A ESTRATÉGIA DE PRODUÇÃO COMO FONTE DE VANTAGEM COMPETITIVA NA AGROINDÚSTRIA: O CASO DE UMA AGROINDÚSTRIA AVÍCOLA Vania de Fátima B. Estivalete Heron S. M. Begnis Tania Nunes da Silva Eugênio Ávila Pedrozo Cássia Aparecida Pasqual Juan Miguel Latorre Resumo Os mercados cada vez mais competitivos implicam na necessidade de que as empresas estejam continuamente com sua atenção voltada à obtenção de maior competitividade enquanto condição de permanência nos mercados em que atuam. Nesta crescente busca de novos patamares competitivos, as empresas devem observar a produção como provável fonte de vantagem competitiva. Nesta direção, este trabalho procura, através de um estudo de caso, observar as dimensões estratégicas da produção em um segmento do agronegócio caracterizado pela concentração industrial e pela larga possibilidade de inovação e diferenciação de produtos, representado pelo segmento da indústria avícola. Assim, este trabalho questiona se as estratégias de produção podem se converter em fontes de vantagens competitivas, sendo que os resultados alcançados evidenciam que as dimensões observadas na empresa agroindustrial, objeto do estudo, mostraram que as estratégias de produção podem se configurar em importantes critérios de competitividade e em fontes de vantagens competitivas às empresas agroindustriais. Palavras-chave: estratégia – agroindústria avícola - competitividade 1. INTRODUÇÃO A dinâmica dos mercados competitivos faz com que as empresas estejam continuamente pressionadas no sentido de obter maior competitividade enquanto condição de permanência nos mercados em que atuam. Neste processo, novos valores são adicionados ao contexto do produto na busca de um diferencial frente à concorrência, pois, independentemente do seu segmento as empresas precisam ofertar padrões crescentes de qualidade ao consumidor, ao mesmo tempo em que possam manter seus custos reduzidos. Dada essa crescente movimentação nas empresas em busca de novos patamares competitivos, maior importância deve ser dada à função produção como fonte de vantagem competitiva. Nesta direção, este trabalho procura, através de um estudo de caso, observar as dimensões estratégicas da produção em um segmento do agronegócio caracterizado pela concentração industrial e pela larga possibilidade de inovação e diferenciação de produtos tal como é o segmento da indústria avícola. Neste tipo de agroindústria, as estratégias de produção podem se converter em fontes de vantagens competitivas? Esta é a questão de fundo sobre a qual está organizado este trabalho que tem como objetivo investigar o sistema de produção de uma unidade de abate de aves considerando os aspectos estratégicos da organização da produção. Parte-se, portanto, de uma revisão teórica 2 sobre estratégias de produção, conceituando e definindo seu papel e principais critérios competitivos. Num segundo momento é trabalhado o contexto da agroindústria avícola brasileira, na busca de se estabelecer um padrão de comparação entre teoria, realidade observada e panorama setorial. Por fim, apresenta-se o caso da empresa pesquisada focalizando os critérios competitivos associados à sua estratégia de produção, procurando-se situar o caso evidenciado segundo as dimensões apontadas pela revisão teórica e pelas características próprias do setor brasileiro de abate de frangos. 2. ESTRATÉGIAS DE PRODUÇÃO A prática do planejamento não é capaz de antecipar tudo o que pode acontecer às organizações, mas pode certamente beneficiar aquelas cujas ações são orientadas pela perspectiva de se alcançar determinado objetivo planejado. Isso implica que, dentre os diversos leques de possibilidades estratégicas possíveis, as empresas que se deparam com a tarefa de produzir bens necessitam formular um conjunto de princípios que as guiem no processo de tomada de decisão sobre o que e como produzir. Ou seja, estabelecer a sua estratégia de produção. Uma melhor compreensão do que é estratégia de produção traz a necessidade de algumas definições conceituais. Corrêa e Gianesi (1993), por exemplo, consideram que a estratégia de produção visa, principalmente, o aumento da competitividade da organização. Para atingir tais objetivos, este tipo de estratégia procura formar um padrão coerente de decisões e organizar os recursos da produção para que estes possam se converter num conjunto adequado de características de desempenho que possibilite à organização competir eficazmente no mercado. Neste contexto, a estratégia de produção não deve ser vista como “descolada” das estratégias competitivas gerais das organizações. Nesta linha de argumento, Wheelwrigt (1984) procura estabelecer um elo de ligação entre a estratégia de negócio e a estratégia de produção. Para esse autor, a estratégia de produção é uma seqüência de decisões tomadas ao longo do tempo e que irão permitir à unidade de negócio atingir uma vantagem competitiva desejada. A interdependência ou interconexão da estratégia de produção com os demais objetivos corporativos também é destacada por Barros Neto e Fensterseifer (2000), os quais afirmam que esta dimensão da estratégia consiste num padrão de decisões referentes à função produção que devem ser coerentes com a estratégia competitiva da empresa e com as outras funções que a compõe (marketing, finanças, recursos humanos, etc.). Vista em suas especificidades, a estratégia de produção deve ser separada em dois termos essenciais para formar uma boa conceituação: o conteúdo e o processo (SLACK, CHAMBERS E JOHNSTON, 2002). Assim, o conteúdo da estratégia de produção envolve decisões e ações específicas que definem o papel, os objetivos e as atividades de produção. O processo é o método usado para produzir as decisões específicas de conteúdo. 2.1. O Conteúdo da Estratégia de Produção Os critérios competitivos derivados da estratégia competitiva da empresa, bem como as categorias de decisão de longo prazo que influenciam a tomada de decisão na função produção das empresas, são os principais elementos que definem o conteúdo da estratégia de produção. Deste modo, o estabelecimento da estratégia de produção (Figura 01), tem seu início na definição das estratégias competitivas de acordo com o mercado em que as empresas estão inseridas. Após, parte-se para a determinação dos critérios competitivos que devem ser priorizados pela função produção, conforme os aspectos estratégicos definidos na estratégia 3 competitiva. Por fim, na fase de tomada de decisão, se define como essa função dará suporte aos critérios competitivos escolhidos. 4 ESTRATÉGIA COMPETITIVA ESTRATÉGIA DE PRODUÇÃO CRITÉRIOS COMPETITIVOS - Qualidade - Flexibilidade - Desempenho na entrega - Custo - Inovatividade CATEGORIAS DE DECISÃO ESTRUTURAIS - Instalações - Capacidade - Tecnologia - Integração Vertical INFRA-ESTRUTURAIS - Organização - Força de trabalho - Gerência de qualidade - Relação com fornecedores - Planejamento e Controle da Produção Figura 01- Conteúdo da Estratégia de Produção Fonte: Baseado em PIRES (1995). Slack, Chambers e Johnston (1999) também consideram que a construção de um conjunto de metas e objetivos para a manufatura envolve a tradução das necessidades dos consumidores de forma a que os bens produzidos signifiquem algo para eles. Ou seja, como ou em quais aspectos os consumidores valorizam os serviços ou produtos com os quais a produção pode contribuir no desempenho da operação. Partindo desta questão, Slack, Chambers e Johnston(1999), mostram que uma forma útil para se distinguir essa valorização pode se dar através de critérios qualificadores e ganhadores de pedidos (desenvolvidos por Terry Hill, da Londom Business School). Os primeiros são os que estão num patamar mínimo exigido pelo mercado, significando que para competir no mercado o produto deve satisfazer um padrão mínimo de desempenho. Já os critérios ganhadores de pedidos, são aqueles que devem superar o desempenho oferecido pelos concorrentes para que aumente a competitividade da empresa e ganhem maiores fatias de mercado. A forma de seleção entre os critérios classificadores e ganhadores de pedido, dependerá das circunstâncias de cada mercado no qual a empresa atua. 2.2. Os Critérios Competitivos Os critérios competitivos são definidos como um conjunto consistente de prioridades que a empresa deve valorizar para competir no mercado. Para Slack, Chambers e Jhonston (2002), esses critérios competitivos são chamados de objetivos de desempenho básicos, sendo estritamente definidos e aplicando-se a todos os tipos de operações produtivas que buscam competitividade. A observação destes critérios possibilita estruturar a função produção da melhor maneira possível para que esta seja capaz de dar suporte a esta escolha. Estes critérios competitivos são evidenciados por diferentes autores com algumas pequenas distinções, mas há consenso em torno dos critérios competitivos representados pela qualidade, flexibilidade, custo, pela capacidade de inovação (inovatividade) e pelo desempenho nas entregas. 5 2.2.1. Qualidade Para Slack, Chambers e Jhonston (2002), qualidade significa fazer certo as coisas certas, sem descuidar-se que essas variam de acordo com o tipo de operação podendo, em alguns casos, ser a parte mais visível de uma operação. Conforme esses mesmo autores, o bom desempenho da qualidade em uma operação não apenas leva à satisfação de consumidores externos, como também facilita a vida das pessoas envolvidas na operação, pois satisfazer aos clientes internos pode ser tão importante quanto satisfazer aos consumidores externos. Isso se justifica pelo fato de que, internamente, quanto menos erros ocorram em uma unidade de produção, menos tempo será necessário para sua correção, resultando que a qualidade acaba reduzindo os custos. Porém, custos crescentes não são a única conseqüência de má qualidade. Neste enfoque, o ponto importante é que o objetivo de desempenho da qualidade envolve um aspecto externo que lida com a satisfação do consumidor e um aspecto interno que lida com a estabilidade e a eficiência da organização. Trabalhando com dimensões mais específicas da qualidade, Garvin (1987), sugere oito campos nos quais o conceito de qualidade se subdivide. Esses critérios são assim descritos por Garvin (1987), como observa-se na Figura 02: Figura 02- Dimensões da qualidade CRITÉRIOS DEFINIÇÕES Desempenho Refere-se às principais características operacionais dos produtos que normalmente são mensuráveis e, na maioria das vezes estão diretamente associados com as funções que irão desempenhar. Por outro lado, existem os atributos que não são fáceis de se mensurar como o conforto interno de um automóvel, por exemplo. Características Secundárias São aquelas que complementam as características principais de um produto e mesmo não estando presentes o produto é capaz de realizar as funções para as quais foi originalmente projetado. Contudo, a presença destas características pode adicionar satisfação ao usuário. Confiabilidade Reflete a probabilidade de um produto apresentar uma disfunção ou falha dentro de um determinado período de tempo. Conformidade Avalia o grau de adequação do produto aos padrões estabelecidos no projeto, sendo que este critério é o mais tradicional dentro da abordagem utilizada sobre qualidade. Durabilidade É avaliada sob duas dimensões: Dimensão técnica: é medida pelo tempo que um produto pode ser utilizado até iniciar seu processo de deterioração por desgaste. Dimensão econômica: avalia até que ponto o custo de manter um produto em funcionamento é menor que substituí-lo por um novo com maior tecnologia. Serviços agregados Compreende a rapidez em que um serviço é oferecido ao cliente, considerando-se competência, pronto-atendimento e cortesia. O serviço agregado parte da premissa de que o cliente não quer apenas usar o produto, e sim, ter uma necessidade satisfeita. Estética É uma dimensão de caráter subjetivo devido às preferências pessoais (aparência, gosto, som, sabor, entre outros). É também de caráter subjetivo já que o consumidor, mesmo não tendo um conjunto completo de informações sobre os atributos do produto ou serviço, faz seu julgamento Qualidade percebida na comparação das marcas. Neste caso, a percepção de qualidade é percebida através da imagem, publicidade, propaganda e, certamente, a marca. Fonte: Baseado em Garvin (1987). 6 O conhecimento de todas estas dimensões ou campos torna-se possível identificar um ou mais como sendo um nicho de qualidade no qual a empresa poderá focar para aumentar sua competitividade. 2.2.2. Flexibilidade A flexibilidade representa a capacidade de mudar a operação. Essa é uma dimensão competitiva cada vez mais importante nas empresas. Slack, Chambers e Johnston (1999), definem flexibilidade como a habilidade de um sistema adotar uma gama de estados diferentes. Já Gerwin (1993) a define como a capacidade que um determinado sistema produtivo tem de responder a variáveis internas e externas. Entre as variáveis externas tem-se as novas necessidades dos consumidores, avanços tecnológicos, necessidades de entregas cada vez mais rápidas (e.g). Como variáveis internas tem-se, como exemplo, a falta de matéria-prima adequada, quebras de máquinas e equipamentos, falha no suprimento de fornecedores, entre outras. Com base no conceito de flexibilidade, Corrêa e Slack (1994) advertem que existem duas dimensões relevantes na análise dos sistemas de manufatura: a faixa ou amplitude e a capacidade de resposta. A faixa ou amplitude diz respeito à quantidade de estados diferentes que o sistema pode assumir ou largura da faixa de estados possíveis para um sistema (por exemplo, a quantidade diferente de peças que uma máquina pode processar). Quanto maior a faixa, mais flexível é o sistema. Já capacidade de resposta está relacionada com o tempo que um sistema requer para adaptar-se a uma nova situação. Nesta dimensão, inversamente à faixa, quanto menor o tempo, mais flexível é o sistema. Slack, Chambers e Jhonston (2002) mencionam que o desenvolvimento de uma operação flexível pode também trazer vantagens aos clientes internos da operação. Neste sentido, a flexibilidade pode agilizar as respostas, pois geralmente a habilidade de fornecer serviços rápidos depende da flexibilidade da operação. A flexibilidade também economiza tempo, pois em qualquer organização, os funcionários precisam atender a uma ampla variedade de problemas e a flexibilidade é fundamental para uma maior velocidade de adaptação à uma nova situação. A flexibilidade também colabora na direção de aumentar a confiabilidade, pois pode ajudar a manter a operação dentro do programado quando eventos imprevistos perturbam os planos. 2.2.3. Desempenho nas Entregas Esse critério competitivo, conforme Wheelwrigth (1984), caracteriza-se por ser a capacidade da empresa em manufaturar e vender produtos que funcionem conforme o especificado, entregar dentro dos prazos estabelecidos e capacidade de correção de qualquer defeito no produto ou serviço imediatamente após sua detecção. Na operação interna, a resposta rápida aos consumidores externos é auxiliada principalmente pela rapidez da tomada de decisão, movimentação de materiais e das informações internas da operação, acarretando em benefícios complementares. Um desses benefícios complementares observados por Slack, Chambers e Johnston(1999) é que a confiabilidade de entrega vem tornando-se um ganhador de pedido entre os clientes. Mesmo que o cliente não observe esse diferencial na primeira compra, à medida que ele passa a percebê-los, a confiabilidade aumenta criando um vínculo entre cliente e fornecedor. Outro benefício reside no fato de que à medida que os prazos começam a ser rigorosamente atendidos, diminuem as ineficiências internas, provocando um compromisso maior por parte de todos na operação. Há também uma tendência de os estoque baixarem bem como de melhorar o fluxo, já que menores estoques forçam a diminuição do estoque em processo entre uma operação e outra. 7 2.2.4. Custo O custo é um dos critérios mais considerados na análise dos processos de produção, principalmente para empresas que concorrem diretamente em preços. Quanto menor o custo de produzir seus bens e serviços, menor pode ser o preço a seus consumidores. Mesmo as empresas que focam outros aspectos, estarão, certamente, interessadas em manter seus custos baixos. É um objetivo universalmente atraente. O custo, enquanto critério competitivo, é afetado por todos os demais, pois cada um dos objetivos de desempenho possui vários efeitos externos, acarretando em custos. Assim, na operação interna, uma forma importante de melhorar o desempenho de custos é melhorar o desempenho dos outros objetivos operacionais. 2.2.5. Inovatividade Enquanto fonte de vantagem competitiva, a inovação segundo Porter (1989), permite à empresa retornos acima da média quando a concorrência falha em não perceber uma nova maneira de competir e/ou quando esta não está disposta ou não é capaz de responder às novas maneiras de competição no mercado em que atua. A inovação não necessariamente se faz através de grandes mudanças, pois a inovação em manufatura é uma implementação de novas idéias, grandes ou pequenas, que tem um potencial de contribuir para os objetivos da organização. Como uma forma de inovação, a introdução de novos produtos, pode gerar dois tipos de vantagens competitivas. A primeira, obviamente, é lançar produtos mais rápidos que os concorrentes. Neste caso, enquanto os concorrentes lentos não chegam ao mercado, a empresa veloz pode explorar o mercado com preços mais altos e, conseqüentemente, gerando lucros maiores. A segunda vantagem competitiva é iniciar o desenvolvimento do produto mais tarde e chegar ao mercado juntamente com os concorrentes. Neste tipo de vantagem, a empresa veloz acaba tendo a chance de usar tecnologias mais avançadas no processo de fabricação de produtos que aquelas que seus concorrentes estão utilizando, gerando vantagens adicionais de custo, qualidade, flexibilidade ou velocidade de entrega (DIAS, 2002). Os critérios apresentados são importantes para a competitividade da indústria avícola. Na seqüência, apresenta-se um panorama da indústria de abate de abate de frangos no Brasil, com vistas ao estabelecimento de comparações entre a teoria e a realidade observada. 3. AGROINDÚSTRIA DE ABATE DE FRANGOS NO BRASIL A vocação naturalmente agrícola determinada pelas condições de clima e solo brasileiro determinou, no início da década de 1970 uma rápida expansão da produção de grãos, notadamente milho e soja, principalmente devido a incorporação de novas áreas de produção. Como estes grãos representam os principais insumos na composição de rações para as criações intensivas de animais, a avicultura, através do sistema integrado de produção e a implantação de modernos abatedouros, tomou forte impulso de crescimento. Confirmando o argumento da vinculação entre a produção de grãos e o crescimento da atividade industrial de produção e abate de aves, Rizzi (1993) revela que 80% dos insumos utilizados na avicultura de corte estão associados ao milho e ao farelo de soja, representando os principais componentes desta cadeia produtiva e que possibilitam a transformação de proteína vegetal em proteína animal, primeira fonte de agregação de valor neste segmento de atividade. 8 Avós Fornecedores Granja de Matrizes Fábrica de Ração Incubatório Criadores Integrados Comércio de Produtos Agroavícolas Fornecedores Abatedouros Clientes Figura 03- Sistema integrado de produção de frango de corte. Fonte: Elaborado pelos autores. Outra característica marcante do setor é o sistema integrado de produção (Rizzi, 1993). O sistema integrado consiste numa forma de relacionamento entre a agroindústria de abate (integradora) e produtores rurais, na qual o produtor de frango (integrado) se caracteriza pela utilização de mão-de-obra familiar, pela diversificação de suas atividades e por ser proprietário de sua terra (RICHETTI e SANTOS, 2000). Desde sua origem, a indústria avícola esteve fortemente ligada à conjuntura políticoeconômica do país. Para Rizzi (1993) o surgimento da moderna agroindústria brasileira de abate de frango ainda durante os anos de 1970, foi fortemente beneficiada por uma política agrícola que, no seu conjunto, trazia condições de crédito subsidiado à instalação de frigoríficos, à comercialização e à instalação dos aviários por parte dos produtores integrados. Do ponto de vista interno das firmas, ao investigar sobre as condições tecnológicas da agroindústria avícola no Brasil, Rizzi (1993) concluiu que o setor apresentou um grande avanço tecnológico no tocante ao abate e processamento das carnes e principalmente em termos de novos produtos. No entanto, este segmento é ainda totalmente dependente em relação às linhagens de aves geneticamente melhoradas dominadas por um pequeno grupo concentrado de empresas multinacionais estrangeiras. A genética das aves tem sido determinante para o desempenho do setor permitindo a utilização de linhagens mais apropriadas a determinadas regiões e principalmente adaptadas aos diversos tipos de consumo. No tocante a atividade de abate, as tecnologias não representam uma barreira às firmas entrantes, pois a difusão da tecnologia se dá pelas empresas produtoras de bens de capital. Os principais avanços tecnológicos neste segmento da cadeia têm se configurado pela modernização dos processos de abate por meio da automatização mecânica. Conforme Rizzi (1993), os pacotes tecnológicos empregados pela agroindústria de abate de aves são desenvolvidos pelos fabricantes de bens de capital, na maioria estrangeiros e, em geral, são as empresas líderes as que mais investem em ampliação da capacidade produtiva e mecanização da produção. No entanto, mesmo frente a relativa facilidade de acesso às tecnologias de abate, é comum encontrar empresas que trabalham paralelamente com linhas mecanizadas e manuais, especialmente na etapa que envolve os cortes de frango. Ampliando o foco da análise para contemplar o ambiente concorrencial no qual estão inseridas as indústrias avícolas no Brasil, uma rápida investigação sobre as características da desta indústria já permite que se identifique as empresas Sadia e Perdigão como as líderes do setor. A posição alcançada por estas empresas resulta de um processo que foi auxiliado por sua longa experiência acumulada na área de suínos, na qual haviam direcionado a produção para os grandes centros urbanos e para exportação. Antes mesmo de se lançarem na produção de aves, estas empresas já haviam desenvolvido estratégias de integração como forma de controlar a qualidade e o abastecimento da matéria-prima (WILKINSON, 1993). 9 Quando ao mercado consumidor, assim como os demais segmentos que atuam no mercado de alimentos, a indústria avícola se depara com uma crescente modificação nos hábitos alimentares. Segundo Wilkinson (1993), procurando estar alinhadas com as modificações nos mercados de seus produtos, as estratégias das empresas líderes voltaram-se para a segmentação e sofisticação do mercado. As características mais fortes do ambiente competitivo da agroindústria avícola apontadas por este autor, estão relacionadas ao domínio comum da base tecnológica e dos canais de comercialização. Isto implica na necessidade de se combinar as competências produtivas da empresa (qualidade, flexibilidade) com suas competências mercadológicas associadas à segmentação e diferenciação do mercado. A análise do ambiente competitivo mostra ainda que as empresas líderes constituem um grupo estratégico, compartilhando dimensões competitivas semelhantes tais como preço, marca, novos produtos e ações de marketing. Segundo Sifferet Filho e Faveret Filho (1998), o sistema de integração e as elevadas escalas de produção da etapa industrial são duas características marcantes das empresas líderes no segmento de carnes de aves. Também não se pode deixar mencionar o grau de concentração da indústria de abate de frango. Os níveis de concentração no mercado de aves são bastantes altos, tanto em termos de empresas que participam deste mercado como em termos de distribuição espacial da produção. 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 1980 1985 1990 1995 2001 Figura 04 - Grau de Concentração Indústria de Frangos no Brasil (CR4 - participação das 4 maiores no total da produção) Fonte: Elaborado com base em dados de Sifferet Filho e Faveret Filho (1998) e ABEF (2003). Sadia, Perdigão, Frangosul e Seara, quatro empresas líderes do setor, concentram mais de 30% da produção brasileira de carne de frango (Figura 04), conforme medida obtida pelo índice de concentração CR4. Em termos espaciais, Wilkinson (1993) mostra que os três estados do Sul são responsáveis por mais de 70% da produção nacional e por quase a totalidade das exportações. Apesar de dominada por um reduzido número de grandes empresas, a agroindústria avícola envolve também pequenas e médias empresas que se dedicam principalmente ao atendimento de mercados regionais. Estas empresas apresentam diferentes padrões tecnológicos e organizacionais, mas disputam o mesmo mercado em que estão as firmas líderes, configurando-se, assim, a existência de diferentes grupos estratégicos na mesma indústria. Por fim, sobre as modificações no ambiente competitivo, Rizzi (1993) salientou que o grau de competição do setor aumentou e passou a requerer, por parte das empresas líderes, a capacidade ampliação dos seus espaços de acumulação. O autor sugere que isto poderia ser 10 obtido através da incorporação de novas atividades, que aproveitassem o aprendizado adquirido e as sinergias dele decorrentes, o que reforçaria as barreiras à entrada e à mobilidade de concorrentes. Ao analisarem as estratégias das agroindústrias de abate de frangos, Sifferet Filho e Faveret Filho (1998) concluíram que apesar do preço ser um fator significativo em se tratando do comportamento do consumidor no mercado nacional de carnes, é necessário considerar as tendências qualitativas de consumo. Segundo estes autores, são estas tendências qualitativas no consumo que formam a base para as estratégias de segmentação do mercado. Para Sifferet Filho e Faveret Filho (1998), as ações de marketing estão fortemente vinculadas a estratégia de diferenciação de produtos. A análise destes autores sobre as dimensões das estratégias das empresas líderes no segmento de aves revela que estas atribuem grande importância à diversificação que esteja associada à mesma base tecnológica. Outra característica estratégica importante destacada por Sifferet Filho e Faveret Filho (1998) é a ênfase no mercado interno. Em síntese, as principais características do ambiente competitivo e estratégico no qual estão inseridas as agroindústrias brasileiras de abate de frangos podem ser assim apresentadas: No tocante aos concorrentes, destaca-se a homogeneidade e o acesso facilitado às das tecnologias empregadas nos processos de abate, mas que por outro lado implicam em consideráveis economias da escala, que se convertem em obstáculos às potencias firmas entrantes. Não obstante, mesmo sobre bases tecnológicas semelhantes, a indústria concentra grandes esforços no sentido da diferenciação de produtos. 40 32,9 30 Kg 20 17,2 10 0 24,4 20,1 7,4 0,6 11,1 7,3 6,2 2,7 1961-1970 22,7 8,6 6,9 0,5 0,6 0,7 1971-1980 1981-1990 1991-2000 Bovina Ovelha e Cabra Porco Frango Figura 05 - Consumo Anual per capita de Carnes no Brasil Fonte: Elaborado a partir de dados da FAO. Em relação aos consumidores e clientes, a agroindústria se depara com uma diversidade de comportamentos associados a questões de renda e preferências dos consumidores frente aos preços dos produtos. De outro lado, a carne de frango ao mesmo tempo em que enfrenta a concorrência com substitutos muito próximos, também se presta facilmente à diferenciação. Mas, de modo geral, o panorama é positivo, pois o consumo de frango e derivados tem aumentado mais do que as outras carnes, chegando a mais do que duplicar na última década, como observa-se na Figura 05. 4. MÉTODO E PROCEDIMENTOS Este trabalho tem por objetivo investigar o sistema de produção de uma unidade de abate de aves considerando os aspectos estratégicos da organização da produção focados em qualidade e custos. Para isso, o método de pesquisa adotado foi o estudo de caso de caráter 11 exploratório, tendo como organização objeto de estudo uma agroindústria de abate de aves, com sede em Porto Alegre, e unidades de abate na capital e no interior do Rio Grande do Sul. A coleta de dados baseou-se em dados primários e secundários. Os dados primários foram obtidos através de entrevistas e observação in loco, conforme visita realizada em outubro de 2003. Como referência, foi utilizada a unidade de Porto Alegre onde o quadro funcional na fábrica é de 490 funcionários, totalizando em toda a unidade 590 funcionários. Cabe destacar que a empresa que se configura no caso estudado é uma das maiores do seu segmento, considerando-se o estado do Rio Grande do Sul, abatendo cerca de 150.000 frangos por dia, o que corresponde a aproximadamente 16% da produção de frango deste Estado. Os dados secundários foram obtidos através de informações disponíveis no site da empresa e publicações disponibilizadas pela mesma. Os dados foram analisados qualitativamente tomando-se por base o referencial teórico utilizado neste estudo. 5. A ANÁLISE DO CASO 5.1. Contextualização da Empresa A empresa objeto deste estudo foi fundada no final da década de 1950, operando com apenas uma granja de criação de aves. É uma empresa genuinamente brasileira de capital aberto e suas ações são negociadas nas principais Bolsas de Valores do país. Voltada originalmente para a produção de carne de frango, a empresa pesquisada é atualmente uma das principais indústrias de alimentos do Brasil, atuando nos segmentos de proteína animal (aves, suínos e lácteos) e vegetal (grãos). Cabe destacar que a empresa pesquisada é uma corporação que, juntamente com as suas controladas e as suas respectivas filiais, conta com mais de 7,6 mil colaboradores diretos e aproximadamente 78 mil colaboradores indiretos alocados principalmente em seus complexos industriais, localizados nos Estados do Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Bahia. Acompanhando o crescimento da avicultura no Brasil, e prevendo boas perspectivas para o setor, a partir dos anos de 1970 iniciou a expansão de suas atividades. Buscando diversificar suas atividades e vislumbrando na industrialização de soja um negócio de rápida expansão e de boa rentabilidade, a empresa também passou a operar na produção de óleos vegetais e mais recentemente na área de laticínios. No mesmo período, através de uma estratégia de incorporações, a empresa expandiu suas atividades no interior do estado. Apenas no início da década de 1990 é que foram dados os passos mais importantes na direção de uma mais efetiva estratégia de participação no mercado externo. Atualmente a empresa possui 17 granjas para criação de matrizes e produção de ovos para incubação, criação de poedeiras comerciais e produção de ovos para consumo e, criação de frangos de corte para abate; seis incubatórios; cinco fábricas de rações; quatro abatedouros de aves, além de outras propriedades. Possui, três unidades de produção (Rio Grande do Sul, Bahia e Mato Grosso do Sul), 2000 produtores de aves e 442 produtores de suínos. A empresa produziu em 2002, 300 mil toneladas de carne de frango e 70 mil toneladas de carne suína industrializada e in natura, consolidando-se entre as cinco maiores empresas do setor no Brasil. Os principais produtos e/ou serviços da empresa em relação a receita líquida são apresentados na tabela 01. 12 Tabela 01 – Principais produtos e serviços da empresa em relação a receita líquida Principais Produtos e/ou Serviços: % da Receita Líquida Frangos abatidos 49,96 Ovos comerciais 0,03 Rações para aves e suínos e matéria-prima 35,87 Suínos (vivos, abatidos e industrializados) 13,47 Outros 0,67 TOTAL: ........................................................................................ 100,00 Fonte: retirado do site da empresa em 21/07/2003. Os dados da tabela 01 revelam que o percentual mais significativo da receita líquida da empresa (49,96%) refere-se aos frangos abatidos seguidos das rações para aves e suínos e matéria-prima que perfazem um total de 35,87%. A produção de suínos vivos, abatidos e industrializados representam 13,57% da receita líquida da empresa. A comercialização dos produtos da empresa é realizada no mercado interno, e também via exportação para outros países, tendo como principais mercados o Leste Europeu, o Oriente Médio, América Central e países do Continente Africano. A tabela 02 apresenta o volume de exportação da empresa no período de 1999 a 2002. Tabela 02 – Exportações Exportações Valor em US$ Ano 1999 112.161 Ano 2000 20.456 Ano 2001 140.910 Ano 2002 185.114 Fonte: elaborado pelos autores com base nas informações fornecidas pela empresa Os dados da tabela 02 revelam, no ano de 2002, um crescimento de 32% no volume total de produtos exportados em relação ao ano anterior. Este crescimento é resultado de investimentos em estrutura e preparo para atender às necessidades e exigências do mercado internacional. 5.2. O processo produtivo: da criação das aves ao abate Na empresa pesquisada, os frangos são produzidos em granjas de parceiros criadores, que disponibilizam os aviários dentro dos conceitos de estrutura e equipamentos adequados, para um correto manejo dos pintinhos e das rações recebidos, ou seja, através de um sistema integrado de produção. Na fase de engorda dos frangos, os aviários integrados utilizam medicamentos, vacinas ou desinfetantes quando necessários, com auxílio de extensionistas, que prestam assistência técnica à estes parceiros, os quais geralmente utilizam-se de mão-deobra familiar. Os extensionistas da empresa são técnicos agrícolas, zootecnistas, médicosveterinários, e engenheiros agrônomos especialistas em produção de aves, que treinam e capacitam constantemente os avicultores usando técnicas como o "Check-List" (lista de checagem), que consta de 47 pontos de monitoramento no aviário, verificando o ambiente e 13 temperaturas adequados, a qualidade e a cloração da água e o destino das aves mortas em compostagem (processo de decomposição e transformação das aves mortas em adubo). As principais etapas que compõem o processo de produção da empresa são: a) matrizes de corte - a empresa compra e produz pintos matriz de um dia, os quais permanecem até 180 dias de idade em fase de recria. A partir dessa idade passa para a fase de produção de ovos os quais são enviados ao incubatório onde são classificados e incubados durante 21 dias. Os pintos nascidos são enviados para as granjas de criação própria e para produtores integrados; b) frangos de corte - os pintos de um dia são alojados em granjas com instalações previamente preparadas e equipadas com campânulas (aquecedores a gás e/ou lenha), comedouros e bebedouros automáticos e preparado a cama de serragem. Os pintos permanecem em média 45 dias alojados e atingem um peso médio de dois kg. Os frangos em idade e peso de abate, são enviados ao frigorífico onde são abatidos, embalados, resfriados ou congelados e vendidos à distribuidores e supermercados. 5.3. As Prioridades Competitivas Adotadas O ponto fundamental para desenvolver uma estratégia de produção está na compreensão em como criar ou agregar valor para os clientes. Esse valor é agregado através das prioridades competitivas que são selecionadas pelas empresas para apoiar uma determinada estratégia. Nesta parte do trabalho, tentar-se-á identificar o desempenho da empresa objeto do estudo de caso, segundo os critérios competitivos definidos por Wheelwrigth (1984), resgatando como, a partir dos critérios de qualidade e custos, a empresa focaliza seus recursos como fonte de vantagem competitiva na estratégia de produção. 5.3.1. Qualidade No que se refere ao critério competitivo qualidade, pode-se observar que na empresa investigada existe uma preocupação constante em relação a este quesito, que se materializa através de uma série de atividades que são desenvolvidas, destacando-se o acompanhamento do Departamento de Controle de Qualidade da empresa que apresenta um check-list que deve ser seguido para liberação do abate diário e higienização. Na produção direcionada para o exterior, uma das exigências é que os frangos devem pesar necessariamente entre 800g e 1.500g, sendo que para atender esta exigência a empresa investiu em tecnologia como a aquisição de balanças eletrônicas que descartam os frangos que não se enquadram nesta pesagem. Esta iniciativa enquadra-se no critério conformidade estabelecido por Garvin (1987) que consiste em avaliar o grau de adequação do produto aos padrões estabelecidos, considerado um dos critérios tradicionais de qualidade. O processo produtivo inicia com o recebimento do frango vivo dentro dos padrões estabelecidos e controlados pelos laboratórios da própria empresa. Existem pontos de controle (PC) que são rigorosamente seguidos pela empresa, tais como: tempo de jejum do frango vivo, tempo de carência de medicamentos, entre outros, que somente depois de analisados, liberam o animal para o abate. Após a liberação, o frango segue para o abate humanitário, onde é feita a sangria, passando depois pela escaldadeira onde são cortadas as cabeças e os pés dos animais. Na seqüência, as cabeças e os pés seguem para uma linha de produção onde são higienizados e resfriados garantindo, assim, o controle microbiológico. O frango (sem cabeça e pés) segue para outra linha de produção passando para a etapa seguinte que é a evisceração. Esta etapa caracteriza-se como um dos pontos críticos do processo produtivo onde são retiradas as vísceras do animal existindo o risco de contaminação fecal e biliar, caso ocorra rompimento dos tecidos do frango. Nesta etapa, há a separação dos miúdos, sendo que os comestíveis vão para o sistema de resfriamento e os não comestíveis para o setor de subprodutos. 14 Outro ponto crítico refere-se ao sistema de pré-resfriamento e resfriamento do frango onde a temperatura deve ser rigorosamente controlada assim como controle de cloro e da água utilizada. Por fim, o frango vai para o setor de embalagem sendo classificado por peso e qualidade da carcaça e congelamento final. Quanto ao armazenamento, o produto fica armazenado na câmara fria de 6 a 12 horas, numa temperatura de 18o C abaixo de zero. Para atender às especificações desejadas, novas técnicas de gestão da qualidade são utilizadas pela empresa, como o APPCC (Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle) ou HACCP na sigla em inglês, e a BPF (Boas Práticas de Fabricação). O sistema APPCC se baseia no princípio preventivo onde os perigos são controlados em toda cadeia produtiva, considerando-se desde a incubação dos ovos até a distribuição do frango embalado. Na definição de procedimentos e técnicas para o monitoramento nos PCCs (Pontos Críticos de Controle), o sistema APPCC a nível industrial constitui uma etapa complementar importante na obtenção de certificação ou na adoção de planos mais amplos de controle de qualidade como o TQM (Gestão de Qualidade Total). O sistema APPCC se destaca ainda pelo fato de que todos seus testes e monitoramentos sejam inter-relacionados e interpretados conjuntamente, como um sistema, ao contrário dos outros sistemas de qualidade, em que as análises tendem a ser isoladas. Este sistema dentro de qualquer agroindústria de abate de aves torna-se de fundamental relevância para eliminar ou minimizar perigos, como a salmonela e outros microorganismos que podem surgir, como, por exemplo, no processo de evisceração, onde pode ocorrer contaminação fecal. Outro aspecto que merece destaque, refere-se ao programa de saúde oferecido aos funcionários da empresa através de ginástica laboral e atendimento médico para dores musculares, devido ao processo de trabalho rotineiro e contínuo, além de exames de sangue, urina e fezes. No entanto, mesmo assim, pode-se destacar que o turnover é bastante alto. Dentro da qualidade ambiental, a empresa pesquisada trabalha com um processo de tratamento da água, sendo que do total, 80% da água utilizada pode ser reaproveitada, até porque, a empresa necessita em média de 400.000 litros de água por dia. Os produtos que porventura caem no chão podem ser aproveitados passando por uma lavagem em água hiperclorada. Esses pontos críticos, conforme Scare e Martinelli, (2003) foram estendidos para fora das empresas, através da visão de qualidade sistêmica, que tem como objetivo gerar a cooperação de todos os envolvidos na cadeia de um produto agroalimentar, desde o fornecedor de insumos para a agricultura até as redes supermercadistas. Para o fortalecimento das marcas que garantam ao consumidor a imagem de qualidade, os integrantes dos sistemas agroindustriais vêm gradativamente transferindo o foco da garantia da qualidade do produto final para a garantia da qualidade do processo produtivo, enfatizando o controle dos pontos críticos na produção dos produtos. Analisando-se sob a ótica dos critérios de qualidade apontados por Garvin (1987) percebe-se a preocupação da empresa analisada em relação aos seguintes critérios, conforme apresentados na Figura 06. 15 Figura 06 – Critérios de qualidade e aspectos considerados pela empresa pesquisada. Critérios Aspectos Considerados Controle de recebimento do frango vivo, através de exames em laboratórios da própria empresa, como tempo de jejum, tempo de carência de medicamentos, peso do animal, etc. Nesta dimensão, as características apontadas por Garvin (1987) complementam as características de um produto e mesmo não estando presentes o produto é capaz de realizar as funções para as quais foi projetado. No caso analisado, por se tratar de um produto alimentício, podeCaracterísticas Secundárias se considerar como características secundárias a preocupação da empresa com o controle de pragas , lavanderia de uniformes, higienização das pessoas que trabalham no frigorífico e dos visitantes. São características importantes para adicionar satisfação aos clientes. Esta característica é atendida através do sistema de integração adotado pelas empresas avícolas, através da coordenação das atividades complementares ao abate, desde o fornecimento da matéria prima para o avicultor (os pintos Confiabilidade de um dia), insumos utilizados como a produção de ração, assistência técnica até o desenvolvimento de um esquema de contrato para a criação das aves pelos produtores rurais. O grau de adequação do animal aos padrões estabelecidos tanto para consumo interno como para exportação é rigorosamente seguido pela Conformidade empresa. Animais que não se enquadram nos padrões estabelecidos seguem para a linha de produção de corte e desossa. Este critério caracteriza-se como um ponto crítico no processo produtivo da empresa. A durabilidade do animal depende basicamente das etapas de resfriamento e congelamento por ser considerado um produto perecível. Existe também a preocupação da empresa em relação ao acondicionamento Durabilidade dos frangos e da temperatura nos locais onde os produtos são colocados à venda. Esta etapa garante o controle microbiológico, bem como os controles referentes aos perigos físico-químicos. Por se tratar de um produto perecível esta dimensão é de relevante importância. Os serviços agregados compreendem a rapidez que um serviço é entregue. Neste caso, mesmo não se tratando de serviços a rapidez na Serviços Agregados distribuição e entrega dos produtos aos pontos de comercialização é um dos pontos críticos do processo em função da validade e qualidade dos animais que serão comercializados. Esta dimensão também encontra-se presente, visto que os frangos que recebem um corte além do estabelecido pela empresa, passam para a linha de Estética produção de corte e desossa, não sendo comercializados inteiros. Também há uma grande preocupação com a aparência, cor e tamanho do animal, assim como técnicas de corte para atender às preferências dos consumidores. Por ser considerada uma dimensão subjetiva, a empresa acredita que a qualidade é percebida, por parte do consumidor, através da sua marca enquanto sinônimo de qualidade e preocupação ambiental. Nesta dimensão, Qualidade percebida pode-se citar como exemplo o bom relacionamento com a comunidade local, visto que existem históricos de muitas reclamações por parte dos moradores da região. Fonte: elaborado pelos autores com base em Garvin (1987). Desempenho A empresa deve estar atenta ao atendimento das dimensões apontadas por Garvin (1987), no sentido de identificar quais atividades podem ser aperfeiçoadas e/ou eliminadas de modo a possibilitar a satisfação do cliente final e o incremento de sua competitividade no mercado avícola nacional e internacional. Atualmente, em função da gripe do frango em países como a China e Estados Unidos, novas oportunidades estão surgindo para o mercado 16 brasileiro, sendo necessário uma atenção cada vez maior, em relação aos critérios de qualidade e produtividade. 5.3.2. Custo O sistema de custos oferece informações relevantes sobre os gastos incorridos nos diversos centros de custos que compõem a estrutura da empresa, possibilitando a identificação dos centros responsáveis pelo consumo dos gastos facilitando o controle gerencial, a elaboração de orçamentos e a tomada de decisões por parte da organização. A empresa pesquisada possui sete centros de custos, porém, o foco deste estudo concentrou-se no centro de custos do Frigorífico que recebe os frangos vivos oriundos das granjas da própria empresa ou de granjas de terceiros. No frigorífico, o frango passa pelo processo de abate, corte/desossa e salsicharia e, então, é encaminhado para distribuição. Pelas informações obtidas na empresa, percebe-se que os custos variáveis representam uma parcela significativa do custo total, sendo que os custos fixos representam menos de 10% dos custos totais do frigorífico. Convém salientar que o principal item de custo variável refere-se a matéria-prima (frango) que representa aproximadamente 70% do custo total seguido de gastos com embalagens. Os gastos com mão-de-obra, particularmente nesta empresa, são tratados como custos variáveis em função das peculiaridades deste segmento empresarial que caracteriza-se por um elevado índice de turnover de pessoal. Quanto aos custos fixos destacam-se os gastos com manutenção em geral. Por fim, os custos classificados como indiretos referem-se basicamente a gastos com laboratório e caldeiras. Cabe destacar que a empresa procura reduzir seus custos diretos de produção, porém dado que o principal componente do custo total é representado pelo frango vivo, torna-se difícil para a unidade de abate interferir sobre esta variável que se define num processo anterior ao próprio abate. Ou seja, custo de produção do frango se determina nas granjas e depende de outros elementos, dentre os quais destaca-se a composição das rações fortemente dependente dos preços de duas commodities agrícolas, o milho e a soja. Para gerenciar seus custos, pode-se observar que a empresa utiliza um sistema de custeio tradicional, ou seja, o custeio por absorção, sendo que para fins gerenciais a empresa utiliza uma mescla do custo padrão com o custeio por absorção. Segundo Santos, Marion e Segatti (2002), o método de custeamento por absorção consiste na apropriação de todos os custos de produção aos produtos elaborados de forma direta e indireta (rateios). Esse método de custeio é falho em muitas circunstâncias, como instrumento gerencial de tomada de decisões, porque tem como premissa básica os “rateios” dos chamados custos fixos, que, apesar de aparentarem lógicas, poderão levar a alocações arbitrárias e enganosas. As despesas fixas apresentam como base de rateio o faturamento e a produção, sendo que as despesas com administração local são rateadas de acordo com a produção da unidade onde incorreram os gastos sem necessidade de realização de rateio. Já as despesas com administração corporativa são rateadas com base no filing e com base na produção de cada unidade. As despesas com administração central, vendas, exportação, armazenagem e despesa com filial são rateadas com base no faturamento. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS O propósito deste trabalho foi o de investigar o sistema de produção de uma unidade de abates de aves com foco nos critérios competitivos: qualidade e custos. A realização do estudo revelou a preocupação da empresa em relação à qualidade dos seus produtos que se evidencia através de rigorosos controles para eliminar ou minimizar a presença de 17 microorganismos, bem como de perigos físico-químicos previstos nas normas de Boas Práticas de Fabricação (BPF) e Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC). Percebeu-se, a preocupação da empresa com a questão ambiental, visto que existe histórico de reclamações por parte da comunidade local. Atualmente, segundo informações da empresa, estas reclamações não ocorrem e há preocupação constante com os resíduos e graxarias que são eliminados, bem como com o tratamento da água. Um ponto que merece atenção por parte da empresa refere-se ao alto índice de turnover de pessoal, decorrente da atividade altamente rotineira e operacional. A empresa desenvolve atividades para melhoria das condições de trabalho, como por exemplo, a ginástica laboral. No entanto, salienta-se que novas iniciativas podem ser adotadas pela empresa, no sentido de minimizar o índice de turnover, tais como: rodízio de tarefas que são desenvolvidas pelas pessoas, investimentos em programas de treinamento e desenvolvimento, melhoria das condições de trabalho e preocupação com a qualidade de vida dos colaboradores. Em relação a dimensão custos, destaca-se que a adequada apuração, análise, controle e gerenciamento dos custos de produção dos bens e serviços devem ser preocupações dos empresários e gestores das organizações em geral, que justificam-se pela busca contínua, pelas organizações, de melhor posicionamento competitivo. Destaca-se, através da realização deste estudo, que a empresa investigada preocupa-se com a gestão de custos uma vez que a mesma o considera uma importante ferramenta para o processo decisório. Entretanto, ressaltase que, a empresa pesquisada utiliza um sistema de custeio convencional uma vez que a maioria dos seus custos são diretos não sendo necessário, desta forma, a realização de rateios arbitrários. O levantamento, controle, identificação e gerenciamento dos custos não determinam o preço da carne de frango sendo este definido pelo mercado, o que por sua vez, reforça a preocupação que a empresa deve ter em relação a gestão de seus custos. A empresa não pretende adotar uma nova metodologia de custeio, como por exemplo, o sistema ABC em função dos altos investimentos que seriam exigidos, além de treinamento de pessoal e mudança nos modelos mentais da equipe gerencial e demais diretores da empresa. Atualmente um dos grandes desafios que a empresa enfrenta refere-se a decisões sobre a escolha do melhor mix de produção, como por exemplo: frangos cortados em pedaços com pele ou sem pele? Coxas de frangos com ou sem sobrecoxas? Estas decisões são de fundamental importância, servindo de referencial em termos de qualidade, produtividade e lucratividade, uma vez que a empresa não pode influenciar individualmente os preços dos produtos. Nesse sentido, uma adequada apuração e gerenciamento de custos na empresa investigada trará subsídios para a empresa enfrentar os desafios acima propostos e auxiliará na busca da competitividade garantindo o crescimento, manutenção e a sobrevivência da empresa no mercado. Assim, respondendo diretamente ao questionamento proposto inicialmente, a análise do caso pesquisado, indica que as estratégias de produção, podem se configurar em importantes critérios de competitividade e em fontes de vantagens competitivas às empresas agroindustriais. Por fim, acredita-se que este estudo tenha servido para exemplificar algumas práticas no campo da estratégia e, principalmente, revelar a estreita ligação entre as estratégias de produção e o desempenho global das organizações do agronegócio. No entanto, este estudo se limita apenas a duas dimensões ou critérios competitivos: qualidade e custos. Assim, sugerese que outros estudos poderiam ampliar a análise incorporando os demais critérios apresentados por Wheelwrigth (1984), ou, ainda, analisar outros segmentos e cadeias do agronegócio utilizando este modelo. 18 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABEF, Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frangos. Disponível em: www.abef.com.br. Acessado em: 04/10/2003. BARROS NETO, J.P.; FENSTERSEIFER, J.E. O conteúdo da estratégia de produção: as categorias de decisão da função produção e a construção de edificações. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPAD, 24., Florianópolis, 2000. Anais... Rio deJaneiro: ANPAD, 2000. 1 CD-ROM. CORRÊA, H. L; GIANESI, I.G.N. Just in time, MRP, OPT: um enfoque estratégico. São Paulo: Atlas, 1993. CORRÊA, H. L; SLACK, N. Flexibilidade estratégica na manufatura: incertezas e variabilidade de saídas. 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