MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MATO GROSSO DO SUL Nº 107/2015. RECURSO ELEITORAL N° 156-41.2013.6.12.0007 - Classe 30ª RECORRENTE: Renato de Souza Rosa RECORRENTE: Douglas Rosa Gomes RECORRENTE: Coligação “Bela Vista Merece Mais” RECORRIDO: Marco Antonio Loureiro Palmieri RECORRIDO: Alexandre Pinheiro Mascarenhas RECORRIDO: Alcyr Mendonça RECORRIDO: João Onofre Cardoso Acosta Excelentíssimo Senhor Relator, Egrégio Tribunal, I – RELATÓRIO Trata-se de recurso eleitoral interposto por Renato de Souza Rosa, Douglas Rosa Gomes e a Coligação “Bela Vista Merece Mais” em face de sentença exarada na presente ação de investigação judicial eleitoral, ajuizada contra Marco Antonio Loureiro Palmieri, Alexandre Pinheiro Mascarenhas, Alcyr Mendonça e João Onofre Cardoso Acosta por suposta utilização indevida de meios de comunicação social. f. 1 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MATO GROSSO DO SUL O Juízo da 17ª Zona Eleitoral julgou improcedente a demanda e os ora recorrentes interpuseram recurso eleitoral, em que pugnaram pela reforma in totum da decisão combatida. Na sequência, houve manifestação do Ministério Público Eleitoral com atuação em primeira instância, em peça denominada de contrarrazões. Após remessa dos autos ao Tribunal Regional Eleitoral, vieram conclusos a esta Procuradoria Regional Eleitoral, oportunidade em que se pugnou pela conversão do feito em diligência a fim de que os recorridos fossem intimados para apresentarem contrarrazões. Remeteram-se os autos à Zona Eleitoral de origem para a notificação dos recorridos e abertura de prazo para contrarrazões. Por fim, após a juntada das contrarrazões, retornaram os autos a esta Procuradoria, para a emissão de parecer. É o sintético relatório. II – ADMISSIBILIDADE RECURSAL Recurso eleitoral aviado a tempo e modo. Partes regularmente representadas. Demais pressupostos presentes. No que toca às contrarrazões apresentadas, percebe-se que as notificações de dois recorridos foram efetivadas dia 16/10/2014 (fls. 194/195) e dos outros dois em 22/10/2014 (fls. 196/197). Não obstante, todas as contrarrazões foram apresentadas a um só tempo, em 20/10/2014, o que ensejaria, em tese, a extemporaneidade das peças de dois recorridos, que seriam notificados oficialmente somente em 22/10/2014. f. 2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MATO GROSSO DO SUL Entretanto, o protocolo de todas as peças de contrarrazões em 20/10/2014 é justificável, e não enseja extemporaneidade, pelo fato de que até aquele momento processual todos os réus/recorridos tinham como procurador o advogado João Onofre Cardoso Acosta, que também figura como réu/recorrido na ação. Uma vez que aquele advogado/réu/recorrido foi notificado pessoalmente em 16/10/2014, consoante carimbo e assinatura apostos em f. 195, entende o Parquet estar justificado o protocolo de todas as contrarrazões na data de 20/10/2014, mormente pela preocupação dos recorridos em respeitar o exíguo prazo de três dias para contrarrazões, sem quaisquer prejuízos às outras partes. Ainda, devem ser prestigiados princípios de direito processual como o da instrumentalidade das formas e do formalismovalorativo, evitando-se rigor excessivo que certamente existiria caso não se conhecesse das duas contrarrazões protocoladas antes da oficial notificação. Assim, pelo conhecimento do recurso e das contrarrazões. III – ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO III.1 – Da Sentença Combatida e das Razões Recursais A r. sentença de fls. 142/149 rejeitou os pedidos feitos na inicial sob os seguintes fundamentos: 1) O recorrido Alcyr Mendonça, locutor de programa de rádio localizada no Paraguai e vereador em Bela Vista/MS, teria apenas tratado de situações jurídicas relativas ao pleito eleitoral suplementar realizado f. 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MATO GROSSO DO SUL em 2013 naquele município, sem beneficiamento dos recorridos ou ofensa ao princípio da equidade, porquanto as partes recorrentes foram eleitas; 2) Alcyr Mendonça teria tratado igualmente de outras candidaturas em seus programas de rádio e não teria relatado qualquer inverdade. Ainda, os autores/recorrentes não teriam demonstrado as inverdades a eles atribuídas, notadamente pela situação jurídico-eleitoral indefinida dos então candidatos a prefeito/vice-prefeito, Renato de Souza Rosa e Douglas Rosa Gomes; 3) Os discursos do recorrido Alcyr Mendonça não teriam provocado desequilíbrio nas eleições pois teriam se referido a todas as candidaturas à eleição suplementar; o direito à liberdade de expressão não poderia ser ceifado; 4) Repisa o cunho informativo das manifestações na rádio e o tratamento indistinto a todos os candidatos, com transcrição de trechos não aduzidos na inicial; 5) O recorrido João Onofre Cardoso Acosta – advogado da coligação dos candidatos supostamente beneficiados, Marco Antonio Loureiro Palmieri e Alexandre Pinheiro Mascarenhas,– não teria feito qualquer relato inverídico em sua entrevista na rádio, mesmo que os fatos pudessem configurar “propaganda negativa”. Teria o advogado apenas alertado os ouvintes de que um dos autores/recorrentes, Renato de Souza Rosa, poderia ser eleito e depois cassado, caso o TRE confirmasse a sentença de primeiro grau que havia indeferido o seu registro de candidatura; 6) Teria o locutor e vereador Alcyr Mendonça aberto espaço para o pronunciamento do irmão do então candidato a prefeito Renato de Souza Rosa, o que demonstraria estar o radialista apenas exercendo seu papel de profissional da imprensa; f. 4 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MATO GROSSO DO SUL 7) Por fim, reitera a não ocorrência de inverdades na matéria jornalística analisada, o que comprovaria a inexistência de abusos na utilização dos meios de comunicação. Por sua vez, em fls. 161/175, os recorrentes rebatem as fundamentações do Juízo e pugnam pela forma do decisum, para que seja declarada a inelegibilidade dos quatro réus/recorridos, bem assim sejam cassados o registro ou o diploma dos réus/recorridos que foram candidatos naquelas eleições. Assiste parcial razão aos recorrentes, na visão do Parquet Eleitoral. III.2 – Do Uso Indevido de Meio de Comunicação – Rádio O enquadramento jurídico dos pedidos aduzidos na inicial é feito pela aplicação das normas contidas no caput e inciso XIV do art. 22 da LC 64/90. Transcrevem-se as normas: Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (…) XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes f. 5 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MATO GROSSO DO SUL sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar; Das normas retro, extrai-se que o ilícito eleitoral necessariamente decorre da utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, com desvio ou abuso dos meios de comunicação, considerando-se a gravidade das circunstâncias. Destarte, sempre que houver utilização indevida em favor de candidato, com circunstâncias graves o suficiente para caracterizar desvio ou abuso no uso dos meios de comunicação, configurado está o ilícito, a ensejar a sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição e a cassação do registro ou do diploma do candidato diretamente beneficiado, a depender da análise do caso concreto. Nessa esteira, ao contrário do consignado na sentença combatida, não importa o resultado das eleições. Tal conclusão resta clara da simples interpretação gramatical do art. 22, inciso XVI, da Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar nº 64/1990), in verbis: para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. Vale aqui lembrar que o inciso suso transcrito foi incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010, denominada Lei da Ficha Limpa. O intuito do legislador é claro ao desprezar a potencial alteração no f. 6 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MATO GROSSO DO SUL resultado das eleições e considerar tão somente a gravidade das circunstâncias. São, pois, as circunstâncias e a sua gravidade que interessam na presente análise, e não o resultado das eleições. E a gravidade das circunstâncias levam à provável influência na consciência dos eleitores. Traz-se à baila lição do ilustre doutrinador José Jairo Gomes1: não se faz necessário – até porque, na prática, isso não seria possível – provar que o abuso influenciou concretamente os eleitores, a ponto de levá-los a votar efetivamente no candidato beneficiado. Basta que se demonstre a provável influência na consciência e vontade dos cidadãos (destaques contidos no original). Não se pode afastar a provável influência exercida sobre os ouvintes/eleitores por meio da veiculação de programas de rádio que gozam de bastante popularidade. E a influência aos eleitores em nada se confunde com a inveracidade das informações prestadas, o que afasta a necessidade de se provar qualquer tipo de inverdade por parte dos emissores de opinião nos meios de comunicação. Podem os fatos ser verdadeiros, mas sua veiculação ser realizada de forma tendenciosa e até dissimulada, com meios e artifícios próprios dos comunicadores, de modo a travestir interesse partidário em informação. O escopo da norma é impedir que pessoas com grande acesso à mídia desequilibrem o pleito em favor de determinada candidatura, em detrimento dos demais concorrentes. Compete à Justiça Eleitoral zelar pela lisura das eleições, de modo a garantir o direito de sufrágio e o livre exercício da democracia. 1 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 10 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014, p. 536. f. 7 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MATO GROSSO DO SUL Cabe aqui pontuar que o meio de comunicação utilizado (rádio) nunca será de restrita divulgação. Muito pelo contrário, é veículo de grande alcance e, pois, com grande potencial de influenciar eleitores. Ainda, não se pode olvidar que os meios de comunicação do rádio e da televisão funcionam por meio de concessão dada pelo Poder Público, o que impede que haja posicionamento e favorecimento claro a um ou a outro candidato. Nessa senda, tratamento privilegiado conferido a candidato ou coligação não se coaduna com o inciso III do art. 27 da Resolução TSE nº 23.370 (é vedado às emissoras de rádio e televisão, em sua programação normal e noticiário: dar tratamento privilegiado a candidato, partido político ou coligação). Há fundamental diferença de tratamento normativo e jurisprudencial entre a mídia impressa e a mídia de rádio e TV. Ao contrário da imprensa escrita, não é dado aos veículos de rádio e TV se posicionarem a favor de qualquer candidatura, haja vista o grande alcance e poder de influência destes meios de comunicação. Nesse sentido é o seguinte acórdão do C. TSE: RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. ELEIÇÕES 2006. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. (…) 7. A potencialidade da veiculação de publicidade ilegítima em mídia impressa e eletrônica (internet) somente fica evidenciada se comprovada sua grande monta, já que o acesso a esta qualidade de mídia depende do interesse do eleitor, diferentemente do que acontece com o rádio e a televisão (...) f. 8 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MATO GROSSO DO SUL (Recurso Contra Expedição de Diploma nº 698, Acórdão de 25/06/2009, Relator(a) Min. FELIX FISCHER, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Volume -, Tomo 152/2009, Data 12/08/2009, Página 28/30 RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 20, Tomo 4, Data 25/06/2009, Página 21, destaques nossos) Acerca do tema, essa E. Corte Regional já se manifestou: E M E N T A - RECURSO ELEITORAL. (...) RÁDIO. CONCESSÃO PÚBLICA. VEDAÇÃO. REGULARIDADE DO PLEITO EM CONCOMITÂNCIA COM A LIBERDADE DE EXPRESSÃO. PENALIDADE DE MULTA. SUSPENSÃO DA PROGRAMAÇÃO POR 24 HORAS. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE PARA EXCLUIR A MULTA. RECURSOS IMPROVIDO E PROVIDO PARCIALMENTE. (…) A liberdade de expressão, assegurada constitucionalmente, tem limites legais que, sem desnaturar a norma constitucional e sem ofender a democracia, servem justamente para dar um rumo de nivelamento, para fazer prevalecer o princípio da igualdade de oportunidade entre os candidatos. De efeito, as normas de restrição de propaganda eleitoral não desnaturam a liberdade de manifestação de pensamento. Inexiste qualquer tolhimento ao direito de liberdade de imprensa ou mesmo à livre manifestação do pensamento, assegurado pelo art. 5.º, inciso IV, da Constituição Federal, se tais princípios devem ser observados, em relação ao pleito eleitoral, conjuntamente com os pertinentes à legalidade da propaganda e da igualdade entre os candidatos, materializadas pela Lei n.º 9.504/97, que disciplina a realização das eleições. Enquanto a imprensa escrita pode assumir posição política e emitir opinião a respeito de candidatos, o rádio e a televisão, por serem concessões públicas, estão obrigados à isenção e à imparcialidade, principalmente quando transmitindo entrevistas f. 9 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MATO GROSSO DO SUL jornalísticas. A partir das convenções de escolha de candidatos (segundo semestre do ano do pleito), e até o dia das eleições inclusive, as emissoras de rádio e televisão devem seguir as regras contidas nos arts. 45 e 46, sendo-lhes vedado veicular programa de qualquer espécie, com alusão ou crítica a candidato, mesmo que dissimuladamente. Ou seja, é proibido o tratamento privilegiado em rádio, na forma de entrevista ou comentários que denotem conteúdo eleitoral positivo ou negativo de candidatos a cargos eletivos, cuja evidência poderá caracterizar desequilíbrio no pleito eleitoral e consequente propaganda eleitoral irregular. (…) (TRE/MS - RE - RECURSO ELEITORAL nº 62543 – Dourados/MS - Acórdão nº 7541 de 27/09/2012 Relator(a) RENATO TONIASSO, destaques nossos) As lições de nossos doutrinadores vêm ao encontro da jurisprudência pátria. Esclarece Rodrigo López Zilio 2: A legislação eleitoral, partindo da premissa de que os serviços de radiodifusão de sons e imagens são autorizados pelo Poder Público (art. 223 da CF), impôs severas limitações às emissoras de rádio e televisão, sempre no intuito de prevalecer intangível o princípio da isonomia entre os candidatos. Com efeito, ciente da penetração massiva dos meios de comunicação social de rádio e televisão e da facilidade de manipulação do público-alvo, o legislador tencionou estabelecer amarras na programação normal e no noticiário veiculado por aqueles veículos de comunicação. (...) Em suma, a análise objetiva do processo eleitoral, apontando as suas virtudes e defeitos, ainda que realizada através do rádio e da televisão, é elemento importante para a formação de um juízo de valor do eleitor no momento do voto, mas o conteúdo dessa 2 ZILIO, Rodrigo Lpez. Direito Eleitoral. 3º ed. rev. e atual. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, p. 329. f. 10 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MATO GROSSO DO SUL avaliação não pode sugerir, ainda que implicitamente, um pedido de voto, tratamento privilegiado ou menoscabo para quaisquer dos atores do processo eleitoral (destaques nossos). Essas são as balizas para a caracterização do ilícito eleitoral de uso indevido de rádio como meio de comunicação. III.3 – Das Condutas dos Réus/Recorridos As provas carreadas aos autos são suficientemente robustas para demonstrar a utilização indevida de veículo de comunicação – rádio com sede no país vizinho. Sabe-se que o Município de Bela Vista/MS faz fronteira com a cidade de Bella Vista Norte, no Paraguai, o que permite que haja transmissão de programas de rádio para o município brasileiro. Os programas de rádio em que houve a veiculação das notícias supostamente revestidas de caráter jornalístico e informativo foram conduzidos por vereador eleito pelo PMDB nas eleições de 2012. O vereador entrevista em duas oportunidades advogado da coligação encabeçada por candidatos a prefeito e vice nas eleições majoritárias suplementares ocorridas em 07/07/2013. Dessa coligação faz parte o PMDB, partido que elegeu o vereador que conduzia os programas de rádio que suscitaram o ingresso da presente ação, veiculados nas duas semanas anteriores às eleições. Os programas foram ao ar em 24/06/2013, 25/06/2013, 27/06/2013 e 04/07/2013, este último com antecedência de apenas três dias do pleito, data que coincide com o último dia para a divulgação da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, conforme Resolução do TRE/MS nº 499, de 7 de maio de 2013. f. 11 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MATO GROSSO DO SUL O pleito suplementar terminou por eleger os autores/recorrentes, atuais prefeito e vice de Bela Vista/MS, eleitos pela Coligação “Bela Vista Merece Mais”, também autora/recorrente na presente ação. Ao se analisar a situação, tem-se que há enorme probabilidade de a veiculação dos programas populares conduzidos pelo vereador Alcyr Mendonça ter alcançado e influenciado o voto de considerável parcela dos eleitores da pequena e fronteiriça cidade de Bela Vista/MS, com população em sua maior parte de origem humilde e sem elevado grau de estudos. O tratamento diferenciado entre candidatos, feito de forma sutil e com aparência de mera informação jornalística, tem o real potencial de induzir o eleitor a votar neste ou naquele candidato, ou até de se abster de votar em qualquer dos concorrentes, mormente pela proximidade do dia da votação. Nessa toada, após detida análise das gravações e da leitura das degravações dos programas conduzidos pelo vereador recorrido Alcyr Mendonça, com participações do advogado recorrido João Onofre Cardoso Acosta, extrai-se a conclusão de que havia nítido interesse em influenciar os eleitores a não votar em determinados candidatos, em benefício dos recorridos Marco Antonio Loureiro Palmieri e Alexandre Pinheiro Mascarenhas, com evidente uso indevido do meio de comunicação. Os trechos transcritos na peça recursal (fls. 166/167), devidamente confirmados pela audição das gravações, revelam o desvio/abuso do uso do meio de comunicação, com gravidade suficiente a ensejar a penalização. Não se deve esquecer que o emissor das opiniões é vereador eleito por partido que integrava a coligação dos então candidatos Marco Antonio e Alexandre. No mínimo é de se esperar que haja uma tendência de f. 12 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MATO GROSSO DO SUL favorecimento dos candidatos correligionários, com maior severidade de tratamento aos candidatos opositores, o que se observa nos trechos do áudio transcritos e negritados em fls. 166/167. Aqui, destaca-se trecho específico da fala do vereador do dia 24/06/2013, a treze dias da eleição: então eu acho que vai ficar a briga entre esses outros três aí, falando juridicamente (…) Orlanda, Marcos e Piti, esses aí. Vê-se que o narrador, sob pretensa análise jurídica, exclui uma única chapa da concorrência ao pleito, exatamente a dos recorrentes Renato de Souza Rosa e Douglas Rosa Gomes, que futuramente seriam os eleitos. Mais informações tendenciosas aos eleitores foram prestadas pelo vereador/locutor no dia seguinte, 25/06/2013: o Dr. Renato está com a capivara suja aqui em Bela Vista, ele foi cassado (…) oito anos fora da política, tá recorrendo ainda, mas não vai virar nada isso daí, essa é uma questão que eu sei. A certeza que ele diz ter de que o candidato Renato estaria alijado do pleito tem claro intuito de convencer o eleitor, leigo em questões judiciais eleitorais, de que não adiantaria votar naquele candidato. De igual modo agiu o advogado recorrido João Onofre Cardoso Acosta, em entrevistas concedidas nos dias 27/06/2013 e 04/07/2013. Havia a nítida intenção de influenciar os ouvintes/eleitores a não votar na coligação dos autores/recorrentes, contra os quais concorriam os réus/recorridos. Até a omissão da relevante informação de que o entrevistado era advogado da coligação dos demais recorridos – sob a aparência de que as informações ali prestadas eram absolutamente isentas e apartidárias – demonstra o intuito dissimulado de influenciar o eleitor/ouvinte a não votar nos recorrentes, em benefício dos recorridos. As transcrições contidas nas fls. 170/171 revelam o verdadeiro intuito dos recorridos, todos envolvidos na campanha eleitoral da coligação contrária à dos recorrentes. A real intenção era, não a de passar f. 13 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MATO GROSSO DO SUL informações isentas e imparciais, mas sim destacar que seria um equívoco votar nos candidatos recorrentes. Em que pese a situação eleitoral indefinida, até aquele momento, do recorrente Renato de Souza Rosa, em virtude de sentença do Juízo da 17ª Zona Eleitoral que cassou o registro de candidatura, não deveriam os recorridos Alcyr e João Onofre ter desvirtuado as informações, de modo a convencer os ouvintes de que o candidato Renato estava cassado e com direitos políticos suspensos, como fizeram. No programa do dia 04/07/2013 o advogado João Onofre realiza extensa leitura de parecer desta Procuradoria Regional Eleitoral exarado na ação 430-39.2012.6.12.0017 (36'54'' – 43'46''). Na sequência, afirma o advogado: o Dr. Renato ele pode, de fato, disputar a eleição, é, se hipoteticamente, né, ele ganha a eleição e for confirmada a sentença do juiz aqui de Bela Vista, aí...ele...aí efetivamente os direitos dele são suspensos por oito anos e ele não é nem diplomado (locutor: nem o vice) não, não, não, é a chapa completa, a chapa completa (…) aí o segundo colocado que tomaria posse (49'02'' – 49'31''). Frise-se que no momento das declarações dos recorridos não havia trânsito em julgado da ação 430-39.2012.6.12.0017, que tratava da situação do candidato a prefeito Renato de Souza Rosa, relativa às eleições ocorridas em 2012, em que o candidato não foi eleito. Ademais, a decisão em primeira instância pela cassação do registro de candidatura das eleições de 2012 não teve o condão de obstar a candidatura às eleições suplementares de 2013, tampouco impediria a diplomação após a nova eleição. Vislumbra-se temeridade nas declarações dos recorridos ao afirmarem aos ouvintes/eleitores que os candidatos recorrentes f. 14 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MATO GROSSO DO SUL teriam seus direitos políticos suspensos e não seriam sequer diplomados. Não era essa a realidade dos fatos. Impende ressaltar que a suspensão dos direitos políticos é medida extrema e obsta tanto o exercício da capacidade eleitoral ativa (votar) quanto da capacidade eleitoral passiva (ser votado). A inelegibilidade apenas impede o exercício desta última e não se confunde, em absoluto, com a suspensão dos direitos políticos, cuja previsão tem sede constitucional (art. 15). Já o impedimento da diplomação não ocorreria automaticamente. Apenas a sobrevinda de decisão colegiada na ação 43039.2012.6.12.0017, com a condenação em pena de inelegibilidade, possibilitaria o ajuizamento de recurso contra expedição de diploma (RCED), meio processual hábil contra a diplomação, a ser ajuizado no prazo decadencial de até três dias após o ato da diplomação (arts. 258 e 276, § 1º, in fine, do Código Eleitoral). Portanto, diversamente ao declarado pelo advogado recorrido no programa de rádio do dia 04/07/2013, não haveria suspensão dos direitos políticos, tampouco haveria o impedimento da diplomação, senão pelo ajuizamento e provimento dos pedidos feitos em RCED, à luz do art. 262 do Código Eleitoral. É essa influência maléfica à opinião dos eleitores que se mostra com gravidade suficiente para caracterização da utilização indevida do meio de comunicação. Traduz-se em desvirtuamento das informações e causa sérias dúvidas no eleitor o relato de que, mesmo eleito, o candidato da oposição ao partido/coligação dos emissores da opinião seria cassado e impedido de ser diplomado. Essa manipulação das informações, às vésperas do pleito, certamente incutiu sérias dúvidas em muitos eleitores, notadamente f. 15 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MATO GROSSO DO SUL pela ideia popular de que votar em alguém que não seja eleito, ou, se eleito, que não possa efetivamente governar, seria desperdiçar voto. Pede-se vênia para trasladar excerto do lúcido parecer exarado pelo Ministério Público Eleitoral, em primeiro grau, que bem traduz a gravidade dos fatos e o desvio/abuso no uso do meio de comunicação: as informações transmitidas no programa de rádio não foram veiculadas com o propósito informativo, mas transfigurou-se em nítido instrumento de campanha, afinal a propaganda gera proveitos psicológicos significativos, até mais intensos do que a propaganda eleitoral direta, exatamente por proporcionar a aceitação inconsciente, por parte dos eleitores, do nome do candidato. Merece destaque, ainda, o ponto da sentença objurgada que relata ter o locutor e vereador Alcyr Mendonça aberto espaço para o pronunciamento do irmão do recorrente Renato de Souza Rosa, o que teria demonstrado que o radialista estaria apenas exercendo seu papel de profissional da imprensa (f. 148). Contudo, pela audição do trecho entre os minutos 54'35'' e 55'16'', percebe-se que o espaço seria concedido somente pela presença inesperada do irmão na sede da rádio. Na sequência, pode-se ouvir entre os minutos 56'35'' e 57'35'' sons que evidenciam discussão e provável luta corporal entre o vereador Alcyr e o irmão do candidato Renato, sem que este fizesse qualquer pronunciamento naquele programa. Assim, não houve, de fato, qualquer abertura nos programas de rádio do vereador recorrido para manifestação de qualquer pessoa da campanha ou da coligação dos recorrentes. Ademais, repise-se, não haveria a necessidade de que os recorridos Alcyr e João tivessem dito inverdades para que se caracterizasse o desvio/abuso na utilização do meio de comunicação. Apesar disso, muitas f. 16 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MATO GROSSO DO SUL informações prestadas por eles, como relatado alhures, não condiziam com a realidade jurídica do processo eleitoral. Por fim, ao contrário do alegado em contrarrazões, não há que se falar em ocorrência de injúria, calúnia e difamação para se caracterizar o uso indevido dos meios de comunicação. III.4 – Das Penalidades São graves as circunstâncias da utilização indevida e do desvio/abuso do meio de comunicação social (rádio) em benefício de candidatos/coligação, com incidência das penalidades previstas no inciso XIV do art. 22 da LC 64/90. Entende-se que a conduta dos recorridos Alcyr Mendonça e João Onofre Cardoso Acosta favoreceu os candidatos recorridos Marco Antonio Loureiro Palmieri e Alexandre Pinheiro Mascarenhas. Sem dúvidas houve proveito eleitoral angariado pelos candidatos. E não se diga que não havia conhecimento dos fatos pelos candidatos, pois os emissores de opinião eram vereador e advogado do mesmo partido/coligação e os programas foram veiculados em rádio bastante popular naquele município. Há presunção de conhecimento. Ainda, o objeto da ação é a normalidade e legitimidade das eleições, indubitavelmente afetadas pelas condutas dos recorridos. Assevera José Jairo Gomes: de se lembrar, ainda, o princípio da solidariedade inscrito no artigo 241 do Código Eleitoral. Se correligionários ou apoiadores promovem em prol de candidato eventos abusivos, comprometedores da higidez das eleições, o certo é que o processo eleitoral restará irremediavelmente maculado3. 3 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 10 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014, p. 544. f. 17 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MATO GROSSO DO SUL Não pairam dúvidas de que os candidatos recorridos beneficiaram-se das manifestações do vereador e do advogado recorridos. Entretanto, não há que se falar em cassação do registro ou do diploma, porquanto já ocorreu o pleito e os candidatos recorridos não foram eleitos. A outra penalidade passível de ser cominada pelo desvio/abuso dos meios de comunicação é a denominada inelegibilidadesanção, fundada no artigo 22, XIV, da LC nº 64/90. Tão gravosa penalidade – inelegibilidade por oito anos – somente pode ser aplicada àquele que praticou a conduta, e não ao mero beneficiário (candidato). É o entendimento jurisprudencial dominante, tanto da Corte Regional quanto da Superior: RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. Para fins de imposição das sanções previstas no inciso XIV do art. 22 da LC nº 64/90, deve ser feita distinção entre o autor da conduta abusiva e o mero beneficiário dela. Caso o candidato seja apenas beneficiário da conduta, sem participação direta ou indireta nos fatos, cabe eventualmente somente a cassação do registro ou do diploma, já que ele não contribuiu para a prática do ato. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 48915, Acórdão de 13/11/2014, Relator(a) Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 218, Data 19/11/2014, Página 23-24, destaques nossos) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ELEITORAL. INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER POLÍTICO OU DE AUTORIDADE. PRÁTICA PELO ENTÃO PREFEITO, CANDIDATO À REELEIÇÃO. CHAPA MAJORITÁRIA UNA E INDIVISÍVEL.CASSAÇÃO DO REGISTRO DAS CANDIDATURAS. CANDIDATO A VICE QUE NÃO PARTICIPOU DAS ILICITUDES E, ASSIM, NÃO DEU f. 18 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MATO GROSSO DO SUL CAUSA À NULIDADE DO FEITO. INCIDÊNCIA DA INELEGIBILIDADE. CARÁTER PESSOAL. OMISSÃO DO JULGADO. EMBARGOS PROVIDOS. A sanção de inelegibilidade, de que trata o art. 22, inciso XIV, da Lei Complementar n.° 64/90, a qual tem natureza de pena, possui caráter pessoal e atinge somente o agente político ou candidato responsável pela ilicitude do abuso de poder na esfera eleitoral, com expressa declaração na decisão (art. 18 da mesma lei). De efeito, não obstante ter sido cassado o registro do candidato ao cargo de vice na ação de investigação judicial por abuso de poder político, ante a unicidade/indivisibilidade da chapa majoritária, a referida inelegibilidade não lhe atinge por não ter sido demonstrada a sua responsabilidade pelos atos abusivos. Restando demonstrado o equívoco, corrige-se o acórdão embargado para afastar a sanção de inelegibilidade, prevista no art. 22, inciso XVI, da Lei Complementar n.° 64/90, que foi imposta ao embargante. (RECURSO ELEITORAL nº 42636, Acórdão nº 7831 de 21/05/2013, Relator(a) HERALDO GARCIA VITTA, Publicação: DJE – Diário da Justiça Eleitoral, Tomo 820, Data 23/05/2013, Página 06, destaques nossos) No caso dos autos, as ações foram perpetradas por Alcyr Mendonça e João Onofre Cardoso Acosta em favor dos candidatos Marco Antonio Loureiro Palmieri e Alexandre Pinheiro Mascarenhas, sem que os últimos tenham concorrido diretamente para as condutas consideradas abusivas. Não há prova de ordem, anuência ou consentimento dos candidatos às manifestações dos outros recorridos. Não há se falar, pois, em pena de inelegibilidade para os candidatos beneficiários, uma vez que a declaração de inelegibilidade é de f. 19 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM MATO GROSSO DO SUL caráter personalíssimo4, não atingindo a esfera jurídica daquele que não participou efetivamente dos atos abusivos. Destarte, da análise das provas carreadas aos autos, bem assim dos fatos públicos e notórios, ainda que não indicados ou alegados pelas partes (art. 23 da LC 64/90), configurado está o ilícito de uso indevido dos meios de comunicação, com abalo à legitimidade e normalidade das eleições, a ensejar a sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição somente para os réus/recorridos Alcyr Mendonça e João Onofre Cardoso Acosta. IV – CONCLUSÃO Ante o exposto, a PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL manifesta-se pelo conhecimento e provimento parcial do recurso, para que seja declarada a inelegibilidade dos réus/recorridos Alcyr Mendonça e João Onofre Cardoso Acosta para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à data da eleição à qual se relacionam os fatos, nos termos da fundamentação. Campo Grande/MS, 20 de janeiro de 2015. Silvio Pereira Amorim Procurador Regional Eleitoral Substituto MCPMT 4 (…) A declaração de inelegibilidade possui caráter pessoal; dessa forma, quando se refere a apenas um dos membros da chapa majoritária, não alcança a esfera jurídica do outro (artigo 18 da LC nº 64/90).(...)” (TSE - Recurso Especial Eleitoral nº 10853, Acórdão de 18/10/2012, Relator(a) Min. LAURITA HILÁRIO VAZ, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 18/10/2012, destaques nossos) f. 20