Um experimento para determinar aceleração da gravidade usando um fluido em rotação uniforme Carlos A. F. Pintão1, Moacir P. de Souza Filho2, Gustavo Iachel3, Momotaro Imaizumi4 1,2,3,4 Unesp/Departamento de Física/Faculdade de Ciências-Bauru, [email protected] ABSTRACT In this paper, we use a different experimental setup compared to traditional ones in order to determine the acceleration of gravity g. A system of measurement comprised of a cylindrical receptacle with water, fixed on a shaft from a rotational system, and an electric-electronic specific circuit to measure electric current or frequency, are used in order to determine angular velocity of the fluid in uniform rotational movement. An equation to determine g is inferred from fluid mechanics, taking into consideration the parabolic shape of the fluid when the set is moving around a rotation axis. The results show that g is obtained with a minimum deviation and precision value of 0% and 0,8%, respectively, in relation to the expected value: 9,79m/s2. Keywords: acceleration of gravity, fluid mechanics, angular velocity. 1 Introdução A medida da aceleração da gravidade (g) é um assunto de interesse científico para metrologia, geofísica, geodésia e áreas do conhecimento que envolve o ensino da física. Para a metrologia, porque a aceleração da gravidade influencia a medida de uma grandeza física que envolve uma força padrão; já para geofísica e geodésia, que estudam as variações da gravidade MARSON and FALLER (1986), interessa porque possibilitam estudar as causas das mudanças da gravidade. Neste sentido, há a necessidade de desenvolver experimentos e equipamentos que permitam medir g com muita precisão. No ensino da física, em geral nos cursos de graduação, um dos interesses dos educadores é descrever alguns dos inúmeros fenômenos físicos encontrados na natureza e, para este propósito, o valor de g é determinado como uma comprovação de sua descrição. Desta forma, não há grande necessidade, como naquelas áreas específicas citadas, de se obter um g com um número de algarismo significativo maior que três, que é freqüentemente encontrado nos textos de física. Por essa razão e questões de simplicidade experimental, encontram-se três experimentos tradicionalmente usados para se determinar g, que são: Queda livre, Pêndulo Simples e Físico. Alguns experimentos mais recentes, que diferem daqueles tradicionais, pelo fato de usarem técnicas de medição modernas, conseguem mostrar características do movimento de um corpo que são importantes para o aprendizado da Física na determinação de g. A exemplo o artigo de PERUZZO (2010), que por meio da visualização gráfica dos intervalos de tempo entre impactos sucessivos de corpos no solo, usando um microfone próximo ao chão e um software Audacity para captar e analisar graficamente o som, ele mostra que a distância que o corpo percorre em queda livre é proporcional ao quadrado do tempo de queda determinando g. Artigos que mostram técnicas de aquisição e análise de dados por meio do uso de computador como CAVALCANTE e TAVOLARO (1997) ou MOREIRA, NEVES PINHEIRO e PINHEIRO (1991) que se baseiam na analise de incertezas para a seleção de instrumentos adequados para a experimentação, determinam g como comprovação de suas descrições. Além dos trabalhos anteriores existe àqueles baseados em modelos teóricos como o de LOPES (2008) mostrando uma expressão para calcular g com a latitude e altitude. 2/2 Neste artigo, propõe-se um experimento diferente desses tradicionais para determinar g. Inicialmente, descreve-se o movimento de um fluido em rotação uniforme e chega-se a uma equação que contém a aceleração da gravidade. A seguir, descreve-se um sistema de medida que permite a medição de uma corrente elétrica ou freqüência usando um medidor de corrente analógico ou um osciloscópio digital, respectivamente. Por intermédio destes valores, corrente ou freqüência, mostra-se como é possível determinar a velocidade angular de um fluido em rotação uniforme. Para cada uma das velocidades angulares selecionadas, a forma como a superfície do fluido ficará dentro do cilindro pode ser quantificada, levando-se em consideração a altura da coluna do líquido em relação a sua base, conforme será descrito a seguir. r dr y h r FN . -F N Fg h C r dy dr O r0 R (p h0 H p dy ) y 1_ d 2 p r (p dy p y d 1 _ d 2 rd r O z x . p dr ) r (r+dr)d . dr p 1d _ 2 Figura 1 – (a) – Rotação do fluido em torno de y com uniforme; (b) Elemento de volume representando uma partícula do fluido que atua com uma pressão (p) sobre suas superfícies e a gravidade na direção contrária de y crescente; (c) – Elemento de volume infinitesimal usado no cálculo do volume quando o fluido se movimenta com uniforme. 2 Definindo a equação para obter a gravidade Um fluido de peso específico , dentro de um recipiente cilíndrico de raio R, gira uniformemente com uma velocidade angular (Fig. 1(a)). Depois de algum tempo, ele se comporta como um sólido (STREETER (1977), GILES (1972), HUGHES and BRIGTON (1974), considerando-se que cada partícula do fluído possua aceleração constante e não tenha movimento relativo em relação à sua vizinhança imediata. Deste fato, subentende-se que as tensões tangenciais ou cisalhantes resultantes são nulas para cada ponto do fluido. As únicas forças que agem sobre as partículas do fluido são decorrentes da pressão (no caso de um ponto da superfície do fluido, temos a ação de uma força normal em decorrência da pressão atmosférica, FN, que terá uma reação da partícula sobre a atmosfera, -FN.), e da gravidade (força gravitacional, Fg, em razão da atração da massa da terra sobre a partícula). Considere as coordenadas polares y, r e , expressas em relação a um referencial inercial Oxyz, o mesmo referencial do laboratório, como mostra a Fig. (1b). Uma partícula do fluido, dentro desse recipiente, que gira a uma velocidade angular uniforme, apresentará sobre um plano paralelo a xz uma trajetória que é uma circunferência, cujo centro (C) é definido pela intersecção de com o eixo y. Para que essa partícula descreva uma circunferência, a direção de sua velocidade variará com o tempo, embora sua intensidade seja constante, pelo fato de a velocidade angular ser uniforme e r fixo. Em outras palavras, a resultante das forças na direção da tangente dessa trajetória (circunferência de centro C) é igual a zero, o que equivale a dizer que p 0 . Logo, deve existir uma aceleração, especificamente em virtude da variação da direção de sua velocidade. Essa aceleração é conhecida como aceleração centrípeta e apresenta uma direção e sentido contrário ao de r crescente. A sua intensidade é expressa por 2r e, as suas componentes em x e y são - 2r cos e - 2r sen , respectivamente. Se essa partícula sofre o efeito de uma aceleração radial, então, a segunda lei de Newton garante que existirá uma resultante de força nessa direção, com o mesmo sentido da aceleração, e que ela é a causa da variação na direção da sua velocidade. Essa força, conhecida como força centrípeta, tem origem na pressão sobre a superfície do elemento infinitesimal, que representa a partícula do fluido. A força gravitacional tem a direção y e, portanto, não interferirá nessa força radial. Aplicando a segunda lei de Newton na direção r para essa 3/2 partícula, considerando o mesmo referencial Oxyz, bem como a aproximação para ângulos 1 2 pequenos sen( d ) p dy r d p dr ) dy (r r (p dr ) d 1 d , encontra-se que: 2 1 2 p dy dr ( d ) dy r d dr 2 r . 2 g Se os termos de ordem superior a dois são desprezados, resulta em: p r 2 g r. (1) Por outro lado, a partícula se movimentará na direção y, assim que o conjunto começar a girar, até atingir um valor de uniforme. Dessa forma, deve existir uma variação na pressão que equilibrará as forças na direção y e manterá a partícula em equilíbrio hidrostático. Expressando essas forças na direção y para o elemento de volume considerado, Fig. (1b), segue que r dr d dy p r dr d p dy ) r dr d y (p 0, de forma que a equação de equilíbrio nesta direção resulta em: p y . (2) 2 Observa-se que p é uma função só de r e y, p uma vez que 0 , pode a diferencial total de pressão expressa por dp reescrita ao se substituir p r p dy y p dr , ser r e p , pelas y equações (1) e (2), respectivamente, isto é: dp dy 2 g r dr . (3) Integrando a equação (3), assumindo-se que para r=r0 tem-se: y=h0 e p=p0, e que para r0 r R, h e p são arbitrários, encontra-se que: 2 p p0 (h h0 ) g (r 2 r0 2 ) . 2 (4) Para uma superfície a pressão constante, p=p0, ou dp=0, obtém-se: 2 h questão prática, o ponto O, origem dos eixos cartesianos, é posicionado sobre o eixo y, na altura da base do cilindro, e os eixos x, y e z encontram-se em repouso em relação ao local do experimento. O valor de h0 é constante para cada uniforme e r0 e g são constantes. Como a forma da superfície deve variar para cada novo valor de , então h0 deve assumir valores diferentes. Uma maneira de visualizar isto é adicionar um volume de água dentro de um recipiente cilíndrico e então girá-lo em torno de seu eixo de simetria, até que ele atinja uma velocidade angular uniforme. Considere que o volume do fluido é o mesmo para as situações em que o recipiente está em movimento de rotação ou parado. É claro que a situação em que o fluido pode transbordar do recipiente não será considerada. Portanto, é possível definir uma equação com o objetivo de determinar a aceleração da gravidade, como segue: Quando =0, o volume de fluido inicial é: (6) V1 ( R 2 r0 2 ) H . Quando 0, o volume é expresso por: h0 (r 2 r0 2 ) . 2g (5) Esta equação demonstra que, para cada velocidade angular mantida uniforme, a forma da superfície que o fluido assume no recipiente é um parabolóide, porque h é uma função de r2, uma vez que o observador se encontra parado em Oxyz (Fig. (1b)). Por V2 ( R 2 r0 2 ) 2 4g h0 ( R 2 r0 2 ) . (7) A equação (7) é obtida por meio da integração do elemento de volume (ver Fig. 1(c)), dV 2 rh dr , para r variando de r0 a R, e substituindo-se h proveniente da equação (5). Como o volume do fluido é o mesmo para diferentes , obtém-se: 2 H h0 ( R 2 r0 2 ) . 4g (8) É possível verificar que a equação (8) é válida, determinando g. Como os parâmetros H, R, r0 e g são constantes para diferentes configurações da superfície do fluido no recipiente e h0 muda para cada um dos valores de , pode-se definir 2 como uma variável independente, enquanto h0 como dependente, ou vice-versa, h0 como variável independente e 2como dependente. Esta última alternativa é a que será adotada neste trabalho. Para que este procedimento experimental seja realizado, é necessário que se determine o valor da velocidade, , e do parâmetro h0. Neste trabalho, optou-se por construir um circuito eletro-eletrônico que auxilia na realização da medição direta da corrente elétrica ou 4/2 freqüência e, então, determina-se indiretamente, conforme será exposto. Outros procedimentos experimentais podem ser utilizados com o mesmo objetivo, dependendo tão somente dos equipamentos que se tenham disponíveis no momento PINTÃO e SOUZA FILHO (2007). O problema discutido neste tópico, que define uma equação para obter o valor de g, foi também proposto como um dos problemas da parte experimental em uma Olimpíada Internacional de Física, na Turquia, em 2001, International Physics Olympiad (2001). A diferença experimental básica entre as soluções apresentadas neste artigo e naquela Olimpíada é a medida da velocidade angular e o foco dado para quantificar a mudança na forma da superfície do líquido dentro do recipiente em rotação. recipiente cilíndrico preso ao eixo de rotação, a freqüência descrita pela equação (9) pode ser relacionada à velocidade angular do eixo ou recipiente, . Para esse propósito, um disco compacto (CD) foi preso ao eixo de rotação e dividido em 24 seções iguais, tendo doze dessas seções sido cobertas com folhas opacas, tal que, alternadamente, o CD, ao girar, acoplava as superfícies espelhadas e opacas. Em seguida, com um dispositivo sensor opto eletrônico (Emissor e receptor infravermelho), que distingue a natureza da superfície por reflexão, foi montado faceando a superfície do CD (Fig. 3). Usando um circuito integrado CI 4069, como mostra a Fig. 2b, o nível lógico 0 está associado à superfície opaca, e o nível 1, àquela espelhada. Os níveis (pulsos quadrados) comandam uma chave de comutação analógica, CMOS (CI 4066), que realiza o papel da chave S mostrada na Fig. 2a, iniciando os processos de carga e descarga do capacitor. A freqüência de rotação do eixo é Figura 2 – (a) Circuito para medida de freqüência; (b) Diagrama do circuito do sensor opto eletrônico. 3 Medindo a velocidade angular, , e a altura, h0 A velocidade angular pode ser medida indiretamente usando-se o método de FLEMING and CLINTON (1903). Conforme mostra a Fig 2a, o capacitor é carregado quando a chave S estiver em contato com o terminal p. Uma vez que o capacitor esteja carregado, quando S estiver em contato com q por meio do medidor de corrente DC, M, ele será descarregado. A freqüência de comutação, f, pode ser expressa como: f i , CV (9) em que i é a corrente registrada em M, V é a tensão aplicada ao capacitor de capacitância C. Um elemento importante no circuito é a chave, S, um dispositivo que periodicamente o modifica, carregando e descarregando o capacitor. Portanto, se S é acoplada ao 1 da 12 freqüência de comutação, f. Portanto, a velocidade angular, , do cilindro, pode ser expressa como f 6 (10) e, combinada com a equação (9), resulta em: 6CV i. (11) Os erros associados às duas equações (10) e (11), respectivamente, segundo a teoria dos erros [8], são expressos por: ( ) 6 [( i (12) f ) 2 2 i ( C ) 2 2 C ( V ) 2 1 2 2 V] (13) As derivadas parciais que aparecem na equação (13) são: ( ( ( 1 )2 ( )2 2 2 i 6 C V (14) i2 ( )2 4 2 6 C V (15) i2 )2 ( )2 2 4 V 6 C V (16) C )2 Como pode ser observado da equação (11), a 5/2 velocidade do cilindro é obtida indiretamente da leitura da corrente elétrica. Outra opção é utilizar um osciloscópio digital e, ao invés da corrente elétrica, medir diretamente a freqüência de chaveamento f. Neste caso, a velocidade angular é expressa pela equação (10). Optou-se por realizar as medidas de forma simultânea, usando um medidor de corrente e um osciloscópio digital. O objetivo deste procedimento é aprender qual o comportamento do sistema na determinação da velocidade angular. Para realizar a medição de h0, optou-se por uma medida visual. Um fio cilíndrico foi fixado à base do recipiente, coincidindo com o eixo y (ver a Fig. 3). Neste fio, uma escala em milímetros, encapsulada em plástico impermeável ao fluido, cujo raio é r0, foi posicionada de tal forma que a leitura da altura h0 pudesse ser realizada visualmente. A B H E F J O L N I C D M G Figura 3 – Arranjo experimental. Legenda: A – Um fio cilíndrico de raio r0 com uma escala em milímetros; B – Cilindro de plástico contendo água; C – Base de Teflon para fixar recipiente cilíndrico; D – CD com 24 divisões (12 opacas e 12 espelhadas); E – Polia com correia acoplada para transmissão do movimento de rotação; F - Motor elétrico DC; G – Base do sistema rotacional; H – Osciloscópio digital; I – Capacitor com capacitância C=(96,1±0,1) nF; J – Fonte de tensão DC, cuja tensão aplicada está relacionada às Tabelas 1 a 4, respectivamente.; L – Medidor de corrente analógico; M - Dispositivo opto eletrônico para chavear o circuito RC; N – Circuito RC; O - Fonte de tensão DC, cuja tensão aplicada controla a rotação do Motor 4 Materiais e métodos Para o propósito deste experimento, foram usados os instrumentos: fonte de tensão DC (KEPCO, modelo-NºDPS40-2M), um medidor de corrente analógico (Minipa, modelo ET3021), um osciloscópio digital (Tektronics, modelo TDS 210, 60 MHz), um motor com uma correia de transmissão (PASCO, modelo ME-8955), uma fonte de tensão DC (KEPCO, modelo-NºDPS40-2M) para alimentar e controlar a rotação do motor e para variar a do cilindro, uma base de Teflon presa ao eixo do sistema rotacional para que um recipiente de plástico cilíndrico com água pudesse ser fixado e, finalmente, dispositivo opto eletrônico para chavear um circuito RC, conforme descrito no item 3. A montagem final do experimento pode ser vista na Fig. 3. Altera-se a velocidade angular do cilindro por meio de uma fonte de tensão DC e, portanto, a forma da superfície da água ou do parabolóide. Inicia-se o movimento do repouso, =0, e um valor de H escolhido adequadamente. Uma corrente pode ser vista na escala do medidor analógico, de forma que seja feita a sua leitura e anotada. Depois de um pequeno intervalo de tempo, a água passa a girar com o recipiente a uma velocidade angular uniforme. Como o cabo do osciloscópio está conectado ao capacitor (Fig. 3), é possível realizar simultaneamente a medida da freqüência de chaveamento, f, e da corrente elétrica, i. Foram repetidas cinco medições de freqüência para cada fixo, de forma que se avaliasse o erro envolvido no valor de f. Depois de registradas: corrente e freqüência, realiza-se uma medida de h0 de forma visual. A seguir, altera-se a velocidade angular para outro valor, por meio do mesmo procedimento prévio. Novos valores de corrente (i), freqüência (f) e altura (h0), diferentes dos anteriores, são registrados. Repete-se este procedimento para alguns valores de diferentes entre si. Estas medidas são realizadas para rotações crescentes e/ou decrescentes. Usando a equação (10) e (11), calcula-se . Uma vez tabelados 2 e H-h0, constrói-se um gráfico de 2 em função de H-h0 e determina-se sua inclinação, B. Baseados no item 2, a equação (8) prediz um comportamento linear entre estas grandezas, cuja inclinação é B 4g (R 2 r0 2 ) de g é calculado da equação: . Então, o valor 6/2 B 2 (R 4 g r0 2 ) . (16) O erro associado ao valor de g foi calculado com base na teoria dos erros VUOLO (1996), onde sua variância, g2 , é expressa como: 2 g ( g 2 ) B 2 B ( g 2 ) R 2 R ( g 2 ) r0 2 r0 . (17) As derivadas parciais da equação (12) são: g 2 ) B g ( )2 R g ( )2 r0 ( 1 2 2 2 ( R r0 ) , 16 1 2 2 B R ,e 4 1 2 2 B r0 . 4 (18) (19) (20) Desta forma, substituindo os valores experimentais, é possível determinar o erro associado a g como sendo g . 5 Resultados Para obtenção dos resultados apresentados, optou-se por um recipiente cilíndrico de raio R=(103,4 0,1)mm com água até uma altura de H=(70,0 0,5)mm (próxima à metade da altura do recipiente), e uma escala em milímetros de raio r0=(1,93 0,02)mm concêntrica ao eixo y. Ver Fig. 3. Para a medida da corrente elétrica, i, optou-se por um medidor analógico com fundo de escala 50 A, menor divisão 1 A e uma resistência interna da ordem de 103 , além de uma capacitância C=(96,1 0,1)nF e uma diferença de potencial de V=(10,0 0,1)V ou de V=(14,0 0,1)V. As Tabelas 1 e 2 mostram os valores experimentais da corrente elétrica (i), altura (h0), velocidade angular ( e 2) e H-h0, com H e V previamente fixados. Os valores de foram calculados por meio da equação (11), e os erros, , pelas equações (13-16). Com os valores das Tabelas 1 e 2, a Fig. 4 é construída. Ajustam-se as duas melhores retas aos pontos experimentais relativos a cada uma delas. Por meio de suas inclinações (3660 42) rad/m.s2 e (3669 28) rad/m.s2, considerando-se o fato de que podem ser expressas por 4g (R 2 r0 2 ) , determina-se a aceleração da gravidade g. Os valores são g=(9,8 0,1)m/s2 e g=(9,79 0,08)m/s2, respectivamente a cada uma dessas inclinações. Um desvio máximo de 0,1% e um mínimo de 0% são observados em relação à gravidade local (g=(9,79 0,01)m/s2). A precisão associada aos dois valores de g é de 1% e 0,8%. As Tabelas 3 e 4 mostram os valores experimentais da freqüência de comutação (f), altura (h0), velocidade angular ( e 2) e H-h0, com H=(70,0 0,5)mm. Os valores de foram calculados por meio da equação (10), e os erros pela equação (12). Foram realizadas cinco medições de freqüência, f. Em seguida, calculou-se a média desses valores e o seu erro, f, por meio do desvio padrão. Com os valores das Tabelas 3 e 4 constrói-se a Fig. 5 e, de forma semelhante à Fig. 4, determina-se a inclinação das retas que melhor representam os pontos experimentais, o que resulta em (3685 32) rad/m.s2 e (3706 36) rad/m.s2. De forma que os valores experimentais para a aceleração da gravidade são g=(9,84 0,09)m/s2 e g=(9,9 0,1)m/s2. Neste caso, um desvio é observado de um máximo de 1,1% e um mínimo de 0,5% em relação à gravidade local. A precisão associada aos dois valores experimentais é de 0,9% e 1%. Observa-se que a precisão e o desvio associados a g foram praticamente os mesmos, quanto ao fato de se usar um osciloscópio ou um medidor de corrente analógico. Isto só foi possível porque o sistema de medida permite ajustes no valor da tensão aplicada ao circuito RC, que influencia nos valores registrados da corrente elétrica, mas não naqueles da freqüência. Como essas correntes são maiores, quando se aumenta a tensão, e o erro associado a elas é sempre a metade da menor divisão da escala selecionada para as medidas, serão menores, i=0,5 A, então, os valores porque as derivadas da equação (13) dependem de V e i, segundo as equações (14-16). Ao analisar a equação (14), que tem a maior contribuição no erro de e que independe de i, nota-se que V está no denominador e elevado ao quadrado. Assim sendo, quanto maior V, menor será o resultado de i . A equação (15), apesar de depender 7/2 de i e V, é a que menos contribui para o resultado final de , pois o resultado de C é praticamente desprezível para as condições experimentais escolhidas. A equação (16) é diretamente proporcional a i2 e inversamente proporcional a V4, e nota-se que, ao aumentar V e conseqüentemente i, prevalecerá uma diminuição no valor de V . Isto pode ser observado pelos resultados de das Tabelas 1 e 2, ao compará-los com aqueles das Tabelas 3 e 4. Esses valores são praticamente os mesmos. Se as tensões aplicadas pela fonte DC fossem menores que os valores utilizados e, as correntes menores que aquelas das Tabelas 1 e 2, não se conseguiria, então, obter um tão preciso quanto aquele das medidas com osciloscópio, pois o valor de i que prevalece no resultado final de , neste caso, seria maior que o encontrado. O fato de se escolher um recipiente cilíndrico, com um raio de 103,4mm, também contribuiu para que a precisão de g atingisse um valor próximo a 0,5% nas medidas de corrente elétrica e freqüência. Os valores de B e B obtidos com esse recipiente são menores do que aqueles com um raio menor que 103,4mm. Como B e B estão implícitos no cálculo final de g, por meio da equação (17), conclui-se que quanto maior o diâmetro do recipiente, maior será a possibilidade de se conseguir um g mais preciso. Portanto, um raio maior que 103,4mm, melhora a precisão de g. Ao compararmos o valor da precisão associada a g neste experimento com aqueles tradicionais: queda livre, pêndulo físico e simples, nota-se que os valores de 0,8% e 0,9%, obtidos aqui, usando medidas de corrente ou freqüência, respectivamente, são muito próximos da melhor precisão que se consegue, naqueles tradicionais, de 0,5%. Uma vantagem do experimento apresentado em relação aos tradicionais é que existe a possibilidade de se escolher, por meio de mudanças das condições experimentais, um resultado final de g mais próximo de 0,5%. Como exemplo, se aumentarmos o valor da tensão aplicada e o tamanho do recipiente, mantendo as mesmas divisões do CD, a precisão de g será melhorada em relação aos resultados apresentados. Como se pode notar, o experimento proposto é bastante instrutivo e levanta questões que podem ser respondidas por meio de mudanças nas condições experimentais. Ele abrange vários aspectos do conhecimento e realiza a sua integração tais como: a eletricidade, a mecânica dos fluidos, o movimento de uma partícula, a teoria dos erros, as leis de Newton, os conceitos de referencial inercial e não inercial, os conceitos de aceleração centrípeta e força centrípeta, a força gravitacional, as aplicações e medidas utilizando instrumentos como osciloscópio e medidor de corrente analógico, etc. Tabela 1 – Valores experimentais para a construção da Fig. 4: corrente elétrica (i), altura (h0), velocidade angular ( e 2) e H-h0. A tensão na fonte é V=(10,0 0,1)V. 2 h0(mm) H-h0(mm) i( A) (rad/s) (rad/s)2 (9,5 0,5) (61,5 0,5) (5,2 0,3) (27 3) (8,5 1) (12,5 0,5) (57,5 0,5) (6,8 0,3) (46 4) (12,5 1) (15,5 0,5) (51,5 0,5) (8,5 0,3) (71 5) (18,5 1) (18,0 0,5) (44,5 0,5) (9,8 0,3) (96 6) (25,5 1) (20,5 0,5) (36,5 0,5) (11,2 0,3) (125 7) (33,5 1) (23,0 0,5) (25,5 0,5) (12,5 0,3) (157 8) (44,5 1) (26,0 0,5) (15,5 0,5) (14,2 0,3) (201 9) (54,5 1) Tabela 2 - Valores experimentais para a construção da Fig. 4: corrente elétrica (i), altura (h0), velocidade angular ( e 2) e H-h0. A tensão na fonte é V=(14,0 0,1)V. 2 h0(mm) H-h0(mm) i( A) (rad/s) (rad/s)2 (14,0 0,5) (61,0 0,5) (5,5 0,2) (30 2) (9,0 1) (17,5 0,5) (57,0 0,5) (6,8 0,2) (46 3) (13,0 1) (21,5 0,5) (50,0 0,5) (8,4 0,2) (70 3) (20,0 1) (25,0 0,5) (44,0 0,5) (9,7 0,2) (95 4) (26,0 1) (29,5 0,5) (35,0 0,5) (11,5 0,2) (132 5) (35,0 1) (33,0 0,5) (25,0 0,5) (12,8 0,2) (165 5) (45,0 1) (36,5 0,5) (15,0 0,5) (14,2 0,2) (202 6) (55,0 1) Tabela 3 – Valores experimentais para a construção da Fig. 5: freqüência de chaveamento (f), altura (h 0), velocidade angular ( e 2 ) e H-h0. A tensão na fonte é V=(10,0 0,1)V. 2 f(Hz) h0(mm) H-h0(mm) (rad/s) (rad/s)2 (9,8 0,2) (61,5 0,5) (5,15 0,08) (27,0 0,8) (8,5 1) (13,1 0,2) (57,5 0,5) (6,84 0,06) (47,0 0,8) (12,5 1) (15,6 0,2) (51,5 0,5) (8,14 0,09) (66 1) (18,5 1) (18,3 0,2) (44,5 0,5) (9,57 0,09) (92 2) (25,5 1) (21,40 0,07) (36,5 0,5) (11,20 0,04) (126,0 0,9) (33,5 1) (24,3 0,4) (25,5 0,5) (12,7 0,2) (162 6) (44,5 1) (27,2 0,3) (15,5 0,5) (14,3 0,2) (203 5) (54,5 1) Tabela 4 – Valores experimentais para a construção da Fig. 5: freqüência de chaveamento (f), altura (h 0), velocidade angular ( e 2 ) e H-h0. A tensão na fonte é V=(14,0 0,1)V. 2 f(Hz) h0(mm) (rad/s) (rad/s)2 H-h0(mm) (10,3 0,1) (61,0 0,5) (5,39 0,07) (29,0 0,8) (9,0 1) (13,00 0,08) (57,0 0,5) (6,81 0,04) (46,0 0,6) (13,0 1) (16,0 0,1) (50,0 0,5) (8,36 0,05) (70,0 0,9) (20,0 1) (19,0 0,2) (44,0 0,5) (9,95 0,09) (99 2) (26,0 1) (22,0 0,4) (35,0 0,5) (11,5 0,2) (133 5) (35,0 1) (25,0 0,2) (25,0 0,5) (12,92 0,08) (167 2) (45,0 1) (27,2 0,3) (15,0 0,5) (14,3 0,2) (203 5) (55,0 1) 8/2 220 200 2 x (H-h0) Medida de corrente elétrica (Medidor analógico) 180 160 120 100 Resultado experimental p/ V=14,0 volts Resultado experimental p/ V=10,0 volts 2 Curva ajustada, V=14,0 volts: =B*(H-h0), 80 2 (rad/s) 2 140 60 2 2 2 2 B=(3669±28)(rad) /m s Curva ajustada, v=10,0 volts: 40 20 B=(3660±42)(rad) /m s 0 0,00 0,01 0,02 0,03 0,04 0,05 2 =B*(H-h0), 0,06 H-h0 (m) Figura 4 – Curva 2 versus H-h0. Cálculo de usando a equação (11). Sistema de medida com medidor analógico para medir corrente elétrica. Como alternativa para se determinar a velocidade angular do recipiente, foi utilizado um circuito eletro eletrônico simples para medir corrente elétrica ou freqüência. Os resultados encontrados para g estão em concordância com o valor esperado: g=(9,79 0,01)m/s2. Foram observados um desvio e uma precisão mínima de 0% e 0,8%, respectivamente, para a medida de corrente elétrica, e 0,5% e 0,9% para medida de freqüência. A melhor precisão para g nos experimentos tradicionais permite que se encontrem valores dentro de uma faixa de 0,5% a 1%, o que também é verificado neste trabalho. 7 Referências bibliográficas 220 200 180 2 (rad/s) 2 160 2 x (H-h0) Medida de freqüência (Osciloscópio) 140 120 100 80 Resultado experimental p/ V=14,0 volts Resultado experimental p/ V=10,0 volts 2 Curva ajustada, V=14,0 volts: =B*(H-h0), 60 40 0 0,00 2 2 2 2 B=(3706±36)(rad) /m s Curva ajustada, v=10,0 volts: 20 B=(3685±32)(rad) /m s 0,01 0,02 0,03 0,04 0,05 2 =B*(H-h0), 0,06 H-h0 (m) Figura 5 – Curva 2 versus H-h0. Cálculo de usando a equação (10). Sistema de medida com osciloscópio digital para medir freqüência. 6 Conclusão Encontra-se, neste trabalho, uma alternativa diferente em relação aos experimentos tradicionais (Queda livre, Pêndulo Simples e Físico) para se determinar a aceleração da gravidade. Usando conhecimentos da mecânica dos fluidos, mediante as diferentes formas de parabolóides assumidas pela superfície da água dentro de um recipiente cilíndrico em diferentes rotações uniformes, estabelece-se uma equação que contém a aceleração da gravidade e também se propõe um experimento para a sua determinação. O que torna esse experimento interessante para as práticas de laboratório é que ele apresenta um arranjo relativamente simples, e que pode ser reproduzido em qualquer Laboratório de Física, integrando áreas do conhecimento que aparentemente são vistas de forma isolada. CAVALCANTE, M. A.; TAVOLARO, C.R.C. (1997) Estudo do lançamento horizontal ulilizando o computador para aquisição e análise de dados. Cad. Cat. Ens. Fís., v.14, n.3: p.276-278. FLEMING, J.A., CLINTON, W.C. (1903) On the Measurement of Small Capacities and Inductances. Phil. Mag. S. 6, v.5, n.29, p. 493-511. GILES, R.V. (1972) Mecânica dos Fluidos e Hidráulica. Coleção Schaum. 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