A CARTA, SUAS MODALIDADES E SUAS SEQUÊNCIAS TIPOLÓGICAS: INVESTIGAÇÃO DO NÍVEL DE CONHECIMENTO DOS ALUNOS NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA DA EJA. Mônica Fernanda dos Santos Dias Este artigo tem como objetivo apresentar o resultado da pesquisa a que procedemos cujo intuito foi verificar o nível de conhecimento dos alunos da EJA com relação às modalidades do gênero carta, bem como das sequências linguísticas que a compõe, visando ao desenvolvimento linguístico-discursivo dos alunos daquela modalidade de ensino. O impulso para a realização desta pesquisa se deu a partir do momento em que surgiram questionamentos sobre o tratamento dado ao gênero carta e as diferentes tipologias constituintes nesse gênero, nas aulas de língua portuguesa da educação de jovens e adultos. A comunicação se realiza através de gêneros, então, devem-se possibilitar diversidades desses gêneros aos alunos de maneira, que cada um compreenda, produza e utilize-os a cada situação de interação social adequada. O gênero carta na modalidade de jovens e adultos é uma ferramenta importante para que os alunos possam usar e diferenciar a linguagem escrita de uma linguagem oral, desenvolvendo assim a organização na estrutura do gênero, além de usar os elementos característicos do gênero carta. Observamos, através do resultado desta pesquisa que os alunos da EJA, participantes desta pesquisa, apresentaram dificuldades de reconhecer as modalidades do gênero, principalmente com relação à indicação da tipologia textual, apresentando dificuldades no momento de identificar as sequências linguísticas no gênero. Serviram de base a esta pesquisa obras de autores como: Bakhtin, Marcuschi, Dionísio, Antunes, Silva, Travaglia, entre outros. Palavras-Chave: gênero carta, educação de jovens e adultos; sequências linguísticas. INTRODUÇÃO No contexto da discussão sobre a eficácia do ensino de língua portuguesa, centrado no gênero textual carta e suas modalidades, e nos tipos textuais que as compõem, percebe-se que esse gênero não vem sendo devidamente explorado nas 2 aulas de língua materna, interferindo no desenvolvimento do conhecimento global dos alunos. Essa interferência se dá em virtude do professor não enfatizar em suas aulas de língua portuguesa os gêneros, dando mais ênfase à gramática propriamente dita, centrada em regras, dificultando a aprendizagem dos alunos da EJA, isso por que os alunos necessitam de um ensino voltado para uma efetiva prática social. O gênero carta é sem dúvida um instrumento de trabalho de diversidades, onde o professor poderá enfatizar a interdisciplinaridade, além dos temas transversais, dando oportunidade do aluno se expressar visando a um conhecimento e a um desenvolvimento linguístico-discursivo. Diante disso, buscamos proceder a um resultado de conhecimentos do gênero carta e suas modalidades, dos alunos da Educação de jovens e adultos (EJA), observando as tipologias textuais constituintes nesse gênero. A pesquisa foi realizada por meio de questionários, aplicados aos alunos da EJA, que iniciaram seus estudos no inicio do ano letivo de 2009, cuja participação na pesquisa, muito contribuiu para realização deste artigo. O lócus deste trabalho foi o EREM Escola de Referência em Ensino Médio Santos Dumont, localizada no bairro de Boa Viagem no município de Recife-PE. O questionário aplicado aos alunos procurou perceber se os mesmos conseguiam distinguir as modalidades de carta apresentadas a eles, bem como se eram capazes de identificar as sequências linguísticas que as compunham. Para comprovar seu conhecimento, os alunos deveriam justificar suas respostas e dizer em que contexto as referidas cartas poderiam ser utilizadas. Deveriam, ainda, indicar a tipologia textual predominante nessas cartas, identificando em cada carta as partes em que os tipos textuais: descrição, narração e argumentação se realizavam. Desse modo, esperávamos mensurar o conhecimento do aluno da EJA com relação ao objeto da pesquisa, para, com o resultado, interferir no processo ensinoaprendizagem desses alunos, no que concerne ao ensino de Língua Portuguesa. 1. A importância do gênero textual e de sua tipologia no processo ensinoaprendizagem de língua materna da EJA. 3 De acordo Marcuschi (2002), Gênero textual é um nome que se dá as diferentes formas de linguagens que circulam socialmente. Gêneros são língua viva, instrumento de comunicação indispensáveis nas aulas de português, pois todas as pessoas usam gêneros para se comunicar. Um debate ou uma palestra na televisão é um gênero, uma bula de remédio também, um romance, uma carta todos são gêneros. Gênero é diferente de tipologia textual, geralmente alguns profissionais confundem, porém gênero é mais abrangente, uma vez que tipo textual é mais específico. É importante para o professor de português direcionar o trabalho de língua na leitura, compreensão e produção de textos de forma produtiva que tenha função social e de uso significativo para o aluno, de uso significativo em suas práticas do cotidiano. Essa concepção vem ao encontro do objetivo da Eja. Isso porque a clientela dessa modalidade de ensino necessita de contato com um ensinamento voltado para uma efetiva prática social. Certamente a teoria dos gêneros oferece diversidades que dá oportunidade desses indivíduos utilizarem em sua prática. Conforme expõe Lopes-Rossi (in KARWOSKI et al. 2006, p.74), Cabe ao professor criar condições para que os alunos possam apropriarse de características discursivas e lingüísticas de gêneros diversos, em situações de comunicação real, com projetos pedagógicos que visem ao conhecimento, à leitura, à discussão sobre o uso e as funções sociais dos gêneros escolhidos e,quando pertinente, à sua produção escrita e circulação social. O professor deverá criar as condições para que os alunos aprimorem as competências discursivas lingüísticas necessárias, voltadas ao uso da prática social dos alunos, explorando as habilidades da leitura, escrita, função social dos gêneros escolhidos. Para Marcuschi (2002), tipologia textual é um termo que deve ser usado para designar uma espécie de sequência teoricamente defendida pela natureza linguística de sua composição. Em geral, os tipos textuais abrangem as categorias narração, argumentação exposição, descrição e injunção. Segundo ele, “quando se nomeia um certo texto como “narrativo”, “descritivo” ou “argumentativo”, não está nomeando o gênero e sim o predomínio de um tipo de sequência de base. (2002:27). 4 Além disso, destaca que, “em todos os gêneros também se está realizando tipos textuais, podendo ocorrer que o mesmo gênero realize dois ou mais tipos. Assim, um texto é em geral tipologicamente variado (heterogêneo)”. (2002:25) Marcuschi afirma que os livros didáticos trazem, de maneira equivocada, o termo tipo de texto. Na verdade, para ele, não se trata de tipo de texto, mas de gênero textual. O autor diz que em todos os gêneros, os tipos se realizam. Aspecto interessante a se observar é que Marcuschi afirma que os gêneros não são entidades naturais, mas artefatos culturais construídos historicamente pelo ser humano. Um gênero, para ele, pode não ter uma determinada propriedade e ainda continuar sendo aquele gênero. Para exemplificar, o autor fala da carta pessoal. Mesmo que o autor da carta não tenha assinado o nome no final, ela continuará sendo carta, pelas suas propriedades necessárias e suficientes. Travaglia (2002) diz que o gênero textual se caracteriza por exercer uma função social especifica. Estas funções sociais são pressentidas e vivenciadas pelos usuários. Isso equivale dizer que, intuitivamente, sabemos que gênero usar em momentos específicos de interação, de acordo com a função social dele. Travaglia dá ao gênero uma função social. O autor diferencia Tipologia Textual de Gênero Textual a partir dessa “qualidade” que o gênero possui. Marcuschi (2002) apresenta alguns exemplos de gêneros, mas não ressalta sua função social. Segundo Marcuschi (2002) (2002, p.19) “os gêneros textuais são fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social”. De acordo com essa percepção de gêneros que Marcuschi enfatiza, este artigo está em consonância, uma vez que enfatiza a função social. Além disso, o autor afirma que os tipos textuais se realizam nos gêneros, assim um professor quando for apresentar os tipos textuais aos alunos, consequentemente apresentará num gênero textual. Percebe-se que as aulas de língua portuguesa, especificamente nas aulas de leitura e escrita, é focada apenas na resolução de exercícios e nas aulas de redação, sendo explorados apenas os tipos textuais, deixando de lado os gêneros. É extremamente importante para a leitura dos textos ter um interlocutor, pois a função social do interlocutor é dialogar junto com o leitor, não tendo um interlocutor, para quem o alunado escreve? Como que ele vai interagir? Daí surge à importância do gênero carta em sala, pois na própria estrutura se tem um destinatário diferentemente de uma narração, descrição ou argumentação. É papel fundamental do professor de língua portuguesa trabalhar com os alunos os tipos e os gêneros textuais, principalmente, aqueles que fazem parte do cotidiano, fazendo com que 5 os alunos compreendam que o texto é produzido a todo o momento seja na forma oral ou escrita. Para alguns professores a diferença entre tipo textual e gênero textual ainda não está clara, uma vez que os livros didáticos em sua maioria também invertem os termos, dificultando ainda mais a definição entre essas duas noções, como o próprio livro de língua portuguesa da EJA, adotado pelas escolas da rede estadual do Recife. Segundo Antunes, “O professor não pode, sob nenhum pretexto, insistir na prática de uma escrita escolar sem leitor, sem destinatário; sem referência, portanto para se decidir sobre o que vai ser escrito”. (Antunes, 2004, p. 47). Alguns professores não direcionam o ensino de língua portuguesa a tomarem o texto como objeto de estudo, no entanto o texto, na sala de aula, é usado mais como “pretexto” e para outras funções, deixando de focar na dimensão social-discursiva, ou seja, “numa concepção sócio-interacionista de linguagem centrada na problemática da interlocução” (Brandão 2001, p. 17). Isso ocorre por que alguns professores insistem no ensino tradicional de língua materna, levando o aluno a análises: sintáticas e morfológicas, deixando de aprofundar a parte da semântica, além de não explorar as competências lingüísticas e discursivas dos alunos. Como lembra Bakthin (1995, p. 113). “Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém como pelo fato de que se dirige para alguém. (...) A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor.” Cada gênero tem suas estruturas, no caso da carta tem um destinatário, e então o aluno sabe que poderá interagir com um interlocutor sobre suas ideias, e sabe também para quem ele está escrevendo a própria estrutura do gênero textual facilita a interação, com isso desenvolve suas habilidades de leitura, compreensão e produção da carta. O ensino com o gênero carta é extremamente importante na turma de educação de jovens e adultos (EJA), pois será o momento em que todos produzirão textos (cartas) de diferentes modalidades de uso social, não mais visto como especialistas em textos literários. Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s destacam: 6 [...] são os textos que favorecem a reflexão crítica e imaginativa, o exercício de formas de pensamento mais elaboradas e abstratas, os mais vitais para a plena apresentação numa sociedade letrada. Cabe, portanto a escola viabilizar o acesso do aluno ao universo dos textos que circulam socialmente, ensinar a produzi-los e interpreta-los. (BRASIL, 1997, p. 30) A prática de produção de texto, como enfatizada pelos PCN’s são atividades de extrema importância nas aulas de língua materna, pois os textos produzidos pelos alunos podem ser utilizados como instrumentos para enfatizar a língua, e ainda proporciona ao aluno uma visão interpretação critica do seu próprio texto produzido. Dessa forma, os alunos teriam a oportunidade de se apropriar devidamente do gênero textual, sabendo movimentar-se no dia a dia da interação humana, e na participação social dentro de uma sociedade letrada. 2. Definindo o gênero carta De acordo com Silva (1997, p.121, in: KOCH). (...) a carta é uma unidade funcional da língua, empregada em situações características-ausência de contato imediato entre o emissor e destinatário. No entanto, a categoria carta, “tout court”, é muito ampla, não dando conta da diversidade de textos e de propósitos nela encontrados. Definindo os gêneros, Bakhtin (2000, p. 281) inclui a carta entre os gêneros primários, entre aqueles que se constituem em circunstâncias de uma comunicação espontânea. Situada em espaço e tempo determinados, ela é empregada em situações comunicativas que se caracterizam pela ausência de contato imediato entre emissor e receptor. O gênero textual carta segundo Silva (1997), é bastante abrangente, existem diversos tipos de cartas: cartas de reclamação, carta argumentativa, carta pessoal, carta do leitor, carta de agradecimento, entre outras. A carta não comporta especificamente um tipo, ela é dividida em tipos, possuindo a mesma estrutura, na qual identificará o gênero pela sua propriedade. 7 Silva (1997), ao analisar cartas, ela específica a amplitude de uso desse gênero, que se concretiza em variados tipos de comunicação: notícias de familiares ou de amigos distantes, informações, pedido, agradecimento, correspondência dirigida a jornais e revistas, reclamação, cobrança, intimação, prestação de contas, entre outros, apresenta funções diversas que circula em diferentes esferas de atividades. A mesma autora ainda afirma que uma categorização desse gênero ou de uma tipologia textual deve-se priorizar as atividades comunicativas, mas também considerando sua estrutura formal. O gênero estudado é um dos mais usados como meio de comunicação entre as pessoas há bastante tempo, podemos exemplificar tais como: a carta de Pero Vaz de Caminha, a carta Régia de D.João III, a carta dedicatória de Erasmo a D. João III, entre outras conhecidas. Mediante a citação de Silva, podemos afirmar que a carta é uma unidade funcional da língua, tendo em vista uma interação entre o locutor e o interlocutor, na qual terão tempo e espaço diferentes. 2.1 O gênero carta na sala de aula da EJA A educação de jovens e adultos é uma modalidade de ensino com metodologias diferenciadas voltada para um público que não teve acesso a escolaridade na idade apropriada. Essa concepção de metodologia diferenciada tem atraído jovens e adultos a voltar à escola e concluir seus estudos. De acordo com a Proposta Curricular Nacional para Educação de Jovens e Adultos (2001), é desejável que, já na alfabetização, seja oferecida ao aprendiz uma amostra representativa dos diversos gêneros e tipos de textos, que circulam em diferentes esferas ou contextos sociais. Assim o professor poderá mostrar a diversidade de gêneros aos alunos, além de enriquecer os conhecimentos através das competências da leitura e da escrita, desenvolvendo habilidades de interpretar e produzir textos na qual o aluno se insira socialmente. É importante que a seleção dos gêneros contemple o contexto e as necessidades desses jovens e adultos. Para alguns alunos desta modalidade de ensino, a escola é o único ambiente que eles têm contato com a leitura e escrita. Diante disso, o trabalho elaborado pelo professor de língua materna deverá ser proporcionar uma grande variedade dos gêneros textuais e das seqüências para que todos consigam obter a compreensão de suas funcionalidades. O gênero carta na modalidade de jovens e adultos é uma ferramenta importante para que os alunos possam usar e diferenciar a linguagem escrita de uma linguagem oral, desenvolvendo assim a organização na estrutura do gênero, além de usar os 8 elementos característicos do gênero carta, como por exemplo: saudação, despedida, data, e os elementos constituintes no envelope do remetente e destinatário (nome, endereço, CEP, cidade, bairro). 3. Discussão dos resultados O corpus desta pesquisa foi composto por questionários aplicados na turma do segundo módulo da Educação de Jovens e Adultos (EJA), que teve início no ano letivo de 2009, com o quantitativo de 10 alunos, na qual 07 são do sexo feminino e 03 do sexo masculino, e todos cursaram o ensino fundamental I na modalidade EJA na mesma escola no turno da noite. O questionário foi dividido em 2 etapas: a primeira voltou-se para a modalidade, a justificativa e a empregabilidade da carta; e a segunda, focou-se na identificação da tipologia constituinte da modalidade da carta apresentada. Com o objetivo de verificar o nível de conhecimento dos alunos da EJA, em relação ao estudo do gênero carta e as tipologias que a compõe, apresentamos as cartas a seguir e solicitamos que as mesmas fossem classificadas como comercial, de reclamação, de solicitação, do leitor e pessoal. Texto 1: Carta do leitor VETERANO DE GUERRA Avô de leitora lutou na Espanha na década de 30. Vocês me emocionaram muito com a reportagem “Heróis de uma batalha perdida” (pág.8), pois meu avô era espanhol e lutou na Guerra Civil daquele país, e minha mãe falava muito como ele sofreu. Esse sofrimento o motivou a vir para o Brasil, pois se dizia que aqui era melhor, e para o meu avô qualquer lugar do mundo que não tivesse guerras era o paraíso. Por isso, vai aí o alerta: não devemos promover guerras, pois as conseqüências são aterrorizantes, não só financeiras, mas principalmente humanas. As pessoas ficam com traumas difíceis de curar, mesmo migrando para outros países. Lourdes Vazques Paulino São Paulo, SP. Fonte: História Viva. Maio, 2009, ed. Duetto. p.07 Texto 2: Carta comercial São Paulo, 21 de janeiro de 200x. 9 Senhores: Atendendo ao anuncio de sua empresa publicado em 12-12-200x, em classificados da Folha de S. Paulo, escrevo-lhes com o objetivo de me candidatar à vaga oferecida. No momento, encontro-me com a possibilidade de iniciar imediatamente o trabalho. Por essa razão, além de manifestar meu interesse pela oferta do emprego, bem como por sua empresa, estou anexando à presente meu “Curriculum Vitae”. Apreciarei bastante a atenção de V.S.as Atenciosamente, Carlos Alberto Fonte: Medeiros, João Bosco. Português Instrumental. São Paulo: Atlas, 2007.p.67. Texto 3: Carta Pessoal São Paulo, 12 de maio de 1995. Lê, Como a gente já estuda na mesma classe há sete anos e você durante esse tempo todo não teve a capacidade de perceber, eu estou escrevendo esta carta para dizer que eu amo você. Acho que sempre amei, desde que você era um menininho idiota da 5ª série. Não me pergunte por quê. Eu mesma já me fiz esta pergunta mil vezes e nunca deu pra entender. Eu sei que a primeira coisa que você vai pensar é que isso é uma brincadeira. Não é não. Comece a lembrar de todas as vezes em que eu me calei pra não discutir com você, quando vinha com ideias cretinas para o trabalho de Geografia. Ou quando eu ia embora de repente no meio da conversa. Era pra ninguém desconfiar que eu te adoro (...). Eu não te disse nada até agora porque fique com medo de que você contasse pro pessoal e todos rissem da minha cara. Só que agora eu não me importo. Eu não ligo pra mais ninguém: eu amo e isso é coisa que só quem ama entende. Se precisar publico num jornal, confirmo na diretoria, faço uma declaração pública, registro em cartório, assino um comunicado. Se alguém achar que eu estou dando muita bandeira, é porque não sabe que isso é amor: uma coisa que enlouquece e deixa inquieta e meio tonta. Mas que faz todas as músicas mais bonitas as cores mais vivas e todos os momentos da minha vida mais interessantes. Agora você sabe. Faça o que quiser. Eu sempre vou amar você. Mari. Fonte: GRANATIC, Branca. Redação: humor e criatividade. São Paulo: Scipione, 1997, p. 81 A carta do leitor foi a primeira a ser apresentada aos alunos. Esta carta destacase por ser exposta em meios de comunicação, onde as pessoas possuem um espaço determinado para expressar suas opiniões, sugestões, argumentos, criticas, reflexões, 10 incentivos. A carta escolhida como objeto de análise foi retirado da revista História Viva do ano de 2009, com uma linguagem predominantemente argumentativa. A carta 2 foi retirada do livro Português Instrumental de João Bosco Medeiros, na qual refere-se a uma carta comercial, essa modalidade de carta tem a finalidade de uma comunicação direta com comércio,indústrias,empresas podendo ser endereçada a uma ou a várias pessoas. Já na carta 3 foi retirada do livro Redação: Humor e Criatividade, de Branca Granatic, que se trata de uma carta pessoal, esse gênero é utilizado na comunicação com amigos, parentes, namorados, conhecidos. Podemos observar o resultado das respostas dos alunos dessa primeira etapa, através da representação do gráfico. Gráfico 1 - Percentual de identificação das modalidades, justificativa e empregabilidade cartas apresentadas aos alunos. 70% 60% 50% Carta do leitor 40% Carta comercial Carta pessoal 30% 20% 10% 0% Mod. Just. Func. Com o resultado obtido, observamos que referente à carta do leitor apenas 40% dos alunos participantes foram capazes de identificar as modalidades do gênero, 20% a justificativa e 20% a empregabilidade. 11 Com relação à carta comercial 50% dos alunos acertaram a modalidade do gênero e justificativa, e apenas 40% soube a empregabilidade. Já a carta pessoal, houve um aumento no percentual, com 70% dos alunos que acertaram referindo-se a modalidade, a justificativa e a empregabilidade. De acordo com as respostas desta primeira etapa da pesquisa, percebemos que alguns alunos ainda têm dificuldade de distinguir as modalidades do gênero carta, além disso, percebemos a dificuldade do reconhecimento na estrutura, na linguagem, entre outras características do gênero. Em concordância com as respostas dos alunos, Marcuschi (2002) afirma que é possível a identificação de gêneros com dificuldades progressivas, do nível menos formal ao mais formal, do mais privado ao mais público e assim por diante. Alguns estudantes também tiveram dificuldades no momento de registrar sua justificativa no questionário, problemas de pontuação, de ortografia, concordância, no entanto todos deram justificativas coerentes. Como podemos ver a seguir alguns dos problemas: O trecho acima apresenta alguns erros como de pontuação, acentuação na palavra comércio, repetição da palavra e ao iniciar a resposta o aluno não introduz letra maiúscula e no decorrer da resposta mistura as letras maiúsculas e minúsculas. Outro exemplo que apresenta erro ortográfico. 12 Esse aluno (a) cometeu um erro ortográfico na palavra “usada”, mas sua resposta foi coerente. Após os questionamentos sobre as modalidades das cartas apresentadas, foi solicitado aos participantes, justificativas e situação em que cada carta é empregada, onde eles tinham que identificar aspectos relativos à tipologia predominante nas cartas, corpus desta pesquisa, bem como as demais sequências tipológicas eventualmente presentes nas mesmas. Quadro 1: Segunda parte do questionário aplicado aos entrevistados. Assinale a tipologia predominante nas cartas apresentadas. ( ) Argumentação ( ) Descrição ( ) Narração Assinale as tipologias encontradas nas cartas apresentadas. Carta 1 ( ) Argumentação ( ) Argumentação e narração ( ) Descrição ( ) Descrição e narração ( ) Narração ( ) Descrição, argumentação e narração ( ) Argumentação e descrição Carta 2 ( ) Argumentação ( ) Descrição ( ) Narração ( ) Argumentação e descrição ( ) Argumentação e narração ( ) Descrição e narração ( ) Descrição, argumentação e narração Carta 3 ( ) Argumentação ( ) Descrição ( ) Narração ( ) Argumentação e descrição ( ) Argumentação e narração ( ) Descrição e narração ( ) Descrição, argumentação e narração Nas cartas apresentadas, sublinhe com uma linha a parte descritiva; sublinhe com duas linhas a parte narrativa; circule o que for argumentativo. O gráfico abaixo representa o resultado das respostas dos alunos que identificaram as sequências tipológicas. Gráfico 2 - Percentual de identificação das tipologias constituintes no gênero carta. 13 70% 60% Argumentação 50% Descrição 40% Narração 30% Argumentação e descrição 20% Argumentação e narração Descrição e narração 10% Descrição, argumentação e narração 0% Carta do leitor Carta comercial Carta pessoal De acordo com as repostas, podemos afirmar que os alunos não foram capazes de identificar nas cartas apresentadas as características relativas à tipologia predominante inserida no gênero. Marcuschi (2002:25) destaca que “em todos os gêneros também se está realizando tipos textuais, podendo ocorrer que o mesmo gênero realize dois ou mais tipos. Assim, um texto é em geral tipologicamente variado (heterogêneo)”. Ainda afirma que, (2002:27), “quando se nomeia um certo texto como “narrativo”, “descritivo” ou “argumentativo”, não está nomeando o gênero e sim o predomínio de um tipo de sequência de base”. Em relação à última questão, que solicitou para o aluno destacar de cada carta às partes descritivas, narrativas e argumentativas, podemos observar abaixo trecho da resposta de uma aluna. 14 De acordo com a resposta da aluna que destacou com uma linha a parte descritiva da carta do leitor, podemos perceber que a mesma não compreende as características da descrição. O trecho possui verbos no pretérito, além disso, narra fatos que aconteceu, com isso podemos afirmar que o trecho se caracteriza como uma narração, e não como descrição. O fragmento em destaque caracteriza a dificuldade do aluno: O aluno destaca nas 3 primeiras linhas da carta pessoal, uma descrição, na qual o trecho se caracteriza por uma narração, uma vez que os verbos se encontram no pretérito. Outro exemplo referente à dificuldade do aluno: Esse fragmento da carta o aluno não respondeu e logo abaixo justificou que deixou em branco por que não sabia. Com essas amostragens, percebermos a dificuldade dos alunos no que se refere às sequências tipológicas nos gêneros. 4. Considerações Finais Enfatizando o objetivo do trabalho que é apresentar o resultado da pesquisa, com intuito de verificar o nível de conhecimento dos alunos da EJA, podemos afirmar que os alunos têm dificuldades tanto na identificação, na justificação, na funcionalidade e 15 principalmente na indicação das tipologias que compõe o gênero. Alguns não são capazes de distinguir características básicas dos tipos de textos. Essa dificuldade pode ser decorrente do ensino tradicional de Língua Portuguesa que ainda é bastante tradicional nas escolas, que centralizam o ensino de língua materna nas regras estabelecidas como “corretas”, com o objetivo de escrever e falar corretamente. Na maioria das vezes, os professores trabalham de forma tradicional por imposição da instituição ou até mesmo pelos pais dos alunos. A partir do momento em que o professor trabalha a gramática de forma isolada do texto, com frases soltas, os alunos enfrentam dificuldades principalmente no momento da produção textual. A importância dos gêneros textuais é fundamental para o ensino de língua materna, o professor dá mais oportunidade e diversidade ao aluno dos gêneros textuais, que são utilizados socialmente, favorecendo a interação humana. A comunicação se realiza através de gêneros, então, devem-se possibilitar diversidades desses gêneros aos alunos de maneira, que cada um compreenda, produza e utilize-os a cada situação de interação social adequada. Essa diversidade de gêneros possibilita um ensino da língua mais significativo para o aluno, porém sem deixar de enfatizar a gramática, mas de forma contextualizada. Constatamos que os alunos da EJA, participantes desta pesquisa, apresentaram dificuldades de reconhecer as modalidades do gênero, principalmente com relação à indicação da tipologia textual, no qual os alunos não foram capazes de identificar todas as sequências linguísticas no gênero, nos deixando com a conclusão que muitos dos nossos alunos terminam o ensino médio, sem saber reconhecer, relacionar as sequências constituintes nos gêneros. REFERÊNCIAS Ângela Paiva; MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora (orgs.). Gêneros textuais & ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. ANTUNES, I. (2004). Aula de português: encontros e interação. São Paulo: Parábola. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1999. _______. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 16 BRANDÃO, H. N. Texto, gênero do discurso e ensino. In: CHIAPPINI, L. Gêneros do discurso na.escola: mito, cordel, discurso político, divulgação científica. In: 2º ed. 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