PROCESSO-CONSULTA CFM nº 29/12 – PARECER CFM nº 36/12
INTERESSADO:
CRM-CE
ASSUNTO:
Fortificação obrigatória de alimentos com ácido fólico e ferro
RELATORA:
Consª Marta Rinaldi Muller
EMENTA: O CFM recomenda à Anvisa a revisão da
Portaria no 344/02, que dispõe sobre a obrigatoriedade de
fortificação de farinha de trigo e de milho para uso em
alimentos, visto que a mesma desconsidera significativa
parcela da população brasileira, portadora de sobrecarga
de ferro em sua condição clínica e que não possui
alternativas alimentares co m o uso da farinha de trigo e
de milho, aumentando as chances de complicações
clínicas pelo consumo de ferro. Considera importante a
participação
conhecimentos
de
médicos,
técnicos
e
para
científicos
que
mediante
subsidiem
as
decisões políticas de forma a beneficiar a população
brasileira, respeitando as diferenças.
DA CONSULTA
Em 22/2/12, o cons. Ivan de Araújo Moura, presidente do
Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará, encaminha cópia do
Parecer Cremec nº 1/12 e solicita manifestação do CFM sobre o tema
abordado.
O referido documento resultou de solicitação de parecer técnico
àquele conselho regional sobre o trabalho de autoria do médico José Murilo
de Carvalho Martins intitulado Considerações sobre o enriquecimento dos
alimentos com ferro e ácido fólico. Com base na Resolução Anvisa nº 344/02,
que obriga a adição de ferro e ácido fólico em farinhas de trigo e milho para uso
da população brasileira, o autor faz considerações sobre a deficiência de ferro
e de ácido fólico à saúde da população e as indicações de reposição dos
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elementos citados, bem como incita a reflexão dos riscos desta obrigação para
parte desta população que por condições clínicas adversas apresenta
sobrecarga de ferro, como em portadores de hemocromatose, anemias
falciformes, talassemias e pacientes dependentes de transfusão de sangue,
entre outros. Questiona ainda a falta de estudos que comprovem a eficácia da
medida adotada pela Anvisa, como também
a possibilidade de
mascarar
doenças importantes, uma vez que anemia é sinal de doença com causa a ser
investigada, e não doença de ‘per si’. Considera, finalmente, que ao lançar
programas sociais de tamanha abrangência, com interferências diretas
à
saúde da população, o governo brasileiro deveria considerar a parceria de
médicos brasileiros na elaboração e acompanhamento dos mesmos,
objetivando resultados positivos concretos. O autor teve seu trabalho publicado
na Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, vol. 33 no 2, de 2011.
A Câmara Técnica de Hematologia do Cremec assume a autoria do
parecer e após algumas considerações manifesta-se com a seguinte
conclusão: a fortificação de alimentos (farinha de trigo e de milho) com ferro e
ácido fólico é decisão da competência do Ministério da Saúde, que deve ser
embasada e monitorada o mais rigorosamente possível por estudos clínicos e
epidemiológicos
apropriados.
Vale
aqui
ressaltar
a
necessidade
de
disponibilizar a produção e distribuição de produtos não fortificados essenciais
à parcela da população portadora de síndromes associadas ao acúmulo de
ferro e opcionais para o restante da população. Parecer aprovado em
20/1/2012 pelo CRM-CE.
DO PARECER
Solicitado para apreciar e emitir parecer a essa conselheira, por tratarse de assunto fundamentalmente técnico, foi solicitada a participação da
Câmara Técnica de Hematologia e Hemoterapia do CFM para a análise da
matéria.
Com vistas a maior embasamento técnico-científico houve a
participação do Comitê de Glóbulos Vermelhos da Associação Brasileira de
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Hematologia e Hemoterapia (ABHH), aqui representado
pelo dr. Rodolfo
Cançado, que apresentou manifestação em anexo, plenamente aprovada pela
CTHH e por essa conselheira, que o adota como parte integrante deste
parecer.
São evidenciadas preocupações relevantes com relação à incidência da
deficiência e à sobrecarga de ferro na população brasileira e suas
consequências, a falta de estudos científicos que demonstrem a
eficácia da
medida adotada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), bem
como a desconsideração para com aqueles que apresentam condições clínicas
de risco para sobrecarga de ferro.
Assim, transcrevemos na íntegra:
" Deficiência de ferro: um grave problema de saúde pública
Apesar do conhecimento da biologia do ferro ter evoluído de forma
avultante na última década e não obstante as facilidades de acesso à
informação de maneira simples e rápida pelos meios de comunicação, em
particular a internet, o que possibilitou a democratização do conhecimento e
oportunidade de aperfeiçoamento, a deficiência de ferro continua sendo, há
décadas, a alteração hematológica mais comum, acometendo cerca de 30% da
população mundial.
A deficiência de ferro é a carência nutricional de maior magnitude no
mundo, sobretudo nos países em desenvolvimento, e considerada uma
entidade clínica em expansão em todos os segmentos sociais, atingindo
principalmente crianças menores de dois anos e gestantes. Embora ainda não
haja um levantamento nacional, estudos apontam que aproximadamente
metade dos pré-escolares brasileiros sejam anêmicos (cerca de 4,8 milhões de
crianças), com a prevalência chegando a 67,6% nas idades entre 6 e 24
meses. No caso de gestantes, estima-se uma média nacional de prevalência
de anemia em torno de 30%.
A anemia por deficiência de ferro resulta de longo período de balanço
negativo entre a quantidade de ferro biologicamente disponível e a
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necessidade orgânica desse oligoelemento.
Considerada um sério problema de saúde pública há mais de três
décadas, a deficiência de ferro pode prejudicar o desenvolvimento mental e
psicomotor, ocasionando menor rendimento intelectual e escolar nos lactentes,
e maiores taxas de reprovação e abandono escolar na criança e no
adolescente; pode causar aumento da morbimortalidade materna e infantil,
além da queda no desempenho do indivíduo no trabalho e redução da
resistência às infecções.
Em 2002, a análise do ranking das principais causas de anos de vida
perdidos por morte prematura e/ou por incapacidade (disability adjusted life
years, DALY) mostrou que a deficiência de ferro ocupou o nono lugar entre as
20 causas principais. Na África, 81% do total de DALY são originários da
mortalidade associada à anemia na gestação. Na América Latina, esse número
não é tão mais baixo, correspondendo a 61%. Por outro lado, na América do
Norte e Cuba, esse número é de 10% do total de DALY. Considerando que
esses países apresentam baixas taxas de mortalidade, o restante da carga da
doença é atribuído às sequelas diretas como prejuízos cognitivos e na força de
trabalho.
Além do problema de saúde, também estamos diante de um grave
problema econômico. De acordo com o relatório do Banco Mundial, cerca de
5% do Produto Interno Bruto (PIB) dos países em desenvolvimento são
desperdiçados com os gastos em saúde decorrentes da anemia ferropriva.
Transpondo esses cálculos para o ano de 2008, pode-se dizer que o Brasil,
com um PIB estimado em R$ 2,3 trilhões, gastou, naquele ano, R$ 116 bilhões
para tratar problemas de saúde decorrentes da deficiência de ferro.
O Programa Nacional de Suplementação de Ferro, juntamente com a
fortificação obrigatória das farinhas de trigo e milho com ferro e ácido fólico e a
orientação nutricional, constituem o conjunto de estratégias voltadas para o
controle e redução da anemia por deficiência de ferro em nosso país.
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Em 1982, foi implantada no Brasil a distribuição de ferro suplementar
para a totalidade da clientela atendida pelo Programa de Atenção à Gestante
das Unidades Básicas de Saúde. Em compromisso assumido junto às Nações
Unidas, em 1992, o Brasil comprometeu-se a reduzir, em um terço, a anemia
para os próximos 10 anos, com base nos dados encontrados em 1990. Embora
incipiente e pouco ousado, o compromisso brasileiro teve o mérito de
intensificar os estudos de intervenção para controlar a deficiência de ferro nos
grupos de risco.
Em 2005, o Ministério da Saúde considerou, ou melhor, continuou
considerando, a deficiência de ferro como um grave problema de saúde
pública, que acomete em torno de 50% das crianças menores de 5 anos e 30%
das gestantes.
Neste mesmo ano, o governo instituiu o Programa Nacional de
Suplementação de Ferro (Portaria no 730, de 13 de maio de 2005). Este
programa prevê a suplementação medicamentosa de ferro para crianças de 6 a
18 meses de idade, gestantes a partir da 20a semana e mulheres até o 3o mês
pós-parto. Os suplementos de ferro são distribuídos, gratuitamente, às
unidades de saúde que conformam a rede do SUS em todos os municípios
brasileiros, de acordo com o número de crianças e mulheres que atendam ao
perfil de sujeitos da ação do programa.
As limitações e dúvidas quanto à prática da suplementação universal
como método de prevenção da deficiência de ferro trouxeram à tona a questão
do uso de suplemento alimentar enriquecido com ferro no lugar da
suplementação medicamentosa adotada em outros países latino-americanos.
Em 2004, o Ministério da Saúde tornou obrigatória a fortificação das
farinhas de milho e trigo com ferro e ácido fólico, por serem alimentos de fácil
acesso à população e não terem alterações de suas características
organolépticas no processo de fortificação, além de ser economicamente viável
ao país. Assim, a cada 100 g de farinha obtêm-se 4 mg de ferro.
Nessa proporção, seriam necessários cinco pães franceses, ou a
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mesma quantidade de outro alimento equivalente, para fornecer um terço da
quantidade diária de 12 a 13 mg, as quais são recomendadas na alimentação
saudável para mulheres adultas. Entretanto, para gestantes, essa quantidade
equivaleria a um sétimo, aproximadamente, constituindo-se numa medida fraca
para colaborar com a ingestão adequada de ferro.
Em 2009, Jordão et al. publicaram uma revisão sistemática sobre a
anemia ferropriva no Brasil. Os autores revisaram 53 estudos clínicos
publicados no período de onze anos sobre a prevalência de anemia entre
crianças menores de cinco anos de idade. Os dados medianos encontrados
para a prevalência de anemia foram de 53%.
A real eficácia e efetividade destes programas continuam em aberto, os
resultados locais ou regionais não são conclusivos. Além disso, foram
levantadas questões importantes, tais como: a dificuldade de se obter, junto ao
Ministério da Saúde, as evidências científicas que subsidiaram a elaboração do
próprio programa; qual a dose ideal do composto de ferro; dificuldades na
produção e abastecimento para atender o programa; baixa adesão em função
dos eventos adversos gastrointestinais com o sal ferroso; a sensibilização
pouco efetiva dos profissionais envolvidos; falta de estudos cooperativos,
randomizados, transversais e/ou multicêntricos direcionados para o problema
que pudessem, após seus resultados, propor ações mais seguras, efetivas e
factíveis em nível nacional.
Outra questão que deve ser considerada é o número significativo de
brasileiros com maior predisposição à condição de sobrecarga de ferro,
primária (hemocromatose hereditária) ou secundária (pessoas portadoras de
anemias hereditárias – doença falciforme e talassemia; pessoas que recebem
transfusão de hemácias por doenças oncológicas ou hematológicas).
Segundo dados do Ministério da Saúde, estima-se o nascimento anual
de uma criança com doença falciforme a cada mil crianças nascidas vivas,
aproximadamente 3.500 novas crianças com a doença por ano e a existência
de 25 a 30 mil pessoas com doença falciforme; pelo menos 600 pessoas
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portadoras de talassemia maior (segundo a Abrasta), sem contar aquelas com
as formas mais leves da doença; estudos nacionais constataram que
aproximadamente 10% da população brasileira apresenta alguma mutação do
gene da hemocromatose, o que os torna mais vulneráveis ao acúmulo
progressivo de ferro ao longo da vida. Além disso, soma-se milhares de
pessoas com doenças onco-hematológicas (por exemplo, linfoma, mieloma
múltiplo, leucemias agudas, síndrome mielodisplásica) com certo grau de
sobrecarga de ferro devido à múltiplas transfusões de hemácias recebidas
durante o tratamento específico da doença neoplásica.
Vale a pena lembrar que, fisiologicamente, o organismo humano não é
capaz de aumentar a excreção de ferro, mesmo em condições de sobrecarga
deste metal. Portanto, o aumento progressivo do aporte de ferro, seja por via
gastrointestinal seja por via parenteral, leva impreterivelmente à condição
patológica de sobrecarga de ferro.
Assim, a fortificação obrigatória dos alimentos com ferro expõe, para não
dizer obriga, desnecessariamente, uma parcela significativa da população
brasileira ao risco de agravamento de sua condição de saúde pelo efeito tóxico
do ferro em excesso no organismo, aumentando a chance de complicações
clínicas, muitas vezes graves, associadas à condição de sobrecarga deste
metal”.
DA CONCLUSÃO
Considerando que apesar da grande demonstração de sintonia do
governo brasileiro com as recomendações internacionais e da vontade política
de minimizar a anemia dentre os problemas de saúde pública da população,
são poucos e contraditórios os resultados de estudos de avaliação da
efetividade do programa de fortificação de alimentos, ou seja, de que realmente
houve um impacto positivo da fortificação de alimentos na prevenção da
deficiência de ferro no Brasil;
Considerando
a
frequência
de
pessoas
brasileiras
com
maior
predisposição à condição de sobrecarga de ferro, primária (hemocromatose
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hereditária) ou secundária (pessoas portadoras de anemias hereditárias –
doença falciforme e talassemia; pessoas com doença onco-hematológica);
Considerando que a fortificação obrigatória dos alimentos com ferro
expõe, para não dizer obriga, desnecessariamente, uma parcela significativa da
população brasileira ao risco de agravamento de sua condição de saúde pelo
efeito tóxico do ferro em excesso no organismo, aumentando a chance de
complicações clínicas, muitas vezes graves, associadas à condição de
sobrecarga de ferro;
Considerando a possibilidade e a existência de programas de alimentos
sem adição de açúcar pelos diabéticos, de sal não iodado pelos portadores de
câncer de tireoide, ou alimentos desprovidos de glúten pelos portadores de
doença celíaca, “entendemos ser crucial que haja a disponibilidade e o
acesso fácil a alimentos não fortificados com ferro para a população de
uma maneira geral, e, em especial, para aqueles cuja doença por si só
possa ocasionar a condição de sobrecarga de ferro" (Rodolfo D. Cançado).
Pelo exposto acima e considerando a relevância do assunto para a
saúde de grande parcela da população brasileira, recomendamos dar ciência
do presente parecer à Anvisa e que o CFM atue junto ao Ministério da Saúde
para que a RDC Anvisa no 344/02, que dispõe sobre a obrigatoriedade de
fortificação de farinhas para uso em alimentos, seja revisada com a
participação de profissionais médicos para que, por meio de seus
conhecimentos técnico-científicos, subsidiem as decisões políticas de forma a
beneficiar a população brasileira, respeitando as variáveis anteriormente
apresentadas.
Este é o parecer, SMJ.
Brasília-DF, 26 de outubro de 2012
MARTA RINALDI MULLER
Conselheira relatora
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INFORMAÇÕES TÉCNICAS ADICIONAIS AO PARECER
Rodolfo D. Cançado
Professor adjunto da disciplina de Hematologia e Oncologia da Faculdade de
Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; membro do Grupo de
Assessoramento
Técnico
em
Doenças
Falciformes
e
outras
Hemoglobinopatias, do Ministério de Estado da Saúde do Brasil; membro do
Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia.
Fortificação de alimentos com ferro
A nutrição exerce papel extremamente importante e definitivo na
promoção da saúde de uma população, o que lhe atribui caráter essencial no
planejamento de ações e programas em saúde pública. Uma alimentação
nutricionalmente adequada, durante a infância e adolescência, propicia o
crescimento e desenvolvimento de acordo com o potencial genético, bem como
menor risco de doenças na fase adulta e senil e melhor qualidade de vida.
Entretanto, várias situações podem impedir que este objetivo seja
alcançado,
como
os
erros
e
restrições
alimentares,
o
inadequado
aproveitamento dos nutrientes, a hiperatividade, o aumento das demandas
nutricionais, as situações patológicas instaladas, os processos infecciosos, o
metabolismo individual e a depleção de reservas.
Devemos considerar que a alimentação é fundamental para a prevenção
das deficiências nutricionais, mas, quando estas se fazem presentes, exercem
um efeito direto tanto para o indivíduo como para o país.
Os conhecimentos disponíveis sobre a participação dos micronutrientes
em várias funções primordiais e o impacto que exercem sobre o metabolismo
intermediário têm despertado o interesse da comunidade científica pela
investigação do estado nutricional de micronutrientes em outros segmentos
populacionais, objetivando subsidiar estratégias de intervenção nutricional.
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As evidências acumuladas sugerem importante papel das deficiências
de micronutrientes como fator predisponente, agravante na fisiopatologia de
diversas
doenças
crônicas
não
transmissíveis,
como
as
doenças
cardiovasculares, a hipertensão, o Diabetes mellitus, a obesidade, alguns tipos
de câncer, a osteoporose, entre outras enfermidades.
Esses achados estão contribuindo para a valorização da prática clínica
da avaliação do estado nutricional, além de apontar para a necessidade de
maior ênfase no protocolo de nutrição, objetivando o aumento do consumo de
micronutrientes pela população.
Com relação à deficiência de ferro, no Brasil, causa mais comum da
anemia, várias pesquisas têm demonstrado sua alta prevalência na população.
Sabe-se que além dos fatores determinantes dessa grave situação a
manifestação sistêmica mais preocupante da anemia ferropriva é, contudo, o
comprometimento no desenvolvimento cognitivo, comportamental e na
coordenação motora, não só pelo menor índice de suspeita, como também pela
dificuldade diagnóstica, severidade e apresentação tardia.
No mais extenso estudo longitudinal (19 anos) publicado até o momento,
na Costa Rica, os autores indicam que lactentes anêmicos avaliados depois de
prolongado e efetivo tratamento, comparados com controles não anêmicos,
continuam a apresentar menores escores em testes motores, pior desempenho
cognitivo e de aprendizado e maior frequência de distúrbios comportamentais
até a adolescência, independentemente de outros fatores associados à
anemia.
Foi estimado para dez países em desenvolvimento (Bangladesh, Índia,
Paquistão, Mali, Tanzânia, Egito, Omã, Bolívia, Honduras e Nicarágua) que as
perdas anuais decorrentes da diminuição da produtividade física devido à
deficiência de ferro sejam de 3,64 USD por pessoa ou 0,81% do PIB, e que a
mediana das perdas físicas e cognitivas seja de 16,78 USD por pessoa ou
4,05% do PIB. Calcula-se que a perda de produtividade associada à anemia
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seja de 5% em trabalhos leves, de 17% em trabalhos pesados e de 4% quando
se envolvem todos os tipos de trabalhos.
Prevenção atual no combate à anemia ferropriva
A anemia por deficiência de ferro é uma epidemia global que requer
ação urgente. Por isso, várias abordagens para o seu combate têm sido
estudadas e aplicadas. Existem várias estratégias que podem ser utilizadas
para contribuir na diminuição, prevenção e tratamento da anemia, mas a
abordagem atual consiste em três eixos: (1) diversificação alimentar, com
ênfase nos alimentos de melhor biodisponibilidade; (2) suplementação
medicamentosa e (3) fortificação de alimentos – sendo que cada um oferece
vantagens distintas, principalmente quando se pretende alcançar populações
específicas.
Desse
modo,
tais
medidas
não
devem
ser concedidas
isoladamente, mas sim como componentes essenciais de um programa, cujo
objetivo é aumentar o aporte de ferro.
Diversificação alimentar
A diversificação alimentar refere-se não só ao acesso ao alimento, mas
também a outros fatores, como a condição econômica para adquiri-lo e a
biodisponibilidade e aproveitamento do ferro ingerido, diretamente ligados ao
hábito alimentar. Dependendo da forma como este mineral é encontrado no
alimento, pode haver diferenças significativas entre eles, pela relação com os
fatores estimuladores e inibidores de sua utilização presentes numa mesma
refeição.
Com base nos estudos de absorção de ferro foram desenvolvidos alguns
algoritmos para predizer a biodisponibilidade na alimentação. Monsen et al.
apresentam um algoritmo em que, a partir da concentração de ácido ascórbico
e do total de carne de uma refeição, e, evidentemente, do total de ferro heme e
não heme, pode-se inferir a porcentagem de ferro biodisponível considerando
três níveis de reserva: baixa, média e alta biodisponibilidade.
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Suplementação medicamentosa
A implementação do programa de suplementação medicamentosa, para
grupos etários específicos, embora eficaz, apresenta algumas desvantagens. A
necessidade de uso prolongado, dificuldade de acesso ao medicamento,
distribuição inadequada pela rede de saúde, sabor metálico e pouco agradável,
possibilidade de efeitos colaterais, como escurecimento dos dentes, fezes e
várias
alterações
gastrointestinais,
como
diarreias,
vômitos,
náuseas,
flatulência e obstipação, levam ao abandono do tratamento, restringindo a
efetividade dessa forma de prevenção.
Considera-se que a suplementação medicamentosa possua também,
como limitações, o fato de não envolver todos os grupos de risco para anemia
e de depender do conhecimento e motivação dos profissionais de saúde, além
do insuficiente suporte e a falta de monitoramento.
De acordo com Olivares (2004), a suplementação profilática de ferro é
um método útil e que deve ser indicado quando a população de risco não tiver
acesso a alimentos fortificados ou quando há requerimentos nutricionais muito
elevados – neste caso, é recomendável a utilização por curto período de
tempo. O autor sugere, ainda, a necessidade de motivação e educação
adequadas como medida necessária para aumentar a efetividade dessa
estratégia.
Princípios básicos da fortificação de alimentos
A fortificação é largamente considerada como sendo a mais prática
abordagem e a que apresenta melhor relação custo-efetividade a médio e
longo prazos. Alterações no padrão do consumo alimentar e o aumento da
ingestão de alimentos industrializados, junto com as perdas nutricionais
durante seu processamento e armazenamento, têm levado à prática de adição
de vitaminas e minerais aos alimentos processados, de modo a reduzir as
deficiências da população, além de eficaz estratégia para contribuir na
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prevenção
e
diminuição
da
anemia
ferropriva
em
diversos
países
desenvolvidos.
Vários países da América do Sul e Central também instituíram a
fortificação de alimentos como recurso de combate às deficiências nutricionais.
Costa Rica, Chile, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua,
Panamá e Porto Rico, entre outros, possuem políticas de enriquecimento. A
efetivação das medidas foi obtida somente a partir de decisões políticas que
culminaram no caráter compulsório da fortificação.
Segundo a Food and Drug Administration (FDA), alimentos enriquecidos,
fortificados e com vitaminas agregadas são termos semelhantes que podem
ser utilizados como alternativa para a adição de uma ou mais vitaminas,
minerais ou proteínas ao alimento.
Para a adição ou fortificação de nutrientes essenciais aos alimentos, o
Food and Agriculture Organization/World Health Organization Standardization
Food Program estabeleceu alguns princípios gerais:
•
Os nutrientes essenciais devem estar presentes em um nível que não irá
resultar em ingestão excessiva ou insignificante do nutriente adicionado,
considerando a quantidade obtida de outras fontes na dieta;
•
A adição de um nutriente essencial para uma alimentação não deve
resultar em efeito adverso sobre o metabolismo de qualquer outro
nutriente;
•
Os nutrientes essenciais devem ser suficientemente estáveis nos
alimentos, nas condições usuais de embalagem, armazenamento,
distribuição e utilização;
•
Os nutrientes essenciais devem ser biologicamente disponíveis no
alimento;
•
Os
nutrientes
essenciais
não
devem
transmitir
características
indesejáveis ao alimento e não devem indevidamente encurtar a vida de
prateleira;
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•
Tecnologia e instalações de processamento devem estar disponíveis
para permitir a adição de nutrientes essenciais de forma satisfatória;
•
A adição de nutrientes essenciais aos alimentos não deve ser usada
para ludibriar o consumidor quanto ao valor nutricional dos alimentos;
•
O custo adicional deve ser razoável para o consumidor a que se destina;
•
Métodos de medição e controle dos níveis de nutrientes essenciais
adicionados nos alimentos devem estar disponíveis;
•
Deve ser prevista em normas alimentares, regulamentos ou orientações
para a adição de nutrientes essenciais aos alimentos, disposições
específicas identificando os nutrientes essenciais a serem considerados,
ou que sejam necessários, e os níveis em que devem estar presentes
nos alimentos para alcançar sua finalidade.
Fortificação de alimentos no Brasil
No Brasil, o Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Vigilância
Sanitária, baixou a Portaria nº 31, de 13 de janeiro de 1998, com o objetivo de
fixação da identidade e características mínimas de qualidade dos alimentos
adicionados de nutrientes essenciais, dentre as ações voltadas para a
prevenção e controle da anemia ferropriva.
O processo de fortificação/enriquecimento, ou simplesmente de adição,
é aquele no qual se acresce ao alimento, de acordo com parâmetros legais, um
ou mais nutrientes, contidos ou não naturalmente no mesmo, com o objetivo de
reforçar seu valor nutritivo, inclusive aquele eventualmente perdido no
processamento industrial, e prevenir ou corrigir alguma deficiência em um ou
mais nutrientes na alimentação da população em geral ou de seus grupos de
risco.
Após este processo, o alimento é dito fortificado/enriquecido, ou
simplesmente adicionado de nutrientes, conforme o teor de nutrientes
acrescido. Logo, deve ficar claro que alimento fortificado/enriquecido é
diferente de alimento adicionado. O alimento pronto para consumo em 100 ml
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ou 100 g deve fornecer em relação à IDR (Ingestão Diária Recomendada) de
referência:
•
Mínimo de 15%, para alimentos líquidos, e de 30%, para alimentos
sólidos é considerado fortificado/enriquecido, podendo ser declarado no rótulo
o dizer: "alto teor" ou "rico" (conforme o Regulamento Técnico de Informação
Nutricional Complementar).
Em maio de 1999, o governo brasileiro, sociedades civis e científicas,
organismos internacionais, indústrias de alimentação e o setor produtivo
firmaram o Compromisso Social para a redução da anemia por carência de
ferro no Brasil, propondo a adição de ferro nas farinhas de trigo e milho, por
serem dois produtos de amplo consumo popular, de baixo custo e consumido
por crianças a partir do desmame.
No entanto, só no ano 2000 o Ministério da Saúde solidificou essa
proposta com a publicação da Resolução nº 15, de 21 de fevereiro.
Apenas em 18/12/2002 foi aprovado o Regulamento Técnico que tornou
obrigatória a fortificação das farinhas de trigo e milho com ferro e ácido fólico,
por meio da Resolução RDC nº 344 da Anvisa, do Ministério da Saúde.
Desde junho de 2004 esta medida compulsória estabelece que cada 100
g do produto deve fornecer, no mínimo, 4,2 mg de ferro, que representa 30%
da IDR de adulto, e 150mcg de ácido fólico, o que corresponde a 37% da IDR
de adulto.
E ainda em 11/8/2009 institui a Comissão Interinstitucional para
Implementação, Acompanhamento e Monitoramento das Ações de Fortificação
de Farinhas de Trigo, de Milho e de seus Subprodutos, por meio da Portaria nº
1.793 (20).
Tipos de fortificação
Atualmente, a OMS reconhece quatro categorias de fortificação:
1) Fortificação universal ou em massa: geralmente ocorre de forma obrigatória
e consiste na adição de micronutrientes a alimentos de consumo pela maioria
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da população. É indicada em países onde vários grupos populacionais
apresentam risco elevado para deficiência de ferro;
2) Fortificação em mercado aberto: iniciativas das indústrias de alimentos, com
o objetivo de agregar maior valor nutricional a seus produtos;
3) Fortificação focalizada ou direcionada: visa o consumo dos alimentos
enriquecidos para os grupos populacionais de elevado risco de deficiência, que
pode ser obrigatória ou voluntária, de acordo com a significância em termos de
saúde pública;
4) Fortificação domiciliar comunitária: tem sido considerada e explorada em
países em desenvolvimento. Podem ter sua composição programada e são de
fácil aceitação pelo público-alvo, porém ainda apresentam custo elevado,
diferente das outras formas, e requerem que a população seja orientada. Neste
tipo de fortificação geralmente são adicionados suplementos às refeições.
O impacto da fortificação de alimentos na prevenção da deficiência de
ferro
A grande demonstração de sintonia do governo brasileiro com as
recomendações internacionais e da vontade política de minimizar a anemia
dentre os problemas de saúde pública da população brasileira foi o Programa
de Fortificação de Farinhas de Trigo e de Milho, para todos os fins, com ferro e
ácido fólico, cuja efetiva implantação ocorreu em junho de 2004. Ainda visando
cumprir o compromisso firmado e conscientes do baixo consumo de alimentos
sólidos por lactentes, em maio de 2005 foi editado pelo Ministério de Saúde o
Programa Nacional de Suplemento de Ferro (PNSFe), a ser distribuído por
meio das UBS a crianças de 6 a 18 meses de idade.
Entretanto, são poucos e contraditórios os resultados de estudos de
avaliação da efetividade desses dois programas de intervenção.
Um estudo de abrangência nacional, coordenado por Fujimori e
Szarfarc, com o objetivo de avaliar o impacto da fortificação das farinhas
fortificadas na ocorrência da anemia em gestantes, permitiu ver que na maior
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parte dos locais estudados a prevalência de anemia, após pelo menos um ano
de implantação da intervenção, era elevada e similar àquela encontrada antes
da fortificação. A média de 22,4% de prevalência de anemia em 2002 não
diferia estatisticamente da encontrada após julho de 2005: 20,4%.
Sobrecarga de ferro e hemocromatose hereditária
Introdução
O ferro é elemento essencial na maioria dos processos fisiológicos do
organismo humano, desempenhando função central no metabolismo energético
celular. A quantidade total de ferro no adulto é de aproximadamente 3,5g a 4g
e a maior parte deste metal (1,5g a 3,0g) encontra-se ligada ao heme da
hemoglobina e tem como principal função a oxigenação dos tecidos, ou
armazenado sob a forma de ferritina ou de hemossiderina nas células do
sistema mononuclear fagocitário, principalmente do fígado, medula óssea e
baço.
Fisiologicamente, o organismo humano não é capaz de aumentar a
excreção de ferro, mesmo em condições de sobrecarga deste metal. Portanto,
o aumento progressivo do aporte de ferro, seja por via gastrointestinal seja por
via parenteral, leva impreterivelmente à condição patológica de sobrecarga de
ferro.
O Quadro 1 relaciona as principais síndromes clínicas que podem
resultar em acúmulo de ferro.
Quadro 1. Principais síndromes clínicas relacionadas à sobrecarga de ferro
1. Primária
2. Secundária
a.
HH - gene HFE (tipo 1)
2.1 Transfusional
b.
HH - Juvenil (tipo 2)
c.
•
hemojuvelina (tipo 2A)
•
hepcidina (tipo 2B)
HH - gene do receptor
•
Anemia
hemolítica
crônica
(talassemia, doença falciforme)
2
da
•
Síndrome mielodisplásica
•
Anemia aplástica
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•
transferrina (tipo 3)
Anemia de Fanconi
d.
HH - gene da ferroportina (tipo 4)
•
Anemia de Blackfan Diamond
e.
Outros tipos:
•
2.2 Não transfusional
•
HH - gene da cadeia pesada da
•
Doença hepática crônica
ferritina
o
hepatite viral (vírus B, C)
•
Aceruloplasminemia
o
hepatite
•
Mutação DMT1 (HH neonatal)
etanol
•
Atransferrinemia
o
síndrome metabólica
•
Ataxia de Friedreich
o
esteatohepatite
induzida
por
não
alcoólica
•
Porfiria cutânea tarda
•
Shunt porto-cava
•
Sobrecarga africana de ferro
•
Iatrogênica (uso excessivo de
ferro oral ou parenteral)
HH designa doença autossômica recessiva associada, na maioria das
vezes, à mutação do gene HFE caracterizada pelo aumento inapropriado da
absorção intestinal de ferro com consequente acúmulo progressivo desse íon
em diferentes órgãos e tecidos do organismo, especialmente fígado, coração,
pâncreas, pele e articulações, podendo ocasionar lesão celular e tecidual,
fibrose e insuficiência funcional.
Epidemiologia
Estudos populacionais indicam que a HH teve origem no norte da
Europa, em populações de origem nórdica ou celta. A mutação C282Y do gene
HFE apresenta frequência mais elevada em indivíduos caucasianos do
noroeste da Europa, da América do Norte, da Austrália e da Nova Zelândia;
frequência intermediária na Europa oriental e meridional, na África do Norte e
no Oriente Médio; sendo raramente encontrada em populações asiáticas,
africanas ou afrodescendentes das Américas Central e do Sul.
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Estudos envolvendo populações dos Estados Unidos da América, da
Austrália e do continente europeu demonstraram que a frequência de
homozigotos e heterozigotos para a mutação C282Y varia entre 0,2% e 0,7% e
entre 7% e 14%, respectivamente.
A mutação H63D do gene HFE é duas a três vezes mais frequente que a
C282Y e a prevalência de heterozigotos e homozigotos para esta mutação
varia entre 15% e 40% e entre 2,5% e 3,6%, respectivamente. A frequência do
genótipo C282Y/H63D é de aproximadamente 2%.
A frequência alélica das mutações C282Y e H63D do gene HFE em
cinco estudos brasileiros estão demonstradas na Tabela 1.
Tabela 1. Frequência alélica das mutações C282Y e H63D do gene HFE no
Brasil
Frequência alélica (%)
Estudo, ano,
Cor
local
da pele
Mutação
Mutação
Mutação
C282Y
H63D
S65C
Agostinho et al., 1999
B
1,4
16,3
Campinas (*)
P
1,1
7,5
(N=227)
M
1,1
1,1
B+P+M
2,2
14,3
Pereira et al., 2001
B
3,7
20,3
São Paulo
P
0,5
6,4
(N=395)
M
0,7
13,0
B
1,4
8,6
0,6
P
0,0
2,4
0,3
NR
2,1
13,6
0,6
NR
Calado et al., 2000
Ribeirão Preto
NR
(N=320)
Bueno et al., 2003
São Paulo
(N=148)
NR
Santos et al., 2009
São Paulo
(N=542)
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(*) Único trabalho que estudou um grupo indígena e não encontrou nenhum indivíduo
com mutação C282Y ou H63D do gene HFE.
N= número de participantes em cada estudo; B= branco; P= preto; M= mulato; NR=
não realizado.
Quando analisamos os pacientes com diagnóstico de HH, observamos
que 60% a 100% são homozigotos para a mutação C282Y do gene HFE.
Entretanto, o número reduzido de indivíduos com diagnóstico HH frente à
elevada frequência das mutações do gene HFE chamou a atenção dos
pesquisadores com relação a hipótese de penetrância incompleta do gene
mutante. Estima-se que menos de 50% dos indivíduos homozigotos para a
mutação C282Y desenvolverão
evidência
laboratorial e/ou clínica
de
sobrecarga de ferro.
Em paralelo, a expressão clínica ou fenotípica dos indivíduos com
mutação do gene HFE pode sofrer a influência de fatores genéticos, clínicos e
ambientais e interferir no metabolismo do ferro, ocasionando agravamento do
acúmulo de ferro e do curso clínico da doença.
Os principais fatores desfavoráveis capazes de contribuir para a
progressão mais rápida da doença são: sexo masculino, consumo excessivo de
bebida alcoólica, infecção pelo vírus B ou C da hepatite, anemia hemolítica
crônica (talassemia, anemia falciforme, esferocitose hereditária), consumo
excessivo de medicamentos com ferro, vitamina C ou administração parenteral
de ferro, porfiria cutânea tarda, mutação concomitante de outro gene envolvido
no metabolismo do ferro.
Cançado et al., estudando as principais mutações do gene HFE em
pacientes com sobrecarga de ferro (maioria dos pacientes com FS > 1000
ng/ml e com sintomas e sinais secundários ao excesso de ferro), observaram
frequência alélica de 76% (38/50), sendo que 30% eram homozigotos para a
mutação C282Y. Além disso, demonstraram que o índice de ST e FS eram
significativamente maiores nos doentes homozigotos para a mutação C282Y,
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confirmando a correlação entre genótipo C282Y/C282Y e maior risco de
sobrecarga de ferro; e que a anemia hemolítica crônica, hepatite C e consumo
excessivo de bebida alcoólica estão implicados em aumento dos estoques de
ferro do organismo e constituem fatores de risco adicionais para a condição de
sobrecarga de ferro em doentes com mutação do gene HFE.
Fisiopatologia
Os doentes com HH apresentam ritmo aumentado de absorção intestinal
de ferro, podendo atingir 10 mg/dia ou mais. Atualmente, a hepcidina é
considerada a principal proteína responsável pela regulação de ferro do
organismo. Sintetizada no fígado, sua produção é estimulada pelo aumento dos
depósitos de ferro, lipopolissacarídeos e pela interleucina-6, proteína essa
inibida em situações como anemia, hipóxia tecidual, eritropoese ineficaz
(devido à síntese da proteína GDF-15), alcoolismo. A hepcidina, ligando-se à
ferroportina (principal proteína exportadora de ferro, localizada na membrana
baso-lateral
dos
enterócitos,
macrófagos
e
eritrócitos),
promove
sua
internalização e degradação, inibindo a absorção intestinal de ferro e
diminuindo a liberação de ferro presente nos macrófagos para o plasma.
Nos pacientes com HH (tipos 1, 2 e 3) observa-se redução da síntese de
hepcidina, ocasionando aumento da absorção intestinal de ferro e da liberação
de ferro dos macrófagos, resultando em acúmulo progressivo e patológico de
ferro no organismo.
A toxicidade do ferro está relacionada ao ferro livre, ou seja, não ligado à
transferrina. A partir do momento em que a quantidade plasmática de ferro
ultrapassa a capacidade de saturação da transferrina, a concentração de ferro
livre não ligado à transferrina (NTBI, non-transferrin-bound iron), mais
especificamente a fração redoxi-ativa denominada LPI (labile plasma iron),
aumenta e, uma vez que sua capacidade de penetrar nas células dá-se mais
fácil e rapidamente do que o ferro ligado à transferrina, ocasiona lesão celular.
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O ferro livre atua como catalisador de reações oxidativas e consequente
síntese de radicais superóxidos e radicais hidroxilas livres. A conversão do
superóxido em H2O2 pela enzima superóxido dismutase causa peroxidação de
lípides
da
membrana
de
diversas
organelas
citoplasmáticas,
como
mitocôndrias e microssomos, com consequente dano celular, fibrose reativa,
esclerose e insuficiência funcional.
Nos doentes com HH, observa-se aumento da expressão do gene do
colágeno com consequente aumento de sua produção no interior dos lipócitos
hepáticos que, progressivamente, são substituídos por fibrose. A coexistência
de fatores como consumo excessivo de bebida alcoólica e hepatopatia crônica
pelo vírus C da hepatite agravam e aceleram ainda mais esse processo.
Manifestações clínicas
O quadro clínico da HH é bastante variável, insidioso e dependente do
acúmulo de ferro, que ocorre lenta e progressivamente por várias décadas. A
maioria dos doentes torna-se sintomático entre a 3a e 5a décadas de vida,
sendo que nas mulheres as manifestações clínicas são observadas 5 a 10
anos mais tarde que no homem, devido às perdas sanguíneas fisiológicas que
ocorrem durante os períodos menstrual e gestacional, e à lactação.
Os sintomas mais referidos são: fadiga (70%-80%), artralgia/artrite
(40%-50%), dor abdominal (20%-60%), diminuição da libido ou impotência
sexual (20%-50%), perda de peso (10% a 50%). Os sinais clínicos mais
frequentes ao diagnóstico são: hepatomegalia (50%-90%), hiperpigmentação
da pele (30%-80%), hipogonadismo (20%-50%), artropatia, esplenomegalia,
Diabetes mellitus, cirrose hepática, miocardiopatia e/ou arritmia.
O risco de carcinoma hepático é cerca de 20 vezes maior nos pacientes
com HH e mais frequente em pacientes com cirrose hepática.
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Diagnóstico
O diagnóstico HH compreende a avaliação e confirmação laboratorial da
sobrecarga de ferro e a pesquisa das mutações do gene HFE (C282Y, H63D e
S65C).
Duas dosagens consecutivas da saturação da transferrina (ST) com
valores acima de 45% para ambos os gêneros e da ferritina sérica acima de
200 ng/ml nas mulheres e 300 ng/ml nos homens, e a presença em
homozigose da mutação C282Y (e, em alguns casos, C282Y/H63D) confirmam
o diagnóstico de HH.
Mais recentemente, a ressonância nuclear magnética (RNM) tornou-se
um importante exame aliado ao arsenal diagnóstico da sobrecarga de ferro
como método não invasivo que permite a quantificação indireta do conteúdo de
ferro em diferentes órgãos.
Apesar de ser um método invasivo, a biópsia hepática tem como
vantagens avaliar a intensidade e extensão do processo inflamatório hepático e
a presença de cirrose. Desta forma, este procedimento está indicado nos
pacientes com sorologia reagente para vírus B ou C da hepatite, nos indivíduos
homozigotos para a mutação C282Y com mais de 40 anos e/ou alanina
aminotransferase elevada e/ou FS > 1000 ng/ml. A ausência destes três fatores
indica risco mínimo de fibrose hepática; na presença de dois ou mais fatores,
esse risco é significantemente maior e esta complicação tem impacto no
prognóstico do paciente.
Situação menos frequente é a constatação de sobrecarga de ferro em
indivíduos sem mutação do gene HFE. Nestes casos, se o paciente tiver
menos de 30 anos de idade, é mais provável a existência de mutação no gene
da hemojuvelina ou hepcidina. Portanto, estes genes devem ser estudados. Se
o paciente tiver mais de 30 anos, é mais provável que haja mutação no gene
da ferroportina ou do receptor2 da transferrina.
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É importante ressaltar que, independentemente de se confirmar o
diagnóstico genotípico, a presença de sobrecarga de ferro indica a
necessidade de iniciar o tratamento para remoção do excesso de ferro.
Tratamento
O tratamento de escolha do paciente com HH compreende a remoção
do excesso de ferro do organismo por flebotomia ou sangria terapêutica. Tratase de procedimento seguro, econômico e eficaz.
Com relação à orientação dietética dos pacientes com HH, recomendase evitar o uso de compostos à base de ferro e com vitamina C, bem como
abster-se do uso de bebidas alcoólicas e de manusear ou ingerir frutos do mar
ou peixes marinhos crus, devido ao risco de infecção, às vezes fatal, causada
pelo Vibrio vulnificus e pela Salmonella enteritidis.
Prognóstico e mortalidade
Os doentes com HH apresentam sobrevida menor que a observada em
indivíduos da população geral para o mesmo sexo e faixa etária. Entretanto,
quando o diagnóstico precede o início do Diabetes mellitus e o tratamento é
instituído antes do desenvolvimento de cirrose hepática, a sobrevida destes
doentes passa a ser semelhante à da população geral. As principais causas de
morte nos doentes com HH não tratados são: insuficiência cardíaca e/ou
arritmia, insuficiência hepatocelular e carcinoma hepático.
Doença falciforme no Brasil
Há mais de trinta anos, os segmentos sociais organizados de homens e
mulheres negras no Brasil vêm reivindicando o diagnóstico precoce e um
programa de atenção integral às pessoas com doença falciforme (DF).
O primeiro passo rumo à construção de tal programa foi dado com a
institucionalização da triagem neonatal no Sistema Único de Saúde do Brasil,
por meio de portaria do Ministério da Saúde, publicada em 15 de janeiro de
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1992, com testes para fenilcetonúria e hipotireoidismo congênito (Fase 1). Em
2001, por meio da Portaria no 822/01, do Ministério da Saúde, foi criado o
Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), incluindo a triagem para as
hemoglobinopatias (Fase 2).
A inclusão da eletroforese de hemoglobina nos testes de triagem
neonatal representou importante passo no reconhecimento da relevância das
hemoglobinopatias como problema de saúde pública no Brasil e também o
início da mudança da história natural da doença em nosso país. Ao incluir a
detecção das hemoglobinopatias no PNTN, essa portaria corrigiu antigas
distorções e trouxe vários benefícios, sobretudo a restauração de um dos
princípios fundamentais da ética médica, que é o da igualdade, garantindo
acesso igual aos testes de triagem a todos os recém-nascidos brasileiros,
independentemente da origem geográfica, etnia e classe socioeconômica.
Configurando uma fase de consolidação dessa iniciativa, em 16 de
agosto de 2005 foi publicada a Portaria no 1.391, que institui, no âmbito do
SUS, as diretrizes para a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com
Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias.
No momento, o Ministério da Saúde, por meio da Coordenação Geral da
Política Nacional de Sangue e Hemoderivados, vem trabalhando na
regulamentação e na implantação das medidas estabelecidas pela Portaria no
1.391, bem como na organização da rede de assistência às pessoas com
outras hemoglobinopatias, em todos os estados da União.
A anemia falciforme é a doença hereditária monogênica mais comum do
Brasil, ocorrendo, predominantemente, entre afrodescendentes.
A distribuição do gene S no Brasil é bastante heterogênea, dependendo
da composição negroide ou caucasoide da população. Assim, a prevalência de
heterozigotos para a Hb S é maior nas regiões Norte e Nordeste (6% a 10%) e
menor (2% a 3%) nas regiões Sul e Sudeste.
Prevalência estimada do gene S segundo dados do Ministério da Saúde
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do Brasil:
Traço falciforme (Hb AS)
População geral: 4% (2% a 8%)
Entre afrodescendentes: 6% a 10%
Nascimento anual: 200.000
Expectativa de indivíduos Hb AS: 7.200.000
Anemia falciforme (Hb SS)
Casos estimados: 25.000 a 30.000
Estima-se o nascimento de uma criança com anemia falciforme para cada
mil recém-nascidos vivos
Número de casos novo por ano: 3.500
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Interinstitucional
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1 PROCESSO-CONSULTA CFM nº 29/12 – PARECER CFM nº 36