Universidade Estadual de Maringá
12 a 14 de Junho de 2013
O ACESSO À EDUCAÇÃO ESCOLAR NO SUBSISTEMA DE
EDUCAÇÃO BÁSICA NA VENEZUELA: HISTÓRIA DAS
POLÍTICAS EDUCATIVAS NOS GOVERNOS CHÁVEZ (2003 –
2011)1
ALVES, Bruna da Silva (UNIOESTE)2
NOGUEIRA, Francis Mary Guimarães (Orientadora/UNIOESTE)3
1. Introdução
As leituras, estudos e análises anteriormente realizadas na condição de bolsista
de iniciação científica, cuja pesquisa envolveu as estratégias de acesso e permanência na
educação escolar básica, e a utilização de todo o suporte estatístico-quantitativo
disponível em sites e documentos oficiais do governo venezuelano permitiram a
aproximação do objeto investigado.
Com o objetivo de dar continuidade aos estudos relacionados à política
educacional da Venezuela, este trabalho, cuja metodologia baseia-se em pesquisa
bibliográfica e documental, além de tratar os dados do acesso à educação escolar no
subsistema de educação básica, também destaca a importância do impacto social de
Programas, como as Missões Educativas, que exigiram o estudo e a ampliação do objeto
investigado. Pretende-se, também, abordar os acontecimentos históricos que
culminaram na reorganização do sistema educativo, a partir da eleição de Hugo Chávez
(1998) e da promulgação da Constituição da República Bolivariana da Venezuela em
1999. Nesta direção, busca-se descrever mais adiante, as principais políticas do governo
1
Artigo desenvolvido na disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e apresentado ao
Colegiado do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), como
requisito parcial para obtenção do diploma de graduação.
2
Artigo elaborado enquanto acadêmica do 4º ano do Curso de Pedagogia; bolsista pela Fundação
Araucária e integrante do Grupo de Pesquisa em Políticas Sociais (GPPS). E-mail:
[email protected]
3
Orientadora deste artigo; Doutora em educação; Pesquisadora do GPPS; Docente do curso de Pedagogia
e do Programa de Mestrado em Educação da UNIOESTE/Campus de Cascavel. E-mail:
[email protected]
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para o acesso à educação escolar básica, sobretudo as políticas denominadas de
Missões4, que de acordo com a Lei Orgânica de Educação (LOE, 2009) têm a finalidade
de promover o acesso, permanência, prosseguimento e conclusão dos estudos para todas
as pessoas garantindo a universalização do direito à educação (VENEZUELA, 2009).
Neste estudo, serão destacadas as missões Robinson I e II e a Missão Ribas, que como
modalidade, correspondem à Educação Básica e estão estreitamente vinculadas ao
processo de democratização desse nível de educação na Venezuela.
Apesar do recorte desta pesquisa estar circunscrito no périodo de 2003-2011,
como uma exigência metodológica apresenta-se sumariamente a descrição do percurso
histórico anterior ao processo de implantação modelo educativo bolivariano, para que se
possa entender o porquê de sua emergência, e das novas políticas educacionais na
Venezuela. Diante dessa escolha, parte-se de um relato histórico, político, econômico e
educacional deste país nas décadas de 1980 e 1990. Posteriormente, se apresentará de
forma analítica a “textura” social e educacional venezuelana que viabilizou a
implantação de políticas educacionais que garantiram o acesso à educação escolar
básica para os que se encontravam massivamente excluídos do sistema educacional e de
todas as outras políticas sociais.
2. História e políticas nos governos Chávez: breve antecedente
Desde o final do século XX, a Venezuela tem vivido um processo histórico
singular na América Latina, em direção à transformação sócio-político-econômica que
visa favorecer às diversas frações da classe popular, esquecida e marginalizada por uma
sociedade enraizada em uma economia petroleira que, ao longo dos últimos sessenta
anos esteve sob a hegemonia da burguesia parasitária, rentista, petroleira e importadora.
De acordo com Maya (2005), a sociedade venezuelana vem ao mesmo tempo
vivendo uma mudança movida pela vontade popular, mediante processos eleitorais
4
O Programa Nacional de Missões é reconhecido na Lei Orgânica de Educação (2009) como uma
modalidade, mas não integra o subsistema de educação básica da Venezuela, na LOE/2009, pois
conforme o art. 26, o mesmo insere-se na educação de jovens e adultos. Esta forma de escolarização foi
incorporada neste artigo por tratar-se de uma política estratégica do governo Chávez para a inclusão
massiva da população fora da idade escolar e excluída do sistema escolar regular, em todos os níveis de
ensino (NOGUEIRA; RIZZOTTO, 2009a).
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representativos e plebiscitos, que confirmam uma democracia nomeada na Constituição
deste país de participativa e protagônica, oposta à hegemonia neoliberal nacional e
internacional, antes de 1999. A mudança em processo vem indicando o conteúdo
político do Projeto Bolivariano, que está centrado na luta pela distribuição dos bens
sociais, direcionando os recursos petroleiros para as diferentes frentes sociais.
A autora acima mencionada salienta que, o novo processo sócio-político
venezuelano iniciado a partir de 1999 apresenta-se de uma maneira peculiar, pois
significativas mudanças nas relações de poder têm ocorrido, por meio de dispositivos
constitucionais que permitem transferência de poder aos movimentos sociais.
Por meio de uma incursão histórica, Maya (2005) traz a tona uma sequência de
acontecimentos que de certa forma contribuíram para as recentes transformações na
sociedade venezuelana, desde a década de 1970 com o advento da hegemonia do
capitalismo com sua “face” neoliberal na América Latina. Essa região padece diante da
crescente dívida externa e de suas consequências catastróficas, como pobreza extrema e
desigualdade social. No ano de 1989 mais de 60% da população venezuelana vivia em
condições de pobreza e 29,6% em extrema pobreza (BUXTON, 2003 citado por ZUCK,
2011). A partir de 1980 a chamada globalização dos mercados desencadeia uma série
de políticas de ajustes aos países periféricos, entre eles a Venezuela, com uma
reestruturação econômica que se expressa no aumento substancial da exploração e da
dominação imperialista.
Segundo Casanova (2008) citado por Zuck (2011), antes de toda essa
degradação social que ocorreu, este país experimentou, um período de bonança
econômica entre o final de 1950 e 1970, que repercutiu nas políticas sociais em geral e
na chamada “expansão fácil” da educação escolar, com maiores investimentos.
Esse fenômeno passageiro teve sua origem nos altos lucros obtidos com a
exploração do petróleo, associada ao processo de urbanização e a necessidade de
formação de trabalhadores migrantes provenientes das zonas rurais. Como afirmado
anteriormente, a crise da dívida externa (1980) promotora da recessão econômica e das
alternativas neoliberais para o desenvolvimento econômico promoveram um
desmoronamento da expansão fácil educacional nos anos de 1980 e 1990.
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Melo (2004) destaca que a influência neoliberal produziu efeitos nefastos de
exclusão social, pois as medidas adotadas pelo liberalismo econômico do Estado
centralizador aumentaram ainda mais o índice de pobreza da população, que seguia
desassistida pelo poder público e sem condições de acessar a educação. Segundo a
autora um novo quadro se apresentou “[...] por meio de um processo de redução da
aprendizagem e de limitação do acesso da população aos diversos níveis da educação”
(MELO, 2004, p. 56).
A situação social acima apresentada, também se deve ao fato de que a Venezuela
teve uma história econômica marcada pela forte exploração petrolífera, sob o controle
acionário de grandes corporações internacionais, que ampliaram drasticamente o
endividamento externo e a recessão econômica. A repercussão desses fatos econômicos
gerou corte de gastos em todos os níveis sociais, resultando no desmantelamento do
sistema educacional e descontinuidade das políticas educacionais como a diminuição do
número de alunos matriculados e o abandono financeiro das instituições oficiais de
ensino. Em relação a este contexto Nacarid citado por Melo (2004) assevera que:
[...] o sistema escolar se desmoronava, pelos efeitos devastadores do
aumento da pobreza, da diminuição do investimento para a educação,
do abandono das instituições oficiais pela escassez de recursos, falta
de apoio, supervisão e avaliação e greves (p. 240).
A partir da década de 1980, a deterioração do sistema educativo torna-se cada
vez mais visível, pois a falta de financiamento e de continuidade dos direcionamentos
políticos educacionais impossibilitavam o aumento da cobertura e a melhoria da
qualidade educacional, mas conforme afirma a autora, na metade da década de 1990
com a consolidação do neoliberalismo na Venezuela, as reformas estruturais e os planos
de estabilização, respectivamente “sugeridos” pelo Banco Mundial (BM) e pelo Fundo
Monetário Internacional (FMI), se apresentaram como única alternativa para a
estabilidade e o crescimento econômico, mas na realidade resultaram no
empobrecimento da população.
O cenário educacional venezuelano exigia uma reorganização do sistema
educativo, em conformidade com as prescrições da Conferência Mundial de Educação
para todos - a qual aspirava atender as necessidades básicas de aprendizagem 4
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convocada pelo BM e Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura (UNESCO). Inspirado nessas orientações internacionais construiu-se então, o
Plano Decenal de Educação (1993-2003) que tinha como objetivo fazer um
levantamento da situação educacional do país para a apresentação de novas propostas.
Discutia-se a necessidade de uma educação democrática que compensasse as lacunas
deixadas pela crise econômica no sistema educativo (MELO, 2004).
3. História e políticas nos governos Chávez: breve relato
O contexto social e educacional venezuelano anterior aos governos Chávez,
como visto acima foi marcado por reformas estruturais influenciadas pelo
neoliberalismo, as quais resultaram no deterioramento do sistema educacional e na
degradação das condições de vida de grande parte da população. A partir de 1999, com
a vitória eleitoral de Hugo Chávez em 1998, ocorrem vários fenômenos históricos,
políticos e culturais na sociedade venezuelana, os quais apontaram para a necessidade
de elaboração de uma Constituição, com um novo preceito de Estado democrático, e
consequentemente em novos horizontes políticos educacionais na Venezuela. Com um
forte carisma, e opositor ferrenho do projeto neoliberal, e já contando com massivo
apoio popular, democraticamente, Chávez gestou e implantou a chamada Revolução
Bolivariana (LUZZANI, 2008).
A Revolução Bolivariana remete e resgata os ideais de Simón Bolívar - o
Libertador - o qual defendia que a emancipação da Venezuela somente se consolidaria
mediante a integração de todos os países do continente, constituindo uma grande nação
livre e soberana, capaz de enfrentar ameaças externas e solucionar problemas internos
(NOGUEIRA; RIZZOTTO, 2009a).
Para validar legalmente a essência do pensamento bolivariano, e assegurar a
participação massiva dos movimentos organizados na Assembleia Nacional Constituinte
legitimou-se na constituição venezuelana em seu artigo 70º, a aprovação de dispositivos
concretos de participação popular, entre os quais estão os referendos, que podem ser
consultivos ou revogatórios.
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No campo educacional as mudanças vão acontecendo concomitantemente com
as transformações políticas e econômicas. De acordo com o ideal bolivariano
disseminado pelas novas e velhas instituições, o sistema educacional necessita de uma
alteração profunda, para formar o novo cidadão venezuelano.
Para que esse projeto se efetivasse, por meio de dispositivos constitucionais, o
governo bolivariano estabeleceu que a educação escolar fosse assegurada como direito
de todos e como prioridade e dever do poder público para o crescimento e
fortalecimento do Estado, por meio da elaboração dos seguintes documentos: Sistema
Educativo Bolivariano (SEB) de 2007, Currículo Nacional Bolivariano (CNB) de 2007
e a Lei Orgânica de Educação (LOE) de 2009.
Embora estes dispositivos garantam legalmente o direito do cidadão venezuelano
acessar ao sistema educacional bolivariano e receber uma educação igualitária, urgem
mudanças substanciais quanto à desigualdade social, econômica e educativa,
solidificada ao longo de muito tempo. Para além de leis, decretos e de novos modelos
curriculares, exige-se concretamente a destinação de recursos financeiros suficientes
para a consolidação do novo sistema educacional e para a construção de uma nova
sociedade. Por considerar a educação, e os setores sociais como prioridade, os governos
Chávez alcançaram marcos educacionais, nunca antes registrados na história do país,
que foram alavancados pelos índices de acesso escolar.
Em relação ao processo de universalização do acesso à educação escolar, é
possível identificar junto ao Instituto Nacional de Estatística (INE), que no ano de 2011,
o número de alunos em idade escolar matriculados na educação básica inicial (que
atende crianças de 0 a 6 anos nos centros educacionais denominados Simoncitos)
aumentou de 46,4% no ano de 2001, para 71,4%, enquanto que o percentual de alunos
que acessaram as Escuelas Bolivarianas (correspondente ao Ensino Fundamental)
atingiu 93,2% de cobertura. Nos Liceos Bolivarianos (Ensino Médio, ofertado aos
adolescentes e jovens entre 13 e 18 anos) o número de matrículas atingiu 73,3% dos
alunos em idade escolar.
Assinala-se que os índices acima apresentados, resultam do investimento
governamental em educação, das políticas sociais em geral implantadas pelo governo
Chávez e da adoção do sistema educativo bolivariano, que garante o acesso à educação
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integral, que neste caso não se refere apenas ao aumento da jornada escolar, mas sim ao
processo de apropriação do conhecimento científico, aquisição e valorização cultural da
sociedade multiétnica, e das novas tecnologias da informação, possibilitando aos alunos
as condições objetivas de alimentação, educação desde a infância até a idade adulta,
com igualdade de condições e oportunidades.
Como visto anteriormente, este significativo aumento do contigente de alunos
atendidos pela educação escolar venezuelana, resulta do investimento estatal em
educação; conforme o caderno governamental bolivariano de 2008, intitulado “No es
poca cosa: 10 años de logros del Gobierno Bolivariano”, no ano de 1998 o
investimento do poder público em educação foi de aproximadamente 3,9% do PIB
(Produto Interno Bruto), já em 2007 houve a destinação de 5,8% do PIB.
Em relação a este significativo aumento Flores (2010) assinala que com a
chegada de Hugo Chávez à presidência há um resgate e refundação do sistema
educativo, pois “Se elevó el presupuesto del 2,8% del producto interno bruto hasta más
de 7% y se promovió la transformación del proceso educativo” (FLORES, 2010, p. 74).
Estes valores percentuais revelam que, para o governo bolivariano o incremento dos
recursos financeiros à educação é condição fundamental para o desenvolvimento e
fortalecimento do país (VENEZUELA, 2008).
Em 2011 o caderno governamental “Logros y avances
del Gobierno
Bolivariano” apresentou novos dados quantitativos em relação a gestão do governo
bolivariano. Quanto à educação destacou-se o aumento da matrícula universitária,
conforme descrito a Venezuela é atualmente o país com menos desigualdade social da
América Latina e o segundo em matrícula universitária, atrás apenas de Cuba; em 1998
havia 785 mil estudantes universitários, no censo de 2011 constatou-se mais de 2
milhões e 300 mil, um aumento de mais de 300%. De acordo com dados da UNESCO, a
Venezuela é o 5º país no mundo com maior índice de matrículas universitárias.
Na educação inicial, o número de alunos atendidos também se elevou
significativamente em relação ao ano de 1998, período em que havia pouco mais de 700
mil matrículas, de acordo com dados coletados no ano de 2011 são mais de 2 milhões e
200 mil crianças regularmente matriculadas (VENEZUELA, 2012).
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Conforme os dados acima, o contexto educacional da Venezuela tem se
transformado rapidamente em busca da propalada “educação com oportunidades”,
acompanhando as mudanças políticas e econômicas do país. Tendo em vista este
aspecto, Jáuregui (2006) faz uma avaliação histórica da educação escolar venezuelana e
aponta para a necessidade de se compreender adequadamente o significado do tempo
histórico e pedagógico vivido pelo país desde 1999. Conforme expõe o autor, é
necessário entender como o Estado gestiona e produz a política que orientará a
formação dos futuros cidadãos e a construção de uma nova sociedade.
Para Jáuregui (2006), a educação deve ser pensada em um contexto geral, e não
somente dentro da instituição escolar, pois, a escola está inserida em uma determinada
organização social, que almeja formar um tipo específico de homem. “Dentro de la
sociedad todo educa: los medios de comunicación, los aparatos represivos, la calle, la
familia, la iglesia, etc.” (JÁUREGUI, 2006, p. 11). Tendo presente este aspecto,
entende-se que o sistema de educação formal é condicionado e influenciado, pela
conjuntura política, econômica e cultural de um determinado período histórico.
A partir de 1999, por meio do projeto governamental bolivariano desenvolvido o
cenário educacional venezuelano se transforma de maneira mais contundente,
impulsionado por uma profunda insatisfação em relação ao rumo que tomou a educação
escolar dos últimos quarenta anos (JÁUREGUI, 2006, p. 24-25). De acordo com Zuck
(2011) no período conhecido como IV República, entre os anos de 1958-1998 houve a
instauração de um projeto político denominado de Pacto del Punto Fijo, este projeto
fundamentava-se em um acordo firmado entre os dois principais partidos políticos da
época Ação Democrática (AD) e Comitê de Organização Política Eleitoral Independente
(COPEI), de orientação social-cristã (NOGUEIRA; RIZZOTTO, 2009b) que
alternavam-se no governo mediante eleições e tomavam consensualmente as decisões
mais importantes do país, revelando uma conciliação das elites e o descaso com os
indicadores sociais e educacionais (LUZZANI, 2008).
Para Jáuregui a resolução nº 179 de 15 de setembro de 1999, sinalizou para a
grande política educacional do governo bolivariano, a implantação em caráter
experimental (com duração de três anos), das Escuelas Bolivarianas, que foram
ofertadas nas Escolas Públicas, em paralelo com o sistema de educação vigente que a
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partir de 2009, com a Ley Orgánica de Educación, passa ser o Sistema Educacional
Bolivariano, com outra estrutura e nova concepção. Sua finalidade era superar as
lacunas educacionais deixadas pelos governos anteriores, fortalecendo os avanços e
incorporando novas propostas ao processo educativo, tais como: melhorar a qualidade
pedagógica, promover a cultura bolivariana, a prática de esportes, alimentação saudável,
saúde e ampliação da jornada escolar. Nas palavras de Jáuregui (2006):
[...] En efecto, las Escuelas Bolivarianas fueron el primer proyecto
bandera que impactó ampliamente a la opinión pública, pero también
la primeira política real de la liberación de las amarras institucionales
que existían dentro de aparato escolar venezolano para que todos se
matricularan en la escuela (p. 31).
Com base neste autor entende-se que, para o governo bolivariano de Chávez, o
acesso à educação escolar e a expansão do número de matrículas na educação básica
tornou-se uma política central no combate a desigualdade e exclusão social e
educacional das camadas empobrecidas da população.
A eliminação da cobrança de taxa de matrícula em todos os níveis educativos e
inclusive no ensino superior, segundo Jáuregui (2006), também pode ser considerada
uma grande política do novo governo, visto que, este atenta para o fato de que cobrar
taxa de matrícula em um país, onde 80% das pessoas não possuem condições
financeiras para a alimentação é obtaculizar ainda mais o processo de universalização e
democratização da educação, por isso, a gratuidade absoluta do ensino é garantida pelo
presidente a partir de 1999.
As políticas educacionais implementadas pelos governos Chávez, marcaram a
história educacional da Venezuela, devido à forte influência da Pedagogia social;
conforme Jáuregui “Hay un viento favorable para una Pedagogia social” (JÁUREGUI,
2006, p. 44). Tendo em vista o cunho social que caracteriza o governo bolivariano,
direcionado ao combate a extrema pobreza e aos altos índices de exclusão sóciopolítica-cultural, em que se encontrava a sociedade venezuelana, o sistema escolar
modifica-se na tentativa de atender as diversas lacunas e necessidades educacionais da
população.
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De acordo com o autor, o sistema escolar passa a ter dois subsistemas de
educação “el bolivariano (Simoncito, Escuela Bolivariana, Liceo Bolivariano;
Universidad Bolivariana - UNEFA [sic]5 ) y el habitual. Dos subsistema que compiten a
su vez con uno extraescolar o para-escolar, constituido por las misiones educativas...”
(JÁUREGUI, 2006, p. 45).
Para compreender este momento de transformação do sistema escolar
venezuelano, apontado por Jáuregui, que se deu com a implantação da educação
bolivariana e do Sistema Nacional Inclusivo de Missões, Nogueira e Rizzotto (2009a)
ressaltam que:
[...] o governo Chávez iniciou um processo de criação de condições
infra-estruturais em todos os setores da economia e também nos
setores sociais. No setor da educação escolar, instituiu o Sistema de
Educação Bolivariano, que deverá susbstituir o sistema regular ainda
em vigência gradativamente, associado às missões educativas,
programas experimentais que visam a incluir os excluídos do sistema
escolar tradicional, em todos os níveis de ensino (p. 110).
Dessa forma, entende-se que:
As missões educativas apresentam-se como estratégias de educação
que combatem a exclusão das pessoas alijadas historicamente dos
diversos níveis de escolaridade por falta de condições de acesso,
resultado da precária distribuição de renda e da concentração, nas
mãos de poucos, da renda petroleira (NOGUEIRA e RIZZOTTO,
2009a, p. 111).
Acerca deste processo Luzzani (2008) destaca que, em 2003 contando com o
apoio de Fidel Castro, Chávez lançou as missões educativas, que se trata de um plano
elaborado, com três objetivos estratégicos de caráter político, ideológico e social. De
acordo com a autora, Chávez almeja acabar com a exclusão social de 80% dos
venezuelanos, fortalecer o respaldo popular em relação ao seu governo, para seguir com
a ideologia e as mudanças da Revolução Bolivariana. No entendimento de Flores
(2010):
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Para referir-se a Universidad Bolivariana de Venezuela - UBV o autor utilizou a sigla UNEFA, no
entanto, esta sigla corresponde a Universidad Nacional Experimental Politécnica de la Fuerza Armada.
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[...] Las Misiones Bolivarianas, aunque inspiradas por las luchas de
otros pueblos como las de la hermana nación cubana, no obstante son
esfuerzos autóctonos que se desarrollan de acuerdo a la realidad
venezolana. Las Misiones Bolivarianas constituyen el método
venezolano de combatir la miseria, la pobreza, la exclusión y la
marginalización de la sociedad por parte de un modelo particular de
estado que no es nada autóctono (p. 21).
Diante dos novos rumos que tem tomado as políticas educacionais na Venezuela,
Flores (2010) assevera que o processo venezuelano aponta para um modelo
revolucionário de gestar e implementar políticas públicas, dessa forma “Las misiones
representan el mayor esfuerzo público que haya conocido la nación para enfrentar
corresponsablemente las necesidades del pueblo venezolano” (FLORES, 2010, p. 43).
É importante destacar que, as significativas mudanças que tem ocorrido na forma do
Estado venezuelano delinear e implantar políticas públicas e educacionais, além de
representarem um projeto pessoal do presidente Hugo Chávez, estão em consonância
com o que é proposto em outros documentos, como o Plan de Desarrollo Económico y
Social de la nación (2001-2007), Proyecto Nacional Simón Bolívar - Primer Plan
Socialista (2007-2013) e Cumpliendo las Metas del Milenio – 2010.
Nessa direção, promover a universalização do acesso torna-se condição
fundamental para possibilitar a igualdade de condições e oportunidades amplamente
disseminada pelo governo bolivariano. Conforme o Primeiro Plano Socialista é
necessário a extensão da educação escolar a toda a população, com ênfase em políticas
estratégicas, direcionadas as pesssoas que historicamente foram excluídas do processo
educativo (VENEZUELA, 2007b).
Todos os documentos acima mencionados ressaltam a necessidade de
democratização e universalização da educação escolar, com acesso, permanência,
proseguimento e conclusão dos estudos, assim como apontam para a importância de se
desenvolver ações governamentais que possibilitem o acesso à educação escolar, por
meio de projetos e programas que garantam a permanência do aluno na instituição de
ensino, rompendo com o ciclo da desigualdade social. Há uma clara preocupação em
erradicar o analfabetismo e garantir uma educação equânime e inclusiva.
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Nesse sentido, a educação bolivariana e as missões, tornam-se políticas
fundamentais para alcançar os objetivos educacionais, aos quais se propõe o novo
Estado venezuelano, visto que durante os 40 anos de governo do puntofijismo houve um
deterioramento da educação escolar pública e exclusão da população da educação
formal (FLORES, 2010).
Conforme Nogueira e Rizzotto (2009a, p. 112) “as missões abrangem distintos
níveis de formação [...] e tem como principal contribuição o resgate da
autodeterminação e soberania cultural e tecnológica do povo venezuelano”. A seguir
destacamos alguns aspectos relacionados às Missões Robinson I e II (alfabetização e
escolarização primária) e a Missão Ribas (escolarização secundária).
A Missão Robinson I foi a primeira das missões educativas, lançada em julho de
2003 por meio do Plano Nacional de Alfabetização. A denominação “Robinson” é uma
homenagem ao mestre de Simón Bolívar, que quando residiu no EUA, se auto nominou
assim. Esta missão contou com a colaboração de 70 pedagogos cubanos e com a
participação de 100 mil voluntários, conhecidos como alfabetizadores comunitários, que
em um ano e meio alfabetizaram 1,5 milhão de pessoas, por meio de vídeos e cartilhas.
Em 2005, devido a essa política a Venezuela foi reconhecida pela UNESCO como
“território livre de analfabetismo”, pois apresentava percentual de analfabetos inferior a
4% (NOGUEIRA; RIZZOTTO, 2009a).
Para dar continuidade ao programa de massificação da educação escolar básica,
em outubro de 2003 iniciou-se a Missão Robinson II com o objetivo de garantir o
ensino primário aos cidadãos já alfabetizados ou excluídos desse nível de ensino, por
meio do mesmo método pedagógico utilizado na Robinson I. No ano de 2006, havia 1,5
milhão de pessoas matriculadas, metade deste contigente era de egressos da Missão
Robinson I, sendo que os demais matriculados eram alfabetizados, e na idade regular,
não haviam prosseguido a escolaridade (NOGUEIRA; RIZZOTTO, 2009a). Conforme
Flores (2010) a Missão Robinson II direciona todos os homens e mulheres que por
diversos motivos não tiveram acesso e tampouco condições de permanecerem no
sistema educativo. Segundo o autor é importante que as pessoas alfabetizadas pela
missão Robinson I tenham oportunidade de continuar os estudos para que concluam a
educação primária e não se esqueçam dos conhecimentos adquiridos.
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Nesse sentido a Missão Ribas - cujo nome é uma homenagem a um militar que
participou das lutas no processo de libertação da Venezuela - iniciada em novembro de
2003 teve como finalidade central garantir a continuidade e conclusão dos estudos em
nível da educação média, além de criar condições para o ingresso na educação
universitária. Pretende-se por meio dessa missão formar um novo sujeito histórico,
capaz de valorizar a si mesmo e a sua comunidade, vivendo a democracia de forma
protagônica e co-responsável de acordo com o ideário bolivariano (NOGUEIRA;
RIZZOTTO, 2009a).
Retomando Jáuregui (2006), entende-se que a educação escolar venezuelana
conforme disposto na letra da Constituição Nacional de 1999 e na atual legislação
educativa, tem se convertido em um mecanismo eficiente de promoção social, tendo
presente que nesse aspecto as missões educativas entram em cena como um mecanismo
ainda mais eficiente que o próprio sistema escolar venezuelano, na medida em que
possibilitam a inclusão das camadas mais pobres e excluídas da população, “Las
misiones se presentan como una lucha ideológica y material contra la desigualdad
endémica que ha sufrido Venezuela en cuarenta años de frustración democrática”
(JÁUREGUI, 2006, p. 97).
Diante do exposto, compreende-se que o governo bolivariano de Hugo Chávez
tem promovido uma transformação substantiva na estrutura social, política, econômica e
educacional da Venezuela, no sentido de romper com a manutenção e perpetuação do
modo de produção capitalista, que gerou a desigualdade, o empobrecimento e exclusão
social e educativa de grande parte da sociedade venezuelana.
Nessa direção, a revolução bolivariana garantiu respaldo político-ideológico,
para que Chávez promovesse as mudanças desejadas e aprovadas pela população. Na
educação básica houve a incorporação dos ideais bolivarianos ao currículo e a
destinação de recursos financeiros suficientes para a implantação do novo sistema
educativo.
As políticas educacionais desenvolvidas nesse período acenam para uma nova
forma de governar, baseada na distribuição equânime dos recursos públicos, tratando de
forma diferente os diferentes. Esta parece ser a alternativa encontrada pela Venezuela
para a construção de uma nova sociedade e consequentemente de uma história
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educacional diferenciada para o seu povo, pois aqueles que historicamente foram
esquecidos e abandonados pelo Estado, careciam de políticas sociais e educacionais que
garantissem a distribuição da riqueza e a igualdade social.
4. Considerações finais
A história e as políticas educacionais venezuelanas apresentadas sumariamente
neste artigo apontaram que a Venezuela tem um passado marcado pela forte exploração
econômica, baseada na economia petrolífera e rentista importadora. Essa base da
economia aprofundou-se sob a égide do pensamento liberal, e neoliberal, orientados
internacionalmente pelo BM e Fundo Monetário Internacional (FMI), gerando neste
país estatísticas perversas tanto dos percentuais da pobreza, como da miséria da
população.
Diante dos dados já indicados anteriormente, na Venezuela a concentração de
renda e poder nas mãos de uma pequena parcela da sociedade, a burguesia rentista, se
consolidou com o Pacto del Punto Fijo, revelando 40 anos depois, a condição de
exclusão política e econômica do povo venezuelano. Apesar de haver um discurso
originário do Banco Mundial e da UNESCO na Conferência Mundial de Educação para
todos (1990) em torno da necessidade de reforma estrutural, para que fosse possível
alcançar a estabilidade e o crescimento econômico, somente a partir de 1999, com
vitória eleitoral de Hugo Chávez à presidência, foi que de fato ocorreram mudanças
significativas no ordenamento político, econômico, social e cultural da Venezuela, as
quais evidenciaram a necessidade de reorganização do sistema educativo para a
universalização e democratização da educação.
No que diz respeito à educação escolar, com a aprovação da Lei Orgânica de
Educação em 2009, culmina todo o aparato legal do governo bolivariano que tem
gestado e implantado políticas sociais e educacionais inclusivas e massivas. Nessa
direção, entende-se que há uma mudança substantiva na sociedade venezuelana, que
tem refletido na alteração dos direcionamentos políticos educacionais. Dentre as
políticas de maior impacto dos governos Chávez para a escolarização básica destaca-se
a abolição da cobrança de taxa de matrícula em todos os níveis de ensino, a criação das
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escolas bolivarianas e as missões Robinson I e II e Ribas, que possibilitaram a
erradicação do analfabetismo e a universalização do acesso à educação escolar básica,
inclusive para a população fora da idade escolar e que estava historicamente
marginalizada e esquecida pelo poder público.
O processo histórico em curso na Venezuela abrange a construção de uma nova
sociedade e a estruturação de um novo modelo educativo que possibilite o rompimento
com a lógica capitalista em direção à construção de uma nova forma de organização
social, baseada na democracia, justiça e equidade, garantida pelo incremento dos
recursos financeiros provenientes da petrolífera Petróleos de Venezuela S. A. (PDVSA).
Tendo em vista o que foi acima apresentado, uma advertência se faz necessária,
deve-se considerar que este trabalho de conclusão de curso foi elaborado, enquanto a
Venezuela vivia um momento particular de profundas transformações econômicas,
sociais, culturais e educacionais. Nesse momento Chávez, ainda presidia a Venezuela, e
apesar de todos os ataques midiáticos internacionais e internos, associados a sabotagens
de diversos tipos, promovidas pela burguesia interna, ele comandava pessoalmente as
respostas sociais com inigualável percepção das necessidades populares, centralizando
todas as decisões dos rumos econômicos, políticos e do Partido Socialista Unido de
Venezuela (PSUV), o qual também presidia. Com sua morte, e com a vitória de Nicolás
Maduro indicado por ele mesmo em rede nacional, antes de retornar ao seu tratamento
contra o câncer, criou-se por um lado a expectativa da direita de retomar o poder, e por
outro lado, o desafio de que o chavismo siga unificado para lograr enfrentar um
conjunto de problemas, próprio de uma Nação rica em petróleo, mas que ainda não
conseguiu alavancar a produção industrial, permanecendo dependente de importação de
alimentos e bens duráveis.
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o acesso à educação escolar no subsistema de educação básica na