ÍNDIOS E BRANCOS NO CONFRONTO SÓCIO-CULTURAL (1830-1870) Ana Paula Galvão de Meira1 (UNICENTRO), Oséias de Oliveira2 (orientador), e-mail [email protected] Universidade Estadual do Centro-Oeste/Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes. Resumo: O presente trabalho agrega alguns dos principais pontos no que concerne uma análise reflexiva de maior dimensão, a qual será apresentada como Trabalho de Conclusão de Curso. O que nos impulsiona a refletir sobre a questão indígena, consta na relevância das fontes historiográficas utilizadas, em que as mesmas, nos permitem problematizar tal tema através de uma abordagem diferenciada, contrastando com a construção histórica tradicional. As fontes em questão consistem em 4 processos crime, referentes ao século XIX, que nos proporcionam refletir a questão indígena no Paraná, neste período. Palavras-chave: Processo crime; Indígena, Conflito, Historiografia. 1. Introdução Os estudos envoltos na questão dos grupos indígenas vêem se destacando gradativamente dentro do campo da historiografia brasileira. A utilização de “novas” fontes possibilita e auxilia aos pesquisadores, uma problematização diferenciada do que até então se abstinha como discurso íntegro e “verdadeiro”. No anseio de examinar um passado histórico, o qual trouxesse novas perspectivas em contraste às produzidas pela literatura científica, partilhamos de uma percepção divergente, em que a mesma, parte do indicativo da figura indígena como participante ativo de sua trajetória histórica (MOTA, 2009). Para surtir efeito tal vontade, atemos nossos esforços no levantamento de material e documentação historiográfica que respondesse nossas expectativas. Dentre as fontes que podemos destacar como primordiais para sustentar a problematização enfatizada, destacam-se o uso dos processos-crime e os relatórios provinciais. Tal documentação nos proporciona analisar a visão e, interpretação do branco colonizador frente ao estranhamento com a presença do indígena, o “outro” (OLIVEIRA e MEIRA, 2008). A forma como o índio é representando em tais ofícios, colabora com a construção de um estereótipo deturpado da verdadeira realidade e concepção 1 Acadêmica do Curso de Licenciatura em História da UNICENTRO, vinculada ao Núcleo de Estudos Étnico-Raciais. 2 Doutor em História, Professor do Departamento de História da UNICENTRO, coordenador do Núcleo de Estudos Étnico-Raciais. Anais do 3° Salão de Extensão e Cultura da UNICENTR O 20 a 25 de setembro de 2010 do mesmo (GALDINO, 2009). Diagnosticar termos como “selvagens”, “ignorantes” e “incivilizados”, em tais documentações ressaltadas, torna-se corriqueiro no decorrer da leitura. Quando não são usados termos depreciativos em relação ao selvagerismo indígena, há a menção e enaltecimento da cultura e sociedade “civilizada” que adentrava o território paranaense. Intencionalmente utilizamos fontes advindas de órgãos oficiais, buscando nas mesmas, pontos relevantes que possam nos indicar como tais exploradores compreendiam determinadas organizações sociais e os indivíduos inseridos nas mesmas. Substanciar a densidade depreciativa e caracterizadora que o material historiográfico utilizado possui, também é de nosso interesse. Não ignoramos o fato de que a documentação produzida pelos agentes coloniais corresponde a uma sujeição sócio-cultural do aspecto civilizador, ou seja, pertencente a uma representatividade “traduzida” (ALMEIDA, 2003 apud TAKATUZI, 2005) do “outro”. Consideramos que, ao partir destas descrições ocasionadas pelo estranhamento e, interpretação do mesmo, nos é possível compreender o contexto histórico almejado, juntamente aos mecanismos empregados como forma de adaptação e solução por parte do colonizador “eu” e, pelo próprio indígena “outro”, frente às dificuldades interrelacionais. Por mais que a utilização do olhar do “eu/civilizado/branco” consista na base primária de nossa pesquisa, esta visão eurocêntrica não permeia como protagonista da mesma. Cabe-nos ressaltar que utilizamos tais meios para elucidar a questão do indígena como participante ativo de sua trajetória histórica. 2. A fonte judiciária No que concerne o processo criminal, nos torna possível pautar determinadas representações correspondentes a uma sociedade, corelacionando seus diferentes grupos. As pesquisas emergentes, possuindo como ponto de reflexão o uso da fonte judiciária, permitem compreender determinada sociedade, desmistificando aparentes equívocos relacionados ao discurso histórico construído ao longo do tempo, envolvendo tais grupos sociais. A trajetória percorrida por quem se insere no estudo com base processual, consiste em uma seriedade por parte do pesquisador, em dedicarse ao fragmento histórico. Por meio desta fragmentação é possível transcrever as mais diversas conotações que o documento apresenta, trazendo à tona as variáveis de uma determinada sociedade, podendo assim, entende-las e representá-las. Sabendo destas possibilidades que se anunciam, analisaremos os processos crimes levantados no decorrer da pesquisa, sendo os mesmo, estes que se seguem. Anais do 3° Salão de Extensão e Cultura da UNICENTR O 20 a 25 de setembro de 2010 3. Os processos 3.1 Jeremias Ferreira da Silva – O Índio Missioneiro Datado do ano de 1860, de número 860.2.29, documento 03-B, caixa 01. Traz a figura do réu como o índio Jeremias Ferreira da Silva, sendo o mesmo culpado por roubo de objetos. O processo encontra-se arquivado no Centro de Documentação e Memória (CEDOC) da Universidade Estadual do CentroOeste – UNICENTRO, na cidade de Guarapuava, Paraná. Conforme consta nos autos, a abertura do processo respalda-se na queixa de roubo de objetos, efetuada na casa do morador João de Farias, no rocio da Villa de Guarapuava. O acusado configura-se no índio Jeremias Ferreira da Silva. A queixa do roubo de objetos é solicitada pelo acusador João de Farias, homem de 23 anos mais ou menos, natural da cidade de Curitiba e morador na Vila de Guarapuava. O seu ofício não é citado no decorrer do processo. Ao ser perguntado pelo Promotor de Justiça Fortunato José de Carvalho Lima sobre o conteúdo da queixa, o mesmo relata dice que achando-se com sua famillia na roça lá teve avizo de que sua casa, no rocio d’esta Villa, estava arrombada, e de lá vindo sem perda de tempo achou à porta aberta e arrancada do lugar e examinando os trastes que lhe faltavão axou ser um challes de gasemira, um lenço de mea ceda, um espelho, uma caixa com memorias de ouro Frances, e uma espada com sinto; e tendo suspeita que este delito foce cometido por Jeronimo Ferreira da Silva aqui conhecido por Jeremias Ferreira da Silva, procedeoas necessarias indagações e sabendo que em poder do mesmo forão vistos alguns d’esses trastes fez sua queixa ao Delegado de Policia d’esta Villa o qual deo prontas providencias fasendo com - [fl. 11 vs.] compor uma escolta que com elle testemunha forão ao rancho de Francisco de Lacerda, onde se achava o réo, e ali o prenderão, e fizerão condusir a presença, do Delegado trasendo igualmente uma malla que Continha roupa do mesmo, e entre ellas, os trastes roubados a ella, a testemunha, e bem assim a espada; o que tudo. foi entregue a elle testemunha pelo mesmo Delegado, faltando unicamente o sinto da espada que athe hoje não se pode descubrir, e nem o réo dá sahida ao fim que nelle deo. E nada mais dice, nem lhe foi perguntado e achando-se presente o Promotor Publico da 3 Comarca dice estar saptisfeito . Anterior a este primeiro depoimento da vítima, na abertura do processo em questão, temos o ofício expedido pelo Diretor Geral dos Índios, em resposta ao Major Francisco Manoel de Assis França, a respeito da condição do réu Ilmo. Senhor Respondendo ao seo officio de dacta de hoje, pelo qual commonica-me V.S. achar-se preso por crime de roubo o Indio Jeremias; 3 Processo crime N. 860.2.29 (Guarapuava, 1860) fl. 11 e 11 vs. Anais do 3° Salão de Extensão e Cultura da UNICENTR O 20 a 25 de setembro de 2010 tenho a dizer- lhe que me constando ser esse Indio Missioneiro, e dos que pelo seo estado de civilização não pertença a Aldeamentos que esteja de baixo de adiministração. julgo por isso na circunstancia de ser punido por esse crime com as Leis que nos rege. Hé o que posso dizer a respeito. e Deos g. a V.S. Vila de Guarapuáva 1º de Agosto de 1860. Ilmo. Senhor Dellegado de Policia desta Vila - O Diretor Geral - Francisco Ferreira da Rocha Loures. Esta conforme O Dellegado d’ Policia Ildefonso José Gonsalves de Andr d4 O conteúdo existente neste pequeno trecho do documento forense nos proporciona analisar diferentes aspectos do contexto em questão – como a prática de protecionismo para com os indígenas aldeados. 4. Lourença Índia – Homicídio. 4.1 O processo Data de abertura do inquérito 22 de Maio de 1856 e, data de conclusão 20 de Março de 1890. Número 857.2.19, documento 34, caixa 01. Traz a índia Lourença como vítima do homicídio perpetrado pelo Soldado Manoel Maria. O processo encontra-se arquivado no Centro de Documentação e Memória (CEDOC) da Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO, na cidade de Guarapuava, Paraná. 4.2 Contextualização do processo O caso da índia Lourença difere-se do inquérito anteriormente analisado, em que o índio Jeremias se estabelecia como réu. Neste caso, a indígena é a vítima. Esta fora assassinada em um fandango que acontecera na casa de Valentim Pereira, na Vila de Guarapuava, na noite de 03 para 04 do mês de maio do mesmo ano. Conforme o testemunho de Manoel Lemes Guerra – o qual na ordem do inquérito compõe-se como quinta testemunha – este se recordava da referida ocasião (...) sendo lhe emquerido sobre o conteudo do autto de corpo de Delilito disse que estando em hum Sabado tres do mes de Maio em hum fandango em caza d’Valentim Pereira de Oliveira na Villa de Guarapuava lÿ prezençiou os Soldados Manoel Maria e Manoel João brigarem e quem apartou foi o Cadette Egor e que sairão ambos os Soldados e que na porta Manoel Maria deo huma Canivetada no quadril de Manoel João, e este entrando para dentro declarou que estava ofendido, e que entrou Manoel Maria onde está esta mulher e que elle testemunha vio Edovirgem dar huma tamancada na cabessa da India Lourença e que o Cadete agarrando ella 4 Processo crime N. 860.2.29, fl. 3. Anais do 3° Salão de Extensão e Cultura da UNICENTR O 20 a 25 de setembro de 2010 não deixou dar mais e que neste momento levantando se a India Lourença chegando ao meio da Salla onde estavão os dois Soldados brigando outra vez e apagouse a vella nessa ocazião elle testemunha pedindo a vella aseza, e esta quando chegou já chegou ja estava deitada no chão a ofendida Lourença com duas Canivetadas hua no peito e outra no estomago, e que elle testemunha vio perguntarem a ella quem foi que lhe ofendeo respondes que quem lhe ofendeo foi o Soldado Manoel Maria de 5 cujos ferimentos logo morreo (...) Possivelmente, em tal divertimento, encontravam-se pessoas da referente Vila, ou transeuntes, que pelas condições sociais, se relacionavam de forma amistosa cotidianamente. Neste trecho, temos a menção de três homens que pertenciam a Praça de Corpo Fixo da Guarnição da Província do Paraná6. Além disto, a mulher de nome Edovirgem e, que em outros momentos do inquérito aparece como Deovirgem ou Heduvirgem, é descrita como sendo mulata. No segundo interrogatório feito ao réu, temos informações categoricamente descritas, sobre seu parecer do referente crime (...) estando destacado na Villa de Guarapuava ouve hum fandango ou uma sucia em caza de Valentim Pereira para onde elle interrogado tão bem foi com dois Camaradas seo e mais o Cadete Egor Moniz Comandante do destacamento e chegados aquela caza houve hum barulho entre huma India e Nome Lourença e huma mulher d’ nome Heduvirgem em cujo barulho tão bem se meteo aquele Cadete e mais pessoas e elle interrogado querendo tirar o Cadete que estava arodiado por aquelas pessoas e pelo Soldado Manoel João agarou neste para abrir caminho e tirar o Cadete Manoel João revotou=se contra elle interrogado, e Sahindo para fora da Caza elles dois comessarão a duvidar d’ palavras e depois a lutar de mãos e Sem almas algumas neste acto Saindo o Cadete para fora, e vendo-os estarem brigando arancou da Espada e procurou aparta los , a plauxadas o que elle interrogado ficou ferido em huma perna neste acto o Soldado Antonio Mathias dos Santos que tinha ficado dentro dentro da caza gritou pelo Cadete dizendo lhe que largasse dos dois, e que entraçe para dentro visto que ja ali havia hua morte o que fazendo o Cadete entrou para dentro e achou a Lourença morte o de pois disto elle interrogado tão bem entrou e tambem vio aquilo no dia seguinte foi achado hum Canivete na porta da caza daquele Valentim o qual se diz que que éra da qual Edovirgem bastante dias ao d‘pois foi elle interrogado e mais Edovirgem prezos a ordem de hum Subdelegado de pois forão soltos e tornarão a ser prezos e remetidos a esta Villa onde forão processados aquella Hedovirgem desprenunciada e elle interrogado pronunciado e continuando a estar prezo atte agora que completamente inocente e que não tomou a menor parte na 7 morte de dita Lourença (...) Dentre os 04 processos crime utilizados nesta análise, este que retrata o caso da índia Lourença, consiste no mais plural, em termos de utilização historiográfica. Apenas neste trecho, nos é possível substanciar várias indagações a respeito daquela noite de 03 de maio de 1856. Como fora ressaltado anteriormente, o uso da fonte judiciária na pesquisa histórica, 5 Processo crime n. 857.2.19 (Guarapuava, 1856), Denominação estabelecida pelo próprio Manoel Maria no inquérito. 7 Processo crime n. 857.2.19 (Guarapuava, 1856), 6 Anais do 3° Salão de Extensão e Cultura da UNICENTR O 20 a 25 de setembro de 2010 permite ao indíviduo que o examina partir de diferentes perspectivas. Porém, neste caso, a relevância consiste na presença indígena salientada. Desavenças a parte entre Lourença e Edovirgem, o que nos incita para reflexão, paira nos mecanismos sociais de integração. Mesmo com a visível sociedade segregada existente, a qual qualifica sua condição e caráter por sua etnia e classe social, havia determinados momentos em que, o mosaico das diferenciações se agrupava e se relacionava com um único intuito: o divertimento. Todavia, mesmo estando integrados em um espaço social em comum, as dessemelhanças emergiam e, como no caso relatado, resultando em conflitos seguidos de morte. Em meio à população local, a qual era constituída principalmente por lavradores, no registro de um homicídio acometido durante uma eventualidade festiva dessa comunidade, encontramos como parte danosa do caso, uma indígena. Intrigante ainda, que o acusado de tal crime é um soldado do destacamento policial. Indivíduos de diferentes categorizações sociais compartilhando vivências em um âmbito social em comum. Isto nos remonta a possibilidade de refletir sobre a presença indígena nas frestas sociais que se anunciavam a partir da colonização emergente. Mota aponta que os indígenas se utilizaram de diferentes táticas de resistência e, entre elas, havia o processo de integração com o “novo” molde social que se estabelecia (MOTA, 1994). Ato o qual, proporcionava ao indígena estar a par daquilo que lhe era imposto e o modo como o mesmo poderia utilizá-lo a seu favor (MOTA, 1996). O relato decorrente do processo, não nos permite conhecer de forma mais aprofundada, quem foi a índia Lourença e, o por que a mulata Edeovirgem lhe dera uma tamancada na cabeça. Não constam também indícios sobre seus meios de vida. Nem tão pouco se a mesma residia na referente vila, ou se era pertencente à outra localidade. No entanto, nos aponta que mesmo estando na condição de indígena, esta se relacionou e interagiu com grupos sociais adversos ao seu. Outro caso semelhante ao da índia Lourença, consiste no processo crime a ser analisado a partir do quinto tópico. 5. Nicolau índio – Homicídio 5.1 O processo Data de abertura do inquérito 13 de março de 1855 e, data de conclusão 12 de maio de 1856. Número 856.2.18, documento 33, caixa 01. Compete no caso em que se acusa Cipriano José de Moura – sapateiro e residente na Vila de Guarapuava – pelo assassinato do índio Nicolau. O processo encontra-se arquivado no Centro de Documentação e Memória (CEDOC) da Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO, na cidade de Guarapuava, Paraná. 5.2 Contextualização do processo Na noite de 12 de novembro de 185, nos subúrbios da Vila de Guarapuava, em casa de Heduvirgem, diversas pessoas estavam reunidas por Anais do 3° Salão de Extensão e Cultura da UNICENTR O 20 a 25 de setembro de 2010 ali estar sendo realizado um fandango8. Nesta ocasião Nicolau índio – como assim fora designado – tornou-se vítima de homicídio, sendo o acusado de tal ato, o sapateiro Cipriano José de Moura, conhecido como Cipriano Baiano. Conforme os testemunhos apurados pelo Juízo de Direito da 3ª Comarca de Castro, o fandango estendeu-se noite afora, sendo o crime cometido quase ao amanhecer. Nos autos, constam como possível causa da ofensa deferida por Cipriano em Nicolau, o fato de os mesmos “estarem quentes de cachaça” 9. O indígena morreu devido a uma perfuração contundente no peito, provocada por uma faca. Dentre aqueles que presenciaram o referente delito e, aqueles que depuseram por ter conhecimento do fato através do “ouvir dizer”, há a menção de que o indígena portando uma faca investiu em direção a Cipriano, na ânsia de feri-lo. Entretanto, sua tentativa fora frustrada, pois dito Cipriano ao recuar esquivando-se da possível facada, esbarra em um carro e cai de costas ao chão. Neste momento, Nicolau teria caído sobre o sapateiro, tendo se ferido mortalmente pela sua própria faca. Porém, não existe consenso entre as testemunhas sobre a veracidade do referente assassinato. Alguns dos depoentes creditam que o próprio Cipriano matou o indígena e, outros, no entanto, se estabelecem no impasse da incerteza de qual das versões corresponde realmente ao fato. No interrogatório do réu, o mesmo nega ser culpado pelo assassinato do indígena, discorrendo em sua defesa a versão de que o próprio Nicolau teria causado o ferimento que lhe levou a óbito. Mesmo tendo seu advogado recorrido, por achar infundadas as provas contra seu cliente, a justiça condenou Cipriano primeiramente a 6 anos de prisão com trabalho, sendo isto baseado no Artigo 193, do Código Criminal. Porém, devido a algumas circunstancias, instituiu-se que o mesmo fosse condenado conforme o artigo 49 do 1° Código, substi tuindo a pena de prisão com trabalho, pela pena simples, de 7 anos. A reclusão se daria na capital da província10. Os casos do índio Nicolau e da índia Lourença são deveras análogos. Os elementos constitutivos de ambos os documentos, possuem semelhanças significativas. Indígenas, divertimentos, homicídios. Uma sociedade estratificada, porém que em certas ocasiões, eram proporcionadas aproximações entre os indivíduos. Obviamente, o perfil conflituoso existente não ocultou-se em tais âmbitos sociais, pois o mesmo é retratado nestes dois processos-crime acima analisados. A ressalva que se faz, consiste em compreender os antigos bailes – ditos como fandangos – ainda praticados nas residências dos moradores, como locais de interação social. O indígena, provavelmente sabia utilizar de tal manifestação, de modo vantajoso. Todavia, casos como estes relatados, demonstram que o indígena ainda não era bem quisto em determinados espaços sociais. 8 Processo-crime n. 856.2.18, documento 33, caixa 01 (Guarapuava, 1855). Processo-crime n. 856.2.18, fl. 10. 10 Processo-crime n. 856.2.18, 9 Anais do 3° Salão de Extensão e Cultura da UNICENTR O 20 a 25 de setembro de 2010 6. Francisco Luis Tigre Gacon – Invasor de terras? O caso que será analisado a partir deste tópico nos remonta a questões indígenas pretéritas, em relação aos territórios dos Campos Gerais, contestados pelos autóctones. O personagem já possui cunho historiográfico – se é que podemos utilizar dessa terminologia – sendo fonte para pesquisas sobre o processo de desterritorialização indígena no Paraná (MOTA, 2009) 6.1 O processo Abertura do inquérito em novembro de 1877 e, conclusão dezembro 1877. Número 877.2.159, documento 282, caixa 05. Acusa-se por invasão terras, acometida entre os rios Lageado Grande, Coutinho e Maracujá, então districto de Guarapuava o índio Francisco Luis Tigre Gacon e, seguintes companheiros de de no os (...) Ancelmo Dias de Moraes Melxeio de Paula Ribas Valeriano Victor de Souza, João Silvestre Ribas, Joaquim Manoel de Oliveira Joaquim Silvestre Ribas Antonio Manoel Pesseretan Manoel Nikaya Joaquim Pesseretan 11 Porfirio de tal Manoel Cirino Monteiro e outros (...) O processo encontra-se arquivado no Centro de Documentação e Memória (CEDOC) da Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO, na cidade de Guarapuava, Paraná. 6.2 Contextualização do processo Em 1877, Francisco Luiz Tigre Gacon era acusado de ser o líder de uma invasão feita no espaço do antigo aldeamento de Atalaia. Os proprietários desse espaço solicitam junto a promotoria publica a abertura de um processo criminal contra Francisco, o que acaba resultando na sua condenação incurso no Art. 267 do código criminal, pena de prisão com trabalho por dois meses a quatro anos e, sujeito a multa de vinte por cento dos prejuízos causados na propriedades (DURAT, 2009,p. 01). Cristiano Durat apresenta objetivamente o cenário em que emerge processo-crime por hora aqui analisado. Francisco Luis Tigre Gacon é um personagem da história do Paraná, que vem se destacando na literatura científica, por ter o mesmo, papel fundamentalmente político em sua trajetória histórica. A denúncia de que Luis Francisco Tigre Gacon invadiu determinados campos da região de Guarapuava, decorre – segundo consta nos autos – de um grande número de proprietários, que alegam estar instalados em tais limites, há mais de quarenta e cinco anos (DURAT, 2009, p. 01). Os depoentes do caso em questão citam serem tais terras legais perante a administração, justificando a afirmativa através da documentação existente sobre o direito de propriedade. No entanto, Francisco Gacon alegava serem tais terras invadidas, por direito instituído, dele e dos demais companheiros. 11 Processo-crime n. 856.2.18, fl. 6. Anais do 3° Salão de Extensão e Cultura da UNICENTR O 20 a 25 de setembro de 2010 Francisco Gacon sustenta a autenticidade de serem tais territórios pertencentes a ele e, as pessoas a que estavam engajadas na mesma causa, por ter conhecimento disto após sua ida até a cidade de Curitiba (MOTA, 2009). A compreensão a respeito deste momento histórico do ano de 1877 nos faz ser necessário, voltar-se uma vez mais, aos estudos de Lucio Tadeu Mota. Aponta-nos o historiador, que o contexto histórico anunciado por tais “invasões” de grupos indígenas, em terras particulares, as quais vinham acontecendo a algumas décadas, demonstra a transformação emergente na participação social/política do indígena (MOTA, 2009). No ano de 1875, deslocaram-se até Curitiba, Francisco Gacon acompanhado com mais 19 indígenas. O intuito de tal formalidade, a qual exigiu a presença em pessoa do líder indígena na capital da província, fora para a petição de efetivarem-se as demarcações dos territórios (MOTA, 2009) O sentido agora atribuído era o de pertença legal, conforme as leis instauradas – num perceptível discurso desmembrado da concepção de memória e relação afetiva com o território. Francisco Gacon é sagaz na estratégia de utilizar-se dos meios da sociedade/cultura adversa a sua, para angariar benefícios em prol de seu grupo. Sabendo ler e escrever, destoou o quadro indígena nos mecanismos de resistência contra a invasão desenfreada de novos exploradores nos Campos Gerais. Considerações finais Índio. Palavra homogeneizante que corrompe as particularidades de cada indivíduo pertencente aos diferentes – e inúmeros – povos ameríndios. No entanto, a ânsia do exaustivo – porém satisfatório – trabalho em questão, fora o de falar do indígena e não sobre o indígena (MOTA, 2009). Por este motivo, o conteúdo deste texto se tornou plural. Emergem diferentes problematizações, a partir do momento em que permitimos que as singularidades de cada indivíduo sustentassem nossos questionamentos. Partimos para tal análise na perspectiva da possibilidade de se escrever a história indígena paranaense, consentindo que as informações deles despontassem dos próprios indígenas. Optamos pelos indígenas enquanto sujeitos históricos, em contraste as tantas pesquisas que os submetem na delimitação de objeto histórico. Neste sentido, permitimos que as fontes documentais, por repetidas vezes, dessem voz a aqueles que, até então, não passavam de um amontoado de palavras no decorrer dos séculos. Perceptível tornou-se que, a partir do momento o qual creditamos no indígena a capacidade deste se inserir no quadro colonizador dos Campos Gerais, enquanto sujeito ativo, no século XIX, o mesmo demonstrou que sim, ele o foi! O caráter de resistência – e suas distintas formas de dissipação – que nos foi permitido perceber, direta ou indiretamente, através da documentação examinada, qualifica-se como sustentável para a reflexão da história indígena. Mesmo tendo surgido com significativa frequencia no decorrer de nossa leitura, nomes de “grandes” personagens imortalizados na memória política paranaense, o fato de termos documentações em que conhecemos Lourença, a índia, Nicolau, o índio e, Jeremias Ferreira da Silva, o índio missioneiro, Anais do 3° Salão de Extensão e Cultura da UNICENTR O 20 a 25 de setembro de 2010 isoladamente tais personagens proporcionaram o re-olhar na questão dos índios do Paraná. Isso se deve, principalmente, por que tais fontes – os processos-crime – se constroem – no sentido de abertura dos inquéritos – a partir de fatos diretamente ligados a eles, em que nota-se a interferência dos mesmos na sociedade em questão. Tornou-se evidente que os indígenas do Paraná, mesmo sendo os “outros” no quadro social da época, artificiavam meios de integração com finalidades muito bem planejadas, sempre voltadas para usufruto próprio – enquanto indivíduo ou grupo. Pode-se dizer que os mesmos dançaram conforme a dança. Souberam aproveitar das oportunidades que lhes surgiam, participando constantemente das transformações insurgentes, que visavam ora inseri-los, ora reprimi-los do meio social civilizado. O poeta Edward Thomas, certa vez disse: “O passado é a única coisa morta que cheira bem”. Esperamos que este passado aqui retratado, tenha sido agridoce! Referências Bibliográficas e Fontes Fontes Processo-crime n. 857.2.19, documento 34, caixa 01. Abertura do inquérito 1856. Disponível no Centro de Documentação e Memória (CEDOC) da Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO, na cidade de Guarapuava, Paraná. Processo-crime n. 856.2.18, documento 33, caixa 01. Abertura do inquérito 1855. Disponível no Centro de Documentação e Memória (CEDOC) da Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO, na cidade de Guarapuava, Paraná. Processo-crime n. 860.2.29, documento 03-B, caixa 01. Abertura do inquérito 1860. Disponível no Centro de Documentação e Memória (CEDOC) da Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO, na cidade de Guarapuava, Paraná. Processo-crime n. 877.2.139, documento 282, caixa 05. Abertura do inquérito 1877. Juízo de Direito da 3ª Comarca de Castro. Disponível no Centro de Documentação e Memória (CEDOC) da Universidade Estadual do CentroOeste – UNICENTRO, na cidade de Guarapuava, Paraná. Referências DURAT, Cristiano Augusto. Francisco Luiz Tigre Gacon, índio: um personagem na Vila de Guarapuava (século XIX). 4° Encontro de Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional. Disponível no formato em pdf. www.labhstc.ufsc.br/ivencontro/pdfs/.../CristianoDurat.pdf Anais do 3° Salão de Extensão e Cultura da UNICENTR O 20 a 25 de setembro de 2010 GALDINO, José Roberto de Vasconcelos. Breve história da usurpação dos Territórios Indígenas no Paraná In SCHLEUMER, F., OLIVEIRA, O. Estudos Étnico-Raciais. Editora Canal 6, Bauru, SP, 2009. MOTA, Lucio Tadeu. Povos indígenas no Paraná: história e relações interculturais In SCHLEUMER, F., OLIVEIRA, O. Estudos Étnico-Raciais. Editora Canal 6, Bauru, SP, 2009. ______, Lucio Tadeu. As Guerras dos Índios Kaingang – A história épica dos índios Kaingang no Paraná (1769 – 1924). Maringá: EDUEM, 1994. ______, As colônias indígenas no Paraná Provincial. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2000. ______, Lúcio Tadeu. O processo de desterritorialização dos índios Kaingang nos Koron-bang-rê. In: História Agrária: propriedade e conflito. Guarapuava: UNICENTRO, 2009. OLIVEIRA, Oséias. MEIRA, A.P.G. História e documento: a fonte judiciária em uma perspectiva historiográfica. Relatório apresentado no I Salão de Extensão e Cultura. UNICENTRO. 2008. TAKATUZI, Tatiana. Águas Batismais e Santos Óleos: uma trajetória histórica do Aldeamento de Atalaia. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, 2005. Anais do 3° Salão de Extensão e Cultura da UNICENTR O 20 a 25 de setembro de 2010