resulta na ascensao, na verticalidade; ja
0
Notunlo se desdobra em
dois aspectos: "0 regime mlstico ou a modalidade da eufemiza~ao ou da recusa e 0
regime sintetico ou a modalidade da reconcilia~ao" (Ibid: 16). Nesse soneto XXVI de
"Via-Laetea", a imagem de vao e constantemente reiterada: "alma" - "ascende" -
maneira circular, como
0
movimento giratorio da imensa cupula do universo.
Essa imagem-movimento
Regime Diurno, esta fortemente
de ascensao e verticalidade,
representada em "minh'alma,
que representa 0
desprezando
involucro do corpo, ascende as belas / Altas esferas de auro, e, acima delas
Carre os palses longes [ ... J"
, e e mais que
I 0
[ ...] I
movimento, eo voar etereo, tao desejado
pelo eu IIrieo e conduzido pela melodiosa voz que canta. Imagem de passagem,
proje~ao, esta~ao da alma.
Par outro lado, as possibilidades face ao Destino, quando 0 ser que canta
baixa "a voz" e a alma, "tambem, chorando,
I
Desee, entre a? c1aros grupos das
estrelas", representam 0 passo para 0 Regime Noturno, ja que se da a recusa, a
eutemiza~ao, representada pelas imagens digestivas, a descida: "Baixas a voz, ela
tambem, chorando, I Desee, entre os clams grupos das estrelas". A partir daf,
lfrieo experimenta
0
eu
uma sensa~ao de pulveriza~ao daquela melodia e satre uma
metamorfose: "caldo,
I
Fico a fitar-te palido, indeeiso ... ", ate chegar as imagens de
passagem, enfraquecimento, redu~ao: "A teus pes, como um passaro ferido,
I Toda
a minha alma tremula se arrasta ... "
Assim observa Joachim: "Ora, para Burgos [ ... J e tambem para nos, nao ha
mensagens no espa~o do texto poetieo; existe apenas urn espa~o plural e aberto
para urn sem numero de trajetos. No easo de vir se articular 0 encontro texto-Ieitor,
surgira urn vetar orientado numa clire~ao especificada pela(s) constela~ao(5es) de
imagens. Doravante se inicia uma genese, uma marcha para aquilo que ainda nao se
sabe" (JOACHIM, 2).
o poeta,
entao, evoca as palavras para que estas deem sentido as coisas. E
oreal se ve tao submisso ao Imaginario, que se admite pequeno, Infimo, diante do
gigante simbolico: a Imagem. Uma simples coisa passa a ser a simples coisa mais 0
criou-se, ou melhor, recriou-se algo. 0 que as coisas
novo do discurso poetico -
querem dizer, 0 que elas querem evocar? 0 poeta dara voz(es) a essas coisas, com 0
poder que ele tem de evocar(se).
A Imagem
na poesia Iiberta a consciencia da finitude
humana, mas,
paradoxalmente, aprofunda essa finitude ao po-Ia em face do desejo de eternidade,
tao entranhado no ser humano. Durand e Alquie acham a luta com 0 tempo, a
angustia que disso decorre, a raiz mesma do ate de criar. A estrategia do Imaginario
criador e ora dar as costas
a
morte, ora se opor frontalmente a ela, ora, ainda, se
valeI' d~ um compromisso astucioso. A arte faz-se testemunha dessas manobras trifacetadas.
Para Burgos, melhor Que compreender, e viver as Imagens.
se levar POl' elas e aceitar que a Imagina<;;aodirija a razao.
a Imagem, entretanto,
E precise deixar-
E saboroso
nao encontrar
reencontra-Ia; nao a conhecer, conquanto, reconhece-Ia. E
essa compreensao permite-nos aclarar que
0
poema vem antes do intelecto e depois
do emocional. Alem disso, e nftida a ideia de que metade do Imaginario do poema e
do poeta. A outra metade, de quem 0 Ie, sente-o. E a partir dessa consciencia, este
estudo pretende observar 0 Imaginario
e1e Bilac e pennitir que se fluam pluri-
interpr~ta<;;5es a que os textos selecionados sirvam, alem de ressaltar as outridades
I
bilaquianas,
presentes
nas
relac;:5es intertextuais,
na
metacomunica<;;ao, na
transfigura<;;ao e10real que a obra desse poeta evielencia.
o poema
transcenele
0
tempo. 0 poema e irredutfvel ao instante historico.
Por isso, parece improcedente reduzir a produ<;;aode um artista ao recorte de um
momenta e1esua existencia. Olavo Bilac paeleceu e1isso.Foi c1assificaelocomo um
autor que apenas se preocupou com a fOrma poetica, como se esta fosse uma fria
maquina de fazer versos. Essa c1assificac;aodemonstra pouca Ihaneza com a criac;ao
poetica, ja que esta e Iiberdade e nao enjaulamento. A poesia , na verdade, "Niega a
la historia: en su seno se resuelven todos 105 conflictos objetivos y el hombre
adquiere al fin conciencia de ser algo mas que transito. Experiencia, sentimiento,
emoci6n, intuici6n, pensamiento no-dirigido. Hija del azar; fruto del G3lculo. Arte de
hablar en una forma superior; lenguaje primitlvo. Obediencia alas reglas; creaci6n
de otras" ( PAZ, 1998: 13).
Como negar em Olavo Bilac um universe avesso as vozes parnasianas,
objetivas, em poemas assumidamente sensuais, er6ticos, romanticos, filosoficos? Na
prodU<;;aobilaquiana, a mulher, POl' exemplo, ganha dimens5es romanticas e ate
naturalistas,
contrariando
a visao da mulher c1assica no Parnasianismo, como
podemos perceber nestes versos de Satania:
Sobe cinge-Ihe a perna longamente;
Sobe - e que volta sensual descreve
Para abranger todo 0 quadri/! - prossegue,
Lambe-Ihe 0 ventre, abra~a-Ihe a cintura,
Morde-Ihe os bicos tumidos dos seios,
Corre-Ihe a espadua, espia-Ihe 0 reconcavo
Da axi/a, acende-Ihe 0 coral da boca
E os seios dizem: '- Que sedentos Mbios,
Que avidos Mbios sorverao 0 vinho
Rubro, que temos nestas cheias ta~as?
Para essa boca que esperamos, pulsa
Nestas carnes 0 sangue, enche estas veias,
E entesa e apruma estes rosados bicos... -'
Nesse poema de SaKCis de.LQW
assumidamente
erotico,
(Poesias,1888), 0 processo descritivo,
ressalva lima intertextllaJidade
par alusao com textos
naturalistas, de um Alufsio Azevedo, POl' exemplo, quando da descri<;;aode Rita
Baiana, em 0 Cortic;o (1890), aproximando poesia e prosa num mesmo perfodo
hist6rico, em bora esteticamente diferente :
.
Ela saltou em meio da roda, com os bra<;os na cintura, rebolando as i1hargas e
bamboleando a cabec;a, ora para a esquerda, ora para a direita, como numa sofreguidao de gozo
carnal num requebrado luxurioso que a punha ofegante; ( ... ). Depois, como se voltasse Vida,
soltava urn gemido prolongado, estalando as dedos no ar e vergando as pernas, descendo,
subindo, sem nunca parar com as quadris, e em seguida sapateava, miudo e cerrado
freneticamente, erguendo e abaixando osbra<.;os, que dobrava, ora urn, ora outro, sabre a nucar
enquanto a carne Ihe fervia toda, fibra por fibra titilando.
a
Alguns detalhes desses textos sao atraentemente
sugestivos.
E
0
caso do
movimento de circularidade que ha neles: "cinge-Ihe"; "volta"; "abranger"; "abrac;aIhe a cintura"; "os bicos tumidos dos seios"; "0 reconcavo / Da axila"; "boca", no
primeiro trecho do poema Sat/mia. Ja no segundo, "seios"; "Iabios" (como metonfmia
de boca); "tac;as"; "boca"; "bicos" (como metonfmia de seios). Quanto a descric;ao da
Figura de Rita Baiana, "roda"; "cintura";
Esses drculos
"rebolando";
"bamboleando";
"cabec;al!.
que se notam na constrU<;ao dos textos podem representar a
concepc.;aode volta ao comec;o, as origens, ao prindpio da vida. Tambem se fazem
vel' interessantes os enjambements
intencionalidade
que, de uma certa forma, materializam
a
do verso, como em " ... e que volta sensual descreve / Para
abranger todo 0 quadril" e em " ... espia-lhe 0 reconcavo / Da axila".
A partir desses textos, podemos estabelecer relac;5es entre as imagens
sensuais bilaquianas e as imagens sensuais azevedianas. Em Silac, tais imagens
revelam um estado d'alma; a alegoria
e a mulher,
em toda sua plenitude. No caso de
Alufsio Azevedo, evidenciam-se valores s6cio-historicos, numa' forte referencia as
Teorias
Cientificistas
da segunda
metade
do seculo XIX, principalmente
ao
Determinismo de Taine. Alem disso, enquanto Aluisio Azevedo constroi 0 texto com
as melodias fricativas das palavras, Bilac faz usa das oclusivas, 0 que lembra suor, a
vontade de lamber - a sinestesia IUbrica, lasciva. "E lasciva e a musicalidade de seu
verso, como lasciva e a luz que, 'tremendo, como a arfar, desliza' pelo corpo de
Satania e, 'como uma vaga preguic.;osa e lenta"'(Ivan
Junqueira, apud BUENO,
1997:63).
Conquanto, se acaso houvesse um encaixe desses excertos de Satania com
esse tretho de Q Cortt{;Q.,num simulacro, talvez nao fosse tao facil identificar qual foi
escrito POl'Bilac equal
0
escrito POl'Alufsio Azevedo, no caso de os dois assumirem,
ao mesmo tempo, a forma poetica ou a prosaica. Embora percebamos isso, e
bastante claro que as intenc;5es dos autores sac distintas. 0 Naturalismo, como
sfmbolo da Teoria Determinista de Taine - 0 homem e produto do meio -, chama a
atenc;ao para 0 momenta
hist6rico em que esta inserido. Agora 0 elemento
POrtllgw3S [Jeronimo] esta sendo conquistado pela mulata sensual brasileira [Rita
Baiana], grac.;as ao meio tropical em que convivem. Enquanto que em Bilac a
abordagem tematica
e
inquietac;ao d'alma, resultante de uma atmosfera lubrica
consubstanciadora da alcunha que
0
Poeta recebeu, porter sido "envolto numa fama
de boemio e dissoluto" (fI>1ERQUIOR,
1996:170).
,
Para sentiI' e admiral' a obra bilaquiana, e necessario que 0 receptor se deixe
levar pelo poder sugestivo de que se revestem as palavras, visite 0 centro, 0 centro
de tudo, de onde se originam as "versimagens" de Olavo Bilac e em que tudo toma
sentido: a poesia. Havera, entao, um (re)encontro que a I.uzinterior do poeta deseja
refletir naquele que recebe, embora desvincule a quem recebe do mundo exterior. A
ida ao Imaginario poetico proposta pela poesia sugere ao receptor nao tomar uma
Imagem como objeto, menDs ainda como substituto do objeto, mas perceber-Ihe a
realidade espedfica. Para tanto, deve relacionar 0 ato da consciencia criadora ao
produto mais fugaz da consciencia: a Imagem poetica .
. Talvez com Bilac a crftica tenha deixado de encontrar ou reencontrar a
i
erup<;;~oque as palavras podem assumir quando postas em atrito -
0
poetico, por
haver yinculado-se insistentemente a posicionamentos polftico-ideologicos do homem
em que habita
0
poeta, "aquele que trabalha fora de si" (PAl, 2001). A obra redime
o homem.
o
ser do poeta parece
0
nosso ser, ja que naquele sentimos reflexos,
repercussao de nossas angustias, de nossas vivencias, de uma interioridade nossa
que e -
no plano poetico -- do poeta. Essa liga<;;aoparece corresponder a um
fen6meno que se da todas as vezes, embora repetidas
e par si 50S diferentes, em
que nos deixamos levar pelo poetico presente na existencia dos versos. Estes, POl'
inumeras vezes, parecem-nos tao Intimos e tao espelhos de nos, que chegamos a
nos vel' mais proximos do poeta, como se este nos conhecesse profundamente ou
soubesse representar melhor
0
nosso mundo interno. Afinal, como diz Pessoa,
o poeta e um fingidor
Finge tao completamente
Que chega a flngir que dor
A dor que deveras sente.
e
No mundo imaginario,
portanto,
somos vizinhos do poeta, embora este
conhe<;;ae reconhe<;;a as sendas dos caminhos que trilhamos; enos,
receptores,
admiramos-Ihe 0 trajeto e a capacidade de provocar, em nos, profundezas do ser, a
partir das Imagens suscitadas e representadas no mundo que somos e no mundo em
que vivemos.
Para Gadamer, "a fum.;ao da Imagem e trazer nela mesma aquilo que
representa, nao se anulando diante de sua fonte, mas tampouco a abolindo" (apud
COSTA LIMA, Vol. 1, 1983:66), pois "so pelas Imagens
0
representado se torna
propriamente figurado" (Ibid), ja que a Imagem nao se constitui uma copia, mas, ao
contra rio, a inten<;ao de apresentar "a unidade original e nao a diferenciac;ao entre
representac;ao e representado" (Ibid). Podemos dizer, assim, que as Imagens, na
visao gadameriana, possibilitam ao elemento representado se tornar propriamente
figurado.
Nesse ponto de vista, a Imagem caracteriza-se por ser "a base da
I
especificidade da representac;ao na obra de arte" (Ibid). A ideia de representac;ao
aqui nao e de algo anterior que deve ser refletido fielmente -
isso cabe
a copia -
mas de algo que "se funde com esse anterior, concedendo-Ihe a figuratividade que
nao possufa" (Ibid).
Gadamer
ve
a
Dessa maneira, podemos perceber mais e me/hor por que
representc:J<;ao artfstica
tanto
como
reconhecimento
quanto
descoberta, alem de essa representac;:ao fazer necessario 0 receptor, embora este
eventua/mente nao esteja presente. Tais ideias representaram um grande subsfdio
para a elaborac;ao da Teoria de Jauss.
i ~rniverSiaf6eFeeml de~ernfm,uCO
"''''
I
ogr.m. de pOs-Gradua"a- l
,oem eiras
Sabemos que a Parnasianismo tomou um posicionamento de oposic;;aoao
Romantismo,
eombatendo-Ihe
eonsonaneias,
colis5es.
reestruturaram
a
lirismo
exacerbado,
Segundo Alberto
as versos alexandrinos,
de Oliveira,
"imprimindo
as
cae6fatos,
os poetas
uma diferente
ecos,
parnasianos
feic;;ao aos
agrupamentos das suas 'unidades rftmieas, deslocando-Ihe as pausas e dando-Ihe
nova e mais bela harmonia'." (apud JORGE, 1992:34), ja que
0
Romantismo, com
seu earater revolucionario, buseava uma Iiberdade formal e estetica, admitindo mais
valioso a derramamento
sentimentalista que propriamente a composic;;ao textual.
Com b passar do tempo, essa Iiberdade transformou-se
numa reiterac;;ao que se
desga!stou par demais nas chamadas gerac;;5esromantieas, e a poesia parnasiana
pretendeu-se mais objetiva e buscou a contenc;;ao dos arroubos sentimentalistas
romantieos. Nessa perspeetiva, Pmfissao de
Fe e uma especie de plataforma
teorica
do Parnasianismo no Brasil.
Sobre esse poema, uma importante
equivocada tend€meia de se ler Pmflssao de
observac;;ao e a de que ha uma
Fe de
maneira muito mais literal que
propriamente literaria, a que provoea uma visao taeanha, parca, aeerca do universo
poetico e do discurso que perpassam todo 0 texto. Assim, 0 poema passou a ser
eonsiderado representante do imobilismo sentimental e sensorial em Bitac -
uma
busca pela falsa imparcialidade, por uma falsa frieza de fe metaffsica.
Analisando essa eomposic;;ao bilaquiana, esereve Marisa Lajolo (1982): em
Pmflssao de
Fe,
"a pretensa imparcialidade poetiea -
de que 0 poeta, ao nfvel
denotativo, faz alarde -- e eomprometida desde a infcio: a texto se abre com urn
'Nao quero' malcriadoe
altivo".
Longe de ser imparcial,
passionalidade, emoc;;5es, envolvimento
discurso eheio de entusiasmo,
0
0
eu IIrieo transborda
total com aquilo que diz e pensa, num
que se eonstata no intenso e representativo uso de
exclamac;;5es, reticencias e adjetivos valorativos, elementos que denotam a estado
emocional de um EU inflamado que fala em um determinado tfilxtO. Embora haja a
defesa de um ideal parnasiano, a forma, os elementos que dao corpo as ideias
atestam um envolvimento que contradiz a irnpassibilidade associada diretarnente aos
preceitos parnasianos.
Nao r,' lero
0 Zeus Capito/ino,
Hercu/eo e be/o,
Ta/har no marmore divino
Com 0 camalte/o.
Que oUiro - nao eu/ - a pecka corte
Para, bruta(
Erguer de Atene 0 a/livo potte
Descomuna/.
fllais que esse vu/to exiraordinario,
Que assombra a vista,
Seduz-me um /eve re/icario
De fino artifita
A influencia
c1assica e rnuito eVidente, corn a referencia a elementos
rnitologicos, como "Zeus", com 0 adjetivo valorativo "herculeo", a compara<;;:aocom a
elegancia de "Atene". Soma-se a isso um material que constroi um ambiente de
tradi<;;:aoc1assica, quando menciona
0
"marmore",
POl'
exernplo, relacionado a
sugestivas palavras que dao um tom de valoriza<;ao de formas" contornos, de "fino
artista" - "talhar", "carnartelo", "pedra", "porte", "relicario".
A ideia de negar algo grande, "descomunal", para que se evidencie um "Ieve
relicario
I
De fino artista" parece-nos, no caso dessa constru<;;:aobilaquiana, um
recurso funcional para que 0 poetico se realize de maneira mais representativa.
um espa<;;:o,
embora sutil, aberto a uma intuic;:aoparadoxal no verSo "Que outro-
Ha
nao
eu! - a pedra corte", pois a malcriada expressao "nao eu!" produz uma especie de
'corte' na constru<;;:aosintatico-semantica
de tal verso. Isso pode evidenciar urn
grande envolvimento de forma e conteLldo, misturados, mesclados, indissociaveis,
pOI'
fim.
Nesse caminho, das "herclileas" imagens que "erguem" 0 texto, a que mais
nos fica e se amplifica e a propria poesia. Cuidar do "belo" aqui, entao, nao pode
corresponder a um menor valor, ja que a constru<;;:aoda "Profissao" de Bilac se faz e
se remete a si mesma, numa especie de 'metafe' do fazer poetico.
Observamos que
ha, na verdade,
um EU envolvido com 0 processo criativo,
um EU metalingOfstico. Apos 0 advento da Semana de Arte Moderna, 0 que os
i
ardorosos crfticos rnodernistas charnavarn de culto excessivo
a forma,
submissao a
regras nesse poem a, podemos correlacionar ao que se denornina Metaliteratura. Ern
Profissffode F~ Bilac clemonstra urn desejo latente num poeta: clescobrir e habitar
urn espac;;ono rnunclo, numa perspectiva clo clevir, numa especie de re-criac;;ao clo
poetico que pulsa no poeta, Dentre as preciosiclacles rnetalicas que brilharn no
poema, 0 ouro e 0 destaque, simbolizando a irnortalidade da poesia, ja que 0 ouro e
luz, e 0 sfmbolo clo conhecimento:
Invejo 0 ourives quando escrevo:
Imito 0 amor
Com que ele, em ouro, 0 alto relevo
Faz de uma flor.
Carre; desen17a,enfeita a imagem,
A ideia veste:
Cinge-ll7e ao corpo a ampla roupagem
Azul-celeste.
E, se morreres POI' ventura,
Possa eu morrer
Configo, e a mesma Iwife escura
Nos envolver!
, Mesmo que
0
poem a sugira que
0
poeta esta querendo fazer urna especie de
exercfcio verbal, a exemplo de "Seduz-me urn leve relicario I De fino artista"; "Invejo
o ourives quando escrevo"; "Corre; desenha, enfeita aimagem,
I
A ideia veste",
trabalhando a palavra como urn ourives 0 faz em sua oficina, e, assim, manter 0 tal
distanciamento, a propagacla impassibiliclacle, 0 que ha, realmente, e uma entrega a
um Iirismo flagrantemente eivado de sensac;;5es.Alem disso, "0 discurso e exortativo,
fulminante."
(LAJOLO,1982: 152) porque a "Forma maiusculizada e duplamente
serena" termina "assumindo 0 papel de ouvinte explfcito clo discurso", 0 que "acaba
de vez com a serenidade do locutor." (Ibid). Ademais, e perceptlvel que habitam 0
poema, no mlnimo, duas faces em Bilac: uma evidente influencia dos parnasianos
franceses - ecos de Theophile Gautier - e um forte tom ret6rico, bastante presente
nos textos bilaquianos, quem sabe, reflexos do Bilac jornalista e empreendedor de
campanhas.
Lajolo (1982) faz, ainda, outro interessante comentario acerca desse poema:
"Profissao de
Fe e 0 vestibulo
Entao, se se toma Proflssao de
kitsch e parnasiano (ate certo ponto) de Panoplias".
Fe como
um poem a kitsch, por ser imediatista, com
um carater sensacionalista, par deixar-se transparecer, pelo menos, como manifesto
do Parnasianismo, em oposit;:ao ao movimento
Romantismo -,
que estava em vigencia -
0
esse texto de Olavo Bilac se posicionaria no mesmo patamar de
outros manifestos _. aparentemente
"kitsches" -,
como e
° caso de
POETICA, de
Manuel Bandeira:
Estou farto do /iri<ilTlOeomedido
Do /itismo bem comportado
Do /irismo func;onario pub/ieo com /ivro de ponto expediente protoc% e
[manifestar;oes de aprer;o ao senhor diretor
Estou farto do /irismo que para e vai averiguar no dieionario 0 cunha
vemacu/o [de um vocabu/o
Abaixo os puristas
Como podemos observar,
° texto
de Bandeira e uma especie de manifesto
do Modernismo: ha Iiberdade de expressao, 0 ritmo e os versos sac Iivres, estes nao
obedecem a nenhuma medida, praticamente nao ha rima, 0 vocabulario e simples,
nao ha pontua<;;ao,0 autor prefere a ordem direta a inversa. Alem disso, nao se quer
o "lirismo comedido" e "bem comportado", foge-se as regras forma is, desprezandose 0 verso "bem martelado". Ou ainda, num outro poema tambem de Bandeira, a
mesma icJeiade manifesto do Modernismo:
"Enfunando os papoS,Saem da penumbra,
Aos pu/oS,- os sapos.
A /uz os des/umbra.
Em ronco que aterra, berra 0 sapo-boi."
'Mell pal foi guerra!'
'Nao foi." - '{-oil' - 'Nao foil'
a
i
,
o sapo-tanoeiror
Pamasiano aguador
Diz: - 'Meu cancioneiro
E bem marte/ado.
(
..)
Brada em assomo
o sapo··tanoeiro:
"_
.. )I grande ade d como
Javor de joa/heiro. /
Vemos, entao, que a crftica a poetas do Parnasianismo, identificados como
"sapos", torna esse outro poema de Bandeira, enquanto representante das teorias
moderristas, tambem/ kitsch; uma vez que percebemos, dentre outros elementos, a
provavel referenda ao pai de Olavo Bilac, heroi na Guerra do Paraguai - "Meu pai
foi
a
guerra!'
I -
'Nao foil' -
formalista de arte parnasiana -
'Foi!' -
'Nao foil" -
presente, principalmente, em "parnasiano aguado"
e a presen<.;ados versos "A grande arte e como
lembram,
sarcasticamente,
, a ironia com a concep<.;ao
versos
de
I
Lavor de joalheiro",
Profissao
de
que
Fe.
Numa outra 6tica, percebemos que Manuel Bandeira nao critica, nessas duas
composl<.;oes poeticas,
propriamente
0
Parnasianismo
ao
ponto
de
tentar
'demolir'esse movirnento. Bandeira, que teve uma forte influencia parnasiana em
suas primeiras prodw;;6es, chama a atenc)io para 0 fate de que nao ha mais espa<.;o
para 0 Parnasianismo, pais cre que este verteu-se em estetica-polftica, distanciandose bastante de ser uma manifesta<.;ao artfstica. 0 poeta pernambucano, profundo
conhecedor das ideias das visitantes ao Monte Parnaso, nao condena exatamente 0
Parnasianismo, porque reconhece esse movimento Iiterario como uma estetica que
contribuiu como parametro para 0 surgimento do Modernismo. Se 0 Parnasianismo
nao, qual entao?
A partir de 1882, com a publicac)lo das Fanfarras, "diminuto volume de
estrofes
redondilhadas,
parnasiano"
de versos hedonlsticos,
(JORGE, 1992:33),
de Teofilo
Parnasianismo no Brasil. Dando prosseguimento
mas de inconfundfvel
Dias, inaugura-se,
a estetica
cunho
oficialmente,
0
contida nessa obra, vem a
publico as Sinfonias, de Raimundo Correia, em 1883, nas quais, segundo Machado
de Assis, 0 autor demonstra "0 labor de um artista sincero e paciente" (Ibid); e
depois, as MeridJon9is, de Alberto de Oliveira, ja em 1884, obra em que 0 autor
abra<;;a0 ideario parnasiano ao qual se manteria fiel, tornando-se, segundo a crftica
especializada, 0 mais ortodoxo de nossos parnasianos. Quanto ao volume Poesias, de
Olavo Bilac, composto por Panoplias, Via-Lactea e Sar~as de Fogo, na edi<;;aooriginal,
tem sua primeira edi<;;aono ano de 1888 e consolida
Entao, Raimundo Correia, Alberto
0
Parnasianismo no Brasil.
de Oliveira e Olavo Bilac formam
0
que,
norma,lmente, chamamos de trindade parnasiana brasileira.
Esse movimento Iiterario
e comumente
acusado de demonstrar, quase que
apenas, um cego amor pelo estilo e uma ansia deperfectibilidade.
E
importante
lembrar que "nem toclos os parnasianos revestiram os seus sonetos numa armadura
de bronze,
a semelhan<;;ade Heredia"
(Ibid,:34) ou de Leconte de Lisle. "Nascido num
pais tropical e possuinclo sangue latino, Bilac" (Ibid:35), por exemplo, "nao poderia
ser um poeta frio, impasslvel" (Ibid). Embora Olavo Bilac demonstre, desde suas
primeiras produ<;;5es,caracterfsticas bem representativas da estetica parnasiana, "ele
denota, mesmo nos primeiros poemas, um grande extravasamento emotivo" (Ibid),
como !poclemos ver neste terceto, extrafdo de Via-Lclctea.f do soneto XXXIII, em que
ha uma retomacla de imagens bastante romanticas, como a de quem caminha
perdido e se encontra no amor ou a do castfssimo beijo numa "pequenina maO'I:
A.'i..<iim
por largo tempo andei perdido:
AM Que alegria ver de novo 0 ninl7o,
ver-te, e beijar-te a pequenina mao!
Sobre os sonetos de Via-Lclctea, Fernando Jorge (1992:84) faz, dentre
muita5, uma observa()lo
importante,
quando comenta que se percebem, "nos
aludidos 5onetos, a presenc;a de um asslduo leitor do5 poetas qUinhentistas e
seiscentistas da lingua portuguesa". 15S0e bastante visfvel ao nos depararmos com
poemas em que ha 0 usa muito forte de uma aliterac;ao sibilante, 0 que corrobora
um ritmo angustiante no poema, ritmo reiterador da 5en5ac;aode algo que esta a se
perder sem que haja 0 querer. 1550 e bastante presente na I(rica camoniana e
denuncia um elemento platonico: 0 5enslvel x 0 inteliglvel. Vejamos:
Quando a suprema dor muito me aperta,
se digo que desejo esquec;mento,
E forr;a que se faz ao pensamento,
De que a vontade livre desconcerta.
(soneto 26, apud PASSONI: 1991:46)
Quantas vezes, em sonho, as asas da saudade
So/to para oade estas, e fico de ti pertol
Como, depo;s do son17o,Ii triste a rea/tdade/
Como lvdo, sem ti, fica depots deserto/
(son/w, Alma_lnQ1l1el-q)
No Soneto 26, Carn5es platoniza 0 amor a partir do instante em que 0
transforma em pen5amento, favorecendo ao Eu IIrico, dessa forma, a condic;aode
esquecer a suprema dor que
0
aflige atraves do entendimento, para distancia-Ia do
consciente. Um similar posicionamento platonico encontramos no poema Sonho, no
!
qual· Bilac permite ao Eu poetico, em sonho, a condil;;ao de ficar ao lado da mulher
amada; entretanto,
esse EU surpreende-se com a consciencia da imagem que Ihe
causa dor: 0 bem de que 0 Eu Iirico carece esta distante, pois "depois do sonho, e
triste a realidade!"
Uma leitura mais minuciosa da obra bilaquiana nos faz perceber, por
exemplo, que Bilac "em bora comungue, desde 0 inlcio, no credo parnasiano, ele
denota,
mesmo nos primeiros
poemas, um grande
extravasamento
emotivo"
(JORGE, 1992:35). Claro que 0 poeta fez uso de modelos, e e inegavel a influencia
do c1assico; entretanto,
Bilac transfigura os modelos, voa sozinho, pois, em seus
£;ij Umversidade Federal de Pernambuco
o
l'rogrimi de P6s-G iQUi em letris
-
r
yaO
versos, "se a tecnica nao suplanta a inspirac;;:ao,pelo menos esta se coloca a altura
daquela" (Ibid).
Quando da publicac;;:aodo volume Poesias, a escritor Raul Pompeia escreveu
um artigo no qual afirmava que Bilae nao era um poeta meramente parnasiano,
ainda que Profissao de
Fe quisesse dizer a contra ria. Para a autor
de 0 AteneuJ Bilac
'tem a forma facil e a Inspirac;;:aoardente" (apud JORGE, 1992: 117), alem de nao
apresentar a fria irnpassibilidade buscada pelos poetas parnasianos, em que se
tOrturavam a concepc;;:aoe as imagens. Prosseguindo, Pompeia afirma que
0
ritmo
dos versos de Bilac "e natural e variado" e que 0 Poeta, "na qualidade de manejador
destro do ritmo, adota com felicidade todas as formas de metrificac;;:aoe de estrofe'!
(Ibid). Quanto as imagens bilaquianas, Pompeia ainda acrescenta que "sao quase
i
sempre abstratas, enquanto as metMoras coneretas sac breves e precisas!' (Ibid).
,A produc;;:aopoetica de Bilac, inegavelmente, obedece a regras parnasianas,
- Jloriza a correc;;:aoversificatoria,
espelha uma forma polida e a maneira de um
ourives:
Quero que a estrofe cdstalina,
Dobrada ao jeito
Do ourives, saia da oficina
Sem um defeito
Entretanto, nao se trata de algo constante e unico, pois 0 poeta "nao busca,
a diferen<;;a de Alberto de Oliveira, a expressao retoreida e diffeil" (MERQUIOR,
1996: 172), 0 que! dentre outras caracterlsticas, tornou 0 autor de "0 eac;;:adorde
Esmeraldas" 0 mais popular dos parnasianos. Num concurso promovido pela revista
Fon-Fon, foi eleito 0 Principe dos Poetas Brasileiros e homenageado "com uma das
maiores manifestac;;:5esde consagrac;;:aoliteraria da nossa Historia" (Ibid: 171).
Os versos de Bilac querem-se, geralmente,
descritivos e objetivos.
Mas,
"Antes de tudo, ele eo poeta da carne, do prazer dos sentidos" (JORGE, 1992:181).
Entretanto, e imposslvel negar que Bilae antecipa, canota uma atmosfera simbolista,
revelada quando a realidade exterior se encontra com a inquietac;;:aointerior; quando,
dada a inercia, a vontade de mudar se esbarra nas impossibilidades presentes na
concretude da realidade cotidiana. Assim, "Bilac tambem foi simbolista. Por mais
singular que possa parecer tal afirmativa, ela e verdadeira" (Ibid). Vejamos alguns
versos do poema Milagre, do livro Sarca_sde Fogo:
Anjo exilado das risonhas
RegiiJes sagradas das alturas,
Que passas pura, entre as impuras
Humanas coleras medonhas!
Trata-se de urn anjo que foi exilado do espac;o sagrado mas que, talvez por
l
sua propria condic)io eterea, simbologica, mantem-se puro, pelo menos diante da
calera hurnana. Ha urna insinuar;ao de descida desse anjo (ser celestial)
a terral
0
qual se ausenta de um ~Hnbiente feliz - "risonhas / Regioes sagradas" -e comer;a a
envolver-se com urn universo mais material, a coneretude humana. Nesse quarteto,
visualizamos a imagern de um anjo cafdo, 0 infcio da perda da aura de pureza.
Estaria, entao, despregando-se da cara desse anjo, apos um atrito entre 0 ser e 0
parecer, uma mascara?
Esse texto
bilaquiano
nos
permite
perceber
algumas
caracterfsticas
simbolistas, como a elaborac;ao sonora do poema, presente na assonante repetir;ao
do som vocalico "au ("exilado",
"passas", "as", "impuras",
"das", "risonhas",
"sagradas",
"das", "alturas",
"humanas",
"coleras", "medon has") ; a aliterar;ao em
"Que passas puro, entre as impuras";
as imagens muito mais sugerem do que
definem algo, numa valorizar;ao do intuitivo e da f1uidez do texto: "Anjo exilado das
risonh<;ts/ Regioes sagracfas das alturas"; a compreensao do que esta ao redor do eu
Ifrico decorre do que sua subjetividade pode captar: "as impuras / Humanas coleras
medonhas!"; 0 poema
interpretar;ao -
e
oferecido como um conjunto de significar;ao aberta, cuja
quase nunca definitiva -- depende de uma cuidadosa e sensfvel
leitura. Todos esses indicios constatam que Bilac, consciente ou inconscientemente,
antecipou a estetica simbolista.
Em seu ensaio "Bitae Versemakel', Junqueira se propoe a analisar "0 que
Sitac fez, nao propriamente como it miglior, mas enquanto 0 competentfssimo fabbro
que sJmpre foi" (apud BUENO, 1997:57). Nesse sentido, acentua que Bilac nos
surpreende, ainda hoje, com sua insatisfal;;ao e constante repetil;;ao, com suas
f6rmas' e formas, "sob as quais pulsava antes uma alma romantica do que um frio
temperamento parnasiano" (Ibid), 0 que 0 distingue dos que apenas valorizaram 0
Monte Parnaso. Na verdade, 0 autor de 0 Ca@dor de Esmeraldas "foi parnasiano
antes na intenl;;ao do que na emo~ao, a qual den uncia rafzes acima de tudo
romanticas" (Ibid:59). Isso, segundo 0 ensafsta, justificaria a grande receptividade e
prestlgio de que gozou Bitac junto ao publico, muito mais que
a crftica.
Entretanto,
se a crftica atacou a poetica bitaquiana, reconheceu-Ihe a inegavel qualidade. Vale
salientar que 0 posicionamento
hostil
a
poesla de Sitac era por que esta "nao
interessava em absoluto ao projeto modernista" (Ibid:60), e nao por consideraremno um mau poeta.
Segundo Junqueira, Sitac deve ser lembrado como um grande exemplo de
uma "atitude criativa e artesanal perante
0
verso, como versemaker e fabbro de uma
arte que dominou com indiscutfvel rigor e tenaz aplica~ao, matizando-a com uma
pureza e uma intensidade de emot;;ao de que nao foram capazes muitos de seus
pares" (Ibid).
o
poeta explora as possibilidades internas da linguagem e faz do texto a
extensao dessas possibilidades, que revestem cada palavra com a uniao fntima do
significado e do senslvel. E 0 objeto poetico torna-se revelat;;ao do sob as palavras e
nos faz vivenciar a beleza da obra de arte, beleza plena advinda das harmoniosas
relat;;oesformais e significativas.
a Pensamento fervet e e um turbilhao de lava:
A Forma, fria e espessa, e um sepulcro de neve ...
E a Palavra pesada abafa a Ideia leve,
Que, perfume e c1arao, refulgia e voava.
(Inania Verba)
"
e voava//
e voa e voara dentro da Historia da Poesia brasileira, ja que, como
constatam as estudiosos e biografos de Olavo Bilac, poucos poetas tiveram a
proje<;;aoe a reconhecimento em vida que se encontra no caso do autor de ~LQ':::
Lacteg. Bilac dispos desse reconhecimento como poeta, jornalista, autor de textos
infantis, propagandista, patriota, enfim, a homem que transcendeu a Literatura e
gozou de uma imensa popularidade e prestfgio -
em vida.
4. A RECEP(:AO A BIlAC: UMA POSSIVEl
a
FORTUNA CRITICA
crftico Nestor Vftor escreveu, ern 1902, embora so tenha vindo a publico
apen~s ern 1919 no volume A Crftica de Ontem., urn texto ern que analisa esse
reconhecimento de que Bilac gozava, tanto por parte da crftica geral, tanto pelos
leitores mais comuns como pelas elites: "Nao e
a toa
que uma sociedade, que um
povo,que uma ra~a qualquer cria fe num tipo seu, apaixona-se por ele, e levanta-o.
E
que esse tipo de qualquer forma corresponde aos ideais da coletividade, de
qualquer modo representa-a legitimamente. ( ...) [Bilac] eo nosso tipo representativo
no que de mais normal possufmos, por for~a que a sua carreira se parecera com a
que leve 0 pais" (apud BUENO, 1997:34-35).
o
texto de Nestor Vftor demonstra
f
entre outros aspectos, que a produ~ao
bilaquiana evidencia 0 fato de que Bilac e um homem de visao, que deixa florescer
suas possibilidades, dentre as quais, uma fun~ao ideologica, no tempo e no espa~o
em que esta inserido. Isso deu legibilidade
principalmente
a
a produ~ao de Bilac, ja que estava "Iigada
manutenc;ao da ideia de capacidade de nosso povo e, assim,
representa~ao que estavamos elaborando em rela~ao
1983: 17).
a
texto
bilaquiano,
dessa maneira,
a
a
nossa realidade" (CARA,
revelaria
uma funcionalidade
ideologica, na medida em que criaria a "imagem de um pafs culturalmente moderno
a partir de uma produ~ao literaria consagrada por um modelo de legibilidade" (Ibid).
FreqOentando sal5es, escolas, quarteis dos variados ,Estados brasileiros,
Bilac, na condi~ao de conferencista, divulgava e legitimava valores nacionalistas,
dentre os quais, "a defesa da lingua nacional, aquele instrumento que .ele dominava
do avesso e do direito, de tras para diante" (LAJOLO, 1982:43). Amalgamados, "0
poeta e 0 jornalista defendiam sua materia-prima, a 'ultima flor do Lacio', metMora
floral de multiplos significados ideologicos" (Ibid):
Amo 0 teu vi~oagreste e 0 teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, 6 rude e doloroso idioma
(liNGUA PORIVGUESA,
A palxao
pela lingua demonstrada
Tarde)
par Bilac mais se assemelha ao
comportamento de um homem completamente enamorado diante da mulher de sua
vida. Nao ha duvidas de que Olavo Bilac viu brilhar em sua vida a luz do amor, e
esse amor a acompanhou intensamente, em todos os sentidos, inclusive no uni-verso
dvico. A declara~ao de ,amor que e 0 poema Lingua POItuguesa par si so confirma
essa face bilaquiana.
E imposslvel
negar a influencia que Bilac representou para a seu tempo, ja
que "ele fal a slntese de sua ciasse, de sua cidade, de seu grupo, das duas primeiras
decadas da Republica Velha, do Rio de Janeiro dos idos de 1900" (LAJOLO, 1982:4344). Embora 0 Poeta tenha sido uma das vozes mais importantes de seu tempo, de
sua gera~ao, "e curiosa, nesse sentido, observarmos quae pouco se conhece do
indivlcluo Bilac" (Ibid).
Mario de Andrade, por outro lado, sob a efervescencia do posiclonamento
artlstico-estetico
e politico de 22, tece alguns comentarios sobre Bilac e sua obra:
"Considero Bllac um dos bons poetas brasllelros. Nao ha novidade nenhuma nisso?
Ha.
E que
nao 0 considero dos maiores. Bilac entusiasmou-me; atrai-me ainda ... Nao
me prende, porque raro me comove. Mas nao sei bem por que nao me comove.
Talvez a excessiva perfei<;ao. Talvez. Acho mesmo que e isso." e "Por enquanto
quero considerar Bilac como deputado da Beleza na terra do Brasil" (Apud BUENO,
1996:37).
,
Sem duvida, os idealizadores da Semana de Arte Moderna, buscando
legitimar uma nova literatura, como todos nos sabemos, demonstraram um aparente
horror ao passado, ao Parnasianismo e, por consequencia,
a
prodw;;:ao poetica de
Olavo Bilac. Talvez 0 movimento parnasiano tenha sido, mesmo, um dos grandes
motivos que impulsionaram
a realiza<;ao da Semana, e com aquelas propor<;oes
"demolidoras" buscadas pelos participantes. Mas, apesar disso, "A forma irreverente
com que tratavamos 0 poeta maximo de sua gera<;ao era, para nos, os de 22, uma
reverencia.
DiscutHo
era ama-Io. Era quere-Io integrado
no nosso anseio de
autonomia mental e no esplrito de revisao dos valores nacionais que postulavamos,
pois levavamos em conta a seiva do seu estro, a for<;a do seu verbo, 0 Impeto
passional dos seus poemas e sua mestria de artesao", escreveu Menotti Del Picchia,
no prefacio ao livro Vida e Poesla de Olavo Bilac, de Fernando Jorge.
Diante dos comentarios de Mario de Andrade, fica c1arlssimo que a paixao
pela Poesia no autor de. Pauliceia Desvairada 0 faz perceber a necessaria e fremitosa
vivencia
do
prazer
estetico
na
obra
bilaquiana,
em bora
Mario
admita,
aparentemente, nao se comover com os poemas de Bilac. Nesse sentido, como bem
observa Janilto Andrade (2001:78), "0 nosso trajeto, levando-nos da experiencia
prazerosa ao conhecimento sistematico da obra de arte, revela-nos que 0 'que se
constroi por este caminho livre entre a faculdade de criar imagens e a compreensivoconceitual' (Gadamer, 1985:47, apud ANDRADE 2001:78) e 0 domfnio da beleza
artfstica.".
Mario de Andrade aliou, por conseguinte, em suas observa<;oesacerca da
obra bilaquiana, 0 julgamento estetico com 0 julgamento crRico.
E,
pois, necessario
que haja uma intersec;;:aodo intelecto e do amor pela arte para que 0 apreciador
consiga perceber a Beleza; somente assim ele percebera a composic;;:aodos versos,
por exemplo.
E na emoc;;:aointelectual
que reside 0 prazer estetico.
Ao considerar Olavo Bilac "deputado da Beleza na terra do Brasil", Mario
parece lidar, ainda, com a Estetica da Recepc;;:aoproposta por Jauss: "0 efeito
estetico comp5e-se de dois fenomenos simu/taneos: a compreensao fruidora e a
frui<;ao compreensiva. 0 prazer estetico conta de antemao com um componente
intelectual"
(1994:63, apud ANDRADE, 2001:79). Mario de Andrade parece ter
realizado uma leitura de fruic;;:aoda obra bilaquiana, observando-Ihe, principalmente,
o processo de criac;;:ao.E ao constatar-/he a Beleza, sugere-nqs que se validou a
sensibilidade, as impressoes provocadas pelo texto, a subjetividade. Entao, embora
destaque a forma - que para alguns se fez fOrma -
Mario de Andrade nao deixa de
levar-se pelo sensfvel, pela seduc;;:aoimpulsionada a partir dos poemas de Olavo
Bilac, numa explfcita visita ao deleite e ao conhecimento da Poetica que Ihe habita,
peremptoriamente
despertada no momento em que se encontra com os versos
bilaquianos. E
"Quando devorei Tarde pela primeira vez,
sei se me compreendem) diante deste5 versos:
0
meu pensamento parou estarrecido (nao
Um comet a passava... Em luz, na penedia,
Na elva, no inseto, em tudo uma alma reblill7avar"
Enlregava-se ao sol a terra, como escravar"
Ferviam sangue e seiva. Eo cometa fugia ...
Asso/avam a terra a terremoto, a lava,
A agua, 0 cic/one, a guelra, a fame, a epidemiar"
Mas renascia a amor, a orgull7o revivia,
Passavam re/igioes ... Eo comet a passava.
E fugia, rir;ando a /gnea cauda flava ...
Fenecia uma rar;ar"a so/id/Jo bra via
Povoava-se oulra vez. E a comet a vo/tava...
Escoava-se 0 trope/ das eraSr dia a diar"
E tudo, desde a pedra ao 170mem,proc/amava
A sua eternidade! EO comet a sorria ...
Reli. Tornei a ler. Creio mesrno que treli. Qual! Nao compreendia! Que diabo! Olavo
fizera simbolismo! Ou coisa que 0 valha? Nao podia ser! Reli. Qual! Nao entendia! Senti que me
p~ava a minha alma parnasiana! Joguei-a fora. Eureca! Esplendor! Fecunda<;;ao!As palavras
brllhavam COIllO vidas. As ideias palpitavam como profecias. (Ibid).
,
o
alumbramento
parece confirmar
em Mario de Andrade, a partir da leitura desse poema,
a compreensao fruidora e a frui~ao compreensiva. Afinal, ele
confessa que Ihe "pesava a alma parnasiana" e decide joga-Ia "fora", ja que entra no
mundo das sensa~oes e, ap6s varias leituras, constata: "Olavo fizera simbolismo!" E
isso se da porque ha em 0 Cometa uma especie de nega~ao, renuncia ao
meramente formal para que sobressaia a fugacidade do tempo, em favor do ritmo do
devir.
0 "cometa"
evoca associa~5es e situa~5es reveladoras de um lirismo
exacerbado, a que contradiz a ideia de que Bilac representa, produz uma extrema
submissao ao elemento formal. As palavras, nesse poema, Iibertam-se de uma
estrutura
sintatica
ordenada,
concreta,
para
assumirem-se
sugestoes,
"Esplendor! Fecunda~ao!" e estimularem a Imagina~ao a encontrar -
sons,
"Eureca!" -
"As palavras" que brilham "como vidas."
Portanto,
Mario de Andrade, eivado pelas impressoes que a texto Ihe
provoca, parece estar mais que atrafdo pela poesia de Bilac; na verdade, sugere que
esta comovido. Oautor de 1'1acunafm-iLdeixatransparecer que sua leitura esta alem
do aparente "exibicionismo metrico e vocabular", que taa insist~ntemente apontam
na poesia bilaquiana.
Em abril de 1892, Bilac e preso, acusado de participar ativamente de um
movimento subversivo contra 0 entao dirigente do pais, 0 marechal Floriano Peixoto.
Segundo
0
proprio poeta, em carta a um amigo: "[ ... J vivo ha quase quatro meses
[ ... J Parado, e engordando
insulado no meio do meu tedio
monstruosamente.
6
paternal!
6
6
afetuoso!
prodigiosamente,
imensamente benigno governo, que
me atribulas a alma, violando-me a correspondencia e cercando-me de vexames"
(Apud JORGE, 1992:177).
Apenas em agosto do mesmo ano, Floriano Peixoto
concedeu anistia a todos aqueles acusados de promover movimentos subversivos.
Em novembro do ana seguinte, Bilac foi exilar-se em Minas Gerais, pois 0 Marechal
nao havia estendido
0
estado de sltio
a terra
Em tais circunstancias podera estar
de Claudio Manuel da Costa.
0
nascedouro das imagens presentes no
poema 0 COMETA. A prisao e 0 exllio de Bilac se deram nos anos de 1892 e 1893,
resRectivamente, e a publica~o
do volume TARDE, do qual faz parte essepoema,
em 1919, apos a morte do Poeta. Talvez as relal;;oes entre esses problemas politicos
de l3i1ac e as imagens poeticas presentes no poema possam parecer distantes
temporalmente,
mas imagens sempre se impregnam na alma de seres senslveis,
a
semelhan~a de um eco que nao se extingue, que insiste em dizer, em dizer.
o
prazer estetico em Bilac pode ter ido buscar inspiral;;ao para escrever 0
poem a 0 COMETA numa uniao entre 0 poetico e 0 politico, ja que tal poema
relaciona construl;;ao e destrui<;ao, estado d'alma e exllio.
representa~o
metaforica
da
luz, da consciencia
a
''cometa'' pode ser a
presente
em um
homem
desapontado, presQ por discordar de atitudes polltico-sociais que prejudicavam a
sociedade a que pertencia. Diante de uma situa<;;aode inercia do homem, 0 poeta
cria imagens que revelam a revolta existencial provocada por uma perseguil;;ao
politica, num flagrante encontro da realidade com a fic<;;ao.Isso nos leva a crer,
portanto, que Bilac nao viveu alheio
a realidade
social na qual estava inserido.
A imagem do "cometa"suscita a ideia de passagem, de transcendencia do eu
IIrico, que dicotomiza a pulsao de vida -
constrtJl;;ao -
e a pulsao de morte -
destrui<;;ao,com um senso de justi<;;afigurado no desejo de mudar. Essa mudan<;;ae
representada no ir e vir do "cometa'; revelada, por exemplo, no uso dos tempos
verba is
no
preterito
imperfeito,
sugestao
de
aspecto
durativo:
"passava",
"rebrilhava", "Entregava-se", "Ferviam", "fugia", "Assolavam", "renascia", "revivia",
"Passavam",
"Fenecia",
"Povoava-se",
"voltava",
"Escoava-se",
"proclamava",
"sorria", E 0 "cometa" sorri no final do poema porque 0 eu Ifrico acredita que 0
marechal Floriano Peixoto passara, enquanto a plenitude democratica social e 0
clvismo permanecerao. "Eles passarao, eu passarinho", como tao belamente nos
disse 0 poeta Mario Quintana,
"Que diabo! Olavo fizera simbolismo! Ou coisa que 0 valha?". Mario de
Andrade chama a aten<;ao para 0 universo simbolista
presente nesse poema
bilaquiano. Poderfamos dizer, entao, que as inquieta<;oes existenciais ocasionadas
pela persegui<;ao do governo de Floriano Peixoto fizeram Bilac escrever um poema
com elementos simbolistas. Tal posicionamento poetico bilaquiano antecipa, denota
uma atmosfera simbolista quando a realidade exterior se encontra com a inquieta<.;ao
interior. Literatura e transfigura<;ao, transforma<;ao. E 0 poeta nao precisou pegar em
armas para transformar a realidade que 0 incomodava. Usou a palavra, poetica.
Na ansia de querer mudar, de dar Iiberdade
a
conscil~ncia presa, Bilac
extravasa intui<;6es simbolistas em 0 COMETA. Tal atitude poetica contrasta com 0
posicionamento do eu lIrico no poema, do mesmo volume Tard~, A UM POETA, no
qual a prisao, oenclausuramento
serve para transformar a realidade:
Longe do esteril turbilhao da rua,
Beneditino, escreve.! No aconchego
Do Claustra, na paciencia e no sossega,
Trabalha, e teima, e lima, e sorre, e sua.!
De acord 0 com Jauss, 0 entendimento de uma obra suscita tres momentos:
le,itura perceptiva,
imediata -
a compreensao;
leitura refletida,
reflexiva -
interpreta<.;ao, e a leitura pesquisadora do horizonte hist6rico determinante
genese e do efeito da obra -
a
da
a aplicac;ao. A compreehsao, portanto, do universo
poetico em 0 COMETA hOSe possfvel quando refletimos e associamos 0 horizonte
historico de um fato da vida de Bilac aos efeitos que esse texto suscita em nos,
leitores.
Um outro estudo sobre
0
"Principe dos Poetas Brasileiros' que merece
destaque eo de Manuel Sandeira:
Ao contrario dos sells gloriosos companheiros, que tatearam com indecisao a cidadela da
Forma, Bilac, ao estrear com seu volume P~5ias, aos vinte e tn§s anos, se apresentava no maior
rigor da nova escola, e no entanto, corn uma f1uencia na linguagem e na metrica, uma
sensualidade
flor da pele, que 0 tornavam muito mais acessfvel ao grande publico ... 0 sucesso
do livro foi irnediato." "Faleceu 0 poeta quando se imprimia a seu lJltimo Iivro, Tard~, uma
cole~ao de sonetos tao diversos dos de Via Liktea, quanta urn triste crepusculo 0 e de uma
manha de sol. A idade dos amores tinha passado, agora chegava a da reflexao ... E a hora dos
remorsos, das saudades, mas tambem da resigna~ao e do apaziguamento ... Nota-se na forma
desses sonetos uma involuc;ao para a rigidez parnasiana, para a l6gica da chave de ouro, para a
solenidade vocabular. Desejarfamos menos clangor de metais nessa grave sinfonia da tarde.(apud
AMOROSO LIMA, 1980:109).
a
Em sua crftica, Manuel Sandeira observa 0 fato de que, entre os poetas "que
tatearam com indecisao a cidadela da Forma", ou seja, dentre os parnasianos, Sitac
merece destaque porque faz uso de "uma fluencia na linguagem e na metrica, uma
sensualidade
a flor da pele, que 0 tornavam
muito mais acessfvel ao grande publico".
Quando se refere ao "clangor de metais", 0 poeta pernambucano destaca 0
trabalho com a sonoridade que, a seu ver, e bastante estridente nesse livro de Silac.
Nao significa dizer que e uma musicalidade que se aproxima daquela buscada pelos
simbolistas. Trata-se de algo mais forte, mais encorpado. Talvez essa sinfonia
estridulante ocorra por deixar-se transparecer nos 98 sonetos mais uma preocupa<;;ao
com a constru<;;aodo texto do que propriamente com uma inquieta<;ao amorosa do
eu \frico, processo explicclvel, quem sabe, porque "A idade dos amores tinha
passado, agora chegava a da reflexao ...
E a hora
dos remorsos, das saudades, mas
tambem da resigna<;;aoe do apaziguamento ...". Mais preocupado em discutir temas
que perpassam a retorica c1assica, Sitae dispensa maior aten<;;aoao verso alexandrino
e
it
composi<;;aobem elaborada, valorizando, imensamente, a chave de ouro.
Alem disso, no Iivro Igrde
0
leitor e arrastado para dentro do discurso,
porque 0 eu Ifrieo mantem seu discurso direcionado a uma segunda pessoa, qualquer
que
seja
ela, no momenta em que esta contempla os poemas ali presentes. Esse
recurso provoca uma maior intimidade entre a voz que fala nos textos e a voz que
fala dentro de quem Ie ou ouve.
Embora haja um trabalho meis apurado com a forma, 0 usa frequente do
alexandrino,
uma dedica~ao malor ao processo da composi~ao poetica e uma
aparente ausencia de inquieta~ao, "acham-se em Tarde alguns dos sonetos mais
bem realizados de Bilac, consensualmente admirados: Lingua POituguesa, As Ondas,
A um Poeta, Vila Ricci' (TEIXEIRA, 1997:48). Alem disso, esse Iivro e ''composto
basicamente pelos poemas reflexivos de Bilac"(Ibid:47).
sugestivo, por se tratar de suas ultimas produ~6es.
0 titulo Tarde e bastante
a Poeta compara
a sua velhice
a
luz de uma tarde de verao, dessas que 56 se veem em nasso firmamento
E uma luz que
nao quer morrer, uma luz que se agarra desesperadamente a tudo, e que [ ] loucamente se
atira ao prazer, amanda e chorando, aproveitando com febre as derradeiros instantes da
existencia: expelida das furnas, apega-se aas vales; recha<;ada das rechas, segura-se aos
pfncaros das serras; espancada dos montes, pela noite que cresce, refugia-se nas nuvens; e ja a
treva cobriu toda a terra, e ainda essa luz, recalcitrante e teimosa, tinge vagamente a ceu todo
povoado de estrelas ... (Apud JORGE, 1992:305).
No fundo do meu ser, our;o e suspeito
Um pe/ago em suspiros e rajadas:
Mill76er; de vivas a/mas sepu/tadas,
Cidades submergidas no meu peito.
As vezesr um torpor de aguas paradas ...
Mas, de repenter um temporal desfeito:
Festar agoniar jUbilor despeitor
Clamor de sinos, retinlim de espadas,
Prociss6es e motinsr g/6ria e /utor
Choro e 170sana... TeNer de sangue novOr
Fermentar;ao de um mundo agrestp p bruto ..
E ha na esperanr;ar de que me COi, ,vor
E na grita de duvidasr que escutor
A incerteza e a a/vorada do meu povo!
Em Caos, 0 eu Ifrico faz uma viagem ao amago do Ser, a um ventre-Iabirinto,
ventre-mar, 0 "pfi!agor: Experimentar 0 que se sente, par vezes, pode ser expulsar 0
de-dentro;
mas tambem, mirar, contemplar,
dar-se conta das "Milh6es de vivas
almas sepultadas,
/ Cldades submergidas";
"um torpor de aguas paradas ..."; "um
,
.
tempOl)al desfeito"; "Festa, agonia, jubilo, despeito,
I
Clamor de sinos, retintim de
a
IEl'I
espadas,
novo,
I
I
Procissoes e motins, gloria e luto,
I
UOIYersidade Federal de Pern.mbuco
~rograma de P6s·Graauayio em letras
Choro e hosana ... Ferver de sangue
Fermenta~ao de um mundo agreste e bruto ..."; "a incerteza e a alvorada".
Diante disso, e possfvel ate que 0 de-fora, agora, nao seja mais 0 de-dentro
de outrora, outra hora. Para a sustenta~ao do EU, a "esperan~a" e as "duvidas" num flagrante oxfmoro ~ levam 0 Homem a criar, inventar, transmutar-se, deixar-se
conduzir pela possibilidade de alcan~ar a "alvorada". A exemplo de "esperan~a" e
"duvidas","incerteza"
e "alvorada" tambem assumem um carateI' de oxfmoro nesse
a "incerteza",
Caos bilaquiano. Afinal, contrapondo-se
a "alvorada" vislumbra a ideia
de vitoria, um esplendor apolfneo, presen~a do deus Sol. AJem do mais, ressoa,
nesse texto de Bilac, mais que um ir para dentro, senao uma ida para
0
infinito que
somos e temos, universo solicitado, cobrado POl'esse EU que se pluraliza e ganha a
dimensao de "povo".
o
leitor, naturalmente,
sabendo 0 significado de CAOs;. espera algo que
reflita "grande desordem ou confusao'; num ritmo agitado, forte. Entretanto, tocaIhe algo mais leve, com perfodos longos, ora~oes intercaladas, varios adjuntos, 0 que
torn a , 0 ritmo mais lento. Os termos
"CAOS'~ ''l?AJADAS'~ "CIDADES'~ ''PEITO'~
"TEMPORAL';
''FESTA'~
''PROCISSOES';
"MOTINS'; "HOSANA'~ "FERMENTA(;AO" dao ideia, geralmente, de
m'ovimento.
POl' outro
''SUBMERGIDAS'~
"AGONIA '~
lado,
"TORPOR';
''ALVORADA" denotam,
os
"CLAMOR
termos
"PARADAS'~
tambem geralmente,
Superpoem-sesemanticamente
DE
SINOS';
''SUSPIROS';
''LUTO';
"DUVIDAS';
''l?ETINTIM';
"SEPULTADAS';
"INCERTEZA';
serenidade, um ritmo mais lento.
no poem a os termos que refletem
uma certa
calmaria. POl'se tratar de um texto do infcio do secuJo XX, reflete-se af uma rela~ao
desse: ritmo com a epoca em que foi produzido: embora um CAOs;. algo padronizado,
mais calmo.
Escandindo os versos do texto citado, temos 0 seguinte:
No - fun - do - do -- meu - SER - au - <.;0 e - sus - PEl [to]
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
Urn 1
pe 2
la - go ern 3
4
GUS -
5
PI - res - e - ra - JA [das]
6
7
8
9
10
Mi - Ihoes - de _.vi - vas - AL - mas - se
1
2
3
4
5
6
7
Ci - da - des - sub - met- - GI - das - no
1
2
3
4
5
6
7
_. pul - TA [das]
8
9
10
- meu - PEl [to]
8
9
10
a esquema rftmico desse quarteto e representado da seguinte maneira: E.R.:
10 (6- 10). au seja, os versos sao decassflabos, com acento na sexta sflaba. Tratase, portanto, de uma composi<;:aosimetrica. 1550, de uma certa forma, contra ria uma
posslvel ideia inidal do leitor em pensar que
0
texto teria um ritma forte, alucinante,
por se nomear Caos.
Uma observa<;:aoimportante que se deve fazer em rela<;:aoao ritmo de um
poem a eo fate de que nao devemos procurar sempre esquematizar esse ritmo, pois
um poeta pode deixar ao leitor a chance de usar uma leveza acentual, de que dispoe
o idioma. E, dessa forma, encontrar-se com a musicalidade das palavras. Como diz
Verlaine, em sua Art poetique:
A musica antes de qua/quer outra coisa
E para isso prefira 0 impar
Mais vago e mais so/uve/ no ar,
Sem nada ne/e que pese Oll que pouse.
Ressoarn-se, nesse poema, sutis sons - ''retintim'' de palavras - que nao
podern passar desapercebidos na melodia que enche todo esse CADS de Bilac:
No fundo do meu ser, ou~o e suspeito
Um pt§lago em suspiros e rajadas
- a repeti<;;aoda sllaba "do" e a alitera<;:aoda letra P podem insinuar uma ideia de
rnovirnento para 0 interior, parece urna especie de'pancada' nesse "fundo do ... ser"
ou as proprias "rajadas". Alem disso, 0 sorn de S, presente, tarnbern e sobretudo,
ern "Cidades subrnergidas"; "As vezes"; "sinos"; "Procissoes"; "Choro e hosana ...",
sussurrarn ao leitor uma sensa<;:aode transpasic;:ao.
E
flagrante,
igualrnente, a
assorl,ancia de 0 e de A. Tudo isso nos apresenta a parentesco sonoro corno recurso
da linguagern poetica. Em "Clamor de sinos, retintim de espadas", por exemplo, a
palavra "retintim" ganha urn valor onomatopaico que tanto serve ao sonido do "sino"
como
a pancada das "espadas".
Numa rela<;:aoparalellstica, inclusive, a estrutura slntatica do ultimo terceto
imprime um ritmo de prepara<;:aopara 0 ultimo verso - a tao famasa chave de ouro
parnasiana; preparac,;aocorroborada pelo tom conclusivo assumido pragmaticamente
pelo conector E:
E IJa na espe!an~a, de que me comovo,
E na grita de dtJvidas, que escuto,
A incerteza e a alvorada do meu povo./
E
possivel ao leitor perceber determinado ritmo em um poema por este
apresentar-se organizado em versos, os quais estao agrupados em estrofes. Sem
duvida alguma, a extensao de um verso esta intimamente associada ao processo
ritmico, pela evidente correlac,;aoentre ritmo e metrica.
o
criterio pelo qual e estabelecida a extensao de um verso e a metrica.
Utilizando-se 0 sistema silabico-acentual, conta-se 0 numero de sflabas dos versos;
em seguida, verifica-se quais as sflabas fortes, tonicas ou acentuadas em cada verso.
Tudo isso que diz a respeito de uma teoria Iiteraria e necessario, nao ha
duvidas. Entretanto,
poetico,
el poetizar,
originalmente
nao pode ser esse apenas 0 olho que ve. Afinal, "el acto
el decir del poeta [ ...] es un acto que no constituye,
al menos, una interpretacion,
sino una revelacion
de nuestra
condicion" (PAZ, 1998:148). Ao Homem que nao conhece ou pouco conhece a
poesia, 0 poema e um elo com 0 mundo. Quanto aquele que e Intimo da poesia, 0
poema e um mundo. Areia movedil;;a, fio condutor, trilha, a Iinguagem poetica muda
o ser humano, humanizando-o e harmonizando-o.
Nos Manuais de Literatura,
quanta
a
hoje, encontram-se
inci~ientes informa<;;5es
obra de Olavo Bilac, bem como ao proprio Parnasianismo. Uma simples
observa<;;aonos faz constatar que quase todos repetem as mesmas informa<;;5ese as
mesmos textos: Profissao de
Fe,
a soneto XIII de Via-Ljlctea, Lingua POItuguesa,
qUi<;;aA Um Poeta. 0 conteudo desses poemas - exceto a soneto de Via-Lactea - e
a referencia constante a eles tendenciosamente refor<;;ama ideia de que Bilac apenas
trabalhou a aspecto formal, que
e um poeta
beletrista, escravo da forma/fOrma, que
em seus textos "Nao ha mais poesia, / Mas ha artes poeticas ...", como diz Bandeira
em Os Sapos. Dessa maneira, as nuances romanticas -
au neo-rornanticas -
e as
simbolistas presentes em Via-Uktea quase passam despercebidas. Alem do mais, a
cita<;;aoconstante daqueles poemas cria uma certa antipatia do leitor/estudante para
com Bilac e a Parnasianismo e nao da, assim, a dimensao real do que representaram
para a Literatura.
Tal
posicionamento
estetico-polftico-pedagogico
parece
sugerir
"Repetem-se hoje as estereotipos criados pela estrategia do combate modernista
que
ha
mais de oitenta anos, como se essa fosse urna perspectiva absoluta." (TEIXEIRA,
1997:112-13). Das leituras atualizadas sabre Bilac, destacamos as de Marisa Lajolo,
em Melhores Poemas de Olavo Bilac (1984); de Ivan Junqueira, no ensaio Bilac
Versemaker, reeditado em Obra Reunida de Olavo Bila~ (1996); de Alexei Bueno, na
introdu<;;ao a esse mesrno volume; de Antonio Dimas, na organiza<;;ao de Vossa
Insolencia: cronicas de Olavo BilC:l~,para a serie Retratos do Brasil, e as de Ivan
Teixeira, na organiza<;;aoe prefacio a Poesias I Olavo Bilac (1997).
Na antologia organizada por Lajolo, destaca-se
0
Bilac Hrico-amoroso, ja
que, segundo a organizadora, este retrata os "melhores poemas: aqueles pelos quais
ele pode, sem desdouro, dialogar com a sensibilidade do publico contemporaneo e,
de quebra, onde assomam alguns indfcios da supera~aa do figurino parnasiano e
convencional que muitas vezes espartilha sua poesia." (LAJOLO, 2000:9) Para a
autora, tais poemas sobrevivem nao porque a tematica do sentimento amoroso seja
universal e transponha qualquer barreira, "mas porque Bilac era urn born poeta,
como nao gostam de admitir crfticos engajados."(Ibid)
, e, sobretuda, "por certos
procedimentos modernos (au modernizantes, va la...) que, talvez, it propria revelia,
Bilac praticou aqui e ali, de permeio a amadas e estrelas, e apesar da riqueza da
rima e da exatidao do metro."(Ibid:9-10).
A aprecia<;ao de Lajolo se refere, tambem, ao comportamento crftico que se
tern rela<;ao it obra bilaquiana que, apesar de vastamente conhecida, a ponto de ter
sido declamada nas ruas, nas festas, goza, hoje, de pouca aten<;ao. Mantem-se,
ainda, a ideia de urn poeta escravo da forma/fOrma e i1ustre representante da
estetica parnasiana no Brasil, 0 que fez de BHacuma especie de 'bode expiatorio dos
modernistas
de 22" (Ibid:9.).
E uma leitura
escravizantes teorico-metodoI6gicas,
de frlJi<;ao, sem preocupa<;6es
nos permite perceber que 0 estigma de urn
I
poeta apenas parnasiano se desvanece sob as multifaces dos Bilaques. Vejamos
como se comporta 0 eu Ifrieo nesta composi<;ao poetica de Bilac:
Dormes ... Mas que sussurro a umedecida
Terra desperl-a? Que rumor enleva
As estrelas, que no alto a Noite leva
Presas, luzindo,
tunica estendida?
a
Sao meus versos! Palpita a minl7a vida
Neles, falenas que a saudade eleva
De meu sei~ e que vao, rompendo a treva,
Encl7er teus son17os,pomba adormecida!
Dormes, com 05 seios nus, 170 lravesseiro
Solto 0 cabelo negro:' .. e eNos, correndo,
Doudejantes, sutis, teu corpo inteiro ...
Beijam-te a boca tepida e macia,
Sobem, descem, teu hi/ito sOlvendo ...
POl'que surge tgo cedo a /uz do dia?!
(Soneto XVIII, Via~L,kteg)
Como ocorre freqOentemente na produc;;ao bilaquiana, 0 eu Hrico nesse
soneto se dirige diretamente
a um interlocutor,
0
que confirma aquela ideia de
envolvimento com 0 leitor: "Dormes ..."; "Eneher teus sonhos"; "teu corpo inteiro ...";
"Beijam-te
a boca";
"teu
halito
sorvendo",
num ambiente
sensualidade. De maneira bastante representativa,
verdadeiro leito em que 0 eu Hrico deseja estar.
E
de intimidade
os "seios" se constituem
e
no
uma especie de cola generoso,
espac;;oque expande dadivas que podem ser ao mesmo tempo sfmbolo de protec;;aoe
sfmbolo de provocac;;aosexual; para um ou para outro, um espac;;ovivificador.
Ademais, os cabelos negros podem refletir uma imagem de teia de aranha,
na qual
0
poeta ambiciona enredar-se numa louca paixao. Ou ainda os cabelos
podem ser 0 reflexo das maos sedentas, que querem estar no outro corpo, que
querem encher-se do outro corpo, apalpar, apertar, sentir, esquentarem-se. Todo
'a luz do dia';a
esse ambiente e dissolvido quando chega, muito ''cedo';
o
razao.
Iirismo intimista que Bilac revela, sobretudo, nos sonetos de "Via-Lactea
N
representa a visao de um amor iluminado, sob 0 brilho das estrelas e atrelado a
abstrac;;6es. 0 eu Ifrico em Bilac ama de maneira intensa, entrega-se
a
paixao com
uma sensualidade que realc;;a"formas, cores, texturas, sons, temperaturas, brilhos e
movimentos que espreitarn 0 leitor a cada verso, dando concretude ao mundo
criado" (LAJOLO, 200: 10):
Beijam-te a boca tepida e macia,
Sobem, descem, teu hi/ito sOlVendo...
POl'que surge tgo cedo a /uz do dia?!
l
0 interesse que a Ifrica de Bilac ainda desperta atualmente no leitor parece
"residir na profunda plasticidade do universe que seus poemas constroem. Seu
mundo, como 0 nosso de hoje, e um mundo de imagens" (Ibid). Alem disso, as
imagens revelam sensualidade, erotismo, materializam
numa imagetica Iibidinosa, lubrica:
0
amor e a mulher amada,
Dorme~ com as seios nus, no travesseiro
Saito a cabelo negro ... e ei-lo~ correndo,
Doudejante.s, suti~ teu corpo inteiro ...
"que, transbordando, erotiza todo a universo, mesmo aquele permeado de valores
outros, mais peredveis"
embora
num alexandrino
(Ibid).
E a natureza se converte num cosmos lascivo,
au decassflabo elegantes,
em que a emo~ao, as
sentimentos, as sensa(,;oesse metaforizam em "for(,;as encarnadas pelos elementos
mais concretos da natureza" (Ibid: 11), e a lirismo exala-se "no c1ima nada platonico
de uma sensualidade palpitante e palpavel" (Ibid).
I
i
, Ainda nesse sentido, Lajolo comenta que essa dimensao sensual e sensorial
contagia outros poemas, mesmo as nao amorosos. Em alguns textos de carater
patriotico, historico, epico, "as imagens de posse e conquista da terra se constroem a
partir de uma linguagem que feminiza a patria e a territorio, masculinizando 0 heroi
conquistador"
(Ibid). Sobre isso, escreveu Affonso Romano de Sant'Anna em sua
analise a 0 Ca<;adorde E:smeralda~:"Substitui-se
0
objeto do desejo: ja nao e mais a
mulher, simbolizando a interdi(,;ao do desejo erotica [ ...]. Agora este acresce-se de
urn qualitativo a mais: alem de erotica e economico. 0 objeto nao e a mulher, mas a
terra. E 0 sujeito que deseja nao e apenas a amante, mas 0 heroi nacional. Bilac vai
privilegiar as imagens eroticas para narrar uma versao ideologica da historia" (Apud
LAJOLO, 1984:11).
"violador
Alem do drama do bandeirante
Fernao Dias Paes Leme, a
de sertoes, plantador de cidades", numa evoca(,;ao epica, espraiam-se
paixoes em imagens da natureza, da terra, que valem menos por sua descri(,;ao
objetiva, e mais pela alegoria dos estados de espfrito e das sensac;oesque envolvem
o heroi e a terra, amante e amada:
E, no seio nutriz da natureza bruta,
Resguardava a pudor teu verde corac;ao!
AM Quem te vira assim, entre as selvas ,c;onhando,
Quando a bandeira entrou pelo teu seiol quando
Femao Dias Paes Leme invadiu a sertao!
A feminilizac;ao da terra esta muito clara nesse trecho de 0 Cac;ador de
Esmeraldas, principalmente quando a voz que fala no texto faz uma representativa
referencia ao seio -- elemento bastante recorrente na produC;aopoetica bilaquiana. E
tambem ao mencionar a imagem da bandeira entrando na terra, "quando / Fernao
Dias Paes Leme invadiu 0 sertao". A partir daf, nao seria tao distante a ideia de uma
relac;ao sexual, 0 que se acentua nas sugestoes de movimento para dentro presentes
no texto: "entrou", "invadiu". 0 Iirismo amoroso bilaquiano e, pois, algo palpavel e
realizado, pouco estelar e pouco distanciado, como podem sugerir, por exemplo, os
sonetos de Via-Lactea. Na opiniao de Lajolo, "e essa concretude um dos elementos
responsaveis por sua [do lirismo amoroso bilaquiano] sobrevivencia neste nosso final
de seculo XX, de poucas estrelas e muitos satelites" (Ibid: 13).
I
Outro elemento de atualidade presente na produc;ao bilaquiana destacado
por Lajolo e uma especie de coloquialismo e de oralidade, bem como de uma Intima
relac;;aoestabelecida entre a voz que fala no texto eo leitar, na maiaria dos poemas.
Claro que nao se trata do coloquialismo convencionalizado pela tradic;ao modernista,
no qual se encontram modos cotidianos e infarmais da fala. Um poeta como Bilac,
sabemos, empenhado em "recuperar 0 verso de um certo desalinho e descompasso
a que algumas vertentes romanticas
0
tinham conduzido" (Ibid:14) e que faz uso de
um lexico rebuscado, nao iria compor sua poesia de elementos lingiHsticos informais.
.
Nessa perspectiva,
segue a autora,
"coloquialismo
e intimidade
se
I
instaoram entre leiter e poeta [ ...]", par este mimetizar, em sua produ<;;ao,"situac;oes
de dialogo: as vezes com a amada, presente em forma de vocativo; as vezes com 0
proprio leitor, alc;ado assim a condic;ao de confidente e interlocutor" (Ibid: 15). Essa
participac;;ao ativa do receptor do texto e um importante ponto destacado par Jauss,
na Estetica da Recepc;;ao.Allnal, essa Teoria possibilita ao leitor sair da passividade
enquanto receptor de uma obra de arte, numa visao muito mais participativa, ja que
oferece amplas possibilidades quanto a analise do papel de talleitor no momenta em
que a comunicac;;ao e efetivada. Destacam-se af, portanto, 0 efeito produzido, a
recepC;ao e a concretizac;;ao do sentido que se dao no contato entre 0 universo
suscitado pelo texto e as experiencias e os conhecimentos internalizados em quem
os recebe. "Com isso,
para 0 interlocutor,
a Ifrica amorosa bilaquiana
reserva um espac;;oimportantfssimo
muitas v€zes trazido ao texto pela presenc;;aexplfcita de um
pronome da segunda pessoa" (Ibid).
Talvez um dos melhares exemplos que possam ilustrar essas observac;;oes
acerca do relacionamento
entre 0 poeta e 0 interlocutor
seja aquele famoso e
antol6gico dialogo, em que Bilac explica e justifica suas conversas noturnas com as
estrelas:
Ora (direis) ouvir estrelas.! Certo
Perdeste 0 senso.!" E eu vos direir 170 entanto,
Q{j~ para ol/vi-Ias, muita vez desperto
E abro as janelas, palido de espanto ...
(Soneto XIII, Via-La~le_Cl)
Ha nesse soneto uma mescla entre a discurso do Poeta e a discurso desse
misteriosointerlocutor,
numa atitude de concordancia ejou conivencia com a que e
dito, a que denota uma profunda identifica~ao entre 0 leitor e a texto poetico.
Em outros textos de sua Hrica amorosa, Bitac consubstancia uma interlocutora,
uma figura de mulher, presente nas composi~5es poeticas como tema au metMora,
alem de ser materializada "pela posi~ao de vocativo que ocupa, implkita ou explkita
na segunda pessoa verbal"(Ibid: 16):
OIho-te: cega ao meu olhar te fazes...
Falo-te - e com que fogo a voz levanto! Em vao... Finges-te surda as minhas frases ...
(Soneto XIX, Via-Ukteq)
Pela intimidade estabelecida no texto, temos a impressao de um dialogo
entre amante e amada.
Par fim, Lajolo certifica-se de que essas nuances a respeito da Ifrica amorosa
bilaquiana
servem "para
assegurar
a Bilac a leitura
prazerosa
de leitores
contemporaneos", por serem, no conjunto da obra, "elementos mais que suficientes
[. ..] para que um seculo depois de sua estreia poetica, ainda haja razoes para se ler
e se amar Bilac" (Ibid: 17).
Em seu ensaio, Bueno (1997), inicialmente, destaca a imensa popularidade
de qavo
Bilac e 0 prestfgio de que 0 Poeta dlspunha.
a ensafsta
afirma: "Figura
paradigmatica do Ifrico da nossa belle epoque, Bilac propiciava aos seus inumeros
leitores 0 que para eles representava a propria qulntessencia da poesla, motlvo
provavel de seu imenso prestfgio entre contemporaneos e da perda posterior desse
prestlgio" (1997: 15). Prosseguindo em sua analise, 0 ensafsta diz que, reagindo ao
desleixo tecnico dos romanticos,
a hipertrofla
formal do credo parnaslano ja
propiciava terreno a essa queda de tons na poesia. Reducionista, a visao de Bueno
nos faz desconflar de que ele nao consegulu perceber as multifaces ou 0 rico
universe imagetico que se reah;;ana poetica bilaquiana. "Talvez seja mais atualler 0
Parnasianismo como se leem os demais estilos do passado, isto e, com relativismo
hist6rico, nao em termos de adesao ou recusa estetlca" (TEIXEIRA, 1997:30-31).
Comparando a prosa e a poesia infantil bilaquianas, Bueno faz referencia ao fato de
que "e na obra poetica seria (sic) que encdntramos os processos tecnicos que
representaram
a max,ima estesia verbal
para toda
uma gera<;ao de leitores
brasileiros" (BUENO, 1997:21).
Num outro momenta de seu ensaio, Bueno aponta que "0 levantamento do
ideario de Bilac revela uma das chaves de sua popularidade. Bilac representa, sem
um momento de dissidencia, a 'senso comum', aquela sabedoria de todos e de
ninguem que e 0 axioma e 0 gaze dos povos" (Ibid:19).
marcante historicismo
a autor
ainda destaca um
na obra bilaquiana, muito mais do que nos outros dols
componentes da trfade parnasiana. Ora, "projetar no passado convicc;;5esadquiridas
no presente pode gerar anacronismos incompatlveis com a boa inteligencia dos
textos, alem de funcionar como armadilha para possfveis preconceitos" (TEIXEIRA,
1997:31). Ademais, 0 ensaio de Bueno parece estar utilizando como criterio, apenas,
o gosto pessoal, desprezando, assim, de uma maneira geral, as contribuic;;5es
artfsticas que a poesia de Olavo Bilac representam para a Literatura Brasileira.
e Unlversldade Federal de Pernambuco
9 Program. d~ Pvs-GraOoa\io em le!r.s
Apesar de neste trabalho nossas atem;5es estarem voltadas apenas para a
poetica do autor de Q__
C~adQr dej;smeraldas, cremos valido e necessario 0 registra,
embora brevfssimo, da pesquisa realizada pelo Professor Antonio Dimas acerca de
um vasto material
de Bilac em prosa. Num magnIfico
resgate das cronicas
bilaquianas, reunidas no volume Vossa Insoh~ncia, Dimas nos apresenta nao so 0
Bitac prosador -
imensa e injustamente
desconhecido -,
senao um autor que
"Nesses quase vinte anos de jornalisrno diario, muitas vezes espalhado por mais de
um vefculo, sell posta privilegiada permitiu-Ihe llma visao angular da sociedade,
cujas frinchas e reentrancias dificilmente escapavam ao seu olhar bisbithoteiro e nem
sernpre certeiro. Ideologicamente irregulares como e de se esperar de quem nao se
palltava por um credo unico, religioso ou politico, as cr6nicas de Bilac pouco atraem
aqueles que precisam de posi<;5esalheias para confirmar as suas." Alem disso, segue
Dimas, as cronicas revelam que Bitac era "uma figura contraditoria
mesmo,
rica,
na medida
em que
nao poderfamos
cataloga-Ia
e, por isso
de maneira
esquematica sob pena de sermos injllstos e arbitrarios."
Vejamos urn trecho da cr6nica "Antonio Conselheiro", de 11 de dezembro de
1896, para "A Bruxa":
o Conselheiro e (dizem-no
todos) um fanatico, um desequilibrado, um histerico. Em criam;a,
tinha crises de epilepsia. Casou. A mae dele desandou logo a ter conflitos e bate-llnguas,
e troca
de insultos asperos com a nora. Entre as duas, Antonio Conselheiro penava, querendo em VaG
reconcilicHas. Um dia, desesperado, foi-se velha: "Par que briga a senhora com minha mulher?
Que Ihe fez ela? Por que nao a cleixa em pazi (DIMAS, 1996: 384).
a
Teixeira (1997) divide em sete topicos seu ensaio sobre Bilac. De infcio,
observa as rela~5es entre "Bilac e os Modernistas", mencionando pontos em comum,
embora bastante perifericos, entre 0 'Prfncipe dos Poetas' e Machado de Assis. Este
"partilha de prindpios adotados por Bilac, tanto no verso (Ocidentais) quanta na
prosa (Quincas Borba). 0 desejo de c1areza, concisao, harmonia, penetra~ao e
simplicidade aproximam
os dois escritores" (TEIXEIRA, 1997:10). Ambos foram
consagrados em vida e muito criticados pelos modernistas de 22. Machado e atacado
por Mario de Andrade e por Drummond, que Ihe creditam admira~ao, mas, por conta
do excesso de tecnica, "empenllam-se em fixar
sua importancia
a historia"
0
mestre no passado, restringindo
(Ibid: 11). Com Bilac, 0 ataque
e mais intenso;
aqueles dois Oswald de Andrade e Manuel Bandeira,
dentre
modernistas, os quais apontam a poesia bilaquiana um mero culto
juntam-se
outros jovens
a
forma, de um
esteticismo desinteressante.
Conquanto, Teixeira chama a aten~ao para 0 fato de que nao podemos
repetir, hoje, 0 posicionamento daqueles autores, que tinham um objetivo bastante
espedfico. Seus textos "eram 'manifestos', modalidade textual que necessariamente
tem de combater a situa~ao dominante em favor de uma nova plataforma" (Ibid: 13).
Alguns criticos e leitores da obra bilaquiana nao tem levado em considera~ao os
aspectos teoricos e historicos dos modernistas. E isso pode inibir 0 nosso contato
com Bilac e 0 Parnasianismo. De acordo com 0 estudo de Teixeira, "muito do melhor
de Drummond seria impassivel sem Bilac. Veja-se Clam_En&ma, tao proximo dos
procedimentos ret6ricos consagrados peJa pratica bilaquiana" (Ibid).
Nessa obra,
i
Drummond apresenta poemas de grande per(cia formal, como A ingaia ciencia.
Partinda dessa abordagem, 0 estudo que Teixeira faz da obra bilaquiana
destaca 0 momento de "45 e Depois", no qual 0 ensaista afirma que "os pr6prios
modernistas
se incumbiram
de reconsiderar criticamente
a paesia parnasiana"
(Ibid:14). Eo caso de Bandeira que, apesar da satira mordaz presente em Os Sapos
e em POf2tica,tern sua fase inicial fortemente marcada por influencia parnasiana. E
em seu estudo critico, a poeta pernambucano "emitejulzos
favoraveis a Olavo Bilac,
afirmando que 'Protlssao de Fe' [ ...] e tao bom quanto sua fonte de inspirac,;ao, 0
poema
'L }lIt; de The6phile
Gautier" (Ibid).
Mario de Andrade e Bandeira se
confessam leitores arrebatados pelos sonetos de Via-La~:tea e por 0 Ca<.;:adorde
I
Esmeralda~. As restric,;oes dos dois poetas "dirigem-se sobretudo ao Iivro Tarde"
(Ibid: 15).
A chamada Gerac,;ao 45, de maneira
polemica,
reage a um "suposto
afrouxamento do verso modernista" (Ibid) e propoe uma revalidac,;aodo rigor formal
bilaquiano, das "formas fixas e dos versos metrificados dos parnasianos" (Ibid). Ha
um "quase Neoparnasianismo"
(Ibid).
Temos como exemplos Ledo Ivo e Geir
Campos, alem do inegavel Vinculo de Joao Cabral de Melo Neto "ao ressurgimento
dessa poetica nos anos 40, 0 que se observa sobretudo em sua obsessao pe!a
metrica regular e pela simetria das estrofes" (Ibid). Claro que Cabral, com sua
originalidade, soube aproveitar a objetividade sem se confundir com ela.
Com agudeza, Teixeira chama a atenc,;aopara 0 fato de que os dois poetas,
Bilac e Cabral, apresentam "Olltro trac;:ocompositivo mais ou menos em comum: a
produc,;aoem serie, ainda nao analisada pela crltica" (Ibid:16). Nas obras Quaderna e
Serial, Cabral experimellta variac;5es em torno do mesmo tema, abordando ''aspectos
diferentes de uma so topicaN(Ibid).
No livro larde,
Bilac faz a mesma experiencia,
principalmente nos "conjuntos de poemas interligados pela explorac,;aode motivos de
uma mesma area semantica, como a serie constitulda pelos sonetos: 0 Vale, As
Montanhas., Os Rios, As Estrelas, As Nuvens e As OndasN (Ibid). Bilac ainda faz usa
desse recurso no Iirismo epico de As-Y.iagens,em que aparecem sonetos em torno da
"t6pica da aventura de povos ou indivfduos que se entregam aos extremos" (Ibid).
Estaria ai, provavelmente,
0
embriao do procedimento cabralino. Essa semelhanc,;a
merece um estudo mais aprofunclado, para que se investigue uma "possfve! forma
mental" (Ibid) comum aos dois poetas.
A "MultiplicidadeNbilaquiana
tambem e destacada no ensaio, t6pico que se
justifica como 0 momenta em que 0 ensafsta oferece, sobre a obra de Bilac, "uma
divisao provis6ria, com prop6sitos didaticos: poemas de impassibilidade parnasiana,
poemas de erotismo espetacular, poemas de lirismo intimista, poemas epicos e
poemas reflexivos" (Ibid: 18).
Dos "poemas da impassibilidade parnasiana", Teixeira destaca aqueles em
_que Bilac esta mais preocupado com a beleza, plastiea, visual, numa flagrante
absor~ao dos ideais da "arte
completamente
pela arte".
Entretanto,
tais
poemas nao sac
estaticos, e sim 'lima especie de eontemplar;ao ativa". Teixeira
sugere que vejamos 0 soneto A Ronda Notuma, no qual 0 poeta "descreve, com
objetividade de nouveau roman, um ambiente noturno dominado pela imobilidade;
subito, surge 0 movimento de guarclas em seu ofleio de espreitar":
Noite cerrada, tormentosa, escura,
La fora. DOrine em trevas 0 con vento.
Queda imoto 0 arvoredo. Nao fulgura
Uma eslrela no lorvo firmamenlo.
e
Dentra
tudo mudez. Ftebil murmura,
De espa~o a espa~o, entanto, a vaz do venlo:
E l7a um rasgar de sudarios pela altura,
Passo de espectros pelo pavimento ...
NasI de sllbito, as gonzos das pesadas
POIt-aSt-angem... Ecoa surdamente
Leve rumor de vozes abafadas.
E, ao clarao de uma tampada tremente,
Do claustra sob as tacit as arcadas
Passa a ronda notuma, lentamente.
No primeiro quarteto, ha uma n1tida sensa~ao de inereia, uma descri~ao
aparentemente
"eerrada",
objetiva, que denota um universo estatieo, revelado nos termos
"escura", "trevas", "imoto",
alem de "mudez",
no primeiro verso do
segundo quarteto. Esse ambiente come<;;aa ser transformado de maneira sutil, ja
que "Flebil murmura / [ ... ] a voz do vento: / E ha urn rasgar de sudarios pela altura,
/
Passu de espectros
pelo pavimento ..." denotam
suavidade de movimento.
SUbitamente, 0 ambiente e modificacJo, pois "os gonzos das pesadas / Portas
rangem ... e "Ecoa [ ...] / Leve rumor de vozes abafadas. / E [ ...] / Do c1austro [ ...]
/ Passa a ronda noturna, lentamente ... ".
a que
poderia ser a mera descri<;;:aode um
pormenor desinteressante e inexpressivo do ambiente, ganha uma expressividade
visual e auditiva. Atentemos, POl' exemplo, para a alitera<;ao de passos marcados
com 0 fonema P no seguinte verso: "Passode
sugestao
movimento
de distanciamento
espectros pelo pavirnento ..." e a
desses passos que as reticencias
dos guardas, "em seu offcio de espreitar",
provocam.
0
assume uma "brusca
~
Universidade Federal de Pernambuco
if ~rO!r.mide Pos'Gridui~~Gemletr.!
movimenta<;;ao" que "sauda a vida, que se imp5e contra a inercia da noite. Trata-se,
essencialmente, de um poema que registra
0
momenta solene de um instante da
vida exterior" (Ibid: 19). Contra essa descri<;;aode um momenta solene, insurgem-se
os modernistas, valorizando 0 cotidiano, as "coisas miudas de todo dia" (Ibid:20).
Conscientemente, Bilac "preferiu f1agrar a realidade a partir de arquetipos da
tradi<;;ao c1assica" (Ibid:21);
daf resllita "0 princlpio da impassibilidade", como os
poemas '~ Sesta de Nero, 0 Ioo§/ldio de Roma e a Sonho de Marco Antonio, todos
de Pan6plias';
0
Iivro, par isso mesmo, "mais radicalmente parnasiano do autor"
(Ibid:22) .
.s.~n:;asde Fog.Qe 8llJliLlo.mliet.a seriam as duas obras em que ficam mais
evideqtes os "poemas de erotisrno espetacular" na Ifrica bilaquiana. Essas obras
"comp5em a face mais popular de Olavo Bilac" (Ibid:24). Ha descri<;;5esde mulheres
nuas,em
posi<;;5esbastante insinuantes, numa flagrante "expansao de desejos e
fmpetos sexuais" (Ibid). Mas apesar desse universe lubrico, libidinoso, mantem-se a
elegancia bilaquiana, fruto de um poeta que sabe jogar com sentidos, imagens,
descri<;;5es,sugest5es, sons:
{ ..] Desata, como um veu,
Sabre a tua nude? a cabeleira! Vamos!
Arda em chamas a chao; rasguem-te a pele as ramos;
Morda-te a COlPO0 sol; il1juriem-te 0.<;l1in1105;
SUljam fera.e;a uivar de tados os caminhos"
(A Alvorada do Amor- ,i\.JrniLl!lQ.uietClJ
o amor
illlminado -
imagens de eshelas, luar e amplidao celeste -
se
revela nos "poemas de Iirismo intimista", nos quais a musa, "a um tempo mulher e
santa, inunda-se de luz e musica das esferas" (Ibid:28).
Nessa perspectiva,
convencionou-se falar em "Iirismo estelar de Olavo Bilac" (Ibid), justamente
por
causa da popularidade de Via-Lactea: "Ora (direis) ouvir estrelas!" e um dos versos
mais conhecidos do Poeta. Entretanto, nem todos os poemas de lirismo intimista
bilaquianos estao presentes em Via"Lclctea; muitas dessas produ<;;5es estao em
Sarcas de Fogo e em AlmilJnillJietQ. Alguns desses poemas "representam 0 que ha
de mais persuasivo na poesia brasileira" (Ibid:32), como e 0 caso de Nel Mezzo Del
Camin... (SanAs de FoQ,Q):
E elf, solitalJo, volta a face, e tremor
Venda 0 teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.
Esse soneto de Bilac, de uma certa maneira, deixa transparecer
sensualismo reprimido,
sublimado em magoa e ressentimento".
"um
1550 sugere a
Teixeira observar que 0 Poeta "inspirou-se na tradi<;ao arcaica do Iirismo portugues
para fugir da poesia social dos realistas e do Iirisllio sexualista dos primeiros
baudelarianos brasileiros, dos anos 70-80" (Ibid).
o
ensaio menciona, ainda, mais uma rela<;ao da obra bilaquiana com a
drummondiana:
Nel Mez10 Del Camin... e No Meio do Caminho. Dessa vez, afirma
que "a imita<;ao ironica de Drummond talvez seja mais conhecida do que sua matriz
bilaquiana" (Ibid:36).
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha lima pedra no melo do camlnho
tinha lJma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra
(Alguma Poesla, 1930)
Claro que 0 poeta itabirano reproduziu, com ironia, apenas "0 esquema
retorico de Bilac, que e a repeti<,;:aoinvertida do qUiasmo", e, propositadamente,
incluiu a oralidade cotidiana tao a gosto dos modernistas, na troca do classico haver
pelo usa coloquial do verbo tel:
Indiscutivelmente
consagrado pela produ<,;:aoHrico-amorosa, "Bitac sempre
se preocupou com a ideia de compor um hino as glorias do passado nacional'l
(lbid:38). E sua principal experiencia epica e, sem duvida, p Ca~ad9Lde Esmeraldas,
no qual refulge um forte carater patriotico, na tematiza<;ao das "bandeiras do seculo
XVII, que, em bllsca de riqllezas, alargaram as fronteiras do pais" (Ibid:39).
Alem
desse poema, Bilac produziu outros de carater epico, como Sagres, no qual celebra
as navega<;6es lusitanas e comemora 0 quarto centenario da descoberta do caminho
maritimo para as Indias, e
0
conjunto de sonetos intitulado As Viagens.
Teixeira charna a aten<;ao para
0
fato de que 0 Ca(;ador de Esmeraldas
apresenta urn "aspecto inovador na tradi<;ao epica brasileira, que eo minimalismo da
epopela", ou sejal um "recorte rnetonfmico da historia colonial" (lbid:41);
que se
entenda aqui
0
termo minirna/ismo "como a busca do maximo atraves do mfnimo"
(Ibid). Na visao do ensafsta, essClconcisao epopeica,
0
seu "/irismo epico'~ aproxima
Olavo Bilac de Fernando Pessoa, 0 qual utiliza esse recurso na obra Mensagem
(1934). 0 resultado das produc;oes dos dois poetas e distinta~ mesmo que persista
num e noutro "0 ideal c1assico da sintaxe e da explora<;;aoretorica das t6picas da
tradi<;;ao" (Ibid:42).
A partir disso, Teixeira faz um levantamento
de evidencias
comprovadoras de que Pessoa leu, de fato, a obra bilaquiana, ja que "0 poeta
brasileiro era muito estimado em Portugal", alem de que 0 nome de Bilac "constava
da antologia como um classico do idioma" (Ibid). Para corroborar esse posslvel
dialogo entre a cria<;;aopoetica em Pessoa e em Bilac, 0 ensaio menciona que 0
'I
poemeto Sagres (1898)
e sobre
0
Infante D. Henrique;
0
primelro poem a de Pessoa
para 0 Iivro MenSfigem "foi escrito em 1913" e se trata de "D. Fernando, Infante de
portugal" (Ibid:44), epoca em que
0
poeta portugues estava "envolvidocom
a ideia
de se irnpor como 0 segundo Carnoes, procurando urna teoria que 0 irnpulsionasse a
urn novo projeto de epopeia nacional" (Ibid).
Parece-nos valida
fundamentar
transcrever
aqui as textos
que Teixeira
cita para
a hipotese de que Bilac e Pessoa podern partilhar de uma mesma
perspectiva nacionalista:
so,
fla tragica noite e no SIVOmedonho,
Inquieto como 0 mar sentindo 0 corac;ao,
Mais largo do que 0 mar sentido 0 proprio sonl7o,
56,. aferrando os pes sobre um penl7asco a pique,
SOlvendo a ventania e espiando a escuridfJo,
Quedar como um fantasmar 0 Infante Dom Henrique.
(Sagres, est. II)
Em seu trono entre 0 brill70 das esfera/i,
Com seu manto de floite e soNdao,
Tem aospes 0 mar novo e as mOltas erasUnico imperador que tem, deveras,
o globo mundo em sua mao.
(J\ll~ns1'lgell], 0 Infante D. Henrique)
Ao
analisar
OS
"poernas
reflexivos"
de
Bilac, Teixeira
afirma
que,
normalmente, atribuem-se ao Iivro Tarde, editado em 1919, apos a morte do poeta,
caracterfsticas simbolistas, "nao 56 pela musicalidade, mas tambem pelas sugestoes
cromaticas" (Ibid :46). Entretanto, e estamos de acordo com
0
ensafsta,
0
"lirismo
estelar de Via-Laclea deve tel' influfdo na coneep(;ao da poesia evanescente e alvar
do Simbolismo, sobretudo em BrQ!llL~
de Cruz e Sousa" (Ibid:47).
Portanto, a
antecipa(;ao de um ambiente simbolista na Ifrica bilaquiana se da sob 0 brilho e as
evaneseeneias de Via- Lactea:
Tu, mae sagrada! Vas tambem, formosas
I/us6es' sonhos meus! leis par eta
Como um banda de sombras vaporosas.
(Sol/eta 1, 'iia-L~et~941888)
Formas do Amor, cOl/ste/armente puras,
De Vi/gens e de Santas vaporosas...
Bd/hos errantes, madldas fresclJras
E dotencia de //rios e de rosas...
(Cruz e Sousa, Ant/mna, BIQQueis--, 1893)
Na analise de Teixeira, 0 Iivro Tarde e uma obra "dominada POI' esquemas
retorieos"(Ibid),
recurso comum em Bilac. Entretanto,
nessa obra, em muitos
poemas, "os proeessos se dao mais a vel' do que os efeitos"(Ibid).
Se nos Iivros
anteriores Bilac conseguiu assimilar tan bem os recursos retorieos que eles passam
uma visfvel naturalidade e ausencia de esquemas, na maioria dos sonetos de Tarde
"a maq'uinaria retorica torna-se muito saliente"(Ibid).
muito assoeiados
a retorica
as temas af abordados estao
classica: "a velhice, a passagem do tempo, 0 sentido da
solidariedade, a aproxima(;ao da motte, a resigna(;ao em faee da inexorabilidade da
motte etc."(Ibid).
0 autor da analise acha que existe uma "impressao de eoisa
for(;ada" (Ibid :48), impressao evidenciada pela "extensao meio lenta do verso
alexandrino, muito freqUente em
Ia[d~"(Ibid).
A ultima produ~ao poetica de Bilac parece demonstrar que 0 Poeta, em sua
maturidade artfstiea, eoncluiu que sem a dediea(;ao minueiosa ao trabalho nao ha um
grande resultado estetico, que 0 verso bem pensado torna melhor a ideia viva. Ha,
desse modo, em Tar9~, uma retomada daquelas influeneias parnasianas, embora
sem a busca da quase inalcam,;:avelimpassibilidade total e da tematica c1assica.
5.
LEITOR E IMAGEM:
BILAQUIANA
CLJ~1PlICIDADES
VIVENCIADAS
NA POETICA
As rotas da imagina~ao criadora originam-se do modo como se enxerga 0
mundo. E
0
poeta nos conduz a irnagens, a sonhos, que representam a vida e sao
rnotores de atos imensos. Ah~1l1disso, a cumplicidade gerada em cada leitura
evidencia que 0 poema e uma especie de condi~ao de existencia, uma forma de agir
frente ao viver, e nao apenas uma poesia escrita. Nessa rela~ao, de maneira alusiva,
o poem a guia, adverte, inicia 0 leitor no conhecimento desse mundo (re)criado peJa
imagina~aopoetica.
Dessa maneira, 0 texto poetico absorve em sua forma 0 assunto
de que trata, embora nao seja nunca
0
atestado restrito desse assunto, mas
0
campo de confluencia, sempre iminente, entre 0 que anuncia eo que e anunciado.
a texto
e uma produ~ao na qual componentes se juntam, se mesclam, se
soltam, para que as palavras tenharn a Iiberdade de se renovar, de ser. E 05 sentidos
da composi~ao poetica sao as indica~oes de procura, a forma, 0 espa~o estabelecido,
o universo que 0 leitor se incumbira de eriar.
A Hrica bilaquiana abre possibilidades para
0
horizonte de expectativas,
principalmente pela intimidade estalJelecida nos sonetos de Via-L<3ctea,por exempJo,
nos quais a intersubjetividade
esquema mental
e bastante evidente. 0 "sistema de referencias ou
que um indivfduo
hipotetico
pode trazer a qualquer texto"
(ZILBERMAN, 1989: 113) sugere-nos uma analise mais livre, fruto de uma leitura de
frui~ao, dos poemas escolhidos.
Nesse caminho,
e
pertinente aqui retomar que reconstruir 0 horizonte de
expectativas, observar 0 que pode haver entre 0 leitor e a mensagern e uma das
tarefas da Estetica da Recep~ao. A partir desses prindpios, perserutar a simbologia e
seguir rotas do Imaginario e evidenciar os posslveis do texto poetico bilaquiano.
:Na produ~ao bilaquiana, as imagens convidam a multifaces. Em busca disso,
ou tent~ndo tangenciar esse universo, selecionamos algumas composi~5es poeticas
de Bilac, esperando intuir uma posslvel rota para uma re-visao da obra desse poeta,
1
ern que 0 ratulo parnasiano se dilui completamente
existentes em seu texto.
na pluralidade de poetas
Em mlm tambem, que desculdado vlste.r:;,
Ellcalltado e aumelltalldo 0 proprio encanm
Terels notado que outras cousas canto
Mullo dlvelsas das que outrora ouvlstes.
Mas amastes, sem dtJvida... Pottanto,
Medltal nas tristezas que sentistes:
Que eu, por mlm, nao conlJec;ocousas tdstes,
Que malr:;aflijam, que torturem tanto.
Quem ama Inventa as penas em que vlve:
E, em /ugar de aca/mar as penas, antes
Busca novo pesar com que as avlve.
Pols sabel que e por isso que asslm ando:
Que e dos /OllCOSsomente e dos amantes
Na malor a/egria andar cl7orando.
(Soneto VI - Via-l<ktea)
Aos homens que conhecem as san;as de fogo e tem a alma inquieta, de vez
em quando, a tristeza faz visita. Eleva consigo tons melancolicos. 0 eu Ifrico desse
soneto faz vel' ao leitor que sensac;5es exteriores se misturam com
0
universo
interior, ja que as impress5es da vida se refletem em estados d'alma, as quais sac
captapas pela sensibilidade de cada indivfduo. Nesse soneto, 0 leitor e diretamente
i
interpelado
pelo eu
Ifrico,
cumplicidade: "Pois sabei que
0
que provoca
e por
uma
rela<,;ao de intimidade,
de
isso que assim ando". Nessa perspectiva, "A
Ifrica amorosa bilaquiana reserva um espa<,;oimportantlssimo
para 0 interlocutor,
muitas vezes trazido ao texto pela presel1(;;aexplfcita de um pronome da segunda
pessoa" (LAJOLO, 2000: 15).
a
fato de 0 poema relacionar amar a sofrer soa-nos como um Iirismo
intimista romantico, no qual a impossibilidade de realizar 0 sonho imensamente
desejado gera melancolia, anglistiar inquietude, desespero. 0 eu Ifrico, "Encantado e
aumentando 0 proprio encanto", revela uma especie de metamorfose na conversao
de sell estado de espfrito. "0 encantamento e lima redu<,;aoa lIm estagio inferior"
(CIRLOT, 1984:222),
lima forma de castigo, pois "Quem ama inventa as penas em
que vive: / E, em lugar de acalmar as penas, antes / Busca novo pesar com que as
avive". Esse processo valorativo do sofrimento revela as nuances romanticas nas
multifaces bilaquianas.
o
poema convida 0 leitor a uma constata<,;ao paradoxal: e proprio dos
"Ioucos" e dos "amantes" "Na maior alegria andar chorando". 0 ser "Iouco" e aquele
que esta fora dos limites da razao; no poema, aparece numa equivah~ncia com 0 ser
"amante", que tambem excede os limites da razao. Isso justificaria, entao, 0 usa e a
funcionalidade do paradoxo no final do texto.
o Iivro Tarde,
como ja vimos, traz em seu bojo uma prodw;;ao reflexiva, de
alguem que olha pela janela 0 clesenho e os tons clo sol se indo, para que chegue a
noite, com seus sortilegios e seu brilho lunar - luz emprestada desse sol que quase
se vai, ja que se faz presente POl' tras do cla'rao da lua. A passagem do tempo,
pOltanto, trajeto entre a nascente e a foz que somos, pode tel' 0 ritmo das aguas de
um ''ria'; que corre sempre, sempre para 0 mar. Estabelecida essa relac;ao, 0 ritmo
do poema pode revelar a visao cle mundo de Bilac, como no texto abaixo:
Nagoados, ao crepusculo dormente,
Ora em rebojos galopantes, ora
Em desmaios de pena e de demora,
Rios, chorais amarguradamente,
Desejais rC"'gressar
... Nas, leito em fora,
Correr<;,.. E misturais pela corrente
Um desejo e uma angustia, entre a nascente
De onde vlndes, e a foz que vas devora.
Sofrels da pressa, e,. a um tempo, da lembram;a ...
Pois no 1/05S0 clamor, que a sombra invade,.
No 1/0550 pranto, que no mar se lan<;a,
Rios trist-est agita-se a ansiedade
De lodos or:; que vivem de esperan<;a,
De todos as que morrem de saudade ...
(Os rios. Tarde)
Esse poema permite ao leitor perceber que a variac;ao do acento poetico, das
sflabas fortes e fracas, e ate mesmo dos acentos menos fortes sugere 0 movimento
das aguas dos
''Rios'~ Assim,
0
ritmo clo poema de Bilac encontra-se
numa
correspondencia sintatico-sema ntico-melod ica.
Em "Ora em rebojos galopantes, ora
I
Em desmaios de pena e de demora";
"Desejais regressar"; "Correis ... E misturais pela corrente ! Um desejo e uma
angustia, entre a nascente
! De
onde vindes, e a fOl que vos devora";"Sofreis
da
pressa/; "que a sombra invade"; "que no mar se lanc;a" e "a'gita-se a ansiedade" ha a
nftida correspondencia semanticaentre
0
movimento das aguas e 0 sentido que
essas palavras evocam; as palavras parecem transcorrer pelo poema. Alem disso, a
sibilancia que corre por todo () texto e a presenc;a dos enjambements tambem
correspondem a esse movimento.
Os "rebojos galopantes" e os "desmaios de pena e de demora" san termoschave para a compreensao do soneto. A ideia que esses termos representam e
retomada:
a
''rebojo';
movimento
circular
das aguas do "rio",
causado par
redemoinhos ou sorvedouros, seria a ''desejo// e a "pressa// do eu lirico; e os
''desmaios// poderiam corresponder
a
"angustia'; ao tempo ''da /embranca'; duas
constantes no poema.
A pontua<;;ao no texto e extrema mente sugestiva: as retieeneias pareeem
representar as aguas dos "Rios" - um ir de aguas. 0 usa das vfrgulas e mais que
recurso sintatico; elas parecem traduzir 0 estado de espfrito ~o poeta e imprimem
um ritmo bastante adequado ao sentido. Em "Sofreis da pressa, e, a um tempo, da
lembranc;a...", a ideia de tempo e destacada pela virgulac;ao, pelo uso das reticencias
e pela melodia sibilante dos termos "Sofreis", "pressa" e "Iembran<;;a", pois que essa
melodia evoea uma ideia de distaneiamento temporal. Ademais, 0 usa do sinal de
exclama<;;aono vocativo presente no antepenultimo verso - "Rios tristes!" - denota
uma redobrada intensidade no estado emocional do eu !frieo.
I
No verso "Rios, chorais amarguradamente", 0 sufixo -mente que, segundo a
gramatica,
em geral, denota modo, ganha aqui um sentido de intensidade e
extensao. Nessa feliz construc;:aobilaquiana, 0 choro parece ser mais amargo do que
normalmente 0 e. Visual e numericamente (eontem tres palavras apenas), parece ser
o verso rnais curto, embora seja clara a regularidade simetrica. Engano. 0 vocativo e
o tom melancolico tornam esse verso, talvez,
0
mais duradouro, por ser, mais uma
vez talvez, um dos mais dolorosarnente sentidos.
Os sons sibilantes do texto, como ja vimos, denunciam um movimento de
aguas, que VaGe vem, estao e sao.
E uma especie de forc;:aimaginante
que escava 0
ser. ~odemos dizer que e uma forma interna que se externa nos sons que as
palavras evocam, aeasalando ritmos e rimas, imagem formal e imagem material:
margens dos rios que enchem
0
ell lirico. A ernoc;:aoestetica disp5e de caminhos que
~:
conduzem as palavras ao maximo que elas podem representar: de uma "nascente" a
uma "foz que devora", de um autor a um leitor.
Curiosamente, as rimas externas desse poema de Bilac correspondem a uma
regularidade consoante,
par apresentarem semelhanGa de consoantes e vogais; tal
ocorrencia, inclusive, divide
0
poema:
~J!atte
"dormente'
"ora"
"demora"
"arnarguradamente"
"fora"
"corrente'
"nascel1te"
"devora"
"Iernbr an~:a"
"invade"
"Ian~a"
"ansiedade"
\'esper am;a"
"saudade"
Sugere-se af, parece-nos, que
estetica.
0
a intenGao
sistema de rimas esta relacionado
Isto e, as duas partes em que estao divididas as rimas poderiam
representar, no imaginario formal, os dois lados do rio, as duas margens, por onde
corre 0 eu Ifrico - 0 proprio rio.
Uma cuidadosa leitura desse soneto de Bilac possibilita-nos absorver uma
inunda.;;ao de relac;6es semanticas, figuras que se estendem da "nascente"
"0 ria'; personificado, e
0
a "foz".
interlocutor da voz poetica e permite criarem-se multiplas
sugestoes: as aguas como espelho, reflexo do eu Hrico; sensaGao tactil, pranto que
molha
a
pele
e
por
ela
transcorrencia/transcendencia
escorre,
"Ieito
em
fora";
a
sensa<;;ao de
do tempo, ora apressada - "rebojo galopante", ora
lenta - "desmaios de pena e de demora", que evoca tanto a "esperanGa" quanto a
"saudade".
A partir dessas sugest5es, insinua-se-nos a imagem de mergulho interior,
devaneio, reflexao.
a ultimo
terceto, momenta em que "0 riollja tem cl1egado ao
"mar'; leva-nos a erer que estamos diante de ondas do mar, as quais morrem na
praia,
imagem
presentifieada
pela sonoridade
da palavra
''saudade
ll
e pelas
reticencias. Essa visao quanta ao ultimo terceto nos e posslvel pela utiliza~ao do
paralelismo: "De todos os que vivem de esperanl;;a,/De todos os que morrem de
saudade ...". A presen<;;:ada agua como metMora de um mergulho nesse lago nossomuitas vezes turvo - que e ode-dentro,
reflete-se em todo 0 soneto: "Magoados";
Prosseguindo, ha outras associa<;;:oes
que podem ser feitas, como a ideia de oposi<;;:ao
entre os seguintes elementos:
•
"Ora em rebojos galopantes, ora" x "Em desmaios de pena e de demora"
- percebemos aqui uma relac;ao antitetica quanta ao modo do percurso
das aguas;
•
"Um desejo e uma angustia" - sob
0
sentido dessas palavras, sussurra-
se uma antftese. Como as aguas correm, representa-se al a vontade de, 0
proprio "desejo". Entretanto, as aguas tambem lembram choro, lagrimas,
sofrimento, "angustia";
•
"a nascente/De onde vindes, e a foz que vos devora" - 0 comec;o e 0
fim, a origem e
•
0
destino;
"pressa" x "Iembranc;a" - 0 ir-se rapido e a correnteza do "rio"; as
margens, as paragens, as vargens ficaram para tras, e so "Iembran~a";
•
"De todos 05 que vivem de esperanc;a" x "De todos os que morrem de
saudade ..." - a visao de que existe no ultimo terceto uma ocorrencia de oposi~ao e
posslvel, como ja ressaltamos, pela ideia de que e
0
momenta no qual
0
rio ja tem
chegado ao mar, e isso nos leva a crer que estamos diante de ondas, que van e
vem, que mon-em na praia. A simbologia da agua que vem
e a que foi, e isso refor<;;:a
o rebojo do infinito - a foz e a nascente, repeti~ao de movimento pela repetic;ao da
mesma estrutura sintatica, l1um flagrante paralelismo. No poema "Os rios', 0 uso do
para,lelismo fUl1ciona como recurso de progressao textual e resvala a ideia do
i
"rebbjo", 0 ir e vir intencional do eu IIrico.
.
I
A aproximac;ao dos opostos no texto de Bilac reforc;a a representa~ao
metaforica da agua: imagern que reflete, a agua espelha 0 lado oposto. Os opostos
seriam 0 reflexo do interior e do exterior da voz poetica.
Segundo Bachelard (1998), "e posslvel estabelecer, no reino da imaginac;ao,
uma lei dos quatro elementos", que c1assifica as diversas imagina<;;:oesmateriais
conforme elas se associem
,10
fogo, ao ar,
a agua
Oll
a terra".
E, se e verdade, como
acreditamos, que toda poetica cleve receber componentes - por fracos Que sejam de essencia material,
e aincla essa c1assificac;ao pelos elementos
materia is
fundamentais Que deve aliar mais fortemente as almas poeticas.
Essa "lei dos Quatm elementos" vislumbra a necessidade de se observar
analiticamente as estruturas de cada elemento, desde a origem ate a significa<;ao
assumida por eles. Assim, de infcio, cada elemento e ele mesmo, isento de uma
i
rela<;ao; depois, ele funde a sua realidade material a uma realidade indireta, numa
,relac;ao em Que submergem sentidos. Finalmente, os elementos se acharao numa
rela<;ao simbolica,
por
encontrarem
uma
correspondencia
de
sentidos,
um
desdobramento de significac;5es.
Dessa maneira, percebemos mais claramente Que "As imagens poeticas tem,
tambem elas, uma materia." e que a observa<;;ao das "rela<;;oes da causalidade
material com a causalidade formal" permite um contato mais intrfnseco com a
imagina<;;aohumana, com a cria<;;aopoetica, artfstica. Nessa perspectiva, vejamos 0
proximo texto:
F-alava 0 sol. Dizia:
''Acordal Que alegria
Pelos ridentes ceus se espalha agora!
Foge a neb/ina fria ...
Pedete a luz do dia,
Pedem-te as chamas e 0 sorrir da aurora!"
Dlzla a rio, chela
De amo/~ abrindo 0 seio:
"Quem abl'at;ar-te as formas pl'imorosas!
Vem IUr que embalde veio
0501: somente anseio
Por tell .cO/po, formosa entre as formosa~!"
(JuenHe inteiramente
Nua! quemr lremenle,
Cingir de beijos tuas rOseaspomasr
Cobtir teu cO/po ardente,
E na agua transparente
Guardar teus vivo~ sensuals aromas!"
E pmsseguia 0 vento:
"Escur-a0 meu lamento!
Veml nao quem a fvlhagem perfumada;
Com a flor nao me contento!
Mais alto 0 meu intenlv:
Quem embalar-te a coma desnastradar
e
Tudo a exipia ... Entantq
A/quem, oell/lo a um canto
ja/dim, a chorar, dizia: "0 bela!
lei te nao pero tanto:
Secara-se 0 meu pranto
Se visse a t{fa sombra na jane/a!"
Do
(S_(m;;g_Ld_!~_IQgQ)
Nesse poema, Bilac parte dos quatro elementos materiais: fogo, agua, ar e
terra
(ordem
presente
na cornposic)lo
bilaquiana),
para descrever
0
estado
emo<;:ionaldo eu /frieo.
I
,
Na primeira estrofe,
fgnea, 0 fogo
e um
e 0 elemento
FOGO que arde no eu Ifrico. De maneira
irnpulso de vida, um farfalhar fero de fafscas flamejantes que
ferem 0 frio e 0 fazem fugir, fulgindo 0 fulgor da fecundidade. Associado it libido e it
fecundiclade,
0
elemento fogo (~ urn sfmbolo de transformac;ao, procede do sol,
representa a luz, numa luta contra as trevas. Ademais, 0 fogo, para alimentar-se,
necessita consumir vidas alheias; insinua 0 desejo de destruir 0 tempo e levar tudo a
seu final.
Associado it
luz,
a
c1aridade, encontra
ressonancia
no "acordar"
(despertar), na "alegria", no "ridente", nas "chamas", no "sorrir", na "aurora".
No primeiro verso do poema - "Fa lava 0 501." - 0 uso do ponto final sugere
ao leitor a ideia do anuncio de alqo muito importante, imprime um tom cerimonioso,
prenuncia um important{ssimo eOl11unicado.Eo e, pais que a "alegria
I Pelos ridentes
ceUS se espalha agora!" e "Foge a neblina fria ..." Essa "neblina" - algo FRIO parece representar trevas (l11ornentos de tristeza, angustias) pelas quais ha passado
o eu Ifrieo, e a elemento fogo chega como uma luz que vence essas trevas.
Destacamos 0 usa das reticeneias no final do verso, insinuando a imagem da propria
fuga da "neblina fria".
Chama-nos atenc;ao 0 usa do paralelismo nos dois ultimos versos da primeira
estrofe: "Pede-te a luz do c1ia, I Pedem-te as chamas e 0 sorrir da auroral". A
repetic;ao da rnesma estrutura
sintatica,
alem de funcionar
como recurso de
progressao textual, concede aos terrnos paralelfsticos 0 mesmo valor poetico e os faz
coincidir semanticamente, pais que "a luz do dia", "as chamas" e 0 "sorrir da aurora"
representam um sfmbolo de transfonnac;ao e de regenerac;ao: 0 proprio fogo.
o texto
poetico aciona uma linguagem geradora de sentidos. E 0 imagimlrio
nos apresenta rotas que podemos e/ou devemos percorrer.
E
uma especie de for<;;a
imaginante que escava 0 ser no texto, do texto e para 0 texto. Seguindo, entao, as
rotas propostas por Durand,
0
"SUPLICAS" bilaquianas, com
leitor se confronta, ainda nessa primeira estrofe das
Regime Diw'no. Afinal, subjaz a essa composi<;;ao
0
poetica a ideia de luz resplandecente, de ascensao, uma conquista
a movimenta<;;ao
no espaco solar, referencia a inteligencia, ao conhecimento, aos mitos de Prometeu,
de Apolo e de Minerva. Podemos, ainda, tomar 0 "sol" como a metonfmia de toda
essa gama imaginante do Regime Diurno.
Na segunda e na terceira estrofes do poema em questao, 0 eu Ifrico se
inunda no elemento AGUA. I1imitadas e imortais, as aguas sao 0 princlpio e 0 fim de
todas as coisas. Das aguas surge tudo
imersao nas aguas pode significar
0
0
que e vivente, como do ventre da mae. "A
retorno ao pre-formal, com seu duplo sentido de
morte e dissolu<;;ao,mas tambem de renascimento e nova circula<;;ao,pois a imersao
multiplica
potencial
0
da vida"
(CIRLOT, 1984).
E
um elemento
transitorio,
transcorrente, circular, de percurso, fecundador tambem. Sugere intimidade.
E
um
tipo de destino.
Alem de representarem
0
elemento mais feminino, as aguas simbolizam os
desejos humanos mais escondidos, simples e simplificadores. Enquanto 0 elemento
FOGO ~como se reftete na primeira estrofe ~ propoe 0 furor, a for<;;ahidrante abre 0
seio para aprofundar sentimentos; e, de maneira seminal, procura dar um impulso
inesgotavel ao objeto
de desejo do eu Ifrico. Isso e bastante perceptfvel na
constru<;;ao do poema; por exemplo, em "Dizia 0 rio, cheio / De amor, abrindo 0
seio: Quero abrac;ar-te as formas primorosas!" e "somente anseio / Por teu corpo,
formosa entre as formosas!" os enjambements,
0
o usa ~os dois pontos dao ideia de cOhtinuidade;
usa das vfrgulas e, principalmente,
0
encadeamento dos versos sugere
uma especie de escoamento, um vazar de aguas Ifricas; quanta as vfrgulas, parecem
i
representar a transcorrencia das aguas -' que nao cumprem uma passagem retilfnea
- e buscam dart sintaticamente, a leveza ao hidrante. No que diz respeito aos doispontos, sao, parece-nos, a abertura dos possfveis, como um acesso, nas margens, ao
amort e/ou
0
retirar a tampa de urn reservatorio cheio de energia. Fonologicamente,
o som das aguas subjaz it sele<;:aosintatica: as sibilancias que sussurram um "chuechua".
A imagem da agua se vi!. refletida tambem em otltras palavras, como uma
inunda<.;:aosemantico-Ifrica, vazada nos vocabulos "rio", "cheio", "seio", "abra<;:ar-te".
o
elemento transitorio
reflete-se em agua-ventre-rio-cheio,
acolhedor-seio,
num
amplexo que deseja "Cobrir teu corpo ardente", - trazendo calma ao furor fecundo
do fogo - "E na aQua transparente / Guardar teus vivos, sensuais aromas!" (numa
suave sinestesia), agua--profunda, aquela que guarda em suas profundezas a
agudeza de sentimentos. Como obselva Bachelard (2000), "uma Qota de aQua basta
para erial' um mundo" e, com certeza, permitir uma profundidade.
E
0
que vemos
nesse texto poetico de Bilac.
"E prosseguia 0 vento" ... e prossegue 0 eu Ifrico, agora, VENTO. De acordo
com 0 Dicionario de Sfmbolos de CHEVALIER & GHEERBRANT(2000), 0 vento pode
ser um sfmbolo de vaidade, e se caracteriza
POI'
uma agita<;:ao. Essa ideia de
"vaidade" parece ser sugerida, sobretudo, em "Com a flor nao me contento! / Mais
alto e 0 meu intento:
I
Quero embalar-te a coma desnastrada!". 0 elemento AR
permite ao eu poetico al<;:arurn vao, e como um sopro na imagina<;:ao.Eo pontilhado
que encerra a estrofe representa a passagem do vento: um sopro imaginario, viario
para um outro estaQio.
o
fato de 0 elemento AR vir depois do elemento A.GUA pode sugerir 0
seguinte: aliado as nuvens,
0
,
vento se encarregaria de conter as aQuas em que esta
imerso 0 eu Ifrico, ademais, isso proporciona 0 fato de que apenas 0 AR tem direito a
inflar 0 peito do eu poetico, embora conduza a uma concretu(1e. A ordem em que
estao dispostos os elementos nao
e, portanto,
gratuita, parece uma rota necessaria
ao estado emotivo-poetico--bilaquiano.
Elemento feminino e passivo como a aQua, a TERRA aparece na ultima
estrofe, fechando, assim, 0 elo entre os quatro elementos nessa composif;ao de
Olavo Bilae. A terra e uma especie de mae, da a vida. Entretanto, toma-a de volta:
"Do po vieste, ao po tornaras"
(Genesis).
E
um elemento
de fecundidade e
regenera<;:ao, pois "Da it luz todos as seres, alimenta-os, depois recebe novamente
I
I..
.
,
deles () germe fecundo" (Esquilo, Ce6foras, 127-128). A terra precisa dos mortos
para alimentar a si mesma, claf poclerrnos associcHa, tarnbern, a uma concepc;ao de
melancolia,
de sepulcro,
de fugas, de tristeza.
Essa proximidade
com algo
entristecedor pode, talvez, ser Ulna tomada de consciencia de que toda a alegria dos
sentimentos que regozijaram a ser sao, apenas, fruto de fantasias que, agora,
chegaram ao fim: "Ja te nao pe<;;otanto:
I
Secara-se 0 meu pranto
I
Se visse a tua
sombra na janelal". Inclusive as palavras que cultivam a estrofe se aproximam de
um ambiente pessimista: "Alguem" (claro que nesse determinado contexto), "oculto",
"chorar", "Secara··se", "pranto", "sambra". Sintaticamente, tambem ha essa mesma
proximidade com
pessimismo, ja que as inversoes sintaticas podem simbolizar uma
0
ceha djficuldade de acessoao objetivo; alem do uso do condicional e do preteritomais-que-perfeito,
sugestoes de submissao.
A afirma<;;aoque aqui fazemos de que nessa ultima estrofe temos 0 elemento
terra nao e s6 pela referencia ao local onde se encontra
mas, principalmente,
0
eu Ifrico - num jardim -
pelo que tal estrofe evoca do imaginario e que podemos
relacionar, ainda sob a visao de Bachelard, quanta as diversas imagina<;;:oesmateriais
da "lei dos quatm elementos".
A constru<;ao sintatica dos dois ultimos versos atesta, confirma 0 elemento
sepulcral, quando 0 ell poetico rnenciona primeiro 0 pranto, para refor<;;:ar,de
maneira suplicante,
0
distanciamento/impossibilidade
ceus", ao usaI' a conclic:ional sintaticamente,
poeticamente
da alegria pelos "ridentes
que se transforma
pragmatica
e
na irnpossibilidacle, na profunda tristeza do nao, da motte que 0
elemento TERRA pocle representar.
E da terra ao
DESTERRO
la me nao amas? Basta.! Ire~ triste, e exilado
Do meu primeiro amor para outro amor, sozinfJo...
Adeus, came cfJeirosa.!A deus, primeiro ninl70
Do meu delkio.! A deus, belo corpo ador"ado.!
Em it como num vale, adormeci deitado,
No meu sonho de amor, em meio do caminho ...
Beijo-te ainda uma ve.z;.nllnJ. ultimo calinho,
Como quem vai sair da paMa desterrado ...
Adeus, corpo genti" patria do meu desejo.!
Ben;o em que se emplumou 0 meu ptimeiro id,7io,
Tetra em que floresceu 0 meu primeiro beijo.!
Adeus.! Esse outro amor ha de amargar-se tanto
Como 0 plIo que se come entre estranl7os, no ex/7io,
Amassado com reI e embebido de pranto ...
(81JmUnq!Ji,eta)
Sutilmente, leitor e poeta assumem uma rela<:;aode intimidade nesse soneto.
Bilac, ern grande parte de sua Ifrica, estabelece 'situa<:;5esde dialogo: [ ... J corn a
amada,
[ ... ], corn 0 proprio
interlocutor, ern cujos ouvidos
sozinho" (LAJOLO, 2000: 15). E
leitor, al<:;ado assim
0
0
a
condi<:;ao de confidente
e
poeta desfia sua experiE~ncia.Bilac raramente fala
torn confessional desses versos prende a aten<:;ao
do leitor e gera, sem duvida, urn arnbiente de expectativas.
Para a compreensao desse Desterro bilaquiano,
elemento terra
e sustenta<;ao, e fei<;ao maternal,
e necessario sabermos que 0
"fonte do ser e protetora contra
qualquer for<;a de destrui<;ao" (GHEERBRANT & CHEVALIER, 2000:879).
E tambem
fecundidacle, porque produz as formas vivas. 0 elemento terra pode ser tornado
como "slrnbolo consciente" (Ibid) e tambem como "situa~ao de conflito" (Ibid).
"E a
arena dos confiitos da consciE2nciano ser humano" (Ibid).
Tomando-o ern sua acepc;ao feminina,
ventre-mae,
0
elernento terra e
percebemos os sentimentos de angl'lstia, de fracasso;
ern si 0 valor
distanciamento
I
Ja
aconchego no qual todos queremos estar.
da
0
negac;ao. DES-TERRo, entao,
de tudo
aquilo que
0
elemento
0
seio,
0
colo,
0
no titulo do poema
prefixo latino DES- comporta
significaria
terra,
a perda ou 0
na acep<;ao feminina,
•
represe'nta. Eo exllio "Do [ ...] primeiro amor para outro amor, sOlinho ...", porque se
encont~a "Como quem vai sail' da patria desterrado ... " Essa ideia de perda e uma
constante nessa composi<;:aopoetica: "Irei, triste, e eXilado"; "Do meu prirneiro arnor
para outro amor, sozinho ..."; "Adeus" (5 vezes mencionado, corno urn eco, aviso
necessario que precede urna transforrna<:;ao); "nurn ultimo carinho"; "Como quem vai
sail' da patl"ia desterrarJo ..."; "exllio".
o
primeiro "Adeus" dado e
compreender
que
0
a
c1ima angustiante
"carne cheirosa!". Isso possibilita ao leitor
do poema "parece derivar do erotismo
reprimido" ern Bilac, pois "os estados de depressao se acham ligados, as vezes,
libido" (JORGE, 1992: 131). Afinal, a "carne" norrnalmente
a
e associada a imagens de
"urn Sao Jeronimo a dilacerar a propria pele corn uma pedra, ou pela tenta<;ao de
Santo Antonio" (GHEERBRANT& CHEVALIER, 2000: 187); e isso faz corn que a carne
esteja relacionada a "uma forc;a diabolica que habita no
COIVO
do homem, 0 diabo no
corpo" (Ibid). Munidos das informac;5es de que dispomos hoje quanta
poeta, podemos "afinnar
que boa quantidade
a biografia
do
da poesia de Bilac tern carateI'
autobiograFico" (JORGE, 1992: 131) e que "0 poeta insuflou nos seus versos muitos
sentimentos reconditos"(lbid),
basta lembrarmos a desilusao amorosa que foi 0 seu
relacionamento com Amelia de Oliveira, a t'mica mulher que Bilac amou na vida e it
qual teve de dizer "adeus", para sempre.
Dando prossequimento a uma atmosfera erotizada, a despedida se'da ao
"primeiro ninho / Do [ ... J dellrio!" e ao "belo corpo aclorado!". Alem cia doce ideJa de
"ninho" como lugar puro onde se encontram os pombinhos enamorados, esse lugar
pode ser tomado, tambem, como a alcova, recondito dos amantes, que vaG ao
"delfrio" quando estao em conubio, no contato lascivode um "belo corpo adorado!".
Ponto de convergencia,
equivalente
a uma passagem, "0 vale e uma
c:avidade, um canal, para 0 qual necessariamente convergem as aguas vindas das
alturas que 0 cercam" (GHEERBRANT & CHEVALIER, 2000:929).
Diante dessa
simbologia, os versos "Em ti, como num vale, adormeci deitado, INo meu sonho de
amor, em meio clo caminho ..." se apresentam bastante sugestivos e com uma
plasticidade erotica impetuosa. Embora haja eonstantemente um elima de extrema
sensualidade,
0
que confirmaria
eu \frieo nao se afasta dos sentimentos de angustia, de fracasso,
0
aquela ideia de que os estados de depressao podem estar
associados it libido.
A metaforizac,;ao da "patria" como elemento feminino, que ja foi observada
por Affonso Romano de Sant'Anna, em seu estudo sobre 0 poema de fei<;;aoepica.Q
{:£~(1dQLd~_E:smeraldas,pareee encontrar ressonancia aqui. Para Sant'Anna, nesse
poema epico: "Bilac vai privilegiar as imagens eroticas para narrar uma versao
ideologica da hist6ria" (apud LAJOLO, 2000:11-12); "0 objeto nao e a mulher, mas a
terra. E 0 sujeito que cleseja nao e apenas 0 amante, mas 0 her6i nacional" (Ibid),
afinal, "pOl' cletras de toda conquista" (Ibid) evidenciam-se "a pulsao, 0 instinto, 0
desejo que procura transgredir
as interdic,;5es" (Ibid).
metaforizac,;ao se confirrna com 0 primeiro terceto:
No poema Desterro, essa
"Adeus, corpo gentil, patria do
meu desejo! / Berc,;oem que se emplumou 0 meu primeiro idflio, / Terra em que
f10resceu 0 meu primeiro beijo!".
Alem de tudo isso, 0 carateI' dvieo e nacionalista que ha em Bilac atesta 0
enor-me valor que a "patria" representa para 0 poeta. Sendo assim, 0 objeto de
clesejo presente em Desteno revela uma importaneia incomensuravel para 0 eu IIrico
quando comparada
a "pcltria",
par isso a teor angustiante do seguinte verso "Como
quem vai sair da patria desterrado ..." e da ultima estrofe do poema.
Todas as vezes em que 0 eu IIrico pronuncia 0 "adeus", ha a presenc;a de um
elemento que funciona como vocativo. Na quinta e ultima vez em que 0 eu Ifrico se
despede do ser amado, nao ha uso de vocativo, 0 que sugere a ideia de um "adeus"
absoluto, sem volta. Eo momenta em que opoeta preve um angustiante e incomodo
futuro, no qual 0 "outro amar" vai-lhe amargar "tanto
I
Como 0 pao que se come
entre estranhos, no exflio", ja que "pao" e sfmbolo do alimento essencial - 0 amor
-,
e sera "Amassado com fel e embebido de pranto ...", tomando-se "fel" e "pranto"
,
como sfmbolos da elar.
Sobre as poemas de imenso carater sensual, erotica de Bitac, Mario de
Andrade disse que a 'Principe dos Poetas Brasileiros' foi "exfmio na pintura da
pornocinematografia"
belfssima metMara
entretanto,
(Apucl TEIXEIRA, 1997:25),
observac;ao que revela "uma
critica, de insinuante poder descritivo"
(Ibid).
Destaque-se,
"a extrema pedcia construtiva desses textos" (Ibid), que evidencia "0
requinte compositivo" (Ibid) que "atinge pontos poucas vezes observados na lingua
portuguesa" (Ibid).
Ra/va a inc(india. A ruif~ sa/ta~, desconjuntadas,
As mura/has de pecka, a espaC;aadarmecida
De eca em eco acardanda ao medonho estampido,
Como a um sopro fatal ra/am esface/adas.
E os temp/os, os museus, 0 Cap/tolia erguida
Em marmor fr/gio, 0 Forq as eretas arcadas
Dos aquedutas, t"lldo as gafTas inflamadas
Do ino3ndio cingemr tudo esbroa-se paltida.
Longe, reverberanda a claraa purpurino,
Ante em chamas a Tlbre e acende-se 0 horizonte ...
Impas.c;/vel POrell7r no a/to do Pa/atino,
Nero, com 0 manto grego ondeando ao omblo, assoma
Entre os /ibeltas, e ebrio, engrin8/dada a fronte,
Ula em pl/nIJo, ce/ebra a destruir;c70de Rama.
(P-,;lllQPHg$ )
A utiliza(;ao de temas ~xtralclos da histeria e da mitoJogia greco-romanas que
ocorre,
principalrnente,
em
E.9JJQR-liQ_s
caracteriza
a
busca
de
Bitac
peJa
impassibilidade de que fala a crftica especializada, mas tambem indica a atra<;ao pela
Classicismo, pela harrnonia, pelo Belo. 0 controle da emo~ao, 0 objetivismo total, 0
gosto
pelo
descritivismo
sac
algumas
das
metas
apregoadas
dentro
do
Parnasianismo, metas quase nunca alcanc;adas, porque, em poesia, a impassibilidade
e um mito.
o Incendio
de Roma
e um poema revestido
pela ideia de que a poesia deve
ser pJastica, visual, sem preocupa~ao com ideias ou problemas, um exerdcio da
fodna, uma capacidade de manobrar as palavras, para que elas traduzam um ideal
de beleza. Sendo assim, evidencia-se aqui a perfil parnasiano da poesia bilaquiana. E
quando Bilac procura "flagrar a realidade a partir de arquetipos da tradi<;ao c1assica"
(TEIXEIRA, 1997: 21), destaca-se-1I1e "0 aspecto arqueoJegico de diversos poemas';
(Ibid), nos quais se aplica 0 i1userio prindpio da impassibilidade, 0 que ocorre com 0
Incendio de Roma, A Sesta de Nero e 0 Sonho de Marco Antonio, todos de Pan6plias.
Nero, imperador romano, figura na Hist6ria como 0 tirano que mandou matar
membros de sua propria familia e manteve rela~5es· incestuosas com sua mae.
Enlouquecido, ordenou que Roma fosse incendiada. Na ultima estrofe desse soneto,
Nero, artista, de "lira em punho", faz do terrfvel espetaeulo um motivo para compor
e eriar.
Percebemos, logo na primeira leitura, 0 trabalho dedicado
a
forma que ha
nesses versos, principalmente no que diz respeito a lima especie de desconstru~ao
sintatica,
numa reiterativa
utiliza<;ao de hiperbatos,
para criar as imagens da
desconstrU<;;aode Roma. Ademais, a musicalidade e outro recurso evidente: "De eco
em eco acordando
ao medonho estampido".
0 "eco" se materializa, com maior
destaque, na for<;a aliterante do fonema "d" e nos fonemas nasais presentes em
"dan", "donho" e "tam", as quais sugerem prolongamento do "ruir" d"As muralhas de
pedra", que "rolam esfaceladas" e provocam 0 estollro, 0 "estampido".
Nao apenas as ideias e a conteudo emocional constitllem a essencia e 0
valor de um texto poetico. A constru~ao do verso, de sua materia sonora e as
quest5es Iing(.Hsticas sac indissoluveis e de igual importancia. Um bom ritmo mais
que agrada aos ouvidos; evidencia 0 poder de sugestao das palavras, porque "el
ritmo no es medida: es visi6n del mundo" (PAZ, 1998:59).
Por outro lado, Bilac experimentou tambem a poesia. leve, bem humorada,
ainda que parec;a estranho, raro. Vejamos:
Mcolau, varao casado,
Porem, de sorte mofina,
Porque nao tem descendencia,
Resolve, desesperado,
II' ate a Pa/estina,
Para faze,. penitencia,
Parle, enceta a IOmalia
fIn casa a esposa deixando
Sozinl7a, nos tris(-es lares.
E, piedoso dia a dia,
Passa tres anos rezando
Pe/os Sagradoc; Lugares.
j
Pede ao Sen/70r que consagre
Pe/os gel7lidos que so/ta,
ES."iedesejo que 0 abrasa;
E efelua-se 0 mi/agre,
Pois Nico/au, quando volta,
Acl1c7 trds fi/l7os em casi'l.
(apud JORGE, 1992:217)
Tlpica poesia brejeira, simples, que revel a urn bom senso de humor, esse
poema, por si 56, provoca no leitor habituado a um cantata corn a Iiteratura e as
esteticas Iiterarias um l.itranhamento.
Afinal, fomos e estamos acastumados a
reconhecer em Bilac uma produ~ao que, no mlnimo, nos remeta a um estilo
completarnente
distante do apresentado nesse poema. De cunho extrernamente
popular, inclusive no uso dos versos heptassilabicos, a redondilha maior medieval
desprezada por conotac;5es classicas, esse poema de Silac atesta que "ainda sac
desconhecidos, em grande parte, os seus versos espirituosos" (Ibid).
o fim desse poema aned6tico
e tragicomico. Enquanto 0 coitado do "Nicolau
busca soluc;5es espirit:uais para sua "sorte mofina, / Porque nao tem descendencia
lf
lf
,
a esposa, que havia ficado "Sozinha, nos tristes lares", procura, para si, soluc;6es
materia is.
Destaca-se nesse poema um forte carater narrativo, inclusive de um fato
prosaico, numa valoriza<;ao do cotidiano de pessoas simples. Esse perfil compositivo,
somado
ao
humor,
ao
pitoresco,
ao aned6tico
faz
lembrar
caracterfsticas
modernistas, principalmente da primeira fase, na qual Oswald de Andrade faz todo
tipo de experimentalismo
com as composi<;;5espoeticas, prlncipalmente com esse
perfil menclonado. Claro esta que ha uma distancia consideravel entre essa prodw;;ao
aned6tica de Bilac e
0
experimentalismo de Oswald. "Olavo sabia fazer versos bem-
humorados e graciosos, versos que eram, pode-se concluir, conseqOencia de um
espfrito ironico" (Ibid). Para confirmar essa face bilaquiana, acreditamos conveniente
transcrever outra composi<;ao poetica dessa natureza:
Fim do almoc;o. A loura Anita
Comeu como um passarinl70
Ou como mor;a bonita ...
Noll7ando os raNos no vinllO.
011105esparsos, medita ...
Eo seio seu /10 corpinl70
Cath 'e preso palpita ...
Oll7a sorrindo 0 vizinl7o.
Diz este: - "N/io comeu nada!
E sobremesa? QueI' queijo?
Pudim? Frutas? Nartnelada?"
'11que escoll7eres" - diz ela.
E ele, entao, sem mais aquela,
Depoe-/l7e 17aboca um beijo.
(apud JORGE, 1992:247)
e
Domingo. Cl7ove. Como triste a cl7lJva!
Como triste e monotono 0 dor17ingo!
Out:;oa chuva cair de pingo em pingo ...
AM Se cl7egasses, palida viuva!
e
Sonl7o que chegas; livro-te da capa;
Todas as vestes umida.~ te arranco;
Como de um ninl7o, 0 teu pezinho branco,
Da bota, como um passaro, se escapa...
Tremes de frio, entrec!Jocando as dentes ...
Bategas de agua, tepidas, Iii fora
Rufam nas pedras, encharcando a rua:
E, dos meus Mbios tn3mulos, ardentes,
Dutra c!Juva te cai, quente e sonora,
ChI/va de beijos, sabre a espadua nua.
(apud JORGE, 1992:203)
'Poema dedicado 'a uma viuva'" (Ibid), esse texto poe 0 leitor em contato
com uma enxurrada de sensualidade. 0 eu Hrico, num universo "meio humorfstico,
[ ...] nao ve sua musa em carne e osso" (Ibid:204),
pois "sonha que ela chega ao
ninho de amor" (Ibid), e essa ideia de sonho e refon;;ada pelo uso da condicional "se"
I
!
-
"Ah! Se chegasses, palida viuva!". Nesse caso, 0 erotismo de Bilac "e puramente
imaginativo" (Ibid). Mas a freqOeneia com que aparece
sugere que esse compoltamento
0
erotismo na obra bilaquiana
lascivo "talvez fosse conseqOencia de uma ideia
fixa" (Ibid).
"Alfred Adler, 0 fundador da Individualpsychologie,
ja salientou Que as
obsessoes se relacionam com os sentimentos de inferioridade. Freud acha que etas
sac frutos da liberta<:;aodos instintos reprimidos. Seja como for, ha urn misterio na
vida Intima de Olavo" (Ibid). Bilac amou de mpneira intensa Amelia de Oliveira, 0 Que
podemos constatar em grande parte de seu Iirismo intimista. Mas, embora fosse
homem comedido em suas atitudes, levou uma vida boemia, muito movimentada;
por isso, a familia de Amelia proibiu 0 relacionamento
amoroso dos dois. Esse
rompimento inerusta uma amargura na alma de Bilae, eo poeta se fecha em si, em
sua poesia e naquele arnor frllstrado,
QlIardado ern seu Intimo.
,
Como a vida e a obra de urn poeta se interpenetram e se ref1etem a si e em
si mesmas, Bilac, portanto, impregnou sua obra daquela sensa<:;aode nao-realizac;;:ao
amorosa, dentre outros temas, e permitiu ao eu Iirico presente em suas composi<:;oes
poeticas uma vivencia que 0 homem nao concretizou. Sendo assim, nao se pade
falar que 0 poeta lIS0U lima fOrma na cria<:;aode sua obra. Apesar do taa comentada
a
e criticado cuidado formal, Bilac derramolJ em sua poesia sentimentos, sensac;;:oes,
maneira dele, confirma<:;aoda slIbjetividade.
A pontua<:;50 no primeiro verso desse soneto dedicado "a uma viuva" da a
esse verso um forte carateI' narrativo: "Domingo. Chove.". Alem disso, tal ritmo cria
expectativa
no leitor e destaca essas duas palavras, dando-Ihes uma grande
importancia dentro cia composic;ao poetica. "Domingo" representa para nos, quase
sempre, a dia de descanso, 0 de nao fazer nada, por isso, fastidioso, entediante; e
se e f3companhado de "chuva": "Como e triste e monotono
0
domingo!", dia ern que,
I
as vezes, apenas ouvirnos
"a chuva cair de pingo ern pingo.~.", desejamos, entao,
que algo ocorra, para nos tirar desse ostracismo.
A chuva pode ser considerada esperma au semente, por ser sfmbolo de
fertilizaC;ao. Essa concepc;ao esta diretamente
relacionada ao universo erotica do
poema, 0 que "revela a grande perturbac;ao que a carne feminina causa ern Bilac"
(Ibid). Ambientado no sonho, que "nos aparece como a expressao mais secreta e
mais impudica de nos mesmos" (GHEERBRANT& CHEVALIER, 2000:844), 0 desejo
de extrema fagosidade que ha no eu poetico contrasta corn a frialdade da "chuva".
Esse desejo faz as maos do poeta Iivrar a "viuva" "cia capa" e arrancar ''todas as
vestes umidas", em busca cia lasdvia carnal que lateja no toque da pele. 0 emprego
das formas verbais "livro-"
e "arranco"
denotam,
denunciam
urn espfrito de
passionaliclade, de pressa para a realizac;ao daquilo que arde no eu poetico.
Na sequencia,
eu !frico intercala, nos dois ultimos versos cia segunda·
0
estrofe, imagens de liberac;ao (acentuada com 0 sfmbolo do "passaro"), desnudez da
viuva e cia alma do poeta: "Como de urn ninho,
0
teu pezinho branco,
I
Da bota,
como urn passaro, se escapa ... " De acordo com a psicamllise, "0 pe teria tambem
uma significac;ao falica e
0
calc;ado seria urn sfmbolo feminino; cabe ao pe adaptar-se
a ele. 0 pe seria 0 sfmbolo infantil do falo" (Apud GHEERBRANT & CHEVALIER,
2000:695). Sendo assim, par extensao, ve-se no calc;ado, no caso do poema a "bota"
e, por analogia, 0 "ninho",
um sfmbolo vaginal. Ainda nesse sentido, ouso
do
diminutivo "pezinho" estaria ligado ao fato de que, curiosamente, ha homens que
adaram pes pequenos, admiram-nos;
sfmbolos da "mais elevada sutileza sensual"
(Ibid), os pes peqllenos fllncionariam como "um fetiche de amor" (Ibid).
No verso "Tremes de frio, entrethocando os dentes ...", de infcio, destaca-se
a representac;ao musical onomatopaizante
"entrechocando";
da tremedeira:
"Tremes",
"frio"
e
no verso seguinte, escutamos a batida da agua da chuva por
conta da musicalidade conseguida com os sons tonicos de "Bategas", "agua" e
"b:!pidas", bem como par conta da assonancia com 0 fonema "a" em "Bategas de
agua, tepidas,
la
fara",
que escoa para
0
outro verso: "Rufam nas pedras,
encllarcando
a rua"; em "Rufam" e em "encharcando"
temos, mais uma vez, uma
representa~ao musical onomatopaizante, dessa vez do barulho ,de agua, da chuva.
Ah§m dessa sonoridade observada,
slmbolo
de sensualidade:
nesse terceto
"os dentes"
destacamos, ainda, mais um
representam
a for~a, a agressividade
necessaria aos apetites dos desejos materiais, carnais. Vale salientar que a presen~a
da agua das chuvas remete
a exterioridade,
enquanto POl'dentro existe um estado
abrasante.
Na ultima estrofe do poema, a sensualidade tern uma dirnensao plastica,
palpavel, sensorial, sensual, lubrica. A "chuva" agorae
"quente e sonora", pelos
estalos que os labios produzem no momento de beijar a "espadua nua", esta que
"representa 0 poder de fazel', de agir" (Ibid:393).
com a "espadua nua"
0 contato dos "Iabios tremulos"
e a materializac;:50 da ardencia.
Essa face erotica de Silac, na qual se percebem irnagens de corpos nus e
sons insinuantes, uma "massa aClIstica, representada POl'gemidos, solu~os e frases
de prazer" (TEIXEIRA, 1997: 25), nao se distancia, em hip6tese alguma, de uma
"elegancia suficiente para que os textos persistam como obra de arte" (Ibid) e
possam conviver, POl' exemplo, com outras produ~6es em que
0
poeta aborda a
busca' pela perfei<;;aoformal oucom um texto em que se percebe uma angustia bem
ao gosto romantico. Em A urn poet a, POl'exemplo,
Longe do esteril turbill7ao da rua,
Beneditinq escreve! No aconcl7ego
Do claustra, na paciencia e no sossego,
Trabalha, e teime, e lima, e sofre, e sua.'
Mas que na forma se disfarce a emprego
Do esfvrc;or' e a trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique flua,
Rica mas sobria, como um temp/a grego.
Nao se mostre na fcibrica a sup/kio
Do mestre. E, natural a efeito agrade,
Sem lemIJrar os andaimes do edifTCio:
Porque a Beleza, gemea da Verdade,
Alte pura, inimlga do arlineio,
E a forC;ae a grac;a na simplicidade.
percebemos ja no titulo
a pro posta de que 0 poema e urn modelo formal;
Jecnicamente esse soneto e perfeito: apresenta versos decassflabos, e composto de
rimas ricas ("rua"l"sua";
"emprego"l"grego";
"construa"l"nua";
"agrade"jVerdade"),
ap6ia-se ern uma simetria rftmica. A compara<;;ao de um poeta com um frade
beneditino procura associar a cria~ao poetica
a paciencia, a dedica<;;aoda busca de
lima forma perfeita, que se consegue quando se "trabalha, e teima, e lima, e sofre, e
sua", Inclusive, 0 polissfndeto af presente acentua 0 esfor<;;odo eu Hrico. Para Olavo,
nesse soneto, a poesia busca na perfei<;;aofonnal a realiza<;;aodo ideal dela.
POl' outro lado, encontram-se
poemas nos quais a eu Hrico bilaquiano
extrapola as questOes sintatico-formais,
especialmente nos textos direcionados ao
amor e
a
mulher, LIma vez que percebemos nestes ressaibos romanticos, alem dos
c1a.ssicos,nos quais a eu !frieo apresenta aquelas multifaces que contradizem a
"deusa forma",
proposta contida na P,vfissao de
fe dos
parnasianos, Entao, ha
elementos semanticos, lexicais, IingOfsticos qlle vao ao encontro de lima inquieta<;;ao
d'alma desventurosa, que torna a eu Hrico bilaquiano angustiado, exacerbado, posta
que seriam "epifanias" no sentido lispectiano de revela<;;aode uma sensibilidade que
o poeta nao consegue constringir
na pura forma sintatica. ~af, encontrarem~se
elementos sociais e sensuais numa poetica nao apenas pura forma, puro artesanato,
pura arte pela arte. Vejamo5 lIm POlito desses elementos:
Paixao sem gritaf amOr sem agoniaf
Que nao oprime flem magoa 0 peito
f
(}ue nada rnais do que passui que/fa,
E com tao pouco vive satisfeito ...
Amor, que os exagero.c;repudia,
Mit:;lurado de estima e de respeit~
E, tirafldo das mdgoas alegria
Fica fatto, ficando sem proveito ...
f
Vh{Jsempre a paixao que me consome
Sem lima quei;.:a; sem um 56 lamento!
Arda sempre este amorque desanimas!
f
E eu tenl7a sempre, ao murmurar teu nome,
o corac;ao; ma~qrado 0 sofrimento,
Como um mc;al desabrochado em rimas.
BCl1dito 0 qUE',113lerra, 0 fogo feLj e 0 leclo,'
Eo que I1l1iua charrua ao boi paciente e amigo,'
Eo que encol1lrou a enxada; e 0 que, do chao abjeto,
FeLj aos beijos do sol 0 ouro brotar do trigo;
Eo que 0 ferro forjou; e 0 piedoso arquiteto
Que ideou, depois do ben;o e do lar, 0 jazigo;
Eo que os fios urdiu; e 0 que achou 0 alfabeto;
E 0 que deu uma esmo/a ao plimeiro mel1dlgo;
E 0 que so/tou ao mar a qUilha, e ao vento 0 pano;
Eo que inventou 0 canto; e 0 que crimI a lira;
Eo que domou 0 raio; e 0 que alc;ou 0 aeropI3no ...
Mas bendito, entre os mais, 0 que, no do profunda,
Descobriu a Diperanc;a, a divin3 mentira,
Dando aD homem 0 dom de suportar 0 mundo!
Percebe-se em "lncontentado//uma
voz angustiada, que se contenta com 0
que 0 amor oferece, embora perceba que "Fica farto, ficando sem proveito ...", poiS
"com tao pouco vive satisfeito ...".
paixao que
0
E
quase
0
amor, e quase a expansao de uma
deve consumir. Essa submissao ao sentimento se assemelha a uma
atitude romantica, posicionamento que declara mais uma face do eu !frieo bilaquiano,
que se traduz "Como um rosaI desabroehado em rimas." -
a chave de ouro tao ao
gosto de Bilac. AIE§mdisso, a forma<:;aosintatica dos versos apresenta-se, na maioria,
em inversoes e com uma pontua<:;aoque torna 0 ritmo mais lento, mais eadenciado.
Esse proeesso sintatieo-formal coopera para a revela<:;aode um eu !frieo angustiado,
intranqOilo.
A esse Bilae, soma-se outro: um poeta que aborda os aspectos sociais
presentes em "Benedicite!'~earater
foi expostaa
poetiea bilaquiana.
que eontraria os eomentarios vilipendiosos a que
Como nao refletir
sobre as 'benedid~neias'
e
ap(:mtadas no texto? Ademais, a ideia de que a "Esperan<;;a" a "divina mentira" que
da "ao homem 0 dam de suportar 0 mundo!" e que essa
e a maior "benedieite"
de
todas e, fremitosamente, agradavel, contribui<;ao para uma visao mais humanizante.
, Ha nesse texto urn forte paralelismo, proeesso sintatieo que funciona como recurso
para a progressao textual e que estabeleee urn equillbrio das ideias.
Sendo assim, os dois poemas Incontentado e Benediclte!, por exemplo, revelam
outros bilaques que devem ser re-vistos, re-buseados, para que possamos ter uma
verdadeira dirnensao do que realrnente e a obra de Olavo Bilac. Este estudo se
propos, ate aqul, a ser urn convite a urna redescoberta da produc;;aopoetica de urn
dos rnais irnportantes poetas brasileiros.
A obra de arte deve sempre ampliar nossa visao das palavras, das coisas, do
mundo. E, com essa visao, Iimitar a prodU<;;:ao
artfstica a um posicionamento polfticopartidario,
pre-conceituoso/
a
uma
sumaria
analise,
sem
Ihe ponderar
os
componentes do contexto em que e produzida e, no mfnimo, enfraquecer ou impedir
o poder altfstico de tal obra. Nosso contato com a produc;ao de Olavo Bilac sempre
despertou curiosidade a respeito do que ha na criac;ao desse poeta e questionamento
sobre a que a crfUca observa nele. Sendo assim, buscamos elementos para re-ler a
multifacetada e mal c1assificada produc;ao de Bilac.
Nesse sentido, a proposta desta re-Ieitura da obra bilaquiana a partir da
Estetica da Recepc;ao e do Imaginario buscau, par exempla/ evidenciar que a leitor
tem uma participac;ao ativa no cantata com a produc;aa artfstica, ja que esse leitor
passa a identificar e a compartilhar com 0 autor os elementos poeticos presentes nos
textos.
Assim, 0 cantata
mais direta com a composic;ao poetica bilaquiana e
percepc;ao de que "a epoca de Bilac [ ... ] nao deve ser entendida como contexto, mas
sim como texto, [ ... J cujas regras se entendem como a poetica cultural do per/odo,
na qual se inscreve, como frases intercaladas, a produc;ao do poeta" (TEIXEIRA,
1997:53) protestam
0
equivocado comportamento
crftico que autor e obra vem
sofrendo desde 0 advento do Modernismo.
A Estetica da Recepc;ao permite-nos perceber detalhes mais valiosos na
Uterat!Jra e reconstruir um perfil de determinada obra a partir das analises historicas
POl' que passou tal obra e de seu contato com os receptores. E estabelecida uma
cumplicidade entre auter e leitor, este ira vivenciar 0 prazer estetico que a obra
proporciona.
Dessa maneira,
segundo Jauss, estabelecer-se-ao
dois conceitos
fundamentais: "os de fruic;ao compreensiva e compreensao fruidora, processos que
ocon"em simultaneamente e indicam como 56 se pode gostar do que se entende e
compreender 0 que se aprecia" (ZILBERMAN, 1989:53).
Quanto a isso, nao podemos negar 0 enorme sucesso da obra poetica
bilaquiana junto ao publico, embora a cHtica especializada a tenha visto de maneira
oblfqua.
I
Uma leitura
fruidora
permite
um cantata
mais interessante
e mais
envolvente com
a
poesia de Bilac, por nao se constituir tal teitura numa busca
desenfreada e, pOl' conseqUencia, pre-conceituosa de caracterfsticas identificadoras
dedeterminada
estetica litera ria.
Nessa perspectiva,
verificamos
que a produc;ao poetica de alavo
Bilac
contesta, de maneira bastante funcional e significativa, a c1assificaC;aode sua obra
como
meramente
parnasiana.
Pluralizada
em
imagens
que
revelarn
outras
conotac;oes, a poesia bilaquiana sU5cita multifaces e desafia 0 leitor a urn mergulho
num espac;o poetico que se preenche com nuances sensuais, polfticas, sociais,
ideolo9icas,
c1assicas, embora se mantenha
sempre valido 0 convite a outras
conotac;oes, que sao as possfveis do texto literario.
, Nas PoeslClS,editadas inicialmente em 1888 e reeditadas em 1902, com 0
'acrescimo de
AlrmLJnctLJJe1Q,
As_YLQgerlSe a Ca~CLdoLdJ~~smeraldas, passeiam
bilaques de feic;oes fonnais, de uma flagrante sensualidade, de um panorama neoromantico,
de sugestoes
confesso nacionalismo,
e
sonoridades antecipadoras
de um erotismo
espetacutar,
do Simbolismo, de um
de um Iirismo ref1exivo,
angustiado, de inovac;oes em conotac;oes epicas. au seja, a partir do momenta em
que 0 leitor entra em cantata com esse uni-verso e com as imagens af presentes,
constata, de maneira inquestionavel, aquelas rnultifaces que negam a conotar;;ao de
Bitac como urn poeta beletrista.
Essa riqueza e pluralidade de imagens e sfmbalos presentes na obra poetica
de Bitac, a nosso ver, POl' si sos ja justiflcam a necessidade de se re-ver
0
tratamento
crftico que essa obra recebeu e continua recebendo, tanto da crftica especializada
como do ensino e estudo de Iiteratura.
a que pode afastar 0 teitor medio da produc;ao poetica de Bilac e a lexico de
que 0 poeta faz uso. Afinal, em tempos da cornunicac;ao rapida, do advento da
internet, par exemplo, a vocabutario academico de alavo Bilac se constitui em uma
barreira, apesar do carater convidativo de desafio. No perfodo entressecular ern que
o poeta produziu sua obra, havia urna boa receptividade a esse vocabulario.
Nao ha como negar urn Bilac que, se sofreu uma explfcita inf1uencia dos
parnasianos
franceses,
como de Theophile
Gautier, dernonstra
uma apurada
sensibilidade na captac;ao de ternas e de imagens denunciadores de urn poeta mal
classificado esteticarnente.
a imaginario nao apenas provoca reflexoes, mas tambem convida a um
aprofundamento
transformador
daquilo que poe em evidencia. Potencializando a
universo simb6lico da Iinguagem, a Poeta permite ao leitor experimentar uma outra
visao daquilo que vemos, sentimos, sabemos au pensamos saber. E como 0 Reino da
Poesia e feito de ambigOidades, e necessaria ceder nossa capacidade de escutar e de
I
entender as palavras ao que a Poeta dlz, para que possamos tamar melhor nossas
constrlJ~oes disso ou daquilo que nos permite satisfeitos.
Pareceu-nos interessante e relevante uma leitura da obra bilaquiana a luz
das propostas da Estetica da Recep~ao e do Imaginario. Buscamos af um espa<;o
poetico-textual
em que
0
leitor pudesse participar mais ativamente da obra com a
qual mantem contato, e que se levem em considera<;ao as dialogos que 0 conteudo
do texto provoca, resultando num efeito estetico,
0
qual se realiza pela compreensao
e pela interpretac;;ao provocadas no leltor, individualmente,
e como Importante
componente inserido no sistema estetico. Assim, 0 leitor podera desfrutar melhor e
mais satisfatoriamente
da pluridimensionalidade
das imagens, dos sfmbolos que
real<;am as ideias das composi<;5es poeticas.
A sensa<;aode que a imagem torna sensfvel e convidativo a discurso e que
cultiva as qualidades das palavras esteve presente no decorrer deste trabalho. E 0,
ha muito almejado, re-encontro com Bilac, alem de necessario, afigurou-se-nos a
uma re-descoberta que pretendeu levantar hip6teses de re-Ieitura e abrir espac;;o
para mais e mais discuss5es. Afinal, a obra de arte sempre e um desafio aqueles que
querem sentir a vida mais de perto e tecer interminaveis caminhos. au como diz
Bilae em seu enTA~DEeer:
Sem preSS81 sem peS8" sem alegri81
Sem almal 0 Tecelaol que cabeceiar
Cardal retorcel estiral assedal fiar
Doba e ent,.ela~al na infindavel teia.
(0 Tea" Tarde)
BACHELARD,Gaston. ,l\agua.eQS.SQJlI1QS.Sao Paulo: Martins Fontes, 1997
I
BANDEIRA, Manuel. Apresentacao da-poesia
Ediouro.
brasileil'q. Olavo Bitae. Sao Paulo:
BILAC, Olavo. Qbra re~micLq.Organiza~ao de Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1997.
_______
. MelhQI];.SJtoemas de Olavo Bilae. Sele~ao de Marisa Lajolo. 3a ed.,
Sao Paulo: Global, 2000.
___ ~
. YO_~~ljns.Q1em2q:cronicas de Olavo Bilae. Organiza<;;aode Antonio
Dimas. Sao Paulo: Companhia das Letlas, 1996.
BOUSONO, Carlos. IeQ[1i,LCleJ~Le~Qresi6nJ2oeti{:a.lSa ed. Madrid: Editorial Gredos,
1970.
CAMOES, LUIs Vaz de. Ci3lI1Qe_s: sonetos. Sele~ao de Celia A. N., Passoni. Sao Paulo:
Nucleo, 1991.
CARA, Salete de Almeida. A recepl;ao crftica: 0 momento parnasiano-simbolista no
Brasil. (Ensaios, 98). Sao Paulo: Atica, 1983.
CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. Diciona[Jo de slmbQlos. Rio de Janeiro:
Jose Olympio, 2000.
CIRLOT, Juan-Eduardo. DigQnario sJeslmbolos. Sao Paulo: Moraes, 1984.
DURAND, Gilbert. 8.Le.slLlltm.as antropol6gicas do imaginariQ: uma introdu<;;ao
arquetipoJogia geral. 2 ed. Sao Paulo: Martins Fontes, 2001.
_______ ,
. Q__JmajlinarjQ: ensaio acercadas
imagem. Rio de Janeiro: DIFEL, 1998.,
a
ciencias e da filosofia da
ECO, Umberto. pos=-_e.s-<::rtlQ_<l_Q-llQme
da roSq. Trad. Letizia Zini Antunes e Alvaro
Larencini. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade~_metodo:
tral;;os fundamentais
a
Henneneutica filosofica. 2 ed. Petropolls: Vozes, 1998.
de
uma
GRUPO fl. Retorica diLQoesia: leitura linear, leitura tabular. Grupo fJ (Jacques
Dubois) ... [et at], Trad. Carlos Felipe Moises. Sao Paulo: Cultrix, 1980.
ISER, Wolfgang. ~at~d.a-LeitlJrq-J __ul1l<:Lteoria.-do efejto .e_s_t~tLC-Q.
vaLl. Sao Paulo:
Editora 34, 1996.
____
.. A intera~ao do texto com 0 leitor. In: LIMA, Luiz Costa (arg.).
lLt~[atura eo leitar. 2a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
A
JAU5S, Hans Robert. 0 prazer estetico e as experiencias fundamentais da poiesis,
Aisthesis e katharsis. In Luiz Costa LIMA (org.) A Iiteratura e a leitor. 2a ed., Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2002 .
.
~
. A estetica da recepl;;ao: colocal;;oes gerais. In Luiz Costa LIMA
(org.) AJit~ratut:a~~Q-'~!tQt. 2a ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
__________
. Estetica de la rec;eQcionY comunicacion Iiteraria. Buenos Aires:
Punto de Vista, ana IV, nO 12, 1981.
JOACHIM, Sebastien. lLQoetica do imaginario: uma introduC;ao a Jean Burgos. In:
Signotica. Goiania: Ed. da UFG, n. 8, janjdez. 1996.
JORGE, Fernando. ~tda._e_R.Q~SJ~Lcle.J)Ii:JYJL6JJa~.
4a ed. rev. e aum. Sao Paulo: T.
A.Queiroz, 1991.
LAJOLO, Marisa-,-Us9..s
__
e-.a..bJJ.s..Q~_da
Iiteratura na escola: Bilac e a Iiteratura escolar na
RepLlblica Velha. Rio de Janeiro: Globo, 1982.
MERQUIOR, Jose Guilherme .. De Anchieta a Euclides: Breve hist6ria da Iiteratura
brasileira. 3a ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.
PIRES, Orlando. Estetica da recepl;;ao. In: t:1anuQ!de teoria e tecnica literaria, 3a ed.,
Rio de Janeiro: Presen~a, 1989.
PAZ, Octavia. I;Lar.£Qy_laJira.. Mexico: Fonda de Cultura Economica, 1998.
RAFF,!jeffrey. lung e a imagina~ao algufmica. Sao Paulo: Mandarim, 2002.
SARTRE,Jean-Paul. Que e a Iiteratura'( Sao Paulo: Atica, 1989.
SOUZA, Roberto Adzelode. Te9riiLdA.m~rgt\Jra. Sao Paulo: Atica, 1991.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Q..~cto
verbal no portugues: a categoria
a
Expressao. 3 ed. Uberlandia: Universidade Federal de Uberlandia, 1984.
e sua
ZILBERMAN, Regina. E$tetica da recep<;ao e hist6ria da literatura. Sao Paulo: Atica,
1989.
Download

d i g i t a i s - Programa de Pós