UNICOC
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
BACHARELADO EM DIREITO
FELIPE TANCINI BAZZAN
TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO
RIBEIRÃO PRETO
2006
FELIPE TANCINI BAZZAN
TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO
Trabalho de conclusão de curso
apresentado a UniCOC de Ribeirão Preto,
como parte dos requisitos para obtenção
do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Professor José Carlos
Evangelista Araújo
Co-orientador: Antonio Machado
Neto
RIBEIRÃO PRETO
2006
BAZZAN. Felipe Tancini. Trabalho Escravo Contemporâneo. Ribeirão
Preto, 2006. 61 fls. Trabalho de Conclusão de Curso (Direito) UNICOC.
2006.
RESUMO
Trabalho Escravo Contemporâneo, não fala sobre o trabalho escravo
tipificado no Código Penal. Faz menção a esse trabalho escravo
propriamente dito, e sobretudo versa sobre as formas modernas de
exploração do trabalho humano. De modo a discorrer sobre alguns
direitos desrespeitados na relação de poder entre empregador e
empregado, fazendo assim, uma relação mais específica da relação de
trabalho na zona rural do Brasil desde a colonização portuguesa até os
dias de hoje. A pesquisa demonstra as conseqüências do capitalismo
exacerbado. Tem esse trabalho um caráter denunciativo, no sentido de
demonstrar a ocorrência da exploração de indivíduos miseráveis e
cobrar dos nossos representantes políticos vontade e atenção para esta
classe.
Palavras Chave: Trabalho Escravo, Trabalho Degradante, Exploração
do trabalho humano, Desigualdade Social.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...............................................................................................................1
CAPÍTULO I
1.A ESCRAVIDÃO NO BRASIL..................................................................................4
1.1.COLONIZAÇÃO: FORMAÇÃO DE UMA SOCIEDADE
ESCRAVOCRATA ........................................................................................................4
1.2. TRÁFICO NEGREIRO: A ESCRAVIDÃO LEGALIZADA..............................6
1.3. REVOLUÇÃO INSDUSTRIAL: NOVOS MODOS DE EXPLORAÇÃO.......10
1.4. O FIM DO TRÁFICO: O CAMINHO DA ABOLIÇÃO....................................12
CAPÍTULO II
2. O TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO...............................................16
2.1. CONCEITO ATUAL.............................................................................................21
2.2. DIREITO À LIBERDADE E A PERDA DA DIGNIDADE ..............................25
2.3. ASPECTOS LEGAIS ............................................................................................29
CAPÍTULO III
3. COMO OCORRE A ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA ..............................34
3.1. QUEM É ESCRAVO..............................................................................................38
3.2. QUEM ESCRAVIZA.............................................................................................40
3.3. QUEM LIBERTA E QUEM PODE LIBERTAR................................................42
CAPÍTULO IV
4. NOTÍCIAS VEICULADAS SOBRE A EXPLORAÇÃO DO
TRABALHO HUMANO..............................................................................................46
CONCLUSÃO ...............................................................................................................57
INTRODUÇÃO
Este trabalho de conclusão de curso tem por objetivo fazer um singelo
passeio pela história do Brasil, buscando demonstrar como se deu o início da
Escravidão no Brasil, e, sobretudo, investigar a Escravidão Contemporânea e
apontar seus aspectos mais relevantes e atuais.
O presente trabalho irá discorrer sobre a colonização do Brasil, o tráfico
negreiro, a abolição, o trabalho escravo contemporâneo, os conceitos atuais, o
direito à liberdade e a dignidade da pessoa humana, aspectos legais e de
modo geral em quais condições ocorre a escravidão atual.
Diante dos temas a serem abordados, podemos dizer que o objetivo
maior é demonstrar, que mesmo após tantos anos de abolição da escravatura
(Lei Áurea), infelizmente ainda existe essa mazela em algumas regiões do
país.
Posterior a essa idéia iremos demonstrar os principais problemas
sociais, políticos e econômicos que propiciam a ocorrência dessa forma
desumana de exploração da força de trabalho alheia, não nos esquecendo de
traçar um paralelo comparativo entre a escravidão colonial e a escravidão
contemporânea.
Ainda assim, é importante deixar claro que a maior finalidade desse
trabalho é levar ao conhecimento do maior número de pessoas a existência de
formas atuais de escravidão. Por fim, levantar os aspectos determinantes
dessa relação de trabalho e principalmente debater formas de erradicação do
trabalho escravo.
Dessa forma, temos exata noção da abragência do tema objeto de
nossa pesquisa, que, além de amplo, conta com minuciosos e por vezes
obscuros detalhes. Não é, portanto, nosso objetivo maior a mera discussão de
conceitos e definições, mas sim procurarmos formas de minimizar tais
ocorrências e promover os trabalhadores.
No transcorrer do trabalho iremos levantar inúmeros fatores os quais
entendemos determinantes para a ocorrência dos fatos narrados. No entanto,
somente o faremos na tendência e na preocupação de não sermos apáticos a
essas situações e no intuito de provocar a reflexão de todos.
Portanto,
desde
já
esclarecemos
não
ser
nosso
objetivo
o
aprofundamento em discussões dogmáticas, considerando-se a amplitude do
tema e a necessidade primária de noticiar a ocorrência fática dessa moléstia.
Vale dizer, a pesquisa será feita com base na bibliografia disponível e
estudará os eventos sociais atuais, sendo certo que, como operadores do
direito em nenhum momento iremos nos afastar de nossas questões
ideológicas, sempre opinando e justificando nossas posições.
Dentro da sociologia do conhecimento, acreditamos ser nosso método
de pesquisa FENOMENOLÓGICO, pelo qual, a partir de dados colhidos
através das doutrinas, notícias de jornal e sítios jurídicos de entes
interessados, observaremos a manifestação fenomênica do tema objeto da
pesquisa e, a partir disto, explicaremos a realidade. Sempre com a
preocupação de buscar a verdade e verificabilidade dos fatos analisados.
Antever desde já os resultados que pretendemos alcançar é algo muito
difícil, visto que o principal objetivo do trabalho seria contribuir para a
erradicação dessa forma ilegal e desumana de exploração.
Porém, ao alcançarmos esses objetivos tidos por menores já nos
sentiremos satisfeitos. Isso porque, acreditamos ser um tema desconhecido ou
pouco discutido nas universidades de direito e ao levarmos o tema ao
conhecimento de todos os que tiverem contato e oportunidade, estaremos por
fazer um grande papel.
O tema amplo foi escolhido propositalmente no sentido de deixar várias
perguntas ao leitor. São muitos os assuntos relacionados, tais como: Reforma
Agrária, Agricultura Familiar, Modo Capitalista de Produção, Políticas Públicas,
Impunidade e Estrutura Legal.
Desse modo, encontramos um tema que abarca várias situações e
questões sócio-econômicas diretamente relacionadas com as estruturas de
poder atualmente vigentes em nossa sociedade.
Nesse sentido, é importante notar que durante a história do Brasil
tivemos sim um substancial avanço social e legislativo com a Abolição da
Escravatura. Porém, não podemos ser ingênuos de imaginar que todas as leis
criadas nessa seara são suficientes à solução do problema ora abordado.
E ainda assim, perceber que o sistema capitalista em que vivemos
incentiva, fomenta esse modo de exploração o qual abordaremos. De modo
que a estrutura econômica na qual o poder está concentrado nas mãos de
alguns privilegiados, faz com que o restante da massa submeta sua mão de
obra a qualquer preço.
Contudo, importante salientar que desde já podemos dizer que a
escravidão contemporânea não é simplesmente uma conseqüência da
escravidão colonial, e sim, conseqüência de um modo de exploração capitalista
que exclui quem tem a mão de obra como única fonte de renda e privilegia
quem tem nas mãos o poder e a propriedade.
CAPÍTULO I
1. A ESCRAVIDÃO NO BRASIL.
Para começar este trabalho é necessário voltarmos ao início da história
do Brasil (em meados de 1500). Para que, a partir dessa data, possamos de
maneira simplificada dar um passeio pelos acontecimentos, com a finalidade
de demonstrar: quando, como e por que surgiu o trabalho escravo. E, por
conseguinte, demonstrar as conseqüências atuais dessa forma de exploração
do trabalho humano.
É certo que todo nosso estudo acerca desse triste tema, servirá para
pensarmos sobre todo o desrespeito aos indivíduos que estiveram envolvidos
neste horrível drama, e, ainda, para notarmos que convivemos com a
escravidão.
Ao fazer essa busca na história, trazer e comparar com os
acontecimentos atuais, mister dizer, no nosso pensamento os ídolos dessa
história serão todos aqueles que lutaram e ainda lutam pelos direitos humanos
inerentes ao homem.
Assim, desde já, pode-se deixar claro que nos posicionamos contra todo
e qualquer tipo de abuso, seja escravidão, superexploração ou trabalho
degradante que atentam contra a dignidade da pessoa humana.
1.1.COLONIZAÇÃO: FORMAÇÃO DE UMA SOCIEDADE
ESCRAVOCRATA
Para os portugueses, o Brasil apresenta-se como uma terra cujas
possibilidades de exploração e contornos geográficos eram desconhecidos.
Assim, entre 1500 e 1535, com o início da colonização portuguesa, a principal
atividade econômica foi à extração do pau-brasil, conseguida a partir de
relações de troca com os índios (escambo).
Os indígenas cortavam o pau-brasil, carregavam os navios europeus e
em troca recebiam objetos das mais variadas naturezas e utilidades, tais como
machados, anzóis, espelhos, pentes, miçangas de vidro, entre outros. Logo
essas quinquilharias deixaram de despertar interesse dos índios, que, então,
passaram a serem escravizados pelos portugueses no corte e transporte do
pau-brasil.
Sabendo-se que nesse mesmo período os espanhóis e os franceses já
freqüentavam constantemente a costa brasileira, os portugueses trataram de
acelerar o processo de colonização e começaram a vislumbrar a posse da
nova terra, e logo, buscar outras riquezas.
Assim, para melhor atender as necessidades de colonização, a Coroa
portuguesa decidiu dividir a colônia em 14 faixas, com vistas a povoar as
terras, que receberam o nome de capitanias hereditárias.
A intenção portuguesa foi patrulhar e explorar as terras, tendo em vista
a necessidade de ocupação. Os pedaços de terra foram doados a pessoas da
pequena nobreza (donatários), as quais seriam responsáveis pela exploração e
policiamento, e, além disso, deveriam durante a exploração pagar impostos
sobre a utilização da terra (importante dizer que os donatários somente tinham
a posse e não a propriedade da gleba recebida).
Os pedaços de terras doados pela Coroa (Sesmarias) foi fator
determinante para a formação dos latifúndios no Brasil. O que demonstra que
desde então a terra era poder, e então não prevalecia a função da terra.
Mesmo com esses grandes pedaços de terras, seja por má
administração, inexperiência ou mesmo por falta de recursos, a maioria dos
donatários não tiveram sucesso. Assim, aos poucos as terras foram voltando
às mãos da metrópole, que por fim estabeleceram o governo geral.
Juntamente com a necessidade portuguesa da escravização dos índios
para a exploração da colônia, vieram os jesuítas com suas concepções
missionárias, a fim de captar novos católicos.
Como justificativa para a catequização do indígena, os padres diziam
que os índios (antropófagos) para “serem salvos” deveriam ser convertidos ao
catolicismo. Juntamente com a “salvação cristã” os portugueses traziam para
os índios a cultura do trabalho europeu (não de subsistência).
Entretanto, a escravização dos índios chocou-se com uma série de
dificuldades, visto ser a intenção do colonizador apressar o domínio da terra.
Os índios tinham uma cultura incompatível com o trabalho intensivo e regular
como pretendido pelos portugueses. Somente produziam o necessário para
garantirem sua subsistência, e o restante do tempo eram acostumados a
dedicarem aos rituais e celebrações das tribos.
Por fim, os índios revelaram-se não ser a melhor mão de obra para os
colonizadores. Fatores que predominaram para o não prosseguimento da
escravidão indígena foram o fato de a Coroa romper com a Igreja – por não ser
mais interessante para a Coroa a catequização dos índios, tendo em vista a
dificuldade encontrada; o efeito dizimador da raça pelas enfermidades trazidas
da Europa pelos brancos; e, ainda, as inúmeras guerras que os índios foram
submetidos (alguns historiadores acreditam que de 1500 a 1800 a população
indígena foi reduzida de 4 milhões para 1 milhão de gentios).
1.2.TRÁFICO NEGREIRO: A ESCRAVIDÃO LEGALIZADA.
Considerando que os índios tinham algumas proteções legais
(INDIGENATO – instituição jurídica luso-brasileira que deita suas raízes já nos
primeiros tempos da Colônia, quando o Alvará de 1º de abril de 1680,
confirmado pela lei em 1755, firmara o princípio de que, nas terras outorgadas
a particulares, seria sempre reservado os direitos dos índios, primários e
naturais senhores delas) registre-se que essa proteção jurídica apesar de
ineficaz, juntamente com outros fatores, acabava por desestimular a
escravização dos índios.
Paralelamente o mercado de negros vindo da África começa a se
intensificar, e a Coroa portuguesa opta por comercializar esse produto que se
tornara muito lucrativo. Tudo isso porque a metrópole logo tratou de tributar
esse comércio, que se mostrou rentável para todas as classes.
A escravidão negra foi algo que movimentou muito dinheiro, tanto para
os comerciantes, intermediários, como para os consumidores (que abusavam
dessa mercadoria) e, sobretudo, a Coroa portuguesa. Os negros já tinham
experiência com os engenhos de açúcar, era a mão de obra mais barata e
tinha em vasta quantidade.
Ocorreu que o tráfico acabou por ser a alternativa mais lucrativa entre as
atividades econômicas aqui desenvolvidas, e, portanto agradava a todos. Os
fazendeiros precisavam dessa mão de obra barata para reduzir o preço do
açúcar a valores competitivos no mercado internacional; os traficantes
(considerando os responsáveis pela vinda dos escravos e os intermediários)
vendiam esses negros por “altos preços”; e para completar esse terrível ciclo, a
metrópole tributava esse comércio totalmente legal (com aval da Igreja, que em
nenhum momento se contrapôs ao comércio).
É dramático o depoimento do Dr. Livingstone sobre o tráfico, note:
“O espetáculo que presenciei, apesar de serem incidentes comuns
do tráfico, são tão repulsivos que sempre procuro afastá-los da
memória. No caso das mais desagradáveis recordações, eu consigo
por fim adormecê-las no esquecimento; mas as cenas do tráfico
voltam-me ao pensamento sem serem chamadas, e fazem-me
estremecer no silêncio da noite, horrorizado com a fidelidade com
que se reproduzem”.
Os negros não eram considerados pessoas titulares de direitos, eram
tidos como racialmente inferiores e juridicamente reputados objeto de relações
econômicas. O que seria um grande argumento na época para serem tratados
como mercadorias. Legalmente o negro não era considerado pessoa e sim
coisa.
É importante lembrar a forma com que os negros eram tratados, e para
qual finalidade ocorria o tráfico negreiro. Descreve Eduardo Bueno:
“Terá sido o pior lugar do mundo, o ventre da besta e o bojo da fera,
embora para aqueles que eram responsáveis por ele, e não estavam
lá, fosse o mais lucrativo dos depósitos e o mais vendável dos
estoques.(...) O bojo dos navios da danação e da morte era o ventre
da besta mercantilista: uma máquina de moer carne humana,
funcionando incessantemente para alimentar as plantações e os
engenhos, as minas e as mesas, a casa, e a cama dos senhores – e,
mais
do que tudo os
cofres
dos
traficantes
de homens”
(BUENO,2004, p. 112).
Pode-se notar que não se tratava simplesmente da escravização dos
negros, e sim na transformação de um ser humano em produto. Era um
negócio organizado, permanente e vultoso, estabelecido entre portugueses e
africanos com a finalidade de integrar a Europa, a África e a América num
comércio, chamado Tráfico Negreiro.
Importante notar que as pessoas que detinham o poder (terras e
riqueza) manipulavam e elaboravam a forma de aumentar sua lucratividade.
Fica claro que os fazendeiros e os políticos (na maioria das vezes se tratando
da mesma pessoa) exerciam o poder sobre os mais fracos e vulneráveis.
O comércio se dava da seguinte forma: partindo os navios da Europa,
eram levadas manufaturas para a África, onde na costa eram cambiadas por
negros. Esses navios, agora com os porões lotados de escravos, partiam para
o Brasil, onde os negros eram trocados por açúcar (revendido com grande
lucro na Europa).
Vale lembrar que participaram do tráfico também os holandeses,
ingleses e espanhóis. Porém os brasileiros e portugueses radicados no Brasil
se tornariam os maiores e mais eficientes traficantes de escravos da história;
para tanto se utilizando a cachaça e do tabaco como moeda de troca, produtos
baratos e abundantes no Brasil e muito desejados pelos africanos.
Aos poucos o tráfico foi aumentando, e nesse comércio foram
escravizados negros de várias regiões da África (Moçambique, Congo e
Angola) e vendidos por quase todo o território brasileiro (Pernambuco, Rio de
Janeiro, São Paulo e Minas Gerais), conforme foi se expandindo a colonização
e as diferentes formas de exploração.
Neste momento, o comércio de negros se tornará simples e ainda mais
lucrativo, já que ao desembarcarem eram imediatamente negociados, ou
mesmo leiloados. Havia intermediários que compravam os negros e os
revendiam no interior do país.
Tivemos então durante mais de três séculos a escravidão legalizada. Todos
esses anos traficantes, revendedores e exploradores lucraram sobre o esforço,
sofrimento de seres humanos que foram mal tratados, castigados e
humilhados por seus semelhantes inescrupulosos; que somente visavam cada
vez mais à obtenção de lucro, mesmo que para alcançar o seu propósito
tivessem que fazer sofrer tantos inocentes.
1.3. REVOLUÇÃO INSDUSTRIAL: NOVOS MODOS DE
EXPLORAÇÃO.
Em meados do século XVIII, paralelamente a todos acontecimentos que
ocorriam no Brasil, que a partir de 1822 já se tornara independente, na
Inglaterra, ocorria a Revolução Industrial – fator preponderante para o fim da
escravidão.
Sento-Sé descreve em sua obra a importância da Revolução Industrial
para a abolição da escravidão, vejamos:
“A Revolução Industrial conviveu com idéias e pensamentos
convergentes com seus princípios, que marcaram a Europa durante
o início do Século XVIII. De fato, as obras de pensadores como
Montesquieu e Rosseau e o ideário de liberdade e igualdade, que
marcaram a Revolução Francesa de 1789, são eventos relacionados
com as transformações buscadas pela Revolução Industrial. A partir
do século XIX, o mundo inteiro começou a vislumbrar essas idéias
iniciadas na Europa e que transformavam a teoria do pensamento
humano. Os grandes intelectuais da época, dentre eles Hegel,
passaram a pugnar pela valorização de determinados elementos
diretamente identificados com a melhoria de vida do ser humano,
como é o caso da liberdade” (Sento-Sé, 20001, pg. 32).
Pensadores europeus exigiam a abolição da escravatura, entre outras
idéias liberais, tais como o trabalho livre e assalariado; assim podemos a partir
de tal data perceber uma evolução do trabalho e a criação de alguns direitos
trabalhistas (jornada mínima, idade mínima e salário).
Vale dizer que no Brasil nesse período já contávamos com vários
abolicionistas, os quais é importante citar: José do Patrocínio, André
Rebouças, Joaquim Nabuco, Luís Gama, Antônio Bento, Rui Barbosa, entre
outros. Importante ressalvar a pressão inglesa sobre o Brasil para a abolição
dos escravos.
Como vimos em todos os momentos na escravidão durante o período
colonial, e também veremos na escravidão contemporânea, o fator decisivo
para dificultar o fim desse drama e crueldade reside no próprio sistema
econômico. De fato, nos dias atuais, verificamos fazendeiros, mineradores,
revendedores, muitas vezes políticos não medindo esforços para continuar a
lucrar com essa exploração. De modo que sempre se procura uma forma de
diminuir o custo de seu produto, aumentando assim a rentabilidade com a
venda dos mesmos.
Leo Huberman descreve bem o modo capitalista, veja:
“O que é que o capitalista compra para vender com lucro? Entradas
de Teatro?Carros? chapéus?casas?Não.Não é nenhuma dessa
coisas, e ao mesmo tempo é parte de todas elas.(...) É a força de
trabalho do operário que pó capitalista compra para vender com
lucro, mas é evidente que o capitalista não vende a força de trabalho
de seu operário. O que ele realmente vende – e com lucro – são as
mercadorias que o trabalho do operário transformou de matérias
primas em produtos acabados. O lucro vem do fato de receber o
trabalhador um salário menor do que o valor da coisa produzida.”
Nota-se aqui, que naquele momento histórico se tornou mais
vergonhoso, e, ainda mais inaceitável para o Brasil manter a escravidão, visto
todos os países europeus já terem trabalhadores livres e assalariados, ainda
com a ressalva de algumas garantias trabalhistas.
Porém, a grande critica se faz acerca do modo com que ocorreu o
êxodo rural e mesmo a forma com que foram feitos os investimentos no setor
agrícola. Em outras palavras, podemos dizer que não houve em nenhum
momento políticas públicas no sentido de distribuir melhor e de forma mais
igual áreas agricultáveis.
Desse modo, permaneceram as terras, e logo o poder concentrado nas
mãos de uma oligarquia pouco numerosa. Desse modo os trabalhadores que
migraram para a zona urbana foram marginalizados, ficando somente com as
oportunidades de emprego que tinham péssimas condições de trabalho e
baixos salários.
1.4 O FIM DO TRÁFICO: O CAMINHO DA ABOLIÇÃO.
Pode-se dizer que a Abolição foi um dos movimentos sociais mais
importantes da história do país. Devemos ter em mente que foi uma luta muito
árdua de abolicionistas e escravos e do outro lado todos os proprietários e
comerciantes de escravos (sem contar a Coroa e o império, que demoraram a
ceder a todas as pressões).
Um trecho do livro de Joaquim Nabuco ilustra bem toda essa luta.
Vejamos:
“O Abolicionismo é um protesto contra essa triste perspectiva, contra
o expediente de entregar à morte a solução de um problema, que
não é só de justiça e consciência moral, mas também de previdência
política. Além disso, o nosso sistema está por demais estragado para
poder sofrer impunemente a ação prolongada da escravidão. Cada
ano desse regime que degrada a nação toda, por causa de alguns
indivíduos, há de ser-lhe fatal, e se hoje basta, talvez, o influxo de
uma nova geração educada em outros princípios, para determinar a
reação e fazer o corpo entrar de novo no processo, retardado e
depois suspenso, do crescimento natural” (NABUCO, 2000, P.28).
Foi declarado o fim do tráfico negreiro, em 1888, pela princesa
Isabel.Até então o que tivemos foram algumas tentativas de minimizar o
sofrimento dos negros, ou até, mesmo tentativas de disfarçar o tráfico.
Veremos
a
seguir
algumas
datas
importantes
na
história
do
abolicionismo e da escravidão.
Em 1845, foi assinado um ato unilateral pelo parlamento inglês – o Bill
Aberdeen, o qual declarava ilegal o tráfico de africanos e determinava que os
infratores fossem julgados pelos tribunais da marinha inglesa (o temor da
extinção da escravidão gerou efeito contrário, a entrada de negros a partir de
1845 dobrou: 50.000 “peças” por ano).
Em 1850, a Lei Eusébio proibiu o tráfico negreiro. Com o preço dos
escravos subindo, os produtores foram obrigados a encontrar alternativas mais
baratas. A eliminação do tráfico não modificou a estrutura da escravidão,
mudou apenas a forma de abastecimento, dando incentivo ao comércio
interno. É dessa maneira que se afirma que o tráfico acabou, mas a escravidão
continua.
Em 1871, visconde do Rio Branco aprovou a Lei do Ventre Livre –
segundo a qual seria livre qualquer filho de escrava nascido no Brasil.
Já em 1884, foi aprovada a Lei Saraiva-Cotegipe ou “Lei dos
Sexaginários”, a qual tinha uma finalidade duvidosa. Sendo que estabelecia
que os escravos maiores de 65 anos ganhariam liberdade e, ainda versava
sobre alguns elementos para a libertação gradual dos escravos. A critica
quanto a essa lei, é feita no sentido de podermos entender que somente
seriam libertos os maiores de 65 anos, por esses não interessarem mais aos
senhores visto a fraqueza e inoperância, e ainda o fato da maioria deles não
chegar a essa idade.
Por fim, em 1888, a princesa Isabel promulgou a Lei Áurea que a partir
desse momento a escravidão passou a ser vedada no nosso ordenamento
jurídico. No entanto, veremos ao longo desse trabalho que mesmo sendo a
escravidão ilícito penal o sistema econômico e de produção permaneceu
indiferente à essa circunstância, de modo a utilizar ainda hoje a mesma forma
de exploração da mão de obra.
Sabendo-se que a Lei de Terras de 1850, elegeu o documento de
compra e venda como o instrumento de sua apropriação, as Sesmarias foram
confirmadas como propriedade privada e foi legitimada a posse de terras em
que o ocupante tivesse moradia fixa e produção adequada às exigências do
mercado. Do contrário, as que não se encaixavam nessa categoria eram tidas
como devolutas, mesmo se usadas por alguma família de camponeses,
ex-escravos ou pescadores.
Já que somente a elite tinha acesso aos cartórios de registro,
considerados oficiais, mas contratados, num processo histórico de apropriação
do público pelo privado, por algumas famílias, os fazendeiros se apoderaram
de grandes extensões de terras, configurando assim, a estrutura de dominação
e opressão do trabalhador rural sem terra já consolidada durante nossa
história.
Ainda, como agravante à escravidão, devemos discutir as condições que
os negros foram libertos.O que aconteceu foi tirar os negros das senzalas, na
maioria das vezes na zona rural, e, mandá-los para as favelas na zona urbana.
A maior parte dos ex-escravos continuaram a trabalhar para seus
senhores ganhando muito pouco. Formalmente deixou de existir a escravidão,
no entanto o regime de servidão e miséria continuou o mesmo para essas
pessoas.
Com certeza, o fato de ser crime a escravidão, não resolveu esse
problema social e econômico, do qual essas pessoas continuam a ser vítimas
de preconceito, sendo tratadas como raça inferior por muitos anos.
De fato, o que deveria ter sido feito era um projeto de inclusão social e
econômica dos negros sendo esse um fator de grande discussão e polêmica.
As conseqüências podem ser notadas facilmente ainda hoje; assunto atual e
muito discutido são as ações afirmativas e cotas, que se pode dizer serem
conseqüências do período de escravidão.
Não bastou a Lei Áurea que pensava somente na liberdade (certo que já
foi um grande avanço), era necessário que se pensasse na conseqüência
dessa libertação. Não receberam os negros nenhuma indenização e preparo
para serem livres, sobretudo, faltou a própria população o respeito e a
aceitação dessas pessoas a participarem da sociedade.
Por fim, nessa ocasião iremos demonstrar que ainda hoje, mesmo após
a abolição, convivemos com a escravidão, que é manifestada de diferentes
formas, conforme explicaremos nos próximos capítulos.
CAPÍTULO II
2. O TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO
Para darmos início a definição de trabalho escravo contemporâneo, é
mister que o distingamos do trabalho escravo instituído durante a colonização,
já aprofundado no capítulo anterior. Nesse sentido, falar sobre as diferentes
formas de agressão ao homem, diferentes formas de escravização e, por fim,
demonstrar a “ineficácia social” de leis, normas e resoluções sobre o tema.
Neste capítulo, deixaremos explícita a idéia de que ainda existe
escravidão no Brasil. O Código Penal incrimina essa nova modalidade de
exploração do homem pelo homem como redução à condição análoga a de
escravo. Vale dizer que facilmente encontramos exemplos mundiais de
trabalho escravo relatados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Mesmo após tantos anos passados da promulgação da Lei Áurea, seres
humanos são aliciados e expostos a condições subumanas e indignas. Fato
que ocorre por motivo de alguns empregadores (se é que podemos chamá-los
assim), somente visarem o lucro, e, por conseguinte, inutilizar todos os
princípios morais, éticos, divinos e mesmo direitos inerentes ao homem.
Vale ressaltar, que o trabalho escravo atual, é mais cruel do que antigo
por colonização. Visto, na época alguns povos consideravam-se diferentes,
superiores dos outros; e que em alguns casos, como o dos índios a
escravização era feita pelos portugueses, por eles também objetivarem a
expansão do cristianismo (catequização) dizendo que seria para o bem do
índio.
O escravo era uma mercadoria, um produto, e, tinha um valor de
comércio; hoje o escravo não é comercializado. Sento Sé cita como diferença
o fato de hoje o trabalhador não fazer mais parte integrante do patrimônio do
patrão (SENTO SÉ, 2000. p. 24).
Diferença essa que demonstra a gravidade do problema e que hoje a
escravidão é bem mais lucrativa do que anteriormente. Por força do “ciclo
natural” do sistema capitalista o patrão nem ao mesmo precisa comprar o
indivíduo para ter sua mão de obra.
Como principal ponto de distinção das duas cruéis formas de escravidão
podemos apontar o fato de antes a escravidão ser lícita, e, após a abolição ser
ilícita. O que, por conseguinte, vale dizer: a escravidão não foi extinta, somente
deixou de ser amparada legalmente.
Santos é muito feliz ao comparar a escravidão antiga, com a atual, veja:
“A descrição do trabalho escravo contemporâneo se assemelha em
muito ao trabalho escravo da época colonial. Ao trocar-se a figura do
senhor de engenho pela do fazendeiro e a do feitor pela do gato ou
capataz, as similaridades são gritantes” (SANTOS, 2004, p. 145).
Cabe-nos dizer que mesmo que de diferentes formas de configuração
(colonial X contemporânea) essas também se assemelham. O fator
preponderante para a escravização é o mesmo, ou seja, o escravocrata visa
aumentar sua lucratividade e diminuir seus custos de mão de obra para que
possa concorrer e ter maior rentabilidade.
É importante notar que o modo de exploração é o mesmo. Os
fazendeiros detentores das propriedades determinam os modos de produção,
restando à grande massa de camponeses utilizar-se da sua única ferramenta –
a mão de obra. Tudo isso gera mão de obra farta, facilita e incentiva a
exploração do trabalho.
É certo de que a escravidão contemporânea é bem mais interessante
para o patrão do que a escravidão colonial. Hoje, o escravo não tem valor
nenhum, além de ter um baixíssimo custo de manutenção e não ter valor de
compra, podendo facilmente ser dispensado sem dispor de qualquer meio de
garantia de seu próprio sustento. Enquanto, antes o escravo era um
investimento e tinha um alto custo de manutenção e de valor de compra e
venda.
Essa comparação é necessária, visto o notável motivo da ocorrência do
trabalho escravo ser a evolução e o desenvolvimento do modo de produção
capitalista. Fator que contribui para gerar renda e manter a propriedade na
mão de poucos, conseqüentemente não distribuindo riqueza.
O sistema conhecido como “capitalismo selvagem” acabou por fortalecer
os grandes latifundiários, onde espelhados pelo sistema de capitalismo
mundial – iniciaram o processo de modernização, o que teve por conseqüência
a marginalização da mão de obra do homem.
Nesse aspecto, a Reforma Agrária, no sentido de descentralizar os
latifúndios e distribuir as propriedades para agricultores pequenos e médios
(Agricultura Familiar) faz-se urgentemente necessária visto a quantidade de
emprego que proporcionaria. Elemento esse, muito contributivo para a
erradicação
do
trabalho
escravo
e
para
minimizar
a
desigualdade
social-econômica.
Por fim, concluímos que a escravidão continua, independente do modo
de execução. Atualmente não faz diferença se a pessoa é negra, amarela ou
branca. Os escravos são miseráveis, sem distinção de cor e credo. Porém,
tanto
na
escravidão
colonial
quanto
na
do
Brasil
contemporâneo
aproveitando-se da situação vulnerável do trabalhador, mantém-se a ordem
por meio de ameaças, terror psicológico, coerção física, punições e
assassinatos.
Para ilustrar e completar nosso trabalho cabe-nos dizer que esse tipo de
exploração não ocorre somente no Brasil, acontece também em várias outras
localidades. No Relatório Global, a OIT descreve o fator principal para a
ocorrência trabalho forçado:
“Em termos gerais, os incentivos ao tráfico de pessoas entre países
mais pobres e países mais ricos podem ser assim descritos. Em
termos de oferta, muitas vezes como conseqüência dupla do declínio
de oportunidades de emprego e crescentes aspirações de consumo,
têm aumentado os incentivos para a migração não só das zonas
rurais para centros urbanos, mas também de países menos ricos
para os mais ricos. Nos países mais ricos, parece constante a
demanda de mão de obra disposta a aceitar empregos inseguros e
mal pagos, muitas vezes de natureza sazonal. As pessoas naturais
de países mais ricos recusam-se, compreensivelmente, a aceitar
empregos difíceis, degradantes e perigosos. Mas, como os países
mais ricos levantam cada vez mais barreiras à migração legal e
regular, elementos criminosos aproveitam da oportunidade para ter
mais lucros. Alguns intermediários cobram pesadas somas de
candidatos a migração para viabilizar ilegalmente a travessia de
fronteiras, e outros usam práticas coercitivas e falazes para ganhar
ainda mais no local de destino. Em suma, o tráfico de pessoas é uma
reação oportunista a tensões entre a necessidade de migrar e as
restrições de natureza política para permitir o mesmo”.
Bem perto de nós temos o exemplo dos bolivianos que são explorados
na industria têxtil na grande São Paulo. Esses migram da Bolívia para o Brasil
em busca de melhores condições de vida e emprego; ilegalmente no país são
obrigados a trabalhar para os empresários por baixos salários e em péssimas
condições de labor. Presos a esse modo de exploração por estarem ilegais no
país e por não serem brasileiros estão desamparados pela legislação
trabalhista nacional e iludidos de algum dia receber alguma quantia por todo
seu trabalho.
Mesmo sendo nosso foco principal o trabalho escravo no Brasil, ainda
tendo como principal exemplo a zona rural, citaremos algumas diferentes
formas de escravidão (ou trabalho forçado) comuns em outros países.
A Índia sofre com o trabalho escravo infantil nas indústrias têxteis –
onde crianças são obrigadas a trabalhar 10 horas por dia (THE HINDU, 2006).
No Paquistão é grande a quantidade de mulheres trabalhando como
domésticas, em regime de escravidão. O sistema “parchi charhana” significa
que o empregado é obrigado a indenizar o empregador por qualquer dano
causado durante o serviço, de modo que se torna escravo por dívida. Ainda
são constantes as queixas de assédio sexual e violência física.
Trabalhadores domésticos migrantes encontram-se em condições
precárias em vários locais (Arábia Saudita, Europa Ocidental e Ásia), sabendo
ser também o trabalho doméstico utilizado dissimuladamente como forma de
aliciar mulheres para emprego no exterior que acabam por serem exploradas
como prostitutas. No Japão e na Austrália, por exemplo, mulheres entram com
autorização legal (vistos de diversão) com promessas de trabalharem em
danceterias, e logo são obrigadas prestarem serviços sexuais.
No Peru, Bolívia e Paraguai é grande o número de índios escravizados
no campo, tendo em vista a discriminação e a inoperância dos governos para
políticas sociais, econômicas, ou mesmo de proteção.
Com todos esses exemplos citados, podemos concluir que mesmo que
seja diferente o lugar e a forma de exploração, os motivos são os mesmos. A
mão de obra em grande quantidade, o empregador visando reduzir seu custo
na mão de obra e atrair muitos consumidores. Esse sistema capitalista gera
esse ciclo, de gente que tem oferta e gente que tem procura, assim no meio
dessa vontade de ganhar cada vez mais o trabalhador é explorado.
Podemos dizer, com efeito, que não somente nos países pobres ocorre
a exploração do trabalho humano, e sim que nesses países a ocorrência é
maior. Sendo mais vulneráveis nos países onde tem governos mais
enfraquecidos e políticas públicas menos concretas.
2.1 CONCEITO ATUAL
Para definirmos o trabalho escravo contemporâneo, iremos por uma
questão didática enquadrá-lo na conceituação de trabalho forçado (isso em
conseqüência da quantidade de definições – e por não pretender entrar nesse
mérito, por acreditar ser mais importante o combate a essa forma de
exploração).Necessário
também
conceituarmos
diferentes
modos
de
exploração do trabalhador, seja: trabalho degradante e superexploração.
É muito difícil chegar a uma conceituação do trabalho escravo, porém
seguiremos a orientação da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e
parte da doutrina que considera o trabalho escravo (termo utilizado no Brasil)
espécie do trabalho forçado.
Define a OIT como sendo trabalho forçado: “todo trabalho ou serviço
exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para qual ela não tiver se
oferecido espontaneamente”. Tendo assim, como principal característica a
natureza do trabalho compulsório na relação de trabalho, entre a pessoa e o
empregador.
Nota-se que a definição de trabalho escravo é um pouco menos
abrangente, seja a definição dada na Convenção Suplementar das Nações
Unidas sobre a abolição da escravidão, tráfico de escravos e instituições e
práticas semelhantes à escravidão, no artigo 1º, nos seguintes termos:
“... a situação ou condição decorrente do empenho, por parte do
devedor, dos seus serviços pessoais ou dos de pessoas sob seu
controle como garantia para uma divida, se o valor desses serviços,
razoavelmente avaliado, não for aplicado à liquidação da dívida, ou
se
a
duração
e
a
natureza
desses
serviços
não
forem
respectivamente, limitados”.
Por conseguinte, utilizaremos as duas expressões, tendo em vista a
consagração de ambas. E sendo o objetivo do trabalho informar o
acontecimento dessa exploração e buscar criar meios de emancipar as vítimas
desse drama e erradicar esse mal.
Já o trabalho degradante tem como principal elemento o fato de privar o
trabalhador de dignidade. Em outras palavras, podemos dizer que esse
trabalho: rebaixa, deteriora o indivíduo, e, com ressalva deteriora sua saúde.
Este trabalho tira do indivíduo a condição de ser humano, ele o rebaixa
a condição de “bicho”, isso por ser a dignidade o elemento principal que coloca
os homens como superiores e dotados de direitos inerentes.
Importante salientar, que somente por ser um trabalho sacrificante, não
configura o trabalho degradante. Mas configura sim, se os direitos trabalhistas,
tais como: equipamentos de proteção, salário adicional, insalubridade,
periculosidade, higiene, boa condição de moradia e segurança não estiverem
assegurados.
Entretanto, o trabalho que tiver péssimas condições e remunerações
incompatíveis, falta de garantias mínimas de saúde e segurança, limitação na
alimentação e moradia, será sim um trabalho degradante.
Define Luis Camargo de Melo como trabalho degradante:
“Submissão às condições precárias de trabalho pela falta ou
inadequado fornecimento de boa alimentação e água potável;
alojamento sem as mínimas condições de habitação e falta de
instalações sanitárias; não utilização de transporte seguro e
adequado aos trabalhadores; não cumprimento da legislação
trabalhista, desde o registro na CTPS, passando pela falta de
exames médicos admissionais e demissionais, até a remuneração ao
empregado” (MELO, 2004, P. 427).
Assemelham-se
os
conceitos
de
trabalho
degradante
e
de
superexploração do trabalhador.Sendo a principal e, talvez única diferença, é
que na superexploração há jornadas intermináveis. Algumas vezes um trabalho
além de degradante é de superexploração.
Para a total definição do trabalho forçado, devemos acrescentar a falta
de liberdade de ir e vir do trabalhador. Muitas vezes, um trabalho degradante
(indigno, mas com liberdade) passa a ser um trabalho forçado; assim o
trabalhador por meio de coações passa a estar preso ao trabalho.
Como sendo superexploração do trabalho, Jairo Lins Sento-Sé, define:
[...] aquela situação em que o empregado é submetido a jornadas de
trabalho intermináveis, laborando de domingo a domingo, sem ter
sua CTPS devidamente assinada, sem receber o 13º salário, férias,
horas extras, etc. Trata-se muito mais de uma relação de emprego
em que o obreiro labora sem que sejam respeitadas as garantias
trabalhistas básicas previstas em nosso ordenamento jurídico
(SENTO-SÉ, 2000, P. 17).
Importante dizer que qualquer das formas desumanas de exploração do
indivíduo configura-se por interesses econômicos, e, faz com que o homem
perca a característica de ser humano, seja pela falta de liberdade ou pela
perda de sua dignidade. Em todas as formas de exploração supracitadas o
indivíduo perde a característica de igualdade a todos homens, fazendo letra
morta todas as Declarações de Direitos Humanos.
Neste momento, é imprescindível falar que o conceito atual de trabalho
escravo contemporâneo seja ele conforme descrito acima, ou mesmo, de
diferente caracterização (dada por outros autores) envergonha e empobrece
todos os homens.
Comprova que a pobreza generalizada no país proporciona mão de obra
desqualificada e barata, o que tem como conseqüência a exploração dos que
detêm o “trabalho e poder” sobre os miseráveis que de qualquer modo
precisam sobreviver.
Assim, temos como base do conceito atual, o abuso do empregador
aproveitando-se da miséria e necessidade do trabalhador. Nesse sentido cabe
convirmos que o trabalhador muitas vezes submete-se a esse tipo de trabalho
na expectativa de uma melhora de vida, com a agravante de estar iludido por
promessas de melhoras das condições de trabalho.
Os trabalhadores buscam qualquer elemento que lhes mantenha a
esperança
de
conseguir
honestamente
sustentar
suas
famílias,
e,
aproveitando-se dessa deficiência-necessidade do trabalhador, o empregador
os alicia a esse tipo de trabalho (explicaremos como isso acontece no próximo
capítulo).
Sabe-se
que,
como
característica
essencial
da
escravidão
contemporânea, vários autores apontam somente o cerceamento da liberdade.
Sendo então diverso de trabalho degradante e superexploração do trabalho.
Note-se a definição de trabalho escravo da Procuradora Denise Lapolla,
no que tange a diferenciação de trabalho escravo para degradante:
“O elemento diferenciador é o cerceamento da livre opção e ação do
trabalhador.A prestação é exigida contra a sua vontade. Não bastam
más condições de vida, meio ambiente comprometido e salários
baixos insuficientes. O núcleo da relação escravista está fulcrado em
violência, em mecanismos de coerção física e moral, utilizados para
subjugar os trabalhadores” (LAPOLLA, 2005, p 82).
Devemos aqui fazer uma comparação entre a base dos dois conceitos.
No caso do trabalho degradante a condição indigna, e no trabalho forçado à
falta de liberdade. Veja, essas duas modalidades de desrespeito a direitos
humanos, colocam o indivíduo em condição inferior, em ambas as formas o
indivíduo perde o caráter de homem.
Para ilustrar nossa definição de trabalho escravo, usamos as palavras
de José Cláudio Monteiro de Brito Filho:
“Podemos definir trabalho em condições análogas à condição de
escravo como o exercício do trabalho humano em que há restrição,
em qualquer forma, à liberdade do trabalhador, e/ou quando não são
respeitados os direitos mínimos para o resguardo da dignidade do
trabalhador. Repetimos, de forma mais clara, ainda: é a dignidade da
pessoa humana que é violada, principalmente, quando da redução do
trabalhador à condição análoga à de escravo. Tanto no trabalho
forçado, como no trabalho em condições degradantes, o que se faz é
negar ao homem direitos básicos que o distinguem dos demais seres
vivos; o que se faz é coisificá-lo; dar-lhe preço, e o menor possível”
(Monteiro, 2004, p. 14).
2.2 DIREITO À LIBERDADE E A PERDA DA DIGNIDADE.
O cerceamento da liberdade ocorre com coação física e moral, e, ainda
vale acrescentar que fatores como má condição de trabalho, má remuneração,
falta de higiene e segurança no trabalho, condições precárias de alojamento,
péssima alimentação, entre outros, só podem ser suportados por homens que
de alguma forma sofrem algum tipo de coação seja ela física ou moral.
A coação física é aquela que utiliza a violência para obrigar o
trabalhador fazer certa atividade, esteja ele com vontade ou não, sob pena de
castigos violentos. Fatores esses que tipificam o crime de “escravidão”.
Diz Dalmo de Abreu Dallari:
“Para que se diga que uma pessoa tem o direito de ser livre, é
indispensável que essa pessoa possa tomar suas próprias decisões
sobre o que pensar e fazer e que seus sentimentos sejam
respeitados pelas outras”.(DALLARI, P.9, 2001).
Também se configura quando o trabalho é realizado propositalmente em
lugar de difícil acesso, cerceando assim o direito de ir e vir do trabalhador
(explicaremos essa modalidade à frente).
Já a coação moral, configura-se, por exemplo, quando, o trabalhador
para chegar até o lugar onde irá trabalhar, fica devendo transporte,
alimentação para o empregador. Assim, começa seu trabalho com dívidas, o
qual por coação moral (seu orgulho e honestidade), não vai abandonar o
trabalho enquanto não honrá-las.
Sobre coação física e moral, define Denise Lapolla:
“A coação física pode manifestar-se através de castigos infligidos,
cárcere privado, vigilância armada, retenção de documentos, etc.
Pode decorrer, inclusive do fato de a prestação de trabalho ser em
local de difícil acesso, do qual o trabalhador não possa sair por seus
próprios meios. A coação moral, por outro lado, pode estar ligada a
dívidas contraídas para chegar ao local de trabalho, com a falsa
promessa de ganhos imediatos que responderão pelos empréstimos
e permitirão ao trabalhador retornar para sua casa em situação
melhor” (LAPOLLA, 2005, p. 83).
É certo de que no trabalho forçado ou escravo, o trabalhador é obrigado
por forças alheias a sua vontade a laborar. Assim, podemos dizer que a
principal característica desse trabalho é a falta de liberdade de fazer ou deixar
de fazer que o empregador impõe ao trabalhador.
No trabalho escravo, o trabalhador não tem nenhuma opção. Para o
empregador não importa se ele quer ou não quer, se tem vontade, sonhos,
sentimentos, ou seja, não são consideradas suas carências e manifestações
volitivas.
Dalmo de Abreu Dallari versa sobre a dignidade da pessoa humana,
observe:
“Para os seres humanos não pode haver coisa mais valiosa do que a
pessoa humana. Essa pessoa, por suas características naturais, por
ser dotada de inteligência, consciência e vontade, por ser mais do
que uma simples porção de matéria, tem dignidade que a coloca
acima de todas as coisas da natureza.(...)O respeito pela dignidade
da pessoa humana deve existir sempre em todos os lugares e de
maneira igual para todos. O crescimento econômico e o progresso
material de um povo têm valor negativo se forem conseguidos à
custa de ofensas à dignidade de seres humanos”.
Mesmo sendo tema a ser abordado nos próximos capítulos, é
importante dizer que o empregador alicia o trabalhador, em outras palavras, ele
frauda, cria mecanismos para convencer o trabalhador de que será bem
remunerado e terá um trabalho digno (como veremos um exemplo disso é o
adiantamento de salário).
Como visto a perda da liberdade rebaixa a condição de ser humano do
indivíduo, que conseqüentemente perde a sua dignidade. Por isso torna-se
importante citar dentro de nossa pesquisa o trabalho degradante e a
superexploração do trabalho.
Essas modalidades de exploração não se caracterizam pela perda da
liberdade, mas são muito semelhantes ao trabalho escravo sendo certo que
em situações nas quais não há liberdade de escolha certamente não haverá
condições dignas de trabalho.
Podemos dizer que todo trabalho escravo é degradante e de
superexploração, já o contrário não é verdadeiro.
Neste momento, é necessário dizer que o trabalho escravo (ou forçado)
apresenta-se com maior gravidade. Porém, as demais modalidades são
também muito preocupantes, e não devem ser ignoradas. É preciso imaginar
que um trabalho degradante ou de superexploração esta a um passo de se
transformar em trabalho forçado.
Neste aspecto, como operadores do direito não devemos nos contentar
em contemplar o direito a liberdade (mesmo que já seja um grande avanço) e
sim, buscar promover todos os direitos humanos.
Assim, vale dizer que o respeito à vida de uma pessoa não significa
somente não matar essa pessoa com violência, mas também dar a ela a
garantia de que todas as suas necessidades fundamentais sejam atendidas.
Todo o homem tem direito a integridade física sendo indispensável que
seja reconhecido e tratado como pessoa, sendo, todos esses direitos citados
fundamentais, bem como o direito à liberdade.
O Direito a liberdade é um sentimento inerente à pessoa humana, é algo
que existe no seu pensamento e que sempre irá existir para aqueles que não
admitirem renúncia a liberdade. Ninguém é livre se não pode fazer sua própria
escolha, que possa escolher seu modo de vida, planejar seu futuro.
Pode-se
concluir,
que
qualquer
direito
fundamental,
quando
desrespeitado, acaba por tornar o homem indigno, e, coloca-o em condição
subumana. Sendo assim, trabalho degradante, superexploração acabam por
ser uma forma tão cruel quanto a redução à condição análoga a de escravo,
tudo isso porque não garantem ao indivíduo condições mínimas e necessárias
para sua promoção humana.
2.3 ASPECTOS LEGAIS
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948):
“Artigo IV – Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a
escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas”.
ONU – Convenção Suplementar sobre Práticas análogas à Escravidão
(promulgada pelo Decreto nº 58.563 de 1966) proíbe a escravidão por dívida:
“o estado e a condição resultante do fato de que um devedor tenha
se comprometido a fornecer, em garantia de uma divida, seus
serviços pessoais ou de alguém sobre o qual tenha autoridade, se o
valor desses serviços não for eqüitativamente avaliado no ato da
liquidação da dívida, ou se a duração desses serviços não for
limitada, nem sua natureza definida”.
E ainda outras formas de servidão:
“a condição de qualquer um que seja obrigado pela lei, pelo costume
ou por um acordo, a viver e trabalhar numa terra pertencente a outra
pessoa e a fornecer a essa outra pessoa, contra remuneração ou
gratuitamente, determinados serviços, sem poder mudar sua
condição”.
Convenção 29 da OIT:
“Art.2º - Para fins da presente convenção, a expressão “trabalho
forçado ou obrigatório” designará todo trabalho ou serviço exigido de
um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele
não se ofereceu de espontânea vontade”.
A análise dos Tratados e Convenções deixa clara a intenção das
organizações internacionais, em extinguir o trabalho forçado e a escravidão, e
ainda, demonstrar a preocupação que seus Estados-Membros não permitam a
adoção desse regime de trabalho.
Constituição Federal:
“Art. 5º. III- ninguém será submetido a tortura nem a tratamento
desumano ou degradante; X – são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XXLVII – não haverá penas, alínea “c”- de trabalhos forçados.”
Código Penal, art. 149 (alterado pela lei 10.803/03):
“Reduzir
alguém
a
condição
análoga
à
de
escravo,
quer
submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer
sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo,
por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com
o empregador ou preposto.”
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena
corresponde à violência.
“§1º. Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer
meio de transporte por parte do trabalhador por parte do trabalhador,
com fim de retê-lo no local de trabalho; II – mantém vigilância
ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou
objetos pessoais do trabalhador, com fim de retê-lo no local de
trabalho”.
“§2º. A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I –
contra, criança ou adolescente; II – por motivo de preconceito de
raça, cor, etnia, religião ou origem”.
No que diz respeito à Carta Magna e as normas infra-constitucionais,
poderíamos enumerar várias outras que abarcam situações que envolvem a
exploração do trabalho humano. No entanto, nos contentamos em citar
algumas leis, no sentido de ilustrar a existência de normas que proíbem tais
práticas.
É certo de que temos várias normas que abrangem a escravidão, o que
nos leva a pensar quais seriam as razões para tamanha impunidade.
Vale dizer, que o Projeto de Lei nº 368/03, em tramitação na Câmara
dos Deputados pretende transformar esse ilícito em crime hediondo, com todos
os efeitos da Lei nº 8.072/90.
Existem vários crimes tipificados para esse tipo de conduta:
- Crime de perigo para a vida ou saúde de outrem (art. 132, caput e
parágrafo único do CP);
- Crime de aliciamento de trabalhadores de um local para outro território
nacional (artigo 207, caput parágrafos 1º e 2º do CP);
- Crime de frustração de direitos trabalhistas mediante fraude ou coação
(artigo 203, caput e parágrafos 1º, I e II, e 2º do CP);
- Crime de falsificação de documento público (artigo 297, parágrafo 4º
do CP, na redação da Lei nº 9.983/00).
Podemos notar que o trabalho escravo não é apenas um problema
trabalhista, e ainda, vale salientar que o conceito de trabalho escravo é
universal. Mesmo considerando algumas diferenças doutrinárias no que tange
a definição de trabalho forçado ou escravo, podemos facilmente enquadrar o
fato na tipificação penal.
Porém, mesmo diante de tantos regulamentos normativos, temos notado
serem todos insuficientes, já que o número de proprietários reincidentes é
grande (parece ser compensatório pagar a multa e permanecer com a
escravidão).
Há medidas também como a lista suja, publicada pelo Ministério Público
do Trabalho e pelo Ministério Público Federal, na tentativa de coibir a
exploração suspendendo as linhas de crédito dos proprietários em agências
públicas.
Essa prática fez com que fosse editado um Projeto de Lei Federal (já
aprovado no senado com unanimidade) no sentido de dificultar as relações
comerciais das empresas que constarem na “lista suja”, principalmente com
entidades públicas, e, ainda multar em 40% do valor do crédito onde
verificar-se trabalho escravo- pós consentimento do crédito rural.
Neste aspecto, parece que já há um Projeto de Emenda Constitucional
(PEC 438) que trata da expropriação das terras daqueles que utilizam práticas
escravocratas, já aprovado no Senado Federal, e prestes a ser votado na
Câmara
dos
Deputados.
Acreditamos
que
essa
medida
certamente
desencorajará a prática.
Até a presente data o processo de tramitação do PEC está paralisado
na Câmara dos Deputados, por motivo de força política dos ruralistas.
Importante versar sobre outro dispositivo legal, o qual reza sobre o
princípio da função social da propriedade (artigo 5º, inc. XXIII e art. 170, inc. III
da CF). A função social do imóvel rural, que nos interessa no caso também
tem assento na Carta Magna, artigo 186 e no Estatuto da Terra (Art. 2º,
parágrafo 1º da Lei 4.504/64).
O Estatuto da Terra conceitua o que seja função social da terra, como
sendo:
“§1º A propriedade da terra desempenhada integralmente a sua
função social quando, simultaneamente:
favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela
labutam, assim como de suas famílias;
mantém níveis satisfatórios de produtividade;
assegura a conservação dos recursos naturais;
observa as disposições legais que regulam as justas relações de
trabalho entre os que a possuem e a cultivam”.
O descumprimento da função social é motivo de desapropriação do
imóvel. Assim, nem se faz necessária a explicação da importância desse
Estatuto e a necessidade política que se tem em comprovar (dificuldade
enfrentada pelo INCRA e o IBAMA) o não cumprimento da função social da
terra.
Como mera questão didática, é importante saber a grosso modo que a
desapropriação é a perda da terra com pagamento de preço justo, enquanto
expropriação é simplesmente a perda da terra sem pagamento algum.
Por fim, vale dizer que temos legislação suficiente para erradicar tal fato.
Seja utilizando as normas brasileiras, ou mesmo preenchendo as deficiências
com os instrumentos internacionais (dos quais o Brasil é signatário) que
envolvem o trabalho escravo e direitos fundamentais.
CAPÍTULO III
3. COMO OCORRE A ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA.
São várias as causas que contribuem para a ocorrência da escravidão
contemporânea. Difícil é entendermos o que leva seres humanos a explorar
seus semelhantes e, pior ainda é acreditar que o objetivo dessas pessoas é
somente a obtenção de vantagens econômicas sobre a força de trabalho
alheia.
Sabemos que a forma com que ocorre a escravidão não é muito
diferente da época da escravidão colonial. Existindo ainda as figuras do
escravocrata, do traficante e claro do trabalhador.
Porém, importante dizer que o escravo atual não mais é mercadoria, em
outras palavras, o escravo não tem valor de troca. Sendo assim, para o
escravocrata pouco importa as condições do trabalhador – caso fique doente
ou fraco colocará outro em seu lugar.
Nesse contexto, vale dizer que o processo de exploração o qual
abordamos é violento e se configura com homens cativos por dívidas
contraídas pela necessidade de sobrevivência (mediante fraude ou coação), e
forçados a trabalharem por não restar outra opção.
No Brasil a maior parte dos casos de exploração é verificada nas
regiões do Mato Grosso, Pará, Piauí e Maranhão (Norte e Nordeste)
especificamente na zona rural.
Ocorre que fazendeiros, para realizarem derrubadas de mata, ou
mesmo trabalho contínuo (produzir carvão, preparar solo para plantio, entre
outras atividades agropecuárias) para ter um lucro ainda maior procuram mão
de obra barata (por intermédio dos “gatos”).
Os “gatos” aliciam trabalhadores de regiões distantes do local aonde irá
se configurar o crime. No primeiro momento, os “gatos” se mostram como
ótimas pessoas, e oferecem trabalho com altos salários, “adiantamentos” e
transporte gratuito até o local.
Como bem afiançou a pesquisadora inglesa Alíson Sutton,
“... estes homens chegam com um caminhão a uma área afetada
pela depressão econômica e vão de porta em porta ou anunciam
pela cidade toda que estão recrutando trabalhadores. Às vezes usam
um alto-falante, ou o sistema de som da própria cidade. (...) Em
muitos casos, tentam conquistar a confiança dos recrutados
potenciais trazendo um peão, que pode já ter trabalhado para eles,
para reunir uma equipe de trabalhadores. O elemento confiança é
importante, e sua criação é favorecida pela capacidade que tem o
gato de dar uma imagem sedutora do trabalho, das condições e do
pagamento que esperam os trabalhadores”. (SUTTON, TRABALHO
ESCRAVO, P. 35).
Entretanto, o transporte é realizado sem segurança alguma e em
péssimas condições (em ônibus ou caminhões). E ao chegar ao destino os
trabalhadores já confinados em lugares desconhecidos e de difícil acesso, são
surpreendidos com as anotações. Essas que são contraditórias as promessas,
e inicia-se a dívida do trabalhador com todos os custos (de transporte,
adiantamento, alimentação e instrumentos de trabalho).
Vale lembrar, que as fazendas são distantes de qualquer centro
comercial, ficando assim os trabalhadores obrigados a comprarem seus
produtos pessoais e de alimentação no armazém da fazenda (sistema de
barracão ou configuração do “truck system”). Caso o trabalhador pense em ir
embora será impedido sob a alegação de dívida (coação moral) e poderá até
sofrer castigos corporais (coação física).
Essa situação em que o homem livre é submetido facilmente em
escravo é conhecida como escravidão por dívida. Caracterizada pelo sistema
de “barracão” no qual o fazendeiro paga o serviço prestado com os produtos
oferecidos no armazém, onde sempre os preços estão bem acima dos valores
do mercado. Sendo a fazenda em lugar ermo, os obreiros se vêem obrigados a
comprar nesse armazém.
Além da coação física e o endividamento progressivo, os trabalhadores
são vítimas de apreensões ilegais de documentos (coação moral). Como uma
curiosidade, no âmbito do trabalho forçado internacional (tráfico internacional),
os criminosos seguram os documentos dos escravos e ameaçam de denúncia
ao Estado, visto estarem no país em condições ilegais.
Importante salientar o fato de o obreiro rural, tampouco conhecer os
direitos relativos a relação de trabalho que irá pactuar, ainda somado a estado
de miséria em que vive, e a vontade e esperança de melhorar sua condição de
vida.
Perfeito é o seguinte comentário a essa lamentável forma de exploração
e degradação do ser humano, veja:
“Essas circunstâncias criam um tipo de sociedade cruel, que aceita
seja a propriedade mais importante que a vida, e isso também
escraviza.
O
modo
de
produção
escravagista
moderno
é
suficientemente plástico para admitir em sua cadeia produtiva a
violência contra os direitos humanos, ao lado de safras recordes, alta
tecnologia de inseminação artificial, criação e manejo dos rebanhos
bem cuidados e propriedades com vastos e quase ilimitados
recursos econômicos e financeiros, com grande influência do nosso
sistema público” (RAMOS VIEIRA, CONGRESSO BRASILEIRO DE
MAGISTRADOS – SALVADOR/BA).
É certo que desde a Revolução Industrial tivemos muitos avanços
científicos, e acabam por ser inquestionáveis alguns bons avanços trazidos por
toda essa parafernália tecnológica e a globalização.
Todavia, essa automação poderá sim implicar na diminuição do
aproveitamento da mão de obra humana, e por conseqüente teremos ainda
maior oferta da mão de obra – assim, facilitando a ocorrência do tipo de
exploração referida.
É claro que para nós, privilegiados por termos condições de estudo, de
poder cursar uma universidade e de realmente estarmos inseridos na
globalização e no avanço tecnológico, parece inacreditável que tais fatos
ocorram diariamente em nosso país. Porém, há outra realidade, principalmente
nas regiões norte e nordeste do país.
Os trabalhadores são recrutados em lugares onde as condições e as
possibilidades de prosperar, ganhar o sustento dos filhos, parecem
impossíveis. São lugares no nordeste e norte onde indivíduos não encontram
condições de prover suas necessidades básicas, são aliciados, acreditando
numa possível melhora e com certeza imaginam que essa é a única
oportunidade de alcançarem o sustento familiar.
Assim, não nos resta dúvida de que a configuração do trabalho escravo
contemporâneo, não ocorre por acaso ou mesmo por descaso do fazendeiro. É
sim um negócio bem estruturado, pensado e muito lucrativo.
É uma rede de criminosos que se juntam para fraudar leis e explorar
seres humanos que se encontram nas piores situações econômicas e sociais,
e são ainda mais rebaixados a condições degradantes e indignas.
Contudo, eles têm sua liberdade cerceada e são obrigados a trabalhar
de forma forçada, sem contar a tamanha frustração que tem o indivíduo ao
notar que sua última esperança de melhorar a condição de vida virou um
pesadelo. Esse que é repleto de violência, de maus tratos, de humilhação e
tristeza.
Por fim cabe a nós cidadãos de bem, dotados de sentimento e
compaixão, além de portadores da ferramenta de trabalho (direito),
demonstrarmos tal prática, identificarmos os porquês e os criminosos, e ainda
lutarmos pela erradicação dessa forma de exploração e pela promoção da
igualdade social.
Como arma contra essa mácula temos a responsabilidade social. Se
despertada em alguns empresários (e assim transmitidos a outros) a
percepção de que comprar, contratar com pessoas que se utilizam dessa
mazela estará sim aderindo, compartilhando dessa idéia.
Podemos diminuir as relações desses exploradores, de modo a
excluí-los do mercado, e forçando assim a necessidade de se adequar as leis
trabalhistas e obrigá-los a um trabalho com responsabilidade social.
Assim, temos o dever de conscientizar essas pessoas inescrupulosas de
que esse tipo de acontecimento atrasa muito o desenvolvimento da sociedade,
e ainda, colocarmos em prática todas as leis de modo a repreender tais
condutas desumanas.
3.1 QUEM É ESCRAVO.
Para levar em discussão tal tema e buscar possíveis soluções para essa
exploração, se faz necessário identificarmos as características dos indivíduos
que se submetem a tais condições.
Podemos dizer que diferentemente da escravidão colonial (escravidão
negra) o escravo moderno pode ser todo e qualquer trabalhador. Seja ele
branco ou negro, brasileiro ou estrangeiro, e mesmo de qualquer idade ou
sexo.
Como
característica
marcante
do
escravo
moderno
tem-se
a
necessidade de procurar trabalho, por se encontrar em condições miseráveis
de sobrevivência. Assim, como já dito configura-se o crime com o recrutamento
e confinamento em locais de trabalho distantes (geralmente no Piauí e Pará)
sem possibilidades de fuga seja por condições impostas pela própria floresta,
ou mesmo por nem saber o trabalhador aonde se encontra.
Neste aspecto, sabe-se que o “escravo moderno” é um indivíduo com
grau de escolaridade baixo, na maioria das vezes analfabeto.Pode-se dizer
que seu único capital é sua força de trabalho. Assim, é certo de que muitas
vezes nem eles sabem que estão sendo vítimas de algum crime, e que são
dotados de direitos. Muito comum é o trabalhador se livrar desse mal, e voltar a
acreditar nas falsas promessas de emprego.
É triste a definição dada ao escravo contemporâneo,
“O escravo moderno é menos que o boi (que é cuidado, vacinado e
bem alimentado), que a terra (que é protegida e bem vigiada) e que a
propriedade (sempre defendida com firmeza). Destarte, o trabalhador
escravizado, por não integrar o patrimônio do “escravagista
moderno”, este não se preocupa com sua saúde, segurança e
higidez física e mental, sendo totalmente descartável, utilizado
apenas como meio de produção e não ligado ao proprietário por
qualquer liame, legal ou social, na visão daqueles que se utilizam da
prática ou que pretendem
legalizá-la.”
(VIEIRA, TRABALHO
ESCRAVO, P.5).
Vale dizer que não somente a escravidão ocorrida na zona rural
brasileira tem por característica fundamental a condição econômica do
trabalhador. Todo o trabalho forçado ocorrido no mundo, se não for por motivo
de guerra ou religioso, se configura pela necessidade e vontade do trabalhador
em melhorar as condições econômicas.
Nos casos de tráfico internacional as pessoas saem normalmente de
países pobres e migram para países ricos, e sempre dotados dessa esperança
de prosperarem financeira e socialmente.
Agora que já temos uma idéia de quem é a figura do escravo veremos
as características do explorador do ser humano.
3.2 QUEM ESCRAVIZA.
Antes de demonstrarmos o procedimento de escravização dos
trabalhadores é importante ressaltar o principal motivo dessa ocorrência. Para
tanto, diz Sento - Sé que o interesse econômico é a mola mestra que
impulsiona a existência da escravidão contemporânea na zona rural brasileira
(Sento - Sé, p. 79, 2001).
O esquema de tráfico e a escravidão envolvem várias pessoas. Temos
aqueles que aliciam, aqueles que disponibilizam locais, aqueles que utilizam a
mão de obra, e ainda, aqueles que mantêm estabelecimentos (pensões) para
facilitar o aliciamento dos trabalhadores.
O indivíduo que alicia (conhecido como “gato”) é aquele incumbido de
ludibriar o trabalhador, esse engana, aproveita-se do sonho, da necessidade
do trabalhador em buscar oportunidades de melhora nas condições de vida.
Os “gatos” ou empreiteiros são os traficantes de gente, são os
responsáveis em recrutar e direcionar o trabalhador até onde ocorrerá a
exploração do trabalho humano. Note-se que aqui, ainda não há a implicação
da coação física, os trabalhadores vão por vontade própria, é claro com a
ressalva de serem instigados e enganados de ser uma ótima proposta de
emprego.
Algumas vezes nesse esquema existe a figura do dono de pensão, esse
colabora com o aliciamento dos obreiros, facilitando a captação por parte dos
empreiteiros.
Como figura mais importante desse emaranhado criminoso, temos o
fazendeiro, o qual tem a oferta de emprego. Em outras palavras, podemos
dizer que o fazendeiro é quem paga o “gato” para recrutar a mão de obra
barata, e para esse que o trabalhador vai prestar serviços, e também por ele
será humilhado (sempre representado por outros, mas a mando daquele).
É claro que neste momento nos cabe perguntar novamente o que leva
um homem (no caso do fazendeiro – dotado de conhecimentos) a fazer isso
com outro ser humano?
De forma inaceitável temos a resposta, o qual esta sempre relacionada
a obtenção de vantagens econômicas. E nesse caso é claro que não se trata
de caso de vida ou morte, passando por cima de todos direitos naturais e
religiosos. A finalidade é obter cada vez mais lucro e poder.
Em nenhum momento queremos isentar de culpa das pessoas
diretamente ligadas à escravidão. Porém, é muito importante citar a
responsabilidade ao menos indireta do poder público.
Por
ser
do
poder
público
representado
pelo
executivo
a
responsabilidade de criar políticas públicas de modo a erradicar de vez com
essa chaga. É necessário que o Presidente da República não somente crie
planos de erradicação da escravidão, e realmente exija de todos os entes
fiscalizadores maiores esforços para o fim dessa exploração humana.
Enfim, podemos afirmar que todos são culpados pela escravidão. A
começar do fazendeiro que por motivo fútil incentiva e pratica tal crime, o
Estado pela distância e ausência no tratamento com esses homens
marginalizados, e carentes de assistência social.
3.3 QUEM LIBERTA E QUEM PODE LIBERTAR.
Mesmo com tantos dados alarmantes, ainda nos resta alguma
esperança para a erradicação da escravatura moderna. De 1995 até 2003,
10.726 pessoas foram libertadas em ações dos grupos móveis de fiscalização
do Ministério do Trabalho e Emprego. No total foram 1.001 propriedades
fiscalizadas nas operações.
As equipes de fiscalização ou Grupo de Fiscalização Móvel (GEFM)
contam com a presença de auditores fiscais do trabalho, delegados e agentes
da Polícia Federal e membros do Ministério Público do Trabalho e Ministério
Público Federal, sempre pautando suas decisões de acordo com a legislação.
Neste aspecto, vale dizer que essas equipes são “recebidas” na maioria
das vezes com violência. Os fazendeiros contratam capatazes, vaqueiros e
seguranças armados para intimidar a ação fiscalizatória. É comum esses
agentes ter suas vidas ameaçadas.
Como importante instituição, o Ministério Público tem como função
essencial a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
individuais indisponíveis (todos tratados na Carta Magna).
Sendo o Ministério Público do Trabalho órgão específico para atuar
junto à Justiça do Trabalho, compete atuar como fiscal da lei e como agente
atuando na defesa desses direitos.
Como principal ferramenta de trabalho o Ministério Público do Trabalho
dispõe da Ação Civil Pública – instrumento efetivo para defesa dos direitos
coletivos, com o objetivo de aferir a veracidade da possível ocorrência de
desconformidade com a ordem jurídica e também de responsabilizar os
exploradores.
Como outra importante forma de libertação dos escravos podemos citar
a Justiça Itinerante. Acrescida pela Emenda Constitucional 45/04, alterando o
artigo 115, § 1º da Constituição Federal. Com a seguinte redação:
“Os Tribunais Regionais do Trabalho instalarão a justiça itinerante,
com a realização de audiências e demais funções de atividade
jurisdicional,
nos
limites
territoriais
da
respectiva
jurisdição,
servindo-se de equipamentos públicos e comunitários.”
Essa Justiça acaba por agilizar todo o processo de fiscalização,
atuação, apuração judicial e condenação por atos de exploração do trabalho
humano escravo. A Justiça Itinerante deve estar acompanhada por
procuradores do trabalho e polícia federal. Note-se que o principal objetivo é
levar a justiça aos lugares de difícil acesso e libertar o maior número de
trabalhadores.
Fator decisivo para a erradicação dessa chaga, é o incentivo da OIT
(Organização internacional do Trabalho) que investe em ações educativas,
preventivas e de repressão contra o trabalho escravo. Desde 1995, quando o
Brasil assumiu a existência da escravidão vários passos foram dados para o
extermínio dessa moléstia.
A partir do apoio da OIT a qual investiu cerca de U$ 1.700.000,00 o
governo federal aprovou um projeto em 2002 – Combate ao Trabalho Escravo
no Brasil. Esse que tem como principal objetivo intensificar os esforços dos
grupos especializados para erradicação desse tipo de trabalho.
São várias as formas de atuação do projeto, por exemplo: Criação de
banco de dados com a identificação das regiões de incidência; Campanhas
Nacionais educativas e de prevenção; Elaboração do “PLANO NACIONAL DE
ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO” (envolvendo, por exemplo,
projetos de reinserção do trabalhador); Trabalhos de capacitação para os
parceiros na repressão; Investimentos em equipamentos para atuação das
equipes (“notebooks”, máquinas fotográficas, rádios de comunicação); e,
assistência jurídica aos libertados.
É certo que esse incentivo internacional da OIT acabou por estimular o
governo a também direcionar investimentos para esses projetos, o que elevou
o país a um cenário de destaque internacional no combate à escravidão.
Depois de apresentada uma visão geral sobre as formas de combate a
escravidão, é importante ressalvar a importância de alguns órgãos, tais como:
Comissão Pastoral da Terra (CPT), Grupo Executivo de Repressão ao
Trabalho Forçado (GERTRAF), Comissão Nacional para a Erradicação do
Trabalho Escravo (CONATRAE), Associação Nacional dos Procuradores do
Trabalho (ANPT), Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do
Trabalho (ANAMATRA) , ONG Repórter Brasil , entre outros.
Por fim cabe-nos dizer que o Brasil tem muitas ferramentas operacionais
para acabar com a escravidão, e ainda, resta concretizar alguns projetos de lei
para acabar com a impunidade e realmente fazer com que propagadores
desse mal sintam no bolso as conseqüências da utilização dessa mão de obra
escrava.
E por estarmos tratando de uma questão social totalmente ligada a
direitos humanos, não podemos deixar de fazer um apelo sentimentalista. A
seguir o desabafo do Magistrado do Pará:
“O que liberta, também, é a nossa capacidade de indignação,
enquanto cidadãos ou Membros do poder do Estado, eis que, por
nossas ações, ou omissões, temos responsabilidade pelos destinos
de nossa Nação e de nosso Povo, principalmente pela transformação
da sociedade, onde seja direito e obrigação de todos o cumprimento
das leis e a realização da justiça, para que possamos ser, assim,
verdadeiramente, homens livres e libertadores.”(VIEIRA, p. 11, 2003).
Nesse sentido, não poderia deixar de encerrar o capítulo sem dizer que todos nós
podemos e devemos libertar esses indivíduos. Com a certeza de que todos os cidadãos
ajudam a construir uma sociedade menos desigual.
CAPÍTULO IV
4. NOTÍCIAS VEICULADAS SOBRE A EXPLORAÇÃO DO
TRABALHO HUMANO.
“Fazendeiros de Minas são condenados por trabalho escravo:
Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) condenou os
proprietários da fazenda Água Preta, localizada na cidade de Santa
Rita de Sapucaí, Sul de Minas, a pagar indenização por danos
morais coletivos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador por manterem
trabalhadores em condições análogas à escravidão. A sentença foi
proferida depois que o Ministério Público do Trabalho moveu Ação
Civil Pública pedindo a condenação dos réus. Inicialmente a
condenação foi instituída em R$ 200 mil, com multa diária de R$ 500
por trabalhador em situação irregular. O MPT recorreu e a
indenização foi fixada em R$ 400 mil com multa diária de R$ 1 mil
por trabalhador irregular.
De acordo com os autos do processo, o salário dos trabalhadores era
pago com o fornecimento de comida e “se os empregados se
lesionassem tinham de trabalhar, sob pena de não receberem a
comida”. Os trabalhadores que ousavam cobrar o salário eram
ameaçados de morte.
Além disso, os proprietários são acusados de não cumprirem com as
obrigações trabalhistas, como assinatura da carteira de trabalho,
pagamento de salário mínimo e cumprimento da jornada de trabalho
de 8 horas diárias com direito a intervalo para repouso e refeição.
A relatora do acórdão, juíza Maria Lúcia Cardoso de Magalhães,
considerando o depoimento das testemunhas, entendeu que estava
caracterizada
a
situação
de
escravidão.”(disponível
em:
www.anpt.org.br/info/ler_noticias.cfm?cod_conteudo=9548descricao=
noticias, acesso em: 29/08/2006).
É somente dessa forma que vamos abolir com a escravidão. Os
fazendeiros só têm a percepção da crueldade que fazem, quando são
aplicadas altas multas.
Enquanto o poder judiciário levado ao conhecimento de tais fatos pelo
MPT não tiver pulso firme nas punições, será comum a reincidência do crime
aludido. Porém, sabe-se que somente a multa não resolverá o problema do
trabalhador. É importante que se criem formas de inserção do trabalhador no
mercado de trabalho, o que para tal é preciso que se criem empregos e
redistribua a terra para que esses agricultores possam dar as condições
mínimas de subsistência a suas famílias.
“Portadores de deficiência mental são libertados de escravidão em
MG:
Onze trabalhadores foram resgatados de duas fazendas de gado na
região de Juiz de Fora. Segundo o auditor fiscal que coordenou a
ação, mais da metade dos empregados possuía deficiência mental
ou tinha problemas com alcoolismo.Por Beatriz Camargo.
A equipe de fiscalização da Subdelegacia Regional do Trabalho em
Juiz de Fora (MG) libertou, no último sábado (12), 11 pessoas que
trabalhavam em regime análogo ao de escravidão: seis estavam em
uma fazenda no município de Chiador e cinco em Mar de Espanha.
Segundo o coordenador da ação, o auditor fiscal Roberto Mosqueira,
mais da metade dos trabalhadores possuía algum tipo de deficiência
mental ou apresentava problemas com alcoolismo. “Alguns deles
recebiam o salário em cachaça”, afirmou o auditor.
Três irmãos atuavam como “gatos” [contratadores de mão-de-obra a
serviço dos fazendeiros] e foram os responsáveis pelo aliciamento
dos trabalhadores levados para essas fazendas. Dois deles foram
presos durante a ação de fiscalização e o terceiro está foragido. O
auditor fiscal acredita que os “gatos” buscavam trabalhadores com
históricos de problemas de saúde mental. Há libertados da fazenda
em Chiador, por exemplo, que são ex-internos de uma casa de
tratamento psicológico em Barbacena (MG).
Os empregados trabalhavam na limpeza do terreno para a pastagem
do gado e haviam passado por cerca de nove fazendas do município
executando o mesmo serviço. Não possuíam carteira assinada e não
recebiam salário há três meses. Mosqueira afirma que o Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE) estuda responsabilizar por exploração de
trabalho escravo todas as fazendas em que os trabalhadores
resgatados estiveram, e não somente a propriedade em que eles
foram encontrados.
Segundo trabalhadores libertados em Chiador, o “gato” Fernando da
Silva usava um revólver calibre 38 para ameaçá-los e impedi-los de
deixar a fazenda. Silva foi preso em flagrante pela Polícia Militar por
porte ilegal de arma. Os agentes de fiscalização da Subdelegacia do
Trabalho também encontraram na fazenda a caderneta em que
estavam anotadas todas as despesas dos trabalhadores na cantina
da propriedade, como a compra de alimentos, cigarros e cachaça. As
dívidas adquiridas pelos empregados também eram uma forma de
obrigá-los a permanecer na fazenda.
Um dos proprietários assumiu a responsabilidade pelas dívidas. Após
terem
suas
dívidas
calculadas
e
receberem
o
saldo,
regressariam para Barbacena, sua cidade de origem.
Mar de Espanha os trabalhadores resgatados no município de Mar
de Espanha também haviam passado por pelo menos outras seis
fazendas nos últimos três meses. Agora, estão hospedados em uma
pensão
da
cidade,
enquanto
aguardam
a
negociação
pelo
pagamento de seus direitos trabalhistas, o que deve acontecer ainda
nesta quinta-feira (17).
O segundo “gato” (irmão de Fernando da Silva), preso em Mar de
Espanha pela equipe de fiscalização, já foi libertado por decisão da
Justiça. De acordo com o auditor Mosqueira, o fato deixou os
trabalhadores bastante apreensivos. “Eles estão com medo de sofrer
alguma retaliação”, relata.
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) decidiu não divulgar o
nome dos proprietários das fazendas porque parte deles ainda não
foi confirmado. Quando as negociações se encerrarem, e a delegacia
preparar o relatório da ação, a informação será divulgada. O
Ministério Público do Trabalho também aguarda o relatório do MTE
para dar início a uma ação civil pública, pedindo indenizações por
danos morais coletivos.
Denúncia: A Polícia foi levada à fazenda de Chiador graças ao relato
de dois trabalhadores fugitivos. Eles encontraram em uma estrada
um agricultor que lhes ofereceu comida e abrigo. Contudo, os dois
resolveram deixar a casa sem avisar. E o agricultor, pensando que
eles pudessem ter praticado algum crime, comunicou a polícia.
Depois de terem sido achados pelos policiais, os trabalhadores se
sentiram mais protegidos e decidiram falar sobre a situação
enfrentada pelos outros empregados na fazenda. A polícia fez então
uma visita ao local e encaminhou a denúncia de exploração de
mão-de-obra escrava ao Ministério do Trabalho e Emprego, que
concluiu a ação de resgate dos trabalhadores.” (disponível em:
http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=699,
acesso
em
22/08/2006).
Nesse caso, nota-se o sistema “truck system” ou “barracão” –
escravidão por dívida. Assim os trabalhadores são obrigados a permanecer
laborando até saldarem suas dívidas (que cresce de maneira incontrolável) por
meio de ameaças.
Nota-se ainda, a gravidade do caso, o qual trabalhadores dotados de
deficiência mental são aliciados e explorados. É de extrema urgência a tomada
de medidas drásticas contra esse crime, com agravante de ter como sujeito
passivo deficientes que merecem maior atenção por parte do estado.
Temos aqui, a prova de que os escravocratas não têm sensibilidade
nenhuma. Pior que escravizar um ser humano, é escravizar um indivíduo
deficiente mental. Não podemos ser coniventes com a impunidade.
“Fazenda de cana é flagrada com 249 trabalhadores escravos no
MT:
Nas instalações, os 249 trabalhadores dividiam um único banheiro.
Quando se dava a descarga, o esgoto corria a céu aberto, em frente
ao local em que dormiam. Dono da fazenda deverá desembolsar
mais de R$ 500 mil em dívidas trabalhistas. Por Iberê Thenório.
O grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE) libertou, nesta quarta-feira (9), 249 trabalhadores que estavam
submetidos a
condições
análogas
à
escravidão
na
fazenda
Agropecuária Pôr-do-Sol, no município de Campos de Júlio, no
Oeste do Mato Grosso, próximo à fronteira com a Bolívia. A fazenda,
que cultiva cana-de-açúcar, pertence à Lenny Olívia Artmann,
gerente de uma agência do Banco do Brasil em Cuiabá, e é
administrada por seu marido, Neri Guilherme Artmann. A produção
era vendida à usina Usimat, perto da propriedade.
Para ressarcir as dívidas trabalhistas, eles deverão desembolsar
cerca de R$ 530 mil. O Ministério Público do Trabalho (MPT), que
enviou um procurador à fiscalização, acionará a Justiça com uma
ação civil pública, pedindo indenizações por danos morais coletivos.
Apesar do nome de Lenny constar do contrato social da empresa,
investigações iniciais do MTE indicam que podem haver outros
proprietários.
Como um presídio: De acordo com o relato do coordenador da ação
de fiscalização, o auditor do trabalho Humberto Célio Pereira, a
jornada dos libertados começava às três da manhã, quando se
dirigiam à roça para cuidar da cana. Sob o sol, sem lugar para se
abrigar, recebiam refeições estragadas, bebiam água quente e não
tinham local para fazer as necessidades. Como supostamente
ganhavam por produção, se esforçavam para cortar o máximo de
cana possível.
Quando chegava o momento de descansar, às cinco da tarde,
voltavam para o alojamento, onde dividiam o quarto - de seis metros
quadrados - com até 11 colegas, mais alguns instrumentos de
trabalho, ratos e moscas. O telhado, de amianto, transformava o
cômodo em uma estufa, em uma região que chegou a registrar 36ºC
na última semana.
Nas instalações, os 249 trabalhadores dividiam um único banheiro.
Quando se dava a descarga, o esgoto corria a céu aberto, em frente
ao local em que dormiam. Também não era possível que todos
tomassem banho, e eram obrigados a se lavar sob a torneira.
Por causa das péssimas condições, o grupo móvel encontrou
trabalhadores doentes, com cortes e infecções intestinais. "O
alojamento lembra um presídio. É uma verdadeira pocilga", relata
Humberto.
Se houvesse a necessidade de comprar qualquer produto, a fazenda
tinha uma cantina. Lá era possível adquirir facões, limas, botinas,
pilhas, cigarro, remédios e até mesmo bebidas alcoólicas. Caso
alguém tivesse algum problema grave e precisasse ir à cidade - de
menos de cinco mil habitantes, que fica a 80 km da fazenda por uma
estrada de terra - cobrava-se R$ 35,00 pelo transporte. As dívidas
eram registradas em um caderno, que ficava com os "gatos"
(contratadores de mão-de-obra a serviço dos fazendeiros).
No final do mês, quando deveriam receber o salário, a dívida era
descontada. Uns recebiam pouco, outros nada, e alguns ficavam
devendo. Segundo Humberto, havia dívidas que chegavam a R$ 3
mil. As contas do pagamento por produção eram fraudadas: quanto
mais se cortasse cana, menos valia o metro cortado.
De volta para casa: Quando os trabalhadores foram contratados, em
seus estados de origem (Alagoas, Maranhão, Piauí, Pernambuco e
Paraíba) os "gatos" lhes prometeram que ganhariam cerca de R$
1500,00 por mês. Depois de viajar cerca de três mil quilômetros,
tiveram que trabalhar por oito meses em situações degradantes, sem
poder sair da fazenda.
A libertação só aconteceu porque três trabalhadores conseguiram
fugir. A pé, tiveram que percorrer mais de 100 km, quando
conseguiram pegar carona com policiais federais até Cuiabá, onde
fizeram uma denúncia.
Agora, além pagar as dívidas trabalhistas, os empregadores também
terão que garantir a volta dos trabalhadores para casa. O pagamento
começou a ser feito nesta quinta-feira (10) e o grupo móvel
continuará presente na propriedade até que todos os trabalhadores
recebam e voltem para casa. Eles também terão direito a três
parcelas
do
seguro
desemprego”.
(disponível
http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=691,
acesso
em:
em:
10/08/2006).
Veja em que situação os trabalhadores são submetidos, isso tudo
depois de tantas promessas e sempre com o sonho de conseguir um sustento
digno para suas famílias.
Deve-se notar que os casos de escravidão não se tratam de casos
esporádicos dentro de uma fazenda. Sendo 249 trabalhadores encontrados
nessas condições degradantes e sem liberdade alguma (submetidos a
escravidão por dívida), esse número deve ser o total de trabalhadores que
laboravam para essa fazenda.
Outro fato a ser comentado é a questão da localidade da fazenda, na
divisa do Brasil com a Bolívia, onde dificilmente haveria fiscalização do MTE e,
ainda facilita no confinamento dos trabalhadores. É incrível como os
fazendeiros agem ardilosamente para explorar o trabalho humano, em busca
de maior rentabilidade.
“Representantes da CONATRAE criticam lentidão para votação da
PEC do trabalho escravo.
Brasília * A tramitação da proposta de emenda constitucional
(PEC-438/01) que prevê a expropriação das terras onde for
constatada a prática do trabalho escravo foi um dos temas discutidos
na reunião da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho
Escravo (Conatrae), realizada hoje. A proposta tem mais de dez anos
de tramitação no Congresso.
A lentidão no andamento da PEC, que está na Câmara dos
Deputados, é criticada pela Comissão Pastoral da Terra. De acordo
com Frei Xavier Plassat, a bancada do governo demonstrou "apatia
total em relação ao assunto".
O ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo
Vanucchi, disse que, apesar de o presidente da Câmara, deputado
Aldo Rebelo (PCdoB/SP), ter dito que é favorável à votação da
proposta, parece não haver vontade dos parlamentares na
aprovação. Ele lembrou ainda que o ministro da Secretaria de
Relações Institucionais, Tarso Genro, também apóia a PEC.
"Nossos encaminhamentos foram feitos e as respostas positivas,
mas não sinto que haja um clima favorável a que seja votado",
afirmou Vanuchi em referência ao resultado de reuniões mantidas
com parlamentares no início do ano. Ele lembrou que agora o país
entrou em um "clima de Copa do Mundo", depois de recesso
parlamentar e em seguida vem às eleições, quando as tramitações
nas casas legislativas são mínimas.
Outro tema em tramitação que se refere ao trabalho escravo é a
proposta da senadora Ana Júlia (PT/PA) de transformar em lei a lista
suja. Atualmente a lista, que é relação dos empregadores que
utilizam trabalho escravo, é portaria.”
(Disponível
http://www.reporterbrasil.com.br/clipping.php?id=73,
em:
acesso
em:
24/05/06).
Note-se que ainda temos políticos que são contra a PEC 438. Isso
porque muitos deles são proprietários de fazendas onde ocorre à exploração
do trabalho humano ou tiveram suas campanhas financiadas a altos custos por
fazendeiros, estando, pois, comprometidos com seus interesses.
Dessa forma, aproveitando-se do cargo público que têm, esses
fazendeiros disfarçados de políticos defendem o interesse econômico de uma
minoria, enquanto trabalhadores sofrem explorados e agricultores lutam por
uma redistribuição de terras.
Porém, fica nosso voto de confiança no sentido de que a PEC 438 seja
aprovada. Ademais, talvez alguns deputados tenham vergonha de votar contra
(considerando uma votação não mais secreta).
Já quanto à lista suja, depois de muito esforço de todos órgãos e
indivíduos libertadores, hoje já temos a “lista suja” aprovada como Lei Federal.
“Senzalas na Amazônia:
No
Pará,
25 mil pessoas
são empregadas
em
condições
degradantes em grandes fazendas. Estudo do governo mostra que
produção, principalmente de carne, é vendida para países da Europa
e para os EUA. Ullisses Campbell.
O regime de escravidão está longe de acabar no Brasil. Um relatório
do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) referente aos quatro
primeiros meses de 2006 revela que já foram libertados 777
trabalhadores da escravidão em todo o país. A maioria foi resgatada
no Pará, estado que ocupa o lugar mais alto do ranking nacional do
trabalho escravo. "Tudo leva a crer que 2006 baterá todos os
recordes em libertação de trabalhadores", analisa o coordenador
nacional do Grupo Especial de Fiscalização Móvel do MTE, Marcelo
Campos.
Estima-se que, só no Pará, haja 25 mil trabalhadores em regime de
escravidão.
Para
o
sociólogo
Pedro
Malta
de
Fátima,
da
Universidade Federal do Pará, o trabalho escravo cresce no Brasil
por conta das longas distâncias na Amazônia. "Pelo o que a mídia
divulga, o fazendeiro já deveria ter medo de contratar trabalhador
dessa forma degradante. No entanto, eles continuam investindo
essa mão-de-obra", ressalta.
Vem do Pará também uma vitória do governo quando se trata da luta
para erradicar o trabalho degradante no país. A Justiça derrubou
mais de 20 liminares que obrigavam o Ministério do Trabalho a
excluir da "lista suja" o nome de fazendas que foram flagradas
praticando trabalho escravo. Hoje, essa lista tem 159 nomes e
apenas 26 estão sob efeito de liminar. As fazendas que constam na
relação estão impedidas de conseguir financiamento em bancos
públicos. Ainda no Pará, a fazenda Cabaceiras está em processo de
desapropriação pelo fato de já ter sido flagrada três vezes mantendo
trabalhadores sob regime de escravidão. A empresa foi condenada a
pagar uma multa recorde (R$ 1,3 milhão) por conta da infração.
Agronegócio: Nos 10 últimos anos, quase 20 mil pessoas ganharam
a liberdade em operações de fiscalização do governo federal
realizadas em cerca de 1.500 propriedades rurais. "Os relatórios
dessas operações revelam que quem escraviza no Brasil são
empresários do agronegócio, muitos deles produzindo com alta
tecnologia. O gado, por exemplo, recebe tratamento de primeira:
rações balanceadas, vacinação com controle computadorizado,
controle de natalidade com inseminação artificial, enquanto os
trabalhadores temporários vivem sem direito a água, comida e
alojamento decentes, são espancados e humilhados, não podem
voltar para casa", descreve Leonardo Sakamoto, da organização
não-governamental (ONG) Repórter Brasil.
De todos os trabalhadores resgatados pelo governo, 5% eram
reincidentes. "Isso mostra que a atividade prospera e está longe do
fim. Quando o trabalhador vê na televisão imagens de pessoas
sendo resgatadas e indenizadas, ele acaba estimulado a trabalhar
nessas condições. Em seguida, eles mesmos denunciam e esperam
pelo resgate", relata Pedro Malta.
Um levantamento sobre trabalho escravo feito para a Secretaria
Nacional de Direitos Humanos mostra que as empresas que estão na
lista suja exportam carne para Europa e Estados Unidos. Segundo o
estudo do governo, as empresas da lista atuam nas seguintes
cadeias produtivas: pecuária (carne e miúdos de boi), algodão
(pluma),
soja
(grão,
óleo
e
ração),
cana-de-açúcar
(álcool
combustível e cachaça), café (grão verde), pimenta-do-reino (grão) e
carvão vegetal (carvão para siderurgia). Boa parte deles produzidos
nessa região de fronteira com a Floresta Amazônica. A pecuária
responde por 80% do total.
Segundo o Ministério do Trabalho, os trabalhadores escravos
resgatados no ano passado também atuavam em plantações de
tomate e frutas; extração de madeira, entre outros. A pesquisa
mostrou que são exportadas mercadorias cuja matéria-prima foi
produzida com mão-de-obra escrava. Em alguns casos, como na
soja, há a participação de empresas multinacionais na intermediação
direta
desses
produtos”.
(disponível
http://www.reporterbrasil.com.br/clipping.php?id=56,
acesso
em:
em
02/05/06).
Essa notícia deixa clara a dificuldade que o país tem em manter essas
pessoas distantes dessa moléstia. Tudo isso porque, após serem libertados os
trabalhadores não têm o que fazerem para se sustentar, gerando recondução
dos trabalhadores à condição de escravos, por continuar a acreditar em novas
promessas de emprego, ou mesmo, por pretender uma posterior indenização
(como cita a reportagem).
Acredito ser de extrema necessidade a criação de uma política pública,
no sentido de afastar essa mazela de todo trabalhador. O que só será possível
quando houver uma Reforma Agrária efetiva, a qual os pequenos
trabalhadores recebam recursos e subsídios para poder concretizar o seu
sonho de dar uma vida digna a sua família.
CONCLUSÃO
Ao longo do trabalho ficou demonstrado que as práticas de exploração
do trabalho humano, iniciadas desde a colonização do Brasil pelos
portugueses, ainda ocorrem com muita freqüência no país.
Foram feitas algumas distinções e apontadas semelhanças, deixando
claro, a nossa preocupação que vai além do trabalho escravo propriamente
dito, abarcando situações de cunho social e econômico referentes ao
trabalhador explorado.
Assim, entendemos ser necessária uma discussão política acerca do
tema estudado. De modo a ser desprezível a discussão conceitual no que
tange a estrita definição do trabalho escravo, e sim, fundamental a elaboração
de políticas públicas para promoção dos trabalhadores que sofrem desse tipo
de exploração.
Conforme demonstrado, todas as práticas de exploração do trabalho
humano são totalmente recrimináveis, seja por Tratados Internacionais, pela
Carta Maior e pelas leis esparsas.
Nesse sentido, é claro que ainda falta alguma legislação mais rígida,
essa que se trata da PEC 438 que visa à expropriação das terras onde for
encontrada a prática do trabalho escravo. A qual não podemos perder a
esperança de ser aprovada e por conseqüência ser a “Nova Abolição”.
No entanto, temos necessidade de um acompanhamento mais próximo
desse problema. Medida interessante nessa área seria maiores discussões do
tema nos cursos de graduação em Direito, no sentido de levar ao
conhecimento dos futuros juristas a existência, a gravidade, as conseqüências
e premente necessidade de combate e erradicação do trabalho escravo.
Outra proposta a ser pensada, de negável interesse comum é a criação
de uma política agrária, que assim como o Direito do Trabalho privilegie o
trabalhador, para que ocorra a promoção desses indivíduos à condição de
seres humanos dignos e dotados de um trabalho de direito.
Sendo assim, é perceptível que muitos anos se passaram da efetiva
exploração das terras brasileiras (Capitanias Hereditárias) e nada evoluiu. As
famílias aristocráticas são as mesmas e a cada ano passam a possuir maior
quantidade de terras, e ainda a serem mais privilegiados por políticas que
visam o mercado externo.
Não se trata de utopia e nem de ideologia, simplesmente de uma
questão social que acaba por prejudicar toda a nação que com essa moléstia
não cresce, não desenvolve e nem evolui.
Neste momento, vale dizer que o trabalho escravo tratado durante a
pesquisa não se refere àquela idéia que temos deste, e sim do “trabalho
escravo contemporâneo” gerado por um sistema capitalista que exclui o
trabalhador, e enriquece o patrão.
Diante disso, ficou comprovado ser a escravidão contemporânea
problema mundial, o qual até mesmo os países mais desenvolvidos são
afetados pelo tráfico de pessoas que são levados pela oferta de emprego e
que acabam vivendo muitas vezes na clandestinidade e no trabalho informal.
Por fim, não podemos deixar de citar membros do MPT, órgãos e
entidades como: CONATRAE, CPT, GERTRAF, ANPT, ANAMATRAS entre
outros, que não medem esforços para a erradicação do trabalho escravo no
Brasil.
Contudo, o que se espera é maior vontade política por parte dos
governantes, no sentido de pressionar os fazendeiros, empresários a de
maneira alguma proliferarem, estimularem ou aceitarem essa moléstia. Assim,
nossos votos são de persistência e esperança, de tal forma que a questão dos
direitos fundamentais seja sempre levantada e posta em prática.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALENCAR, Francisco; CARPI, Lúcia; RIBEIRO, Marcus Verri, História da
Sociedade Brasileira, 2ª edição, 1983.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, 19ª tiragem, 1992.
BORIS, Fausto. História do Brasil, 5ª edição, 1997.
BUENO, Eduardo. Brasil: Uma História, Editora Ática, 1ª edição, 2004.
CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DO TRABALHO, 93ª reunião, 2005,
Genebra. Uma Aliança Global Contra o Trabalho Forçado, 1ª edição, 2005.
(disponível em: www.ilo.org/declaration).
DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e Cidadania, Editora Moderna,
2001.
GAYA, Ricardo Rodrigues. Monografia Jurídica, Editora Bookseller, 1ª edição,
2001.
GIORDANI, Francisco Alberto da Motta; MARTINS, Melchíades Rodrigues;
VIDOTTI, Tárcio José. Direito do Trabalhador Rural, 2ª edição, Editora LTr,
2005.
HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem, 21ª edição, Editora LTC.
MARQUES, Benedito Ferreira. Direito Agrário Brasileiro, 5ª edição, Editora
AB, 2004.
MEC /OIT /ONG Repórter Brasil. Almanaque Alfabetizador: Escravo, Nem
Pensar!
Distribuição
gratuita,
2006.
(disponível
em:
www.reporterbrasil.com.br).
NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo, 6ª edição, Editora Vozes, 2000.
OBSERVATÓRIO SOCIAL. Trabalho Escravo no Brasil: O drama dos
carvoeiros, A responsabilidade das siderúrgicas, A campanha para a
erradicação; Revista EM, Florianópolis – SC, 2004.
PINSKY, Jaime. A Escravidão no Brasil, Editora Contexto, 2000.
SENTO-SÉ, Jairo Lins Albuquerque. Trabalho Escravo no Brasil, Editora LTr,
2001.
Download

Trabalho Escravo Contemporâneo - Organização Internacional do