EM NOME DO PAI: REFLEXÕES SOBRE A
IMPLEMENTAÇÃO TARDIA DO BENEFÍCIO
PREVIDENCIÁRIO PARA O PAI ADOTIVO NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Ana Claudia Pompeu Torezan Andreucci* & Carla Noura Teixeira**
*Doutora em Filosofia do Direito pela PUC/
SP. Mestra em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Especialista em Estudos de Problemas Brasileiros pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).
Graduada em Direito pela UPM. Graduada
em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero. Professora do Curso de Graduação
da Faculdade de Direito da UPM. Professora do Curso de Graduação em Direito da
Universidade São Judas Tadeu (USJT).
**Doutora em Direito do Estado pela PUC/
SP. Mestra em Direito das Relações Sociais
pela PUC/SP. Especialista em Direito Processual Civil pelas Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU. Graduada em Direito
pela Universidade Federal do Pará - UFPa.
Advogada. Professora dos cursos de graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Universidade Paulista – UNIP.
Nada é impossível de mudar
Desconfiai do mais trivial,
na aparência do singelo.
E examinai,sobretudo,
o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
Nunca digam:Isso é natural!
Pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural.
Nunca digam:Isso é natural!
A fim de que nada passe por ser IMUTÁVEL!
Bertolt Brecht-– A Exceção e a Regra
Sumário
1. Notas propedêuticas : Por que os homens foram “esquecidos” e excluídos? Um fato de ordem natural ou um fato
construído? 2. Salário-adoção para o pai adotivo: necessidade imperativa de justiça social. 3. A Igualdade na Constituição Federal de 1988: o princípio, o meio e o fim. 4. Em prol de um novo construto social: o conceito de pessoa.
Resumo
O presente trabalho tem por objetivo discutir a implementação tardia do benefício previdenciário para o pai adotivo
no ordenamento jurídico brasileiro. A inclusão do novo benefício contribui para a igualdade de homens e mulheres,
singulares nas suas individualidades e plurais na responsabilidade da assunção de papéis diversos na construção
de uma sociedade efetivamente mais igualitária e assume contornos definitivos para cidadãos do presente século.
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“Nada é impossível de mudar
Desconfiai do mais trivial,
na aparência do singelo.
E examinai,sobretudo,
o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
Nunca digam:Isso é natural!
Pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural.
Nunca digam:Isso é natural!
A fim de que nada passe por ser IMUTÁVEL!”
Bertolt Brecht-– A Exceção e a Regra
// Em nome do pai: reflexões sobre a implementação tardia do benefício previdenciário para o pai adotivo
no ordenamento jurídico brasileiro // Ana Claudia Pompeu Torezan Andreucci & Carla Noura Teixeira
cludente, define o sexo, define o gênero, define o destino
de cada um, define a existência, define as possibilidades,
define as desigualdades na práxis social.
1. Notas propedêuticas : Por que os homens foram
“esquecidos” e excluídos? Um fato de ordem
natural ou um fato construído?
“N
ão se nasce mulher, torna-se mulher”, a frase de
autoria de Simone de Beauvoir1 para identificar
as construções históricas e culturais acerca dos
papéis de gênero, considerando homens e mulheres como
diametralmente opostos, nos conduzem - em prol de uma
nova era- a completar seu raciocínio “não se nasce homem,
torna-se homem”. Destaca-se que os conceitos de homem
e mulher são arquitetonicamente construídos e prevalecem
culturalmente entre os povos, gerando inúmeras conseqüências das mais variadas ordens.
A partir desses alicerces e definições outros estigmas vão
sendo alinhavados, tais como “homem não chora”, “ homem deve prover o sustento”, a “mulher deve ser sensível”
“a mulher deve ser mãe”. Tais ideais povoam o imaginário
social e se estabelecem como paradigmas reais na história
da humanidade. Os sexos são excludentes e com papéis
definidos geram o não compartilhamento de funções e se
ratificam por uma existência modelada em funções típicas,
femininas e masculinas, que sob um rótulo taxativo e ex-
Não existem razões naturais, biológicas ou científicas que
expliquem a submissão de um sexo a outro, a fragilidade
de um sexo em relação ao outro são construtos sociais
que ao longo do tempo se estabelecem e passam - a partir
de convenções criadas - a definir arquétipos e papéis no
seio social. Assim, surge a desigualdade, a submissão que
tanto prejudica as mulheres, as grandes personagens despersonificadas de poder, educação e cidadania; mas, também, constrói homens sem afetividade, voltados apenas
para a “vida pública” em detrimento da “vida privada” e
dos laços familiares. Parte-se do pressuposto que sempre
foi assim e assim será. Alguns compreendem como natural
esta diferença entre “sexo forte” e “sexo frágil”, quando na
verdade não é.
Ressalta-se que quando questionadas, delegadas ou afrontadas tais delimitações conceituais do que é próprio do homem ou da mulher, incitariam o debate da própria noção do
ser em sociedade. Sendo assim, como refazer estereótipos
e arquétipos que nos aparecem e se confundem com o próprio trilhar histórico da humanidade?
Atualmente, no século XXI muitas destas certezas - até então imperativas- começam a ser questionadas. O vanguardismo se inicia em transformações ainda tênues na sociedade, mas que aos poucos vão invadindo a literatura, os
filmes, os livros didáticos, os programas televisivos e até
mesmo aqueles ideais tão distantes vão aos poucos se tornando mais corriqueiros e familiares.
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Estamos a falar da situação dos homens, em especial dos
pais, no século XXI, e que no conduzir da história foram protagonistas de papéis definidos como os responsáveis pelo
“espaço do trabalho”, mas que os afastam da noção da
paternidade afetiva, compartilhada e presente, que começa
a ser desenhar nos tempos modernos.
Nesse sentido Aguinaldo José da Silva Gomes e Vera da
Rocha Resende (2004, p.2) declaram que:
Diante de um novo cenário a mulher dona de casa, que
O presente ensaio analisa a questão dos pais e procura
apresentar a não sintonia entre a legislação civil e a legislação previdenciária brasileira no tocante ao homem solteiro,
pai adotivo, ao qual se possibilita legalmente ser adotante a
partir dos 18 anos de idade, mas que até meados de 2013
não se garantia a percepção do benefício previdenciário relativo à adoção, diferentemente das mulheres, mães adotivas às quais o benefício social era devido desde 2002.
2. Salário-adoção para o pai adotivo: necessidade imperativa de justiça social
apenas cuidava da família e exercia o papel de protetora,
também se desvanece para dar lugar à companheira que,
mesmo envolvida emocionalmente com os filhos, pode
desincumbir-se do peso da excessiva presença materna.
Os movimentos, que se observam em tempos de mutação
e transição da paternidade, acenam para um futuro em que
ao pai serão devolvidas.
Há um novo movimento social no qual o homem busca reinventar seu papel; no qual a paternidade convive com o processo de transformações em marcha. Os pais questionam
o silêncio e o distanciamento impostos por determinações
culturais, por meio de várias gerações.
Deverá haver uma revolução paternal, que já se iniciou há
apenas duas décadas, mas serão necessárias várias gerações para concretizar-se efetivamente. Essa revolução
“clama por mudança radical nas mentalidades e profunda
transformação nas condições da vida privada e profissional
que, observamos, estão sendo tecidas nos núcleos familiares contemporâneos, a partir dos conflitos reestruturantes
que nelas se manifestam”. (GOMES & RESENDE, 2004, p.2)
Padre Antônio Vieira destacava “O filho por natureza ama-se
porque é filho, o filho por adoção é filho porque se ama”. Partindo-se desta máxima do autor dos Sermões, a Lei Federal
n.10.421/2002 completa onze anos de existência, ou seja,
um pouco mais do que uma década. A importância dessa
norma foi a inclusão do benefício previdenciário destinado
à mãe adotiva, acrescentando à Lei n. 8.213/91 o art. 71-A.
A edição da norma legislativa - apesar de tardia - representou a consolidação da salvaguarda à maternidade, evoluindo-se do conceito puramente biológico e natural, previsto
no art. 71 da Lei 8.213/91, para vir a prestigiar e proteger a
maternidade adotiva ou legal, advinda da premissa de que
é de absoluta importância o estabelecimento de laços afetivos entre mães e filhos, em especial, dos laços a serem
construídos a partir de um processo de adoção.
Anteriormente à edição da Lei 10.421/2002, ecos de necessária proteção social à mãe adotiva se faziam presentes em
Convenções Coletivas mais vanguardistas, bem como em
Estatutos de Funcionários Públicos pelo Brasil afora, citan-
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do-se, em especial a Lei n. 8.112/90 que rege os funcionários públicos federais, diplomas que eram utilizados como
paradigmas para o ingresso de ações judiciais por parte de
mães adotivas no Brasil.
A partir da vigência da nova lei muitos problemas foram resolvidos em relação ao benefício social, entretanto o art.
71 A da Lei 8.213/91 ganhou contornos nitidamente femininos, delimitando a concessão do benefício apenas às mães
adotivas, com a exclusão dos segurados, pais adotivos, em
total afronta ao princípio da igualdade, ressaltando-se a desigualdade entre os sexos na questão. No ordenamento jurídico brasileiro o conceito para ser adotante é o de pessoa maior de 18 anos. Sendo assim fica
latente que o conceito escolhido foi o de pessoa, não havendo diferenças e privilégios no Diploma Civil Brasileiro,
podendo, assim, um homem solteiro adotar uma criança.
Contudo, a mesma determinação não se seguiu no ordenamento previdenciário que em seu art. 71-A da 8213/91 excluiu
os homens do direito à percepção do benefício em caso de
adoção de criança, ferindo-se em absoluto a máxima da igualdade, dogma postular do Sistema Constitucional Brasileiro.
Importante destacar que a razão da instituição do benefício do salário-maternidade à mãe adotiva foi o de criar
laços de convivência da mãe com a criança adotada, este
é o princípio maior2. Assim, em sendo possível pela própria legislação a adoção de criança por pessoa maior de
18 anos, o homem solteiro maior de 18 anos que adota faz
jus ao benefício. Contudo, ao adentrar aos postos do INSS
para buscar seu direito a norma será aplicada em sua mais
simples literalidade com a exclusão dos pais do benefício
previdenciário.
Inconformados e já fazendo coro contra o problema legislativo muitos são os homens brasileiros que têm buscado a
via judicial para garantia de seus direitos. Os benefícios em
grande parte dos Estados vêm sendo alcançados. Sobre a
questão indispensável trazer à colação o primeiro processo
ajuizado no Brasil e que serviu de paradigma para a construção jurisprudencial sobre o tema, contudo resta esclarecer que este processo teve como autor um funcionário
público federal, ou seja, do Regime Próprio de Previdência
Social, sistema no qual também ocorre a lacuna e afronta
legislativa com a exclusão dos pais adotivos da percepção
do benefício previdenciário.3
Tratava-se de um servidor público federal do Tribunal Regional do Trabalho(TRT) da 15ª região de Campinas- Estado de
São Paulo, que na condição de homem solteiro adotou uma
criança e solicitou administrativamente ao Tribunal a concessão do benefício. A licença foi negada tendo-se por argumento o art. 210 da lei 8.112/90, que trata do regime jurídico
dos servidores públicos civis da União e dita que ´´à servidora
que adotar ou obtiver a guarda judicial de criança de até um
ano serão concedidos 90 dias de licença remunerada´´.
Diante da negativa de natureza administrativa, o processo
foi ajuizado contra o TRT de Campinas, e obteve julgamento favorável - 15 votos a 4- concedendo-se 3 meses de licença ao funcionário público Gilberto Antonio Semensato
de obter a licença para cuidar da filha, adotada por ele aos
quatro meses, traduzindo-se o presente caso desde o ano
de 2008 como primeiro precedente brasileiro sobre o tema.
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Em tempos contemporâneos, mais precisamente no ano
de 2012, apresenta-se, também, a decisão inédita da 1ª
Câmara de Julgamentos do Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS), na qual pela primeira vez, um homem que tem uma união homoafetiva e adotou uma criança
terá direito ao salário-maternidade, concedido pelo CRPS.
A decisão, unânime entre os conselheiros, foi baseada nas
análises da Constituição Brasileira e do Estatuto da Criança
e Adolescência (ECA), que garantem o direito da criança
aos cuidados da família, enfocando que se a adoção é permitida a um homem o benefício também deverá ser, demonstrando a necessidade da Previdência Social avançar
na legislação e se comprometer com os avanços e anseios
sociais.4
No âmbito do Legislativo importante citar a proposta de
projeto de lei de autoria dos senadores Aécio Neves (PSDB-MG) e Lindbergh Faria, membros da Frente Parlamentar
pela Adoção, e que foi aprovado em primeiro turno pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado em julho de
2012. Ressaltando-se que apenas se houver apresentação
de emendas, o projeto passará por uma votação em turno
suplementar. Caso contrário, ele será encaminhado diretamente à Câmara dos Deputados.De acordo com o projeto o
pai adotivo solteiro de uma criança ou adolescente poderia
ter direito à licença de 120 dias no trabalho e a salário correspondente à licença-maternidade pelo mesmo período.
Seguindo essa trajetória histórica e trâmites legislativos,
no dia 25 de outubro de 2013, a presidenta Dilma Rousseff
sancionou a Lei n. 12.873/2013 que altera o art. 71-A da
Lei 8213/91 e concede ao pai adotivo o direito ao benefício
adoção, cabendo transcrever:
Art. 71-A. Ao segurado ou segurada da Previdência Social
que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção
de criança é devido salário-maternidade pelo período de
120 (cento e vinte) dias. (Redação dada pela Lei nº 12.873,
de 2013)
§ 1o O salário-maternidade de que trata este artigo será
pago diretamente pela Previdência Social. (Redação dada
pela Lei nº 12.873, de 2013)
§ 2o Ressalvado o pagamento do salário-maternidade à
mãe biológica e o disposto no art. 71-B, não poderá ser
concedido o benefício a mais de um segurado, decorrente
do mesmo processo de adoção ou guarda, ainda que os
cônjuges ou companheiros estejam submetidos a Regime
Próprio de Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 12.873,
de 2013)
A lei teve por principal lobby as diversas ações judiciais que
tramitavam pelo Brasil afora, e que em sua grande maioria vinham obtendo ganho de causa. Ao se editar a Lei n.
12.873/2013 garantiu-se, apesar de tardiamente, um papel
fundamental no tocante à igualdade de gênero.
Também, há de ser dito que foram corrigidas distorções da
Lei 10.421/2002 quanto à concessão do benefício limitado à
crianças até 8 anos, em total afronta ao Estatuto da Criança
e Adolescente que define criança como até 12 anos incompletos, bem como do escalonamento da idade da criança
( quanto menor fosse, maior seria o benefício). A partir de
agora crianças de até 12 anos de idade passam a fazer jus
ao benefício de 120 dias.5
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Contudo, há de ser salientado que a nova lei cria uma nova
desigualdade e que agora será entre pais adotivos e pais
biológicos, pois nova lei estende o benefício ao pai adotante mas mantém o pai biológico sem esse direito, assim, se a
mãe biológica não for segurada mas o pai biológico for segurado, nenhum deles terá direito ao salário-maternidade.
À título de Direito Comparado destaca-se que os Códigos do
Trabalho da França, Espanha e Itália garantem aos pais adotivos, independente se homem ou mulher, o direito ao benefício.
O Código do Trabalho de Portugal, em seu artigo 38, disciplina
a questão delimitando que em caso de adoção de menor de
15 anos, o adotante, homem ou mulher, tem direito a 100 dias
consecutivos de licença para acompanhamento do menor.
Conclui-se, por momento, que a concessão tardia do benefício do salário paternidade ao pai adotivo no Direito Previdenciário Brasileiro afrontou durante mais de uma década
um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, qual seja, o princípio da isonomia que analisaremos
no tópico a seguir.
3. A Igualdade na Constituição Federal de 1988: o princípio, o meio e o fim
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, a segurança e a propriedade (...)” estabelece o caput
do art. 5º da Constituição Federal de 1988.
No atual Texto Constitucional o princípio da igualdade ga-
nhou nova concepção bastando para confirmar tal assertiva uma análise da sua inserção topológica. Neste sentido,
Carmem Lúcia Antunes, Ministra do Supremo Tribunal Federal, destaca que nas Constituições anteriores o princípio
da igualdade apresentava-se entre os incisos ou parágrafos
do artigo relativo aos direitos fundamentais reconhecidos e
assegurados. O Texto Magno de 1988 instaura no art. 5º,
caput, os direitos e garantias fundamentais com a referência expressa ao princípio da igualdade jurídica, sinalizando,
segundo a autora, um tratamento diferenciado ao princípio
como forma de estruturá-lo como alicerce na nova ordem
constitucional brasileira.
Conclui-se, assim, um novo status ao princípio da isonomia
objetivado pelo Constituinte de 1988, devendo ser concebido como base para o sistema e norteador da melhor hermenêutica e aplicação do Direito.
Convém destacar que, no Preâmbulo da Carta de 1988 a
igualdade, também foi declarada como valor: “a liberdade,
a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade
e a justiça, foram citados como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada
na harmonia social e comprometida, na ordem interna e
internacional”.
Importantíssimo salientar que o princípio da igualdade assegurado na Carta Cidadã de 1988 comporta análise em
suas duas dimensões, quais sejam, a igualdade material e
a igualdade formal.
Compreende-se por igualdade formal aquela estabelecida como ideal, perante a lei. Prescreve o art. 5º da CF/88
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“igualdade de todos perante a lei”. A igualdade formal garante o tratamento de todos os cidadãos de maneira isonômica, não sendo admitidos privilégios e perseguições tendo
por instrumento a lei. É conceito destinado, entre outros, ao
legislador, incumbido de garantir um tratamento igualitário
de todos perante o ordenamento legal.
há justificativa racional, isto é fundamento lógico, para, à
vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico
tratamento jurídico construído em função da desigualdade
proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação
ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia
Celso Ribeiro Bastos (2002, p.318) considera que o princípio da igualdade formal é encontrado na maior parte das
Constituições Ocidentais, e tem sua origem a partir da
Revolução Francesa, pautada como lema nos ideais de
Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Destaca o autor que
referida igualdade consiste no direito de todo cidadão não
ser desigualado pela lei a não ser de acordo com critérios
agasalhados pelo ordenamento constitucional.
J. J. Gomes Canotilho (1991, p.401) assevera que haverá
observância da igualdade “quando indivíduos ou situações
iguais não são arbitrariamente (proibição do arbítrio) tratados como desiguais. Por outras palavras: o princípio da
igualdade é violado quando a desigualdade de tratamento
surge como arbitrária”. E segue o ilustre autor, esclarecendo que “existe uma violação arbitrária da igualdade jurídica
quando a disciplina jurídica não se basear num: (I) fundamento sério; (II) não tiver um sentido legítimo; (III) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável”.
Seguindo a mesma linha de pensamento Celso Antônio
Bandeira de Mello (1995, p. 32) apresenta critérios para aferição da discriminação, expondo:
(...) investigar, de um lado, aquilo que é adotado como
critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se
com eles.
Em suma: importa que exista mais que uma correlação
lógica abstrata entre o fator diferencial e a diferenciação
conseqüente. Exige-se, ainda, haja uma correlação lógica
concreta, ou seja, aferida em função dos interesses obrigados no direito positivo constitucional. E isto se traduz na
consonância ou dissonância dela com as finalidades reconhecidas como valiosas na Constituição.
Em outro aspecto, a Constituição de 1988 garante a aplicação do princípio da igualdade material ou igualdade real
que se constitui como a igualdade na realidade fática, nas
relações sociais e no seio da sociedade. Com base na
igualdade material o Texto Magno estabelece proteção e
salvaguarda especial, por meio de políticas públicas a situações que merecem ser igualadas.
Impende reiterar que o princípio da igualdade jurídica já
não mais se encontra cingido a uma igualdade formal ou
isonômica, mas aos poucos vai se afirmando como uma
igualdade material, por meio da implementação consciente
e necessária de hábeis políticas públicas voltadas à minoração das desigualdades e a instauração de uma isonomia
real. A declaração da igualdade perante a lei é imprescindível no campo do reconhecimento de direito, mas o efetivo
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exercício dos direitos sociais, que garantem patamares mínimos de acesso a bens considerados essenciais, garante a
igualdade material. (FRISCHEISEN, 2007, p.62)
É, também, no Texto Constitucional que encontramos a
missão da Previdência Social, que se constitui como um
dos elementos da Seguridade Social, nos termos do art.
194: “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da
sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à
saúde, à previdência e à assistência social”.
dos nas leis que regem o sistema e os incisos do art. 201 da
Carta Magna de 1988 traduzem as contingências e que são
objeto de amparo social. Cumpre transcrevê-lo:
Art. 201 ( ...)
I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e
idade avançada;
II – proteção à maternidade, especialmente à gestante;
III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego
voluntário;
IV- salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes
dos segurados de baixa renda; e
Nestes termos, a seguridade social, constitucionalmente
engendrada por princípios previstos no art. 194 da CF/88,
tem por objetivos principais a consolidação de um Estado de
Bem-Estar Social, cumprindo seu papel institucional de busca pela justiça e paz social, com a redução das desigualdades, promoção da dignidade da pessoa humana e proteção
do homem diante vicissitudes e necessidades sociais.
Consoante as disposições do art. 201 da CF/88 percebemos as características básicas da previdência social: caráter contributivo, filiação obrigatória, proteção a riscos determinados pela legislação e equilíbrio financeiro e atuarial. É,
portanto, a previdência social a institucionalização estatal
de um seguro, destinado à pessoa, filiada ao sistema, e vitimada pela necessidade social. Pode ainda ser entendida
como meio dotado de eficácia do qual se utiliza o Estado
no intuito de proceder à distribuição da riqueza nacional,
objetivando o bem-estar da coletividade.
O sistema da previdência social protege riscos determinados especificados na lei. Tais riscos encontram-se delimita-
V- pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao
cônjuge ou companheiro e dependentes.
Verifica-se, portanto, que a Constituição Federal de 1988
relaciona os eventos merecedores de proteção social e neste intuito devem ser entendidos como aqueles capazes de
colocar em situação de necessidade os que vierem a ser
atingidos por tais ocorrências.
Impõe dizer que no campo da seguridade social, o ato de
selecionar é atribuído ao legislador que entre as necessidades e contingências sociais deverá escolher aquelas mais
propícias e indispensáveis para serem implementadas. Traduz-se como um comando de imperativa aplicação e que
deverá estar pautado na instauração de políticas públicas
que atendam aos objetivos conclamados no Texto Constitucional. Hão de ser escolhas legítimas, fundamentadas e
voltadas à produção de bem-estar e justiça social
Partindo, do binômio necessidade-possibilidade caberá ao
legislador identificar as contingências e verificar as possibi-
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lidades financeiras para a criação e implementação de novos benefícios, respeitado sempre a máxima da isonomia.
Consideramos, também, que a seletividade impõe ao legislador um molde a ser cumprido levando-se em conta o contexto social, cultural, político e econômico como esteio e
fonte motivadora para a seleção das contingências sociais.
Deve o legislador no momento da escolha atentar para o
momento histórico priorizam as contingências sociais que
reflitam em absoluto as necessidades a serem prestigiadas..
Assim, no campo da seguridade social o binômio seletividade-distributividade vislumbra-se como a escolha das
necessidades sociais mais imperativas e a distribuição
de tais benefícios/serviços aos indivíduos mais necessitados, de forma a abranger o maior número de destinatários, visando a produção efetiva da promoção de justiça
e bem-estar social.
No caso em questão não existe qualquer motivo autorizante
de tratamento discriminatório dado ao homem, há sim uma
norma de natureza inconstitucional, discriminatória e que
fere um sobreprincípio da CF/88: o princípio da dignidade
da pessoa humana.
Pela leitura detida aos ensinamentos acima transcritos podemos concluir que para a instituição de um tratamento
diferenciado deverá haver um fundamento dotado de razoabilidade, assegurando uma relação lógica entre os meios e
os fins da norma desigualadora. Ademais, para a existência
da norma desigualadora é pressuposto indispensável a sua
conformação aos valores Constitucionais, sempre dentro
de uma interpretação sistemática e teleológica.
Informa Fábio Konder Comparato (1998, p. 17) que se a
igualdade de tratamento jurídico é reconhecida como um
princípio constitucional inerente ao regime democrático,
quer isto significar que a força desse princípio se impõe a
todos os ramos do Estado; não só ao aplicador da lei, na
esfera administrativa ou judiciária, mas também ao próprio
legislador. Em outras palavras, quando a Constituição proclama todos são iguais perante a lei (art. 5º, caput) ela está
proibindo implicitamente, quer a interpretação inigualitária
das normas legais, quer a edição de leis que consagrem,
de alguma forma, a desigualdade vedada. Ao lado, pois de
uma desigualdade perante a lei, pode haver uma desigualdade da própria lei, o que é muito mais grave.
No tema em tela fica latente a escolha legislativa de incluir
tardiamente o homem adotivo na percepção do benefício
previdenciário, já que no seio social é noção cediça que
grande parte das adoções ocorre por casais, sendo exceção – ainda- as adoções por homens solteiros. Foi uma escolha de natureza legislativa, mas que afrontou por mais
de 11 anos o princípio da igualdade, mas mais do que isso
afronta os novos tempos e o novo comportamento de homens que pretendem adotar e constituir uma família.
4. Em prol de um novo construto social: o conceito de
pessoa
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Finalmente e a título de conclusão consideramos que, enquanto os benefícios e proteções sociais continuarem tendo
a mulher como foco principal, fomentaremos as diferenças
e as desigualdades permanecerão e, por via de conseqüência, excluiremos homens e mulheres sempre, da vida em
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Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu
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// Em nome do pai: reflexões sobre a implementação tardia do benefício previdenciário para o pai adotivo
no ordenamento jurídico brasileiro // Ana Claudia Pompeu Torezan Andreucci & Carla Noura Teixeira
geral, quer seja no âmbito público ou no privado. Homens e
mulheres devem ser incluídos.
BALLESTEROS, Jesús (Org) Derechos Humanos. Madrid:
Gráficas Molina, 1992.
O conceito que consideramos o necessário a ser adotado
é o de pessoa. A pessoa deve ser compreendida como
finalidade primeira e última da sociedade e do Direito. O
compartilhamento e a combinação de papéis que evoluam para um ideal mais humanista, afastando estereótipos, modais e, principalmente, propugnando pela igualdade de gênero.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional.
São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002.
Esta reconciliação – feminino e masculino - supõe a ideia
de uma dualidade de elementos que tiveram que se separar, e até que se opor, e para isso trabalharam com a ideia
dialética dos opostos, mas que por meio da reconciliação
encontrarão uma síntese não mais no conceito homem e
mulher, mas sim no conceito mais humanista de pessoa, a
nortear as relações sociais, culturais e jurídicas. A nortear o
futuro, a nortear uma nova era.
BOFF, Leonardo. Feminino e masculino: uma nova consciência para o encontro das diferenças. Rio de Janeiro: Sextante, 2002.
REFERÊNCIAS
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Notas
1. Uma das maiores expoentes do Feminismo no Século XX. Desenvolveu seus estudos na França ao lado de seu companheiro o filósofo Jean Paul
Sartre. Sua principal obra foi “O segundo sexo” na qual a autora discute as questões relativas à submissão da mulher e a desigualdade de gênero a
partir de construções históricos culturais e sociais.
2. Sobre o tema ver ANDREUCCI, Ana Claudia Pompeu Torezan. Salário-Maternidade da Mãe Adotiva. São Paulo: LTr, 2006.
3. http://www.jurid.com.br/. Acesso em 3 de fevereiro de 2014.
4. http://www.uol.com.br/. Acesso em 3 de fevereiro de 2014.
5. Conforme defendemos na obra ANDREUCCI, Ana Claudia Pompeu Torezan. Salário-Maternidade da Mãe Adotiva. São Paulo: LTr, 2006
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