Etiquetas de chumbo para anilhar asas de ânfora José de Sousa Projecto IPSIIS O rio Arade, a principal linha de água no Algarve a ocidente do Guadiana, desde a antiguidade desempenhou um importante papel do ponto de vista histórico e geográfico, fomentando o intercâmbio cultural e comercial do mundo mediterrânico e atlântico, com os povoados do interior. No seu estuário, implantada na margem direita, desenvolveu-se a Portus Magnus romana, hoje Portimão, porta de acesso a Cilpes, a actual Silves, subindo o rio, uma dezena de quilómetros a norte. O património cultural subaquático do rio Arade revelou-se a partir das dragagens na sua embocadura, que deram lugar ao aparecimento de uma imensidão de artefactos, datando sobretudo da época romana, dispersos pelas praias e depósitos de dragados. Dessa miscelânea de arrojados, merecem particular referência as etiquetas de ânforas em chumbo, com diversos exemplares recuperados. Serviram para identificar a officina que fabricava o produto transportado na ânfora – preparados de peixe, como o garum ou o peixe em salmoura. Estas peças só encontram paralelo num naufrágio de um navio romano ao largo da costa da Argélia, tendo sido publicadas por Robert Lequément em 1975, partindo da observação de uma ânfora inteira, e de vários colos, com uma tessera em chumbo, rectangular, enrolada numa das asas; apresentam inscrições variadas, sendo a melhor documentada, proveniente de officina L (uci) Iuli Romani; a ânfora observada trata-se de uma variante de tipo "africano grande" de F.Zevi, apontando como cronologia o baixo-império, e como origem, a África Proconsular. No caso do Arade, podemos referir que as dragagens levaram ao aparecimento de um elevado número de fragmentos de ânforas africanas do baixo-império. Sugeriu-se que este tipo de etiquetagem de ânforas, estaria inserido num comércio de cabotagem ao longo da costa norte Africana, ou faria parte do abastecimento à Gália ou a Roma – face a estes achados, de material anfórico e das etiquetas, incluiríamos uma nova rota comercial Mediterrâneo / Atlântica por via marítima, que teria como origem ou destino, o sul da Península Ibérica. Pelo facto de até à data, não terem sido encontradas em mais nenhum local do mundo romano, deduzimos que foram utilizadas numa área geográfica e num período temporal bastante restrito. Nas imediações de onde foram efectuadas as dragagens que expuseram estas etiquetas, Estácio da Veiga já havia identificado um complexo com cetárias, na margem direita do rio Arade, no lugar de Portimões, visível até finais da década de 1970, altura em que foi destruído. Das etiquetas que conseguimos recuperar, e que estão expostas no Museu de Portimão, descreve-se um conjunto que abarca as diversas tipologias figuradas, ressalvando que o espólio resgatado no âmbito do Projecto IPSIIS, é apenas uma ínfima parte do que foi exposto pelas dragagens, conhecendo inclusive o relato de vários indivíduos que testemunharam a destruição de largas dezenas destes objectos, derretidos para chumbadas, ou vendidas a peso nos sucateiros. Os motivos representados nestas etiquetas que observámos, variam, sendo os mais frequentes as palmas ou teixos de formas variadas, os sexifólios inscritos em círculos, assim como motivos ligados à actividade piscatória, o tridente e o peixe. Em apenas duas peças descortinamos inscrições que não conseguimos interpretar, devido ao mau estado ou desgaste das etiquetas. Apesar do seu aspecto modesto, estas peças singulares poderão contribuir para o estudo dos intercâmbios comerciais do mundo romano no baixo-império. Em face da importância destes materiais, e, por vezes, da dificuldade em encontrar da parte dos especialistas a disponibilidade imediata necessária, optou-se pela sua divulgação, mesmo sem um aprofundado estudo de pormenor. Seja assim esta opção tida como um incitamento à colaboração futura da comunidade arqueológica no aprofundamento deste estudo. O mundo romano no século III, destacando Portimão e Annaba, únicos locais onde se verificaram achados destas etiquetas. Ânfora observada por Lequément, em Annaba, Argélia Podemos observar a tessera de chumbo enrolada na asa da ânfora Etiqueta nº1 Em relevo, e no campo de etiqueta rectangular em chumbo, apresentando duas linhas de texto, separadas por lança? Dimensões: 100mm x 60mm Etiqueta nº2 (fragmento) Em relevo, e no campo de etiqueta rectangular em chumbo, peixe. Dimensões: 85mm x 42mm Etiqueta nº3 Em relevo, e no campo de etiqueta rectangular em chumbo, tridente. Dimensões: 106mm x 49mm Etiqueta nº4 Em relevo, e no campo de etiqueta rectangular em chumbo, tridente. Dimensões: 115mm x 41mm Etiqueta nº5 (fragmento) Em relevo, e no campo de etiqueta rectangular em chumbo, palma. Esta peça foi furada, supondo uma posterior reutilização, de outro modo. Dimensões: 40mm x 33mm Etiqueta nº6 Em relevo, e no campo de etiqueta rectangular em chumbo, palma. Esta peça foi furada, supondo uma posterior reutilização, de outro modo. Dimensões: 80mm x 45mm Etiqueta nº7 Em relevo, e no campo de etiqueta rectangular em chumbo, espiga. Dimensões: 106mm x 38mm Etiqueta nº8 Em relevo, e no campo de etiqueta rectangular em chumbo, palma; horizontalmente, linha em ziguezague; numa extremidade, cartela com vestígios de texto. Dimensões: 129mm x 66mm Etiqueta nº9 (fragmento) Em relevo, e no campo de etiqueta rectangular em chumbo, palma. Dimensões: 76mm x 49mm Etiqueta nº10 Em relevo, e no campo de etiqueta rectangular em chumbo, sexifólios inscritos em círculos, nas extremidades, traços paralelos. Dimensões: 105mm x 51mm Etiqueta nº11 (fragmento) Em relevo, e no campo de etiqueta rectangular em chumbo, sexifólios inscritos em círculos, sendo os maiores, inscritos por quatro mais pequenos. Dimensões: 71mm x 52m Bibliografia: Lequément, Robert (1975): Etiquettes de plomb sur les amphores d'Afrique. Mélanges de l'École de Rome. Roma. 87:2, p.p 677-680 Alves, F. [2005]: Apontamento sobre um fragmento de tábua de casco de navio dotado do sistema de fixação por encaixe-mecha-respiga, típico da antiguidade mediterrânica, descoberto em 2002 no estuário do rio Arade. Revista Portuguesa de Arqueologia, 8.2. IPA. Lisboa, 2º semestre de 2005. Francisco J. S. Alves, Maria Luísa P. Blot, Paulo J. Rodrigues, Rui Henriques, João G. Alves, A. M. Dias Diogo e João P. Cardoso – Vestígios de naufrágios da antiguidade e da época medieval em águas portuguesas. Comunicação ao Congresso do Mar (Nazaré, 1 e 2 de Abril de 2005). Francisco Alves, Paulo Monteiro e Sérgio Pinheiro: Relatório da campanha de arqueografia preliminar dos destroços do navio Arade 23 (2007) Trabalhos da DANS, 44, Lisboa, 2008 Alberto Machado – Grupo de Estudos Oceânicos – A prospecção arqueológica da foz do Arade – uma actuação permanente; Xelb 6, 2005. Carlos Fabião: Estácio da Veiga e a exploração de recursos marinhos no Algarve, em época romana – Xelb 7, p.p. 131-142, Silves, 2007 Luís Fraga da Silva: Imprompto.blogspot.pt Alberto Machado, José de Sousa, Projecto IPSIIS – XELB 5, 2003, p.p 233/244 Sousa, J. e Viegas, P. (2004): Projecto IPSIIS – fragmentos de História nas praias do Arade. Actas do Seminário Os Museus e o Património Náutico e Subaquático: p.p 2730. Câmara Municipal de Portimão.