BLOG, MAIS UM GÊNERO DO DISCURSO DIGITAL?
Ana Cláudia Barreiro Gomes PEREIRA
(Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)
ABSTRACT: This study has as principal argument the weblogs as a communication spaces, where we can find
many discourse genres. The idea of this research is that a weblog isn’t a digital discourse genre, as mencioned
by authors as Marcuschi (2004, 2005). By the way, this tool will be investigated to understand her
communicative and linguistic nature, specially by her growing, uses at many different contexts – educationals,
academics, socials, journalistics etc.
KEYWORDS: Weblogs, Digital Context, Digital Discourse Genres, Virtual Comunities.
1. Introdução
“(...) Só que agora, finzinho do finzinho do século, surgiu um outro
tipo de casamento. O casamento de letras. Letras de textos.
Apaixona-se, hoje em dia, pelo texto. Via Internet. (...) Começa no
chat, com o texto. (...) Moças de vírgulas acentuadas, exclamações
sensuais e risos de entortar qualquer coração letrado ou iletrado.
(...) Sim, pela primeira vez nesta nossa humanidade já tão velhinha,
as pessoas estão se conhecendo primeiramente pela palavra escrita.
E lida, é claro. (...) Jamais, em tempo algum, o brasileiro escreveu
tanto. E se comunicou tanto. E leu tanto. E amou tanto”.
Mário Prata, 2000.
Observando as manifestações lingüísticas surgidas na rede mundial de computadores a
cada dia, o objeto deste trabalho, o Blog, despertou interesse para ser investigado devido ao
seu crescimento no mundo virtual, e para compreensão da linguagem tal como vem se
manifestando em novos espaços de comunicação como este.
Partindo da experiência prática que venho realizando por exemplo como docente de
cursos de graduação em Pedagogia e Educação Artística, nos quais tenho utilizado o Blog
como apoio à disciplina Informática Aplicada a Educação1, nas aulas, percebo o quanto, num
primeiro momento, alguns alunos apresentam certa resistência em criar seu Blog, mas, depois
de explorar suas potencialidades, por exemplo, quando aprendem como inserir uma imagem,
editar um texto, introduzir um link, muitos passam a utilizá-lo além das paredes da instituição,
transformando-o em um espaço realmente seu, particular, à imagem do blogueiro que
descobrem ser.
Ainda, há o interesse acerca de sua natureza, comunicativa e lingüística, através da
observação do crescimento de seus usos e diferentes aplicações em contextos tão diversos –
jornalísticos, educacionais, empresariais e outros – refletindo esta natureza variada, sem
padrões lingüísticos estáveis. Assim, o olhar desta investigação foca suas partes constitutivas
de forma a entendê-lo mais profundamente.
A análise dos Blogs estudados visa entender suas potencialidades como mecanismo de
comunicação; entender o que faz um anônimo expor-se com tanta facilidade em seu espaço;
levantar os motivos que unem determinados blogueiros em comunidades, algumas vezes não
explicitamente definidas, mas que carregam características claras de rede social, como a
solidariedade, a participação, a intenção de pertencer a um grupo e até mesmo a incluir
blogueiros nas comunidades já existentes.
1
Na faculdade Mozarteum de São Paulo – www.mozarteum.br
516
Dentro deste contexto, estudar a questão dos gêneros digitais pareceu-me um
interessante ponto de partida como forma de obter subsídios lingüísticos para analisar a
formação de redes sociais. Esta dúvida me encaminhou à discussão se o Blog é um gênero do
discurso digital ou se nele encontram-se diversos gêneros, ou seja, tipos de textos que
codificam traços e estruturas dos eventos sociais, bem como os propósitos dos participantes
discursivos envolvidos.
Parte-se, para isso, do estudo sobre gêneros à luz de Bakthin (2003) e Kress (1989) e
das idéias de Marcuschi (2004, 2005), quando menciona gêneros digitais emergentes (ou do
discurso digital) do qual o Blog seria um exemplo.
Acredito serem estes alguns dos argumentos que justifiquem uma pesquisa nesta linha
de investigação. Desta forma, para iniciar e esclarecer o que é um Blog, faz-se necessário
conhecer um pouco de sua história e do contexto no qual foi criado.
2. Blog – como surgiu e o que é
A principal versão é de que Jorn Barger - autor de um dos primeiros FAQ2 teria sido o
primeiro usuário de um Blog e que este era um espaço utilizado para descrever sites pessoais
atualizados frequentente com comentários e links. O Blog de Barger de aparência diferente
dos atuais, mantém a mesma interface de quando foi criado e não poderia ter sido criado por
quem não entendesse de linguagem HTML3 e soubesse construir sites, como acontece
atualmente, possibilitando, pela facilidade de manuseio, que qualquer pessoa construa seu
Blog, mesmo que não esteja familiarizada com esta tecnologia.
Fig. 1 – Primeiro Blog: www.robotwisdow.com
Pesquisando a blogosfera, encontra-se diversos espaços que têm se tornado palco para
discussão de assuntos diversos, apresentação de informação, troca de idéias... E não somente
na esfera pessoal. Há várias empresas que vêm utilizando esta tecnologia para comunicação
interna e tomada de decisão conjunta. O Blog já extraplou a função de “diário virtual” para
cair no gosto de pessoas de diversos segmentos da sociedade. Segundo Beiguelman (2003, p.
1), o Blog “tem jeito de onomatopéia, mas não é. (...) Derivada de web log ou weblog, está na
boca do povo (...) e define um site pessoal, ou comunitário, sem finalidades comerciais, que
utiliza um formato de diário com registros datados e atualizados freqüentemente”.
2
3
Frequently Asked Questions: Sistema de perguntas e respostas previamente preparadas.
Hyper Text Marked Language
517
Há Blogs como o de uma alfaiataria em Londres – a English Cut - que mantém seu
espaço na web dando explicações sobre como se faz um bom terno, com descrições
minuciosas de tecidos e de como identificar uma peça de bom corte.
O autor, proprietário da empresa, também utiliza o espaço para contar de suas viagens,
como um diário, mas, sempre mostrando as peças que produz no contexto da postagem. O
Blog multiplicou as encomendas que a empresa recebe. Muitas pessoas tornaram-se clientes e
querem ter um terno da English Cut, o que é bastante interessante. Estaria relacionado ao
sucesso virtual da empresa? Pode ser uma boa questão a investigar...
Figura 2 – Blog de empresa: www.englishcut.com
3. Blog é gênero do discurso ou nele manifestam-se vários gêneros?
A discussão acerca da estrutura lingüística do Blog encontra-se acirrada, por um lado
pelas contribuições de Marcuschi (2004) quando introduz a discussão deste tema –
acrescentando Chats, fóruns de discussão via Web e emails - buscando caracterizá-lo como
gênero digital e, de outro lado, quem não o considere um gênero específico, mas, sim, um
espaço de comunicação no qual, num plano mais pragmático, funcionaria como um sistema
menos complexo e mais rápido para que textos e fotos sejam disponibilizados na rede mundial
de computadores, facilitando, assim, a fabricação de páginas por pessoas sem muito
conhecimento técnico sobre o funcionamento deste veículo (Schittine, 2004).
Neste espaço, a relação entre o blogueiro e seu leitor é construída através da
linguagem utilizada na escrita dos posts4 e respostas aos comentários dos visitantes. Daí a
pertinência de olhar esta linguagem e pensar sobre que tipo de gênero foi escolhido para
anunciar, por ela, os pensamentos do blogueiro.
O Blog é um espaço em que palavras, imagens, indicação de links e a organização de
tudo isso tem grande suporte da linguagem para existir e, conseqüentemente, neste contexto, a
4
postagens que o dono do Blog faz para serem lidas e comentadas pelos visitantes.
518
linguagem passa a exercer papel fundamental, pois ela será o meio pelo qual os visitantes
serão conquistados, podendo vir, a partir da relação que construírem, a formar redes sociais.
É possível encontrar alguns estudos, com investigação na linha da Lingüística, que têm
como seus objetos de investigação e-mails, chats (Crystal, 2001), fóruns de discussão (Corrêa,
2003; Pereira, 2004, Sanches, 2005), aulas virtuais (Beach & Lundell, 1998; Arruda, 2005) e
home pages (Komesu, 2001; Fernandes, 2004). Certamente que há muito ainda a investigar
nesta área, mas parece ser um começo interessante. E as tecnologias da informação e
comunicação têm provocado um impacto na utilização desses objetos e demandado mais
pesquisas.
Assim, fui olhar diversos Blogs da lista de preferidos do público em provedores como
Uol e Blogger5. Percebi que as formas composicionais e estilísticas para expressar as idéias
dos blogueiros são bastante variadas, ou seja, é possível encontrar diferentes gêneros nos
Blogs. Assim, minhas navegações têm ido contra a posição de que este espaço de
comunicação tem uma estrutura determinada, rígida, que o transformaria em mais um gênero
do discurso (digital). Se utilizamos a linguagem a partir de interesse, intencionalidade e
finalidade específicos de cada atividade, os enunciados lingüísticos se realizarão de maneiras
diversas, inclusive num mesmo espaço. No caso do Blog, um exemplo seria o
http://gabrielapegurier.blog.uol.com.br, no qual a blogueira ora posta um texto (Blog
Literário), uma receita, ora fala de si e da sua vida (Blog Diário).
5
www.uol.com.br/blog e www.blogger.com
519
Figura 3 – Post no Blog de Gabriela em 22/03/2007: receita.
Neste Blog manifestam-se vários gêneros discursivos: receita, diário pessoal, notícia
entre outros. A cada dia a autora escreve de maneira diferente e, para isso, utiliza-se de
recursos dferentes.
Segundo Marcuschi (2004, 2005), “os gêneros são formas sociais de organização e
expressões típicas da vida cultural” (p. 16), como prova, parecer, tese de doutorado,
nomeação etc. Desta forma, o Blog, que pode abrigar diferentes gêneros não pode ser
considerado um gênero. Nele podem manifestar-se diferentes gêneros e, muitas vezes no
mesmo Blog encontraremos essa diversidade.
A linguagem é um sistema de significações que medeia a existência humana, como
concebido por Halliday (1989), o que possibilita a riqueza de formas variadas de expressão
dos sentimentos e idéias humanas. E há, ainda, uma outra questão que precisa ser posta em
discussão: o próprio Marcuschi (2005) levanta a necessidade de cautela ao definir e identificar
gêneros digitais, visto que a natureza da tecnologia que os abriga, em vertiginoso avanço,
pode invalidá-los com grande rapidez.
520
Figura 4- Post no Blog de Gabriela em 19/03/2007: comunicação de evento.
Ainda, o autor apresenta como contraparte do Blog o diário pessoal, as anotações e as
agendas. Pergunto: seriam a mesma coisa, com a única diferença do meio através do qual são
mediados? Acredito que podemos, sim, transferir material destes gêneros para o Blog, o que
garantiria a existência destes e não a criação de um novo gênero.
521
Figura 5 – Post no Blog de Gabriela em 20/03/2007: relato pessoal.
Pode-se oferecer a esta discussão, como um paralelo, o Jornal. Nele aparecem
diferentes gêneros – carta de leitor, carta ao leitor, notícia, receita... O mesmo acontece com o
Blog. Pode haver manifestação de vários gêneros o que o transforma num espaço de
comunicação e não num gênero digital emergente, ou do discurso digital.
O que encontramos, na verdade, nos leva a crer que os eventos discursivos postados
num Blog relacionam-se com a intenção do blogueiro de comunicar seus pensamentos, as
notícias a que teve acesso (inclusive com vídeos e músicas), seus escritos de um modo geral e
outras coisas.
Se o gênero é um sistema estruturado em partes, com meios específicos para fins
específicos (Viana Jr. & Lima-Lopes, 2005), por quê, então, o Blog seria considerado um
gênero? É necessário encaminhar o olhar para a diversidade de Blogs que se encontra na rede
mundial de computadores. Fins específicos para meios específicos. Isto supõe gêneros
específicos para comunicar idéias variadas.
Comunicar idéias pressupõe maneiras particulares. Cada indivíduo encontra um modo,
o seu modo, que pode ser diferente a cada tema que tem a expor ou o mesmo. É particular.
Mesmo nos Blogs coletivos, ou seja, aqueles em que mais de um blogueiro faz postagens,
cada autor dá a sua característica ao texto e isso pode significar gêneros diferentes.
O Blog não pode, portanto, ser considerado um gênero virtual emergente! Ele
comunica as idéias de seus autores para públicos diversos, de modos diversos, utilizando-se
de diversos gêneros para isso...
522
Referências
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BEIGUELMAN, Gisele. Blogs: existo, logo publico. 2003. In:
http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/1578%2C1.shl, consultado em 02/01/2006.
HALLIDAY, Michael Alexander Kirkwood. Part A. In: Halliday, M. A. K. & Hassan, R.
Language, Context and Text: Aspects of Language in a Social-Semiotic Perspective. Oxford,
OUP, 1989.
KRESS, Gunther. Linguistic Processes in Sociocultural Practices. Oxford, OUP, 1989.
MARCUSCHI, LUIZ ANTONIO. Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia
digital. In: MARCUSCHI, L. A. & Xavier, A. Hipertexto e Gêneros Digitais: novas formas
de construção do sentido. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.
_____. Gêneros textuais: configuração, dinamicidade e circulação. In: KARWOSKI, A. M.,
GAYDECZKA, Beatriz, BRITO, K.S. (Orgs.). Gêneros textuais: reflexões e ensino. União da
Vitória: Kaygangue, 2005.
SCHITTINE, Denise. Blog: comunicação e escrita íntima na Internet. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2004.
VIANA Jr., Orlando. & Lima-Lopes, R. E. A Perspectiva teleológica de Martin para a análise
dos gêneros textuais. In: MEURER, J. L., BONINI, Adair, MOTTA-ROTH, Désirée (Orgs.).
Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola, 2005.
523
Download

Ana Cláudia Barreiro Gomes PEREIRA