R E P P I L @ DUQUE DE CAXIAS: A CONSTRUÇÃO DO MITO1 Genivaldo Gonçalves Pinto2 [email protected] Maria Medianeira Padoin3 [email protected] Resumo: O presente trabalho objetivou investigar como foi construído o mito histórico de Caxias através de uma pesquisa bibliográfica, complementada com a documental. Pretendeu-se rever a historiografia sobre o tema a partir do olhar da “Nova História Política” e, para tanto, realizou-se um levantamento e coleta de dados na bibliografia de cunho teórico, bem como naquela que trata da atuação e vida de Caxias. Contemporâneo de muitos conflitos, desde os vinte anos de idade, esteve presente em quase todos eles. Atuou de forma pacificadora, o que lhe gerou a correspondente alcunha de “O Pacificador”. À frente do Exército Imperial, também participou da construção da paz e do estabelecimento de um estado de direito nos nossos vizinhos Platinos, sempre coroado de sucesso. Na construção da República, Duque de Caxias foi entendido como o melhor exemplo de cidadão símbolo da unidade nacional. Possivelmente não estaria em um fato isolado o motivo para se perpetuar essa imagem de herói, de mito. Esse não é um atributo natural, pois o mito existe pelo reconhecimento coletivo. Dessa forma, o mito Caxias é o resultado de uma construção social e, portanto, cultural. Palavras-chave: Mito, Herói, Conflito, Duque de Caxias e Símbolo. Abstract: This present work aimed at to investigate how was build the historical myth of Caxias trough a bibliography research, complemented whit document search. Intend review a historiography about the theme start look from a “New Politic History” and, for so much, accomplish a survey and collect of data in bibliography like theoretical, well as that which treat of actuation and life of Caxias. Contemporary a lot of conflicts, since 20 years old, being present in almost all theirs. Actuate in pacifying way, what generate his corespondent surname of “ The Pacifier”. In front of imperial army, participate too from construction of peace and establishment of a state of rights on our neighbor Platinos, always acclaim the success. In construction of Republic, Duque de Caxias was understand like the best example of citizen, symbol of national unit. Possible do not stay in one single fact the motive for perpetuate this image of hero, of 1 Monografia do Curso de Especialização em História da América Latina: O Cone Sul, do Centro Universitário Franciscano. 2 Aluno do Curso Mestrado em Integração Latino-Americana MILA/UFSM. 3 Professora Orientadora. 104 R E P P I L @ myth. This do not are an natural attribute, because the myth exist trough the collective recognition. This way, the myth Caxias is the result of an social construction and, as cultural. Key words: Myth, Hero, Conflict, Duque de Caxias and Symbol. INTRODUÇÃO Ao longo do século XX, a historiografia oficial construiu e consolidou em torno da figura de Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, uma imagem de herói nacional baseada nos seus feitos militares. Essa construção foi fomentada pelo Exército Brasileiro, principalmente após elevação do insigne militar à categoria de seu patrono, fazendo dele também um dos mais ilustres brasileiros de todos os tempos. A par da construção do herói também estava o interesse em fazer do Exército uma instituição mantenedora e símbolo da República recém-nascida, transformando-o num dos seus sustentáculos mais tenazes e confiáveis. Os objetivos específicos deste trabalho são os de investigar como foi construída essa imagem pelos intelectuais republicanos e de analisar quais os significados de sua construção. A metodologia foi encaminhada através de uma pesquisa bibliográfica, complementada com a documental sob a perspectiva da “Nova História Política”, contemplando, desta forma, as linhas de pesquisa de História dos Países do Cone Sul - Séculos XIX e XX. A contribuição desta pesquisa está na proposta de uma nova forma de olhar para a história de Caxias, e perceber como se deu a construção desse mito. O presente trabalho encontra-se estruturado da seguinte forma: A Construção do Mito, onde elucida-se sobre a definição e os significados envoltos no termo “mito”; História de Vida de Luiz Alves de Lima e Silva: uma síntese, em que se procura enfocar os dados mais significativos de sua carreira e a influência, no exercício da profissão, proporcionada pela intensa e próxima presença de seus familiares militares; Caxias na Percepção da Historiografia Oficial, informa como o biógrafo oficial Affonso de Carvalho, escreve sobre ele, e comentários sobre outros dois biógrafos também relevantes; Revolução Farroupilha e a Surpresa de Porongos relata como conseguiu articular o desfecho da Revolução; A Espada Invencível relata a sua carreira sem derrotas; A República e a Construção do Mito de Caxias relata como os republicanos o enalteceram e fizeram dele um dos maiores símbolos da Pátria, com que significados a República Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 103-127, 2003. 105 R E P P I L @ apropriou-se dos seus feitos para a causa cívica fundadora da nova ordem e, por último, uma Conclusão. A construção do mito Normalmente, quando se infere algum pensamento para o entendimento do que vem a ser mito, esse pensamento pode coincidir com a tradicional idéia de fábula, ficção, invenção, ligada normalmente ao sagrado, ao religioso. Assim, para iniciar a abordagem do tema, é necessário definir-se o que é mito. “Etimologicamente, mito vem do grego, mythos, e deriva de dois verbos: do verbo mytheyo (contar, narrar, falar alguma coisa para outros) e do verbo mytheo (conversar, contar, anunciar, nomear, designar)” (CHAUI, 1999, p. 28). Contudo, encontrar uma definição de mito que caiba em qualquer tempo, em qualquer espaço e em qualquer cultura pode transformar-se em uma tarefa árdua e desprazível. Após dialogar com algumas formas de entendimento dessa definição, a que melhor preenche as necessidades para o presente objeto de estudo é a de que o mito vivificado através da construção de um herói é o símbolo maior, um exemplo a ser seguido pelos que professam o mesmo tipo de ideal, e que, pelo seu comportamento irretocável e suas vitórias sobre todos os obstáculos que se lhe puseram, possibilitou à coletividade dos que dele dependiam uma vida menos infeliz e com possibilidades de futuro. Nesse sentido, referenda-se o que ELIADE afirma: O mito em si mesmo, não é uma garantia de ‘bondade’ nem de moral. Sua função consiste em revelar os modelos e fornecer assim uma significação do Mundo e à existência humana. Daí seu imenso papel na constituição do homem. Graças ao mito, como já dissemos, despontam lentamente as idéias de realidade, de valor, de transcendência.( ... ) Os mitos, em suma, recordam continuamente que eventos grandiosos tiveram lugar sobre a Terra, e que esse ‘passado glorioso’ é em parte recuperável. A imitação dos gestos paradigmáticos tem igualmente um aspecto positivo: o rito força o homem a transcender os seus limites, obriga-o a situar-se ao lado dos Deuses e dos Heróis míticos, a fim de poder realizar os atos deles. Direta ou indiretamente, o mito ‘eleva’ o homem (1963, p. 128). Assim, entende-se Luiz Alves de Lima e Silva, Duque de Caxias, Patrono do Exército Brasileiro, o soldado mais experimentado de sua Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 103-127, 2003. 106 R E P P I L @ época, mais laureado, e que se tornou um herói, um mito, um símbolo de glória, um personagem de muitos significados e uma referência para os ideais republicanos. O seu exemplo foi trazido e vivificado até os dias de hoje como um modelo de vida. Para os militares, é a melhor imagem de soldado e cidadão, um verdadeiro espelho a guiá-los. Ainda para eles, Caxias fomentou o ideal de nação, ao servir de “cimento” na pacificação de todos os focos de desunião e ao intervir, salvaguardando os interesses do Império nas questões Platinas e, por fim, na Guerra do Paraguai. História de vida de Luiz Alves de Lima e Silva: uma síntese Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, nasceu em 25 agosto de 1803, na fazenda de São Paulo, no Taquaru, Vila de Porto da Estrela, na Capitania do Rio de Janeiro, quando o Brasil era ViceReino de Portugal. Hoje, é o local do Parque Histórico Duque de Caxias, no Município de Duque de Caxias, no Estado do Rio de Janeiro. Faleceu em 7 de maio de 1880, na Fazenda de Santa Mônica, próxima a Vassouras, hoje Estado do Rio de Janeiro. Ao cumprir o desejo familiar de assentar praça4 como cadete, aos cinco anos de idade, situação possibilitada pelas tradições militares de família, cumpria um ritual que o faria perpetuar aquelas tradições, o que começa a concretizar-se quando torna-se oficial, aos dezoito anos de idade, em 1821. Em tão tenra idade já tendo sobre seus ombros a insígnia de cadete e, portanto, signo de sua profissão, passava a viver, precocemente, a natureza de sua vocação de chefe e líder. Vindo de uma família de alta linhagem onde todos os homens eram militares, haviam participado de grandes feitos mundo afora, pessoas de reconhecida importância também política, é de fácil compreensão que a sua educação fosse pautada pela disciplina e hierarquia militares, e que ele fosse sendo educado para dar continuidade ao que poderia ser chamado de predestinação familiar, ou seja, ser também um “grande homem”, um comandante, um chefe militar. Participou de diversos conflitos armados ocorridos no Brasil, Províncias Unidas do Prata (atual Argentina), Paraguai e Uruguai, fazendo-se destacar pela bravura, energia, tenacidade e capacidade de planejamento. Casou-se com Dona Ana Luiza quando era major, aos 30 anos de idade, tendo três filhos, sendo que o único homem morre ainda jovem, aos 14 anos de idade. Adquire para sua caracterização de 4 Assentar praça é o ato de incorporação, admissão no Exército. Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 103-127, 2003. 107 R E P P I L @ nobre a designação de Caxias, em virtude de ter pacificado a cidade de mesmo nome nos combates contra a Balaiada, no Maranhão, em 1840. Atuou por todo o Brasil - ao menos se se considerar essa longa faixa que se estende do Maranhão ao Rio Grande do Sul e as “entranhas” de Minas Gerais como representativa do Brasil inteiro – tendo sido, portanto, um nome sempre lembrado para resolver as contendas de seu tempo. Seu maior desafio no Brasil foi a Revolução Farroupilha (1835-1845), sendo bem sucedido ao cabo de pouco mais de dois anos. Caxias à frente do Exército Imperial também participou da construção da paz e do estabelecimento de um estado de direito no Uruguai, lutando ao lado dos orientais contra Oribe (1851), na Confederação Argentina (1852), quando, ao lado de algumas Províncias, emprestou esforços contra Rosas. Em ambas as oportunidades obteve sucesso. Mais tarde, em fins de 1864, surge o conflito mais importante a ser enfrentado pelo Império, qual seja, a Guerra da Tríplice Aliança contra o governo do Paraguai, e, embora Caxias tivesse sido cogitado para conduzi-lo desde o início - pela espada - entraves de ordem política impediram o seu comando. Mas, inevitavelmente, em 18 de novembro de 1866, ele assumiu o comando das forças do Brasil em um primeiro momento, e mais tarde também dos aliados Confederação Argentina e Uruguai, passando à ofensiva após longo tempo de reorganização e preparativos. A Guerra do Paraguai, como é normalmente conhecida, foi a matriz geradora da maioria dos heróis5 militares do Exército e Marinha brasileiros, portanto a promotora de muitos patronos nas duas Forças Armadas. Nesse conflito, Caxias colocou toda a sua capacidade e experiência em ação, onde aconteceram os combates mais memoráveis da história militar brasileira e possivelmente da história militar dos demais Aliados. É importante rememorar-se a sua atuação em alguns momentos daquela guerra, como por exemplo, quando os aliados, em uma 1ª fase dela, estavam sob o comandado de Mitre6. Este havia ordenado a Caxias que a esquadra brasileira forçasse passagem pela Fortaleza de Humaitá. Essa ação era por demais ousada pela grande exposição dos navios diante da artilharia inimiga instalada na fortaleza. Sendo assim, Caxias permitiu que o Comandante da Esquadra, Joaquim José 5 O herói é aquele que participa corajosa e decentemente da vida, no rumo da natureza e não em função do rancor, da frustração e da vingança pessoais. (CAMPBELL, 1990, p. 69). 6 General e Presidente da Confederação Argentina. Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 103-127, 2003. 108 R E P P I L @ Ignácio descumprisse as ordens. Este fato impediu a ofensiva aliada e, portanto retardou uma mudança nos rumos da guerra por cerca de seis meses. Em fevereiro de 1868, quando Caxias já estava no comando dos Aliados, resolveu implementar a mesma ação pretendida por Mitre em agosto passado e que não acontecera por sua interferência pessoal. Acontecendo o que parecia impossível, uma fração da esquadra consegue passar pelos fogos da fortaleza e assim mudam o rumo da guerra, possibilitando a retomada da ofensiva que culminaria na vitória final, pois aquela fortaleza representava praticamente a única possibilidade de resistência de Solano Lopez7. Caxias também exerceu vários cargos políticos e alguns por mais de uma vez. Foram eles: Presidente de Província, Senador, Membro do Supremo Tribunal Militar de Justiça, Conselheiro de Estado Extraordinário, Ministro da Guerra e Presidente do Conselho de Ministros. Recebeu os títulos nobiliárquicos de Barão, Conde, Marquês e Duque, sendo que o último tem uma conotação especial por ter sido o único brasileiro nato e recebê-lo. No exercício da profissão, a presença da família Do posto de alferes ao de major – isto significa a fase mais importante de um oficial, onde ele molda o seu caráter de combatente e pode viver os melhores exemplos apreendidos através de seus comandantes, pares e subordinados - todos os comandantes de Luiz Alves foram seus parentes mais próximos e é de se supor que para ele sempre fossem reservadas as missões mais compensadoras. Em decorrência do seu sucesso nelas, seria então favorecido pelas muitas recompensas em forma de elogios e promoções, sendo que a maioria delas foram concedidas, então, por parentes seus que estavam em cargos-chave. O primeiro comandante, o Major Manuel da Fonseca Lima e Silva, seu tio, quando na Bahia, em 1823, combatia as forças do general português Inácio Luís Madeira de Melo, Comandante de Armas, recomendou-o para ser recompensado à justiça do Imperador nos seguintes termos: Luiz Alves de Lima e Silva, ajudante. Assistiu ao ataque de 28 de março, e ás acções de 3 de maio e 3 de junho, servindo distinctamente em toda a campanha. Na primeira acção, á testa 7 Marechal e Ditador Perpétuo da República Paraguaia. Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 103-127, 2003. 109 R E P P I L @ de uma companhia, atacou uma casa forte, onde o inimigo estava entrincheirado, e o fez retirar com perda, perseguindo-o até o metter nas suas linhas. Nos dias de fogo, comparecia nos lugares de maior perigo, mostrando sua exemplar bravura (CAMPOS, 1938, p. 35). É difícil imaginar-se diferente porque, como bem se sabe, esse tipo de laço, vínculo familiar, é extremamente forte e profícuo, contudo, não escapa à análise da opinião pública, via de regra atenta a tudo, como ocorreu no momento de sua promoção a capitão, com apenas vinte anos de idade, em que foi dito que O jovem torna-se objeto de especial atenção de todos. É, na verdade, uma promoção que desperta comentários, mas rápido se espalhara a fama das suas virtudes militares e dos exemplos de abnegação e bravura, de que dera provas entusiásticas nas heróicas terras baianas (CARVALHO, 1991, p. 20). Caxias, além de militar por vocação, como demonstra sua vida e obra, também o foi por tradição de família, que possuía 11 marechais em sua árvore genealógica. Era bisneto, neto, filho, sobrinho, tio e irmão de destacados infantes8 que ocuparam posições de relevo no governo e junto a ele. O avô de Caxias, o Marechal de Campo graduado José Joaquim Lima e Silva que, em 1783, vindo de Portugal serviu no Regimento de Bragança, lutou na Guerra de Restauração do Rio Grande do Sul. Seu avô materno, de quem herdou o nome, foi o Marechal Luiz Alves Freitas Bello e veio de Portugal como coronel. O pai de Caxias, o Marechal Francisco Lima e Silva, tornou-se infante sob orientação paterna, no 1º Regimento de Infantaria de Linha, atual 1º Batalhão de Infantaria Motorizado-Escola, Regimento Sampaio, no Rio de Janeiro. Ele, como coronel, comandou expedição a Pernambuco que combateu a Revolta Republicana liderada pelo padre Frei Caneca, que passou à 8 Infante é o militar com formação vocacionada a combater a pé em todo tipo de terreno sob quaisquer condições meteorológicas. No ataque busca destruir ou capturar o inimigo pelo fogo, movimento e o combate aproximado. O “fogo” é a realização de tiros; o “movimento” é a ação de deslocar-se; o “combate aproximado” é ação de lutar proximamente, inclusive corporalmente, mais conhecido por combate corpo-a-corpo; “destruí-lo” significa matá-lo; e “capturá-lo” significa fazê-lo prisioneiro. Outra de suas missões é conquistar o terreno e mantê-lo através de contra-ataque. Nos tempos atuais o infante possui as mesmas características, podendo deslocar-se a pé ou por qualquer outro tipo de transporte, seja por terra, ar ou cursos d’água. Seu patrono é o Brigadeiro Sampaio. Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 103-127, 2003. 110 R E P P I L @ história como Confederação do Equador de 1824 e que se insere como a primeira luta interna do Brasil Independente. Liderou ainda como comandante das Armas da Corte e da Província do Rio de Janeiro atual 1ª Região Militar – de frente ao atual Palácio Duque de Caxias, o esquema militar do qual resultou a Abdicação de D. Pedro I e foi regente do Império por duas vezes. Muita influência militar exerceu sobre o seu filho Luiz Alves, que, como ele, viria a ter grande expressão político-militar e governaria também o Brasil. Seu pai o faria por mais de 4 anos na Regência e ele, Caxias, por quase igual período no 2 o Reinado, em três ocasiões. Seu tio paterno, Marechal de Campo e Visconde de Magé, fora iniciado na Arte Militar na mesma organização militar do seu irmão Francisco, pai de Caxias. Por seu expressivo valor militar, foi encarregado por D. Pedro I para organizar o Batalhão do Imperador, Unidade9 de elite e matriz do atual Batalhão da Guarda Presidencial de Brasília, que herdou suas tradições. Além de ter sido padrinho no batismo religioso, foi também padrinho no batismo de fogo de Caxias na Guerra da Independência da Bahia, onde comandou o Exército Libertador no impedimento do General Labatut. Seus conselhos sobre doutrina militar eram levados muito em conta, e exerceu grande influência militar sobre o sobrinho e afilhado. O Batalhão do Imperador – com a missão de guarda pessoal do soberano - teve sua constituição feita pelo próprio D. Pedro I, escolhendo homem a homem dentre todos os militares do Rio de Janeiro perfilados no Campo de Santana. Como já foi mencionado, o seu primeiro comandante foi o tio de Caxias, o futuro Visconde de Magé, e coincidentemente Caxias também é escolhido pelo Imperador. O futuro Visconde de Magé tomou posição em 7 de abril de 1831 em favor da Abdicação de D. Perdo I, de igual forma que seus irmãos Francisco e Manoel Fonseca, como única alternativa de preservação da Monarquia. Caxias acompanhou o pai e tios nesta posição, não antes de oferecer ao soberano possibilidades de resistência e sua fidelidade quando foi sondado por um mensageiro do Imperador. Mas D. Pedro I percebe a gravidade da situação e, não desejando ver sangue brasileiro derramado, desiste do apoio de Caxias e o libera para seguir, então, o seu destino. 9 Unidade é a Organização Militar com um Organograma que contempla várias Subunidades. Para melhor ilustração, em Santa Maria, os exemplos de Unidade são: 29º BIB, 7º BIB, 4º BLog e o 3º GAC AP, mais conhecido por Regimento Mallet. As Subunidades dos BIB e do B Log são chamadas de Companhias e as do Mallet, Baterias. Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 103-127, 2003. 111 R E P P I L @ Outro tio que muita influência exerceu sobre Caxias foi o Marechal de Campo Manoel da Fonseca Lima e Silva e Barão de Suruí, seu subcomandante no Batalhão do Imperador na Bahia, oriundo da 1ª turma de formação da Academia Real Militar, de 1811 a 1812. O 1o General Farroupilha, João Manuel Lima e Silva, era tio paterno de Caxias e dois anos mais moço que ele. Conviveram intimamente na infância e no 1º Regimento de Infantaria de Linha e dois anos na Academia Militar no Largo do São Francisco. Estando no Sul ao estourar a Revolução Farroupilha, a ela aderiu, sendo comandante da única Unidade de Infantaria do Exército na Província do Rio Grande do Sul. Caxias na percepção da historiografia oficial Affonso de Carvalho10, ao escrever sobre Caxias– escolhido pelo Exército Brasileiro como seu biógrafo oficial - descreve sua vida através de uma narrativa que procura, desde o início, mostrar uma predestinação que já vinha em sua gênese, por conta de ser oriundo de uma família que só tinha homens ilustres. Demonstra toda a sua trajetória pessoal enfocando a vida sentimental, militar e política. Enfoca com precisão e riqueza de detalhes todos os conflitos em que tomou parte, desde o seu batismo de fogo na Bahia, em 1823, contra as forças do general português Madeira de Melo, passando pela Revolução Farroupilha e chegando à Guerra do Paraguai, sua última batalha. Em todos esses conflitos é mostrado um Caxias possuidor das maiores virtudes cívicas e militares, um homem à frente de seu tempo por ter sido capaz de antever os acontecimentos e perceber com clarividência o melhor caminho a seguir para ser sempre muito bem sucedido. Em nenhum momento é possível perceber um homem comum, mas sim um herói, um personagem mítico, impávido, colosso, quase que um deus. Em alguns trechos é possível perceber, através da linguagem rebuscada e cuidadosamente trabalhada, tratar-se Caxias de 10 Affonso de Carvalho (18/10/1897 – 15/06/1953), filho de um general atuante na Campanha de Canudos, também seguiu a carreira das armas com a qual dividiu uma outra grande paixão, qual seja a de escritor. Em ambas foi vitorioso. Escreve diversas obras para jornais, revistas e para teatro. O livro “Caxias” é considerado como a sua obra mais importante, principalmente pelo Exército Brasileiro - que o tem como biógrafo oficial do Duque de Caxias - através de sua editora, Bibliex, que já o edita pela 5ª vez. Foi Interventor Federal no Estado de Alagoas em 1933, membro da Assembléia Nacional Constituinte de 1946, Deputado Federal pelo Estado de Alagoas, e pertenceu ao Instituto de Geografia e História Militar do Brasil. Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 103-127, 2003. 112 R E P P I L @ um homem que nasceu para construir uma nação. E assim segue a biografia daquele que mais tarde viria a ser o Patrono maior do Exército que ele ajudou a organizar e modernizar. Embora mantenha-se Carvalho como primeira referência no destaque da biografia de Caxias pelos motivos já expostos, existem outros que escreveram sobre a sua vida e, dentre eles, pode-se também destacar Osvaldo Orico, com a sua obra “O Condestável do Império”, onde encontra-se, como em Carvalho, uma narrativa semelhante, enaltecendo glorificadamente a existência do duque como um ser acima das referência humanas normais. O outro dedicado a fazer a biografia do duque foi o Padre Joaquim Pinto de Campos. Ele teve a primazia de desfrutar da sua companhia durante um certo tempo e escreveu o livro “Vida do Grande Cidadão Brasileiro, Luiz Alves de Lima e Silva”. Como nos dois anteriores biógrafos, este não perde em nada na utilização de numerosos e representativos adjetivos declinados a Caxias. Importante dizer que eles, Orico e Carvalho, fizeram referência, em suas obras, aos escritos do Padre Campos, que por isso mostra-se precursor nessa matéria. Revolução Farroupilha e a surpresa de porongos A Revolução Farroupilha foi a maior rebelião ocorrida no Brasil durante o período da Regência. Começa em 1835, na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, estende-se até Santa Catarina e termina em 1845. Conhecidos por “farrapos”, os liberais exaltados, defensores do regime federativo e republicano, insurgem-se contra o governo regencial e reivindicam maior autonomia para as províncias. Na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, os “farrapos” são depositários das queixas da elite estancieira contra os altos impostos cobrados sobre o charque, o couro e o trigo rio-grandenses – produtos básicos da economia local – em beneficio do seu concorrente, o Uruguai. Também representam o descontentamento da sociedade local quanto ao tratamento dispensado pelo Império à Província, fazendo-a sentir-se desvalorizada e, dentre outras reivindicações não atendidas, a nomeação de um presidente de província que tivesse afinidade com a região era uma das mais sentidas. Em 21 de setembro de 1835, o Deputado Federalista e Coronel das Milícias Bento Gonçalves da Silva, filho de um rico estancieiro, entra em Porto Alegre e destitui o Presidente da Província nomeado pelo governo central, Antônio Fernandes Braga. Com ajuda popular Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 103-127, 2003. 113 R E P P I L @ ao movimento, neutralizam-se as primeiras reações legalistas, mas dentro de pouco tempo Porto Alegre é retomada pelas forças imperiais, forçando os revoltosos a deslocarem o seu controle para a parte sul da Província, compreendendo a região da Campanha. Após a vitória das tropas comandadas por Souza Netto nos campos do Seival, entre Pelotas e Bagé, este proclama a República Rio-Grandense em 11 de setembro de 1836. A cidade de Piratini, no interior da Província, torna-se a primeira capital revolucionária. No mês seguinte, quando se prepara para atacar Porto Alegre, Bento Gonçalves é cercado e derrotado na travessia do Rio Jacuí. Condenado, é enviado para a prisão, na Bahia. Mesmo sem seu chefe principal, a rebelião extravasa os limites sul-rio-grandenses e ocupa a cidade de Lages, importante entreposto comercial no Planalto de Santa Catarina. Ajudado pelos liberais baianos, Bento Gonçalves foge da cadeia em abril de 1837 e volta para sua Província. Nos anos de 1838 e 1839, o movimento fortalece-se e muda-se a capital para Caçapava do Sul e, mais tarde, para Alegrete. Com a participação do italiano Giuseppe Garibaldi, uma expedição é enviada para tomar Laguna, no litoral de Santa Catarina, onde é proclamada a República Juliana. Em 1842, chega a Porto Alegre Luiz Alves de Lima e Silva, Barão de Caxias, exercendo os cargos de Presidente da Província e Comandante de Armas11, com a missão de dar fim à rebelião. Nos dois anos que se seguiram, Caxias tenta, mas não acaba com a revolta. Ainda que por algumas vezes tenha conseguido infligir aos revoltosos uma perda significativa, nada conseguiu que pudesse determinar sua vitória. O tempo passava e nem os revoltosos eram vencidos, tampouco as tropas imperiais venciam. Com toda a astúcia e percepção de que era dotado, Caxias concluiu por tentar terminá-la através de negociação. E, para tanto, escolheu uma “ala” farroupilha dissidente dos ideais dos primeiros dias, onde se encontrava David Canabarro. Este grupo farroupilha sentia-se mais necessitado de reconhecimentos pessoais e interesses econômicos, conforme bem mostra PADOIN, ao dizer que Esse grupo aproximou-se politicamente da atitude moderada demonstrada por Caxias. Isso é, tentou conciliar interesses localistas e interesses do Império, ou em outras palavras, o grupo da minoria não pautava por um projeto de Estado mas sim reivindicava por garantias individuais, de interesses econômicos 11 Presidente da Província é o cargo em que ele era a maior autoridade política. Comandante de Armas é o cargo em que ele era a maior autoridade militar. Acumulava os dois para evitar conflito de ordens entre duas autoridades. Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 103-127, 2003. 114 R E P P I L @ e de ascensão ao poder. E isso foi muito bem utilizado por Caxias, pois o Império necessitava desses homens soldados na guerra contra as influências de Juan Manuel de Rosas (governador da Confederação Argentina), para manter sua atuação no espaço fronteiriço platino (2001, p. 124-125). Fructuoso Rivera, servindo-se de mediador entre Caxias e os farrapos, possibilitou o encontro daquele com David Canabarro e, dessa forma, os dois planejaram um ataque “surpresa” às tropas do próprio Canabarro. A “Surpresa de Porongos”, assim conhecida pela tradição da história oficial, foi palco da morte de cerca de 1.700 combatentes farrapos negros em um único dia, o que representa mais de 50% das baixas de toda a Revolução Farroupilha em seus dez anos de existência. Os planos de ataque acordados entre Caxias e Canabarro eram muito ricos em detalhes, como bem se pode ver por meio da correspondência enviada por aquele ao comandante da tropa agressora, Coronel Francisco de Abreu, a seguir mencionada: Ilmo. Sr. Regule V. Sa. suas marchas de maneira que no dia 14 às 2 horas da madrugada possa atacar a força ao mando de Canabarro, que estará nesse dia no cerro dos Porongos. Não se descuide de mandar bombear o lugar do acampamento de dia, devendo ficar bem certo de que ele há de passar a noite nesse mesmo acampamento. Suas marchas devem ser o mais ocultas que possível seja, inclinando-se sempre sobre a sua direita, pois posso afiançar-lhe que Canabarro e Lucas ajustaram ter as suas observações sobre o lado oposto. No conflito poupe o sangue brasileiro quanto puder, particularmente da gente branca da Província ou índios, pois bem sabe que essa pobre gente ainda nos pode ser útil no futuro. A relação junta é das pessoas a quem deve dar escapula se por casualidade caírem prisioneiras. Não receie da infantaria inimiga, pois ela há de receber ordem de um Ministro e do seu General-em-chefe para entregar o cartuchame sobre [sic] pretexto de desconfiança dela. Se Canabarro ou Lucas, que são os únicos que sabem de tudo, forem prisioneiros, deve dar-lhes escapula de maneira que ninguém possa nem levemente desconfiar, nem mesmo os outros que eles pedem que não sejam presos, pois V. Sa. bem deve conhecer a gravidade deste secreto negócio que nos levará em poucos dias ao fim da revolta desta Província. Se por acaso cair prisioneiro um cirurgião ou boticário de Santa Catarina, Casado, não lhe reviste Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 103-127, 2003. 115 R E P P I L @ a sua bagagem e nem consinta que ninguém lhe toque, pois com ela deve estar a de Canabarro. Se por fatalidade não puder alcançar o lugar que lhe indico no dia 14, às horas marcadas, deverá diferir o ataque para o dia 15, às mesmas horas, ficando bem certo de que neste caso o acampamento estará mudado um quarto de légua mais ou menos por essas imediações em que estiverem no dia 14. Se o portador chegar a tempo de que esta importante empresa se possa efetuar, V. Sa. lhe dará 6 onças, pois ele promete-me entregar em suas mãos este ofício até as 4 horas da tarde do dia 11 do corrente. Além de tudo quanto lhe digo nesta ocasião, já V. Sa. deverá estar bem ao fato das coisas pelo meu ofício de 28 de outubro e por isso julgo que o bote será aproveitado desta vez. Todo o segredo é indispensável nesta ocasião e eu confio no seu zelo e discernimento que não abusará deste importante segredo. Deus vos guarde a V. Sa. Quartelgeneral da Presidência e do Comando-em-chefe do Exército em marcha nas imediações de Bagé, 9 de novembro 1844. Barão de Caxias. Sr. Coronel Francisco Pedro de Abreu, Comandante da 8ª Brigada do Exército reservadíssima de Caxias. [No verso]. (AHRS, 1983, p. 30-31). Reforçando o contido em PADOIN (2001) quanto aos interesses individuais daquela “ala” Farroupilha e quanto às possibilidades do Império enfrentar Rosas em futuro próximo, pode-se observar a preocupação de Caxias na escolha dos que deveriam morrer, pelo que se segue: Caxias confiava no poder do ouro. Com poderes ilimitados e verbas consideráveis para sobrepor-se aos ‘obstáculos pecuniários’ que surgissem ao negociar com os líderes farrapos, ele tentou um acordo com David Canabarro, o principal general farrapo, para terminar a guerra. De comum acordo decidiram destruir parte do exército de Canabarro, exatamente seus contigentes negros, numa batalha pré-arranjada, conhecida como a ‘Surpresa dos Porongos’ , em 14 de novembro de 1844. Em suas instruções secretas para o comandante legalista da operação, Caxias orientou-o no sentido de ‘poupar sangue brasileiro o mais possível, particularmente de homens brancos da província, ou índios, pois você bem sabe que essas pobres criaturas ainda nos podem ser úteis no futuro’ (LEITMAN, 1997, p. 75). Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 103-127, 2003. 116 R E P P I L @ Aquele combate serviu, conforme o planejado, para sacrificar um efetivo importante do Exército Farroupilha, impossibilitando a sobrevida da Revolução pela perda da capacidade combativa. A “Surpresa de Porongos” permitiu, portanto, a pacificação da Província. Se em algum momento puder passar pela mente de um observador longínquo daquele momento de nossa história um pensamento de condenação a Caxias, é interessante que leve em conta, em primeiro lugar, que Caxias era um homem de seu tempo, imperialista, portanto conservador, e acima de tudo um militar, um soldado. Tendo como característica mais importante naquele momento a de ser soldado, a sua missão era a de dar fim à Revolução Farroupilha. O general que até então não conhecia a derrota, depois de inferir que estava sendo difícil ou até mesmo impossível vencer os farroupilhas, deveria encontrar uma solução adequada. Ademais, tudo o que ele podia até então fazer para combatê-los já o tinha feito, inclusive ameaçar vilas inteiras de serem suas prisioneiras caso dessem guarida aos revoltosos ou mesmo sonegassem informações sobre eles aos imperiais. Caxias tinha a missão como muito mais importante que qualquer outra coisa. Qualquer sacrifício que favorecesse a sua estratégia e desse vitória à causa imperial teria valor. Pensando então como soldado, aquele sacrifício era vital e seria considerado como nobre. O mais importante era a vitória sobre os farroupilhas e a pacificação da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Esse conflito, ademais, prejudicava os planos de defesa territorial com o recrudescimento de Rivera e outros caudilhos platinos. Rivera já havia por diversas vezes tentado convencer Caxias em tê-lo como aliado contra os farrapos, o que certamente foi recusado, mas de qualquer forma era mais uma fragilidade a ser considerada, a intenção de Rivera em pisar solo imperial12. Já estava nos planos de Caxias, conforme menção anterior, a possibilidade de um engajamento em combate com Montevidéu e Buenos Aires em breve, e quanto mais se arrastasse no tempo a Revolução Farroupilha, mais essa demora por certo influiria negativamente no futuro. Passo seguinte, se por outro lado se pensar como na análise para Caxias, na reprovação ao feito de Canabarro, a questão permite 12 Fructuoso Rivera era tido tanto pelos farroupilhas quanto por Caxias como uma pessoa que não deveria merecer total confiança. A sua participação no conflito tanto poderia auxiliar a um lado quanto ao outro, tudo dependendo de seus interesses. No caso de Caxias, Rivera pôde ser-lhe útil mais de uma vez, mas de modo velado e aprovado pelo Imperador. Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 103-127, 2003. 117 R E P P I L @ verificar a compreensão por parte deste, de ser aquela uma guerra em vão e prejudicial ao país, principalmente após entendimentos com Caxias, ligado à maçonaria e seu ascendente naquela sociedade secreta, conforme suscita a essa compreensão o texto a seguir: Essa divisão e luta pelo poder intra-elite foi muito bem explorada pelo império, especialmente pelo hábil e diplomático Barão de Caxias. E aqui é interessante também recordarmos que a liderança farroupilha pertencia aos quadros da maçonaria e da maçonaria ligada, primeiramente, ao Grande Oriente do Passeio, o qual sofreu uma cisão de que participou Caxias. Assim, em meio a essas lutas entre elites regionais, havia laços de irmandade que as aproximavam (PADOIN, 2001, p. 126). A espada invencível Luiz Alves viveu em um ambiente repleto de atmosfera militar e política, onde a experiência dos feitos produz um entendimento de passagem, como num rito e, onde provavelmente isso fizesse parte de um contínuo aprendizado no seu dia-a-dia. Dessa forma, esse contexto provavelmente influiu na sua capacidade de enfrentar os obstáculos apresentados com talento e inteligência. Até o ano de 1869, já no posto de Marechal do Exército Efetivo, ele havia participado dos seguintes conflitos: Insurgência do General Madeira de Melo, Bahia, 1823; Guerra da Cisplatina, Montevidéu, 1827; Balaiada, Maranhão, 1840; Sedição de Sorocaba, São Paulo, 1842; Rebelião de Barbacena, Minas Gerais, 1842; Revolução Farroupilha, São Pedro do Rio Grande do Sul, 1842; Guerra contra Oribe, Uruguai, 1851; Guerra contra Rosas, Confederação Argentina, 1852; e Guerra contra o Paraguai, em 1866. Em todos esses conflitos ele sempre saiu-se vencedor, estivesse em função subalterna ou na de comandante das tropas em operação. Depois de alguns destes episódios, sua fama e reconhecimento como um grande chefe militar já eram notórios. E por todos já se tinha na figura de Luiz Alves a visão da “espada invencível”, inclusive por ele mesmo. Esse signo era sempre por ele invocado e lembrado, como um sinal de bom presságio, de vitória no final, como na Ordem do Dia de 20 de dezembro de 1868, em que proferiu: Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 103-127, 2003. 118 R E P P I L @ Camaradas! o inimigo, vencido por nós na ponte de Itororó e no arroio Avaí, nos espera na Loma Valentina com os restos do seu Exército. Marchemos sobre ele, e que com esta batalha mais teremos concluído nossas fadigas e privações. O Deus dos exércitos está conosco! Eia! Marchemos ao combate, que a vitória é certa, porque o general e amigo que vos guia ainda até hoje não foi vencido. Viva o Imperador! Vivam os exércitos aliados! (FRAGOSO, 1956, p. 118) Esse sentimento era tão forte em seu imaginário místico, que sempre que possível ele procurava cercar-se de oficiais que também tivessem esse apanágio. Assim aconteceu no início de suas ações contra o Exército Farroupilha, quando percebeu que deveria trazer para o seu exército a maior dissidência possível daqueles. A sua escolha recaiu sobre Bento Manuel Ribeiro, que, pertencente antes aos quadros imperiais, havia aderido à causa Farroupilha. Como também Bento Manuel tinha fama de chefe vencedor, que até o momento a derrota não lhe havia batido à porta, faria muito bem trazê-lo de volta à legalidade, e assim ocorreu. Mas Caxias teria outro motivo para tê-lo consigo, qual seja, que Bento Manuel era um profundo conhecedor da topografia na área de atuação Farroupilha e isso compensava em detrimento da eterna dúvida de sua permanência com os imperiais, já que havia trocado de lado por mais de duas vezes. Dos conflitos acontecidos em terras brasileiras, à exceção da Guerra contra a Revolução Farroupilha, todos os outros dos quais participou Luiz Alves foram combates à gente fraca e/ou desestruturada estratégica e militarmente. Somado ao fato que Luiz Alves possuía facilidades em reunir e armar sua tropa pelos motivos de parentesco nos altos escalões do Exército, associado à sua facilidade de bem conceber um plano de combate, de guerra, ele, na maioria das oportunidades, não encontrou resistência importante à sua frente. A República e a construção do mito de caxias Marechal LUIZ ALVES DE LIMA E SILVA, o Duque de Caxias, Patrono do Exército Brasileiro. Insigne Chefe Militar, Conselheiro do Estado e da Guerra, Generalíssimo dos Exércitos da Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 103-127, 2003. 119 R E P P I L @ Tríplice Aliança, Conde, Marquês, Duque, Presidente de Províncias, Deputado, Senador, Patrício do Império, Ministro da Guerra, Presidente do Conselho de Ministros, Caxias é o exemplo máximo de soldado e cidadão. Dedicou sua vida à manutenção da soberania do território brasileiro e à consolidação da paz e da união nacional, conseguidas graças à sua sensibilidade política e humana. Caxias, Soldado PACIFICADOR.13 e Cidadão, recebeu o epíteto de O Após a Guerra do Paraguai, o Exército Brasileiro começou a cultivar alguns problemas de convivência com a monarquia. A vitória desse Exército que tinha sob sua coordenação forças multinacionais Argentina e Uruguai - além da Marinha Brasileira, fê-lo retornar ao seio da comunidade brasileira, ocupando uma posição de reconhecido destaque, um novo e importante status. Um desses importantes conflitos com a monarquia foi devido à negação de se continuar a perseguir e prender escravos fugitivos. Com o crescente desgaste da Monarquia, que terminou por dar passagem à República, o Exército participou da iniciativa que deveria promover o golpe que colocaria fim ao regime anterior. O escolhido foi o Marechal Deodoro da Fonseca, herói da Guerra do Paraguai, respeitado e considerado também pela Marinha. Foi na verdade um episódio difícil para o Marechal, afinal de contas, o Exército já havia banido do país D. Pedro I e agora estaria fazendo o mesmo com o seu filho, D. Pedro II. E mais, ele, Deodoro, era um monarquista convicto. A sua resistência em participar do golpe só foi vencida pela probabilidade de ser um civil, ou melhor, um casaca, como ele se referia aos civis, a proclamar a República. Segundo ele, era um assunto da competência dos militares. O gesto do Marechal foi precedido de um esforço muito grande: primeiro porque, sendo monarquista, assumir a vanguarda de um movimento republicano transformador de uma nova ordem política constituía um certo temor, e, segundo, porque estava acamado e sofrendo fortes dores de um mal que lhe afligia na coluna. Para tanto, levaram-no de carruagem até bem próximo à tropa. Desembarcou, foi colocado com muito cuidado na garupa de um cavalo muito manso, o baio de número 6 do Regimento, para que assim gesticulasse o 13 Dedicatória ao Duque de Caxias, existente no site do Exército Brasileiro, na internet, www.exercito.gov.br. Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 103-127, 2003. 120 R E P P I L @ nascimento da República Brasileira diante da tropa que o saudaria pelo ato, tornando-se um símbolo Republicano. Quando se estuda Caxias e sua importância para a nação brasileira, passa-se a buscar um entendimento que justifique ou que permita melhor assimilar sob que mecanismos se deu esse fenômeno, qual seja, o de consignar a um personagem um grau de importância expressivo a ponto de fazê-lo um símbolo de valor nacional, um símbolo merecedor da admiração de todos os cidadãos. Para nosso entendimento a respeito de símbolo, vamos nos apropriar do pensamento de GILES, quando diz que símbolo é “aquilo que recebe significado através do acordo comum, ou por convenção, ou por costume. De modo geral restringe-se ao sinal convencional, ou seja, algo construído pela sociedade ou por indivíduos que recebe significado comum decretado pelos membros daquele grupo ou sociedade” (1993, p. 142). A República, nascida de um golpe militar em 15 de novembro de 1889, começou na verdade a ser “gestada” com o fim da Guerra do Paraguai. Até o advento desta Guerra, o Exército Brasileiro, ainda que presente em quase todo o nosso Território, somava um efetivo de aproximadamente 18.000 homens apenas, com uma doutrina e formação militar incipientes, uma acanhada projeção política, e seu recrutamento de baixa qualidade e má formação não lhe permitia adquirir muito respeito. Durante aquela Guerra, a tropa terrestre brasileira era formada pelo Exército, Voluntários da Pátria, Guarda Nacional – que, ao contrário do Exército, gozava de projeção e prestígio social e político em seus locais de sede - e por mercenários. Naquele momento nascia em pleno combate um problema de convívio entre oficiais de carreira do Exército e os oficiais pertencentes à Guarda Nacional, pois os primeiros sentiam-se superiores aos outros. Essa incompreensão por parte dos oficiais do Exército, entretanto, não impediu que os oficiais da Guarda Nacional desenvolvessem suas missões com esmero e eficiência, escrevendo alguns deles seus nomes nas páginas da história, sendo exemplo de glória e sacrifício, como é o caso de Andrade Neves. Este era compadre do Coronel Niederauer, herói santa-mariense – pertencente à Guarda Nacional e atualmente patrono do Regimento Escola de Cavalaria, que até pouco tempo atrás era conhecido por 2º Regimento de Cavalaria de Guardas, sediado na Vila Militar, na cidade do Rio de Janeiro, uma das Unidades mais tradicionais da Cavalaria brasileira. Andrade Neves é um dos nomes Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 103-127, 2003. 121 R E P P I L @ mais exaltados na Arma14 de Cavalaria, somente superado pelo de Osório, seu patrono. Terminada a guerra, o Exército saindo vitorioso, permite que seus oficiais ascendam aos melhores círculos da sociedade pela condição de heróis, participando da vida política e intelectual. Pela experiência de terem convivido com soldados negros na guerra - havia uma dificuldade, por parte da oficialidade, em reconhecer os valores combativos calcados na coragem dos soldados negros -, decidem abdicar de uma de suas missões, qual seja a da perseguição e captura dos negros fugitivos, e assim entram em franco desentendimento com a política Imperial. Essa negativa de capturar os negros fugitivos, ao contrário do que foi consagrado pela história oficial, tinha, segundo IZECKSOHN, outra causa, como vemos a seguir: A insatisfação corporativa englobava uma série de questões, mas a escravidão era subjacente a todas elas porque impedia a constituição de um exército forte. E, se a ordem escravista era um poderoso obstáculo à edificação de uma instituição militar robusta, era também o peso da farda, acirrando rivalidades com as elites civil e militar, o que exacerbava o orgulho da jovem oficialidade, que se opunha à escravidão não propriamente por razões humanitárias, mas devido à desqualificação que ela acarretava ao status profissional da corporação (1997, p. 175). Nascida a República, era necessário fazê-la possuir uma “alma”, uma identidade, para que a nação passasse a entendê-la e a adorá-la com uma emoção diferente, rompendo com a tradição monárquica, portanto anterior, em que esses sentimentos eram declinados à pessoa do monarca e, dessa forma, estaria sendo homenageada também a nação. A partir desse momento, as homenagens se dariam à nação, ao povo – coletivo – e não mais a uma pessoa – singular. O Hino Nacional, por exemplo, tem a sua melodia composta desde 1831, e, antes de ter a letra atual, composta em 1922, teve duas outras, sendo que a penúltima, de 1841, enaltecia as virtudes de D. Pedro II. Na busca da nova identidade da nação, foi encontrado Joaquim José da Silva Xavier (O Tiradentes) como seu patrono maior, e da 14 A Força Terrestre (Exército Brasileiro) é constituída pelos seguintes elementos: de combate (Armas-base), Infantaria e Cavalaria; de apoio ao combate, Artilharia, Engenharia e Comunicações; apoio logístico, Serviços de Intendência, Saúde e o Quadro de Material Bélico. Portanto, “Arma” é um elemento, ou seja, um componente, uma fração de combate. Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 103-127, 2003. 122 R E P P I L @ Guerra do Paraguai foram trazidos para a cena do convívio público todos os seus grandes nomes, na condição de heróis. Essa guerra passou a constituir-se como um referencial revigorador da nossa nacionalidade e o Duque de Caxias, o melhor exemplo. “Para o novo projeto militar, era necessária uma figura que não dividisse, que fosse o próprio símbolo não só da união militar mas da união da própria nação. O candidato teve de ser buscado no Império: Caxias. O duque passou a representar a cara nacional conservadora da República” (CARVALHO, 1990, p. 53). O ato fundador desse pensamento foi a incrustação por nossas terras afora, de estátuas eqüestres ou não, daqueles grandes homens da guerra - heróis - a doação de seus nomes às ruas, a praças, a prédios e a outros conjuntos arquitetônicos, pois o Estado investido do poder de que realmente é possuidor, qual seja o de representação de toda a nação, simboliza, com esse gesto, a aceitação de toda essa iconografia como valores nacionais, por delegação dos cidadãos. No momento em que todo esse conjunto iconográfico está nascendo, nenhum lugar se prestaria melhor para certificar o ato como sendo o berço da nova cultura ou, se melhor convir expressar, o berço do novo pensamento, qual seja, a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, a sede do poder passado e futuro. Atualmente, lá existem cerca de 630 obras de arte, entre monumentos e chafarizes, a maior concentração do Brasil, atitude cultural iniciada em 1862, quando foi inaugurada a estátua de D. Pedro I – existente até nossos dias - no lugar onde havia sido morto Tiradentes, hoje Praça Tiradentes, ainda que não se tenha, no local, nada associado ao alferes, a não ser o seu nome em placa de localização. Isso pode acontecer de forma dissimulada ou, como na maioria dos casos, ostensivamente, mas em ambos os casos as pessoas não percebem que isso significa a implantação de uma forma de dominação, de construção de uma nova ordem, que altera comportamentos e domestica ou disciplina corpos e mentes. Esse tipo de apropriação existe por interesse e necessidade da classe dominante, mas é apresentado como de interesse e necessidade de todo o conjunto da sociedade. Pode-se melhor percebê-lo através do seguinte: É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os ‘sistemas simbólicos’ cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 103-127, 2003. 123 R E P P I L @ dominação de uma classe sobre outra (violência simbólica) dando o reforço da sua própria força às relações de força que as fundamentam e contribuindo assim, segundo a expressão de Weber, para a ‘domesticação dos dominados’ (BOURDIEU, 2000, p. 11). Após a Proclamação da República, foi construída a grande “Praça da República”, no coração do Rio de Janeiro, como um símbolo autêntico daquele momento novo para a nacionalidade. Nela existem alguns monumentos fortalecedores desse espírito, tais como os dedicados a Benjamim Constant e a Floriano Peixoto. Isso é possível de entender, porque A teoria mais acentuadamente objetivista tem de integrar não só a representação que os agentes têm do mundo social, mas também, de modo mais preciso, a contribuição que eles dão para a construção da visão desse mundo e, assim, para a própria construção desse mundo, por meio do trabalho de apresentação (em todos os sentidos do termo) que continuamente realizam para imporem a sua visão do mundo ou a visão da sua própria posição nesse mundo, a visão da sua identidade social (BOURDIEU, 2000, p. 139). O Panteon de Caxias foi erguido no coração da cidade do Rio de Janeiro, em local onde na Monarquia era o Campo de Santana – palco de grandes acontecimentos - mas que no momento de sua edificação era também o coração da capital da República, em frente ao Palácio do Ministério da Guerra. Nesse sentido, a construção do mito de Caxias também participa do projeto de construção e consolidação da identidade republicana brasileira. Esse Panteon sem dúvida tem sua correspondência em um entendimento de poder, demonstração de força. Tanto quanto a pirâmide de Queóps enseja uma idéia de grande energia advinda da civilização que a gerou, o monumento a Caxias também inspira confiança, energia e força, não só por parte dos que o desejaram como marco do passado, mas como também para o futuro, porque, (...) enquanto objetos históricos, estão sujeitos a variações no tempo, estando a sua significação, na medida em que se acha ligada ao porvir, em suspenso ela própria, em tempo de dilação, expectante e, deste modo, relativamente indeterminada. Esta Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 103-127, 2003. 124 R E P P I L @ parte de jogo, de incerteza, é o que dá fundamento à pluralidade das visões do mundo, ela própria ligada à pluralidade dos pontos de vista, como o dá a todas as lutas simbólicas pela produção e imposição da visão do mundo legítima e, mais precisamente, a todas as estratégias cognitivas de preenchimento que produzem o sentido dos objectos do mundo social ao irem para além dos atributos diretamente visíveis pela referência ao futuro e ao passado – esta referência pode ser implícita e tácita, através do que Husserl chama a protensão e a retenção, formas práticas de prospecção ou de retrospecção que excluem a posição do futuro e do passado como tais; ela pode ser explícita, como nas lutas políticas, em que o passado, com a reconstrução retrospectiva de um passado ajustado às exigências do presente («La Fayette, aqui estamos!»), e sobretudo o futuro, com a previsão criadora, são continuamente invocados para determinar, delimitar, definir o sentido, sempre em aberto, do presente (BOURDIEU, 2000, p. 140). Em torno de Caxias pode-se enumerar os fatos que testemunham o conjunto de significações de que tratamos no presente trabalho: 1.foi o único cidadão fora da família imperial a receber a condecoração da Grã-Cruz da Ordem da Rosa. Após sua morte, a condecoração foi devolvida à família imperial; foi o único brasileiro agraciado com o título nobiliárquico de Duque; em 25 de agosto de 1923 – aniversário de nascimento de Caxias – foi instituída a festa de homenagem a Caxias e estabelecido como sendo o “Dia do Soldado do Exército brasileiro”, ou, como ficou mais conhecido, “O Dia do Soldado”; em 16 de dezembro de 1932, houve a primeira entrega de espadins15 aos cadetes do Exército brasileiro; em 30 de agosto de 1949, aconteceu o traslado de sua estátua eqüestre do Largo do Machado, dos seus restos mortais e da esposa – a Duquesa de Caxias - para o Panteon na Praça Duque de Caxias, em 15 Espadim é a cópia fiel em escala reduzida da invicta espada de Caxias. Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 103-127, 2003. 125 R E P P I L @ frente ao atual Palácio Duque de Caxias, sítio histórico onde serviu por muitos anos ao Exército e ao Brasil; em 13 de março de 1962, um Decreto do Governo Federal designou-o como o Patrono do Exército Brasileiro e em 1º de março de 1996, foi entronizado como Patrono da Academia de História Militar Terrestre do Brasil. CONCLUSÃO Em virtude da atuação de Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, ter ocorrido em praticamente todo o Brasil, isso possibilitou-lhe ser reconhecido e respeitado por todos. Contemporâneo de muitos conflitos, desde os vinte anos de idade esteve presente em quase todos eles. Participou de forma pacificadora, gerando-lhe a correspondente alcunha de “O Pacificador”. À frente do Exército Imperial, também emprestou seu sacrifício em socorro às nações vizinhas no Prata, sempre coroado de vitória. Na Guerra do Paraguai, sua maior campanha, foram-lhe exigidos muitos atributos, principalmente coragem e espírito de sacrifício pelo Brasil, possibilitando a vitória de seu Exército. Em muitas das situações, ocorreu o inusitado, exigindo-lhe dinamismo e inteligência, de forma que, até hoje, alguns desses feitos são considerados precursores da moderna forma de combater. Ao se construir a República, foi buscada para sua fundação moral e cívica, a glória vivida naquela guerra, tendo-a, portanto, como seu mito de origem16. Nesse contexto, o Duque de Caxias foi entendido como o melhor exemplo por ter sido o general que praticamente deu a vitória ao Brasil. Caxias foi, então, visto como símbolo da unidade nacional, contribuindo para que a República assumisse essa característica de unidade. A construção do seu Panteon no coração da cidade do Rio de Janeiro, tornou-o um ícone da nova nação. Ali estão representados a vitória, a unidade nacional, o denodo, a coragem, e, acima de tudo, a imagem do “Salvador da Pátria”, qual seja, um militar. Um símbolo de poder. Dessa forma, o mito Caxias é resultado de uma construção social, e, por conseguinte, cultural. Ninguém nasce mito. Esse não é um 16 Nesse caso, o mito de origem é o referencial trazido do passado significando um momento e um fato que representam da melhor forma o nascimento da nação brasileira. Rev. REPPIL@, v.1, n. 1, p. 103-127, 2003. 126 R E P P I L @ atributo natural. O mito existe enquanto tal pelo reconhecimento coletivo. Assim, a historiografia, principalmente a oficial, reprodutora do pensamento da classe dominante, assume um importante papel. Muito provavelmente não estaria em um fato isolado o motivo para se perpetuar uma imagem de herói ou de mito. Uma rede de significações e de poder continua fazendo algum sentido até os dias de hoje, para que ainda aprendamos a história fundamentada em pilares representativos de “grandes homens”- heróis - bastante diferente dos sujeitos reais que constróem o processo histórico. BIBLIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO ANAIS DO ARQUIVO HISTÓRICO DO RIO GRANDE DO SUL. Coleção de Alfredo Varela. Porto Alegre. v. 7, 1983. BENTO, Claudio Moreira. O Exército Farrapo e os Seus Chefes. Rio de Janeiro: Bibliex. v. 1, 1992. BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. CAMPBELL, Joseph. O Poder do Mito.13. ed. São Paulo: Palas Athenas, 1990. CAMPOS, Padre Joaquim Pinto de. Vida do Grande Cidadão Brasileiro Luiz Alves de Lima e Silva: barão, conde, marquez, duque de caxias, desde o seu nascimento em 1803 até 1878. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1938. CARVALHO, Affonso. Caxias. 3. ed. Rio de Janeiro: Bibliex, 1991. CARVALHO, José Murilo de. 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