Olhar De
Professor
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA
REITOR
VICE-REITOR
CHEFE DO DEPARTAMENTO DE MÉTODOS E
TÉCNICAS DE ENSINO
COORDENAÇÃO EDITORIAL
REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA
REVISÃO DE LÍNGUA INGLESA
NORMALIZAÇÃO
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
CRIAÇÃO DA CAPA
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João Carlos Gomes
Carlos Luciano Sant’ana Vargas
Hermínia Regina Bugeste Marinho
Beatriz Gomes Nadal
Clícia Bührer Martins
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Hermínia Regina Bugeste Marinho
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CONSULTORES AD HOC NESTA EDIÇÃO
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Anete Abramowicz (UFSCAR)
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SP)
ISSN 1518-5648
Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino
Olhar De
Professor
Ficha catalográfica elaborada na UEPG/BICEN
Olhar de professor. Universidade Estadual de Ponta Grossa.
Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino. Ponta
Grossa, Pr., v.1, n.1, jan./jul. (1998-).
Semestral
Anual de 1998-2003; Semestral 2004ISSN 1518-5648
1.Educação – periódicos.I.Universidade Estadual de
Ponta Grossa. Departamento de Métodos e Técnicas de
Ensino.
CDD 370
Os textos publicados na revista são de
inteira responsabilidade de seus autores.
Tiragem
700 exemplares
REVISTA INDEXADA EM
CIBEC (Centro de Informação e Biblioteca em Educação), do INEP
EDUBASE (Base Nacional de Artigos de Periódicos, Eventos e Relatórios
da Área da Educação), da UNICAMP
CLASE (Base de Datos Bibliográfica de Revistas de Ciencias Sociales y
Humanidades), da Universidad Nacional Autônoma de México
INFORMAÇÕES / DISTRIBUIÇÃO / PERMUTAS
Revista Olhar de Professor
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino
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2007
SUMÁRIO
Apresentação.................................................................
09
A Pedagogia em questão: entrevista com
José Carlos Libâneo
José Carlos Libâneo......................................................
11
As diretrizes curriculares para o Curso de Pedagogia:
uma expressão da epistemologia da prática
Marli de Fátima Rodrigues e Acácia Zeneida Kuenzer.........
35
La formación docente en la sociedad del conocimiento y
la información: avances y temas pendientes
Carlos Marcelo Garcia......................................................
63
Aprendizagem da docência em curso a distância:
a versão dos professores
Maria Elizabete Souza Couto e Emília Freitas de Lima.........
91
Professores iniciantes de Língua Inglesa: conflitos e
re/estruturações no processo de desenvolvimento
profissional
Ademar da Silva e Denise M. Margonari ........................
113
A Educação Física e o Esporte em escolas públicas de
ensino fundamental (terceiro e quarto ciclos): análise do
cotidiano do professor e perspectivas de mudanças no
ensino
Silvia Christina Madrid Finck........................................
127
Informática na educação: vantagens e empecilhos
Cristine Isabel Simão e Mariná Holzmann Ribas..................
147
Quando ensinar não é o mais importante: reflexões sobre
o trabalho docente e o ofício do aluno no contexto atual
Wanderson Ferreira Alvez..............................................
159
Interdisciplinaridade: uma nova atitude docente
Celia Maria Haas..........................................................
179
A família do educando com dificuldade de aprendizagem:
um estudo de representações sociais
Fátima Aparecida Maglio Colus e Rita de Cássia Pereira
Lima ...........................................................................
195
Competência para fazer face à violência: definindo a
competência inter-relacional do(a) educador(a) no manejo
da violência na escola
Fernando Cézar Bezerra de Andrade..................................
209
Avaliação em dois tempos no trabalho com o texto
Thomas Massao Fairchild...............................................
231
SUMMARY
Presentation.................................................................
09
Pedagogy course in question:
interview with José Carlos Libâneo
José Carlos Libâneo......................................................
11
Curricular guidelines for the Pedagogy Course:
an expression of practice epistemology
Marli de Fátima Rodrigues and Acácia Zeneida Kuenzer.......
35
Teacher education in the knowledge and information
society: advancements and pending themes
Carlos Marcelo Garcia......................................................
63
Learning to teach in a distance course: Teacher´s
opinions
Maria Elizabete Souza Couto and Emília Freitas de Lima......
91
Beginning in service English Language Teachers: conflicts
and restructuring in the process of professional
development
Ademar da Silva and Denise M. Margonari ........................
113
Physical Education and Sports in Public Schools in the
third and fourth cycles of basic education: analysis of
teacher’s routine and perspectives for changes in teaching
Silvia Christina Madrid Finck........................................
127
Computer science in education: advantages and difficulties
Cristine Isabel Simão and Mariná Holzmann Ribas.............
147
When teaching is not the most important: reflections about
teachers´ work and students’ role in the current context
Wanderson Ferreira Alvez..............................................
159
Interdisciplinarity: a new teaching approach
Celia Maria Haas..........................................................
179
The family of the student with learning difficulties:
a study of social representations
Fátima Aparecida Maglio Colus e Rita de Cássia Pereira
Lima ...........................................................................
195
Competence to face violence: a definition of the educator’s
interrelational competence in dealing with violence in
schools
Fernando Cézar Bezerra de Andrade..................................
209
Two-step evaluation in a text-centered class
Thomas Massao Fairchild...............................................
231
APRESENTAÇÃO
A Olhar de Professor vem conquistando muitos avanços e se
constituindo num veículo de produção de conhecimento na medida
em que publica artigos, muitos deles resultados de pesquisas que abordam temáticas emergentes na educação.
Neste número a revista publica trabalhos que estimulam o debate sobre questões pontuais da educação brasileira em que se destaca uma entrevista com o Prof. José Carlos Libâneo na qual ele discorre
sobre o atual movimento de reformulação dos Cursos de Pedagogia,
defendendo seu posicionamento de que a centralidade da formação
de pedagogos docentes e pedagogos não-docentes deve ser a pedagogia entendida como campo teórico que congrega as demais ciências da
educação, tendo as práticas educativas como objeto de estudo. Destaque também para o artigo das Profs. Acácia Zeneida Kuenzer e Marli
de Fátima Rodrigues, que analisam as atuais políticas de formação de
professores e pedagogos, criticando sua conotação pragmática e
tecnicista, pela ênfase que colocam na dimensão instrumentalizadora
do conhecimento, atendendo a uma concepção que privilegia a prática em detrimento da teoria: a epistemologia da prática. Segundo a
análise das autoras, essa base epistemológica tem fornecido o suporte
para a defesa da centralidade na docência, resultando na redução do
campo epistemológico da Pedagogia segundo as atuais diretrizes.
As contribuições destes autores recebem um comentário especial neste editorial em razão do momento de reformulação curricular
por que passam os Cursos de Pedagogia em todo o país e, principalmente, pelo fato de que as idéias defendidas pelo Prof. José Carlos
Libâneo e pela Prof. Acácia Zeneida Kuenzer, entre outros, vêm servindo como importante fonte de fundamentação para estudos e discussões, suscitando, provavelmente, divergências de concepções e
posicionamentos entre os professores que lecionam nos Cursos de
Pedagogia e que, neste momento histórico, têm a responsabilidade de
decidir sobre os rumos do Curso em suas Instituições.
Olhar de Professor representa hoje no espaço acadêmico um
veículo que contém um referencial de maturidade intelectual, envolvendo professores e pesquisadores de instituições do Estado do Paraná,
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 9-10, 2007.
Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor>
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do Brasil e de outros países. Vale destacar que, na avaliação da ANPED
realizada em fevereiro deste ano, a revista foi incluída na tabela Qualis
como periódico nacional, o que indica o aperfeiçoamento do periódico
tendo em vista os critérios pelos quais foi avaliado: tradição do periódico e sua inserção na área, política editorial que apresenta o foco
claramente direcionado para questões educacionais, demonstrado na
tematização de questões contemporâneas, trazendo contribuições inovadoras à pesquisa educacional por meio de artigos de interesse amplo, e constituindo-se, assim, em referência na área. Também foram
considerados outros indicadores, tais como a diversificação e qualificação dos autores, dos editores, dos pareceristas e dos conselheiros.
Esta avaliação tão positiva da Olhar de Professor se dá em paralelo
ao fechamento do primeiro triênio de trabalho desta coordenação editorial, com o apoio sempre presente do Conselho Editorial e a confiança da comunidade acadêmica, bem como com a estrutura e o apoio
oferecidos pelo DEMET e pela Editora da UEPG.
Coordenação Editorial
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 9-10, 2007.
Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor>
José Carlos Libâneo
A PEDAGOGIA EM QUESTÃO:
ENTREVISTA COM JOSÉ CARLOS LIBÂNEO*
PEDAGOGY COURSE IN QUESTION:
INTERVIEW WITH JOSÉ CARLOS LIBÂNEO**
José Carlos LIBÂNEO***
Marli: O curso de Pedagogia foi criado para formar técnicos da educação
e o professor para a Escola Normal, e passou a conceder o direito ao
magistério primário e a formar o especialista em educação a partir de
1969. Como o senhor vê a mudança de concepção e de estrutura do
curso deste período e os argumentos teóricos que levaram a uma proposta de redução do curso de Pedagogia à formação de professores para as
séries iniciais, defendida pelo Movimento de Reformulação dos Cursos
de Pedagogia, atualmente ANFOPE (Associação Nacional pela Formação
de Profissionais da Educação)?
Libâneo: O que sabemos disso, pela história da educação, é que em
1939 o curso de Pedagogia foi criado para formar técnicos de educação e licenciados em Pedagogia em nível superior, enquanto os professores para o antigo Ensino Primário eram formados em Curso Normal.
É nos anos 1960 que surge a aspiração de certos setores do campo da
*
Entrevista realizada em abril de 2005, em Goiânia, por Marli de Fátima Rodrigues, por ocasião do
desenvolvimento da tese de doutorado intitulada: “Da Racionalidade Técnica à ‘Nova’ Epistemologia da
Prática: a proposta de formação de professores e pedagogos nas políticas oficiais atuais”, defendida em
julho de 2005, na Universidade Federal do Paraná sob a orientação da Professora Doutora Acácia
Zeneida Kuenzer. O propósito, ao entrevistar intelectuais que participaram da construção da trajetória dos
cursos de formação de professores e pedagogos e que estão ativamente envolvidos com essa discussão, foi
o de identificar como eles se colocam em relação às propostas atuais de políticas de formação.
**
Interview conducted in April 2005 in Goiânia, by Marli de Fátima Rodrigues, during the development
of her doctoral thesis entitled: “From Technical Rationality to the ‘ New ‘ Epistemology of Practice: the
proposal of teacher education in current official politics”, defended in July 2005 at the Paraná Federal
University under the supervision of Doctor Acácia Zeneida Kuenzer. The purpose of interviewing intellectuals
that participated in the construction of teacher education courses and teachers who are actively involved
in this discussion was to identify their opinions about current politics of teacher education.
***
Graduado em Filosofia. Mestre em Filosofia da Educação pela PUC-SP. Doutor em Filosofia e
História da Educação pela PUC -SP. Professor da Universidade Católica de Goiás. Email:[email protected]
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 11-33, 2007.
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A Pedagogia em questão: entrevista com José Carlos Libâneo
educação de defender a formação dos professores das séries iniciais
do Ensino Fundamental no curso de Pedagogia em nível superior. Pela
minha lembrança, a primeira menção explícita a esse assunto na legislação está no Parecer anexo à Res. 251/62, do conselheiro Valnir Chagas. Essa resolução estabelecia para o curso de Pedagogia a função de
formar especialistas e os professores para os Cursos Normais, e o parecer anexo à Resolução previa a possibilidade de formar o professor
primário em nível superior. Nesse mesmo ano, são fixadas também,
através de parecer, as matérias pedagógicas para os cursos de licenciatura para a formação de professores para o antigo Ginásio e o Ensino
Médio. Depois veio o Parecer 252, de 1969, definindo a estrutura
curricular para o curso de Pedagogia, reforçando sua função de formar
professores para o Ensino Normal e formar especialistas para as funções de orientação educacional, administração escolar, supervisão etc.
Aqui aparece a célebre orientação do parecer, “quem pode o mais pode
o menos”, pela qual o licenciado na habilitação para o magistério no
Ensino Normal poderia lecionar nas séries iniciais. Outro fato importante foi a elaboração de Valnir Chagas de indicações encaminhadas
ao Conselho Federal de Educação em 1976, que tinham a ver com a
implantação da LDB 5692/71. Inclusive, havia uma indicação que
tratava da formação do professor das séries iniciais em nível superior.
Essas indicações, caso fossem homologadas, teriam provocado uma
mexida muito grande no sistema de formação de professores e especialistas, mas não foram aprovadas, e Valnir Chagas se aposentou do CFE.
Mas penso que houve um período bem pontual, o final dos
anos 1970 e início da década de 1980, que marca o início da campanha pela transformação do curso de Pedagogia num curso de formação de professores. O arrefecimento do controle político e da censura
pelos militares, junto com resistências dos setores de esquerda organizados, favoreceu a produção de pesquisas e publicações no campo
da educação contra práticas autoritárias e ideológicas no regime militar. Disso resultou a realização, em São Paulo, na PUC, da I Conferência Brasileira de Educação (CBE), quando já existia o chamado Comitê
Pró-Participação na formação do educador, com a participação de nomes
expressivos das faculdades de Educação. O que movia esse comitê
eram as críticas ao Parecer 252/69 e às indicações de Valnir Chagas,
tidos como tecnicistas, destinados a consolidar a educação tecnicista
baseada na racionalidade técnica, na busca de eficiência e produtivi-
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 11-33, 2007.
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José Carlos Libâneo
dade, contra uma educação crítica e transformadora. Havia um alvo
paralelo das críticas, que era a Lei 5.540, que regulava todo o ensino
superior na perspectiva tecnicista.
Refiro-me a esses fatos para situar melhor a resposta à sua pergunta. O que quero acentuar, no movimento pela reformulação dos
cursos de formação de educador iniciado por volta dos anos 1980, é
que por detrás desses fatos havia um forte peso da discussão política
e ideológica no meio educacional. Não foi casual que a base de sustentação teórica das críticas era o marxismo, em alta no meio educacional à época, e, especialmente, a tese da divisão social do trabalho na
sociedade capitalista, que se reproduzia na escola na forma de divisão técnica do trabalho na escola, portanto, separação entre teoria e
prática, fragmentação da formação do pedagogo (especialista versus
professor), enfim, a separação entre o pedagogo especialista e o trabalho docente. Eu acho que aí está o ponto básico da minha resposta, a
meu ver está aí a origem das mudanças na natureza e concepção do
curso de Pedagogia.
Nessa época, parte significativa dos participantes do movimento pró-reformulação dos cursos de Pedagogia propugnava a eliminação das habilitações e a manutenção, nas faculdades de Educação,
apenas do curso de formação de professores para as séries iniciais do
que se chamava, à época, ensino de 1º grau. Essa história é bastante
conhecida. Algumas universidades adotaram essa mudança, outras
mantiveram o modelo curricular da Resolução 252/69, outras adotaram um sistema híbrido. O que eu acho importante destacar são os
argumentos teóricos que levaram a essa proposta de redução do curso
de Pedagogia à formação de professores para as séries iniciais, bandeira assumida pelo movimento pela reformulação dos cursos de Pedagogia, mais tarde denominado de ANFOPE.
O raciocínio é bastante simples. Na sociedade capitalista há a
divisão social do trabalho, em que os lugares na produção são ocupados por duas classes sociais antagônicas, uma que se ocupa do trabalho intelectual, outra do trabalho manual, uma classe social que pensa, outra que faz o trabalho físico. A conseqüência concreta disso é a
cisão entre o trabalhador e os meios ou instrumentos de trabalho, em
que esses meios são providos pelos gestores do processo de produção.
Essa oposição fundada na divisão do trabalho, constituindo a explicação primeira e mais abrangente da desigualdade social. Essa divisão social do trabalho, expressão das relações capitalistas de produOlhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 11-33, 2007.
Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor >
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A Pedagogia em questão: entrevista com José Carlos Libâneo
ção, e que se manifesta na organização do processo de trabalho, se
reproduz em todas as instâncias da sociedade, inclusive nas escolas,
onde haveria dois segmentos de trabalhadores opostos entre si, os
especialistas (diretor, coordenador pedagógico) e os professores. Ou
seja, tal como na fábrica, também na escola ocorre a divisão técnica
do trabalho, levando à fragmentação do trabalho pedagógico, isto é,
dividindo as tarefas escolares entre os que pensam e os que fazem,
entre os que controlam e os que executam, instaurando a desigualdade na escola e promovendo a desqualificação do trabalho dos professores. E como se elimina essa fragmentação? Eliminando a divisão de
tarefas que está na base da fragmentação do trabalho pedagógico e
transformando todos os profissionais da escola em professores. Foi
natural, daí, chegar à tese da docência como base do currículo de
formação dos educadores. Este mote difundiu-se amplamente no meio
da intelectualidade do campo da educação, até virar senso comum.
Com isso, veio junto a supressão das habilitações do curso de Pedagogia. Há uma série de decorrências desta tese, mas uma delas, e que
explica muita coisa desse debate sobre formação do educador, é a afirmação de que a função da escola é a de produzir trabalhadores por
meio de uma determinada forma de organização do processo de trabalho, inteiramente igual ao processo de trabalho capitalista. Ou seja,
por ser um local de trabalho capitalista, a escola incorpora as características do processo de trabalho capitalista na fábrica. Da minha parte, nunca estive à vontade em relação a essa afirmação. É claro que há
ligação entre o sistema de produção capitalista e as funções das escolas, e que nas escolas e outras instituições sociais há elementos do
processo capitalista de organização do trabalho. Mas, não se pode
deduzir disso que a escola seja, ipso facto, local de trabalho capitalista. Se isto fosse possível, a escola seria considerada como um lugar de
produção de mercadorias, valendo aí o raciocínio segundo o qual a
produção de trabalhadores (o que faz a escola) seria idêntica ao processo de produção de mercadorias. Em verdade, os professores e
pedagogos especialistas que atuam na escola não são agentes diretos
do capital, e nem os alunos, mercadorias a serem produzidas. E é
absurdo acreditar, por exemplo, que um coordenador pedagógico seja
na escola o representante das classes dominantes para explorar o professor. A meu ver, no raciocínio que explica as desigualdades sociais
básicas pela divisão do trabalho, professores e pedagogos especialistas se encontram no mesmo lugar social.
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 11-33, 2007.
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José Carlos Libâneo
Além do mais, é verdade que divisão do trabalho produz a
desigualdade social, mas há outras desigualdades geradas no interior da escola, como a exclusão de crianças que não conseguem aprender, o insucesso na aprendizagem por causa de uma professora
despreparada, formas de discriminação social, etc. Penso que nas
atuais condições de funcionamento da escola, a divisão técnica do
trabalho expressa na suposta fragmentação entre o trabalho de especialistas e professores não constitui o problema central, ao contrário, pode ser uma necessidade, pois um especialista profissionalmente preparado poderá fazer justiça no enfrentamento das desigualdades promovidas pela escola, como são as práticas de exclusão
social, de exclusão pedagógica, de marginalização cultural, de discriminação racial, de produção do fracasso escolar, etc. Eu pergunto
o que é pior: a escola ter uma coordenadora pedagógica com formação específica, capaz de prestar um auxílio efetivo às professoras e
garantir melhores condições de êxito escolar dos alunos ou deixar
que um aluno fracasse na aprendizagem porque não há ninguém na
escola capacitado e com formação específica para ajudar a professora a melhorar seu trabalho, repercutindo assim na ampliação das
chances de inclusão dos alunos?
Uma visão um pouco diferente, ainda no campo da esquerda,
começou a ser formada quando um grupo de educadores criou a
ANDE, Associação Nacional de Educação. Esse grupo tinha um pensamento que insistia no caráter mecanicista daquela tese e afirmava
a necessidade de se pensar por contradição, ou seja, a escola serve
ao capital, mas ela pode servir também aos trabalhadores. Foi daí
que surgiu um outro posicionamento, que dizia que a escola cumpre,
sim, papéis efetivos no funcionamento do capitalismo e que sua organização interna poderia conter elementos do processo capitalista de
organização do trabalho. Entretanto, não se poderia deduzir disso
que a escola seria um local de trabalho capitalista. Se isto fosse possível, a escola seria considerada como um lugar de produção de mercadorias, valendo aí o raciocínio segundo o qual a produção de trabalhadores (o que faz a escola) seria idêntica ao processo de produção de mercadorias. Há que se considerar que os professores, como
também os especialistas que atuam na escola, não são agentes diretos do capital, e nem os alunos, mercadorias a serem produzidas.
Isso leva a distinguir produção de coisas e produção de seres humanos como processos não idênticos, ainda que estruturas
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 11-33, 2007.
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A Pedagogia em questão: entrevista com José Carlos Libâneo
organizacionais planejadas para que uma possa estar a serviço de
outra. Além do mais, se convém ao capitalista produzir trabalhadores assalariados automatizados, isso não significa que a subjetividade do trabalhador seja sempre subjugada em função do capital. O
que ocorre, pois, é que o trabalho escolar tem sua especificidade,
ainda que não descolada dos seus vínculos com a organização social
e econômica da sociedade. O trabalho pedagógico escolar tem uma
natureza não-material, não se aplicando a ele, de modo pleno, o
modo de produção capitalista, ou seja, o conhecimento enquanto
objeto de trabalho na escola é inseparável no ato de produção, e esta
capacidade potencial ninguém retira da pessoa que conhece. Isso
significa que os resultados do processo de trabalho escolar, bem como
as formas de organização interna, não estão pré-ordenados pelo capital. Ou seja, se há uma especificidade do trabalho pedagógico escolar, há também uma especificidade das formas de organização do
trabalho pedagógico, por mais que estas possam ser permeadas por
influxos da organização geral do funcionamento do capitalismo.
Essas posições estiveram presentes no debate nestes últimos
20 anos; defensores de um lado mudaram para outro, mas é certo
que a posição da ANFOPE prevaleceu, ou seja, contra a suposta
fragmentação do trabalho pedagógico na escola e a favor da tese da
docência como base da formação dos educadores. Essa foi a tese que
ficou, embora eu continue acreditando que boa parte dos adeptos da
posição da ANFOPE desconhece as premissas teóricas que estão por
detrás dela.
Marli: Como o senhor vê isso hoje?
Libâneo: Continuo me opondo a esse modo de ver as coisas e lamento
que o mote da ANFOPE tenha virado quase consenso na cabeça dos
colegas das faculdades de Educação, de que o curso de Pedagogia é o
curso de formar professores das séries iniciais. Conforme tenho argumentado, a Pedagogia, antes de ser um curso, é um campo de conhecimento. Não se trata de insistir se ela é ou não uma ciência, mas que
ela tem um corpo teórico, um conjunto de conceitos que, mesmo não
sendo precisos e claros, formam uma base teórica para lidar com a
prática educacional. Ou seja, o conhecimento pedagógico se define
16
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 11-33, 2007.
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José Carlos Libâneo
pelo campo empírico que é a realidade educativa, tem métodos de
investigação que permitem a elaboração sistemática de resultados
válidos, a explicação e compreensão dessa realidade para a transformação da prática. Nesse sentido, a Pedagogia tem uma tradição
epistemológica, tem uma história, tem uma longa produção que começa na antiguidade, é sistematizada no catolicismo e no protestantismo, temos no século XVI Comenius, mais tarde Rousseau, Herbart,
Pestalozzi. Na segunda metade do século XIX, surge na Europa o
movimento da educação nova, com repercussões no mundo todo, e
que teve um representante norte-americano brilhante, que foi John
Dewey. Desenvolvi este percurso da ciência pedagógica na minha tese
de doutorado e há quase 20 anos leciono em cursos de pós-graduação
a disciplina Teorias da Educação. Nas primeiras décadas do século
XX, os pioneiros da educação nova trouxeram as idéias de Dewey
para o Brasil, interrompendo a hegemonia da pedagogia católica e
herbartiana. Eu penso que o enfraquecimento da ciência pedagógica
no pensamento brasileiro, o enfraquecimento do campo teórico da pedagogia, começa ai. O poder de influência dos pioneiros na legislação
educacional, desde a década de 1920, foi muito forte, numa direção
cientificista. Uma visão cientificista tem a ver com o caráter objetivo
das coisas, com o mensurável, com o que é científico. Como a pedagogia, na visão católica ou herbartiana, tem a ver com finalidades, objetivos, valores, ela não teria cientificidade; esses elementos não seriam
passíveis de serem considerados pela ciência. Privilegia-se, daí por
diante, a ciência da educação, não a pedagogia. O campo científico
passa a ser a educação, não a pedagogia. Não é casual que as faculdades foram denominadas “faculdades de educação”, não faculdades de
pedagogia. A perspectiva do marxismo, que é também humanista, de
certa forma se encontra com a posição católica herbartiana, no sentido de que a prática educativa é sempre intencional, ela implica finalidades, formas organizativas, expectativas definidas de formação dos
indivíduos. Então, eu defendo que a pedagogia é a teoria e a prática
da educação, a pedagogia é o campo cientifico que faz uma reflexão
sistemática sobre a prática educativa, a educação, que é o objeto de
estudo da pedagogia. Para mim, o movimento pela reformulação dos
cursos de formação de educadores, depois transformado em ANFOPE,
a despeito de fazer questão de declarar sua afiliação ao marxismo, na
verdade segue a tradição iniciada pelos pioneiros da educação nova.
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 11-33, 2007.
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A Pedagogia em questão: entrevista com José Carlos Libâneo
Marli: Foi esta a posição adotada pelo conselheiro Valnir Chagas, e me
parece que a tradição da ANFOPE é a mesma. O senhor concorda que a
ANFOPE, muitas vezes vai na linha do que critica?
Libâneo: Claro, eu já afirmei muitas vezes isso. Os documentos da
ANFOPE começam com uma abordagem totalizante da educação na
perspectiva marxista, com uma visão ampliada do educativo, mas aí
esse campo vai reduzindo, reduzindo, e chega na tese da identificação
de pedagogia com docência. De uma perspectiva marxista, acaba adotando a perspectiva cientificista dos pioneiros.
Marli: E qual seria a contribuição da ANFOPE nesses vinte e poucos
anos de atuação, até mesmo no sentido de definir uma identidade para o
curso de Pedagogia?
Libâneo: A ANFOPE começou como movimento democrático, agregando várias posições, mas foi se tornando cada vez mais fechada, e eu
suspeito que isso ocorreu por uma mistura de posições ideológicas
com posições acadêmicas, de forma que ela transformou-se mais num
movimento político do que num movimento de reflexão teórica, hoje
empenhada muito mais em sustentar a mística de uma militância do
que em sustentar teses teóricas. Todos sabemos que há na esquerda
múltiplas posições, múltiplas interpretações, e a ANFOPE tomou uma
dessas posições e quer fazer valer que esse lado é o único certo. Se ela
tem um mérito, foi exatamente este: conseguir criar em torno de uma
idéia, uma mística, para alimentar motivações da militância, e esse
projeto foi bem-sucedido. A gente sabe, pela experiência dos partidos
políticos de esquerda, que fazer luta política com base na militância é
altamente eficaz, por causa da mística do coletivo. Há uma assembléia, a militância está lá, tem a maioria, e vence a votação. Então, eu
afirmo que a força da ANFOPE é a militância, mas eu não sei dizer se
suas posições são realmente hegemônicas, porque há muito
patrulhamento. Quem é contra a tese, por exemplo, da identificação
do trabalho pedagógico com o trabalho docente não tem movimento
organizado, não tem militância organizada, então fica parecendo que
as posições da ANFOPE são hegemônicas no meio educacional.
Resumindo, o papel efetivo da ANFOPE foi fazer a cabeça das
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pessoas, mas no lado operacional ela não fez acontecer nada. Nunca
vi a ANFOPE formular uma resolução, definindo o que quer e como
quer, para se transformar em norma legal. As experiências que existem, criadas com base no ideário da ANFOPE, foram feitas por concessão do CNE em resolução que autorizava experiências alternativas em
relação ao parecer 252/69. A ANFOPE não contribuiu para definir
identidade ao curso de Pedagogia, ao contrário, contribuiu para que o
curso de pedagogia perdesse sua identidade. Ao firmar-se na premissa
da reprodução na escola da divisão social e técnica do trabalho, passou a combater as habilitações, supostamente por provocarem a fragmentação do trabalho pedagógico, e inventou a idéia da docência como
base da formação de todos os educadores. Minha opinião sobre isso é
conhecida. Sou contrário a essas duas idéias, porque elas não têm
suporte nem empírico nem teórico. Fui diretor de escola, coordenador
pedagógico, e minha experiência é muito positiva e por isso valorizo
muito a coordenação pedagógica de escola, acho que a organização e a
gestão de uma escola são muito importantes para o seu funcionamento. Os pedagogos da minha geração também valorizavam muito a atuação pedagógica na escola por meio do diretor e da coordenação pedagógica. Havia a Associação Nacional de Supervisores, Associação Nacional de Orientadores, Associação Nacional de Administração Escolar, eram associações que reuniam mil a mil e quinhentas pessoas nos
congressos. E ai veio a contestação das habilitações como expressão
da divisão técnica do trabalho, do uso da técnica como exploração do
trabalhador, você teria na escola o diretor e o coordenador, que pensam, e o professor, que executa. Eu sempre achei isso um grande equívoco, que é a aplicação mecânica das relações capitalistas de produção no âmbito da empresa nas práticas escolares. É a mesma coisa
que você dizer que coordenador pedagógico é classe dominante e o
professor, classe dominada, professor é classe dominante e aluno, classe dominada. As coisas não são assim. Como já falei, compreendo
muito bem o papel da escola enquanto reprodução do capital, que o
sistema dominante funcionaliza a escola a seu serviço, mas não podemos deduzir disso que a escola seja um local de trabalho capitalista.
No entanto, é isso que a ANFOPE defende, ou seja, a divisão social do
trabalho se materializa na divisão técnica do trabalho, resultando na
fragmentação do trabalho pedagógico. Foi em nome disso que se deu a
eliminação das habilitações, a transformação do curso de Pedagogia
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A Pedagogia em questão: entrevista com José Carlos Libâneo
em uma licenciatura e a orientação curricular baseada na docência,
interferindo, a meu ver, de forma negativa, nos currículos de formação
tanto de especialistas quanto de professores. Convém registrar que
essa orientação prevaleceu principalmente em cursos mais novos, sem
maior expressão em âmbito nacional. Por exemplo, a FEUSP não acabou com as habilitações, nem a Federal do Paraná, nem a UNICAMP,
ou seja, em muitas instituições com mais tradição chegou-se a caracterizar o curso de Pedagogia como formação para a docência, mas não
cortaram-se as habilitações. Mas, sem dúvida, continua havendo um
peso forte do discurso da ANFOPE, que, como eu disse, se transformou logo em um discurso político de defesa de espaço político e de
conquistas que seus militantes chamam de “conquistas históricas”.
Esse discurso afetou os currículos de formação num primeiro momento, num segundo momento isso descaracterizou os estudos sistemáticos da pedagogia, do ponto de vista institucional levou as secretarias
de educação a eliminar o cargo de coordenador pedagógico nas escolas, como ocorreu, por exemplo, em Goiás, e logo se percebeu que as
secretarias de educação fizeram isso não por uma adesão ao discurso
da ANFOPE, mas porque tirar o especialista da escola representava
barateamento do custo da estrutura do sistema por ser muito mais
barato continuar pagando um professor que se candidatava e exercia
essa função. Enfim, as associações de diretores, de supervisores, foram destruídas, apenas a dos diretores funciona hoje, com outra denominação e com outras finalidades, a ANPAE. Tudo isso sabemos
que está recheado de conotações políticas, de interesses de grupos,
interesses hegemônicos. De qualquer forma, o prejuízo desse discurso
para as escolas públicas é enorme, porque por um lado tivemos uma
grande expansão das matrículas, houve uma modificação da clientela
escolar, democratização do acesso, por outro lado, em pleno momento
dessa democratização, as crianças encontraram uma estrutura de gestão extremamente frágil, em que foi desmontada uma estrutura de
atendimento ao professor e aos alunos e que favorecia a qualidade da
aprendizagem escolar, sem que tivesse sido colocado nada no lugar.
Ao invés disso, instituiu-se um sistema de organização pedagógica e
de avaliação inteiramente fluido, em que diretores e coordenadores
pedagógicos são pressionados a abdicar de suas tarefas para não serem taxados de autoritários, de controladores do trabalho dos professores. Enfim, eu acho que houve uma confusão ideológica muito gran-
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José Carlos Libâneo
de nisso tudo. É claro que essas coisas têm que ser compreendidas
num contexto social e econômico e político, no início dos anos 1980
começávamos a sair de uma ditadura militar. Eu compreendo isso muito bem, nós saímos de um regime autoritário militar, então a sociedade
e o setor de educação, especialmente, precisavam denunciar esse
autoritarismo, havia de fato uma estrutura de gestão um tanto pesada, mas aí a vara curvou-se demasiado para o outro lado. Tudo isso
pode ser explicado por um contexto peculiar da vida brasileira, mas
isso não justifica uma explicação teórica do funcionamento da escola
distanciada da realidade empírica, uma análise determinista e simplista
dos processos de gestão, que é bem mais uma tendência a ajustar a
realidade a uma teoria do que o contrário.
Marli: Diante da criação do Curso Normal Superior, na LDBEN 9.394/
96, como fica o curso de Pedagogia que forma também para a docência
na educação infantil e nas séries inicias do Ensino Fundamental? Não
haveria a superposição de funções? Como o senhor vê essa questão?
Libâneo: Acho que essa pergunta tem duas respostas, uma do lado da
legislação oficial, outra do lado das associações de educadores. A legislação oficial foi coerente com a LDB ao criar o Curso Normal Superior, os ISE e as Diretrizes Curriculares para a Educação Básica. Faltavam as diretrizes curriculares para a pedagogia, a pedagogia tal qual
aparece no art. 64 da LDB, e é isso que teria que ser feito no projeto de
Resolução das Diretrizes. Embora sejam admissíveis críticas a essa
legislação, o fato é que definem a formação de professores de educação
infantil e da 1a. a 4a. como licenciatura, o que acho correto, e define a
formação de professores para 5a a 8a e Ensino Médio como licenciaturas específicas independentes do bacharelado. O que faz o Instituto
Superior de Educação? Ele põe em prática o quê? Aquilo que muitos
de nós defendemos há muitos anos, que é uma estrutura curricular
única e específica para a formação de professores, algo que Selma Pimenta e eu já denominamos de Centro de Formação de Professores.
Formar um professor de química no instituto de química é difícil porque ninguém lá está a fim de formar professor de química. Então,
vamos montar uma estrutura própria para formar professores, essa é
a idéia dos ISE. Não é que eu esteja a defender os ISE separados da
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A Pedagogia em questão: entrevista com José Carlos Libâneo
via universitária, mas a questão tem outros complicadores, envolve
interesses políticos, corporativos, etc.
Conforme já falei, a proposta das associações, como a ANFOPE
e o Forumdir, parte a meu ver de uma premissa errada, que é a identificação entre pedagogia e licenciatura. A proposta da ANFOPE tem a
ver com uma noção de pedagogia já alimentada entre os pioneiros da
educação nova, que tem a ver com o seguinte raciocínio: pedagogia é
ensinar crianças, portanto, quem faz pedagogia é aquele que ensina
crianças, pedagogo é aquele que ensina crianças. É essa a lógica que
está incrustada na cabeça das pessoas. Mas há aí um problema: se a
pedagogia é a formação de licenciados para a educação infantil e séries iniciais, então ele é um curso normal superior. Por quê, então, a
ANFOPE recusa o ensino normal superior? De pouco adianta argumentar que o normal superior é da política neoliberal, porque a estrutura curricular acaba sendo a mesma daquela que querem chamar
“curso de pedagogia”. Outra coisa a se pensar é a seguinte: se curso
de Pedagogia é para formar professores, por que professores de 5a. a
8a. séries e do Ensino Médio também não são do curso de Pedagogia?
Mas se a ANFOPE aceitar isso, ela teria que assumir uma estrutura de
formação de professores muito parecida com os ISE. Em outras palavras, se entendermos que a licenciatura de 1ª a 4ª e licenciatura de 5ª
a 8ª e Ensino Médio compõem um sistema de formação de professores
da Educação Básica, então a argumentação que tem sido feita contra
os Institutos Superiores de Educação não procede. Outra confusão: há
dois documentos mais ou menos recentes, um que são as Diretrizes
Curriculares da Formação de Professores da Educação Básica, e outro
que é a resolução sobre duração e carga horária dos cursos de formação
de professores da Educação Básica. Ora, eles abrangem a formação de
professores da Educação infantil até o Ensino Médio. Então as diretrizes curriculares para a licenciatura de Educação Infantil e séries iniciais já existem. Nesse caso, a Resolução das Diretrizes para o curso de
Pedagogia, do jeito que está, gera uma duplicação da legislação, quer
dizer, não está resolvendo o problema, ela está criando um outro.
Meu entendimento é de que, se é retirada a característica da
Pedagogia enquanto um curso de estudos sistemáticos de educação,
de formação teórica e de formação específica para os pedagogos especialistas, o curso de Pedagogia se transforma em licenciatura, e nesse
caso não há necessidade de se manter uma Faculdade de Educação,
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José Carlos Libâneo
não há necessidade de ela existir, a não ser que as licenciaturas voltassem todas para a Faculdade de Educação, ainda que neste caso ela
tivesse que montar uma estrutura curricular muito parecida com o
que consta da Resolução do Instituto Superior de Educação.
Marli: O senhor acha que a formação de profissionais docentes e nãodocentes deve ser feita em percursos curriculares diferentes ou integrados?
Libâneo: É uma pergunta que está no centro da polêmica, devido a
toda a força hegemônica do grupo da ANFOPE, que é contra a formação em separado do especialista. Primeiro, estou absolutamente convencido de que as escolas necessitam de uma estrutura de organização e de gestão de escola, basicamente o diretor e o coordenador pedagógico, que desempenham funções necessárias e importantíssimas, as
quais requerem um nível de aprofundamento de estudos de maior
complexidade. A segunda coisa é que sou realmente favorável à formação específica do especialista. Não vejo como formar no mesmo curso,
em 2800 horas no mínimo, o professor, o pesquisador e o gestor para
usar o linguajar do pessoal da ANFOPE. Acho isso uma falta de senso
de realidade. Terceira questão: como é que você vai formar coordenador pedagógico que não tenha experiência de escola, conforme o art.
67? Eu não acho necessária experiência prévia para alguém ser diretor de escola ou coordenador pedagógico. A minha defesa do percurso
de projeto pedagógico próprio, currículo próprio para a coordenação
pedagógica e direção de escola é de que você pode suprir o conhecimento de escola mediante as práticas de estágio, de maneira que você
pode colocar esse supervisor e esse coordenador pedagógico em escolas para acompanhar, da mesma maneira que são feitos os estágios
para professores. Veja bem, um aluno que faz Administração de Empresas será um administrador de empresas. Ele precisa de experiência
prévia em empresa para administrar empresa? Um aluno que faz Enfermagem, pode-se exigir dele, para se formar, que tenha tido experiência prévia de enfermagem?
Marli: O senhor defende que esta formação seja feita no bacharelado? Essa
formação no bacharelado supõe uma formação anterior na licenciatura?
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A Pedagogia em questão: entrevista com José Carlos Libâneo
Libâneo: A resposta foi dada na pergunta anterior. Na minha concepção, a formação do bacharel não supõe formação prévia na licenciatura
nem experiência prévia de magistério. A experiência, a parte prática
dessa formação, deve ser resolvida no âmbito do currículo, por meio de
disciplinas e do estágio. Eu sei que a experiência prévia está legalmente
exigida na LDB, mas acho isso uma coisa meio forçada. Do que adianta
um sujeito ter dois anos de experiência para ser coordenador pedagógico? Em que isso garantirá melhor formação? É uma posição um tanto
antiga, atrelada àquela idéia da oposição entre o pensar e o fazer, ou de
que você aprende coisas fazendo. Entendo, portanto, que a formação
desse pedagogo para desempenhar atividades na pesquisa educacional, esse pedagogo que poderá atuar na direção de escola, coordenação, planejamento e avaliação educacional, informática educativa, comunicação e produção de mídias, materiais didáticos, gestão de educação especial, pedagogia empresarial, animação cultural, psicopedagogia,
etc., quer dizer, isso caracteriza o pedagogo stricto sensu, o especialista
deve ser formado num curso específico, tendo no final as habilitações.
Marli: Essa proposta não é bastante pretensiosa, como garantir subsídios
teóricos para a formação/atuação deste profissional?
Libâneo: Eu trabalho com essa idéia de que a especificidade do pedagógico está no processo de transmissão ou comunicação e internalização
de saberes e modos de ação. Isso é o genérico. O que é o peculiar da
pedagogia: saberes e modos de ação. Esses saberes e modos de ação
não estão só na escola, mas eles contêm elementos que são comuns,
então a partir de um bloco de estudos teóricos comuns nós teríamos
que partir para as habilitações. A palavra “habilitações” é cheia de
complicações semânticas e ideológicas. O pessoal das associações condenou a palavra “habilitação”, como já condenou outras. Outro dia um
colega me censurou porque uso a palavra “tarefa”, e tarefa é uma palavra tecnicista. Acho isso de um primarismo sem tamanho, mesmo porque, lá pelas tantas, esse pessoal se descuida e fala em habilitações.
Ora, todas as profissões trabalham com habilitações, como fariam a
Medicina ou a Engenharia, não fossem as habilitações? Porque na pedagogia não podem existir habilitações?
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José Carlos Libâneo
Marli: Na sua opinião, o curso de Pedagogia deve manter a centralidade
na docência ou nas ciências da educação?
Libâneo: É claro que a centralidade da formação de pedagogos docentes e pedagogos não-docentes deve ser a pedagogia. Não gosto de falar
em ciências da educação, falo em pedagogia como campo teórico que
congrega as demais ciências da educação. Não que não existam as
ciências da educação, claro que existe a sociologia da educação, a
psicologia da educação, a economia da educação, etc. Meu raciocínio
é o seguinte: o campo de estudos, o campo científico da problemática
educacional, este campo científico chama-se pedagogia. E o objeto de
estudo da pedagogia são as práticas educativas. As práticas educativas
são múltiplas na sociedade; uma delas é a educação escolar e, portanto, a docência é uma modalidade de trabalho pedagógico, então uso e
abuso de uma frase que é a seguinte: “todo trabalho docente é trabalho pedagógico, nem todo trabalho pedagógico é trabalho docente”.
Por conseqüência, a docência é uma modalidade peculiar de trabalho
pedagógico; portanto, conceitualmente, o pedagógico é mais amplo, é
um conceito de mais extensão do que o conceito de docência. Eu nego
inteiramente o mote da ANFOPE, por isso eu o inverto: a base da
formação de todo profissional da educação é a formação pedagógica.
Se a formação de professores deve ser feita integralmente numa faculdade de Pedagogia, então temos no curso de Pedagogia o bacharelado
com habilitações e um Centro de Formação de Professores da Educação Básica, ou seja, as licenciaturas, com percursos curriculares distintos. Enfim, não há como assegurar a pedagogia enquanto campo
específico se você não fizer um percurso curricular paralelo.
Marli: Ao colocar a formação do bacharel e do licenciado não se mantém
a dicotomia entre formação específica e formação pedagógica?
Libâneo: O bacharelado e a licenciatura são dois cursos, com percursos paralelos; se dicotomia são duas coisas distintas, então há
dicotomia mesmo. É claro que o que há de comum é a atividade
educativa e podemos até falar, a escola, mas há o currículo de formação específica do especialista e a formação específica do professor,
assim como a formação pedagógica para o especialista e a formação
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A Pedagogia em questão: entrevista com José Carlos Libâneo
pedagógica para o professor. Não vejo problema nisso. E insisto mais
uma vez: não há nenhuma teoria sólida que justifique a idéia corrente
de que ter especialista e professor na escola representa fragmentação
do trabalho pedagógico. A divisão técnica do trabalho é requisito de
qualquer instituição, a começar pela família. Ela não é, por si mesma,
geradora de desigualdade. A escola é uma instituição que possui administradores, técnicos, escriturários, professores, cada um com papéis na divisão do trabalho. Refiro-me, portanto, a distintas especialidades profissionais, habilitações profissionais. Um diretor de escola, um reitor de universidade, um diretor de faculdade, a rigor, não
precisam ser professores. Alguém pode fazer um curso para ser diretor
de escola porque deseja exercer profissionalmente a atividade de administrar escolas. Alguém quer ser professor, faz um curso para ser
professor. Não vejo nenhum absurdo nisso. Outra coisa é dizer que
um diretor de escola tem funções pedagógicas. Claro que tem, é claro
que um diretor de escola é um educador, assim como o secretário é
educador, o servente é educador, a merendeira é educadora. Ou seja,
todos realizam tarefas eminentemente pedagógicas, mas não necessariamente docentes.
Com formação específica, é possível formar o especialista para
trabalhar na Educação Básica. Não é possível para formar o especialista (o gestor, como quer a ANFOPE) para a Educação Básica num
curso cuja característica é formar licenciados para lecionar em classes
de educação infantil e séries iniciais. Como é que esse pedagogo especialista irá trabalhar com 5ª a 8ª se a formação básica dele é só para a
1ª a 4ª? Vamos tomar uma situação fictícia: chega na escola um coordenador pedagógico que formou-se como professor ou fez pós-graduação lato sensu depois da licenciatura de 1ª a 4ª; aí o professor de Química vai dizer o seguinte: você vai trabalhar comigo química, mas a base
de sua formação é o quê? Qual é a competência que você tem para
trabalhar comigo? Minha resposta é a seguinte: esse profissional
pedagogo, o especialista, vai se especializar num âmbito da escola que
é o âmbito da organização e gestão curricular e pedagógica. Ele é um
especialista nisso, assim como o professor é especialista em Química.
São dois tipos de especialistas, o especialista docente e o especialista
da coordenação pedagógica. O professor de Química, por pressuposto,
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José Carlos Libâneo
conhece o conteúdo da Química, o processo investigativo da Química e
como ensinar Química. E o pedagogo conhece as teorias da aprendizagem, o processo do conhecimento, entende das características da criança que aprende, características psicológicas, as teorias da didática. O
que nós vamos fazer no dia-a-dia da escola é uma troca de especialidades. O confronto ou o compartilhamento das especialidades vai se dar
no âmbito da prática. E como é que ele vai obter a prática? Ele vai obter
a prática no estudo das disciplinas específicas, no estágio e, depois, no
exercício profissional. Todo mundo aprende efetivamente a profissão
no exercício profissional.
Marli: As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores para a Educação Básica fundamentam-se numa concepção de professor como prático-reflexivo e no desenvolvimento de competências. Quais
as implicações para os cursos de formação de professores diante de políticas que defendem a supervalorização de saberes da experiência e na
formação por competências como determinantes na trajetória profissional do professor?
Libâneo: A minha resposta a essa questão vai além dos discursos em
vigor na nossa área. No início da onda reflexiva me entusiasmei com o
discurso do professor reflexivo, mas eu logo vi que era um caminho
que não combinava com a lógica dos meus estudos anteriores. Aqui
faço um parênteses para fazer uma crítica à nossa área, que é essa
tendência incontida para os modismos. Embarcamos com muita facilidade em discursos muito atraentes, em discursos novos e não vamos
fundo na crítica, não vamos fundo em saber qual é a origem desses
discursos, onde é que eles estão assentados, qual é a base
epistemológica desse discurso. A metáfora do professor reflexivo gerou
um discurso muito atraente, porque ele pegava precisamente numa
chave que combinava ao mesmo tempo com Paulo Freire e o marxismo,
por conta do mote ação-reflexão-ação, que tanto combinava com um
pensamento mais espiritualista como com um pensamento de base
marxista. Só que indo mais fundo, verifica-se que ele surgiu num contexto claramente do pensamento neoliberal. Lendo de uma maneira
mais aprofundada depois a gente vai descobrir que ele está assentado
em Dewey, que é um pensamento pragmático, uma filosofia pragmátiOlhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 11-33, 2007.
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A Pedagogia em questão: entrevista com José Carlos Libâneo
ca, que acaba sendo reduzido ao refrão ação-reflexão-ação, que também está na pedagogia jesuítica, na pedagogia de Freire, em propostas
marxistas, etc. Tudo isso forma um sentido na cabeça das pessoas, do
professorado, e se o pesquisador não é muito atento, ele acaba embarcando nisso sem saber qual é a origem teórica. Então, em algum momento eu me perguntava, eu quero ser pragmático ou quero continuar
na tradição marxista? Porque toda a fundamentação teórica do professor reflexivo está no pragmatismo de Dewey. Bem, eu estou escapando um pouco da sua pergunta, então vou dizer o seguinte, eu
trabalho hoje com uma corrente chamada teoria histórico-cultural da
atividade, que é uma teoria formulada por Leontiev, com base em
Vigotsky, depois desenvolvida por Davídov, que trabalha especificamente a atividade de aprendizagem. E a Teoria da Atividade tem uma
fundamentação fortemente marxista, e isso leva a entender que a base
da definição de uma profissão está na atividade. Atividade humana
no geral e depois nas atividades que vão se desdobrando. É a atividade de aprendizagem, atividade artística, atividade científica, atividade esportiva, etc. Mas a idéia é de que a profissão se define melhor
quanto mais você definir o que é a sua atividade. Você analisa a atividade enquanto tal, situada num sistema de atividades mais global da
sociedade, implicando as exigências econômicas, culturais que são
postas, e você pode chegar a partir daí na definição daquilo que caracteriza uma atividade, ou vamos dizer daquilo que se pode chamar de
competências. E aí entra todo um mundo de confusões, quer dizer, o
Perrenoud, aqui no Brasil, a Guiomar Namo de Melo e outros, também partem do perfil profissional, da identidade profissional do professor, mas por um outro caminho, que foi o caminho exatamente do
profissional reflexivo, da epistemologia da prática, etc. O meu caminho
também fala de competências, mas como sinônimo de formação
omnilateral, formação politécnica, visando uma unidade na ação humana entre capacidades intelectuais e práticas, num sistema de atividades que envolve a subjetividade, o contexto e a intervenção
participativa das pessoas.
Voltando à sua pergunta, acho difícil responder em poucas palavras, mas a visão economicista e empresarial de competências com
toda a certeza contribui para o aligeiramento e o esvaziamento da
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José Carlos Libâneo
formação, e aí que é difícil a gente lidar com esses problemas, porque
eu posso pensar em competências na perspectiva da teoria históricocultural da atividade, mas quando chega no operacional,
freqüentemente as perspectivas se confundem. Bom, mas admitindo
essa procedência das críticas que são feitas a essa concepção
economicista de competências, por outro lado eu gostaria de estar
afirmando a necessidade de, primeiro, termos um rol de características que definem a profissionalidade do professor, e podemos chamar
isso de competências, desde que a entendamos numa dimensão mais
ampliada, numa dimensão mais humanista, mais dialética. Segundo:
entre as competências profissionais de professor teríamos necessariamente de situar o que se poderia chamar de capacidades e habilidades
do professor, de procedimentos. Então eu hoje estou defendendo que a
formação de professor necessita que se tenha explicitado aquelas práticas e aquelas ações e operações para usar o linguajar da teoria da atividade que são requeridas no exercício profissional. Em terceiro lugar: o
que precisa estar muito claro na minha concepção é que a atividade de
aprendizagem é a atividade dominante no Ensino Fundamental. A atividade de aprendizagem é a principal tarefa do professor, quer dizer, o
que o professor faz é orientar as atividades de aprendizagem. O que é
ensino? São as condições e formas pelos quais você ajuda, orienta,
assessora a aprendizagem do aluno. O que é essencial na atividade da
aprendizagem? O conhecimento teórico-científico. Para ir mais além da
pergunta que você faz, que é o tema das competências e da superação
do professor reflexivo, o tipo de linha que eu venho trabalhando está
me levando a considerar três aspectos cruciais na formação de professores: primeiramente, a formação teórica, depois o “saber fazer”, pois o
trabalho do professor é uma atividade eminentemente prática, não técnica, e ele precisa ter instrumentos de trabalho, ele precisa ser
instrumentalizado para trabalhar. E, finalmente, a formação para considerar as questões do marco sociocultural e institucional em que se dá
o exercício da profissão, tanto o sociocultural mais global quanto o
sociocultural incrustado na escola, que é o entendimento de que as
práticas socioculturais e institucionais também educam, elas influenciam as aprendizagens que envolvem um tipo de aprendizagem
participativa.
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A Pedagogia em questão: entrevista com José Carlos Libâneo
ADENDO DE JOSÉ CARLOS LIBÂNEO À ENTREVISTA, APÓS
A HOMOLOGAÇAO DAS DIRETRIZES
Libâneo: As diretrizes aprovadas em 2006 apenas confirmam a análise que pretendi fazer nessa entrevista. Obviamente mantenho as mesmas críticas, porque nada mudou. Conforme me manifestei nos últimos artigos publicados nas revistas Educação e Sociedade do CEDES e
Cadernos de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas, a resolução mantém as posições tradicionalmente defendidas pela ANFOPE, que sacrificam a pedagogia como campo cientifico e campo profissional. A
resolução do CNE dispõe em seus artigos 2º e 4º que o curso de Pedagogia é um curso de formação inicial de professores para exercer funções de magistério. Portanto, mantém o entendimento estreito de que
pedagogo é o profissional que ensina na Educação Infantil e nos anos
iniciais do Ensino Fundamental. Além disso, estabelece, absurdamente, que são também professores todos os profissionais que atuam na
gestão e organização de sistemas de ensino, na coordenação, na elaboração e execução de projetos, na avaliação de sistemas, na pesquisa e
difusão científica. Em relação a essas duas questões, minha posição é
amplamente conhecida. Primeiro: por razões lógico-conceituais, o curso de Pedagogia pode incluir o curso de formação de professores de
Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, mas não
ser reduzido a ele. Segundo: não tem nenhuma sustentação teórica,
nem pela epistemologia nem pela tradição da teoria pedagógica, a
afirmação de que a base da formação do pedagogo é a docência. O
raciocínio mais límpido diz que o campo da pedagogia é a reflexão
sobre as práticas educativas, em sua diversidade, uma delas o ensino,
ou seja, a docência. É simplesmente absurdo dizer que um coordenador pedagógico exerce, nessa função, o magistério; que o planejador
da educação exerce magistério; que o especialista em avaliação está
exercendo o magistério; que o pesquisador exerce o magistério. Podemos dizer que esses profissionais são pedagogos, mas docentes, não.
Resulta, portanto, num imenso empobrecimento do campo cientifico e
profissional da pedagogia atribuir a denominação “pedagogo” apenas
aos professores que exercem o magistério na Educação Infantil e nos
anos iniciais do Ensino Fundamental.
Conforme já tive oportunidade de escrever, basta uma breve
análise do conteúdo da resolução para se constatar sua inconsistência teórica. Começa pela falta de uma conceituação clara de pedago30
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José Carlos Libâneo
gia. O texto estabelece a que se destina o curso, as modalidades de
formação, as competências do egresso, mas não explicita a natureza e
o objeto do campo do conhecimento pedagógico. Sem definir pedagogia e docência, logo no artigo 2º introduz a conceituação de docência
nos seguintes termos:
Compreende-se docência como ação educativa e processo pedagógico metódico e intencional, construído (sic) em relações sociais, étnico-raciais e produtivas, as quais influenciam conceitos
e objetivos da Pedagogia [...]
Esse artigo é o único momento da resolução em que se dá uma
definição de termos. Mas é fácil observar que essa definição é
logicamente insustentável, pois define o termo principal pelo secundário, ou seja, a pedagogia aparece como um conceito subordinado à
docência ou, no mínimo, docência sendo identificada com a pedagogia. Ao postularem essa identificação, os legisladores desconheceram
toda a tradição teórica e a estrutura lógico-conceitual da ciência pedagógica. Dessa insuficiência conceitual decorre a confusão elementar
entre o campo científico e seu objeto, entre pedagogia e docência, entre ação educativa e ação docente e, afinal, a redução do curso de
Pedagogia ao curso de formação de professores.
Há mais imprecisões conceituais. Por exemplo, no mesmo artigo
2º afirma-se que “o curso de Pedagogia [...] propiciará o planejamento, execução e avaliação de atividades educativas”. A pedagogia, nessa frase, já não tem mais como objeto a docência, mas as atividades
educativas. Afinal, qual o conceito de pedagogia da resolução? Logo à
frente, no artigo 4º, são definidas como atividades docentes.
A insuficiência conceitual leva a definições operacionais muito
pouco convincentes do ponto de vista teórico, e o exemplo mais patente é a definição de atividades docentes, tal como consta no parágrafo único do artigo 4º: o planejamento, a execução, a coordenação
de projetos e experiências educativas e a produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo educacional. Ou seja,
quaisquer atividades profissionais realizadas no campo da educação,
ligadas à escola ou extra-escolares, são atividades docentes. Ou seja,
o planejador da educação, o especialista em avaliação, o animador
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 11-33, 2007.
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A Pedagogia em questão: entrevista com José Carlos Libâneo
cultural, o pesquisador, o editor de livros, todos eles estariam nessas
atividades exercendo docência (são docentes). Em suma, é patente a
confusão que o texto provoca ao não diferenciar campos científicos,
setores profissionais, áreas de atuação, ou seja, uma mínima divisão
técnica do trabalho necessária em qualquer âmbito científico ou profissional, sem o que a prática profissional pode tornar-se inconsistente e sem qualidade.
Em boa parte decorrentes dessas insuficiências de base, são
verificadas outras:
a) O art. 5º descreve as competências necessárias aos egressos
do curso de Pedagogia como dezesseis atribuições do docente. São
descrições em que se misturam objetivos, conteúdos, recomendações
morais, gerando superposições e imprecisões quanto ao perfil do egresso.
b) O art. 2º, § 2º, e o art. 3º apresentam orientações desconexas
sobre a formação, distintas ou sobrepostas às competências do
pedagogo mencionadas do art. 5.
c) Nos artigos 2º e 4º, que estão repetidos, são criadas cinco
modalidades de magistério, a saber: Educação Infantil, Anos Iniciais
do Ensino Fundamental, Cursos de Ensino Médio na modalidade
Normal, Cursos de Educação Profissional na área de serviços e apoio
escolar, outras áreas que requerem conhecimentos pedagógicos. São
cinco as modalidades formativas, mas em todo o texto há referência
apenas a duas, Educação Infantil e Anos Iniciais. Faltam orientações
quanto ao percurso curricular e às modalidades de diplomação. Não
se esclarece se são percursos curriculares separados ou se há uma
base comum que depois se ramifica em habilitações (o texto não menciona o termo “habilitações”, nem outro equivalente). Do mesmo modo,
o artigo que trata da formação dos profissionais da educação para
administração, planejamento, supervisão, etc. (art. 64 da Lei n. 9.394/
96) em nível de pós-graduação está inteiramente desconectado dos
demais artigos, deixando dúvidas aos dirigentes de cursos de formação. Além disso, a resolução ignora a prescrição legal da LDBEN de
que essa formação deve ser feita também em cursos de graduação em
Pedagogia.
d) O artigo 6º define a estrutura curricular em três blocos: núcleo de estudos básicos, núcleo de aprofundamento e diversificação
de estudos, núcleo de estudos integradores, onde supostamente se
incluem disciplinas e atividades curriculares, mas isto não está suficientemente claro devido à redação confusa e à imprecisão.
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 11-33, 2007.
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José Carlos Libâneo
e) O art. 9º exclui toda e qualquer outra modalidade de formação inicial que não sejam as estabelecidas na Resolução. O art. 10
determina a extinção de todas as habilitações existentes; o art. 14
estabelece a formação de especialistas em cursos de pós-graduação; o
art. 11 mantém o Curso Normal Superior.
Em conclusão, a Resolução do CNE expressa uma concepção
simplista, reducionista, da pedagogia e do exercício profissional do
pedagogo, decorrente de precária fundamentação teórica, de imprecisões conceituais, de desconsideração dos vários âmbitos de atuação
científica e profissional do campo educacional. A resolução, aliás, não
fez mais do que seguir a tradição do discurso da ANFOPE. Após quinze anos de discussões e polêmicas, ela não contribui para a unidade
do sistema de formação, não avança no formato da formação de educadores necessários para a escola de hoje, não ajuda na elevação da
qualidade dessa formação e, assim, afeta aspirações de elevação do
nível científico e cultural dos alunos das escolas de Ensino Fundamental.
Encaminhado em: jun/07
Aceito em: jun/07
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 11-33, 2007.
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Marli de Fátima Rodrigues & Acácia Zeneida Kuenzer
AS DIRETRIZES CURRICULARES PARA O
CURSO DE PEDAGOGIA: UMA EXPRESSÃO
DA EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA
CURRICULAR GUIDELINES FOR THE
PEDAGOGY COURSE: AN EXPRESSION
OF PRACTICE EPISTEMOLOGY
Marli de Fátima RODRIGUES*
Acácia Zeneida KUENZER**
Resumo: O presente artigo apresenta reflexão desenvolvida acerca das concepções e debates que permearam a
aprovação do Parecer 05/2005, em 13 de dezembro, pelo
Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação, que
trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso
de Pedagogia, Licenciatura. Nesta análise foi possível
constatar que as políticas atuais de formação de professores e pedagogos estão assentadas numa visão pragmática e tecnicista de formação do educador, pela ênfase
que colocam na dimensão instrumentalizadora do conhecimento, atendendo a uma concepção que privilegia a
prática em detrimento da teoria: a epistemologia da prática. Essa base epistemológica tem fornecido o suporte
para a defesa da centralidade na docência, resultando
na redução do campo epistemológico da Pedagogia segundo as atuais diretrizes.
Palavras-Chave: Reformas educacionais. Curso de Pedagogia. Epistemologia da Prática. Relação Teoria e Prática.
Práxis.
* Pedagoga. Mestre em Educação pela UFRJ. Doutora em Educação pela UFPR. E-mail:
[email protected]
** Pedagoga. Mestre em Educação pela PUC-RS. Doutora em Educação: História, Política e Sociedade
pela PUC-SP. Professora do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Paraná. E-mail:
[email protected]
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 35-62, 2007.
Disponível em <http:// www.uepg.br/olhardeprofessor
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As diretrizes curriculares para o Curso de Pedagogia...
Abstract: The present article presents a reflection about
the conceptions and debates that involved the approval
of the bill 05/2005 on December 13th, by the special
council of the National Education Council that is
responsible for the National Curricular Guidelines for the
Pedagogy Course, Teacher Education Degree. The analysis
allowed us to notice that the current politics for teacher
education are based on a pragmatic and technicist view
of teacher education as they give emphasis to the instrumental dimension of knowledge, which privileges practice
over theory: the practice epistemology. This
epistemological basis has been providing support to the
centrality in teaching, which results in the reduction of
the epistemological field of Pedagogy according to the
current guidelines.
Keywords: Educational reforms. Pedagogy Course.
Practice Epistemology. Relation Theory and Practice.
Práxis.
À GUISA DE INTRODUÇÃO: É O FIM DO DEBATE?
O Parecer 05/2005, aprovado por unanimidade pelo Conselho
Pleno do Conselho Nacional de Educação em 13 de dezembro, ao propor as Diretrizes Curriculares Nacionais Nacionais para o Curso de
Pedagogia, apresenta uma solução, mesmo que provisória, para uma
controvérsia que vem se arrastando nos últimos 25 anos, sem perspectiva de negociação e muito menos de consenso.
Ao exercer sua função reguladora, na impossibilidade da construção de uma solução negociada, o CNE decide-se por uma das posições controversas, com o que naturalmente reacende o debate, sempre
salutar e necessário em uma sociedade que se pretende democrática.
Embora não estejam explícitos, o texto e o contexto levam a crer
que dois critérios, dentre outros, orientaram a decisão: o da maioria,
o que nem sempre é sinônimo de verdade, e o da racionalização burocrática, uma vez que cada vez mais se avolumam processos de criação
de cursos nos mais diversos formatos e se replicam os pedidos de
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 35-62, 2007.
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Marli de Fátima Rodrigues & Acácia Zeneida Kuenzer
apostilamento de habilitações por aqueles que cursaram uma especialidade e argumentam sobre sua capacidade para a docência ou cursaram apenas uma das habilitações relativas à licenciatura em Educação Infantil ou nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Da mesma forma que o critério anteriormente citado, o da
racionalidade burocrática também não é garantia de adequação política,
uma vez que nem sempre a simplificação dos procedimentos responde às
demandas sociais, particularmente nos momentos em que a dinamicidade
das relações sociais e produtivas exige a formulação, no plano coletivo,
de novas propostas de formação humana, para cuja construção a liberdade para experimentar a diversidade é condição necessária.
É importante observar que, não obstante a pretensão de encerrar, pelo menos por um tempo, a discussão, não há garantia de que tal
ocorra, posto que nos dias em que escrevemos este texto, na primeira
dezena de fevereiro, a resolução proposta, aprovada por unanimidade, ainda não foi homologada.
Uma das causas prováveis – neste país, quando se trata de leis,
nunca se sabe ao certo por que as coisas acontecem ou não acontecem
– pode ser a declaração de voto apresentada por dois conselheiros,
que apontam contradições entre o texto aprovado e o Art. 64 da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96). Trata-se da
Resolução 02/02, que estabelece a duração dos cursos de licenciatura, incluindo Educação Infantil e séries iniciais com 2800 horas, sendo 800 horas de práticas, incluindo os estágios, e 200 horas de atividades complementares. O novo Parecer, diferentemente, estabelece 3200
horas, sendo 300 para estágios e 100 horas de atividades complementares. Embora muitos de nós consideremos esta mudança uma
adequação necessária, há que se registrar a manifesta incompatibilidade entre os dois documentos.
Há, ainda, um terceiro voto em separado, no qual o conselheiro
destaca a importância da manutenção dos pareceres e da resolução
que instituem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação
de Professores para a Educação Básica, em nível superior, curso de
licenciatura, graduação plena com o que, não revogada a Resolução
01/99, que dispõe sobre os Institutos Superiores de Educação, passam
a conviver três alternativas de formação para a mesma finalidade, as
quais, embora guardem pontos comuns, apresentam divergências.
Dentre elas, destacamos a duração, já apontada, e por incrível
que isto possa parecer, uma maior flexibilização na organização das
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 35-62, 2007.
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As diretrizes curriculares para o Curso de Pedagogia...
propostas, uma vez que tanto a Resolução 01/99 quanto a Resolução
01/02 admitem a possibilidade de uma única habilitação, de Educação Infantil ou séries iniciais, que poderão ser complementadas, atendendo ao espírito das Diretrizes Curriculares Nacionais no tocante à
oferta de percursos mais curtos que permitam uma inserção mais rápida no mercado de trabalho. É evidente que esta posição precisa ser
criticamente considerada, em face do risco do aligeiramento da formação, a favorecer a sua mercantilização. Contudo, em face da nova
proposta, que apresenta como única alternativa a dupla habilitação,
acrescida da qualificação para docência no Ensino Médio, na área de
educação, é preciso que se analise se este problema foi adequadamente equacionado. A nós parece que o aligeiramento continua, provavelmente mais acentuado, dada a ampliação das competências constantes do perfil do licenciado nos termos do Parecer 05/05.
A Resolução 01/99 contempla, ainda, no Art. 6 § 1º, a possibilidade da oferta, a critério da instituição, da preparação específica em
áreas de atuação profissional, tais como educação para portadores de
necessidades especiais, educação de jovens e adultos e de comunidades indígenas, entre outras.
Na mesma linha, a Resolução 01/02, resguardada a
especificidade da licenciatura com percurso próprio, enfatiza, no Art.
14, a flexibilidade necessária para que cada instituição construa projetos inovadores e próprios, desde que sejam observados os eixos
integradores. E, embora não se refira a ênfases, apontando antes a
necessidade de que o professor tenha conhecimentos mais amplos que
abranjam as diferentes culturas, fases de desenvolvimento e níveis de
escolaridade, não as veda. Observe-se que os objetos das Resoluções
01/99 e 02/02 são distintos, referindo-se a primeira à organização e
natureza dos espaços formativos e a segunda, às diretrizes curriculares.
Em conseqüência, procedidos os ajustes sobre a duração já levados a
efeito, estas resoluções têm caráter complementar.
O que se reitera com a análise do contido nestas resoluções é
que elas não vedam a habilitação única ou mesmo a possibilidade de
construir percursos mais específicos a partir de uma base comum,
dependendo das opções da instituição, complementadas por escolhas
do aluno por meio da flexibilização curricular, sempre lembrando o
princípio fundante das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em geral: a diferenciação dos percursos curriculares.
Não se trata aqui de discutir o mérito destas resoluções no que tange
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 35-62, 2007.
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Marli de Fátima Rodrigues & Acácia Zeneida Kuenzer
à flexibilização, mas apenas apontar que há contradições de fundo
entre estas e o novo parecer.
Há que se observar, no entanto, que a contradição mais evidente a ser enfrentada é a que diz respeito à duração. Note-se que a Resolução 01/99, tão duramente criticada por induzir, entre outras questões, o aligeiramento da formação, propunha 3200 horas de formação,
permitindo uma única habilitação, no que teve artigos revogados para
adequar-se às 2800 horas propostas pela Resolução 02/02. Agora, a
proposta de resolução recém-aprovada volta às 3200 horas, com significativas mudanças (no nosso entender necessárias) na carga horária
destinada às práticas e aos estágios, que passa de 800 para 300 horas,
e também nas atividades complementares, que passam a ter 100 horas.
Observe-se, contudo, que a Resolução 01/99, no seu Art. 9, em vigor,
propõe, tal como a 02/02, 800 horas de prática.
Em resumo, três mudanças relativas à duração no curto período de cinco anos, sendo que duas continuarão a ter efeitos legais caso
seja aprovada a nova resolução tal como está. Isto significa duas alternativas de curso, com duração e formas de organização (Curso Normal Superior ou Pedagogia) distintas, para a mesma finalidade, à escolha do administrador, segundo suas conveniências. Nada impediria, e o voto em separado do conselheiro Francisco Aparecido Cordão
ressaltando a importância da manutenção da Resolução 01/02 reforça esta possibilidade, que permanecessem todas as modalidades, em
nome da flexibilização, podendo as instituições optar pelas ofertas
mais convenientes. Estas são geralmente determinadas pelo mercado,
e as propostas mais curtas, mais práticas e mais flexíveis podem ser
planejadas de modo a reduzir o custo, sendo mais atrativas para o
setor privado.
É bom lembrar que foi exatamente isto o que aconteceu por ocasião da negociação ocorrida durante a elaboração do Decreto 5154/
04, que regulamenta a educação profissional, quando foi decisiva a
participação do mesmo conselheiro. A proposta inicial, de revogação
do Decreto 2208/97, foi substituída pela revogação apenas do artigo
que vedava a oferta do curso médio integrado à educação profissional, com o que permaneceram todas as modalidades propostas pelo
decreto anterior, acrescidas da nova possibilidade. Assim, o novo decreto, ao revogar o anterior, o fez incorporando-o, de modo a assegurar
a continuidade das ofertas que vinham sendo feitas pelo setor privado de educação profissional.
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 35-62, 2007.
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As diretrizes curriculares para o Curso de Pedagogia...
Outra questão a apontar, ainda, do ponto de vista da coerência
das normas, é a contida no voto em separado do conselheiro Paulo
Monteiro Vieira Braga Barone, quando aponta o que chama de contradição intrínseca no que se refere à definição do pedagogo, através da
especificação de apenas uma modalidade de formação:
Essa definição, que afirma inicialmente ser o Pedagogo o professor de Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, reveste em seguida este profissional de atributos adicionais que deformam consideravelmente o seu perfil. Talvez a solução para esta contradição lógica fosse a admissão de um espectro mais amplo de modalidades de formação, como o bacharelado, não previsto no Parecer (Conselheiro Paulo Monteiro Vieira
Braga Barone, Parecer 5/2005 – Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia de 13 de dezembro de 2005).
Com relação a esta contradição intrínseca apontada pelo conselheiro, há pelo menos duas dimensões a discutir: o disposto pelo
MEC nas orientações dadas às comissões de especialistas responsáveis pela elaboração das propostas de diretrizes curriculares para os
cursos de graduação e a definição de ação docente apresentada pelo
Parecer 05/05.
Sobre o primeiro ponto, há que se observar que o Edital 04/97
da Secretaria de Ensino Superior do MEC apresentou, entre outras
categorias, a flexibilização dos percursos pedagógicos como a razão de
ser da substituição dos currículos mínimos pelas diretrizes curriculares,
para, ao superar o engessamento, melhor responder à dinamicidade
das mudanças no mundo do trabalho. Neste edital o MEC chegou a
defender, no limite, a possibilidade de “cada curso ser um percurso”,
ou seja, nenhuma uniformidade.
Exageros e equívocos à parte, a concepção que orientou as comissões de especialistas, que fizeram valer sua experiência, foi a de admitir
múltiplas possibilidades de organização curricular, de modo a atender,
principalmente, às novas necessidades que as mudanças ocorridas na
vida social e produtiva têm trazido. No campo da Pedagogia, estas
mudanças abriram novas possibilidades de atuação dos profissionais
da educação, docentes e não docentes, no trabalho, nas organizações
não governamentais, nos meios de comunicação, nos sindicatos, nos
partidos, nos movimentos sociais e nos vários espaços que têm sido
abertos no setor de serviços para atender às demandas sociais.
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 35-62, 2007.
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Marli de Fátima Rodrigues & Acácia Zeneida Kuenzer
Com o reconhecimento da especificidade do campo de atuação
do pedagogo, veio também a indicação dos seus limites, instando os
cursos a construírem percursos interdisciplinares que articulassem os
conhecimentos relativos ao trabalho pedagógico aos campos de outras ciências, de modo a formar profissionais de educação com novos
perfis, capazes, por exemplo, de atuar com as novas tecnologias, com
as diferentes mídias e linguagens, com a participação social, com o
lazer, com programas de inclusão dos culturalmente diversos, dos
portadores de necessidades especiais, e outras inúmeras possibilidades formativas que a vida social e produtiva tem demandado em decorrência do regime de acumulação flexível.
Essa gama de possibilidades abertas pela prática social e produtiva foi simplesmente fechada pela nova proposta, que reduz o pedagogo
ao professor de Educação Infantil, anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, modalidade Normal, e Educação Profissional para os técnico-administrativos das escolas e sistemas de ensino. Ao invés de flexibilidade para experimentar novas possibilidades,
a redução pelo enrijecimento. Define-se exclusivamente o pedagogo como
professor, limitado as qualificações profissionais já citadas. Fecha-se a
possibilidade para a formação, em outros percursos na graduação, do
pedagogo unitário, por exemplo, como faz a Universidade Federal do
Paraná, competente para atuar tanto na docência quanto na gestão da
escola e do sistema de ensino, cuja inserção no mercado de trabalho
tem sido considerável. Ou do pedagogo do trabalho, ou do pedagogo
social, ou do pedagogo capacitado para atuar em projetos de inclusão
social, quer dos culturalmente diferentes, quer dos portadores de necessidades especiais.
Sobre o segundo ponto, o Parecer 05/05 amplia demasiadamente a concepção de ação docente, provavelmente para rebater as críticas
que vinham sendo feitas à redução do campo epistemológico da Pedagogia que a centralidade nesta categoria determinava e, ao mesmo tempo, produzir uma formulação que, pela abrangência, fosse mais
consensual. Como resultado deste esforço, a concepção de ação docente passou a abranger também a participação na organização e gestão de
sistemas e instituições de ensino e a produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo educacional em contextos escolares e não escolares, assumindo tal amplitude, que resultou
descaracterizada.
A gestão e a investigação demandam ações que não podem ser
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 35-62, 2007.
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As diretrizes curriculares para o Curso de Pedagogia...
reduzidas à de docência, que se caracteriza por suas especificidades;
ensinar não é gerir ou pesquisar, embora sejam ações relacionadas.
Em decorrência desta imprecisão conceitual, o perfil e as competências são de tal modo abrangentes, que lembram as de um “novo salvador da pátria”, para cuja formação o currículo proposto é insuficiente, principalmente ao se considerar que as competências elencadas,
além de muito ampliadas, dizem respeito predominantemente a dimensões práticas da ação educativa, evidenciando-se o caráter instrumental da formação.
Ademais, para além do estudo dos fundamentos, dos conteúdos e das práticas pedagógicas para as áreas de competência listadas,
Educação Infantil, anos iniciais do Ensino Fundamental, Curso Normal e outros cursos técnicos de nível médio, todas com seus estágios,
não é possível visualizar espaço no percurso curricular para uma formação teórico-metodológica que qualifique para a gestão e para pesquisa em instituições escolares e não escolares; ou contemplar, nos diferentes componentes curriculares ou nas 100 horas de atividades complementares, a qualificação para atuar, mesmo que opcionalmente, em
apenas mais uma área, na educação de jovens e adultos, dos trabalhadores, dos portadores de necessidade especiais, dos indígenas, dos remanescentes dos quilombolas e componentes de outros grupos étnicos.
Daí o espanto do conselheiro com a intrínseca contradição: no
afã do atendimento a todas as vozes dissonantes da opção escolhida,
ao tempo que o Parecer define um foco restrito a uma única possibilidade de qualificação, representativa de uma forma específica de concepção do que seja a pedagogia, amplia demasiadamente o perfil, do
que resulta a ineficácia práxica da proposta, pois o que está em tudo
não está em lugar nenhum, constituindo-se desta forma uma aberração categorial: uma totalidade vazia. Os resultados práticos desta contradição é que as instituições formadoras, mais uma vez, vão propor
percursos para atender às suas conveniências, principalmente as mercantis, o que contribui, contrariamente ao professado, para uma maior desqualificação da educação básica, ampliada pela desqualificação
dos formadores.
Decorre desta análise introdutória que talvez o debate, por impropriedade jurídica ou por impertinência práxica, ainda não tenha
chegado ao fim...
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 35-62, 2007.
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Marli de Fátima Rodrigues & Acácia Zeneida Kuenzer
VALNIR CHAGAS VINTE ANOS DEPOIS: FINALMENTE,
A REDUÇÃO DA PEDAGOGIA AO CURSO NORMAL SUPERIOR
Administrar, supervisionar e orientar são ações transitivas que
supõem um objeto representado, no caso pelo conhecimento e
pela vivência de escola, de ensino e de aluno; daí por que todo
especialista em Educação tem que ser primeira e basicamente
educador. A especialidade – são ainda palavras de Anísio
Teixeira – “é uma opção posterior que faz o professor ou o educador já formado e com razoável experiência de trabalho”. (CHAGAS, 1980, p. 320).
A análise do Parecer 05/05 permite concluir que a proposta de
Curso de Pedagogia apresentada, ao mesmo tempo em que propõe a
revogação da Resolução 02/69, reedita, em larga medida, as propostas
apresentadas na década de 1970 pelo Conselho Federal de Educação,
através dos Pareceres 67 e 68/75 e 70 e 71/76, cujo relator foi o professor Valnir Chagas. Tais indicações propunham a formação de especialistas e do professor para o ensino pedagógico do Curso Normal, assim
como do pedagogo em geral, a ser realizada em habilitações acrescidas a
cursos de licenciatura. Esses pareceres, como sabemos, não foram homologadas na época.
O modelo pretendido por Chagas é assim caracterizado:
A formação de especialistas em Educação e de professores para o
ensino pedagógico de 2º grau, tanto quanto do pedagogo em geral, será feita como habilitações acrescentadas a cursos de licenciaturas e, em caráter transitório ditado pelas peculiaridades
locais, como curso aberto a docentes que tenham preparo de 2º
grau, exigindo-se em qualquer hipótese a prévia experiência profissional de magistério. (CHAGAS, 1976, p. 76 – grifos nossos).
Esse relator propunha cursos de licenciatura para formação de
professores, sendo que as habilitações seriam acrescentadas a esses
cursos. Ao Curso de Pedagogia caberia a formação do professor para
atuar nas séries iniciais, sendo subseqüente a formação do especialista. Esta proposição, não homologada à época, agora é reeditada, considerado o especialista em educação um prolongamento do professor.
Passamos, então, a uma análise comparativa dos pareceres reOlhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 35-62, 2007.
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As diretrizes curriculares para o Curso de Pedagogia...
latados por Chagas, em 1970, com o atual projeto de resolução. Esse
documento define um profissional cujo percurso inicial é o de docente, feito no Curso de Licenciatura em Pedagogia. Esse docente poderá
verticalizar sua qualificação, acrescentando à sua formação inicial a
de especialista, por meio de curso de pós-graduação. Em síntese, o
que se pretende é habilitar o especialista no professor, da mesma forma proposta por Chagas na década de 1970.
Esta concepção foi objeto de severas críticas à época, pelos que
defendiam a formação do especialista no Curso de Pedagogia, uma
vez que a formação do professor para a educação infantil e para as
séries iniciais era feita por meio dos cursos de formação para o magistério em nível médio. Chagas, justificando sua proposta pela ampliação e complexificação das organizações escolares, reconhecia, já nos
anos 70, a necessidade da formação do professor para todos os níveis
em cursos superiores de graduação, com o que se deslocava naturalmente a formação do especialista para o nível de pós-graduação, sempre tomando a formação para a docência e a experiência no magistério
como pré-requisitos para esta formação. Assim, o próprio Chagas propunha-se a superar os limites impostos ao Parecer 252/69 e respectiva
resolução pelo próprio desenvolvimento da sociedade:
O Especialista em Educação é também um prolongamento do professor, resultante do crescimento das escolas e da sua organização
como e em sistemas cada vez mais complexos. Surgiu com o diretor clássico, já descrito, que se desdobrou e se desdobrou, gradualmente, em dezenas de profissionais ora necessários em determinadas circunstâncias, ora simplesmente pedantes e inúteis, que
no fundo se prendem aos componentes básicos da educação formal: a escola, o professor e o aluno. Daí as três especialidades
fundamentais % administração, supervisão e orientação % que se
forma com o tempo delineando seja quanto às suas funções, seja
quanto às próprias designações. (CHAGAS, 1980, p. 317).
Esta mesma justificativa, o desenvolvimento das forças produtivas com suas conseqüências sobre a educação, serviu à retomada da
defesa da formação do professor da educação básica em cursos de
graduação pelos profissionais da educação e pela sociedade civil, desde
o processo constituinte. Sobre o que não se construiu consenso nas
discussões que se iniciaram a partir de 1980 com a criação do Movimento de Reformulação dos Cursos de Formação de Educadores e seus
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 35-62, 2007.
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Marli de Fátima Rodrigues & Acácia Zeneida Kuenzer
desdobramentos foi a identidade, e em decorrência, as funções, do
Curso de Pedagogia.
Sem a intenção de repetir uma discussão sobre a qual há vasto
material publicado, registramos, para fins desta análise, as três concepções que se confrontaram nestes vinte e cinco anos: a pedagogia
centrada na docência, enquanto licenciatura; a pedagogia centrada
na ciência da educação, como espaço de formação dos especialistas,
enquanto bacharelato; e a pedagogia que integrava as duas dimensões, formando o professor e o pedagogo unitário em um mesmo percurso, uma vez que a defesa da formação de especialistas na graduação foi se fragilizando ao longo do tempo, embora a LDBEN,
intempestivamente, as resgatasse, com o que se ampliaram as divergências e as dificuldades.
Considerando apenas parte deste tão longo debate, e sem levar
em conta a totalidade e riqueza de experiências que se desenvolveram
ao longo do tempo, inclusive avaliadas, o Conselho Nacional de Educação decidiu por um formato que confere exclusividade à licenciatura, e especificamente de Educação Infantil e séries iniciais, acrescida
da qualificação para ensino profissionalizante de nível médio nas
modalidades Magistério e Serviços de Apoio, tudo em um único percurso, vedadas as ênfases ou habilitações. E ainda, tomando por base
a formação de um profissional polivalente, rejeita a possibilidade da
formação por disciplina facultada pela Resolução 01/99, no seu Art.
7, § 10. Esta é outra contradição que permanece, a refletir as divergências que persistem.
É bom que se lembre que esta redução à educação até o limite
das séries iniciais também se deveu ao fato de que as universidades
não foram competentes para, neste período, resolver as históricas divergências entre as Faculdades de Educação e os Institutos responsáveis pela formação de professores para as áreas de conteúdo, em decorrência do que esta formação tem suas diretrizes dispostas em outra
resolução (01/02).
O resultado das decisões contidas no Parecer 05/05 foi a redução do campo epistemológico da Pedagogia, com seu vasto elenco de
possibilidades formativas, que superam de muito as tradicionais habilitações, à docência para crianças. As demais possibilidades passam para o nível subseqüente, em cursos de pós-graduação, lato ou
stricto sensu, abertos a todos os licenciados, e em muito casos, dadas
as condições de interdisciplinaridade, aos bacharéis, como já ocorre
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com freqüência. A Pedagogia, enquanto graduação, restringe-se ao
Curso Normal Superior, aprovando-se 20 anos depois a proposta de
Chagas, contida nos pareceres não homologados e veementemente
rejeitados na década de 1970.
Nosso entendimento é o de que essa equivalência, proposta no
Parecer 05/05, além de referenciar uma determinada concepção, também apresenta uma solução para a pouca aceitação do Curso Normal
Superior. O Curso Normal Superior, como sabemos, foi adotado especialmente por instituições não universitárias que criaram Institutos
Superiores de Educação, visando qualificar o mais rapidamente possível os professores em exercício e adequá-los à exigência de formação
em nível superior proposta pela nova LDBEN, o que configurava um
mercado promissor. Apesar de legalmente constituído, esse curso não
ganhou legitimidade na comunidade acadêmica e fora dela. A nova
proposta de resolução, no Art. 11, permite a transformação dos Cursos Normais Superiores em Cursos de Pedagogia, por intermédio da
elaboração e apresentação de um novo projeto pedagógico no prazo
de um ano a contar da data da publicação.
Com a nova legislação, os Cursos Normais Superiores,
ofertados por instituições não universitárias e, portanto, sem o compromisso com a pesquisa e sem a relação interdisciplinar com os Institutos responsáveis pela formação nas áreas de conteúdo, ganham o
status de Curso de Pedagogia. A conseqüência desta equivalência é a
formação de profissionais com diferentes níveis de qualidade que farão jus à mesma certificação, cabendo ao mercado proceder à seleção
segundo seus interesses e suas necessidades, o que certamente
fragilizará a profissionalização docente.
Mas, no nosso entendimento, há uma segunda e muito forte
determinação para esta redução da Pedagogia à docência para crianças: uma concepção que toma a prática docente como pré-requisito
para a formação do pedagogo, enquanto gestor, especialista ou pesquisador, já presente em Chagas, que por sua vez se apóia em Teixeira,
como evidencia a citação que abre este item. E não qualquer prática
docente: especificamente, a formação e a prática em educação de crianças, admitida também como pré-requisito à prática dos licenciados
com as séries finais do Ensino Fundamental e com o Ensino Médio.
Esta compreensão, que determina que os estudos em educação se iniciem, necessariamente, pela formação e prática na docência da educação básica, no nosso entendimento, ao engessar a formação dos
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profissionais da educação, contradiz as novas demandas do mundo
do trabalho, que abrem inúmeras possibilidades de atuação nos processos ampla e especificamente pedagógicos de formação humana na
perspectiva da emancipação, como já se demonstrou anteriormente.
E, levando em conta a diversidade destas possibilidades, não
há como sustentar tal pré-requisito; embora se possa concordar que a
licenciatura preceda a formação especializada, consideramos mais
adequado defender uma sólida formação nos fundamentos, teorias e
práticas pedagógicas que são comuns às diferentes possibilidades de
atuação do profissional da educação, sobre a qual se desenvolvam as
especificidades das diferentes áreas de atuação através de percursos
diferenciados. Não há como concordar que a formação em Magistério
de Educação Básica seja pré-requisito para a formação de profissionais de educação que atuam nas áreas de pedagogia social ou do trabalho, por exemplo, uma vez que essas áreas exigem formação teóricometodológica a partir de categorias que lhe são próprias, embora a
partir de uma fundamentação comum.
Se a formação inicial em docência em educação básica não é prérequisito para outras modalidades de licenciatura no campo da pedagogia, também não se pode afirmar que seja pré-requisito para a formação de pesquisadores, o que vai depender das linhas e objetos de pesquisa e das bases epistemológicas, teóricas e metodológicas que as fundamentam. O percurso curricular que qualifica para a docência em educação básica não resulta em qualificação para a pesquisa em um campo
tão vasto como é a educação, e tão pouco é requisito para tal, como as
experiências de iniciação científica bem têm demonstrado; ao contrário,
dependendo do recorte do objeto, o aluno de IC terá que se apropriar de
fundamentação diferente da oferecida pelo curso centrado na docência.
No caso da qualificação para a gestão, embora se admita que o
conhecimento do objeto a ser gerenciado integra a formação do gestor,
ainda assim a qualificação em docência em educação básica não se
justifica como pré-requisito exclusivo, a não ser para a gestão neste
nível de ensino. Em que, por exemplo, esta formação impactaria, senão remotamente, a qualificação de um gestor de projetos de educação inclusiva, do ponto de vista das diferenças étnicas? Ou de projetos de educação nos movimentos sociais? Ou de educação profissional? Ou de educação para idosos? De novo se argumenta que são
necessários fundamentos teóricos e metodológicos específicos, sempre
considerada uma fundamentação comum, que não se esgota na proOlhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 35-62, 2007.
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posta pelo parecer, em face da particularidade de seu foco.
Do ponto de vista teórico-metodológico, podemos afirmar que
esta tomada refere-se à decisão de centrar o percurso formativo em
uma parte que não encaminha suficientemente à apreensão da rica e
complexa totalidade dos processos de formação humana, em suas
múltiplas e dinâmicas relações com as dimensões sociais, econômicas
e culturais que configuram a prática social.
A PRÁTICA: A BASE EPISTEMOLÓGICA DA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA, SEGUNDO AS
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS
Discutida a impropriedade da proposta apresentada pelo parecer do ponto de vista do seu conteúdo – a exclusividade da formação em Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental –, há
que discuti-la do ponto de vista epistemológico. Neste item, buscaremos mostrar que a opção por um modelo de formação de professores
que eleja a prática em docência em educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental como pré-requisito para o desenvolvimento
de estudos avançados em educação, reduzindo-se o campo da Pedagogia, atende a uma concepção que privilegia a prática em detrimento
da teoria: a epistemologia da prática.
Esta concepção, ao invés de articular teoria e prática, acentua
a desarticulação, na medida em que condiciona os estudos teóricos
mais avançados à prática, e o que é mais grave, a uma prática específica: a docência para crianças de 0 a 10 anos.
As propostas de extinção da Pedagogia, desde as apresentadas por Chagas na década de 1970, mostra Brzezinski, justificam-se
sobretudo pela tendência brasileira de centrá-la na vertente
profissionalizante, como campo prático, que mantém pouca relação
com os estudos epistemológicos (1996, p. 82). Justificava-se, ainda,
destaca a mesma autora, pela ausência de estudos teóricos que tratassem da Pedagogia como ciência unitária, uma vez que a preocupação
com a base epistemológica da Pedagogia, embora surja nos anos 1980,
só vai se consolidar na década de 1990, destacando-se, entre outros,
os trabalhos de Libâneo (1998, 2000, 2002), Pimenta (1991, 1992,
1998, 2001, 2002), Bissoli (1999), Brzezinski (1996) e Franco (2003).
É esta preocupação com o caráter prático da formação que vai
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orientar os pareceres e resoluções que são exarados a partir de 1999,
até o presente momento.
A justificativa apresentada para o privilegiamento da prática é
a recorrente observação de que a produção intelectual e os avanços
teóricos têm afetado muito pouco a prática dos professores, e quando
chegam à escola e à sala de aula, sua apropriação é precária ou equivocada, uma vez que os professores não compreendem o conhecimento abstrato e o discurso complexo produzido e divulgado pela academia. Outras explicações decorrem das constantes críticas à ineficiência dos modelos de formação que se tornaram convencionais, destacando especialmente o elevado academicismo das propostas, em razão do que se torna necessário elaborar novos modelos de formação,
com base na epistemologia da prática (SCHÖN, 2000; TARDIF, 2002;
ZEICHNER, 1993; PERRENOUD, 1993).
A emergência do paradigma da prática no Brasil pode ser situada no final da década de 1980 e início de 1990, coincidindo com o
movimento das reformas educacionais. É nesse contexto que aparece,
em todo país, uma literatura pedagógica nacional e internacional que
privilegia a formação reflexiva do professor e a construção de competências profissionais, além de fazer crítica ao modelo da racionalidade
técnica tradicionalmente adotado nos programas de formação de professores.
A concepção de formação, assentada na formação reflexiva de
professores e na construção de competências profissionais, sob o
enfoque da nova epistemologia da prática, localiza-se originariamente
nos estudos sobre educação profissional realizados por Donald Schön,
que desenvolve o conceito de formação de profissionais reflexivos a
partir da crítica ao modelo de racionalidade técnica de tradição
positivista adotado nos currículos das escolas profissionais de seu
país (SCHÖN, 2000).
No prefácio do seu livro “Educando o Profissional Reflexivo:
um novo design para o ensino e a aprendizagem”, Schön (2000) afirma que desde 1983 vem propondo uma nova epistemologia, que advém
do conhecimento que os profissionais constroem a partir da reflexão
sobre as suas práticas, “pensar o que fazem, enquanto fazem”, em
situações de incerteza, singularidade e conflito.
Schön (2000) parte do pressuposto de que há um dilema entre
rigor e relevância na formação profissional e que os educadores estão
cada vez mais cientes da existência de “zonas indeterminadas na práOlhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 35-62, 2007.
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tica”, as quais, segundo ele, demandam um talento artístico que é
obstaculizado, impedido de se manifestar, por causa da adoção, nas
escolas profissionais, de currículos normativos.
Ao afirmar “que os problemas da prática do mundo real não se
apresentam aos profissionais com estruturas bem-delineadas” e que
“na verdade, eles tendem a não se apresentar como problemas, mas
na forma de estruturas caóticas e indeterminadas” (2000, p. 16),
Schön, destaca as “zonas indeterminadas da prática”, que envolvem
situações em que não há respostas certas ou procedimentos-padrão,
que fogem das estratégias convencionais de explicação. Propõe, então, um ensino prático reflexivo, baseado numa epistemologia da prática que abra espaço para o talento artístico, apresentando outros
dois conceitos: conhecimento-na-ação e reflexão-na-ação.
Ao desenvolver o ensino prático reflexivo, Schön esclarece que
é “um ensino prático voltado para ajudar os estudantes a adquirirem
os tipos de talento artístico essenciais para atuarem em zonas
indeterminadas da prática”. (2000, p. 25). As principais características do ensino prático-reflexivo são o aprender fazendo, a instrução e
o diálogo de reflexão-na-ação entre instrutor e estudante. O autor
utiliza a expressão “talento artístico profissional” para referir-se “aos
tipos de competências que os profissionais demonstram em certas
situações da prática que são únicas, incertas e conflituosas”. (SCHÖN,
2000, p. 29, grifos no original).
Conhecer-na-ação revela-se, para Schön, por um tipo de inteligência tática e espontânea que somos incapazes de tornar verbalmente explícita. Já a reflexão-na-ação agrega uma função crítica, questionando a estrutura dos pressupostos do ato de conhecer-na-ação. Para
ele, ao pensarmos criticamente na ação, podemos reestruturar as estratégias de ação. (SCHÖN, 2000, p. 33).
Na epistemologia da prática sugerida por Schön, “o talento artístico profissional é entendido em termos de reflexão-na-ação e cumpre um papel central na descrição da competência profissional”
(SCHÖN, 2000, p. 38). Revela que na base dessa visão da reflexão-naação está uma visão construcionista da realidade, na qual novas visões, apreciações e crenças estão enraizadas em mundos construídos
por nós mesmos, contrapondo-se à racionalidade técnica, que se baseia numa visão objetivista da relação do profissional com a realidade que ele conhece. (SCHÖN, 2000).
Embora já nos pareceres da autoria de Chagas a supremacia da
prática sobre a teoria aparecesse enfaticamente, justificando a neces50
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sidade de praticar a docência como requisito para os estudos teoricamente mais avançados de educação, a epistemologia da prática vai se
fazer presente de forma mais marcante nos pareceres e resoluções que
foram exarados pelo CNE a partir de 1999, evidenciando a forte incorporação desta proposta nos debates e nas práticas e formação de
professores desde então.
O Parecer CP 115/99, que antecede a Resolução 01/99, ao
centrar a formação do professor no desenvolvimento de competências, aponta para a necessidade de qualificá-lo para uma nova prática,
que não se restrinja à sala de aula, mas se amplie para contemplar as
articulações com as famílias e com a comunidade em geral, como o
objetivo central da formação inicial e continuada dos docentes.
Dentre os problemas identificados, destaca o legislador a
dissociação entre a teoria e a prática, que se apresenta em duas vertentes: na separação entre as teorias e métodos das atividades concretas de ensino na sala de aula e na organização escolar; e na separação
entre o domínio das áreas específicas de conhecimento e as necessidades e capacidades dos alunos das diferentes faixas etárias e fases do
percurso escolar.
Em decorrência, o Parecer 115/99 apresenta a prática como elemento articulador do processo de formação de professores. Neste documento, a incorporação das categorias apresentadas por Schön é bastante evidente; embora o parecer se refira à integração entre teoria e prática, a dimensão instrumental da teoria se faz presente em textos como:
[...] é a prática de ensino desenvolvida na escola que pode desvelar ao aluno docente problemas pedagógicos concretos, que precisam ser resolvidos no cotidiano do processo de ensino e aprendizagem desenvolvido no ensino fundamental. O seu
enfrentamento [...] estimulará o futuro professor a desenvolver a
reflexão crítica sobre os conteúdos curriculares que ministra e
sobre as teorias a que vem se expondo, ao mesmo tempo em que
suscitará redirecionamentos ou reorganização da atividade pedagógica que vem efetivando. Neste processo de aprender fazendo, o aluno docente aprimora e reelabora seus conhecimentos.
Ou seja, é a prática o critério de reformulação da prática a
partir da reflexão crítica, como afirma Schön, acima referenciado. E,
em decorrência desta concepção, a prática de ensino deve perpassar
toda a formação profissional.
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A mesma concepção está presente nos Pareceres 09/01, 27/01 e
na Resolução 01/02, onde, no parágrafo único do Art. 6, pode-se ler
que “a aprendizagem deverá ser orientada pelo princípio metodológico
geral, que pode ser traduzido pela ação-reflexão-ação e que aponta a
resolução de situações-problema como uma das estratégias didáticas
privilegiadas”.
Esta concepção que privilegia a prática como espaço formativo vai
ser o fundamento para a definição da duração dos componentes curriculares
na Resolução 02/02, estabelecendo-se 800 horas de práticas, incluindo
o estágio, e 200 horas de atividades complementares, com o que se restringe a 1800 horas a formação teórica sobre educação e sobre a área do
conhecimento a ser ensinada. Desnecessário repetir aqui as críticas, por
demais anunciadas, feitas ao caráter reducionista da formação assim proposta, restrita ao domínio dos conhecimentos escolares, com o que certamente se fragiliza ainda mais a formação docente.
Nestes documentos, afirma-se a prática como componente
curricular, “uma dimensão do conhecimento que tanto está presente
nos cursos de afirmação nos momentos em que se trabalha na reflexão
sobre a atividade profissional, como durante o estágio nos momentos
em que se exercita a atividade profissional”.
Na nova proposta, apresentada pelo Parecer 05/05, a questão
da relação entre teoria e prática é tratada enquanto “problemática do
equilíbrio entre formação e exercício profissional”, criticando o
intelectualismo que revestia cursos cujos professores, “com pouca ou
nenhuma experiência de magistério nos anos iniciais de escolarização e
responsáveis por disciplinas fundamentais, entendiam que a prática
teria menor valor”. Sem referir-se aos que faziam o contrário, bastante
freqüentes, conferindo uma dimensão praticista à formação, o documento aponta para os que articulavam estas duas dimensões através
da concepção da Pedagogia como práxis.
A partir destas considerações, o documento incorpora a compreensão de que a Pedagogia trata do campo teórico-investigativo da educação, do ensino e do trabalho pedagógico que se realiza na práxis social, sem elucidar o significado que dá a estas categorias ou mesmo como
se relacionam, se aproximam ou se diferenciam. A leitura do texto, contudo, mostra que, ao eleger a ação docente como categoria estruturante
da formação, compreendida na acepção ampliada já analisada, o parecer define os objetos, os conhecimentos, o perfil do pedagogo e os núcleos curriculares com base na prática.
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São escassas as referências ao trabalho intelectual, e quando
aparecem, é sob a forma de “estudos de didática, de teorias, e
metodologias pedagógicas, de processos de organização do trabalho
docente; das relações entre educação e trabalho, diversidade cultural,
cidadania, sustentabilidade; ou sob a forma de atenção às questões
atinentes à ética, à estética e à ludicidade”. (Art. 6 da proposta de
resolução ainda não homologada).
Não há referência ao desenvolvimento das competências complexas do trabalho intelectual, em particular as que se referem ao exercício
da crítica, da participação política ou ao desenvolvimento de conhecimentos científico-tecnológicos para enfrentar os desafios de uma sociedade cada vez mais excludente, para o que o domínio de conhecimentos
científicos, tecnológicos, e sócio-históricos com vistas à formação de
um profissional com autonomia intelectual e ética são fundamentais.
Ao contrário, as referências dominantes são aos modos de fazer: aplicar, planejar, implementar, avaliar, realizar, com o que se reforça a dimensão instrumental que determina as relações com o conhecimento.
Como afirma Contreras (2002), a idéia básica deste modelo é que
a prática profissional consiste na solução instrumental de problemas
mediante a aplicação de um conhecimento teórico e técnico, previamente disponível, que procede da pesquisa científica. É instrumental
porque supõe a aplicação de técnicas e procedimentos que se justificam
por sua capacidade para conseguir os efeitos ou resultados desejados.
O aspecto fundamental da prática profissional é definido, por
conseguinte, pela disponibilidade de uma ciência aplicada que
permita o desenvolvimento de procedimentos técnicos para a
análise e diagnóstico dos problemas e para o tratamento e solução. A prática suporia a aplicação inteligente desse conhecimento, aos problemas enfrentados por um profissional, com o
objetivo de encontrar uma solução satisfatória (p.90-91)
A RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA: O NÓ DA QUESTÃO
A análise levada a efeito permite concluir que as divergências
de fundo permanecem se derivando da concepção de relação entre
teoria e prática que dá suporte às diferentes propostas em debate: a
que confere primazia ao trabalho intelectual, a que confere primazia à
prática e a que adota a práxis como categoria fundante. Antes que se
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prossiga com a análise, é importante reiterar que os textos analisados, embora em algum momento se refiram à necessária relação entre
teoria e prática e mesmo à práxis, o fazem como mero discurso a desabar em uma concepção instrumentalizadora da teoria, na dimensão
da epistemologia da prática. A questão em tela, portanto, continua
sendo: de que prática estamos falando.
Em primeiro lugar, os documentos analisados, com base na
concepção de um professor reflexivo que reflete sobre a prática a partir da própria prática, reduz a formação ao conhecimento tácito, que
é resultante da experiência no trabalho e, portanto, restrito a formas
de fazer; em decorrência, é destituído de sistematização teórica, em
virtude do que não pode ser transmitido. O conhecimento tácito, como
afirmam Jones e Wood (1984), se insere no âmbito das dimensões subjetivas do trabalho, formas inconscientes e geralmente não reconhecidas através das quais os trabalhadores, mesmo desqualificados, utilizam o saber da experiência para resolver situações novas ou não previstas nos processos de trabalho procedimentados, o que Schön chama
de zonas indeterminadas da prática.
Desta concepção deriva-se uma pedagogia presente nas diretrizes curriculares para a formação dos professores para a educação básica, nos diferentes pareceres que estão sendo analisados: o aluno docente aprende com a prática, em virtude do que esta deve acompanhálo desde o início do curso e ter carga horária substancial .
Esta concepção também corresponde ao que Dejours (1993)
chama de inteligência prática, mais vinculada à obtenção de resultados do que ao conhecimento dos princípios e processos que servem de
caminho ao pensamento; a questão posta é resolver rapidamente o
problema, com economia de esforço e de sofrimento do corpo. O que
não significa, como mostra o autor, que a inteligência prática não seja
criativa, fazendo surgir novas respostas, materiais, ferramentas, processos. Contudo, tem limites.
Kuenzer, ao analisar as novas demandas de educação profissional derivada das mudanças na base técnica com a crescente utilização da microeletrônica, que requerem cada vez mais domínio das categorias referentes ao trabalho intelectual em contraposição à
centralidade do conhecimento tácito típica do taylorismo/fordismo,
afirma o seguinte:
Causa espanto, portanto, ao tempo em que as pesquisas levem
a estas constatações, que as políticas públicas em vigor para
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todos os níveis de ensino proponham como tarefa à escola o
desenvolvimento de competências entendidas como capacidades de realizar tarefas práticas, desvalorizando, e mesmo declarando desnecessário, o conhecimento científico. Assim é que se
traduzem as competências no ensino médio, na educação profissional e nos cursos de graduação, onde os percursos
curriculares tendem a ser encurtados, à luz do princípio pósmoderno que nega a objetividade da ciência e o caráter histórico da produção do conhecimento, ao mesmo tempo que ampliam os espaços da prática, na esperança que a mera inserção do
aluno no processo de trabalho seja suficiente para a sua formação. (KUENZER, 2003a, p.67).
Retrocede-se, afirma a autora, ao princípio educativo do
taylorismo/fordismo, onde o melhor instrutor era o “Tonicão”, que
embora não conhecesse a ciência do seu trabalho, tinha virtuosidade
nas práticas laborais, desenvolvida ao longo do tempo através de sua
experiência. Ele também não sabia ensinar, porque conhecimento tácito não se sistematiza e, portanto, não se explica; mas tinha imensa
boa vontade em se deixar observar e em mostrar como fazer, pois ele
“sabia na prática”. (KUENZER, 2003b).
A pedagogia, assim compreendida, se resume a observar e repetir até memorizar as “boas práticas” dos trabalhadores mais experientes, bastando inserir desde logo o futuro docente na situação concreta
de trabalho, mesmo antes que ele se aproprie de categorias teóricometodológicas que lhe permitam analisá-la e compreendê-la para poder intervir com competência.
A prática, mostra a autora, não é suficiente; ou seja,
[...] é preciso considerar que a prática não fala por si mesma; os
fatos práticos, ou fenômenos, têm que ser identificados, contados, analisados, interpretados, já que a realidade não se deixa
revelar através da observação imediata; é preciso ver além da
imediaticidade para compreender as relações, as conexões, as
estruturas internas, as formas de organização, as relações entre
parte e totalidade, as finalidades, que não se deixam conhecer
no primeiro momento, quando se percebem apenas os fatos superficiais, aparentes, que ainda não se constituem em conhecimento. (KUENZER, 2003b, p.14).
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A realidade, as coisas, os processos, são conhecidos somente
na medida em que são “criados”, reproduzidos no pensamento e adquirem significado; esta re-criação da realidade no pensamento é um
dos muitos modos de relação sujeito/objeto, cuja dimensão mais essencial é a compreensão da realidade enquanto relação humano/social. Ou seja, o ato de conhecer não prescinde do trabalho intelectual,
que é um movimento do pensamento que não se desenvolve espontaneamente, precisando ser aprendido.
[...] o ato de conhecer não prescinde do trabalho intelectual,
teórico, que se dá no pensamento que se debruça sobre a realidade a ser conhecida; é neste movimento do pensamento que
parte das primeiras e imprecisas percepções para relacionar-se
com a dimensão empírica da realidade que se deixa parcialmente perceber, que, por aproximações sucessivas, cada vez mais
específicas e ao mesmo tempo mais amplas, são construídos os
significados. (KUENZER, 2003b, p.14).
A partir desta compreensão, rejeita-se ao mesmo tempo a possibilidade de conhecer pela contemplação ou pela mera ação do pensamento, pois “conhecer é conhecer objetos que se integram na relação
entre o homem e o mundo, ou entre o homem e a natureza, relação esta
que se estabelece graças à atividade prática humana”. (VÁZQUEZ, 1968,
p.53). Se não se trata de reproduzir a realidade como ela se apresenta
ao ser humano e tampouco apenas pensar sobre ela, o que está em jogo
é a sua transformação a partir da atividade crítico-prática, sustentada
na categoria práxis, que integra a teoria, que se mantém no plano da
reflexão, e a prática, que se mantém no plano dos fazeres, integração
esta que é determinante nos processos de formação humana.
Ao discutir os conceitos de atividade e de práxis, Vázquez
afirma que “toda a práxis é atividade, mas nem já toda atividade é
práxis”. (VÁZQUEZ, 1968, p.185). O que é, então, atividade?
Atividade, entendida como sinônimo de ação, é o ato ou conjunto de atos através dos quais o sujeito modifica uma matéria-prima, independente de qual seja a sua natureza, seja pelo trabalho
material, seja pelo trabalho não-material. Este ato, ou conjunto de
atos, traduz-se em resultados ou produtos, materiais ou não materiais; portanto, são orientados por finalidades e culminam com resultados que em princípio se pretendia alcançar, desde que as ações sejam
eficientes e eficazes. O que caracteriza a atividade é seu caráter real,
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sua materialidade.
Não há, contudo, atividade humana que não esteja respaldada
por algum tipo de atividade cognitiva e, portanto, em alguma atividade teórica. A atividade teórica, com suas dimensões ideológicas ou
científicas, só existe a partir de e em relação com a prática; não há
pensamento fora da práxis humana, pois a consciência e as concepções se formulam através do movimento do pensamento que se debruça sobre o mundo das ações e das relações que elas geram.
No entanto, por se configurar como um movimento no pensamento, por mais que a atividade teórica se aproxime da prática, com ela
não se confunde, guardando especificidades que se resumem na produção de idéias, representações e conceitos, atendo-se ao plano do conhecimento. E, em decorrência de ser um processo de apropriação da realidade pelo pensamento, não transforma a realidade, não podendo ser
confundida com a práxis. Ainda que a atividade teórica mude concepções, transforme representações e produza teorias, em nenhum destes
casos ela transforma, de per si, a realidade. O que não significa dizer
que não seja fundamental a atividade teórica para a transformação da
realidade; contudo, somente a posse da teoria e só o pensamento sobre
as transformações não asseguram a sua efetivação, ou seja, a transformação da realidade.
A respeito da contraposição de contemplação e práxis, Kuenzer
afirma:
[...] não se admite a teoria como uma forma de práxis, distinguindo claramente o conceito real do conceito pensado, apresentando a atividade cognitiva como um processo que ocorre
no pensamento, que ascende do abstrato ao concreto, passando pelo empírico. Este processo, que consiste na reprodução
espiritual do objeto real sob a forma do concreto pensado, se
trata de uma atividade que não produz nada diretamente, não
podendo ser identificado com o conceito de práxis por lhe faltar
a transformação objetiva de uma matéria através do sujeito,
cujos resultados subsistem independentemente de sua atividade. Interpretar não é transformar; a teoria em si, ou os discursos, não transformam o mundo a não ser que passem do plano
das idéias e se façam materialidade. (2002, p.10).
Sobre esta forma de compreender, Vázquez mostra que “uma teoria é prática na medida em que materializa, através de uma série de
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mediações, o que antes só existia idealmente como conhecimento da
realidade ou antecipação ideal de sua transformação”. (1968, p.203).
“O pensamento nasce de necessidades práticas para satisfazer
necessidades da prática”, afirma Kopnin (1978, p.170); é um processo dirigido por finalidades; é a prática que determina ao homem o que
é necessário e o que ele deve conhecer para atender a estas finalidades, bem como quais são as suas prioridades no processo de conhecer.
Embora o pensamento esteja vinculado às necessidades práticas, é
necessário reconhecer sua relativa autonomia, o que significa que pode
afastar-se da prática. Há que diferenciar, contudo, o afastamento necessário para a reflexão sobre a prática daquele que autonomiza o
pensamento, sobrepondo-o à prática, encerrando-se em si mesmo e
perdendo a sua vinculação com o movimento do real.
A epistemologia da prática, contrapondo-se à concepção de
práxis, desvincula a prática da teoria, que passa a supor-se suficiente; a prática, tomada em seu sentido utilitário, contrapõe-se à teoria,
que se faz desnecessária ou até nociva. Neste caso, a teoria passa a ser
substituída pelo
[...] senso comum, que é o sentido da prática, e a ela não se
opõe. Em decorrência, justifica-se uma formação que parte do
pressuposto que não há inadequação entre o conhecimento do
senso comum e a prática, o que confere uma certa tranqüilidade ao profissional, posto que nada o ameaça; o contrário ocorre
com relação à teoria, cuja intromissão parece ser perturbadora.
(KUENZER, 2003, p.9).
Do ponto de vista do pensamento filosófico, a epistemologia da
prática corresponde ao pragmatismo, que, ao reconhecer que o conhecimento está vinculado a necessidades práticas, infere que o verdadeiro se reduz ao útil.
O que se põe para a discussão da concepção de formação do
profissional da educação é a possibilidade efetiva de articulação entre
o teórico e o prático. Estes dois pólos, que se relacionam dialeticamente,
constituindo a práxis, embora se unifiquem através do pensamento,
guardam especificidades. E aqui reside a riqueza dos processos pedagógicos, os quais, pelo seu caráter mediador, promovem a articulação
entre teoria e prática, remetendo a discussão para o plano do método.
De fato, o processo que faz a mediação entre teoria e prática é o
trabalho educativo; é através dele que a prática se faz presente no
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pensamento e se transforma em teoria; do mesmo modo, é através do
trabalho educativo que a teoria se faz prática, que se dá a interação
entre consciências e circunstâncias, entre pensamento e bases materiais de produção, configurando-se a possibilidade de transformação
da realidade.
A partir da práxis, entende-se a prática sempre como ponto de
partida e ponto de chegada do trabalho intelectual, através do trabalho educativo, que integra estas duas dimensões.
Diferentemente da concepção de prática que fundamenta as
Diretrizes Curriculares Nacionais em suas distintas versões, esta compreensão assume significado no processo de formação de professores,
não apenas na perspectiva do desenvolvimento de competências para
um exercício profissional que permita uma intervenção crítica e criativa nos processos de formação humana (e não apenas tarefeiro e
reiterativo), mas também porque esta relação se constitui na própria
natureza dos processos educativos. E, na perspectiva da simetria invertida, a objetivação desta relação no percurso formativo melhor capacitará o futuro professor para exercê-la em sua prática laboral.
Ensinar a conhecer, enquanto capacidade de agir teoricamente
e pensar praticamente, é a função da escola; e este aprendizado não
se dá espontaneamente através do contato com a realidade, mas demanda o domínio das categorias teóricas e metodológicas através do
aprendizado do trabalho intelectual. Ou seja, a prática, por si não
ensina, a não ser através da mediação da ação pedagógica. São os
processos pedagógicos intencionais e sistematizados, portanto, que,
mediando as relações entre teoria e prática, ensinarão a conhecer.
Não basta, portanto, inserir o trabalhador na prática para que ele
espontaneamente aprenda.
Restaria perguntar, portanto, a quem interessa reduzir a formação ao conhecimento tácito através de uma epistemologia na qual a
prática se constrói por meio de uma reflexão sobre si mesma, sem a
mediação da teoria, desqualificando-se o único espaço em que os futuros professores poderiam ter acesso ao conhecimento científico,
tecnológico e sócio-histórico, enquanto produto do pensamento humano, mas também enquanto método para aprender a conhecer? Ademais, que sentido teria uma formação prolongada em nível de graduação, a ser complementada por diferentes estratégias de educação continuada, incluindo a pós-graduação, se o espaço laboral é por excelência o espaço formativo?
É importante que se afirme, mais uma vez, que não se trata de
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 35-62, 2007.
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As diretrizes curriculares para o Curso de Pedagogia...
retroceder a práticas pedagógicas teoricistas, de longa data questionadas, mas também não há como sustentar o pragmatismo utilitarista,
que tem se traduzido em práticas pedagógicas espontaneístas com
freqüência cada vez maior, e ainda mais justificadas pela legislação,
contrariando os avanços que a pesquisa e o debate acerca da Pedagogia e seu estatuto epistemológico alcançaram nos últimos anos, principalmente considerando a relevância do seu papel social na construção de uma sociedade pautada na justiça social, na solidariedade, no
respeito à diversidade, na liberdade e na igualdade de direitos.
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 35-62, 2007.
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Encaminhado em: 04/07
Aceito em: 04/07
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 35-62, 2007.
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Carlos Marcelo Garcia
LA FORMACIÓN DOCENTE EN LA SOCIEDAD
DEL CONOCIMIENTO Y LA INFORMACIÓN:
AVANCES Y TEMAS PENDIENTES*
TEACHER EDUCATION IN THE KNOWLEDGE
AND INFORMATION SOCIETY: ADVANCEMENTS
AND PENDING THEMES**
Carlos Marcelo GARCÍA***
Resumo: Nuestras sociedades están envueltas en un complicado proceso de transformación. Una transformación
no planificada que está afectando a la forma como nos
organizamos, cómo trabajamos, cómo nos relacionamos, y
cómo aprendemos. Estos cambios tienen un reflejo visible
en la escuela como institución encargada de formar a los
nuevos ciudadanos. ¿En qué afectan estos cambios a los
profesores? ¿Cómo debemos repensar el trabajo del profesor
en estas nuevas circunstancias? ¿Cómo deberían formarse
los nuevos profesores? ¿Cómo adecuamos los
conocimientos y las actitudes del profesorado para dar
respuesta y aprovechar las nuevas oportunidades que la
sociedad de la información nos ofrece? En este artículo
revisamos algunos avances y temas pendientes que la
formación tiene para enfrentarse con eficiencia a las
necesidades de la sociedad del conocimiento: universidad
y escuela: la laguna de los dos mundos; formadores de
profesores universitarios y profesores supervisores de aula;
conocimiento disciplinar y conocimiento pedagógico; teoría
y práctica: desvalorización de la teoría y adoración de la
práctica; tradición e innovación; homogeneidad y
*
Ponencia presentada al IV Encuentro Internacional de KIPUS. Políticas públicas y formación docente,
Isla Margarita (Venezuela, 4-6 de octubre, 2006).
**
Paper presented at the IV International Meeting - KIPUS. Public policies and teacher education, Isla
Margarita, (Venezuela, 4-6th October 2006).
***
Professor da Universidad de Sevilla. E-mail: [email protected]
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 63-90, 2007.
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63
La formación docente en la sociedad del conocimiento y la información
diversidad: profesores homogéneos para un alumnado diverso; enseñanza y aprendizaje; formación inicial y
formación continua; aprendizaje formal y informal;
aislamiento en el aula y la sociedad en red.
Palabras claves: Formación docente. Sociedad del
Conocimiento. Aprender a Enseñar
Abstract: Our societies are involved in a complex
transformation process. An unplanned transformation that
is affecting the way we organize ourselves, how we work,
how we relate to others and how we learn. These changes
have a clear impact on schools as they are the institutions
responsible for educating the new citizens. How do these
changes affect teachers? How should we rethink teachers´
work under these new circumstances? How should the
new teachers be educated? How do we adapt teachers´
knowledge and attitudes so that they take advantage of the
new opportunities that the information society offers them?
In this article we consider some of the advancements and
other pending themes that teacher education has in order
to face with efficiency the information society needs:
university and school, the gap between the two worlds,
educators of university professors and teachers who supervise classes. Content knowledge and pedagogical knowledge.
Theory and practice: depreciation of theory and an excessive
valorization of practice. Tradition and innovation.
Homogeneity and diversity: homogeneous teachers for
heterogeneous groups of students.
Keywords: Teacher education. knowledge society. learning
to teach.
INTRODUCCIÓN: LOS PROFESORES CUENTAN
Nuestras sociedades están envueltas en un complicado proceso
de transformación. Una transformación no planificada que está
afectando a la forma como nos organizamos, cómo trabajamos, cómo
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 63-90, 2007.
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Carlos Marcelo Garcia
nos relacionamos, y cómo aprendemos. Estos cambios tienen un reflejo
visible en la escuela como institución encargada de formar a los nuevos
ciudadanos. Por poner un ejemplo, nuestros alumnos disponen hoy en
día de muchas más fuentes de información que lo que ocurría no hace
ni diez años. Fuentes de información que, aportadas por las nuevas
tecnologías de la información y comunicación, están haciendo necesario
un replanteo de las funciones que tradicionalmente se han venido
asignando a las escuelas y a los profesionales que en ella trabajan: los
profesores y profesoras.
Una de las características de la sociedad en la que vivimos tiene
que ver con que el conocimiento es uno de los principales valores de sus
ciudadanos. El valor de las sociedades actuales está directamente relacionado con el nivel de formación de sus ciudadanos, y de la capacidad
de innovación y emprendimiento que estos posean. Pero los
conocimientos, en nuestros días, tienen fecha de caducidad y ello nos
obliga ahora más que nunca a establecer garantías formales e informales
para que los ciudadanos y profesionales actualicen constantemente su
competencia. Hemos entrado en una sociedad que exige de los
profesionales una permanente actividad de formación y aprendizaje.
¿En qué afectan estos cambios a los profesores? ¿Cómo debemos
repensar el trabajo del profesor en estas nuevas circunstancias? ¿Cómo
deberían formarse los nuevos profesores? ¿Cómo adecuamos los
conocimientos y las actitudes del profesorado para dar respuesta y
aprovechar las nuevas oportunidades que la sociedad de la información
nos ofrece?
Las preguntas anteriores configuran todo un programa de
preocupaciones que está llevando a muchos académicos, profesionales,
investigadores, docentes, etc. a pensar en que la escuela tiene que dar
respuesta pronta a los desafíos que se le avecinan. Respuestas que van
directamente relacionadas con la capacidad de ofrecer la mejor
educación para todos los alumnos. Y para ello volvemos la vista hacia
el profesorado que trabaja codo a codo con nuestros estudiantes. ¿Cómo
se han formado? ¿Qué cambios hay que introducir en su formación
para que sean de nuevo los líderes de un cambio que la sociedad está
demandando? (MARCELO, 2002a).
Recientes informes internacionales han venido a centrarse y a
destacar el importante papel que el profesorado juega en relación con
las posibilidades de aprendizaje de los alumnos. Ya el mismo título de
informe que la OCDE ha publicado recientemente nos llama la atención:
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 63-90, 2007.
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La formación docente en la sociedad del conocimiento y la información
“Teachers matter: attracting, developing and retaining effective teachers”
(OCDE, 2005). Se afirma en el título que los profesores cuentan, importan
para ayudar a mejorar la calidad de la enseñanza que reciben los
alumnos. Se afirma en este informe que:
Existe actualmente un volumen considerable de investigación
que indica que la calidad de los profesores y de su enseñanza es
el factor más importante para explicar los resultados de los
alumnos. Existen también considerables evidencias de que los
profesores varían en su eficacia. Las diferencias entre los resultados de los alumnos a veces son mayores dentro de la propia
escuela que entre escuelas. La enseñanza es un trabajo exigente, y no es posible para cualquiera ser un profesor eficaz y
mantener esta eficacia a lo largo del tiempo (p. 12).
Este informe viene a mostrar la preocupación internacional en
relación con el profesorado, con las formas de hacer de la docencia
una profesión atractiva, con cómo mantener en la enseñanza a los
mejores profesores y cómo conseguir que los profesores sigan
aprendiendo a lo largo de su carrera.
Este informe de la OCDE viene a mostrar que el profesorado cuenta.
Cuenta para influir en el aprendizaje de los alumnos. Cuenta para
mejorar la calidad de la educación que las escuelas e institutos llevan a
cabo día a día. Cuenta en definitiva como una profesión necesaria e
imprescindible para la sociedad del conocimiento. Y puesto que el
profesorado cuenta, necesitamos que nuestros sistemas educativos sean
capaces de atraer a los mejores candidatos para convertirse en docentes. Necesitamos buenas políticas para que la formación inicial de estos
profesores les asegure las competencias que van a requerir a lo largo de
su extensa, flexible y variada trayectoria profesional. Y la sociedad
necesita buenos profesores cuya práctica profesional cumpla los
estándares profesionales de calidad que asegure el compromiso de
respetar el derecho que los alumnos tienen de aprender.
Paralelamente al estudio de la OCDE, la prestigiosa Asociación
Americana de Investigación Educativa (A.E.R.A.) ha hecho público el
informe que intenta resumir los resultados de la investigación sobre la
formación del profesorado, así como hacer propuestas de política
educativa acordes con estos resultados. Se afirma que: “en toda la nación
existe un consenso emergente acerca de que el profesorado influye de
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 63-90, 2007.
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Carlos Marcelo Garcia
manera significativa en el aprendizaje de los alumnos y en la eficacia de
la escuela” (COCHRAN-SMITH; FRIES, 2005, p. 40). En la misma línea,
Daling-Hammond (2000) venía afirmar que el aprendizaje de los
alumnos “depende principalmente de lo que los profesores conocen y
de lo que pueden hacer”.
LA DOCENCIA ANTE LOS CAMBIOS
A la tarea de enseñar los profesores se enfrentan generalmente en
solitario. Sólo los alumnos son testigos de la actuación profesional de los
profesores. Pocas profesiones se caracterizan por una mayor soledad y
aislamiento. A diferencia de otras profesiones u oficios, la enseñanza es
una actividad que se desarrolla en solitario. Como de forma acertada
afirmara Bullough (1998), la clase es el santuario de los profesores.El
santuario de la clase es un elemento central de la cultura de la enseñanza,
que se preserva y protege mediante el aislamiento, y que padres, directores
y otros profesores dudan en violar. Cuando hoy en día estamos asistiendo
a propuestas que evidentemente plantean la necesidad de que los
profesores colaboren, trabajen conjuntamente, etc., nos encontramos con
la pertinaz realidad de profesores que se refugian en la soledad de sus
clases. Ya resulta clásico el estudio llevado a cabo por Lortie en 1975, en
el que mediante entrevistas estableció algunas características de la
profesión docente en Estados Unidos, que no sólo son de gran actualidad,
sino que son perfectamente aplicables a nuestro país. Una característica
identificada por Lortie fue el Individualismo. Este individualismo se
produce en opinión del autor por la ausencia de ocasiones en las que los
profesores puedan observarse unos a otros, y ello se produce desde los
primeros años de formación como profesor y posteriormente durante el
proceso de socialización.
El aislamiento de los profesores está favorecido evidentemente por
la arquitectura escolar, que organiza la escuela en módulos estándar, así
como por la distribución del tiempo y el espacio, y la existencia de normas de independencia y privacidad entre los profesores. El aislamiento,
como norma y cultura profesional tiene ciertas ventajas y algunos evidentes inconvenientes para los profesores. El aislamiento representa una
barrera real frente a las posibilidades de formación y de mejora. Los
cambios que se están produciendo en la sociedad inciden en la demanda
de una “redefinición del trabajo del profesor” y seguramente de la
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La formación docente en la sociedad del conocimiento y la información
profesión docente, de su formación y de su desarrollo profesional. Los
roles que tradicionalmente han asumido los docentes enseñando de
manera conservadora un curriculum caracterizado por contenidos
académicos hoy en día resultan a todas luces inadecuados. A los alumnos
les llega la información por múltiples vías: la televisión, radio, ordenadores,
Internet, recursos culturales de las ciudades, etc. Y los profesores no
pueden hacer como si nada de esto fuera con ellos. Salomon (1992) nos
ofrecía su metáfora respecto a que se está modificando el rol del profesor
desde transmisor de información, el solista de una flauta al frente de una
audiencia poco respetuosa, al de un diseñador, un guía turístico, un
director de orquesta. Así, el papel del profesor debería de cambiar desde
una autoridad que distribuye conocimientos hacia un sujeto que crea y
orquesta ambientes de aprendizaje complejos, implicando a los alumnos
en actividades apropiadas, de manera que los alumnos puedan construir
su propia comprensión del material a estudiar, trabajando con los alumnos
como compañeros en el proceso de aprendizaje.
Cuando estamos viendo día a día las nuevas exigencias que las
escuelas y el profesorado están recibiendo por parte de la sociedad,
asistimos a una situación en la observamos que la profesión docente
puede que no esté asumiendo la responsabilidad que le corresponde como
profesión del conocimiento. La creciente presión por una escuela de mayor
calidad, motivada en parte por los resultados de los informes
internacionales, no está teniendo su contrapartida en una profesión docente que lidere y canalice los cambios que tanto dentro de las aulas
como en la escuela y en la formación del profesorado se necesitan para
que las escuelas sigan siendo espacios privilegiados de socialización de
las nuevas generaciones.
¿Qué hay del profesorado y de su formación? ¿Qué cambios observamos en la dirección correcta? ¿Podemos hablar de que la formación
esté girando hacia las necesidades de la sociedad del conocimiento y la
información? Veamos algunas ideas al respecto.
LA FORMACIÓN DEL PROFESORADO EN LA SOCIEDAD DEL
CONOCIMIENTO: AVANCES
Los informes internacionales anteriormente referidos ponen de
manifiesto de nuevo que la influencia del profesorado es determinante.
Y si esto es así, hoy en día más que nunca debemos de atender a las
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Carlos Marcelo Garcia
estrategias y procesos que permiten que el profesorado alcance y
mantenga niveles de competencia y eficacia elevados. Y ello no es
posible si no disponemos de un sistema de formación que ayude a
reclutar, formar, insertar y desarrollar al profesorado a lo largo de
toda su carrera docente. Hemos dicho que en las sociedades actuales
el conocimiento y la formación configuran elementos estratégicos para
el desarrollo de las personas y de los países. Ello es así ahora más que
nunca. Poco a poco ha venido haciéndose familiar la idea de que el
aprendizaje es para toda la vida. Hoy en día ya es una realidad para
todo el profesorado.
Necesitamos formación pero no cualquier formación. Estos
cambios nos están dirigiendo a pensar que la formación no puede
mantenerse en los estándares pasados ni actuales. Carl Bereiter (2002)
decía que para educar en la era del conocimiento necesitamos una
nueva idea de la mente. Una idea o concepción que se aleje de entender la mente como un contenedor y que la entienda más bien como un
sistema que se autorregula y organiza a partir de múltiples conexiones.
Pues bien, creo que también debemos de pensar en la formación de
una forma más abierta y flexible que se adapte a las necesidades de
los individuos y que permita no sólo aprender a enseñar sino generar
conocimiento e innovación sobre la enseñanza que pueda ser validado y compartido.
Para avanzar en este objetivo no empezamos de cero. Para responder a estas preguntas no partimos de cero. Cómo se aprender a
enseñar ha sido una constante en la preocupación de los investigadores educativos en las últimas décadas. Cientos de investigaciones y
decenas de revisiones se han llevado a cabo para intentar comprender
este proceso. Tanto en el tercer como en el cuarto “Handbook of
Research on Teaching” (RICHARDSON, 2001) encontramos capítulos
en los que se revisa y sintetiza el conocimiento sobre los profesores, su
formación y desarrollo. Igualmente en los “Handbook of Research on
Teacher Education”, pasando por el “International Handbook of
Teachers and Teaching”, el “International Handbook of Educational
Change”, o el “Handbook of Educational Psychology” se aborda de
manera más o menos amplia la investigación sobre el aprendizaje de
los profesores. Estos libros, así como revisiones aparecidas en revistas
especializadas, como la de Wilson y Berne (1999), Feiman (2001),
Putnam y Borko (1998), Wideen, Mayer-Smith y Moon (1998) o
Zeichner (1999) y Cochran-Smith y Zeichner (2005) nos permiten configurar un panorama bastante actualizado respecto al conocimiento
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 63-90, 2007.
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La formación docente en la sociedad del conocimiento y la información
acumulado sobre el proceso de aprender a enseñar, así como de sus
luces y sombras. A partir de estas amplias revisiones uno puede situarse
y encontrar conocimiento acumulado suficiente para poder empezar a
dar respuesta a la pregunta ¿cómo se aprende a enseñar? Dado que no
puede ser intención de éste que escribe, resumir lo que en centenares de
páginas, otros investigadores ya han revisado, y debido a la concreción
necesaria de esta escrito, vamos a hacer un recorrido acerca de los aspectos básicos que dan respuesta a la intención del título.
Convertirse en profesor es un largo proceso. A las instituciones
de formación inicial del profesorado llegan candidatos que no son “vasos vacíos”. Como ya investigara Lortie (1975), las miles de horas de
observación como estudiantes contribuyen a configurar un sistema de
creencias hacia la enseñanza que los aspirantes a profesores tienen y
que les ayudan a interpretar sus experiencias en la formación. Estas
creencias a veces están tan arraigadas que la formación inicial no consigue
el más mínimo cambio profundo en ellas (PAJARES, 1992; RICHARDSON;
PLACIER, 2001).
La formación inicial del profesorado ha sido objetivo de múltiples
estudios e investigaciones (COCHRAN-SMITH; FRIES, 2005). En general
se observa una gran insatisfacción tanto de las instancias políticas como
del profesorado en ejercicio o de los propios formadores respecto a la
capacidad de las actuales instituciones de formación para dar respuesta
a las necesidades actuales de la profesión docente. Las críticas hacia su
organización burocratizada, el divorcio entre la teoría y la práctica, la
excesiva fragmentación del conocimiento que se enseña, la escasa
vinculación con las escuelas (FEIMAN-NEMSER, 2001) están haciendo
que ciertas voces críticas propongan reducir la extensión de la formación
inicial para incrementar la atención al periodo de inserción del profesorado
en la enseñanza. Es el caso del reciente informe de la OCDE al que ya
hemos hecho referencia anteriormente. En concreto, se afirma que
Las etapas de formación inicial, inserción y desarrollo profesional
deberían de estar mucho más interrelacionadas para crear un
aprendizaje coherente y un sistema de desarrollo para los
profesores…Una perspectiva de aprendizaje a lo largo de la vida
para los profesores implica para la mayoría de los países una
atención más destacada a ofrecer apoyo a los profesores en sus
primeros años de enseñanza, y en proporcionarles incentivos y
recursos para su desarrollo profesional continuo. En general, sería
más adecuado mejorar la inserción y el desarrollo profesional de
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Carlos Marcelo Garcia
los profesores a lo largo de su carrera en lugar de incrementar la
duración de la formación inicial. (OCDE, 2005, p. 13).
Frente a estas propuestas, viene bien recordar el excelente artículo escrito por David Berliner (2000) en el que refuta una docena de
críticas que habitualmente se hacen a la formación inicial del profesorado
(que para enseñar basta con saber la materia, que enseñar es fácil, que
los formadores de profesores viven en una torre de marfil, que los cursos de metodología y didáctica son asignaturas blandas, que en la
enseñanza no hay principios generales válidos, etc. Críticas, desde el
punto de vista del autor, interesadas y con una visión bastante estrecha
de la contribución que la formación inicial tiene en la calidad del
profesorado. Dice Berliner: “creo que se ha prestado poca atención al
desarrollo de aspectos evolutivos del proceso de aprende a enseñar,
desde la formación inicial, la inserción a la formación continua” (p.
370). En este proceso la formación inicial juega un papel importante y
no baladí o sustituible como algunos grupos o instituciones están
sugiriendo.
Los profesores, en su proceso de aprendizaje, pasan por diferentes etapas momentos. Bransford, Darling-Hammond, & LePag (2005)
han planteado que para dar respuesta a las nuevas y complejas
situaciones con las que se encuentran los docentes es conveniente pensar en los profesores como “expertos adaptativos” es decir personas
preparadas para un aprendizaje eficiente a lo largo de toda la vida.
Esto es así porque las condiciones de la sociedad son cambiantes y
cada más se requiere personas que sepan combinar la competencia con
la capacidad de innovación.
Los profesores principiantes necesitan poseer un conjunto de ideas
y habilidades críticas así como la capacidad de reflexionar, evaluar y
aprender sobre su enseñanza de tal forma que mejoren continuamente
como docentes. Ello es posible si el conocimiento esencial para los
profesores principiantes se pudiera organizar, representar y comunicar
de forma que les permita a los alumnos una comprensión más profunda
del contenido que aprenden (VAILLANT; MARCELO, 2001).
En relación a este aspecto, las investigaciones han buscado
establecer diferencias entre profesores en función de la edad, así como
de lo que se ha denominado “expertise”. Y esta evolución, salvo en
casos excepcionales, se ha comenzado a analizar a partir del primer
año de experiencia docente. Por una parte tenemos aquellos estudios
que intentan comprender el proceso de convertirse en experto, y por
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La formación docente en la sociedad del conocimiento y la información
otro aquellos estudios que analizan qué hacen y qué caracteriza a los
profesores expertos. Dentro de estos estudios ha sido clásico el contraste entre los profesores expertos y principiantes. Hay que señalar
que cuando hablamos del profesor experto nos referimos no sólo a un
profesor con, al menos, cinco años de experiencia docente, sino sobre
todo a una persona con un “elevado nivel de conocimiento y destreza,
cosa que no se adquiere de forma natural, sino que requiere una
dedicación especial y constante” (Bereiter & Scardamalia, 1986, p. 10).
Así, la competencia profesional del profesor experto no se consigue a
través del mero transcurrir de los años. No es totalmente cierto, como
señala Berliner, que la simple experiencia sea el mejor profesor. Si no se
reflexiona sobre la conducta no se llegará a conseguir un pensamiento y
conducta experta (BERLINER, 1986).
Según Bereiter y Scardamalia (1986), los sujetos expertos -en
cualquiera de las áreas- tienen en común las siguientes características:
complejidad de las destrezas, es decir, el experto realiza sus acciones
apoyándose en una estructura diferente y más compleja que la del principiante, ejerciendo un control voluntario y estratégico sobre las partes
del proceso, que se desarrolla más automáticamente en el caso del principiante. En segundo lugar, figura la cantidad de conocimiento que el
experto posee en relación al principiante, que posee menos
conocimientos. En tercer lugar señalan la estructura del conocimiento.
Para Bereiter y Scardamalia,
los principiantes tienden a tener lo que podemos describir como
una estructura de conocimiento ‘superficial’, unas pocas ideas
generales y un conjunto de detalles conectados con la idea general, pero no entre sí. Los expertos, por otra parte, tienen una
estructura de conocimiento profunda y multinivel, con muchas
conexiones inter e intranivel. (1986, p. 12).
La última característica que diferencia a expertos de principiantes es la representación de los problemas: el sujeto experto atiende a la
estructura abstracta del problema y utiliza una variedad de tipos de
problemas almacenados en su memoria. Los principiantes, por el contrario están influidos por el contenido concreto del problema y, por
tanto, tienen dificultades para representarlo de forma abstracta (MARCELO, 1999b).
Conocemos por lo tanto que los profesores expertos notan e
identifican las características de problemas y situaciones que pueden
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escapar la atención de los principiantes. El conocimiento experto consiste en mucho más que un listado de hechos desconectados acerca de
determinada disciplina. Por el contrario, su conocimiento está conectado
y organizado en torno a ideas importantes acerca de sus disciplinas.
Esta organización del conocimiento ayuda a los expertos a saber cuándo,
porqué, y cómo utilizar el vasto conocimiento que poseen en una
situación particular.
Bransford, Derry, Berliner, & Hammersness (2005) han planteado
la necesidad de establecer una diferencia entre el “experto rutinario” y
el “experto adaptativo” Ambos son expertos que siguen aprendiendo a
lo largo de sus vidas. El experto rutinario desarrolla un conjunto de
competencias que aplica a lo largo de su vida cada vez con mayor
eficiencia. Por el contrario, el experto adaptativo tiene mayor disposición
a cambiar sus competencias para profundizarlas y ampliarlas continuamente. Estos autores plantean una idea que desde mi punto de vista
es bien interesante de cara a entender el proceso de inserción profesional
y como consecuencia programar acciones formativas para los profesores
principiantes.
EL CONOCIMIENTO Y LAS CREENCIAS SE CONSTRUYEN
Hemos constatado tanto por las investigaciones desarrolladas
como por la experiencia práctica que los profesores, al igual que otras
personas orientan su conducta a partir del conocimiento y creencias
que poseen. Y este conocimiento y creencias se empieza a construir
mucho antes que el profesor en formación decida dedicarse
profesionalmente a la enseñanza. Estos conocimientos y creencias que
los profesores en formación traen consigo cuando inician su formación
inicial afectan de una manera directa a la interpretación y valoración
que los profesores hacen de las experiencias de formación del
profesorado. Esta modalidad de “aprender a enseñar” se produce a
través de lo que se ha denominado “aprendizaje por la observación”.
Aprendizaje que en muchas ocasiones no se produce de manera intencionada, sino que se va adentrando en las estructuras de cognitivas -y
emocionales- de los futuros profesores de manera inconsciente, llegando
a crear expectativas y creencias difíciles de remover.
Pero al igual que desarrollamos conocimientos y creencias
generales acerca de la enseñanza, de los alumnos, la escuela o el profesor,
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La formación docente en la sociedad del conocimiento y la información
la materia que enseñamos o pretendemos enseñar no se queda al margen
de nuestras concepciones. La forma como conocemos una determinada
disciplina o área curricular afecta a cómo la enseñamos. Existen
múltiples evidencias que nos muestran ciertos “arquetipos” que los
profesores en formación tienen sobre la disciplina que estudian, ya sea
ésta matemáticas, lengua o educación física. Preguntas como ¿qué son
y para qué sirven las matemáticas, lengua, educación física, etc.? Son
necesarias de plantear cuando pretendemos “partir de lo que el alumno
ya sabe”. Tomando el contenido que se enseña y se aprende como argumento de la indagación, podemos encontrar diferencias en el
comportamiento observable de profesores en función del dominio que
posean del contenido que enseñan. Existen múltiples ejemplos de
investigaciones que muestran que poseer un dominio profundo de una
disciplina lleva a una actividad docente más centrada en problemas,
con mayor participación de los alumnos, menores digresiones y preguntas
de alto orden cognitivo.
Junto al conocimiento del contenido, aprender a enseñar supone
adquirir conocimiento sobre cómo se enseña la materia. Es lo que
Shulman denominó “Conocimiento Didáctico del Contenido”. El
“Conocimiento Didáctico del Contenido” aparece como un elemento
central del conocimiento del profesor. Representa la combinación
adecuada entre el conocimiento de la materia a enseñar y el conocimiento
pedagógico y didáctico referido a cómo enseñarla. En los últimos años,
se ha venido trabajando en diferentes contextos educativos para ir clarificando cuáles son los componentes y elementos de este tipo de
conocimiento profesional de la enseñanza (MARCELO, 2002a). El
“Conocimiento Didáctico del Contenido” nos dirige a un debate con
relación a la forma de organización, de representación, del conocimiento
a través de analogías y metáforas. Plantea la necesidad de que los
profesores en formación adquieran un conocimiento experto del contenido
a enseñar, para que puedan desarrollar una enseñanza que propicie la
comprensión de los alumnos.
La preocupación por el conocimiento como objeto de trabajo e
indagación en la formación inicial del profesorado nos está conduciendo
a cuestionarnos qué conocimiento es más relevante para aprender a
enseñar, así como la manera en que organizamos los procesos de aprender a enseñar. Fernstermacher (1994) se preguntaba acerca de la calidad
y validez epistémica del conocimiento pedagógico y didáctico, práctico
y personal, que se ha venido generando en torno a la investigación
sobre aprender a enseñar. No vamos a incidir en sus argumentos. Sin
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embargo, un hallazgo importante -aunque pueda resultar nimio- es que
los profesores, ya sean experimentados o en formación interpretan las
situaciones de enseñanza a través de las lentes que les proporcionan
sus conocimientos e ideas previas. A la luz de esta afirmación, Putnam
y Borko llegan a afirmar que “para la formación inicial ello significa la
necesidad de atender adecuadamente al conocimiento y creencias que
los profesores en formación traen consigo, creencias y conocimientos
adquiridos a lo largo de su propia experiencia como estudiantes”. (1998,
p. 1236).
A este respecto, uno de los dilemas aun no resueltos en la
formación inicial del profesorado es el que se establece entre considerar
que el conocimiento que los profesores necesitan básicamente es disciplinar y aquellos que optan por la necesidad de dar mayor énfasis al
conocimiento pedagógico y práctico. Bereiter (2002) plantea que en el
debate sobre el currículo de la formación del profesorado, hoy en día
cobra mucho más sentido recoger las propuestas que se han venido
haciendo desde el movimiento que se ha denominado como “Enseñanza
para la comprensión” (STONE WISKE, 1999). Este movimiento entronca
con la línea de investigación sobre conocimiento didáctico del contenido
y merecería una mirada más atenta en la formación del profesorado.
EL CONOCIMIENTO SE CONSTRUYE EN INTERACCIÓN
SOCIAL
Por otra parte, se ha venido entendiendo que la formación y el
aprendizaje del profesor pueden producirse, como hasta ahora hemos
comentado, de forma relativamente autónoma y personal. Pero poco a
poco ha ido ganando terreno las teorías que entienden la formación
como un proceso que ocurre no de forma aislada sino dentro de un
espacio intersubjetivo y social. Así, ha ido avanzando la idea de que
aprender a enseñar no debería entenderse sólo como un fenómeno aislado,
sino básicamente como una experiencia que ocurre en interacción con
un contexto o ambiente con el que el individuo interacciona. Es la tesis
del enfoque sociocultural del aprendizaje que establece que la actividad
cognitiva del individuo no puede estudiarse sin tener en cuenta los
contextos relacionales, sociales y culturales en que se lleva a cabo.
Está resultando de gran interés y proyección este enfoque, puesto
que pone de manifiesto que la unidad de análisis del proceso de aprenOlhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 63-90, 2007.
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La formación docente en la sociedad del conocimiento y la información
der a enseñar son los procesos de interacción social, llamando la atención
al análisis conversacional. Así, los grupos sociales crean lo que se ha
venido en llamar “comunidades discursivas” que comparten formas de
pensar y de comunicarse. Comunidades que establecen redes y que sirven
para compartir, intercambiar, situarse en el mundo, recibir apoyo, etc.
Las comunidades de aprendizaje organizadas en torno a redes
presenciales o virtuales están configurando una alternativa muy
interesante a los programas tradicionales de formación.
EL CONOCIMIENTO TIENE UN CARÁCTER SITUADO
Completando la idea anterior, se ha venido avanzando en entender que el conocimiento en general y el pedagógico en particular no
puede comprenderse al margen del contexto en el que surge y al que se
aplica. McLellan (1996) afirma que “el modelo de conocimiento situado se basa en el principio de que el conocimiento está situado
contextualmente, y está influido fundamentalmente por la actividad, el
contexto y la cultura en la que se utiliza” (1996, p. 6). No cabe, por
tanto, diferenciar de manera radical el conocimiento que se adquiere y
el contexto en el que ese conocimiento se utiliza, de forma que el
conocimiento sobre la enseñanza no puede aprenderse de forma
independiente de las situaciones en las que éste se utiliza. Como
consecuencia de entender el conocimiento de manera contextualizada
se nos plantea con dureza la pregunta de ¿qué utilidad tiene para la
formación inicial del profesorado un conocimiento expresado de forma
proposicional, sin vínculos con la situación o contexto donde pueda
contrastarse o aplicarse?
Hablamos por tanto de la capacidad de transferencia de
aprendizaje que nuestros profesores en formación tienen de los
conocimientos que la institución de formación considera básicos para
aprender a enseñar. También nos plantea la necesidad de revisar la
forma como se presenta, comunica y construye ese conocimiento. En
este sentido hemos avanzado en incorporar en nuestros programas de
formación de profesorado múltiples ocasiones a través de las cuales los
profesores o futuros profesores pueden reflexionar sobre la enseñanza a
partir del análisis de situaciones reales o simuladas. Por otra parte, la
incorporación de la metodología del caso ha supuesto todo un esfuerzo
por traer a las aulas de formación segmentos de la realidad de la
enseñanza para que puedan ser analizados y valorados.
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EL CONOCIMIENTO ESTÁ DISTRIBUIDO
Una última característica del conocimiento que caracteriza el
aprender a enseñar, es que no reside en una sola persona, sino que está
distribuido, entre individuos, grupos y ambientes simbólicos y físicos
(PUTNAM; BORKO, 1998). Se asume la idea de que para el desarrollo
de tareas complejas, y aprender a enseñar evidentemente lo es, ninguna
persona posee la totalidad de conocimientos y habilidades de forma
individual.
Admitir este principio nos lleva a entender que es el trabajo en
equipo lo que conduce a un mejor uso del conocimiento, lo que lleva a
mejorar la capacidad de resolución de problemas. Como Senge plantea
en su sugerente libro titulado “La Quinta Disciplina”:
Ya no basta con tener una persona que aprenda para la
organización... Ya no es posible “otear el panorama” y ordenar a
los demás que sigan las órdenes del “gran estratega”. Las
organizaciones que cobrarán relevancia en el futuro serán las que
descubran cómo aprovechar el entusiasmo y la capacidad de
aprendizaje de la gente en todos los niveles de la organización.
(SENGE, 1992).
La idea del conocimiento distribuido se ha visto impulsada por
el impacto de las Nuevas Tecnologías, principalmente Internet. La
posibilidad de que los profesores puedan acceder a conocimientos y
contactos personales con profesores distantes geográficamente, la
posibilidad de pertenencia a “comunidades virtuales” está ampliando
las posibilidades de lo que se entiende por aprender a enseñar.
LA FORMACIÓN DEL PROFESORADO EN LA SOCIEDAD DEL
CONOCIMIENTO: TEMAS PENDIENTES
A pesar de los avances que hemos intentado destacar en el
epígrafe anterior, quedan pendientes algunos “temas” que parecen estar marcados a sangre y fuego en la realidad y práctica de la formación
del profesorado. Vamos a comentar brevemente cuáles son estos temas
que desde mi punto de vista necesitan un esfuerzo adicional. Y presento
estos temas pendientes en la necesidad de superar un cierto número de
yuxtaposiciones o dicotomías:
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La formación docente en la sociedad del conocimiento y la información
Universidad y escuela: la laguna de los dos mundos
Ya Feiman y Buchman (1988) llamaron la atención en relación
con esta yuxtaposición. Se referían al divorcio que existe en la formación
inicial según la cual, suele ocurrir que los estudiantes perciben que
tanto los conocimientos, como las normas de actuación en la Institución
de Formación, tienen poco que ver con los conocimientos y prácticas
profesionales. En este caso los estudiantes suelen deslumbrarse por la
realidad, y cuando se reincorporan de nuevo a la actividad académica,
comienzan a desechar, por considerarla menos importante, la necesidad
de ciertos conocimientos que fundamenten el trabajo práctico.
Formadores de profesores universitarios y profesores
supervisores de aula
Derivada de la laguna de los dos mundos sigue constatándose
una enorme distancia y falta de diálogo y compromiso compartido entre los principales formadores que influyen en los profesores en formación:
los formadores universitarios y los profesores de aula (supervisores,
colaboradores, tutores o mentores). Como mostramos en otro trabajo
(Marcelo & Estebaranz, 1998), las relaciones entre formadores
universitarios y escolares pueden ser variadas pero predominan los
modelos que podríamos denominar “cada cual en lo suyo”. Si queremos
mejorar la formación inicial del profesorado debemos hacer que haya
una mayor coincidencia entre los modelos y prácticas docentes que se
les presentan a los profesores en formación.
Conocimiento disciplinar y conocimiento pedagógico
Esta yuxtaposición es también tradicional. La respuesta a la
pregunta ¿cuál es el conocimiento que los profesores deben de poseer?
no ha tenido ni tiene una única respuesta. Para muchos sistemas
educativos lo importante es que los profesores conozcan la materia que
enseñan. Esta afirmación con la que difícilmente podríamos estar en
desacuerdo tiene sus puntos oscuros. ¿Hablamos de almacenar
información o de comprender en profundidad?
Una línea de investigación y práctica ha venido a ofrecer algunos
puentes significativos entre ambos elementos: me refiero a los trabajos
sobre “Conocimiento Didáctico del Contenido” al que me he referido an-
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teriormente. El Conocimiento del Contenido incluye diferentes componentes, de los cuales dos son los más representativos: conocimiento
sintáctico y sustantivo. El Conocimiento Sustantivo se constituye con
la información, las ideas y los tópicos a conocer, es decir, el cuerpo de
conocimientos generales de una materia, los conceptos específicos,
definiciones, convenciones, y procedimientos. Este conocimiento es
importante en la medida en que determina lo que los profesores van a
enseñar y desde qué perspectiva lo harán. El Conocimiento Didáctico
del Contenido aparece como un elemento central de los saberes del
formador. Representa la combinación adecuada entre el conocimiento
de la materia a enseñar y el conocimiento pedagógico y didáctico referido a cómo enseñarla. En los últimos años, se ha venido trabajando en
diferentes contextos educativos para clarificar cuáles son los componentes de este tipo de conocimiento profesional de la enseñanza. El
Conocimiento Didáctico del Contenido, como línea de investigación,
representa la confluencia de esfuerzos de investigadores didácticos con
investigadores de materias específicas preocupados por la formación
del profesorado. El Conocimiento Didáctico del Contenido nos dirige a
un debate en relación con la forma de organización y de representación
del conocimiento, a través de analogías y metáforas. Plantea la necesidad
de que los profesores en formación adquieran un conocimiento experto
del contenido a enseñar, para que puedan desarrollar una enseñanza
que propicie la comprensión de los alumnos.
Teoría y práctica: desvalorización de la teoría y adoración de la
práctica
Quizás como resultado de un movimiento pendular, se ha
producido en la formación del profesorado una inclinación, desde mi
punto de vista excesiva, hacia lo que se ha considerado como “la
práctica”, asumiendo que es el contacto con la práctica el que hace al
profesor. De esta forma, cualquier aproximación que pretenda ayudar a
conceptuar y comprender al profesorado las experiencias y la
complejidad del acto de enseñar se rechaza como “teórico”. Decía
Perkins que “comprender es la habilidad de pensar y actuar con
flexibilidad a partir de lo que uno ya sabe”. (1999, p. 70). Para
ayudar a los profesores a comprender qué ocurre en el aula y las
razones de la conducta de los alumnos y de los formadores se
requieren marcos conceptuales necesarios para que cada profesor
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La formación docente en la sociedad del conocimiento y la información
desarrolle su propia identidad. Otra cosa es asumir la práctica como
un valor en sí mismo, algo que creo no ayuda a mejorar la formación
del profesorado.
Cochran-Smith y Lytle (1999), han reflexionado sobre las relaciones entre conocimiento y práctica en la formación del profesorado
y nos plantean que las cosas pueden tener diferentes puntos de vista.
Así, diferencian entre: Conocimiento para la práctica: Esta primera
concepción entiende en que la relación entre conocimiento y práctica
es aquella en que el conocimiento sirve para organizar la práctica, y
por ello, conocer más (contenidos, teorías educativas, estrategias
instruccionales) conduce de forma más o menos directa a una práctica
más eficaz. El conocimiento para enseñar es un conocimiento formal,
que se deriva de la investigación universitaria, y es al que se refieren
los teóricos cuando se habla de que la enseñanza ha generado un
cuerpo de conocimiento diferente al conocimiento común. La práctica,
desde esta perspectiva, tiene mucho que ver con la aplicación del
conocimiento formal a las situaciones prácticas.
Por otra parte, el Conocimiento en la práctica pone el énfasis de
la investigación sobre aprender a enseñar ha sido la búsqueda del
conocimiento en la acción. Se ha estimado que lo que los profesores
conocen está implícito en la práctica, en la reflexión sobre la práctica,
en la indagación práctica y en la narrativa de esa práctica. Un supuesto
de esta tendencia es que la enseñanza es una actividad incierta y
espontánea, contextualizada y construido en respuesta a las particularidades de la vida diaria en las escuelas y las clases. El conocimiento
está situado en la acción, en las decisiones y juicios que toman los
profesores. Este conocimiento se adquiere mediante la experiencia y la
deliberación y los profesores aprenden cuando tienen oportunidad de
reflexionar sobre lo que hacen.
Por último, el Conocimiento de la práctica se incluye dentro de
la línea de investigación cualitativa, pero cercana al movimiento denominado del profesor como investigador. La idea de la que parte es
que en la enseñanza no tiene sentido hablar de un conocimiento formal y otro conocimiento práctico, sino que el conocimiento se construye
colectivamente dentro de comunidades locales, formadas por profesores
trabajando en proyectos de desarrollo de la escuela, de formación o de
indagación colaborativa (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999).
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Carlos Marcelo Garcia
Tradición e innovación
¿Mantener las esencias o cambiar? Un buen dilema que observamos siempre que analizamos una reforma en los planes y programas de formación del profesorado. Podemos decir que gran parte de
las reformas que se han ido introduciendo en la formación inicial del
profesorado se han movido más en el terreno de la tradición que de
la innovación. Las experiencias innovadoras en formación de
profesores, especialmente en formación inicial suelen ser ocasionales
y su duración en el tiempo está limitada a la persistencia de los
recursos o las personas que la han puesto en marcha. Si como decía
Bereiter (2002) la innovación la fuerza que impulsa a la sociedad del
conocimiento, ésta debería de estar presente en unas instituciones
llamadas a formar a los profesionales del conocimiento que son los
docentes.
Homogeneidad y diversidad: profesores homogéneos para un
alumnado diverso
Uno de los grandes cambios que se están produciendo en
nuestras sociedades es el aumento de la movilidad e inmigración.
Los países europeos están recibiendo una gran cantidad de personas
procedentes de otros continentes. Estos cambios demográficos están
teniendo ya una presencia evidente en nuestras escuelas. Hay clases
en las que es fácil encontrar alumnos de diez países diferentes. Es ésta
una nueva realidad para la que el profesorado no se encuentra preparado. Una de las críticas a los programas de formación del profesorado
es su escasa adaptación a los cambios que se producen en relación
con la diversidad de los estudiantes en las aulas. De manera gráfica,
Ladson-Billing afirmaba que “se sigue formando a los profesores para
enseñar en escuelas ideales con niños blancos, monolingües, de clase
media y de familias con dos padres” (1998, p. 87). A esta crítica se
unen Grant y Wieczorek (2000) al destacar la ausencia de un análisis
crítico sobre los aspectos y condicionamientos sociales del
conocimiento, que pueden encontrarse en temas como la raza, clase
social, género y poder, así como los elementos históricos y políticos
ligados a la producción de conocimiento. La diversidad es una realidad
que debe entrar en la formación del profesorado para ayudar a los
docentes en formación, así como en ejercicio a enfrentar su tarea de
una forma más positiva.
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La formación docente en la sociedad del conocimiento y la información
Enseñanza y aprendizaje
“Yo enseño pero los alumnos no aprenden”. Éste vendría a ser
el resumen de la situación por la que atraviesan muchos profesores.
Quizás la formación del profesorado, así como la investigación, se ha
centrado tradicionalmente en la figura del profesor en interacción con
un grupo más o menos numeroso de alumnos intentando transmitirles
conocimiento de manera oral. Ya sé que ésta es una imagen demasiado radical pero me sirve para plantear que “en la sociedad del
conocimiento” debemos de prestar atención no sólo a lo que los
profesores hacen, sino a lo que los alumnos aprenden. La apuesta por
una enseñanza centrada en la actividad de aprendizaje de los alumnos
tiene sus fundamentos científicos. Duffy, Dueber y Hawley (1998, p.
51) afirmaban que
Existe actualmente un movimiento muy fuerte en educación que
se aleja del modelo didáctico predominante y que se encamina
hacia un modelo centrado en el que aprende, donde las
actividades de aprendizaje implican a los alumnos en la
indagación y resolución de problemas, normalmente en un
espacio colaborativo”.
Estamos avanzando rápidamente modelos de aprendizaje alternativos que desde un punto de vista genérico se denominan como
constructivistas en los que el énfasis se sitúa en la orientación y apoyo
a los estudiantes en la medida en que éstos aprenden a construir su
conocimiento y comprensión de la cultura y la comunidad a la que
pertenecen (BONK; CUNNINGHAM, 1998). El concepto de ambientes de aprendizaje constructivistas ha ido ganando terreno entre las
personas que nos dedicamos al diseño de acciones de enseñanza y
formación a través de Internet. Wilson (1996, p. 3) decía que
Un ambiente de aprendizaje es un lugar donde las personas
pueden utilizar recursos para dar sentido a cosas y a soluciones significativas a problemas. Al añadir el término
constructivista al final se pone énfasis en la importancia de lo
significativo, de actividades auténticas que ayuden a los
alumnos a construir conocimiento y desarrollar destrezas relevantes para resolver problema.
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Carlos Marcelo Garcia
De esta manera, pensar y utilizar el concepto de “Ambiente de
Aprendizaje” como metáfora supone en un espacio donde ocurre el
aprendizaje. Un espacio que puede ser real o virtual, pero en cualquiera
de las situaciones debería atender de manera especial a la persona
que aprende, la situación o espacio donde actúa, interacciona y aprende
el alumno, y la utilización de herramientas y medios que faciliten el
aprendizaje. Otra forma de definirlo sería: “un lugar donde los alumnos
pueden trabajar juntos y apoyarse unos a otros en la medida en que
utilizan una variedad de herramientas y recursos de información en
su búsqueda de objetivos de aprendizaje y en la realización de
actividades de resolución de problemas”. (WILSON, 1996).
Formación inicial y formación continua
¿Qué decir del divorcio entre la formación inicial y la formación
continua? ¿Qué hay de ese eslabón perdido que representan los programas de inserción profesional (inducción) para los profesores principiantes? La inserción profesional en la enseñanza, es el periodo de tiempo
que abarca los primeros años, en los cuales los profesores han de realizar la transición desde estudiantes a profesores. Es un periodo de
tensiones y aprendizajes intensivos en contextos generalmente
desconocidos y durante el cual los profesores principiantes deben adquirir conocimiento profesional además de conseguir mantener un cierto
equilibrio personal. Es éste el concepto de inserción que asume Vonk,
autor holandés con una década de investigaciones centradas en éste
ámbito: “definimos la inserción como la transición desde profesor en
formación hasta llegar a ser un profesional autónomo. La inserción se
puede entender mejor como una parte de un continuo en el proceso de
desarrollo profesional de los profesores” (1996, p. 115).
Conviene insistir en esta idea de que el periodo de inserción es
un periodo diferenciado en el camino de convertirse en profesor. No es
un salto en el vacío entre la formación inicial y la formación continua
sino que tiene un carácter distintivo y determinante para conseguir
un desarrollo profesional coherente y evolutivo (BRITTON, PAINE,
PIMM; RAIZEN, 2002). El periodo de inserción y las actividades
propias que le acompañan varían mucho entre los países. En algunos
casos se reducen a actividades burocráticas y formales. En otros casos, como veremos más adelante configuran toda una propuesta de
programa de formación cuya intención es asegurar que los profesores
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La formación docente en la sociedad del conocimiento y la información
entren en la enseñanza acompañados por otros que pueden ayudarle.
Los profesores principiantes tienen, según Feiman (2001) dos
tareas que cumplir: deben enseñar y deben aprender a enseñar.
Independientemente de la calidad del programa de formación inicial
que hayan cursado, hay algunas cosas que sólo se aprenden en la
práctica y ello repercute en que este primer año sea un año de
supervivencia, descubrimiento, adaptación, aprendizaje y transición.
Las principales tareas con que se enfrentan los profesores principiantes son: adquirir conocimientos sobre los estudiantes, el currículo y el
contexto escolar; diseñar adecuadamente el currículo y la enseñanza;
comenzar a desarrollar un repertorio docente que les permita sobrevivir
como profesor; crear una comunidad de aprendizaje en el aula, y continuar desarrollando una identidad profesional. Y el problema es que
esto deben hacerlo en general cargados con las mismas responsabilidades que los profesores más experimentados (MARCELO, 1999a).
El periodo de inserción profesional se configura como un momento importante en la trayectoria del futuro profesor. Un periodo
importante porque los profesores deben realizar la transición de
estudiantes a profesores, por ello surgen dudas, tensiones, debiendo
adquirir un adecuado conocimiento y competencia profesional en un
breve período de tiempo. En este primer año los profesores son principiantes, y en muchos casos, incluso en su segundo y tercer año pueden
todavía estar luchando para establecer su propia identidad personal
y profesional. Atender a los profesores principiantes resulta fundamental para poder tener la esperanza de que el profesorado asume el
aprendizaje a lo largo de la vida como un compromiso profesional.
Aprendizaje formal e informal
Si algo caracteriza a la sociedad del conocimiento es la
accesibilidad de éste a todos los ciudadanos. Pero el conocimiento no
tiene igual reconocimiento por la sociedad dependiendo de donde éste
proceda. Antes hablábamos de la dicotomía entre teoría y práctica y
ahora podemos hablar de aprendizaje formal e informal. El aprendizaje
informal es un tipo de aprendizaje que contrasta con el aprendizaje
formal. Hager (2001) establece las diferencias en los siguientes términos:
El formador controla el aprendizaje formal mientras que es el
alumno el que controla el aprendizaje informal: el aprendizaje formal
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Carlos Marcelo Garcia
se planifica mientras que el informal no.
El aprendizaje formal se desarrolla en instituciones educativas,
en el trabajo y es ampliamente predecible. El aprendizaje informal no
es predecible y no posee un currículo formal.
Tanto en las instituciones educativas como en la formación, el
aprendizaje es explícito: se espera que el que ha asistido a formación
sea capaz de demostrarlo mediante exámenes escritos, respuestas
orales, etc. El aprendizaje informal generalmente es implícito, y en
general el aprendiz no es consciente de lo que sabe, aunque sea consciente de los resultados de ese aprendizaje.
En el aprendizaje formal se pone énfasis en la enseñanza, en el
contenido y la estructura de lo que va a ser enseñado, mientras que en
el aprendizaje informal el énfasis es en el que aprende.
En el aprendizaje informal el énfasis recae en los alumnos como
individuos o en el aprendizaje individual, mientras que el aprendizaje
informal a menudo es colaborativo.
El aprendizaje formal es descontextualizado, mientras que el
aprendizaje informal es de naturaleza contextualizada
El aprendizaje formal toma forma en términos de teoría (o
conocimiento) y después práctica (aplicación de la teoría), mientras
que el aprendizaje informal tiene que ver más con conocer cómo se
hacen las cosas.
Nos ha llamando la atención a partir de la lectura del sugerente
libro que sobre la Ética del Hacker ha publicado el filósofo finlandés
Pekka Himanen (2001). Para este autor, el paradigma del aprendizaje
en la sociedad del conocimiento tiene mucho que ver con la forma
como los hackers aprenden. Recordemos que nos referimos al hacker
como una persona con conocimientos informáticos y que desarrolla
por sí mismo y en colaboración con otros, alternativas y desarrollos
informáticos que desafían claramente a las grandes firmas comerciales
de este sector.
Pues bien, plantea Himanen, tomando como ejemplo a Linus
Torval, autor del sistema operativo Linux, que el aprendizaje, en la
sociedad del conocimiento, tiene que estar asociado con la pasión,
con el interés por lo desconocido, por las preguntas más que por las
respuestas, por el apoyo de otros que conocen, por la resolución de
problemas de manera colaborativa. Ese modelo de aprendizaje en el
que lo que agrupa a las personas que aprenden no es la edad sino el
problema a resolver, algo parecido a la Academia de Platón. Pero,
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La formación docente en la sociedad del conocimiento y la información
como comenta Himanen, “La ironía es que la actual academia tiende
a reproducir la estructura de aprendizaje emisor-receptor propia de
los monasterios. La ironía generalmente se amplía cuando la academia construye una ‘universidad virtual’: el resultado es una escuela
monacal computerizada”. (2001, p. 76).
Aislamiento en el aula y la sociedad en red
Hoy día convivimos con un nuevo dilema: si por una parte gran
parte del profesorado tiene la oportunidad de acceder a fuentes de
conocimiento, materiales, experiencias, así como implicarse en redes
de profesores (Marcelo, 2002b), se sigue manteniendo en las aulas un
de los principios de la cultura profesional docente: el aislamiento. El
desarrollo y generalización de redes de profesores, la posibilidad de
aprender con otros a la distancia, la creación de escenarios abiertos y
distribuidos que actualmente están siendo posibles gracias a las nuevas
tecnologías de la información y la comunicación, están facilitando la
visibilidad de esa forma de aprendizaje que hemos llamando informal. Y este hecho está removiendo los tranquilos cimientos de las
instituciones formales de acreditación.
9 PARA CONCLUIR
¿Vemos el vaso medio lleno o medio vacío? Hay razones a favor
de cualquiera de las opciones. Podemos tener la sensación de que
vamos avanzando en el conocimiento sobre el aprender a enseñar,
pero si miramos a nuestro alrededor vemos que muchas de las prácticas
más tradicionales permanecen. Me llamó mucho la atención un artículo de Labaree (1998, p. 9) en el que, después de analizar el tipo de
conocimiento sobre el que trabajamos los investigadores educativos,
concluía con una frase que me permito reproducir. Decía que
Un problema que el conocimiento educativo plantea a aquellos
que buscan producirlo es que a menudo les deja con la sensación
de estar perpetuamente luchando por avanzar hacia ninguna
parte. Si Sísifo fuera universitario, su campo sería la educación.
Al final de una larga y distinguida carrera, muchos investigadores en edad de jubilación suelen encontrar que aún se
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 63-90, 2007.
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Carlos Marcelo Garcia
encuentran trabajando en los mismos problemas que abordaban
al comienzo de su carrera.
No es que uno se encuentre ya al final de su carrera, pero sí que
cuenta con el tiempo suficiente como para comprobar que muchos de
los temas que configuran la agenda de la reforma de la formación del
profesorado siguen estando presentes, como si el tiempo, las
investigaciones o la práctica no hubiera permitido generar avances
sustanciales. Esos temas nos siguen resultando familiares. ¿Será que
tiene que ser así?
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Maria Elizabete Souza Couto & Emília Freitas de Lima
APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA EM CURSO A
DISTÂNCIA: A VERSÃO DOS PROFESSORES*
LEARNING TO TEACH IN A DISTANCE
COURSE: TEACHER’S OPINIONS
Maria Elizabete Souza COUTO**
Emília Freitas de LIMA***
Resumo: Este trabalho analisa as aprendizagens da docência
possibilitadas por experiências de formação continuada na
modalidade a distância em uma pesquisa já realizada. Utilizamos como instrumento de coleta de dados entrevistas
semi-estruturadas para captar as aprendizagens docentes.
Os sujeitos da pesquisa foram dez professores da Educação
Básica na rede pública de ensino que concluíram a 1ª. turma do curso TV na Escola e os Desafios de Hoje, nos municípios de Ilhéus e Itabuna-Ba. Os materiais de estudo no
curso (três módulos impressos e os vídeos veiculados pela
TV Escola) foram distribuídos pela Secretaria de Educação
a Distância/SEED/MEC. Os dados demonstraram que as
aprendizagens dos professores cursistas transitam entre o
aprender utilizar as tecnologias em sala de aula, enfocando
o caráter técnico e operacional, e a retomada com os saberes
da formação profissional, das disciplinas de ensino e da
experiência, os quais proporcionaram um saber-ver, saberler, saber-ensinar, saber-aprender e saber-fazer referentes ao
processo formativo. A sala de aula foi enfatizada como local
de aprendizagem da docência a partir dos saberes da experiência, da disciplina e o saber lidar com as tecnologias em
sala de aula para fazer a mediação entre os conteúdos aprendidos e ensinados.
* Este artigo é parte da tese de doutorado, defendida em março de 2005, orientada pela profa. Dra.
Emília Freitas de Lima. Apoio Financeiro CAPES/PICDT.
** Pedagoga. Mestre em Educação pela UESC. Doutora em Educação pela UFSCar. Professora da
Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC. E-mail: [email protected]
** Pedagoga. Mestre em Educação pela PUC-RJ. Doutora em Educação pela UFSCar. Professora da
Universidade Federal de São Carlos. E-mail: [email protected]
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Aprendizagem da docência em curso a distância: a versão dos professores
Palavras-chave: Formação de professores. Aprendizagem da
docência. Educação a distância.
Abstract: This work analyzes the learning that took place
through the experiences of continuing education in the
modality of distance education. The instruments used for
data collection included semi-structured interviews. The
subjects of the research were 10 teachers of Basic Education
that completed the course ‘TV na Escola e os Desafios de
Hoje’ in the towns of Ilhéus and Itabuna-Ba. The study
materials in the course (3 printed modules and the videos
transmitted by TV Escola) were distributed by the Secretaria de Educação a Distância/SEED/MEC. The data
demonstrated that teachers´ learning included the use of
technologies in classroom, focusing the technical and
operational aspects, and the articulation with the
knowledge about the professional formation, of the teaching
disciplines and of the experience, which provided a way of
seeing, of reading, of teaching, of learning and a way of
doing regarding the formative process. The classroom was
emphasized as place of learning to teach starting from
teachers´ experiential knowledge, the discipline and
knowing to work with the technologies in classroom to
mediate the contents learned and taught.
Keywords: Teacher education. Learning to teach. Distance
education.
INTRODUÇÃO
[…] os saberes profissionais são saberes da ação
Ou ainda, usando uma expressão que preferimos,
Saberes do trabalho, saberes no trabalho [...]
Tardif, 2000
Este trabalho faz parte de uma pesquisa realizada anteriormente com o objetivo de analisar as aprendizagens da docência possibilitadas por experiências de formação continuada na modalidade a distância. A relevância do estudo é marcada pela escassez de trabalhos
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 91-111, 2007.
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Maria Elizabete Souza Couto & Emília Freitas de Lima
que estudam a aprendizagem da docência em cursos de formação continuada que fazem parte do conjunto das políticas públicas, via educação a distância. Alguns pesquisadores já estudaram os referidos cursos, coordenados pela Secretaria da Educação a Distância/SEED/MEC;
entretanto, o objeto de estudo pautava-se em analisá-los como “peças”
das políticas públicas de formação de professores, sendo a aprendizagem e trajetória docente dos professores ainda uma “zona de sombra”.
A docência põe em evidência uma diversidade de saberes, os
quais envolvem os conhecimentos da matéria de ensino, as competências, as habilidades, o saber-fazer, o conhecimento pedagógico do conteúdo, o conhecimento da formação docente e a sabedoria da prática em
um contexto mais amplo. Este trabalho pretende discutir quais são as
aprendizagens da docência possibilitadas pelo curso de formação continuada por meio da EAD, intitulado TV na Escola e os Desafios de Hoje,
na tentativa de apreender as aprendizagens da docência dos professores que concluíram a 1ª. turma.
APRENDIZAGEM E SABERES DOCENTES: UM CONTINUUM
A trajetória docente é o momento de construção de saberes,
momento de vivenciar aprendizagens relacionadas aos saberes da formação, da disciplina de ensino, do currículo e da experiência, para
descobrir formas de articular saberes acadêmicos, sociais e os bens
culturais dos alunos.
Em relação à aprendizagem e aos saberes docentes, ainda há
“zonas de sombra que precisam ser desvendadas, se considerarmos os
desafios de uma escola de massa e o lugar que nela desempenha o
trabalho do professor”. (LELIS, 2001, p.43). Para elucidar a temática,
lançamos mão, na literatura internacional, das contribuições e estudos realizados por Tardif et al. (1991), Tardif & Lessard (1999) e Tardif
(2000, 2002). Na formação continuada, a articulação dos saberes dos
professores, dos alunos, da comunidade e as informações veiculadas
pelos meios de comunicação fortalecem a docência nas situações simples e complexas que ocorrem em sala de aula, “caracterizada por
uma multidimensionalidade, simultaneidade de eventos,
imprevisibilidade, imediaticidade e unicidade. [...]. Eventos inesperados e interrupções variadas podem, por sua vez, mudar igualmente a
condução do processo instrucional”. (MIZUKAMI, 1996, p.64).
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Aprendizagem da docência em curso a distância: a versão dos professores
A trajetória docente é marcada por saberes que os professores
mobilizam e constroem no seu trabalho cotidiano para desempenhar
suas tarefas. Para Tardif e Lessard (1999), o saber docente é plural
(oriundo de fontes diversas, reunindo saberes diferentes e heterogêneos). É também temporal (inscreve-se no tempo, está vinculado às etapas de carreira docente, mesmo antes da formação inicial, nas diferentes fases da vida e prática dos professores, implicando uma socialização e uma aprendizagem da profissão), composto (de diferentes naturezas que, por um lado, integram objetividade e precisão (as regras, conteúdos, avaliação), e por outro, implicam subjetividade e imprecisão (a
interpretação e o julgamento dessas regras, avaliação e conteúdos no
cotidiano da sala de aula), heterogêneo (de fontes diversificadas) e social (construído em interação com diversas fontes sociais de conhecimentos, de competências, de saber ensinar, da cultura do meio, da organização escolar, das universidades etc.). Saberes que estão relacionados a
uma “situação de trabalho com outros (alunos, colegas, pais, etc), um
saber ancorado numa tarefa complexa (ensinar), situado num espaço
de trabalho (a sala de aula, a escola), enraizado numa instituição e
numa sociedade” (TARDIF, 2002, p. 15), apoiando-se em diversas competências ao longo da docência.
Para Tardif et al (1991), podem ser classificados como saberes da
formação profissional, das disciplinas, curriculares e da experiência, e
se originam na prática cotidiana da docência em sala de aula. Não são
construídos de forma linear, como uma caixa fechada, separados uns
dos outros e do seu contexto. Fazem parte de um mesmo invólucro dos
saberes da docência, numa dimensão totalizante.
Os saberes da formação profissional (das ciências da educação e
da ideologia pedagógica) são transmitidos nos cursos de formação inicial e transformados em saberes destinados à formação científica dos
professores (TARDIF, 2000). Fornecem uma base de informações a respeito de várias facetas dos saberes da profissão e do sistema escolar,
que, na maioria das vezes, não são conhecidas pela comunidade escolar. “É um saber profissional específico que não está diretamente relacionado com a ação pedagógica, mas serve de pano de fundo tanto
para ele quanto para os outros membros de sua categoria socializados
da mesma maneira” (GAUTHIER et al., 1998, p.31).
Os saberes das disciplinas correspondem às diversas áreas de
conhecimento. Saberes de que dispõe a sociedade, que emergem da tradição cultural dos grupos sociais, e integrados nas universidades, fa-
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Maria Elizabete Souza Couto & Emília Freitas de Lima
culdades e cursos de formação de professores sob a forma de disciplinas nos cursos de formação (inicial e continuada) (TARDIF, 2001). A
docência requer os saberes da disciplina, considerando que “ensinar
exige conhecimento do conteúdo da matéria a ser transmitido, visto
que, evidentemente, não se pode ensinar algo cujo conteúdo não se
domina”. (GAUTHIER et al., 1998, p. 29).
Há nas diversas estruturas da formação a presença dos saberes
curriculares, que correspondem aos conteúdos, métodos, objetivos, a
partir dos quais a instituição escolar apresenta e organiza os saberes
sociais que selecionou para a formação acadêmica (TARDIF et al., 1991).
São apresentados sob a forma de programas escolares, que os professores aprendem e utilizam na sua prática cotidiana.
Os saberes da experiência são desenvolvidos e construídos pelo
professor no exercício da profissão, na prática, baseados no trabalho
cotidiano e no conhecimento adquirido na formação inicial. Saberes
produzidos na experiência, por ela validados, e incorporados à vivência
individual e coletiva sob a forma de competências e habilidades
(TARDIFF, 2002). Na experiência, os saberes são amalgamados. Eles
fundamentam a prática docente e só por meio dela se revelam. Um
saber que pode ser definido como um conjunto de conhecimentos
atualizados e adquiridos na prática, em um contexto constituído de
múltiplas interações, no qual a docência aparece como um processo de
aprendizagem, a partir do qual os professores retraduzem sua formação
anterior e vão ajustando às condições da profissão (TARDIF et al., 1991;
TARDIFF & LESSARD, 1999).
Os saberes da experiência começam desde a sua vida escolar,
quando aluno, com diferentes professores, e passam a integrar a identidade do professor, constituindo-se como elemento fundamental nas
práticas e decisões pedagógicas. A diversidade de saberes que envolve
os saberes da experiência é o centro da competência profissional, e ela
surge no dia-a-dia do professor. “Essa experiência torna-se então ‘a regra’ e, ao ser repetida, assume muitas vezes a forma de uma atividade
de rotina”. (GAUTHIER et al., 1998, p.33). Os saberes da experiência
não provêm diretamente das instituições formadoras ou dos programas
curriculares. São saberes plurais e compostos, fazem parte constituinte
da prática, produzidos no contexto interativo em que são desenvolvidos, atribuindo à experiência uma função particular na produção e
legitimação da competência profissional nos vários saberes: o saber da
ação, o saber da prática e o saber refletir (TARDIF & LESSARD, 1999).
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Aprendizagem da docência em curso a distância: a versão dos professores
Entretanto, apenas os saberes da experiência não bastam, e o
professor não atua sozinho. A aprendizagem da docência reside na capacidade de revelar e validar o saber da experiência dos professores
para não ficar limitado à sua prática individual, sendo a experiência
uma fonte de conhecimento e de aprendizagens. O seu valor está em
poder ser criticado, analisado, melhorado e refeito, para torná-lo mais
eficaz.
As experiências do professor são baseadas em teorias e práticas,
muitas delas aprendidas como alunos e outras, com colegas de trabalho, com leituras e discussões etc. Conscientes ou não das teorias, aprendem a tomar decisões instrucionais, a direcionar a aula, a escolher estratégias de ensino, a avaliar, a impor um ritmo de aprendizagem, a
manter a disciplina, a planejar e replanejar as aulas etc., baseando-se
em experiências diretas com as situações escolares. A ação do professor
é pessoal e particular para determinadas situações. “Sob essa perspectiva, pode-se dizer que as teorias práticas de ensino constituem o conhecimento profissional”. (MIZUKAMI et al., 2002, p.50).
Por mais que façamos um esforço para classificar e definir os
processos de aprendizagem da docência, os limites da docência “aparecem relacionados a situações concretas que não são passíveis de definições acabadas, e que exigem uma cota de improvisação e de habilidade
pessoal, bem como capacidade de enfrentar situações mais ou menos
transitórias e variáveis” (TARDIF et al., 1991, p.228). O conhecimento
da prática aparece como um processo de aprendizagem da docência,
quando os professores
[...] retraduzem sua formação e a adaptam à profissão, eliminando o que lhes parece inutilmente abstrato ou sem relação com a
realidade vivida, e conservando o que pode lhes servir de uma
maneira ou de outra. A experiência provoca assim um efeito de
retorno crítico (feed-back) aos saberes adquiridos antes ou fora
da prática profissional (id, p. 231).
A docência caracteriza-se como um continuum, uma aprendizagem plural, formada no amálgama de vários saberes, contextos e situações escolares, bem como na experiência pessoal e profissional, nos saberes das disciplinas, curriculares, da formação e da experiência. Estão
presentes em qualquer modalidade de ensino (presencial ou a distância) no momento em que os professores conseguem partilhá-los com
seus colegas a partir das informações, dos modos de fazer, organizar as
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Maria Elizabete Souza Couto & Emília Freitas de Lima
aulas e selecionar o material – livros, jogos, histórias, filmes etc. Os
professores possuem um conhecimento prático e são sujeitos do trabalho que desenvolvem; eles percebem que também estão aprendendo novas
formas de ensinar em situações formais e não-formais de aprendizagem.
Os saberes que constituem a docência estão presentes na trajetória do professor desde a formação inicial, momento em que o estudante
está aprendendo a profissão com as experiências e saberes dos seus
professores, e na formação continuada, quando, imerso na docência,
busca estratégias de ensino, administra a gestão da matéria de ensino e
a da classe nas diferentes situações e ocorrências de sala de aula. É um
continuum, ou seja, a base de conhecimento não está dissociada do
trabalho docente. Ao contrário, deve estar articulada e “costurada”
para romper com o paradigma disciplinar de apropriação de conhecimento e com a idéia de que dominar o conhecimento da disciplina é
suficiente para o professor garantir o ensino aos alunos.
O DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
Este trabalho é oriundo de uma pesquisa de caráter qualitativo
que analisou as aprendizagens da docência possibilitadas por uma experiência de formação continuada por meio da Educação a Distância –
o curso de aperfeiçoamento TV na Escola e os Desafios de Hoje. Para
Bogdan e Biklen, em uma pesquisa qualitativa devem-se “recolher dados descritos na linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma idéia sobre a maneira como os
sujeitos interpretam aspectos do mundo” (1994, p.134). Nesse caso,
temos como objeto de estudo as aprendizagens da docência proporcionadas pelo referido curso, levando em conta que a realidade das escolas não é igual, estática nem fixa, em decorrência das diferenças, contradições e tensões existentes na sociedade.
Os sujeitos da pesquisa foram dez professores da Educação Básica que concluíram a 1ª. turma do curso nos municípios de Ilhéus e
Itabuna/Ba. E que trabalhavam na rede pública de ensino (estadual e
municipal). Destes, três lecionavam no Ensino Fundamental/1ª a 4ª.
série, quatro lecionavam as disciplinas Língua Portuguesa, Língua Inglesa, Matemática e Educação Física (5ª a 8ª. série), e três trabalhavam
no Núcleo de Tecnologia Educacional/ NTE.
Os professores tinham formação acadêmica diferenciada. PosOlhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 91-111, 2007.
Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor>
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Aprendizagem da docência em curso a distância: a versão dos professores
suíam uma trajetória profissional considerável, de cinco a 25 anos de
experiência na docência, na educação básica nas redes pública e particular de ensino. De forma não linear, o tempo na docência, a formação,
a idade e as situações familiares e econômicas dos professores marcavam essa trajetória.
Os instrumentos de coleta de dados utilizados foram entrevistas
semi-estruturadas e notas de campo da pesquisadora, “com a idéia de
que nada é trivial, que tudo tem potencial para construir uma pista que
nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora de nosso
objeto de estudo” (BOGDAN & BIKLEN, 1994, p.49). A entrevista tinha o objetivo de captar as aprendizagens que o curso possibilitou aos
professores. No momento, o foco de análise é a aprendizagem da docência
dos professores em um curso de formação continuada na modalidade a
distância. A partir deste momento, chamaremos de professores cursistas
os professores que fizeram parte do estudo.
INFORMAÇÕES PRELIMINARES SOBRE O CURSO TV NA
ESCOLA E OS DESAFIOS DE HOJE
O curso foi lançado em outubro de 2000, fazendo parte do conjunto das políticas públicas de formação continuada de professores, na
modalidade a distância, com o objetivo de “capacitar profissionais de
instituições públicas de ensino fundamental e médio para melhor uso
no cotidiano escolar dos recursos proporcionados pelas tecnologias da
informação e comunicação, com ênfase na comunicação audiovisual
(TV Escola)”. (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA, 2000,
p.17). Um curso de aperfeiçoamento que contou com parceira da SEED/
MEC e a Universidade Virtual Pública do Brasil/UniRede 1.
O objeto de estudo do curso era preparar professores para explorar as tecnologias para desempenhar o papel de integrar e modernizar as
práticas pedagógicas. Foi organizado para permitir que os “profissionais
possam qualificar-se sem ter que se ausentar ou se deslocar do ambiente onde trabalham, minimizando a influência das dificuldades profissionais, econômicas e as barreiras geográficas”. (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA, 2000, p.15).
A UniRede foi criada em 6 de janeiro de 2000, com a idéia de uma universidade em rede, com o
lema “Nasce uma nova Universidade no Brasil”. A logomarca tem apoio do Ministério da Educação,
Ministério da Ciência e Tecnologia e FINEP. Não teria campus e estrutura física, mas estaria nas
Universidades públicas (federais, estaduais e CEFET).
1
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 91-111, 2007.
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Maria Elizabete Souza Couto & Emília Freitas de Lima
Na Bahia, a universidade núcleo do curso era a Universidade
Estadual de Santa Cruz/UESC, que recebeu a matrícula de 2.781 professores/alunos, de 137 municípios. Na Universidade, as atividades
começaram em novembro de 2000, com duração prevista para sete
meses, contando com uma estrutura administrativa e pedagógica formada por um coordenador geral, dois coordenadores-adjuntos, uma
secretária e 27 tutores (os formadores dos professores/alunos). Os tutores tinham como atribuições:
Capacitar-se para o desempenho de sua função; avaliar e comentar o desempenho do cursista em todas as atividades de avaliação que lhe forem enviadas, utilizando o Memorial como referência de conjunto para compreender o estágio alcançado pelo
cursista; procurar encaminhar os cursistas à resolução de suas
dúvidas e questionamentos; fornecer dados à Coordenação do
Curso, sempre que solicitados; auxiliar na solução de problemas
que surjam nas escolas, levando em consideração a realidade
específica de cada município. (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A
DISTÂNCIA, 2001, p.8).
Antes do início do curso houve momentos de capacitação e estudos com os tutores, para que compreendessem a dinâmica, o objetivo e
o objeto de estudo do curso, e, principalmente, a formação continuada
de professores na modalidade a distância, bem como a sua formação
para lidar com a modalidade de ensino e aprendizagem a distância.
A organização do curso era modular, com uma carga horária de
180 horas. A SEED/MEC distribuiu o material de estudo, composto de
três módulos impressos, e os vídeos eram transmitidos pelo Programa TV
Escola, em dias e horários previamente definidos (5ª. e 6ª.-feira, às 21
horas, e no sábado, às 9 horas, horário de Brasília). Não houve encontros
presenciais. O contato dos professores cursistas com a universidade, sede
do curso, era feita via telefone (fixo e três linhas 0800), fax e e-mail.
AS APRENDIZAGENS DOCENTES: DISCUTINDO A VERSÃO
DOS PROFESSORES CURSISTAS
Ensinar é uma tarefa que exige vários saberes e aprendizagens ao
longo da trajetória docente, bem como o domínio de conteúdos da matéria de ensino, dos conteúdos pedagógicos e dos recursos didáticos e
tecnológicos. Saberes não escritos nos programas curriculares escolaOlhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 91-111, 2007.
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Aprendizagem da docência em curso a distância: a versão dos professores
res, embora relacionados entre si. São aprendizagens indizíveis
(MALGLAIVE, 1997).
As aprendizagens dos professores cursistas fazem parte de um
conjunto formado e ampliado pelo repertório de conhecimentos que
eles possuem. Na prática estavam presentes aspectos e saberes de naturezas diversas, um intimamente interligado ao outro, formando o
amálgama dos saberes e das aprendizagens docentes, dando corpo ao
desenvolvimento profissional do professor no processo de formação.
Com referência ao conjunto dos saberes acadêmicos, disciplinares e pedagógicos que contribuem para a compreensão do conteúdo da
matéria de ensino e o conhecimento da técnica no trabalho docente, os
professores cursistas disseram que os conteúdos estudados no curso
ajudaram nos seguintes aspectos:
– A produção do vídeo (P.3).
– a aliar a linguagem do vídeo com a nossa linguagem, uma coisa
não está distanciada da outra. [...] os módulos lhes dão segurança,
porque o trabalho com o vídeo quando a gente começou era um
trabalho mais cego. É você assistir e a partir daí traçar a sua aula,
o que vai trabalhar com aquele material (P.2).
– eu acho que a questão da necessidade de não ficar só naquela
história, ah! Eu preciso, eu tenho que estar mesmo informatizada.
Eu tenho que trabalhar como isso [...]. Se você tiver acesso ao vídeo,
comece a trabalhar com ele, veja em casa uma propaganda, um
outdoor que ele [o aluno] viu na rua (P.9).
– [a aprendizagem] mais técnica mesmo. Eu tenho a parte teórica
da Matemática. O curso em si me ajudou a ver uma coisa diferente, como motivar, como usar outros recursos e não só o quadro de
giz. As leituras e as sugestões de uso dos audiovisuais ajudaram a
dinamizar a parte teórica. Porque a gente sai da faculdade e você
não vê nada disso, sai com conhecimento na sua área, na prática é
outra coisa. É no viver que a gente vai aprendendo. Então foi no
curso que tive nova visão de como usar os recursos que estão disponíveis, que são a televisão, o vídeo, o som. Esta visão que o curso
me deu vai além do prático, porque ajudou a pensar o teórico também. E não é uma coisa que ficar pra mim, eles [alunos] que estão
construindo. Tanto desenvolve o lado artístico como o próprio conteúdo de Matemática é desenvolvido naquele trabalho ali (P.10).
Os professores cursistas fizeram referência às aprendizagens que
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 91-111, 2007.
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Maria Elizabete Souza Couto & Emília Freitas de Lima
se somaram aos conhecimentos adquiridos na formação inicial e ao
longo da docência. As tecnologias começaram a fazer parte da vida da
escola, do ensino e da aprendizagem, como um elemento carregado de
conteúdos, representando uma nova forma de pensar, ensinar, aprender e refletir (PRETTO, 1996). Todavia, os professores cursistas estavam vivendo o momento de começar a perceber essas questões, que
transitavam entre os aspectos conceituais e procedimentais, principalmente no momento em que enfatizavam mais a razão operativa que a
construção de um saber que envolve várias áreas de conhecimento.
A trajetória docente, da formação inicial à docência, foi mencionada por P.10, que já participou de outros cursos de formação continuada que enfatizam o uso das tecnologias na educação. Para ele, este foi
o curso que mais lhe proporcionou oportunidades de rever conceitos,
mediar e estabelecer interlocução entre o conteúdo da matéria de ensino, o conteúdo pedagógico da matéria e o conhecimento dos recursos
das tecnologias na educação, fazendo a relação entre teoria e prática.
No que se refere às aprendizagens, retomaram os conteúdos presentes nos módulos – as linguagens: a visual e a impressa; analisar os
programas de TV – e os aspectos metodológicos – como usar os vídeos em
sala de aula. Foram considerados os saberes acadêmicos e as possibilidades de criar estratégias para torná-los ensinados e aprendidos. Eis
mais alguns depoimentos:
– [aprendi] a diferenciar o que é um vídeo, o que é o educativo, o
que não é. A organização das fitas. A fundamentação de como trabalhar a TV e o vídeo. (P.3).
– a parte de Educação Especial, passei a conhecer essa grade, os
programas todos e foi útil. Na época sempre passava documentário
falando sobre as deficiências visuais, programas também sobre a
deficiência auditiva e a pluralidade cultural (P.7).
– a questão da linguagem da TV e vídeo quando você vai produzir,
você vê que muda, tem quer ser a mínima possível, de uma maneira resumida e que as pessoas entendam (P.8).
– que acho que foram as técnicas, as várias maneiras que apontam, diretrizes, objetivos, que a gente, às vezes, faz alguma coisa
dentro da tecnologia, usando meios tecnológicos e a gente não
visualiza esses objetivos. Então isso ajuda a concretizar mais a
prática da gente, seja em que disciplina for. Eu aprendi e comecei
a arrumar e organizar o acervo de fitas (P.9).
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Aprendizagem da docência em curso a distância: a versão dos professores
A preocupação em relação à fundamentação teórica, aos objetivos e às diretrizes para realizar um trabalho com as tecnologias em sala
de aula e a necessidade de objetivos e diretrizes para direcionar e concretizar mais a prática seja em que disciplina for revelou a importância da
compreensão do saber da disciplina de ensino e dos saberes pedagógicos, bem como da iniciativa de começar a organizar o acervo de fitas na
escola, favorecendo o trabalho de outros professores.
As aprendizagens possibilitadas pelo curso foram fundamentais
para ajudá-los a compreender e melhorar o ensino, e, conseqüentemente, a aprendizagem dos alunos. Porém, não basta a aprendizagem adquirida no curso, mas a inter-relação com o saber da disciplina lecionada, as estratégias de ensino, os estilos de aprendizagem dos alunos, o
contexto das escolas. (TARDIF et al., 1991).
Sobre o conteúdo do curso, os professores cursistas falaram que
aprenderam:
– como utilizar o vídeo em sala de aula, porque muitas vezes o
professor usa simplesmente e deixa os alunos lá assistindo ao vídeo
sem ter uma proposta de trabalho. Ele não tem um objetivo, não se
fundamenta em nada para desenvolver aquele trabalho. E a TV
Escola abre essa idéia, nos ajuda muito (P.3).
– eu tenho que ter um pouco da técnica e do conhecimento, porque
só a técnica não resolve, porque aí vai ficar uma coisa que não vai
ter significado, uma coisa assim fria. Você fez em que contexto?
Para quê? (P.4).
– [programa de TV e vídeos] incentiva a questão da leitura, a necessidade da gente saber o que está acontecendo fora da escola,
porque faz parte do dia-a-dia. Desde as novelas, ela mostra os dois
lados e nós, professores, devemos aproveitar de tudo que o aluno
tem acesso, mesmo que a gente não tenha condições de realizar na
escola, mas que o aluno tem acesso em tecnologia e que a gente
aproveite isso para discussão, para direcionar o trabalho (P.9).
Nos depoimentos está presente a aprendizagem de procedimentos de utilização do vídeo em sala de aula. As várias possibilidades de
transformar o conteúdo da disciplina de maneira pedagogizada, compreensível para os alunos, buscando nos aparatos tecnológicos uma
referência para representar, ilustrar, simular, demonstrar e expor o con-
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teúdo das disciplinas que lecionam, mesmo trabalhando com o contexto das fragilidades da escola pública. É necessário aliar o saber da disciplina e o saber da experiência ao conhecimento da técnica para trabalhar com os vídeos em sala de aula. Separar essas três categorias é
manter a fragmentação do conhecimento, além de separar a teoria e a
prática no contexto do processo de ensino e aprendizagem.
O aprender a ensinar, que é um processo dinâmico, aconteceu à
medida que tiveram acesso a novos conhecimentos, refletiram sobre
aspectos da própria formação, desenvolveram práticas com o uso das
tecnologias em sala de aula e centraram atenções em assuntos importantes para a formação e a docência, na familiarização com o uso faz
tecnologias e da Programação da TV Escola em sala de aula.
Os professores cursistas realizaram atividades propostas nos
módulos do curso, como alunos e professores em sala de aula com seus
alunos, experimentando novas maneiras de ensinar e aprender que envolvessem a discussão sobre a tecnologia nos dias de hoje, a programação
da TV: desenho animado, novelas etc; a produção da filmagem e da
dramatização, a partir de histórias e textos construídos pelos alunos. Os
conteúdos e as sugestões metodológicas ajudaram a desenvolver atividades de natureza prática.
Das reflexões emergiram saberes diversos: a utilização do vídeo
em sala de aula, a relação teoria, prática e técnica, a valorização dos
conhecimentos dos alunos, a relação dos conhecimentos dos alunos
versus conhecimentos curriculares, bem como novas possibilidades de
trabalhar com as tecnologias em sala de aula a partir das condições da
escola.
Nas entrevistas foram reveladas, como aprendizagens, situações
referentes aos seguintes conteúdos presentes nos vídeos indicados para
estudo – a ecologia, estados do Brasil (mapas e estatísticas), violência,
jogos, formas geométricas, a Matemática na vida das pessoas etc. Seguem
alguns depoimentos:
– aquele vídeo que passou sobre o menino que mora em São Paulo
ficou marcado – Aqui e Lá. Ele morava no estado do Ceará, vem
para Diadema. Eu trabalhei Matemática. Aí passei toda estrutura
da Matemática, usamos mapas que fazem aquela comparação, escala, gráficos, você vê população e também eu tirei aquele contexto
da sensibilidade, aquela sensibilidade de reação, como aquele menino se adaptou, aquela sensibilidade que ele teve de sentir falta
da natureza que não tinha, da Ecologia que não tinha naquela
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Aprendizagem da docência em curso a distância: a versão dos professores
cidade e também levando a questão da violência, entendeu?(P.4).
– eu aprendi mesmo na Educação Física foi a questão dos jogos.
Muita coisa que a gente já aprende dentro da área e também aprendi que você tem um ponto e vai criar mais. Como se fossem ramificações, gera muita coisa (P.8).
– assisti a alguns [filmes] e outros eu gravei da TV Escola, da
Matemática, que fala das formas geométricas, que a menina fala
assim: - Eu sou Norma e eu me ligo nas formas. Então a gente usa
o teorema de Pitágoras, consulta e depois eles dividem e agora
constroem tanto manualmente, como no computador aquela seqüência do teorema de Pitágoras. [...] Aprendi a questão do fazer
diferente. [...] Foi essa mensagem, a Matemática está lá, parada,
estática, como você pode movimentá-la, como você pode mexer
nesse conteúdo para que todo mundo absorva isso? Então os filmes me deram essa visão (P.10).
Para trabalhar com vídeos, muitas vezes é preciso ter sensibilidade para que não seja apenas mais um recurso, mais um texto escrito e
imagético que está em sala de aula, sendo trabalhado com os alunos
sem contextualização em relação aos conteúdos programáticos definidos. Não devemos substituir o texto e a linguagem escrita pela linguagem audiovisual em sala de aula; mas fazer a mediação e estabelecer a
relação entre as duas linguagens é o grande desafio, no momento em
que nos deparamos com alunos que são audiovisuais e captam rapidamente a mensagem das imagens, ritmos, sons e cores.
Os vídeos ajudaram a pensar as disciplinas que lecionam (Matemática, Educação Física, Língua Portuguesa) como movimento, não como
estáticas e distanciadas da realidade. Referiram-se às estratégias que as
tecnologias oferecem para dinamizar o conteúdo, para que os alunos os
compreendam. Muito mais que conhecimentos das disciplinas, os vídeos
lhes proporcionaram um saber-ver, saber-buscar, saber-ler, saber-ensinar, saber-aprender e saber-fazer referentes ao seu processo formativo –
saber da disciplina, saber da experiência e os saberes da formação profissional. (TARDIF et al., 1991; TARDIF, 2000, 2002).
No âmbito do saber da experiência, saber transformar, adaptar
textos e imagens e reorganizar o conteúdo da matéria de ensino etc,
parece tornar mais acessível aos alunos a aprendizagem dos conteúdos
escolares. Para compreender o movimento da disciplina, é indispensável a interseção dos saberes das disciplinas com os saberes da formação
e as estratégias e procedimentos didáticos, para facilitar a compreen104
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são dos conteúdos que estão sendo ensinados e aprendidos.
A crença nas possibilidades dos recursos tecnológicos para trabalhar com os alunos foi revelada, bem como o feedback de suas práticas. As aprendizagens da formação profissional aliavam no seu corpo
de saberes os saberes da formação, da disciplina que lecionavam, da
experiência (a prática) e do conhecimento dos recursos didáticos e
tecnológicos disponíveis na escola.
– eu passei a trabalhar com projetos e além da gente aprender mais
e ter mais conhecimentos, é melhor para a aprendizagem dos alunos. Aí passei a trabalhar com eles levando à sala de vídeo, assistindo e vindo trabalhar na sala de aula o que eles viram no vídeo,
fazer produção de texto e daí fazer pesquisa na biblioteca do CSU
(Centro Social Urbano) (P.1).
– a forma de olhar a televisão. Antes de iniciar esse trabalho, eu me
situei onde estaria a televisão na vida deles, para poder eu também
me sentir segura. Esses alunos que eu tenho agora, [é que] estou
me situando, para ver como é a televisão, a realidade deles, porque
alguns não têm nem luz elétrica em casa. Então vai ser uma coisa
para eles direcionarem esse olhar, vai ser uma coisa bem assim
diferente e também para eu poder tirar questionamento deles, porque eu quero é isso (P.4).
Os professores cursistas começaram a ampliar os processos da
docência no contexto da sala de aula. Eles se deram conta de que os
conhecimentos estudados no curso acrescentavam outras condições e
possibilidades para ensinar e aprender, olhar o aluno, o saber da disciplina de ensino, a organização da sala de aula, a estruturação do projeto pedagógico e a presença das tecnologias na escola e também o seu
desenvolvimento profissional.
Além de trabalhar com vídeos em sala de aula, os professores
cursistas buscavam novas possibilidades para o planejamento, trabalhando com projetos, pesquisa em biblioteca, pensar a TV no contexto
e realidade de seus alunos, os temas transversais etc., mesmo diante
da incerteza, da complexidade e das situações divergentes de ensino
não trabalhadas e discutidas nos cursos de formação inicial,
retraduzindo e adaptando ao trabalho docente alternativas pedagógicas. A experiência e a vivência com as tecnologias provocaram um
efeito crítico aos sabres adquiridos na formação inicial ou fora da
prática profissional. (TARDIF et al., 1991; TARDIF, 2002).
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Aprendizagem da docência em curso a distância: a versão dos professores
Foi um momento de construção, com os alunos, das estratégias
para realizar as atividades do curso. A construção do aluno também
constrói o professor, que administra a gestão da classe e a gestão da
matéria de ensino. (GAUTHIER et al., 1998). As aprendizagens não
aconteceram de maneira formal e linear, mas por uma rede de relações
que forma os saberes docentes dos professores, as quais se ajustaram
para dar lugar à aprendizagem da docência. Rompendo barreiras e
lidando com novos limites e condições de fragilidades nas escolas,
criaram outras condições para aprender novas maneiras de ensinar,
com o suporte das TIC disponíveis nas escolas.
Assim, parece não haver um saber predominando na formação
docente. São saberes de várias naturezas, que se entrecruzam, estão
na base da formação e compõem a aprendizagem profissional da
docência. Por um lado, discorreram sobre saberes de natureza prática,
operacional, instrumental, técnica, relacionados aos conhecimentos
sobre o uso das TIC em sala de aula. De outro, buscaram saberes que
fazem parte dos fundamentos da base da profissão na disciplina de
ensino e áreas afins. E, por último, os atributos pessoais, afetivos,
cognitivos e motivacionais que os ajudam a repensar seus saberes,
aprendizagens e práticas os impulsionaram na busca de novas aprendizagens, tendo como foco o desenvolvimento profissional.
No conjunto dos saberes, o conhecimento da prática para lidar
com as TIC em sala de aula foi valorizado, mas é preciso considerar
que, isoladamente, a prática é insuficiente para organizar e estruturar
o trabalho docente com o conhecimento da matéria de ensino.
Além de familiarizar-se com conceitos teóricos sobre as Tecnologias
na Educação, pensavam em novas alternativas para utilizá-las em sala
de aula, fazendo a sua integração à proposta de trabalho já existente,
adequando esses recursos ao contexto e às condições disponíveis na
escola; desenvolvendo experiências e atividades práticas e também lidando com a gestão da matéria de ensino e da classe, de maneira a
reorganizar o seu fazer pedagógico, a sua sala de aula, a aprendizagem
docente e a aprendizagem dos seus alunos. (GAUTHIER et al., 1998).
Pensando nas contribuições, para a docência, de um curso de
formação continuada na modalidade a distância, notamos que parece
ter havido uma maior transposição de saberes para a prática, em sala
de aula, das sugestões metodológicas oferecidas nos módulos do que
a construção de conceitos teóricos. Assim, o curso foi importante nos
seguintes aspectos:
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Maria Elizabete Souza Couto & Emília Freitas de Lima
– não só de aprendizagem de conhecimento para mim, como para
eu passar aos meus alunos. Aprendi muitas coisas, como lidar com
a tecnologia (P.1).
– conhecer a TV. Eu me tornei espectadora assídua da TV Escola
(P.3).
– o desafio maior foi quebrar o impacto de você mostrar que pode
usar a TV, não só para ensinar coisas erradas, para ensinar coisas
que o aluno possa aprender, para que ele tirasse daquele desenho
animado, daquele programa que não tinha nada a ver, o contexto
de sala de aula que ele iria estudar ali uma Matemática, sem saber
que tava estudando Matemática (P.4).
– na disciplina de Língua Portuguesa, a questão de trabalhar os
conteúdos gramaticais, a Lingüística que a gente, às vezes, tem
aquela separação. Então, quando você vai empregar esses elementos lingüísticos dentro do texto associado à imagem das propagandas, torna-se mais fácil. Por exemplo, do modo imperativo, a gente
precisa estudar a questão da propaganda, ela trabalha muito com
isso. A questão da lingüística acho muito complicado dentro da
produção textual (P.9).
As aprendizagens ajudaram a melhorar a prática em sala de aula
com os alunos, uma oportunidade para conhecer a programação da TV
Escola, como forma de dinamizar e enriquecer as aulas, aprender a
lidar com os conteúdos dos programas de TV e vídeos, os saberes das
disciplinas que lecionam e a prática em sala de aula para tornar esses
conteúdos ensinados e aprendidos, e, finalmente, a fazer e pensar na
interlocução de diferentes saberes.
Para os professores cursistas, o curso ofereceu possibilidades e
sugestões para diversificar o trabalho. A sala de aula e espaços nãoescolares, por exemplo, foram utilizados como oportunidade da diversificação dos espaços físicos elaborados para os projetos. A possibilidade de
colocarmos a televisão na praça (P.7) para alunos e a comunidade assistir à programação televisiva; a visita ao shopping (P.10) para estudar as
formas geométricas presentes no projeto arquitetônico do prédio. No
momento, ousaram usar a praça e o shopping, espaços não-escolares
(CARTER, 1990), como espaço escolar envolvendo os processos de ensino e aprendizagem.
As aprendizagens do curso, além de ajudar a enfrentar alguns
desafios da sala de aula, também ajudaram a “mudar” as práticas
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Aprendizagem da docência em curso a distância: a versão dos professores
pedagógicas em alguns aspectos. O enfoque na prática indica que há
uma tendência para aprender novas maneiras de ensinar, quando relacionadas ao “fazer”, às estratégias.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Retomando o objeto de estudo analisado e os dados coletados,
não se pode esperar e querer que aconteça uma mudança rápida e automática do e no trabalho docente. Trata-se de um processo complexo e
lento, com muitas variáveis no caminho, que dependem das condições
das escolas e das condições oferecidas para que os professores construam novas maneiras de ensinar e aprender. Contudo, os professores
cursistas captaram e apreenderam elementos capazes de lhes possibilitar a revisão de pressupostos teóricos e metodológicos com os quais
trabalhavam, para desencadear a transposição de conhecimentos recém-adquiridos na docência.
Houve uma sensibilização para estudar sobre a educação e
tecnologia. Ainda que não as dominem a contento, as aprendizagens
adquiridas ajudaram a mudar suas práticas e a construir conhecimentos, além de amadurecer as experiências docentes já construídas,
abrindo espaços para outras tantas.
A presença das tecnologias na escola e na sala de aula não é um
fim, mas um meio que implica em possibilidades, limites, idas e voltas na ação, reflexão na ação e sobre a ação. (SCHÖN, 1992, 2000).
Evidenciaram as inúmeras maneiras de utilização de vídeos nas aulas
vinculadas aos saberes docentes. As aprendizagens de natureza teórica, disciplinar, prática e pedagógica não são tomadas isoladamente,
principalmente quando se trata da utilização do suporte da TIC em
sala de aula.
Na base da formação docente (inicial e continuada), além dos
saberes e aprendizagens aqui discutidos a partir da literatura e dos
saberes indicados pelos depoentes, entendemos que outros saberes e
aprendizagens precisam ser acrescentados aos saberes docentes.
Saberes que constituem um amálgama de saberes compostos,
plurais, temporais, heterogêneos, os quais não se distinguem uns dos
outros, em caixinhas separadas, a não ser por razão didática e acadêmica. Esse amálgama tem um caráter histórico, temporal e dinâmico
(TARDIF et al., 1991; TARDIF & LESSARD, 1999; TARDIF, 2000, 2002),
e ele está presente na organização e estruturação dos cursos presenciais
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e a distância de formação de professores.
Pensando nos saberes docentes em seu conjunto (TARDIF et
al., 1991; TARDIF, 2000), podemos dizer, a partir deste estudo, que
algumas “zonas de sombra” surgiram, as quais fazem parte do processo
formativo dos professores, donde se conclui que eles precisam:
– ter conhecimento das políticas públicas destinadas à educação
(origem, fundamentos teóricos, ideológicos e educacionais e financiador);
– ter conhecimento das políticas públicas de formação continuada de professores (clientela atendida, fundamentos teóricos e educacionais, objetivos e financiador);
– ter conhecimento da organização e estruturação da escola (estrutura curricular, administrativa e pedagógica, projeto pedagógico da
escola, espaços, rotinas, tempos, recursos disponíveis e financiamentos);
– ter conhecimento de processos relacionais entre colegas, coordenação, direção, alunos, pais e comunidade;
– aprofundar os conhecimentos da matéria de ensino em relação
ao conhecimento pedagógico do conteúdo e o conhecimento do uso das
TIC.
Os dados indicaram que a formação de professores precisa ser
mais direcionada, objetiva e consistente, preconizando a valorização
profissional e os conteúdos face aos saberes acadêmicos, às metodologias
e aos suportes tecnológicos. A sala de aula e a escola foram apresentadas como local de aprendizagem da docência a partir dos saberes da
experiência, formação, disciplina e do currículo. (TARDIF et al., 1991).
Porém, ainda não se constituíram em local de aprendizagem da docência
para todos os envolvidos no processo de “aprender sobre como ensinar” e “aprender sobre como ser professor”. (KNOWLES et al., 1994).
Foram situações individualizadas de aprendizagens, isto é, os professores cursistas não socializavam a jurisprudência pedagógica (GAUTHIER
et al., 1998) por eles construída, aprendizagens que ainda são indizíveis. (MALGLAIVE, 1997).
Os professores cursistas tinham disposição para aprender e buscaram oportunidades (como tantos outros que se inscreveram no curso)
para desenvolver e aprimorar as aprendizagens da docência. Mas isso
não quer dizer que conseguiram aprender os objetivos de uma política
de formação de professores na modalidade a distância e que agora fazem parte dos incluídos no mundo dos que sabem trabalhar com as
tecnologias em sala de aula.
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 91-111, 2007.
Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor>
109
Aprendizagem da docência em curso a distância: a versão dos professores
Para eles, foi um momento de “formar-se” já estando “formados”
(concluída a formação inicial). Administrar a formação é um processo
no qual a pessoa que se forma assume um papel ativo que o prepara
para autogerir seu desenvolvimento profissional em momentos diferentes da trajetória docente.
Assim, traduzir as aprendizagens que os professores cursistas
construíram com o curso em concepções, conceitos, valores e novas
maneiras de ensinar e aprender talvez ainda requeira mais tempo,
estudos, oportunidades, condições de trabalho favoráveis e recursos
tecnológicos disponíveis para todos. A aprendizagem prática,
operacional, o saber-fazer e saber-utilizar as tecnologias nas aulas parece
não atender a todas as necessidades e peculiaridades dos saberes do
trabalho, ou mesmo dos saberes no trabalho docente, enquanto um
continuum.
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Encaminhado em: 25/03/06
Aceito em: 02/05/06
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 91-111, 2007.
Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor>
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Ademar da Silva & Denise M. Margonari
PROFESSORES INICIANTES DE LÍNGUA INGLESA: CONFLITOS E RE/ESTRUTURAÇÕES
NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO
PROFISSIONAL
BEGINNING
IN
SERVICE
ENGLISH
LANGUAGE TEACHERS: CONFLICTS AND
RESTRUCTURING IN THE PROCESS OF
PROFESSIONAL DEVELOPMENT
Ademar da SILVA*
Denise M. MARGONARI**
Resumo: Este trabalho é resultado de uma pesquisa na área
de formação de professores de Língua Inglesa que visa a
acompanhar a trajetória profissional dos professores em
início de carreira, egressos, no ano de 2002, de um curso de
Licenciatura em Letras de uma instituição pública do interior do Estado de São Paulo. Tendo em vista que muitos
aspectos do processo de construção e organização da experiência humana se refletem na linguagem, na investigação
desenvolvida, cruzamos a análise de trechos de relatórios e
questionários de alunos egressos da disciplina Prática de
Ensino e Estágio Supervisionado em Língua Inglesa I e II
com dados desses alunos já em serviço. O objetivo é demonstrar que a sensação de insegurança e ansiedade quanto à futura atuação profissional, vivenciada durante o curso, ainda se manifesta no início da carreira docente e que,
além de ser, muitas vezes, superada, ela varia de acordo
com o perfil do aluno-professor, que, numa fase de exploração de possibilidades profissionais, estrutura e reestrutura
as diversas opções que a vida lhe oferece.
*
Professor Assistente Doutor do Departamento de Metodologia de Ensino da Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar). E-mail para contato: [email protected]
**
Professora Doutora em Educação Escolar, substituta contratada no Departamento de Metodologia
de Ensino da UFSCar. E-mail para contato: [email protected]
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 113-126, 2007.
Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor>
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Professores iniciantes de Língua Inglesa: conflitos e re/estruturações...
Palavras-chave: Formação de professores. Língua Inglesa. Re/estruturações.
Abstract: This paper is the result of a research in the
English teacher education field whose goal is to follow
the professional development of in-service teachers who
studied Modern Languages in an undergraduate
program at a public institution in the interior of the São
Paulo state in 2002. Having in mind that many aspects
of the human experience construction and organization
process are reflected on language, in the investigation
developed we compared excerpts from Practicum I and
II reports and questionnaires with data from these
former-students who are now in-service teachers. Our
goal was to demonstrate that feelings like insecurity and
anxiety related to the future career, felt especially during
the undergraduate program, is still shown in the
beginning of the in-service career. Besides being most of
the times overcome, the feelings vary according to the
student-teachers profile who, in a period of exploration
of professional possibilities, structure and restructure
the diverse options which life offers them.
Keywords: Teacher Education. English Language.
Restructuring.
INTRODUÇÃO
Em levantamento realizado na área de Educação durante a década de 90 acerca da pesquisa sobre a formação de professores no Brasil,
André (2000) constatou que, nos trabalhos sobre licenciaturas, a maior
parte enfatiza o estudo das disciplinas pedagógicas e específicas e o
currículo de cada curso. Enquanto a atuação do professor também é
razoavelmente estudada, a formação inicial recebe menor ênfase, o que
demonstra pouca atenção ao aluno da licenciatura. Além disso, faltam
investigações sobre as articulações entre as disciplinas pedagógicas e
específicas. O que se observa dessa constatação é uma visão fragmentada dos cursos, pois o todo de cada um deles se perde em particularidades e redundâncias.
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 113-126, 2007.
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Ademar da Silva & Denise M. Margonari
Outra revelação do estudo de André (2000) diz respeito à língua
estrangeira, nosso objeto de estudo. A distribuição das pesquisas sobre
licenciaturas evidenciou apenas cinco trabalhos dedicados ao estudo
de línguas, o que demonstra também pouca atenção a esse tema.
Já no que diz respeito à formação docente continuada, André
(2000) observa que a maioria dos estudos se concentra em propostas
governamentais ou da Secretaria de Educação, em programas e cursos
de diferentes instituições, em processos de formação em serviço e na
prática pedagógica. Assim como na formação inicial, as pesquisas também se relacionam com aspectos específicos, como uma disciplina, um
curso ou uma proposta de formação, e as principais questões levantadas nesses trabalhos coincidem com aquelas da formação inicial: o currículo, a estrutura ou o funcionamento do curso. Mais uma vez, temos
um quadro fragmentado e parcial também da formação docente.
Na área de Lingüística Aplicada ao ensino de línguas, a preocupação com a formação inicial e continuada de professores também vem
sendo uma constante em âmbito nacional, a ponto de já ter se tornado
objeto de estudo de diferentes pesquisas, como aponta Monteiro (2004).
O número crescente de estudos sobre a formação de professores de Língua Inglesa também comprova a inquietação dos pesquisadores em entender como os futuros professores estão sendo preparados e como atuam em serviço.
Desde 2002, Silva e Margonari, (2004, 2005) têm pesquisado a
formação inicial de professores de Língua Inglesa, o que, de certa forma,
vem contribuindo para suprir algumas das lacunas acima apontadas.
Essa pesquisa, que está sendo desenvolvida nas disciplinas Prática de
Ensino e Estágio Supervisionado de Língua Inglesa I e II em uma universidade federal do Estado de São Paulo, apresenta, até o momento, os
seguintes resultados:
(1) Os alunos-professores apóiam-se no referencial teórico estudado para fundamentar suas opiniões acerca da experiência vivida ou
mesmo se posicionam com desenvoltura frente às questões relativas ao
ensino de língua estrangeira, à sala de aula, ao ensino público e privado, discurso esse que não só serve de apoio para lhes conferir maior
segurança, como também é utilizado para discorrer sobre questões
advindas da prática. De certa forma, isso demonstra que a integração
entre teoria e prática proposta pelo curso atingiu seus objetivos.
(2) Ao longo da licenciatura, o aluno-professor desenvolve uma
concepção de linguagem e uma concepção de ensinar e aprender línguas, passando a se conscientizar das responsabilidades de sua futuOlhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 113-126, 2007.
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Professores iniciantes de Língua Inglesa: conflitos e re/estruturações...
ra profissão e das várias competências que a envolvem, e também a
questionar sua capacidade de, como educador, se posicionar frente a
uma sala de aula, proporcionando e construindo a formação daqueles
que deverão atuar nos processos de transformação social. Tais inquietações e questionamentos tomam corpo durante as aulas de Prática de
Ensino. Insegurança e tensão se manifestam quanto a sua atuação em
sala de aula, e essas sensações conflitantes aumentam durante e após o
estágio de observação e regência, pressionando o filtro afetivo (cf.
KRASHEN, 1982) desses alunos, o que os leva a questionar a sua escolha profissional.
(3) Dadas as características da licenciatura dupla, é possível identificar três perfis de aluno-professor: (a) o perfil 1 é aquele que, desde o
início, se identifica com o curso e tem como objetivo ser professor. Na
maioria das vezes, desenvolve projetos de pesquisa na área de ensinoaprendizagem de Língua Inglesa e ministra aulas, em escolas de idiomas, para alunos particulares e empresas. Esse aluno também tem
momentos de insegurança, mas dadas as suas experiências, lida com as
incertezas de uma maneira branda; (b) o perfil 2 é aquele que, apesar de
se identificar com o curso, não se vê como professor de língua estrangeira, preferindo o ensino de língua materna. Isso implica mais tempo
dedicado ao estudo das disciplinas relacionadas à Língua Portuguesa,
o que faz com que sua competência lingüístico-comunicativa em língua
estrangeira não seja tão desenvolvida, gerando assim mais insegurança
para ele; (c) o perfil 3 não se interessa pelo ensino de línguas em geral e
não se vê como professor. Esse aluno até desenvolve uma competência
lingüístico-comunicativa na língua estrangeira, mas opta pelas diversas possibilidades de trabalho que a graduação em Letras lhe propicia,
tais como: pesquisa, revisão e tradução. Devido a essas características,
cumpre todas as disciplinas pedagógicas sem se envolver muito com as
questões advindas da prática.
(4) Respostas aos problemas e às inquietações em (2) estão relacionadas aos perfis de cada aluno, ou seja, cada qual responde diferentemente aos questionamentos que emergem durante as atividades da
disciplina Prática de Ensino. Os perfis que em (3) atuam como uma
força no processo de formação do futuro professor são fatores que influenciam suas ações, decisões e re/elaborações do discurso sobre sua
futura atuação profissional.
(5) Esse aluno-professor está numa fase de exploração de possibilidades profissionais, por isso estrutura e reestrutura as diversas op-
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Ademar da Silva & Denise M. Margonari
ções que a vida lhe oferece e que são comuns à faixa etária em que se
encontra (21 a 28 anos). (SIKES, 1985). O tempo, as experiências profissionais e a maturidade talvez o ajudem na decisão final e na superação das dificuldades.
Assim, tendo em vista as lacunas apontadas no estudo de André
(2000) e partindo dos dados expostos, procuramos desenvolver um
estudo longitudinal, que tem como objetivo acompanhar a trajetória
profissional dos professores em início de carreira, egressos do curso de
Licenciatura em Letras de uma instituição pública do interior do Estado de São Paulo, desde o ano 2000 até o ano de 2005. Analisando
trechos de questionários e relatórios de estágio da disciplina Prática de
Ensino e Estágio Supervisionado em Língua Inglesa I e II desses egressos, procuramos cruzá-los com dados desses alunos já em serviço. A
pesquisa busca demonstrar que a sensação de insegurança e ansiedade
quanto à futura atuação profissional, vivenciada durante o curso, ainda se manifesta no início da carreira docente.
Para o desenvolvimento deste artigo, foram selecionados apenas
os egressos do ano de 2002 e foram analisados os vários momentos de
re/estruturação profissional pelos quais passaram. Pretendemos demonstrar que as inquietações e inseguranças advindas desse processo,
além de, muitas vezes, superadas, variam de acordo com o perfil do
aluno-professor.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Os dados para esta pesquisa foram extraídos de três fontes: (a)
questionários (aplicados no início e ao final da disciplina Prática de
Ensino), (b) relatórios de estágio e (c) e-mails enviados a ex-alunos egressos
de 2002, em que lhes era solicitado um texto narrativo sobre a sua
trajetória de vida profissional, do momento em que tinham deixado a
universidade até o ano de 2005, explicitando as experiências e os sentimentos vividos em cada decisão tomada.
Entendendo discurso como atividade produtora de efeitos de
sentido entre interlocutores, portanto, atividade comunicativa e o processo de sua enunciação, que é regulado por exterioridade sócio-histórica e ideológica, que determina as regularidades lingüísticas e seu uso
(TRAVAGLIA, 1991, p. 25; cf também ORLANDI, 1983), na análise,
que é de cunho qualitativo, o processo de escrita (dos questionários,
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 113-126, 2007.
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Professores iniciantes de Língua Inglesa: conflitos e re/estruturações...
relatórios e narrativas) nos permitiu observar momentos de reflexão e
avaliação das experiências vividas pelos sujeitos.
O processo de escrita de qualquer texto, seja ele questionário,
relatório ou narrativa, é o momento em que o aluno-professor organiza
o discurso e dá sentido às suas experiências, ou seja, é a ocasião em que
se retomam inquietações necessárias para instaurar a reflexão sobre
teoria e prática, sobre a arte de ensinar, estimulando a maturidade e a
definição do posicionamento profissional do futuro educador.
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Acreditando que as escolhas lingüísticas constantes dos questionários, relatórios e narrativas revelam o processo de construção e organização das experiências vivenciadas, passamos à apresentação e analise dos dados. Dos 16 ex-alunos contatados, 13 retornaram a solicitação. Veja-se a tabela 1:
Lecionando
8 (61,5%)
Total
Não lecionando
5 (38,5%)
13 (100%)
Tabela 1
Desse grupo, 8 (61,5%) estão exercendo alguma atividade docente e 5 (38,5%) estão atuando em outra área. Dos que estão no
magistério, 5 (38,5%) lecionam Inglês e 3 (23%), Português. Veja-se a
tabela 2 abaixo:
Lecionando
Inglês
5 (38,5%)
Não lecionando
Total
5 (38,5%)
13 (100%)
Português
3(23%)
Tabela 2
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Ademar da Silva & Denise M. Margonari
As porcentagens indicam que um número razoável de ex-alunos
professores egressos de 2002 está seguindo a opção profissional prevista pelo curso de licenciatura. A tabela a seguir1 mostra que, excetuando três casos, essas opções relacionam-se ao perfil dos alunos.
Tabela 3
Note-se que na escola de idiomas há um ex-aluno perfil 2 lecionando Inglês e na rede estadual pública há um aluno perfil 1 lecionando Português. Além disso, há uma ex-aluna, (D), cujo perfil é 1,
mas que, por conta da necessidade, apropriou-se da facilidade propiciada pela dupla licenciatura e atua também na área Língua Portuguesa. Apesar dessas migrações, a maioria dos ex-alunos segue o perfil
inicialmente escolhido.
Após o rastreamento e análise das migrações dos alunos já em
serviço, apresentamos a análise do cruzamento dos relatórios com os
depoimentos enviados por mensagem eletrônica, demonstrando o processo de reestruturações pelas quais todos os perfis passam.
Aluno perfil 1
A ex-aluna K, que durante o estágio de regência demonstrava
não ter tido grandes problemas na prática, visto ser a Língua Inglesa
a sua área de atuação, continuou lecionando em escolas de idiomas
após a graduação. Nesse percurso, teve decepções, pois precisou se
As letras entre parênteses referem-se às abreviaturas dos nomes dos ex-alunos.
As setas (
) indicam as migrações entre as disciplinas Língua Inglesa e Língua Portuguesa, ou seja,
mudança no perfil previamente detectado na disciplina Prática de Ensino e Estágio Supervisionado.
1
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Professores iniciantes de Língua Inglesa: conflitos e re/estruturações...
desligar dessa escola para se dedicar ao processo seletivo da pós-graduação. Por dois anos consecutivos, não conseguiu passar na seleção
para o Mestrado em Lingüística Aplicada e Educação de duas instituições públicas do interior do Estado de São Paulo, o que a desanimou:
[...] tentei incansavelmente por dois anos consecutivos, cada vez
que prestava, mais eu me decepcionava e me achava incapaz de
passar nessa etapa do meu desenvolvimento profissional. Então,
me desanimei [...] Acho que ter passado pelo processo seletivo como
professora substituta [...] me fez acordar e voltar a sonhar com meu
antigo ideal de seguir a carreira acadêmica [...].
O investimento no processo de formação continuada por meio
da opção pela pós-graduação stricto sensu a princípio parecia ser um
obstáculo de difícil transposição para K, que só foi superado após seu
ingresso como professora de uma instituição de ensino superior. Isso
fez com que se animasse, retomando sua disposição para continuar sua
trajetória acadêmica.
D, outra ex-estagiária perfil 1, com experiência no ensino de Língua Inglesa para crianças, em escolas particulares e de ensino de línguas, afirmava estar “[...] preparada para dar aulas para alunos de
escola pública, particular ou em curso de idiomas [...]”. Confirmando o
seu perfil, ainda continua com o ensino da Língua Inglesa em escolas
de línguas. No entanto, para complementar o salário, atua também no
ensino de Língua Portuguesa na rede pública, e a carga horária dessa
disciplina excede a de Inglês, que é a área de sua preferência. Dando
continuidade a sua formação, entrou no mestrado em uma instituição
federal e pesquisa na área de ensino-aprendizagem de Língua Inglesa.
Esse caso revela que a dupla licenciatura em Letras atua como
um “bem” adquirido pelo aluno-professor, que é utilizado em situações
em que precisa se reestruturar econômica e profissionalmente.
S era uma aluna que, apesar de inicialmente ter sérios problemas
com a Língua Inglesa, sempre manifestou a vontade de ser professora
dessa disciplina, mas sentia-se insegura por causa da lacuna lingüística:
[...] confesso que no começo do curso, não me via como professora,
por achar que não tinha competência lingüística [...].
Com muito esforço, no decorrer do curso conseguiu superar parte do problema lingüístico e firmar sua confiança e posição, vendo-se
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 113-126, 2007.
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Ademar da Silva & Denise M. Margonari
como professora dessa língua estrangeira:
[...] mas com o tempo vi que um professor de Língua Inglesa não é
formado apenas de competência lingüística, se assim o fosse, os
“americanos” poderiam vir ao Brasil e fazer com que alunos falassem Inglês em 24 horas, mas um professor de Língua Inglesa é
formado de embasamento teórico, de saber como, porque e para que
aprender Inglês.
Atualmente, S passou no concurso do Estado de São Paulo para
professor de Língua Portuguesa e, como até aquele momento não havia
escolhido sua vaga, é professora eventual dessa disciplina em uma escola estadual de São Carlos (Ensino Fundamental e Médio). Diz estar
feliz e que ainda quer lecionar Inglês, pois continua fazendo curso em
escola de idiomas.
Essas reestruturações profissionais feitas por S, ou seja, a migração para a área de Português, confirma o papel desempenhado pela
dupla licenciatura.
Aluno perfil 2
Em 2002, G, que se considerava mais professora de língua materna do que de língua estrangeira, ao avaliar sua atuação na Prática de
Língua Inglesa, deixa transparecer que o problema da disciplina na
rede pública a afetou de alguma maneira e que:
[...] a área de Inglês não seria a minha principal especialização,
tendo a necessidade de buscar seus auxílios técnicos quando necessário (de K, sua parceira durante os estágios).
Na época, a dúvida, marcada pela forma verbal seria, que, como
modal e não temporal, explicitava atitude do falante sobre aquilo que
é dito. G não confessa que a área de Inglês não é a sua principal
especialização. Mas, ao invés disso, usa o modal seria, que naquele
momento expressa dúvida quanto à possibilidade de vir a atuar como
professora de língua estrangeira. Atualmente, ela terminou o mestrado
em Literatura, na área de Ciências Sociais, e para se manter, dá aulas
de Inglês. Já passou por várias escolas e tem estudado bastante para
ensinar essa língua:
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Professores iniciantes de Língua Inglesa: conflitos e re/estruturações...
E também estou dando aulas na Aliança Idiomas. Considerando
meu histórico, é um avanço considerável. E esse avanço tem se
processado como english speaker and teacher, já que me vi pela
primeira vez obrigada a dar aulas todas em Inglês. Isso me deixou de início muito insegura [...] Procuro desde então estudar
mais, ler bastante em Inglês, ver mais filmes com legendas em
Inglês.
Mesmo com todo esse investimento e satisfação pessoal no ensino da Língua Inglesa, ainda não vê a possibilidade de ficar por muito
tempo atuando em língua estrangeira:
O fato é que para mim, dar aulas de Inglês me interessa, sobretudo pelo fato de estar trabalhando como professora, que definitivamente é uma de minhas paixões. [...] Esse talvez seja um lado
bom da minha “ignorância” na língua, tenho prazer em aprender
com meus alunos, essa troca, acredito ser muito boa para o aprendizado deles [...] Além disso, o aprendizado do Inglês é muito
importante para a carreira acadêmica, a qual pretendo seguir, e
emprego como professor de língua estrangeira é “um quebra galho” dos mais antigos [...] Desejo terminar meu Mestrado e trabalhar no que realmente gosto, seja na literatura, seja na Sociais
[...] Há tantas coisas que tenho estudado, lido, que merecem ser
ensinadas. E então, Inglês, just for fun. Quem sabe?
Note-se que, apesar de tudo o que tem feito, G não se sente competente o suficiente para dar aula de língua e reitera a sua vontade de
trabalhar com aquilo que gosta: a Literatura. Entretanto, sua consciência acerca do seu menor desenvolvimento com relação à Língua Inglesa
mostra-se como um aspecto positivo, que a impulsiona a continuar
estudando para melhorar a qualidade de suas aulas. Assim, ao final de
seu depoimento, aponta para o seu verdadeiro sonho, sem descartar,
mais uma vez, a possibilidade de ensinar Inglês como uma atividade
prazerosa.
Ao migrar para um outro perfil, o ex-aluno passa a investir na
área a que ele não tinha dado tanta atenção. Essas reestruturações
preenchem uma lacuna da graduação, complementando a sua formação em duas licenciaturas.
A ex-aluna P não se via como professora de Inglês, e a expectativa de reger aulas nessa língua lhe causava grande insegurança. No en122
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Ademar da Silva & Denise M. Margonari
tanto, o seu grau de envolvimento com a Prática de Ensino foi tanto
que, após o estágio, ela já considerava a hipótese de ensinar essa disciplina. Veja-se o depoimento de H, sua parceira durante os estágios,
sobre a mudança de atitude de P:
Fiquei satisfeita em perceber, durante as aulas, o interesse e o
envolvimento que ela dispensou aos alunos e às atividades desenvolvidas. Porque durante o curso a P dizia que nunca iria dar aula.
Após o estágio, já havia mudado de idéia, e passou a considerar
essa hipótese.
Apesar de considerar essa hipótese, P, ao rever mais uma vez a
sua atuação profissional futura, conclui:
No momento não pretendo atuar na área de Língua Inglesa. Gosto
muito da língua e acredito estar preparada para ministrar tal disciplina, pois tenho facilidade em aprendê-la e paciência para ensinála.
De fato, P não está ensinando Inglês. Atualmente está na Itália,
fazendo curso de Italiano. Gosta muito dessa língua e quer trabalhar
no seu ensino quando aqui retornar, o que significa que continua na
área de ensino de língua estrangeira.
A ex-aluna R, com algumas características do perfil 2 mescladas
com o 3, ao terminar o curso, volta para a casa dos pais e se questiona:
Medos, anseios e insegurança que se traduziam na pergunta a
latejar dentro da minha cabeça: o que fazer da minha vida?
Para dar conta dessa questão, R tentou se preparar para o
mestrado em Análise do Discurso, mas perdeu o prazo para inscrição.
Enviou o curriculum vitae para algumas instituições de Ensino Fundamental e Médio, na tentativa de dar aulas de Português e Literatura,
mas não conseguiu nada. Dizia que:
Não arriscaria ensinar Língua Inglesa, uma vez que meu Inglês
merecia ser esquartejado [...].
Por isso, matriculou-se na Cultura Inglesa de Ribeirão Preto. Desde
então, tem estudado bastante o idioma, já prestou o Cambridge First
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Professores iniciantes de Língua Inglesa: conflitos e re/estruturações...
Certificate2, conseguiu um trabalho de 10 horas semanais no SAC –
Self Access Centre da instituição, onde dá apoio a alunos com dificuldades. Apesar de não explicitar que está investindo na futura profissão, ela diz:
Estou estudando agora para prestar o CAE3 em dezembro e ano que
vem estou me organizando para ir para Brighton fazer um curso de
um ano na escola Saint Giles e tirar o Proficiency4 lá. Se nada disso
der certo, começamos de novo com o antigo projeto de vender salgadinhos.
Observa-se a mudança no perfil de R, que migra do ensino de
língua materna e passa a investir no ensino de língua estrangeira. Assim como G, não considera sua competência lingüística bem desenvolvida no idioma para ensiná-lo, apesar de ter sido aprovada em um
exame de nível avançado de Inglês. Sua conscientização a respeito da
necessidade de continuar estudando a língua para se aprimorar é muito positiva, principalmente pelo fato de procurar pela formação continuada em um país falante do Inglês como língua materna.
Aluno perfil 3
Os alunos perfil 3, apesar de alguma movimentação na direção
profissional direcionada pela licenciatura, ainda continuam atuando
em outra área. Por exemplo, AM, que trabalha como jornalista, passou
no concurso na rede pública para professor de Português, mas não assumiu. Também cursou uma especialização lato sensu em Estudos Literários na UNESP/Araraquara. SA, que trabalha na Nossa Caixa, tentou
estrado em Lingüística Aplicada na Unicamp e Lingüística na UFSCar,
mas não foi bem sucedido. Já H, que, apesar das tensões, havia feito um
bom trabalho de Prática de Ensino, não se sentia preparada para ser
professora:
[...] Não pretendo atuar na área de LI, pois entendo que não estou
preparada suficientemente para assumir essa responsabilidade. Tenho dificuldade com a LI. O curso diminuiu um pouco essa dificuldade, mas não o quanto eu entendo ser necessário para ensinar.
Primeiro exame de nível avançado da Universidade de Cambridge.
Certificate of Advanced English, exame avançado da Universidade de Cambridge.
4
Exame posterior ao CAE, o último exame de nível avançado da Universidade de Cambridge.
2
3
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Ademar da Silva & Denise M. Margonari
Logo após o curso, pensou em se preparar para um curso de pósgraduação, mas não teve condições, pois se envolveu nos assuntos domésticos. Atualmente, apesar de dizer que: “[...] sou uma dona-de-casa
convicta. Não tive coragem de abandonar meu posto e me dedicar ao
magistério [...]”, pensa em preparar um projeto em Lingüística e retornar
aos estudos.
Os dados acima apresentados evidenciam que os ex-alunos têm
um desejo muito forte de se encontrar e de se aprimorar profissionalmente. Todos, de certa forma, estão fazendo ou já fizeram algum movimento em direção a uma mudança futura, e isso acarreta momentos de
dúvidas, angústia e tensão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados analisados demonstram que (a) um número razoável
de ex-alunos professores egressos de 2002 está seguindo a opção profissional prevista pelo curso de graduação, evidenciando que a licenciatura está cumprindo o seu papel; (b) os ex-alunos algumas vezes migram
de perfil e, apesar dessas migrações, a maioria segue a decisão inicialmente tomada; (c) a dupla licenciatura em Letras atua como um “bem”
adquirido pelo aluno-professor, que a utiliza em situações em que precisa se reestruturar econômica e profissionalmente; (d) ao migrar para
um outro perfil, o ex-aluno passa a refletir sobre a necessidade de um
investimento na área a que ele não tinha dado tanta atenção anteriormente. Essas reestruturações, além de preencherem lacunas da graduação, complementam a sua formação em duas licenciaturas e são um
avanço em direção à formação continuada.
O cruzamento dos relatórios com os depoimentos enviados por
mensagem eletrônica mostra que os ex-alunos-professores ainda estão
vivenciando situações de mudança. Nesse processo, são movidos pelo
seu perfil: uma força que atua nas suas escolhas e experiências feitas
durante o curso de Letras, e por isso ainda enfrentam momentos de
ansiedade e insegurança com relação à futura atuação profissional. No
processo, essas sensações, além de, muitas vezes, revistas e transpostas, correspondem a um período de instabilidade profissional natural
(início de carreira) e são recorrentes na faixa etária em que se encontram
(21 a 28 anos). Talvez, a maturidade e as experiências profissionais
ajudem na decisão final e na superação das dificuldades.
Tais resultados apontam para a primazia na continuidade deste
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Professores iniciantes de Língua Inglesa: conflitos e re/estruturações...
estudo com dados de alunos egressos de 2003 a 2005 e evidenciam
também a necessidade de nos encontrarmos com alguns deles em serviço, ou seja, em situação real de sala de aula. Nossa hipótese é que
ainda continuarão sujeitos a inúmeras reestruturações, mas os que seguirem a carreira docente prosseguirão mantendo os níveis de excelência em relação à fundamentação teórico-prática inicialmente recebida
no curso de graduação em Letras, bem como persistirão no investimento do processo de formação continuada de professores em serviço.
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Encaminhado em: 03/07
Aceito em: 06/07
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Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor>
Silvia Christina Madrid Finck
A EDUCAÇÃO FÍSICA E O ESPORTE EM ESCOLAS PÚBLICAS DE ENSINO FUNDAMENTAL
(TERCEIRO E QUARTO CICLOS): ANÁLISE
DO COTIDIANO DO PROFESSOR E PERSPECTIVAS DE MUDANÇAS NO ENSINO
PHYSICAL EDUCATION AND SPORTS IN
PUBLIC SCHOOLS IN THE THIRD AND
FOURTH CYCLES OF BASIC EDUCATION:
ANALYSIS OF TEACHER’S ROUTINE AND
PERSPECTIVES FOR CHANGES IN TEACHING
Silvia Christina Madrid FINCK*
Resumo: O presente artigo refere-se à síntese da Tese de
Doutorado elaborada e defendida pela autora na Universidade de Leon, Espanha, no Programa de Ciência da
Atividade Física e do Esporte, em março de 2006. O objeto da pesquisa é a análise do cotidiano pedagógico do
professor de Educação Física, no Ensino Fundamental,
terceiro e quarto ciclos, em algumas escolas públicas estaduais da cidade de Ponta Grossa, no Estado do ParanáBrasil. O objetivo geral da investigação é analisar e discutir algumas das interfaces do cotidiano escolar, com
relação ao contexto que envolve o professor de Educação
Física e seus alunos no espaço da Escola Pública. A
metodologia utilizada é a pesquisa de campo, a abordagem do estudo é qualitativa, de cunho etnográfico, descritiva, confrontada com a experiência vivida da pesquisadora. Através dos estudos empreendidos, pretende-se
apontar questões relevantes, objetivando perspectivas de
mudanças pedagógicas necessárias na busca de caminhos
*
Professora Adjunto da Universidade Estadual de Ponta Grossa (DEMET/UEPG), Mestre em Educação
(UNIMEP) e Doutora em Ciência da Atividade Física e do Esporte (UNILEON). E-mail: [email protected].
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Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor>
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A Educação Física e o Esporte em escolas públicas de ensino fundamental...
mais significativos e contribuições mais consistentes. A
discussão e as conclusões do estudo apontam para a
necessidade de reflexão, análise e transformação da prática pedagógica da Educação Física e do Esporte hoje
realizada, para o que são apontadas possibilidades teórico-metodológicas no âmbito desse trabalho na escola
e do processo de formação inicial e continuada de professores.
Palavras-chave: Educação Física. Esporte. Escola Pública. Formação de professor.
Abstract: The present article is a synthesis of the doctoral
thesis presented at the University of Leon, Spain, in the
Program of Science of Physical Activity and Sport, in
March 2006. The object of the study is the teaching
routine of physical education teachers in public schools.
The main goal of the investigation is to analyze and
discuss some of the interfaces of the school routine,
regarding the context that involves physical education
teachers and their students in public schools. The
methodology includes field work and is qualitative,
ethnographic, and descriptive and is confronted with the
researcher’s experience. The study intends to point out
relevant and important issues, aiming at necessary
pedagogic changes in search for more significant forms
and more solid contributions. In the analysis, discussion
and conclusions of the study, it is emphasized the need
for reflection, analysis and transformation of the
pedagogical practice of the physical education and sports
teacher. Therefore, some methodological theoretical
possibilities are pointed out on how to approach physical
education and sports in schools as well as in initial and
continuing teacher education.
Keywords: Physical Education. Sports. Public School.
Teacher Education.
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 127-146, 2007.
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Silvia Christina Madrid Finck
INTRODUÇÃO
Este artigo refere-se à síntese da Tese de Doutorado elaborada e
defendida pela autora na Universidade de Leon, Espanha, no programa Ciência da Atividade Física e do Esporte, em março de 2006. O
objeto da pesquisa é a análise do cotidiano pedagógico do professor de
Educação Física, no Ensino Fundamental, terceiro e quarto ciclos (5ª a
8ª série), em algumas escolas públicas estaduais na cidade de Ponta
Grossa, no Estado do Paraná-Brasil. A opção por este objeto se deu em
função de preocupações voltadas tanto para as questões pedagógicas
da Educação Física e do Esporte, no contexto escolar, como para a formação do profissional que atua nos diversos campos de trabalho, entre
eles a Escola. O problema foi delineado por algumas questões centrais
que permeiam o desenvolvimento deste trabalho, quais sejam: Qual a
concepção pedagógica que fundamenta o fazer pedagógico do professor
na Escola? Quais os conhecimentos desenvolvidos nas aulas de Educação Física? Como se apresenta a organização do trabalho pedagógico
desenvolvido pelo professor? Qual a concepção e o significado das aulas de Educação Física e do Esporte para os alunos do terceiro e quarto
ciclos? Como o Esporte é abordado e vivenciado hoje na Escola? Quais
as perspectivas pedagógicas que podem ser apontadas visando a mudanças para a Educação Física e o Esporte, tanto no contexto da escola
como no processo de formação, inicial e contínua, do professor? O objetivo geral da investigação é analisar e discutir algumas das interfaces
do cotidiano escolar, com relação ao contexto que envolve o professor
de Educação Física e seus alunos, no espaço da Escola Pública, no
Ensino Fundamental, terceiro e quarto ciclos.
O trabalho de pesquisa foi desenvolvido de forma integrada, considerando os “diferentes olhares” sobre esse cotidiano, entre eles: dos
acadêmicos do terceiro ano do Curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), que têm a vivência
do cotidiano através da realização do Estágio Supervisionado; dos professores de Educação Física que atuam nas escolas; dos alunos do Ensino Fundamental, terceiro e quarto ciclos; dos professores da disciplina
de Metodologia e Prática de Ensino de Educação Física (MPEEF) da
UEPG, responsáveis pela orientação e supervisão do Estágio Supervisionado; e da própria pesquisadora, que, enquanto educadora, pôde
contribuir descrevendo parte desse cotidiano, já que participa ativamente desse contexto, atuando na escola e na universidade.
Considera-se, no contexto analisado, o que o professor de EduOlhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 127-146, 2007.
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A Educação Física e o Esporte em escolas públicas de ensino fundamental...
cação Física realiza em termos pedagógicos, os interesses e expectativas do aluno de hoje em relação às aulas de Educação Física e ao Esporte, no espaço da escola, bem como os aspectos relacionados à formação
do profissional da área de Educação Física. São consideradas também
as atividades que os acadêmicos desenvolvem na escola, através do
Estágio Supervisionado, em que primeiramente observam as aulas do
professor e, num segundo momento, atuam por meio da docência nas
mesmas turmas, participando e intervindo, dessa forma, no cotidiano
escolar.
O estudo aponta algumas perspectivas que poderão ser utilizadas como novas hipóteses para o desenvolvimento de outros estudos
relacionados às questões que envolvem a Educação Física e o Esporte
no contexto escolar e de formação de professores.
MATERIAL E MÉTODO
O estudo foi desenvolvido na busca do entendimento aprofundado
da realidade da Educação Física e do Esporte na escola pública estadual, partindo do cotidiano do professor de Educação Física, realizado
nesse contexto. A metodologia utilizada é a pesquisa de campo, a
abordagem do estudo é qualitativa, de cunho etnográfico, descritiva,
confrontada com a experiência vivida da pesquisadora. A pesquisa foi
desenvolvida na cidade de Ponta Grossa (PG), no Estado do Paraná
(PR), no Brasil (BR), em sete escolas públicas estaduais (A, B, C, D, E,
F, G) no Ensino Fundamental, terceiro e quarto ciclos, durante o período que compreende os anos letivos de 2001, 2002 e 2003. A pesquisa foi realizada de forma integrada, considerando-se os “diferentes
olhares” sobre o cotidiano analisado. Participaram da pesquisa os
seguintes grupos: 90 acadêmicos dos terceiros anos do Curso de Licenciatura em Educação Física da UEPG, a fim de aproximá-los da
realidade escolar; vinte professores de Educação Física que atuam na
escola, considerando suas experiências, realidades e necessidades;
3222 alunos do terceiro e quarto ciclos das escolas envolvidas na
pesquisa; e seis professores da disciplina MPEEF do referido curso e
instituição, responsáveis pela formação profissional, os quais, também na condição de pesquisadores, são elementos articuladores entre
a universidade e a escola.
Na coleta dos dados foram utilizados os seguintes instrumentos: ficha específica para as observações das aulas nas escolas, entre130
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Silvia Christina Madrid Finck
vista semi-estruturada, questionário, diário de pesquisa, relatório e
análise de documentos. A ficha de observação e as questões dos questionários e das entrevistas foram elaboradas pela pesquisadora; os
demais instrumentos (diário de pesquisa, relatório, análise de documentos) foram selecionados para complementar a coleta de dados,
com o objetivo de torná-la a mais completa possível. As questões
norteadoras da pesquisa, consideradas e tratadas, foram organizadas
tendo em vista as reais necessidades de maiores informações para sua
realização. A ficha de observação foi organizada em forma de uma
tabela onde constam, em forma de tópicos, os aspectos que se referem
à organização da turma, o espaço e material da escola para as aulas
de Educação Física, a metodologia utilizada pelo professor e, finalmente, as relações professor/aluno e aluno/aluno estabelecidas nas
aulas.
A coleta de dados teve início com a observação sistemática das
aulas de Educação Física nas escolas, no terceiro e quarto ciclos, realizada pelos acadêmicos por meio do Estágio Supervisionado, com
uma carga horária semanal de seis horas-aula. Os dados foram coletados
e registrados na ficha de observação. Para enriquecer a coleta de dados, a pesquisadora realizou com cada um dos vinte professores de
Educação Física das escolas uma entrevista semi-estruturada; a questão foi única e aberta, para permitir que os professores falassem de
forma mais livre sobre seu cotidiano na escola. Foram aplicados também, pelos acadêmicos e pela pesquisadora, dois tipos diferentes de
questionários, um para os professores de Educação Física e outro para
os alunos do terceiro e quarto ciclos; e um terceiro questionário foi
aplicado pela pesquisadora para os professores de MPEEF.
Foram considerados também os dados coletados e registrados
nos demais instrumentos: os que foram reunidos pelos acadêmicos,
constantes no diário de pesquisa e no relatório final de Estágio; os
que foram coletados pelos professores de MPEEF, registrados na forma de relatório, referentes, principalmente, às aulas ministradas pelos acadêmicos; e os que foram coletados pela pesquisadora, relativos
às aulas ministradas pelos acadêmicos, que foram registrados no diário de pesquisa. Foram considerados ainda os dados obtidos por meio
da análise dos documentos utilizados pelos professores de Educação
Física nas escolas, como o referencial teórico, o planejamento e os
diários de classe das séries. Na análise dos dados, a pesquisadora
considerou também as discussões realizadas nas aulas semanais de
MPEEF na UEPG.
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A Educação Física e o Esporte em escolas públicas de ensino fundamental...
Alguns aspectos foram privilegiados em determinados âmbitos,
processo de que resultaram as seguintes categorias: Âmbito Escolar
(AE); Âmbito do Ensino e Aprendizagem (AEA); Âmbito das Relações
Pessoais (ARP); e Âmbito Profissional (AP). Essas categorias foram
estabelecidas pela pesquisadora durante a coleta dos dados, que são
apresentados segundo o “olhar” de cada grupo participante da pesquisa, com a descrição e análise de acordo com as categorias estabelecidas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O olhar dos acadêmicos
O contato inicial dos acadêmicos com a escola foi percebido por
eles como um momento de muita apreensão; o principal objetivo foi o
de obter as informações mais relevantes, por meio dos professores, em
relação às turmas nas quais posteriormente realizariam as atividades
de Estágio. De acordo com os registros feitos pelos acadêmicos, a idade
dos alunos se apresentou de forma homogênea, o número de alunos por
grupo variou de 35 a 45, e todas as turmas eram mistas, com três aulas
semanais de Educação Física. O espaço físico para as aulas de Educação Física foi considerado pelos acadêmicos como amplo e suficiente
em quatro escolas e insuficiente e precário em três. O material para as
aulas de Educação Física foi considerado bom e razoável em três escolas e insuficiente e precário em quatro. Percebe-se que o espaço físico e
a quantidade de material muitas vezes chamam mais a atenção dos
acadêmicos do que as questões pedagógicas e metodológicas.
Com relação à análise dos documentos (referencial teórico), os
acadêmicos qualificaram o acervo bibliográfico (livros, apostilas, enciclopédias, textos) encontrado nas bibliotecas das escolas como sendo
precário, desatualizado e em pouca quantidade; 16 professores disseram que utilizam material próprio ou emprestado. Havia poucos computadores nas escolas, com uso limitado, e apenas duas escolas (E, F)
tinham acesso à Internet.
No que tange ao planejamento de Educação Física, apenas nove
professores apresentaram cópia aos acadêmicos, tecendo comentários a
respeito de seus principais aspectos; os outros 11 não o fizeram, justificando-se de diferentes maneiras. Os diários de classe dos professores
retrataram, em parte, a maneira como eles realizam o trabalho pedagó-
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gico: oito professores se mostraram muito organizados; seis registravam
o essencial e seis apareceram como extremamente desorganizados. O
conteúdo predominante abordado nas aulas em seis escolas foi o Esporte, prevalecendo as modalidades coletivas do basquetebol, futebol,
handebol e voleibol. A exceção foi a Escola A, onde uma das professoras
trabalha com Atividades Rítmicas todo o primeiro semestre, trabalhando no segundo com as mesmas modalidades esportivas coletivas
priorizadas pelos demais professores. Também foram desenvolvidas em
quatro escolas, em menor proporção, as modalidades de xadrez e tênis
de mesa. Na escola F havia espaço e material específico para essas
aulas, e todos os alunos do terceiro e quarto ciclos tinham uma aula
semanal de xadrez na forma de projeto, além das três aulas de Educação Física.
Os acadêmicos identificaram nas aulas a abordagem dos seguintes conhecimentos: nove professores trabalharam os fundamentos, as
técnicas e táticas básicas, as regras e o jogo (habilidades-valores), e 11
abordaram também outros conhecimentos relacionados ao esporte, tais
como: aspectos históricos, manutenção e melhoria da saúde, práticas
diferenciadas do esporte e jogos recreativos. Os professores desenvolveram os conteúdos da seguinte forma: todos evidenciaram o aspecto dos
procedimentos em detrimento de outros (realização dos movimentos) e
oito demonstraram ter uma constante preocupação com o aspecto das
atitudes. Os aspectos conceituais foram trabalhados mais nas aulas
teóricas, ou então como trabalho de pesquisa que os alunos deveriam
realizar como atividade de avaliação. Como os acadêmicos tiveram dificuldades para identificar as metodologias utilizadas nas aulas pelos
professores – perceberam uma mescla das mesmas –, eles usaram a
denominação “metodologia não identificada” (NI) para o registro da
maioria das aulas ministradas pelos 20 professores. Alguns acadêmicos identificaram a metodologia utilizada por 11 professores como sendo a dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNS)1. A maioria dos
acadêmicos também destacou que 16 professores deixavam os alunos
escolher o que queriam fazer, no mínimo em uma aula por semana;
seriam as “aulas livres”, sendo identificadas e registradas por eles como
atividades livres (AL). Nenhum acadêmico identificou nas aulas as
Os PCN’S apontam e sugerem encaminhamentos metodológicos para serem utilizados pelos professores no desenvolvimento das aulas de Educação Física, que são fundamentados numa concepção
mais crítica da educação. Para os acadêmicos tais encaminhamentos foram, nesse estudo, identificados como sendo uma metodologia.
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A Educação Física e o Esporte em escolas públicas de ensino fundamental...
metodologias Sistêmica (S), Crítico-Superadora (CS) e CríticoEmancipatória (CE). Todas as aulas ministradas foram consideradas
como sendo fechadas, pois perceberam que tanto as atividades como as
decisões eram estipuladas antecipadamente pelo professor. As “aulas
livres” foram consideradas como sendo abertas, pois, segundo eles, os
alunos decidiam o que iriam fazer. Com relação à metodologia utilizada
pelos professores nas aulas livres, os acadêmicos registraram que cinco
professores as desenvolviam numa concepção de “ensino aberto” (EA) e
que 11 professores não utilizavam nenhum encaminhamento
metodológico específico, caracterizando “aulas com metodologia não
identificada” (NI). Nas Escolas A e D, quatro professores não permitiam as aulas livres, isto é, eram eles que ministravam todas as aulas e
dirigiam todas as atividades.
Os aspectos predominantes referentes à presença da competição
e do lúdico nas aulas apareceram no relato dos acadêmicos da seguinte
forma: a competição foi predominante nas aulas para 11 professores e
existiu em algumas atividades para nove; os acadêmicos identificaram
a predominância dos aspectos lúdicos em algumas aulas de cinco professores, de acordo com os seguintes procedimentos: adaptações nos
jogos, permuta das equipes e motivação dos alunos. Os outros 15 professores adotaram apenas procedimentos relacionados com as adaptações nos jogos, em algumas aulas.
Os acadêmicos registraram o interesse e a participação dos alunos, destacando que no terceiro ciclo (10 a 14 anos) eles foram altos, já
que os alunos só deixavam de participar da aula se ocorresse algum
impedimento por motivo de saúde ou ordem médica, e que no quarto
ciclo (13 a 16 anos) a maioria se interessou e participou das aulas,
embora uma pequena minoria, especificamente do sexo feminino, não
tivesse feito todas as aulas, alegando, principalmente, indisposição e o
fato de não gostarem de algumas atividades. Mesmo assim, a participação foi considerada como sendo alta.
A relação entre professor e aluno foi observada como sendo excelente e democrática para 11 professores; boa e democrática para cinco;
razoável e autoritária para três; e péssima e autoritária para um. A
maioria dos acadêmicos observou que a relação entre os alunos, nas
aulas, foi excelente ou boa; afirmaram que houve alguns conflitos, mas
que foram passageiros, geralmente devido a alguma discordância que
ocorria quando jogavam. Por outro lado, destacaram que o vocabulário
utilizado pelos alunos, entre eles mesmos, às vezes era pejorativo e
ofensivo, embora afirmassem que eram amigos.
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Silvia Christina Madrid Finck
A formação dos grupos nas aulas foi variada; os alunos gostam
muito de ficar juntos, conversar, dar risada e jogar. Quando o professor
trabalhava o jogo como conteúdo da aula, a maioria queria estar na
mesma equipe dos amigos; escolhiam os companheiros para jogar, utilizando o critério da amizade. Depois é que contava o fato de saber jogar
bem. Esse comportamento prevaleceu no terceiro ciclo, mas também
ocorreu entre os alunos do quarto. A formação profissional dos professores é diferente com relação ao ano em que concluíram a graduação,
bem como no que respeita à obtenção do título em nível do pósgraduação. A maioria dos professores tinha concluído a graduação há
mais tempo, entre 15 e mais de 20 anos, dois não tinham especialização e um tinha também pós-graduação, em nível de mestrado, na área
de Educação.
O olhar dos professores das escolas
Todos os professores trabalhavam nas escolas há mais de cinco
anos. Dezoito eram efetivos e dois, contratados. A carga de trabalho
(hora/aula) semanal dos professores nas escolas se apresentou de forma diferenciada. Alguns aspectos referentes às instalações e aos materiais existentes nas escolas foram destacados pelos professores como
deficitários. Com relação às instalações, os problemas mais evidenciados foram: falta de espaço, má conservação das quadras e pátios e a
ocorrência de depredações. Em relação à quantidade de material para
as aulas, 40% dos professores disseram ser suficiente e 60% afirmaram
ser insuficiente. A maioria considera que a escassez de material não
seria obstáculo para o professor fazer um bom trabalho na escola, embora acreditem que uma maior quantidade e qualidade seria fator
determinante no desenvolvimento de um trabalho mais atrativo para
os alunos.
Os professores apresentaram significados diferentes para a Educação Física, ainda que próximos, relacionando-a com objetos específicos, como corpo, saúde, movimento, esporte, jogo, motricidade, disciplina, corpo e mente, atividades físico-esportivas, atividades de ócio,
qualidade de vida e conhecimentos sobre o corpo. Na formulação dos
principais objetivos para a Educação Física na escola, os professores
utilizaram verbos como adquirir, conhecer, organizar, apontar, evidenciar, procurar, reconhecer, modificar, organizar, executar, participar,
abordar e refletir. Nas entrevistas foram identificados outros objetivos
priorizados pelos professores, que evidenciam alguns aspectos didátiOlhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 127-146, 2007.
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A Educação Física e o Esporte em escolas públicas de ensino fundamental...
co-metodológicos das aulas. São eles: os educativos (aprendizagem,
valores, aprender a conviver com os outros); os relacionados à saúde
como manutenção e melhoria (aptidão física, condicionamento físico);
os recreativos (prazer, diversão, jogo); os preventivos (desenvolvimento
de hábitos saudáveis de vida); e os competitivos (superar obstáculos e
a si mesmo, aprender a obedecer às regras e relacionar-se, saber ganhar
e perder, desenvolver o espírito competitivo de forma saudável).
Com relação à elaboração do planejamento, os professores evidenciaram que trocam idéias com os colegas, mas cada qual faz e segue
seu planejamento. A preferência dos professores com relação à faixa
etária dos alunos para ministrar aulas assim se apresenta: 30% preferem dar aulas para os alunos de 10 a 12 anos; 35% afirmaram preferir
dar aulas para alunos de 13 a 15 anos; e 35% afirmaram que não têm
preferência. Quanto aos aspectos percebidos pelos professores, relacionados aos alunos, como a participação nas aulas, as preferências ao
tipo de aula e as dificuldades que os alunos têm, as respostas foram: a)
Afirmaram que, quanto menor a idade, maior o nível de participação
dos alunos; b) Destacaram que a participação dos alunos diminui significativamente, em específico entre as meninas, no quarto ciclo, na 8ª
série; c) Afirmaram que a preferência dos alunos do terceiro e quarto
ciclos com relação ao conteúdo é o Esporte, variando apenas a modalidade esportiva.
Os professores apontaram as seguintes dificuldades apresentadas por alguns alunos: a) do terceiro ciclo, (principalmente na 5ª série):
lateralidade, coordenação, realizar atividades em grupo, saber ganhar,
saber perder, respeitar a vez dos colegas na realização das atividades,
dividir o material e esperar para jogar; b) e do quarto ciclo: lateralidade,
coordenação, insegurança, falta de interesse para aprender, indisciplina,
saber ganhar, saber perder, respeitar as limitações dos colegas.
Com relação ao tipo de aulas que os alunos preferem, os professores responderam o seguinte: a) os do terceiro ciclo (5ª e 6ª série) gostam mais de aulas animadas, com muitos jogos e atividades lúdicas,
mas participam de todo tipo de aula; o interesse e a curiosidade são
constantes e eles gostam de aprender coisas novas; b) os do quarto ciclo
(7ª e 8ª série) se interessam mais pelo jogo realizado de acordo com as
regras oficiais próximas ao Esporte rendimento e não apreciam quando
o professor faz adaptações das regras, afirmando que é aula para criança.
Os conteúdos mais trabalhados nas aulas de Educação Física
pelos professores são: a) no terceiro ciclo (5ª e 6ª séries), atividades
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 127-146, 2007.
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lúdicas, jogos e o Esporte (é mais desenvolvido); b) no quarto ciclo (7ª e
8ª séries), o Esporte. Para todos os professores existem diferenças e
semelhanças entre Educação Física e Esporte. A maior diferença seria
em relação à especificidade de cada um, e a maior semelhança seria em
relação ao movimento e o prazer. Quanto ao aspecto da relação entre
professor e aluno, 55% dos docentes disseram ser boa, 43% afirmaram
que poderia ser melhor e 2% disseram que é péssima. A parcela correspondente aos 45% que não estão satisfeitos afirmou que os alunos não
têm educação e limites, sabem exigir os direitos, mas não sabem seus
deveres, são agitados, não têm paciência para realizar muitas vezes o
mesmo exercício ou atividade, demonstram interesse por atividades e
exercícios novos, mas perdem logo a motivação. Além disso, apesar de
se dizerem amigos, são grosseiros uns com os outros e o vocabulário que
utilizam para se comunicar muitas vezes é ofensivo.
Com relação à escolha da profissão, 80% respondeu que foi devido à ligação com o Esporte, 12% queriam ser professores e optaram
pela Educação Física, pensando que seria mais agradável e fácil o exercício da docência, e 8% tentaram o ingresso em outros cursos, sem
obter êxito. Finalmente, os professores também manifestaram o que pensam a respeito de sua profissão através dos seguintes aspectos evidenciados: remuneração salarial baixa, insuficiente valorização da sociedade pelo trabalho do professor, insuficiente valorização da disciplina na
escola, falta de condições na escola para o desenvolvimento do trabalho e falta de comunicação adequada com a direção e a equipe pedagógica da escola.
O olhar dos alunos do terceiro e quarto ciclos
Devido ao grande número de alunos participantes (3222) e, conseqüentemente, de respostas, para uma melhor apresentação dos dados obtidos foram estabelecidos cinco termos/motivos2, como categorias, para agrupar as respostas dos alunos, conforme as semelhanças
entre elas. São elas: convívio social, aprender, saúde-corpo, prazerdesprazer, jogo-esporte. As respostas foram organizadas de acordo com
a relação predominante com cada uma das categorias, e foram
identificadas pela palavra indicativa apresentada, independentemente
Os mesmos foram selecionados de acordo com os aspectos centrais de cada uma das perguntas do
questionário aplicado para os alunos.
2
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A Educação Física e o Esporte em escolas públicas de ensino fundamental...
da valoração do aluno com relação à sua resposta. As respostas que
não se encaixaram em nenhuma das categorias aparecem no item “outras respostas”. Assim, olhar dos alunos, de forma resumida, assim
se apresenta: gostam muito das aulas de Educação Física; gostam de
estar com os amigos; sentem muito prazer nas aulas Educação Física;
gostam de realizar atividades agradáveis, de se movimentar, sair da
rotina de sala de aula; gostam e preferem aprender sobre Esportes; a
maioria gosta e prefere jogar nas aulas; relacionam o conhecimento
das aulas com aspectos do movimento, da saúde e da aparência física
(beleza); não gostam de discussões, brigas, rejeição e críticas (colegas).
O olhar dos professores de MPEEF
Dos seis professores que participaram da pesquisa, três são efetivos e três são colaboradores. As respostas dos professores se apresentam de acordo com as mesmas categorias. Com relação à participação do professor da escola no Estágio: a maioria fornece as informações básicas, cumprem com o trabalho burocrático e ficam alheios ao
processo. Uma minoria participa realmente, orientando e acompanhando todo o Estágio. As aulas ministradas pela maioria dos professores
são vistas pelos professores de MPEEF como sendo um trabalho sem
compromisso com as questões educacionais, desorganizado e sem relação com o contexto. Por outro lado, evidenciam o trabalho desenvolvido por uma minoria de professores como sendo responsável, organizado e relacionado com o contexto. Todos os professores afirmaram
que o conteúdo predominante desenvolvido nas aulas pelos professores é o Esporte (basquetebol, futsal, voleibol e handebol). Uma minoria de professores desenvolve outras modalidades esportivas e conhecimentos (tênis de mesa, atletismo, xadrez, atividades rítmicas, saúde, qualidade de vida).
As dificuldades enfrentadas pelos professores foram assim
identificadas: a transposição didática dos próprios conhecimentos relativos à área e em relação a outros saberes pedagógicos; alguns parecem não saber mais como trabalhar; os alunos fazem o que querem,
sabem e gostam; quem ministra as aulas tem dificuldades com relação a
manter a disciplina dos alunos e administrar o tempo para organizar
melhor o trabalho; faltam tempo e condições financeiras para a
capacitação, e; finalmente, faltam condições adequadas na escola.
A concepção dos professores de MPEEF com relação aos princi138
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 127-146, 2007.
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Silvia Christina Madrid Finck
pais objetivos da Educação Física na escola seria: subsidiar os alunos
com conhecimentos teóricos, práticos, relacionados à cultura corporal de movimento, bem como com experiências significativas que possibilitem seu desempenho em situações cotidianas, para que possam
usufruí-los em benefício de sua saúde e qualidade de vida. Com relação à elaboração do planejamento da disciplina de MPEEF, os professores destacaram que ele é realizado pelo coletivo de docentes da disciplina, apoiado em critérios de atualização, especialmente na teoria
relacionada à Educação Física Escolar e ao olhar atento sobre as transformações no cotidiano escolar, particularmente da rede pública de
ensino.
Com relação aos princípios que norteiam as orientações referentes ao Estágio Supervisionado, os professores evidenciaram o seguinte: vivência entre a teoria e a prática, favorecendo a reflexão; avaliação e possível interferência na realidade educacional; elaboração
de projetos e propostas alternativas para o trabalho de docência na
Educação Física. Os professores percebem que o acadêmico visualiza
a disciplina de MPEEF da seguinte forma: algo obrigatório que poucos
consideram como um momento especial da formação acadêmica; a
disciplina é vista no inicio do ano como sem importância e necessidade, e no decorrer do processo essa concepção passa a prevalecer entre
a maioria. As principais dificuldades enfrentadas pelos acadêmicos,
destacadas pelos professores de MPEEF, foram: a falta de conhecimento teórico relativo aos conteúdos propostos pela escola; a maioria
não sabe organizar os conhecimentos que adquiriram até então na
graduação para serem desenvolvidos na escola; alguns não se relacionam bem com os alunos; cobram a execução correta daquilo que estão
ensinando; a maioria quer trabalhar nas aulas com as modalidades
esportivas de que tem melhor domínio e conhecimento. Os professores apresentaram tempo diferenciado com relação à atuação no ensino superior, bem como na escola. Todos têm o título de pós-graduação
em Educação e três atuavam também na escola. Dos seis professores
de MPEEF, cinco escolheram a profissão por terem tido vínculo significativo com o Esporte e apenas um disse ter escolhido a profissão por
não gostar das aulas de Educação Física que tinha na escola.
Os professores manifestaram suas concepções sobre Educação
Física e Esporte, entre outras, da seguinte forma: 1) Educação Física:
são todas as manifestações da cultura corporal (ou do movimento)
tratadas pedagogicamente na instituição escolar; 2) Esporte: uma das
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A Educação Física e o Esporte em escolas públicas de ensino fundamental...
principais manifestações históricas da sociedade, é uma das áreas de
conhecimento da Educação Física que chamam muito a atenção das
pessoas por sua veiculação em vários meios de comunicação, e seus
objetivos se diferenciam conforme o contexto e os praticantes. Com relação ao envolvimento dos professores em projetos que contemplem os
dois contextos (escolar e universitário), cinco professores de MPEEF
disseram que participam e apenas um disse nunca ter participado.
CONCLUSÕES
Os acadêmicos
Os acadêmicos fazem a leitura do cotidiano pedagógico realizado
pelos professores tendo como parâmetro principal sua formação, que é
predominantemente técnica. Na graduação há predominância do desenvolvimento do Esporte, o que reflete posteriormente na realização
das atividades do Estágio Supervisionado nas escolas. No curso de
Licenciatura em Educação Física da UEPG, o saber técnico é priorizado,
em detrimento do saber pedagógico, sendo estes desenvolvidos de forma desarticulada, o que contribui para uma visão fragmentada do acadêmico com relação à sua formação. O Esporte continua sendo o conteúdo predominante no currículo, e o enfoque priorizado pela maioria
dos docentes tem abordagem técnica. No curso há uma formação mais
técnica do que pedagógica, com excelentes condições em relação a espaço e material. Os acadêmicos utilizam então esses parâmetros para avaliar aqueles que são oferecidos pelas escolas, considerando-os como sendo fundamentais para o professor realizar seu trabalho de forma significativa. Os conhecimentos relacionados às questões pedagógicas são
tratados de forma superficial até o terceiro ano da graduação. Os acadêmicos, apesar das críticas, reproduzem no Estágio o trabalho desenvolvido pela maioria dos professores. Os encaminhamentos
metodológicos priorizados pela maioria dos acadêmicos mostram que
as atividades com enfoque lúdico no curso de graduação são secundárias e pouco vividas por eles; portanto, parecem ter menos valor pedagógico que os exercícios técnicos. Uma minoria dos acadêmicos desenvolveu aulas diferenciadas no Estágio Supervisionado, com relação aos
conhecimentos e conteúdos abordados, evidenciando indicadores de
um ensino mais aberto, crítico e reflexivo.
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Silvia Christina Madrid Finck
O professor da escola
As concepções do professor em relação à importância de seu papel de educador, bem como de seu comprometimento profissional, prevalecem em relação a outros aspectos para o desenvolvimento de sua
prática pedagógica; muitas vezes o discurso do professor é diferente
daquilo que ele realiza em sua prática pedagógica cotidiana. Os professores têm dificuldades para desenvolver o trabalho pedagógico em grupo, com seus pares. O ambiente escolar não propicia as condições necessárias para que eles se reúnam, troquem experiências e reflitam sobre a sua prática, e isso contribui para o isolamento pedagógico dos
docentes. A maioria dos professores tem dificuldades na organização
de seu trabalho pedagógico, devidas, principalmente, à falta de conhecimentos teórico-científicos. No desenvolvimento do planejamento, os
aspectos técnicos são os mais valorizados pela maioria dos professores,
seguidos daqueles relacionados à competição, à saúde, à prevenção e à
recreação. O conteúdo mais desenvolvido nas aulas é o Esporte, com
abordagem dos seguintes conhecimentos: os fundamentos das modalidades esportivas, as regras, as técnicas, as táticas e o jogo. Como valores, são desenvolvidos principalmente: disciplina, respeito, saber ganhar, saber perder, superação dos próprios limites e trabalho em grupo.
Os conteúdos considerados por 16 professores como pouco importantes são: as ginásticas, as lutas, as atividades rítmicas e expressivas, os
conhecimentos sobre o corpo e os temas transversais.
O tratamento pedagógico dos conteúdos é realizado de forma
limitada, repetitiva e pouco relacionada com o contexto. Os professores
dirigem totalmente o desenvolvimento das aulas, não permitindo a
participação dos alunos. Os exercícios físicos e técnicos realizados durante as aulas prevaleceram, em detrimento das atividades lúdicas, do
jogo e da competição. Os professores poderiam explorar mais os conteúdos e utilizar outras estratégias, tornando as aulas mais motivadoras e
significativas. Os professores valorizam mais os aspectos técnicos do
Esporte no desenvolvimento das aulas, desvalorizando as atividades
lúdicas. As atividades desenvolvidas, em sua maioria, apresentam alto
grau de ênfase na técnica. Quatro dos professores desenvolvem os conteúdos de acordo com objetivos mais amplos, demonstram preocupação com uma abordagem mais significativa e procuram relacioná-los
com o contexto e utilizar estratégias diversificadas. Apenas três professores valorizam primeiro os aspectos lúdicos no desenvolvimento do
Esporte e, num segundo momento, os aspectos técnicos. As atividaOlhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 127-146, 2007.
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A Educação Física e o Esporte em escolas públicas de ensino fundamental...
des desenvolvidas apresentam alto grau de ênfase na participação e no
prazer dos alunos, propiciam encaminhamentos diferenciados que revelam indicadores de um ensino mais aberto, crítico e reflexivo.
Faltam aos professores conhecimentos teórico-científicos para
subsidiar o desenvolvimento de um trabalho pedagógico diferenciado e
atualizado. Há uma valorização nas aulas, por parte de 15 professores,
da participação e disciplina dos alunos. Os professores que apresentam objetivos no desenvolvimento das aulas livres possibilitam aos
alunos: o poder de decisão e de escolha; realizar o que mais gostam;
aprender a organizar-se e ceder em nome do grupo; aprender a se relacionar com outros colegas na Escola, aqueles que não fazem parte do
grupo de amigos. Os indicadores de um ensino mais aberto, reflexivo e
crítico, como, por exemplo, formular questionamentos, participar das
atividades junto com os alunos e delegar a liderança a eles tiveram
baixa incidência nas aulas. As intervenções da maioria dos professores
foram mais evidenciadas com relação à correção dos movimentos executados pelos alunos e às questões referentes a comportamento e disciplina. Percebe-se que a atuação do professor é de fundamental importância, tanto para incentivar como para inibir, e influencia na participação
dos alunos nas aulas. A Secretaria de Educação do Estado de Paraná
não oferece condições para os professores desenvolverem um trabalho
sistemático com relação aos treinamentos esportivos, visando à participação dos alunos em competições escolares. A remuneração do professor da escola pública da Rede de Ensino do Estado de Paraná é baixa, e
a carga do trabalho é grande. Assim, faltam recursos financeiros e tempo para o professor investir em sua capacitação profissional. A Secretaria de Educação do Estado de Paraná investe pouco na capacitação dos
professores de Educação Física.
Os alunos do terceiro e quarto ciclos
A maioria dos alunos gosta das aulas de Educação Física e as
atividades lhes proporcionam prazer. Os alunos gostam de estar com
os amigos nas aulas, assim como realizar juntos as atividades físicas e
esportivas. O Esporte é o conteúdo preferido dos alunos nas aulas, e ele
é o mais vivido em suas horas livres. Os alunos querem aprender mais
sobre o jogar, pois desejam jogar melhor. Uma parcela significativa dos
alunos deseja aprender mais sobre o Esporte, para participar de competições escolares. A falta de diversidade de exercícios e atividades e a
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forma como os conteúdos são desenvolvidos pelo professor diminuem a
motivação dos alunos, levando-os a uma menor participação. A falta
de orientação pedagógica (não aprender a jogar) e a ausência do professor durante o processo de aprendizagem também é considerado como
fator que diminui a motivação dos alunos. Os alunos, principalmente
do terceiro ciclo, gostam muito e participam com entusiasmo das aulas
com enfoque nas atividades lúdicas.
Os alunos se referem ao corpo, relacionando-o com o aspecto biológico, mas também à beleza, com o sentir e o perceber. Alguns fatores
contribuem para que o aluno não participe das aulas: a falta de espaço e
material, a falta de organização nas aulas, a divisão inadequada dos
grupos de alunos em equipes e o número elevado de alunos por turma.
Alguns aspectos referentes ao professor influenciam a motivação dos alunos em participar das aulas, tais como: o tipo de relação que estabelece
com os alunos, sua participação menos ou mais ativa, os castigos que
aplica aos alunos e a forma como organiza as aulas e seus conteúdos.
Os professores de MPEEF
A preferência da maioria dos professores pela profissão foi influenciada pela ligação que tiveram com o Esporte como atletas. Os
professores desenvolvem na disciplina de MPEEF um trabalho articulado, cooperativo e compromissado com as questões educacionais. Os
professores fazem uma leitura crítica do trabalho desenvolvido pelos
professores nas escolas, identificando suas dificuldades e limitações,
mas também reconhecem que uma minoria realiza sua prática pedagógica de forma diferenciada. Os professores percebem a fragmentação no
processo de formação dos acadêmicos, através das dificuldades que
apresentam no desenvolvimento do Estágio Supervisionado, e também
reconhecem que são necessárias mudanças no Curso de Licenciatura
em Educação Física da UEPG, a fim de favorecer uma formação mais
sólida, em que os saberes técnicos e pedagógicos sejam desenvolvidos
de forma articulada.
Depois do entendimento das conclusões a que se chegou, são
apontadas algumas perspectivas que poderão ser utilizadas como novas hipóteses para o desenvolvimento de outros estudos, relacionados
às questões que envolvem a Educação Física e o Esporte, no contexto
escolar e de formação de professores.
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A Educação Física e o Esporte em escolas públicas de ensino fundamental...
Perspectivas do processo de formação
É necessário que os acadêmicos do curso de Licenciatura em
Educação Física da UEPG tenham: um contato com o contexto escolar
desde o início da graduação, uma maior carga horária para o desenvolvimento de atividades supervisionadas no contexto escolar. É necessário também desenvolver projetos envolvendo a escola e a universidade, visando à formação inicial do acadêmico e a formação continuada do professor que atua na escola.
Perspectivas da abordagem da Educação Física e do Esporte
A escola pública estadual deve oferecer espaço para a aprendizagem do Esporte em nível de treinamento esportivo, pois uma parcela significativa dos alunos deseja aprender sobre o Esporte para participar de competições escolares. O professor deve propiciar nas aulas
de Educação Física oportunidades de vivência de situações de ensinoaprendizagem que levem os alunos ao desenvolvimento da autonomia
e a maneiras de conviver socialmente, pois as aulas são vistas pelos
alunos como ótimos momentos de consolidação das relações de amizade. Nas aulas de Educação Física devem ser permitidas práticas
alternativas, opções de movimentos, variabilidade de atividades,
oportunidades para os alunos se desenvolverem, se expressarem, participarem efetivamente, construindo também a prática. Os conteúdos devem ser tratados, nas aulas, de forma mais ampla, flexível e
relacionada com o contexto, pois assim estarão sendo abordados culturalmente, tendo um significado para o aluno, ao mesmo tempo em
que poderão lhes proporcionar prazer, despertando também seu interesse, mantendo-os motivados intrinsecamente para a realização das
atividades propostas. Alguns temas podem ser tratados pedagogicamente, devendo ser incluídos, entre outros, conhecimentos tais como:
a complexidade do funcionamento do corpo, as inúmeras possibilidades de realização de atividades físicas e esportivas, as drogas e a alimentação.
Numa perspectiva mais ampla em relação aos objetivos da Educação Física e o papel da escola, acredita-se que ela deva ser um espaço onde os alunos possam se desenvolver e realizar o que gostam e
preferem. Seu principal objetivo seria propiciar o descobrimento da
identidade de cada um, e com ela, o descobrimento da vocação, reali-
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Silvia Christina Madrid Finck
zando aprendizagens do tipo intrínseco, capazes de gerar o crescimento dos alunos como pessoas, através, também, do desenvolvimento de
um conjunto de valores. Nas aulas de Educação Física devem ser propiciadas situações em que os alunos se sintam competentes, importantes, capazes de auxiliar outros, sendo de fundamental importância também o estímulo da criatividade. A escola deve auxiliar os alunos a se observarem e se conhecerem. Acredita-se que a Educação
Física na escola não pode limitar-se apenas ao ensino de movimentos
e gestos técnicos; a abordagem do conhecimento deve se dar de forma
ampla e significativa.
Acredita-se que este estudo, através das conclusões e perspectivas apontadas, seja uma contribuição inicial para que se busquem
novos caminhos, podendo de alguma forma despertar a preocupação
com os referidos contextos, visando a uma educação por meio das
atividades físicas esportivas que são parte de uma cultura corporal de
movimento.
REFERÊNCIAS
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1995.
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Encaminhado em: 11/07/06
Aceito em: 05/03/07
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Cristine Isabel Simão & Mariná Holzmann Ribas
INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO: VANTAGENS
E EMPECILHOS
COMPUTER SCIENCE IN EDUCATION:
ADVANTAGES AND DIFFICULTIES
Cristine Isabel SIMÃO*
Mariná Holzmann RIBAS**
Resumo: Adentramos o século XXI com a certeza de que o
conhecimento será a principal fonte de riqueza do homem,
cercada pelas altas tecnologias de informação e comunicação. Não poderíamos deixar de dizer que as tecnologias,
dentre elas o computador, chegaram à educação, mesmo
que ainda de forma suave. O presente trabalho relata uma
investigação sobre as vantagens e os empecilhos do uso
do computador na educação, verificando que, apesar de a
jornada da informática na educação não ser insipiente,
há muito que fazer. O trabalho nos aponta outro viés pelo
qual a informática na educação deverá ter suas atenções
redobradas, que é a formação do professor, uma formação
que precisa despontar para novos caminhos de uso pedagógico do computador, num processo de mudanças de
paradigmas, rompendo barreiras. As experiências realizadas e relatadas pelos professores neste trabalho nos dão a
esperança de que os diferentes usos do computador na
educação possam vir a ser uma ferramenta poderosa à disposição dos professores, porque as vantagens do seu uso
são imensas. As experiências se mostram favoráveis, mesmo diante de inúmeras dificuldades, e o desejo de mudar
está dentro de cada um desses profissionais, que buscam
incansavelmente novas formas de ensinar e também de
aprender, dando vida à educação. Diante da realidade
Pedagoga. Mestre em Educação pela UEPG. Professora da Faculdade de Telêmaco Borba. E-mail:
[email protected]
**
Pedagoga. Mestre e Doutora em Educação (Supervisão; Currículo) pela PUC-SP. E-mail:
[email protected]
*
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Informática na educação: vantagens e empecilhos
relatada, alguns caminhos podem ser apontados como possíveis mudanças, com a finalidade de contribuir para que
a informática na educação tenha um lugar de destaque
dentro das nossas escolas públicas.
Palavras-chave: Formação de professores. Tecnologia.
Informática na educação.
Abstract: We start the 21st century aware that knowledge
will be the main source of wealth for men surrounded by
high technologies of information and communication. It
is necessary to mention that technology, including
computers, is part of education nowadays even though
still in a superficial form. The present paper reports an
investigation about the advantages and difficulties of using
computers in education; the paper also points out that
there is still a lot to do concerning the use of computers in
education. The investigation demonstrates that in order
to use information technology in a useful way in education
teacher education needs to change paradigms and break
barriers and prepare teachers for the use of computers in
their teaching practice. The experiences developed as well
as teachers´ reports demonstrate that the different uses of
computers in education can become a powerful tool for
teachers as there are numerous advantages. Despite the
various difficulties the experiences show that teachers are
willing to incorporate the new technologies in their teaching
as they look for news forms of teaching and learning in
order to give education a new impetus. The reality reported
points out paths that can lead to change that can contribute
so that information technology in education has a central
role in public schools.
Keywords: Teacher education. Technology. Computer
science in education.
A tecnologia vem provocando diversas mudanças no mundo,
influenciando cada vez mais nossa vida e nossa maneira de pensar e de
agir. Vivemos hoje em uma sociedade marcada pelo desenvolvimento
148
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 147-158, 2007.
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Cristine Isabel Simão & Mariná Holzmann Ribas
da informação e da comunicação, viabilizada por altas tecnologias. No
centro dessa revolução, encontramos o computador, utilizado nas mais
diversas áreas, inclusive na educação, não apenas para processar informações, mas, sobretudo como meio de comunicação.
O computador chega à educação lançando novos desafios, exigindo novas funções. Ele representa uma transformação ampla, que vai
além do processo de ensino e aprendizagem, preparando os cidadãos
de forma plena para viver no novo milênio, comunicando-se com o mundo
e assumindo o comando de suas vidas. Enfim, participando de forma
ativa e efetiva na sociedade.
Desde a chegada da informática na educação brasileira, muitas
barreiras foram vencidas, alguns anos de experiências, pesquisas e projetos reuniram boa bagagem, permitindo o suporte necessário para que
os computadores se integrassem ao cotidiano das escolas do sistema
público de ensino.
Cremos, porém, que outras batalhas precisam ser vencidas. Alguns mitos precisam ser desfeitos, principalmente aquele que insiste
em anunciar a substituição do professor pela máquina, e algumas meias verdades acerca do uso do computador precisam ser esclarecidas.
Isso porque elas podem servir de instrumento de dominação. É necessária uma atualização constante das formas de utilização do computador como ferramenta pedagógica, explorando sua real contribuição para
a construção do conhecimento.
Essa atualização só ocorrerá quando houver práticas suficientes,
isto é, quando os professores se aliarem ao computador (perderem seus
medos) e acreditarem nas possibilidades e contribuições que essa ferramenta pode fornecer para a educação. As tecnologias disponibilizadas
pelo computador já estão presentes no cotidiano de nossas escolas,
através de nossos alunos. Fazem parte do seu conjunto de atividades.
Nossos alunos já nasceram acostumados com essa cultura tecnológica,
cercada pelos vídeos, pela televisão, computadores e outros equipamentos eletrônicos. Não sentem qualquer dificuldade com os inúmeros
termos técnicos e botões. Muito menos nesse contexto de rapidez da
informação e de mudanças. Eles não têm medo de arriscar.
É preciso, portanto, estimular os professores a repensarem suas
práticas. Sabemos que toda mudança é caracterizada por duas atitudes: de um lado, os que são favoráveis, e de outro, aqueles que resistem. Estes têm total aversão ao desconhecido. Não gostam nem de falar
em alterações curriculares. Render-se à multimídia e a telemática, nem
pensar.
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Informática na educação: vantagens e empecilhos
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
O contexto histórico atual exige que o professor esteja aberto a
mudanças, dispondo-se a modificar sua prática. Ele precisa acompanhar atentamente o surgimento de recursos inovadores. No entanto, é
difícil convencê-lo sobre a necessidade da utilização desses recursos
quando não há capacitação adequada. Não dá simplesmente para exigir que os professores utilizem esses recursos apenas para justificar sua
prática em sintonia com a modernidade, sem a adequação a necessidades reais.
Essa tarefa não é fácil. A formação dos professores é ainda fortemente alicerçada no paradigma positivista, em que há a fragmentação
do conhecimento e a dicotomia entre teoria e prática. Muitas mudanças precisam ocorrer nos cursos de formação.
Enquanto as instituições formadoras insistirem neste paradigma,
a atuação do professor continuará prejudicada, pois ele enfrenta situações problemáticas e complexas em seu campo de trabalho. A formação
profissional persistirá sustentada por um modelo inadequado, que não
considera as competências práticas e dificulta o desenvolvimento de
capacidades dirigidas para aspectos mais humanizantes e criativos das
pessoas.
Para consolidar a educação nos dias atuais, se realmente queremos uma escola competente para um ensino crítico, criativo, de qualidade, que desenvolva o cidadão, precisamos adotar outros parâmetros
para permitir que o professor desenvolva habilidades de formador e
estimulador do pensamento e da inteligência do aluno. Segundo Demo
(1992, p. 36), é urgente desenvolver habilidades como:
[...] a capacidade propedêutica, definida como competência em
construir condições adequadas do aprender a aprender, do saber
pensar, de pesquisar, de teorizar a prática, de atualizar-se constantemente. Trata-se de habilidade tipicamente metodológicoinstrumental, de domínio de meios e métodos, para ele poder
produzir conhecimento com a devida destreza, capacitando-se,
assim a construir com a criança o mesmo ambiente produtivo,
construtivo, participativo.
Apesar de exigir muito, apenas a capacidade propedêutica não é
suficiente. Segundo o mesmo autor, urge “dominar conteúdos”. É preciso saber “filosofia, matemática e conhecer muito a própria língua”. É
150
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 147-158, 2007.
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Cristine Isabel Simão & Mariná Holzmann Ribas
necessária também a “instrumentalização eletrônica”, cada vez mais
importante na construção e socialização do conhecimento. A informática
é relevante porque propicia condições para melhor produzir e manejar
o conhecimento. Por fim, tendo em vista um princípio científico e
educativo, o professor deve dedicar-se à pesquisa, para conseguir uma
atitude crítica e criativa no trabalho, capaz de fazer convergir os verbos
“saber” e mudar”.
O ideal seria que o educador aprendesse a lidar com as tecnologias
durante sua formação inicial, nos cursos de Licenciatura e de Pedagogia, porque isso facilitaria a sua ação na prática, no uso desse novo
referencial pedagógico, nas atividades práticas. Atitude importante para
o educador é “saber integrar conscientemente o uso do computador na
prática pedagógica, transformá-la e torná-la transformadora do processo de ensino e aprendizagem”. (MEC, 1998, p. 10).
Todavia, é importante que o professor se conscientize de que não
se muda de
paradigma educacional apenas colocando uma nova roupagem,
camuflando velhas teorias, pintando fachada da escola, colocando telas e telões na sala de aula, se o aluno continua na
posição de mero expectador, de simples receptor, presenciador e
copiador, e se os recursos tecnológicos pouco fazem para ampliar
a cognição humana. (MORAES, 1997, p. 17).
A palavra de ordem é mudar. Mas mudar o quê? A educação
encontra-se num período de transição, vivenciando crises e buscando
possíveis soluções, para transpor obstáculos e alcançar o mínimo exigido por uma sociedade em constante mudança.
Sendo assim, cabem alguns questionamentos: Como ensinar na
era da informação? Quais as vantagens que as tecnologias, principalmente o computador, têm a oferecer à educação? Como fica o papel da
escola, do professor, do aluno nessa sociedade caracterizada pela informação e pelo conhecimento extramuros da escola?
Ao analisar historicamente os caminhos da educação, percebemos que as mudanças na área sempre foram morosas. A tecnologia está
nesse ambiente apesar de não ter sido produzida exclusivamente para o
educacional. Esse fato contribuiu para ela fosse desacreditada em sua
real contribuição para a educação. Torna-se necessário salientar tais
trajetórias morosas deixaram algumas marcas, o que
resultou na existência, entre muitos educadores, de um sentiOlhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 147-158, 2007.
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Informática na educação: vantagens e empecilhos
mento de descrédito em relação ao uso de artefatos tecnológicos
no processo de ensino. Esta “repulsa” só pode ser compreendida
e superada à medida que, além de conhecermos sua origem, apontemos para uma nova compreensão da importância do uso da
tecnologia educacional no processo ensino-aprendizagem. (OLIVEIRA, 1997, p. 9).
O assunto tecnologia não se esgota quando se trata de sua
aplicabilidade na educação. É algo que vem sendo discutido há muito
tempo, gerando posicionamentos a favor e contra a sua utilização, mas
Belloni (1999, p. 53) lembra que toda tecnologia, em qualquer situação
do processo ensino-aprendizagem, deve vir acompanhada da reflexão sobre
o que realmente existe por trás dela; não devemos esquecer que ela é o
meio e não um fim em si mesma, nosso fim é a educação, o desenvolvimento de nossos alunos, e é isso que não podemos perder de vista.
DIFERENTES USOS DO COMPUTADOR NO ENSINO
A chegada do computador na sala de aula gerou e ainda gera nos
professores muitas inquietações, dúvidas e ansiedades. Cremos que,
antes do uso dessa tecnologia, é necessário quebrar barreiras, destruir
as muralhas da resistência às mudanças exigidas, principalmente vencer a mitificação em relação ao computador, tido como algo mágico,
capaz de trazer soluções milagrosas para a educação, uma supermáquina,
diabólica, que faz tudo, uma presença de destaque no ensino, podendo
até substituir o professor.
É importante ressaltar que as tecnologias da informação e comunicação permitem um reencantamento na escola. Portanto, não há mais
como negar a importância desses recursos na educação, vislumbrando
um futuro na sociedade do conhecimento. A presença plena da
informática na educação é inevitável.
As tecnologias na educação não trazem soluções imediatas, mas
viabilizam novas formas de apreensão do conhecimento, e elas “permitem ampliar o conceito de aula, de espaço e tempo, de comunicação
audiovisual, e estabelecer pontes novas entre o presencial e o virtual,
entre o estar juntos e o estarmos conectados a distância”. (MORAN,
2000, p. 12). Promovem mudanças significativas na maneira como
enxergamos o mundo, de como agimos sobre ele.
As tecnologias precisam ser vistas como mais do que circulações
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 147-158, 2007.
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Cristine Isabel Simão & Mariná Holzmann Ribas
de informações. Precisam ser consideradas como ferramentas pedagógicas, entendidas como algo a mais a serviço dos objetivos educacionais,
contribuindo para a melhoria do processo ensino-aprendizagem.
Por outro lado, de nada adiantarão recursos dos mais modernos
e sofisticados se eles não passarem de meros entulhos em algum canto
da escola, ou até mesmo se eles permanecerem fechados em suas embalagens, à espera de instalações que nunca são realizadas.
As tecnologias trazem desafios e promovem novas interações,
sejam elas aluno-professor, aluno-aluno, aluno-máquina, professormáquina ou professor-professor. Essas relações criam situações jamais
vividas, modificando, portanto, todos os papéis na escola. Novos conhecimentos e novas linguagens vão surgindo no cotidiano dos nossos
alunos. São novidades atrás de novidades. O contato com o mundo,
com a atualidade praticamente imediata é sem dúvida o grande fascínio dessas tecnologias, que já fazem parte de todas as áreas, do cotidiano de muitas pessoas, e agora, mais conscientemente, da educação.
Por isso, é preciso que nos cursos de formação não seja ensinado
apenas o domínio do computador, mas sim, que ocorra uma integração
entre as teorias educacionais que darão suporte às suas aplicações pedagógicas, às habilidades e à tecnologia, dando condições para o professor desenvolver atitudes críticas e reflexivas acerca dos aplicativos
dos programas, dos softwares a serem usados. Os professores precisam
conhecê-los a fundo, analisá-los, dimensionando a sua real importância e verificando se eles propiciam uma mudança efetiva, contribuindo
para a construção do conhecimento do aluno.
Que os professores se apropriem do computador de uma forma
que permita que eles possam incorporá-lo na sua prática, com seus
alunos, sempre levando a refletir sobre o seu papel.
INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO: EXPERIÊNCIAS VIVIDAS
Foi partindo dessas questões que nos propusemos a realizar este
trabalho. O primeiro interesse na pesquisa era analisar como os softwares
educacionais poderiam ajudar as crianças com dificuldades de aprendizagem. A idéia inicial foi abandonada quando percebemos que outras
questões estavam implícitas nessa primeira proposta.
Propusemo-nos então a investigar quais as vantagens, os empecilhos e as dificuldades enfrentadas no uso do computador, para que
pudéssemos colaborar com dados reais para reorientação do próprio
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 147-158, 2007.
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Informática na educação: vantagens e empecilhos
núcleo de tecnologia, colaborando também para a desmistificação do
uso da informática, principalmente quanto aos empecilhos.
Os dados da pesquisa foram obtidos por meio de questionários
e entrevistas com professores da rede pública estadual de Ponta Grossa com o seguinte perfil:
a) professores que participaram de cursos realizados pelo Núcleo de Tecnologia Educacional em 2001 e 2002;
b) professores que realizaram ou que estivessem realizando um
projeto na sua escola envolvendo os recursos da informática.
Os questionários trouxeram informações importantes a respeito de como os sujeitos da pesquisa vêm utilizando a informática. As
perguntas foram quase todas abertas, para que os professores pudessem relatar as experiências ocorridas nas suas escolas.
Os questionários foram entregues em mãos a cada professor. Foi
marcada uma data para a devolução, mas nem todos os professores
fizeram a devolução. Desta forma, foram distribuídos 28 questionários,
em 10 escolas, 18 dos quais foram respondidos. Ressaltamos que seis
das dez escolas têm laboratório de informática com dez computadores, em média, e quatro delas não contam com nenhum computador à
disposição dos professores e alunos.
As entrevistas foram realizadas com seis professores, em quatro
escolas públicas estaduais. Três professores tinham respondido o questionário e três não. O objetivo da entrevista foi de complementar os
dados obtidos com o questionário, visto que os professores entrevistados realizaram ou estão realizando algum projeto nas suas respectivas escolas. Eles têm grandes contribuições no sentido de mostrar o
que é possível fazer, mesmo com um número pequeno de computadores. Todas as entrevistas foram realizadas em datas e locais marcados
pelos próprios professores. Elas se desenvolveram naturalmente e foram todas gravadas e transcritas fielmente.
Os questionários e as entrevistas se complementam entre si.
Ambos tiveram suas respectivas relevâncias. Baseando-nos no depoimento dos professores, pudemos ressaltar os seguintes pontos: a aceitação do computador em geral é boa por parte dos professores e existe
uma expectativa muito grande, gerando um verdadeiro caso de amor e
ódio ao mesmo tempo, pois ao mesmo tempo em que gostam, sentemse receosos. Eis alguns depoimentos:
A aceitação é boa por parte dos professores, que pensam em utili-
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Cristine Isabel Simão & Mariná Holzmann Ribas
zar o computador como uma ferramenta de apoio em suas aulas.
Foi com satisfação a chegada dos computadores na escola. No início, os professores ficavam se perguntando como que deveria ser
trabalhado com os alunos. Alguns professores logo foram manipulando o microcomputador, mas a maioria sentiu dificuldade. Logo
não dominavam este equipamento. Eu, particularmente, gostei
muito. Minha disciplina tinha a ver com o microcomputador, haja
vista que na grade curricular da escola consta a disciplina de
informática (optativa) no ensino médio e no ensino fundamental.
A rejeição: a própria palavra já diz do receio do novo, do medo
de estragar, com muitas cobranças, e o mito em relação à máquina:
Ficam contentes por saber que haverá mais esta ferramenta didática. Mas logo ficam receosos se haverá cobrança ou obrigatoriedade
de utilizá-lo, pois a maior parte dos professores não tem conhecimento ou então, sentem-se inseguros para levar seus alunos até o
laboratório de informática. Isto também se deve ao fato de que os
professores não teriam o que rodar nos micros.
A utilização: muito poucos professores utilizam o computador,
ainda que de forma rara, em alguns projetos.
Utilizo os computadores esporadicamente porque o número de
micros é muito reduzido, as turmas são aproximadamente de 40
alunos por turma e há outros professores que também os usam, o
nosso colégio tem um número muito grande de professores e alunos.
Apenas em um projeto interdisciplinar, por algumas vezes. Não
teria também o que passar dentro de minha matéria. Eu poderia
passar alguns assuntos, mas precisaria de uma pessoa para auxiliar no funcionamento das máquinas e da rede, para que daí
como professor da disciplina, pudesse acompanhá-los no aprendizado.
Quanto às dificuldades apresentadas por eles, a principal está
em não saber o que fazer com o computador, além da falta de um
laboratorista, do número insuficiente de máquinas em relação ao número de alunos, mas a maior de todas é a falta de laboratórios em
muitas escolas:
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Informática na educação: vantagens e empecilhos
A maior dificuldade é sem dúvida a falta de equilíbrio entre o
número de alunos e o número de computadores. As turmas têm
em média 40 alunos, e os laboratórios dez máquinas. Fica praticamente impossível desenvolver um trabalho com boa qualidade e
sem desperdício de tempo. Além de ser muito desgastante para o
professor, que precisa dividir a turma, deixando uma atividade
para os que ficam em sala de aula, e trabalhando com os que vão
ao laboratório, sendo ainda necessário que dê conta de atender de
todos, os que ficam e os que vão.
Já quanto às vantagens, eles percebem que o uso do computador provoca nos alunos maior motivação, os alunos gostam, muda a
rotina de sala de aula, tanto de alunos quanto dos próprios professores:
A informática está presente em nosso cotidiano. É impossível não
inserir na educação, sob o risco de a escola ficar cada vez mais
distante dos avanços tecnológicos. As vantagens são tornar as
aulas mais interessantes, atrativas aos alunos, que, ao mesmo
tempo em que aprendem o conteúdo, também se familiarizam com
a máquina. O computador funciona como um apoio no desenvolvimento das aulas.
São muitas as vantagens, como posso citar a seguir: Alunos motivados, professor motivado. O campo da interatividade se expande
e não fica só em sala de aula. Vontade de aprender, vontade de
ensinar. Aluno procura pelo conteúdo, aluno questiona o professor. Existe sempre um desafio, conversa entre aluno com aluno,
conversa professor com professor e, principalmente, aluno com
professor. A captação de informação conectado na internet é fabulosa você sabe, o aluno quer ver, quer conhecer, quer ir até aonde
seu clic possa chegar, ele não quer parar, é um desafio a toda
prova.
Os empecilhos por eles levantados: não ter os computadores na
escola, a disciplina de informática, já existente, o apoio do Governo
Estadual e Federal para dar maiores condições às escolas, e uma quebra de paradigmas de cada professor:
A capacitação dos professores é algo de relevada importância no
momento. Os professores precisam se atualizar, fazer cursos. O
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 147-158, 2007.
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Cristine Isabel Simão & Mariná Holzmann Ribas
professor, neste caso, eu acredito não ser falta de vontade, mas
sim de tempo, pois os professores têm a grande maioria uma carga
horária de 40 horas em sala de aula e ainda toda atividade de
preparo e correção de atividades em casa. Seria necessária uma
dispensa, pelo menos em um turno para fazer os cursos. Mas
acho sinceramente muito difícil acontecer isso na atualidade, pelas dificuldades encontradas nas escolas.
Por não possuir laboratório de informática na minha escola e pela
dificuldade de locomoção de alunos para outro laboratório em período normal de aula, que dirá em período contrário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cremos que mais difícil do que equipar a escola com computadores é a tarefa de mudar concepções do ensinar e do aprender, da
organização escolar com horários e currículos mais flexíveis, para que
as tecnologias como os computadores se tornem mais eficazes na escola.
Formar profissionais aptos e dispostos a estar em constante
aprendizagem é algo realmente importante em nossas instituições de
ensino. Muito mais, ainda, quando falamos em formação de professores, visto que estes são formadores de novos cidadãos. Quando os
alunos são motivados, desafiados, constantemente na busca de novas
aprendizagens, as práticas dos professores também são diferenciadas,
com isso, os profissionais terão uma probabilidade muito grande de se
tornar profissionais reflexivos. Eles estarão sempre na busca de melhorar cada vez mais a sua prática.
As considerações aqui apresentadas dizem respeito aos cursos
de capacitação, que servem para incentivar os professores a
desmistificar o uso do computador na escola; também ressaltamos a
importância de o Estado mudar a sua forma de ver os cursos de
capacitação, dando apoio maior para que estes não se reduzam a treinamentos; enfatizamos que a formação para o uso das tecnologias
seja algo presente na formação inicial e continuada de cada professor,
mas sabemos que os cursos não são garantia de mudança, isso dependerá de todo um contexto maior em que a escola está inserida.
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 147-158, 2007.
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Informática na educação: vantagens e empecilhos
REFERÊNCIAS
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DEMO, P. Formação de formadores básicos. Em Aberto. Brasília, v. 11, n.
54, abr./jun. 1992.
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1997.
MORAN, J.; MASETTO, M. T.; BEHRENS, M. A. Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas: Papirus, 2000.
OLIVEIRA, R. Informática educativa: dos planos e discursos à sala de aula.
Campinas: Papirus, 1997.
PROINFO. Bases do Programa Nacional de Informática na Educação. Disponível em: < http://www.proinfo.mec.gov.br/artigos.html >. Acesso em: 5
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VALENTE, J. A. (org.). O computador na sociedade do conhecimento. Campinas: Papirus, 1997.
Encaminhado em: 07/06
Aceito em: 11/06
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 147-158, 2007.
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Wanderson Ferreira Alves
QUANDO ENSINAR NÃO É O MAIS IMPORTANTE: REFLEXÕES SOBRE O TRABALHO DOCENTE E O OFÍCIO DO ALUNO NO CONTEXTO ATUAL
WHEN TEACHING IS NOT THE MOST
IMPORTANT:
REFLECTIONS
ABOUT
TEACHERS’ WORK AND STUDENTS’ ROLE IN
THE CURRENT CONTEXT
Wanderson Ferreira ALVES*
Resumo: O objetivo do presente texto é analisar alguns
aspectos do trabalho do professor e do ofício do aluno no
contexto das profundas transformações contemporâneas.
O trabalho foi constituído a partir do apoio teórico em
autores que discutem o tema e em estudos recentes que
abordam as questões aqui levantadas. Sempre que possível ilustro com alguns aspectos da política educacional
adotada em dois estados brasileiros, nomeadamente o estado de Goiás e o estado de São Paulo. A análise enfoca
três dimensões. A primeira delas se refere às mudanças no
papel do Estado e suas repercussões sobre o campo
educativo, enfocando o movimento de ‘responsabilização’
e ‘desresponsabilização’ e a gestão. A segunda diz respeito
ao trabalho do professor, destacando a formação, as condições de trabalho e o sentido de ensinar na atualidade. A
terceira trata especificamente do aluno e das novas situações com que este vem se defrontando, particularmente
na sua conversão em cliente ou consumidor, bem como ao
universo de exigências do mercado de trabalho e sua repercussão na escola. Finalizando, levanto a hipótese de
que o conjunto dos processos a que a educação escolar
vem sendo submetida em uma sociedade crescentemente
*
Mestre em Educação. Doutorando pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Formação do Educador (GEPEFE-USP). Email:[email protected]
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 159-178, 2007.
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Quando ensinar não é o mais importante: reflexões sobre o trabalho docente...
regida pelo lucro pode levar a mudanças significativas nos
sentidos da docência e na ética que orienta o trabalho do
professor.
Palavras-chave: Trabalho docente. Políticas Educacionais.
Neoliberalismo.
Abstract: The purpose of the present article is to analyze
some of the aspects of teachers´ work and students’ role
in the context of deep contemporary changes. The work
was developed through theoretical support in authors who
discuss in recent studies the issue raised in this article.
Whenever possible examples are given about some aspects
of the educational policy employed in two Brazilian states,
the state of Goiás and the state of São Paulo. The analysis
focuses three dimensions. The first dimension is related to
the changes in the state’s role and their impact on the
educational field, focusing the movement of
‘responsibilization’ and ‘deresponsabilization’ and
management. The second dimension refers to teachers’
work, pointing out the education, working conditions and
the meaning teaching nowadays have. The third and last
one refers specifically to students and the new situations
that students have been facing, especially the change from
being a client or a consumer, as well as the great array of
work market demands and its impact on school. At the
end of the article, I raise the hypothesis that the process,
in which education has gone through in a society moved
by profit, can lead to meaningful changes in the teaching
process and in the ethics that guide teachers´ work.
Keywords: Teachers´ work. Educational politics. Neoliberalism.
INTRODUÇÃO
Na realidade brasileira, em especial desde os anos 90, a educação tem passado por diversas mudanças que parecem afetar tanto a
organização interna da escola como todo o sistema. Isto pode ser per160
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 159-178, 2007.
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Wanderson Ferreira Alves
cebido na implementação de medidas relativas à gestão, avaliação,
diretrizes curriculares, formação de professores, financiamento e, até
mesmo, em relação ao sentido do oferecimento da Educação Básica.
Alguns dos fenômenos apontados como de maior importância para a
compreensão desse quadro são a globalização e as mutações no mundo do trabalho. O primeiro por apresentar um mundo crescentemente
interligado. O segundo pelas novas estratégias de produção e gestão,
bem como também em relação à própria configuração da disposição
das oportunidades de trabalho nos setores primário, secundário e
terciário. É desnecessário dizer que existe muito de retórica nisso tudo.
Todavia, se não nos comprazermos com essa simples constatação, é
preciso compreender melhor o que ocorre. Este é o objetiovo das reflexões e análises aqui apresentadas.
O presente texto busca refletir sobre três dimensões das várias
possíveis nesse contexto. A primeira delas se refere às mudanças no
papel do Estado e suas repercussões sobre o campo educativo,
enfocando o movimento de responsabilização e desresponsabilização
e a gestão. A segunda diz respeito ao trabalho do professor, destacando a formação, as condições de trabalho e o sentido de ensinar na
atualidade. E a terceira trata especificamente do aluno e das novas
situações com que este vem se defrontando, particularmente na sua
conversão em cliente ou consumidor, bem como ao universo de exigências do mercado de trabalho e sua repercussão na escola. Estas três
dimensões formam, então, os eixos articuladores do trabalho.
O texto foi elaborado a partir do apoio na literatura e em estudos
recentes que abordam as questões aqui levantadas. Para possibilitar
uma maior substância à argumentação, sempre que possível ilustrarei
com aspectos da política educacional adotada em dois estados brasileiros, nomeadamente o Estado de Goiás e o Estado de São Paulo. Finalizando, levanto a hipótese de que o conjunto dos processos a que a
educação escolar vem sendo submetida em uma sociedade crescentemente
regida pelo lucro pode levar a mudanças significativas nos sentidos da
docência e na ética que orienta o trabalho do professor.
AS MUDANÇAS NA FIGURA DO ESTADO
Embora o Brasil não tenha, como no caso da Europa, gozado da
prosperidade do Estado de Bem-Estar, curiosamente não ficou livre
da lógica político-econômica que sobre ele se abateu. A questão é que
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 159-178, 2007.
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Quando ensinar não é o mais importante: reflexões sobre o trabalho docente...
o Brasil não está desligado do que ocorre em outros países, e desse
modo determinadas tendências mundiais, em maior ou menor medida,
também repercutem por aqui. Assim, um arremedo de socialdemocracia
surgido no Brasil, “ainda que de cabeça para baixo” (OLIVEIRA, 1998,
p.25), trouxe frustração à população majoritária e acabou por reforçar
a negatividade da figura do Estado, que já vinha sendo dilapidado
desde os Governos Militares. Mas, e hoje, tendo ultrapassado as décadas finais do último século, como está a relação entre Estado e sociedade? Qual tem sido a orientação do Estado frente às demandas sociais?
É importante compreender a lógica que rege o Estado na
contemporaneidade e suas implicações sociais. As reflexões desenvolvidas por Ball (2004) podem ajudar a compreender essas questões.
O autor chama a atenção para quatro aspectos que considera
importantes no atual contexto. O primeiro, central, diz respeito a uma
mudança no setor público, que se verifica na passagem do Estado como
provedor para o Estado como regulador. O Estado passa a operar como
um auditor, dirigindo o setor público ‘de fora’ e governando a distância. O segundo se refere à própria lógica da acumulação capitalista,
que, na busca da expansão e do incessante lucro, agora considera os
serviços sociais uma área de oportunidades de investimentos, ocorrendo, assim, uma mercantilização de diversas áreas e ações, como gestão,
financiamento e avaliação no setor público. O terceiro trata de uma
nova ética instalada pela cultura da performatividade no setor público,
em que a combinação de descentralização, alvos e incentivos forja novos perfis profissionais e constrói relações de competição por meio de
recompensas e sanções baseadas em seus desempenhos. O quarto e
último aspecto diz respeito a uma mudança na relação do cidadão com
o Estado, a partir do fato de que o cidadão deixa de ser considerado
como dependente do Estado e passa a ser visto como consumidor ativo.
Na Inglaterra, diz o autor, está em curso uma política de livre-escolha
dos serviços de ensino, num contexto em que as escolas são incentivadas à performatividade, de modo que o sistema educacional é transformado em empresa.
Segundo Ball (2004), dois mecanismos ou tecnologias são fundamentais para os processos descritos acima: a performatividade e a
privatização. A performatividade é o elemento que permite a instauração de uma nova subjetividade, promovendo, com isso, as mudanças
indicadas e expressas em “níveis desempenho”, “formas de qualidade”
e “resultados”, tudo isso circundado pelo discurso da responsabilidade (accountability). A privatização é a face da desobrigação da prestação
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 159-178, 2007.
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Wanderson Ferreira Alves
de serviços públicos pelo Estado e sua delegação à iniciativa privada,
sendo esta compreendida, necessariamente, como mais eficiente. Essas
questões não têm somente implicações de ordem estrutural ou física no
âmbito das instituições. São mesmo mudanças mais profundas, que
atingem os ‘antigos’ modos de fazer e de pensar e que repercutem na
dimensão ética. É isso que apontam Cribbs & Ball (2005) em um estudo
recente.
Para Cribbs & Ball, as políticas de privatização colocam em curso uma “re-moralização” das normas que orientam as instituições e os
sujeitos. Novas virtudes, propósitos e motivações chegam, deslocando
outras, em um cenário em que o mundo dos negócios é visto como o
futuro e as burocracias e as formas tradicionais de profissionalismo
representam o passado. Tudo isso traz repercussões na ética que orienta os sujeitos e instituições: aí se forjam novas sensibilidades e modos
de apreciação em que não se vê como problemática a aproximação entre
a escola e o mercado. Os referidos autores entendem que três elementos
ou mecanismos são fundamentais para isso: (1) adoção de objetivos de
competitividade, com a conseqüente ênfase na busca de resultados expressos em rendimentos, ganhos e indicadores de qualidade, como
constitutivo das instituições; (2) novo direcionamento das obrigações
institucionais, o que se apresenta como novos compromissos/obrigações com patrocinadores e parceiros e, até mesmo, por novos vínculos
entre estudantes, pais e comunidade local – o que gera contradição
entre a retórica da colaboração/participação e a realidade orientada
para o mercado; (3) cultivo e valorização de novas disposições, como a
competição, os valores empresariais e os saberes a eles relacionados,
freqüentemente resultando em orientações para a conduta pessoal ou
institucional de sucesso, bem como de sobrevivência institucional. Enfim, estes três aspectos constituem uma forma de ‘re-engenharia’ na
educação, que age de diversos modos, em particular pela enfática busca
de resultados e um estreito discurso instrumental.
O conjunto de aspectos aqui apontados revela um pouco do quem
vem ocorrendo nos países de capitalismo avançado e, ao mesmo tempo,
permite uma aproximação inicial à compreensão da lógica e do sentido
de algumas iniciativas dos governos brasileiros, seja em âmbito federal
ou estadual. A lógica mercantilizadora da esfera pública pode ser vista
na Inglaterra e, com suas especificidades, também no Brasil. Não é
outro o significado do conceito de “instituições públicas de direito privado”, proposto pelo ex-ministro Bresser Pereira, e tampouco o do projeto aprovado no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que
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Quando ensinar não é o mais importante: reflexões sobre o trabalho docente...
cria a Parceria Público- Privada”, o conhecido P.P.P. Este último já foi
instituído na Inglaterra, e seu nome não deixa dúvidas da natureza
similar da proposta: do outro lado do Oceano Atlântico o nome é Public
Private Partnerships. Vejamos a seguir como ficam os professores e seu
trabalho nesse contexto aqui esboçado.
O TRABALHO DOCENTE: DA RETÓRICA ÀS CONTRADIÇÕES DA PRÁTICA
No contexto das reformas dos anos 90 os professores foram alçados a figuras centrais, seja na retórica oficial ou nos escritos dos especialistas da área. Essa preocupação com os professores diante de uma
situação em que se desejam mudanças não é nova; ela já estava presente no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932, e também,
em certo sentido, no campo educativo brasileiro da década de 70. Na
atualidade, no entanto, diferentemente da pedagogia tecnicista dos anos
70, os professores são chamados a serem sujeitos ativos no processo de
implantação das mudanças. Clama-se por um “professor-reflexivo”, por
um “professor-pesquisador” ou um professor “agente social”, em
contraposição ao professor “tecnólogo do ensino”. (VEIGA, 2002). Contudo, em que pese o esforço e a seriedade de inúmeros pesquisadores e
entidades ligadas à educação no Brasil, a luta pelo ensino público de
qualidade em nosso país tem sido uma empreitada difícil.
Tivemos avanços, é claro. Como aponta Veiga (2002), o contingente de crianças na escola aumentou nos anos 90 e hoje quase a totalidade delas pode se matricular nas escolas; foram realizadas experiências inovadoras importantes em Brasília (Escola Candanga), em Porto
Alegre (Escola Cidadã), em Belém (Escola Cabana), e em Belo Horizonte
(Escola Plural); os educadores se organizaram em sindicatos e em instituições representativas; e além disso, a produção teórica e editorial
avançou. No entanto, a situação da educação no quadro geral é ainda
muito precária.
No campo da política educacional, os vetos a diversos pontos
do Plano Nacional de Educação (PNE) na gestão Fernando Henrique
Cardoso, particularmente no que se refere ao financiamento, trouxeram
grandes prejuízos para a educação brasileira. No curso da atual gestão
federal, é preciso ser realista: as mudanças foram tímidas e o que se
teve foi uma reforma sem projeto, e até o Plano Plurianual de 20042007 foi profundamente modificado, com a alteração de 347 dos seus
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Wanderson Ferreira Alves
382 programas. (LEHER, 2005). Embora sejam iniciativas muito recentes e, por isso, de conseqüências ainda pouco nítidas, algumas políticas em curso, como a criação do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB) e a indicação da criação de um piso salarial para
o magistério, parecem promissoras. Contudo, será necessário ver seus
desdobramentos para uma análise mais abrangente e ponderada de
sua efetividade.
Quando, em retrospectiva, se observa o quadro histórico da educação brasileira, chega a ser curioso o discurso da valorização da educação. Em termos percentuais, o que se destina a ela é o equivalente a
cerca de 4,2% do Produto Interno Bruto (PIB)1 do país, enquanto no
PNE da Sociedade Brasileira (PL; 4.155/98)2 já se apontava que seriam
necessários pelo menos 7%. Outros países em muito melhor situação
que a nossa em relação ao sistema educacional investem proporcionalmente mais na educação, como é o caso da maioria dos países da OCDE
(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto o Brasil investe cerca de 225 dólares americanos ao ano por
aluno matriculado, a média dos países da OCDE é de US$ 3.320,00
para os alunos do primário e US$ 4.730,00 para os alunos do secundário3. A situação não é apenas contrastante, mas evidencia o lugar da
educação pública nas prioridades dos países.
No que tange à formação dos professores, particularmente a formação contínua e em exercício, algumas iniciativas vêm sendo
implementadas. Com nomes diferentes, em diversos Estados (Horário
Coletivo de Trabalho Pedagógico; Horas-atividade; etc.), os professores
vêm conseguindo obter tempo remunerado em sua jornada de trabalho
para pensar sua prática e planejar coletivamente. A efetividade desses
espaços, contudo, está na dependência não apenas de sua existência
formal, mas da política que rege os sistemas de ensino e do modo como
esta se articula com as escolas, mas também das condições de trabalho
que de fato oferecem ao professorado.
Como aponta Pinto (2002), é preciso ter cautela com esses números no Brasil, pois eles podem sofrer
variações e ser superestimados de acordo com o interesse meramente político-partidário.
2
O PNE da Sociedade Brasileira foi elaborado pelos educadores brasileiros e suas entidades representativas em atendimento ao artigo 87 da LDBEN 9394/96, que determina a elaboração de um plano
nacional para a educação brasileira. O referido plano sofreu significativos vetos do então presidente
Fernando Henrique Cardoso, destacadamente no aspecto do financiamento. Um aprofundamento
dessa questão pode ser vista em Pinto (2002).
3
Dados provenientes de informações do MEC/INEP e OCDE, que podem ser encontrados em um amplo
estudo do trabalho docente elaborado por Tardif & Lessard (2005).
1
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Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor>
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Quando ensinar não é o mais importante: reflexões sobre o trabalho docente...
Um exemplo é a rede estadual de Goiás, em que os professores
cumprem uma carga semanal de trabalho variável de 40, 30, ou 20
horas semanais, tendo parte desta carga horária para o planejamento. No entanto, as horas semanais de trabalho não são cumpridas
necessariamente no mesmo turno, e existe um número diferente de
aulas para cada disciplina. Ademais, os professores, diante disto, são
comumente empurrados a percorrer outras escolas para completar sua
carga horária, em especial os professores que lecionam disciplinas com
número menor de aulas semanais, como são os casos de Arte e Língua
Estrangeira, geralmente com duas aulas semanais para cada turma.
O resultado de tudo isso é um planejamento individual. Não existirão
momentos capazes de integrar o coletivo da escola sistematicamente,
porque os horários dos professores ficam dispersos em vários dias,
turnos e escolas. Assim, diante dessas circunstâncias, a idéia de fortalecimento do coletivo de professores da escola se esfacela e os professores seguem em uma caminhada solitária.
Outra medida relativa à formação de professores que vem sendo largamente posta em prática desde a promulgação da Lei 9394/96
é o oferecimento da Educação Superior aos docentes que não tiveram
acesso a ela e que atuam nas redes estaduais e municipais. As redes
de ensino estão para isso utilizando diversos meios e convênios com
instituições de ensino superior. Em Goiás, criou-se a Licenciatura Plena Parcelada da Universidade Estadual de Goiás, e no Estado de São
Paulo, o Programa de Educação Contínua Para Professores em Exercício. São iniciativas importantes para a qualidade da educação e para
o desenvolvimento profissional dos professores, mas que precisam
ainda de ter sua qualidade melhor avaliada. A desqualificação da
escola começa muitas vezes na própria formação do professor, como
apontaram Marin, Giovanni e Guarnieri. (2004, p.178). As referidas
autoras comentam o caso de uma professora que utilizava com seus
alunos uma brincadeira de adivinha (“adivinhe, adivinhe, por cima
de uma linha, qual peixe do mar que não tem espinha?”), colhida no
material de cursos para docentes em exercício de que ela havia participado e cuja resposta esperada dos alunos era “baleia”!
Ainda no que tange à formação em exercício, é importante observar a emergência de um novo tecnicismo, veiculado através de programas de capacitação de docentes. Esse neotecnicismo encontra sua
expressão mais transparente nos programas destinados a interferir
rápida e pontualmente em determinada realidade. Um exemplo pode
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 159-178, 2007.
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Wanderson Ferreira Alves
ser visto na preparação dos professores para atuar no Projeto de Aceleração da Aprendizagem no Estado de Goiás.
Tomando para exame a disciplina Educação Física, Alves (2003)
constatou que a desconsideração pelos saberes dos professores atuantes no projeto foi tão grande que, embora eles tivessem toda uma formação inicial orientada numa vertente crítica da Educação Física, e,
conseqüentemente, em uma concepção crítica de educação, o curso de
formação para o trabalho no projeto de aceleração trazia uma formação orientada nas ciências biológicas, algo muito diferente da tradição de formação de professores de Educação Física no Estado de Goiás
desde a década de 90. Desse modo, os professores foram literalmente
tratados como executores das idéias concebidas por outros. Recipientes dos quais se insere ou se retira um conteúdo. As estatísticas, contudo, não deixam dúvidas sobre a positividade do projeto, ao apontar
que mais de 90% dos alunos do programa são aprovados, um índice
superior ao do ensino regular4. Aqui entra um aspecto importante: a
criação de mecanismos sutis de exclusão em que os alunos são mantidos no interior da escola, diferentemente do passado, quando as camadas populares eram simplesmente expulsas.
No Estado de São Paulo a implantação abrupta da progressão
continuada e a lógica que a rege, como vem insistindo Freitas (2003),
constitui um perverso mecanismo de criação de formas brandas de
exclusão. É preciso examinar até que ponto esta espécie de iniciativa,
cujo exemplo é a progressão continuada, altera de fato o metabolismo
da instituição escolar. No entanto, para os fins deste texto, cabe destacar que as experiências desta natureza, ao interferir diretamente no
fluxo do aluno ao longo dos anos de escolarização, tocam em coisas
muito delicadas. Refiro-me aos elementos que criam motivadores para
o trabalho do professor e do aluno na escola hoje, como é a avaliação
e seu poder de sancionar o êxito ou o fracasso (obviamente um processo eivado de contradições), e a própria cultura escolar. É claro que
mudanças são possíveis, mas elas não se fazem abruptamente e nem
por decreto.
Ora, tanto no caso do Estado de São Paulo como no do Estado
de Goiás, vemos significativa preocupação dos governos com a melhoria
dos índices de aprovação e com a correção da defasagem idade-série.
4
Dados disponíveis no sítio na internet da Secretaria de Educação do Estado de Goiás: www.goias.gov.br.
Acesso em 23 de fevereiro de 2006.
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 159-178, 2007.
Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor>
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Quando ensinar não é o mais importante: reflexões sobre o trabalho docente...
Essas preocupações podem mesmo ser sinal de procura (o desejo) de
melhorias para a educação pública, mas é preciso questionar a forma
e o conteúdo dessas supostas melhorias, principalmente em um contexto em que o Estado adquiriu novos contornos.
O Estado auditor e performativo orienta as práticas no interior
da escola a seguirem a direção indicada por projetos externos a ela. O
cumprimento de acordos internacionais e a ingerência de agências
internacionais (Banco Mundial, FMI, UNESCO) têm chegado às escolas. Eles são o pano de fundo da estipulação de metas expressas em
índices de aprovação, desempenho dos alunos em testes cognitivos
(como no caso do ENEM5 ou do SARESP6), com a conseqüente
bonificação ou sanção das escolas, que pode ir da recompensa ao bloqueio de verbas e até mesmo ao ranqueamento, com a exposição pública das escolas. Nesse ponto é emblemático o caso do Estado de São
Paulo, onde a secretária de educação, professora Rose Neubauer, ainda na primeira gestão do governo Alkimim, assinalou as escolas por
cores (verde, azul e vermelho), de acordo com seus desempenhos no
SARESP (o que causou à senhora secretária sérias dificuldades com os
professores e sindicatos, sendo logo demovida da idéia). Tudo isso
não deixa dúvidas da racionalidade em curso. Os professores são
responsabilizados pela implantação das mudanças no ensino, pela
sua qualidade e pelo seu fracasso. O discurso da responsabilidade
(accountability) parece estar penetrando os espaços escolares e atingindo em cheio os professores. Performatividade e responsabilização
talvez estejam se combinando na realidade brasileira, num quadro em
que os docentes são estimulados a contribuir na confecção de estatísticas, tendo seu trabalho moldado e intensificado por elas.
Outro aspecto importante a ser destacado diz respeito à lógica
da desobrigação do Estado em relação a certas dimensões do trabalho
docente. Tem sido freqüente o emprego de instituições privadas na
formulação de programas ou estratégias de intervenção na área escolar. O caso citado anteriormente, do Programa de Aceleração da Aprendizagem de Goiás, é um exemplo. Nesse caso, a concepção do projeto
para a formação dos professores foi deixada a cargo de uma instituição paulista que presta serviços educacionais, chamada CENPEC (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitá5
6
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Exame Nacional do Ensino Médio.
Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo.
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Wanderson Ferreira Alves
ria). Uma iniciativa que revela uma clara separação entre planejamento e execução no trabalho pedagógico escolar.
Em relação ao Estado de São Paulo, o problema também existe.
As escolas experimentais e os centros de planejamento curricular que
no passado tinham papel de destaque na formulação de políticas orgânicas de formação docente foram desativados. O Estado se desobriga de possuir centros avançados no pensamento pedagógico e recorre
a programas de formação obtidos em concorrência pública, por meio
de licitações, e a instituições como o CENPEC. No âmbito dos municípios paulistas, a situação é mais grave. Cerca de 129 prefeituras,
número que equivale a um quinto do total, estenderam a terceirização
dos serviços públicos para além das áreas de coleta de lixo, pavimentação asfáltica, etc. e atingiram também o serviço educacional. Essas
prefeituras pagam a sistemas particulares de ensino, como o COC, o
Objetivo e o Anglo, pela formação dos professores, por apostilas e
planejamento do ensino. (TÓFOLI, 2006).
A precarização apontada aqui incide diretamente no trabalho
do professor e no próprio sentido de ensinar. Sampaio & Marin (2004),
a partir de dados de pesquisas da UNESCO, comentam que, questionados a respeito das finalidades mais importantes da educação escolar, 72% dos professores afirmaram que o mais importante é formar
cidadãos conscientes, 60% disseram que é desenvolver a criticidade,
e 8,9% apontaram que o mais importante é proporcionar aos alunos
conhecimentos básicos. A transmissão de conhecimentos básicos é
vista como o aspecto menos importante por mais de 20% dos professores! Diante disso, é preciso perguntar: Qual o sentido da instituição
escolar? Qual a tarefa fundamental do professor? Na verdade, tudo
indica que os professores estão repercutindo a pauperização da escola
e parecem perceber que, diante da política educacional atual, ensinar
talvez não seja o mais importante.
Por último, cabe salientar que, se a precarização do ensino é
preocupante, a ênfase na busca de resultados e a tomada do modelo
de gestão das empresas como referência para a organização das escolas são dois de seus ingredientes que não podem ser esquecidos. O
problema que resulta de se pensar o ensino a partir da busca de resultados e da adoção da lógica de gestão do mundo dos negócios é que as
decisões e práticas educativas, intrinsecamente ligadas a valores humanos e eminentemente políticas, são reduzidas a decisões e práticas
de natureza técnica. Assim se apresenta a concepção de gestão escolar
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adotada nas escolas goianas conhecida por PDE7.
O DIFÍCIL OFÍCIO DE ALUNO
As mudanças aqui apontadas, no sentido de ser aluno na instituição escolar, não se relacionam tão somente a fenômenos endógenos à
escola, mas também em mudanças que gravitam em torno da
reconfiguração do Estado e das profundas transformações contemporâneas, especialmente as que ocorreram no mundo do trabalho.
Diversos autores, como Hargreaves (1999), Ball (2004) e Smyth
(1992), fornecem pistas do que vem ocorrendo em países como os Estados Unidos da América, o Canadá e a Austrália. É possível perceber aí
um movimento de transformação na relação entre o Estado e o cidadão.
O aluno e, conseqüentemente, os pais têm sido vistos muitas vezes não
como sujeitos portadores de direitos, mas como clientes ou consumidores de serviços educacionais.
A realidade brasileira, com todas as suas singularidades, não
parece estar desconectada dessa nova agenda de questões posta à educação. A idéia da livre-escolha patrocinada pelo sistema de ranqueamento
de escolas e a adoção de cores indicadoras de qualidade, como no Estado de São Paulo até recentemente, são algumas das iniciativas que, no
nível da Educação Básica, trazem indícios de uma mudança de relação
entre Estado e cidadão. Em relação às transformações no mundo trabalho, o quadro perverso criado por uma sociedade que nega o direito ao
trabalho e, por derivação, a existência social dos indivíduos, tem sido
um forte ingrediente das contradições contemporâneas. Neoliberalismo
e novos arranjos no modo de produção se combinam para a formação
de um quadro sombrio. Esse é o solo sobre o qual as crianças hoje
crescem, experimentam a passagem pela adolescência e se tornam adulNo âmbito da gestão escolar, o projeto político-pedagógico que se orienta pelo modelo empresarial,
o conhecido Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE), é um indutor da adoção do referido modelo
de gestão da empresa no âmbito escolar. Esse modelo de gestão foi implementado em determinadas
regiões do país (Norte, Nordeste e Centro-Oeste) e logrou forte penetração no Estado de Goiás.
Separando, no âmbito da instituição escolar, grupos de planejamento e implementação, concepção e
execução, fragmentando ações e estruturando um processo de racionalização das práticas, o PDE
tecniciza o trabalho docente e aproxima a gestão da escola da gestão empresarial. O significado de
tudo isto, contudo, pode ir além do que foi apontado aqui. Suas implicações na subjetividade do
professor e na relação que este mantém com o trabalho precisam ainda ser melhor investigadas. É
possível, como apontam, que aí estejam sendo moldados novos perfis profissionais, mais condizentes
com os valores requeridos pelo mercado.
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tas. É também, por extensão, o solo em que nossos alunos se tornam
trabalhadores ou, não muito raramente, ‘procuradores de trabalho’.
Nas paisagens que formamos em nossas mentes quando imaginamos uma grande indústria, a idéia de uma massa de pessoas e de
fumaça saindo das chaminés é recorrente. Ora, não percebemos que
teimamos em observar um mundo onde isso se torna cada vez mais
raro. A grandeza de uma fábrica no passado estava no volume de sua
produção e na quantidade dos operários que possuía; atualmente, ela
está no volume da produção e na quantidade decrescente de operários
utilizados. O trabalho é um dos elementos fundantes da humanidade e
um importante meio através do qual a sociedade se organizou e se desenvolveu. Esse trabalho está hoje desfigurado. Vivemos em tempos de
“Horror econômico”, para lembrar o título do belo livro de Viviane
Forrester. Não se trata de eliminação e de não necessidade do trabalho
humano para o processo de reprodução social, volto a enfatizar. O que
está em curso é a redução dos postos de trabalho, com a precarização
do trabalho, aspectos que remetem ao trabalho economicamente enquadrado e não à atividade humana em geral.
Em síntese, diante das questões levantadas anteriormente, os
alunos parecem estar hoje frente a uma situação nada confortável. Por
um lado, eles se defrontam com a escassez do trabalho e sua precariedade, e por outro, são pressionados pelas novas exigências de qualificação. A gravidade disso aflora ao examinarmos o contexto de sua ocorrência, pois o mercado é particularmente perverso para os mais jovens.
Dados da Organização Internacional do Trabalho (ILO, 2006) mostram
que o desemprego no mundo voltou a aumentar em 2005 e que ele
incide desigualmente sobre os jovens trabalhadores, com idades entre
15 e 24 anos, fazendo com que estes tenham proporcionalmente mais
que duplicadas suas chances de não encontrar emprego8. Diante disto,
as políticas públicas parecem pensar novas funções para a educação
Especificamente sobre a situação dos trabalhadores no Brasil, pesquisas recentes (CARDOSO;
COMIN; GUIMARÃES, 2006) revelam uma dramática situação: no setor petroquímico e automobilístico, no contexto de alta rotatividade dos contratados, o destino mais comum (por volta de 50%)
dos trabalhadores demitidos é a informalidade. Daí podem ser retiradas pelo menos duas conseqüências: a primeira é que a exclusão em direção à informalidade degrada a qualificação do trabalhador:
dez , quinze anos de empresa e agora esse saber acumulado pelo trabalhador não encontra quem o
acolha, ou seja, sem a contrapartida de uma ocupação remunerada, o saber deixa de ser útil para o
trabalhador em si e para a sociedade como um todo; a segunda se refere ao fato de que entrar no
trabalho informal representa o ingresso em um mundo sem direitos sociais fundamentais provenientes do trabalho formal, como o amparo da legislação do trabalho, previdência, seguro e o pertencimento
a um sindicato.
8
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escolar. O estudo desenvolvido por Oliveira (2000) traz importantes
elementos para a compreensão desta questão.
Após uma ampla análise que envolveu a investigação da
especificidade do contexto mineiro e o estudo das transformações contemporâneas e de iniciativas internacionais em favor da educação, Oliveira (2000) aponta a emergência de novas atribuições para a escola
diante das enormes contradições sociais da atualidade. Para a referida
autora, o movimento da política educacional no contexto do capitalismo contemporâneo para os países da América Latina vem sendo um
modo de gerir o trabalho e a pobreza. A oferta de níveis básicos de
escolaridade, mais precisamente, o Ensino Fundamental, vem sendo
um meio de produzir uma mão de obra explorável ao capital e, ao mesmo tempo, propiciar empregabilidade aos trabalhadores. Para o aluno,
adquirir níveis básicos escolaridade tornou-se uma espécie de passaporte para a vida.
Esse conjunto de aspectos levantados permite sinalizar que as
atribuições do aluno já não são as mesmas que no passado. Dele se
espera muito mais que o ‘antigo’ êxito escolar. A aparente crescente
imbricação entre as demandas do mercado e o que a escola faz parece
corroborar isso. Tal fato fica claro quando, na seção interna de um jornal de grande circulação no país, o título da matéria diz: “Nota do
ENEM, que acontece neste domingo, além de contribuir no processo
seletivo de cerca de 400 instituições, pode ajudar na hora de obter
emprego”; e na capa, o desenho de um jovem sorridente que, em uma
das mãos, segura um diploma, e em outra, uma carteira de trabalho.
(CADERNO FOVEST, 2005, p.1). Tudo isso em alusão à proposta do
Ministério da Educação de constituir um banco de talentos, com base
no desempenho do aluno no ENEM, para que as empresas possam
selecionar seus empregados de acordo com as competências que elas
requerem. Em verdade, trata-se da subordinação explícita da instituição escolar à lógica do mercado.
A subordinação da educação escolar aos interesses do mundo
dos negócios pode assumir diferentes formas. O exemplo citado aludido
anteriormente é uma delas e o incentivo ao voluntariado é a outra. A
promíscua relação entre educação e mercado parece estar em franca
expansão, e até mesmo os corpos dos alunos não ficaram livres dela.
Estou me referindo à recente iniciativa da prefeitura de São Paulo de
buscar autorizar e incentivar que empresas patrocinem os uniformes
escolares dos alunos da rede municipal de educação, colocando nos
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uniformes o logotipo e o nome da empresa. Ora, a procura da iniciativa
privada como patrocinadora da rede pública de ensino e a transformação da multidão de alunos e, dentro dela, de cada um deles, em ‘garoto
propaganda oficial’ não é pouca coisa. Estamos assistindo à dissolução
das fronteiras entre o espaço público e o mercado. A privatização nesses termos deixa de ser velada e se torna clara. Sem dúvida, esses são
tempos difíceis de ser aluno.
UMA SÍNTESE PROVISÓRIA
Procurei apontar ao longo do texto aspectos da política educacional na atualidade, enfocando algumas de suas repercussões sobre
o trabalho do professor e o ofício de aluno. Em relação ao professor, a
idéia foi demonstrar a fragilidade do discurso de sua valorização, evidenciando as perspectivas que vêm orientando sua formação, em exercício e contínua, e também suas condições de trabalho. O quadro aqui
se mostrou particularmente grave, o que torna difícil endossar a retórica da valorização dos profissionais do magistério. Como é possível dizer que a educação é uma das prioridades das políticas de governo
quando existem professores submetidos aos extremos da indignidade
profissional? Neste aspecto, o caso dos “professores eventuais” em São
Paulo é paradigmático?9.
No que se refere às mudanças no ofício de aluno, essas não são
menos dramáticas. Frente à nova lógica do Estado e a privatização
crescente do setor público, os alunos cada vez mais são vistos como
clientes ou consumidores, o que já vem ocorrendo francamente em países do Norte, como a Inglaterra e os Estados Unidos. No caso brasileiro,
a situação é também preocupante. Antes a questão estava circunscrita,
pelo menos em sua face mais aparente, ao incentivo à participação de
empresas e pais de alunos na manutenção da escola. Agora, no entanto, a amplitude e a profundidade da questão parecem ter aumentado, e
Esses professores são como “trabalhadores casuais”; eles são chamados, eventualmente, para suprir
a ausência de algum professor efetivo da escola e não entram, inclusive, na categoria de professores
com contrato temporário de trabalho que lecionam anual ou semestralmente nas escolas. Os “professores eventuais” podem trabalhar em uma semana e em outra não, lecionar por alguns dias e em
outros amargar a espera. Eles não possuem direitos trabalhistas, recebem pagamento por hora-aula
e o aceno de que no próximo concurso público suas horas de trabalho somarão pontos no processo
seletivo. Isto no Estado mais rico do país.
9
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até o próprio corpo dos alunos se tornou objeto de disputa, o que
transparece na discussão sobre a permissão de empresas estamparem
seus logotipos e nomes nos uniformes escolares dos alunos da rede
municipal da cidade de São Paulo10. Isto representa não somente uma
ação do aparelho público em busca de conter gastos, como se poderia
imaginar à primeira vista, mas também o assédio do mercado por sua
incessante ampliação.
Diante desse quadro, a educação adquire um sentido puramente
instrumental e a qualidade social do ensino é posta em segundo plano.
Estranhamente, opera-se a secundarização do trabalho educativo do
professor. Mas por que essa incipiência? Qual o motivo da falta de
substância da política educacional brasileira? Entre inúmeras variáveis intervenientes, Leher (2005) aponta algo que pode ajudar a entender o quadro que enfrentamos: “O projeto de nação ancorado no
agronegócio, no setor financeiro e na exportação de commodities não
requer um sistema de ensino de qualidade”. (LEHER, 2005, p. 54).
Portanto, sendo esta a proposta para o Brasil, não é necessária muita
coisa. Um arremedo de escola basta.
As questões enfocadas nesse texto revelam o quanto ainda precisamos caminhar no sentido de termos uma educação pública de qualidade em nosso país. A distância entre os objetivos proclamados e os
objetivos reais não é pequena, e ela fica patente na pauperização da
escola e no deslocamento de sua função precípua: o ensino, o trabalho
com o conhecimento. A qualidade do ensino realizado não parece ser
uma preocupação real em considerável parte da política educacional
brasileira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Finalizando, chamo a atenção para o fato de que o quadro delineado ao longo do texto, ao apresentar a imbricação entre as esferas
pública e privada no contexto de algumas mutações na figura do Esta10
Inúmeros outros exemplos podem ser dados em relação à privatização da escola pública. O que
importa aqui, todavia, é assinalar o processo pelo qual a privatização do espaço público chega e já
não incomoda mais, tornando-se uma espécie de paisagem natural: em Goiânia, capital do Estado de
Goiás, as pessoas que transitam pelas áreas centrais da cidade podem ver as escolas públicas da rede
estadual de ensino ostentar em suas fachadas inúmeros outdoors com as mais diversas propagandas
publicitárias. Em algumas dessas escolas a quantidade de outdoors é tão grande que é difícil perceber
à primeira vista que ali existe um estabelecimento público, cuja atividade fundamental é o ensino.
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do, traz indícios de um processo de mudança, ou pelo menos de uma
tensão nessa direção, nos pilares que erigiram a profissão docente, especialmente em sua dimensão ética. Talvez estejamos frente à erosão
desses pilares.
A crença em sua atividade de ensino e a crença na escola são,
como aponta Silva (2004), marcas que acompanham historicamente a
profissão docente. No estudo desenvolvido pela referida autora, ao focalizar a educação escolar em Santa Catarina, São Paulo e Portugal ao
final do século XIX e início do século XX, fica clara a percepção que os
professores tinham a respeito da relevância social, valor, autonomia e
dignidade de sua profissão. Os professores buscavam a melhor conduta
possível, a atitude socialmente mais adequada frente ao cumprimento
de sua tarefa educativa.
Mesmo com o arsenal de dispositivos de controle dos corpos, do
comportamento moral e da conduta política, os professores cunharam para si próprios uma autonomia que os dignificava e,
embora sem desconsiderar o peso das políticas públicas, reivindicavam e declaravam como fundamental nesse processo sua
própria atuação e a dignidade no desempenhar desta para eles
sempre nobre tarefa, independente das condições em que a exerciam. Parece possível até que os professores seriam capazes de
tolerar que o ensino continuasse atrasado e imperfeito, como
chegou a afirma um deles, desde que isso não resultasse do trabalho da categoria, cuja conduta irrepreensível serviria de escudo a toda sorte de críticas. A conduta social daria legitimidade à
profissão docente. (SILVA, 2004, p. 242). (grifos da autora).
A hipótese que levanto aqui é que justamente essa relação do
professor com seu trabalho, que constituiu um dos importantes sentidos da profissão docente, vem sendo abalada. O compromisso do professor com o cumprimento de sua “nobre tarefa” e seu compromisso
com a tarefa formativa que lhe cabe frente aos alunos parecem estar
sendo substituídos pela corrida para a melhoria de índices e dados
estatísticos. O discurso da responsabilização (accountability) e a
performatividade cobram aqui seus mais perversos efeitos. O desenrolar disso tem sérias conseqüências e implica, particularmente, em uma
reorientação da ética que preside a prática educativa do professor. Ora,
se o que rege as escolas é uma obcecada busca por resultados, a racionalização das práticas em nome da eficiência, o cumprimento de níveis
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Quando ensinar não é o mais importante: reflexões sobre o trabalho docente...
de desempenho e padrões e, se agregado a tudo isso, as escolas e seus
agentes são incentivados por mecanismos diversos (modelos de gestão, esquemas de punição e recompensa, discursos) a perseguirem o
modelo advindo do mercado, é possível que um dos pilares que formam o sentido histórico da profissão docente esteja ruindo. O trabalho docente com valor socialmente referido deforma-se por dentro e
leva consigo laços e sentidos longamente constituídos. Laços e sentidos estes que no processo de socialização profissional permitiam um
encontro comum entre os professores, mas que agora parecem se enfraquecer11.
Nesse contexto, dizem Cribbs & Ball (2005), em que a
racionalidade instrumental penetra fortemente no âmbito escolar, afetando diretamente a relação do professor com seu trabalho, uma questão precisa ser colocada: como é possível alguém criticar um professor
que negligencia as necessidades particulares de alguns de seus alunos
para se ater mais detidamente aos aspectos que contam nos índices e
nas estatísticas indicadoras de desempenho? Esse professor está conscientemente agindo da melhor maneira possível, mas ele obedece à
nova lógica imposta pela “re-engenharia” do sistema educacional.
Enfim, temos aí sinais de profundas transformações na dimensão ética do trabalho docente. O aprofundamento dessa questão é tarefa
para estudos posteriores. No entanto, cabe aqui o alerta para o fato
de que a submissão da educação ao mercado e a privatização envolvem mais do que técnicas. Estas são tão somente a faceta mais visível
de um processo em que novos perfis profissionais, disposições e determinadas condutas éticas também são forjadas e desejadas.
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O impacto disso é mais grave do que comumente se imagina. A atividade humana no trabalho, mesmo
nas práticas tayloristas, é sempre espaço de arbitragens, de tomadas de decisão, tendo em vista
articular o trabalho prescrito ao trabalho real. É lugar onde se faz escolhas, inclusive em relação ao
investimento pessoal na atividade. O trabalho, como aponta Schwartz (1996), envolve relações e
valores, e é por isso que insisto nos riscos de uma desfiguração da dimensão ética, principalmente pela
especificidade das relações estabelecidas entre professores e alunos no trabalho educativo escolar.
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 159-178, 2007.
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Celia Maria Haas
INTERDISCIPLINARIDADE: UMA NOVA ATITUDE DOCENTE
INTERDISCIPLINARITY: A NEW TEACHING
APPROACH
Celia Maria HAAS*
Resumo: Este estudo tem como proposição tentar compreender a interdisciplinaridade na prática docente a
partir da experiência e dos embates cotidianos vividos
na docência e gestão acadêmica da Educação Superior.
Os procedimentos metodológicos que nortearam a investigação podem ser definidos como qualitativos, pois perscrutam uma realidade que não pode ser quantificada e
responde a questões muito particulares, na tentativa de
compreender em pormenor os significados e características situacionais apresentados pelo cotidiano da sala de
aula, espaço que nem sempre se submete a medidas quantitativas e que, neste caso, não aceita reduzir-se à
operacionalização de variáveis. A interdisciplinaridade
aponta para um caminho de ação, do fazer, em que é
possível integrar diferentes áreas, contribuindo para a
leitura do mundo e de uma nova maneira de produzir
conhecimento. Nesse sentido, o texto propõe discutir as
seguintes questões: a) O que é interdisciplinaridade? b)
existe uma teoria interdisciplinar? c) Quais as possibilidades da interdisciplinaridade na prática? Algumas categorias consideradas fundamentais para a prática
interdisciplinar fornecem referências à questão e, partindo do significado da palavra, ampliam a interpretação
do seu sentido. Por fim, conclui-se pela possibilidade de
vivenciar a interdisciplinaridade, importando falar em
* Pedagoga. Mestre em Educação: História, Política e Sociedade pela PUC-SP. Doutora em Educação:
Currículo pela PUC-SP. Professora do Programa de Pós Graduação da Universidade Cidade de São
Paulo. E-mail: [email protected]
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 179-193, 2007.
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Interdisciplinaridade: uma nova atitude docente
práticas, não mais em prática. Desse modo, cumpre destacar o reconhecimento de que a prática interdisciplinar
contribui para a docência comprometida com a qualidade do ensino. Portanto, o objetivo é mostrar que a
interdisciplinaridade pode questionar não só as práticas
tradicionais, mas também as inovadoras.
Palavras-chave: Interdisciplinaridade. Docência. Gestão
Acadêmica. Prática Pedagógica. Educação Superior.
Abstract: The aim of this study is to understand
interdisciplinarity in teaching practice taking as a starting
point the experience of teachers and classroom routines,
as “lived” in schools and in academic management in
higher education. The methodological procedures that
guided the investigation can be defined as qualitative as
they refer to a reality that can not be quantified and also
as it answers very specific questions in an attempt to
understand the detailed meanings and situational
features present in classroom routine, a structure which
not always can be measured, and that, in the present
case, would not be a feasible object of study in terms of
the operationalization of variables. Interdisciplinarity
points to action, to integrating different intellectual fields
that contribute to a view of the world and to a new form
of producing knowledge. In this sense, the article aims to
discuss the following questions: a) what is
interdisciplinarity? b) is there an interdisciplinarity
theory? c) in practice what are the possibilities for
interdisciplinarity? Some categories are considered
essential for an interdisciplinary practice as they provide
reference to vital questions and, by drawing on different
fields, improve the quality of educational practice.
Finally, it is concluded that it is possible to experience
interdisciplinarity in schools, which would result in a
diversity of practices rather than a singular approach.
Thus, it is important to highlight that an interdisciplinary
practice contributes to teaching which is related to the
quality of teaching. Therefore, this article aims to
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Celia Maria Haas
demonstrate that interdisciplinarity can question not only
the traditional practices but also innovative ones.
Keywords: Interdisciplinarity. Teaching. Academic
Management. Pedagogical Practice. Higher Education.
INTRODUÇÃO
Este texto é parte integrante do projeto de pesquisa Políticas
Públicas de Educação: uma análise interdisciplinar das Instituições
de Educação Superior, cujo objetivo é descrever e compreender a construção dos projetos pedagógicos institucionais das universidades particulares, resultado de intensas discussões internas entre as exigências
das políticas públicas de educação, cultura organizacional, desejos e
expectativas do mantenedor e os propósitos e compromissos dos
gestores acadêmicos que administram a universidade.
Ao dar andamento a esta investigação, constatamos a queixa
recorrente dos gestores de uma grande universidade de não haver comprometimento do corpo docente na preparação das aulas, o que explicaria a pouca qualidade da atuação desses professores. Ao voltar nosso olhar para a atuação docente, consideramos importante adentrar o
espaço da sala de aula e, ao fazê-lo, resgatar – pela memória de nossa
história pessoal – as etapas percorridas para elaborar o que chamamos de docência interdisciplinar.
Assim, as questões propostas surgem do enfrentamento, cada
vez mais freqüente, das expectativas dos “novos” alunos, hoje muito
pouco preparados para o ensino superior, a que se somam a tentativa
de dar conta de classes com dissonâncias evidentes, a necessidade de
os professores reconhecerem o cenário político educacional e mais a
contínua pressão de “sucesso” a que as instituições universitárias os
submetem.
A descrição da sala de aula permitiu contextualizar o problema
de pesquisa para identificar aí mesmo as possibilidades de uma docência
interdisciplinar, razão por que nos detivemos na descrição da prática
docente e aceitamos o desafio das perplexidades do cotidiano.
Para avançar na reflexão sobre o que fazer e de que forma fazêlo, procurando ao mesmo tempo compreender as atitudes docentes
permeadas pelo pensamento interdisciplinar, recorremos à teoria dos
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Interdisciplinaridade: uma nova atitude docente
autores que mais se debruçaram sobre a questão: Fazenda, Lenoir e
Haas. Os procedimentos metodológicos que nortearam esta investigação podem ser definidos como qualitativos, pois que perscrutam uma
realidade não possível de qualificação e respondem a questões muito
particulares para compreender em pormenor os significados e características situacionais apresentados pelo cotidiano da sala de aula – espaço que nem sempre se submete a medidas quantitativas e que, para o
nosso caso, não pode reduzir-se à operacionalização de variáveis.
O estudo propõe, portanto, compreender a interdisciplinaridade
na prática docente a partir da experiência dos embates cotidianos vividos na docência e gestão acadêmica da Educação Superior. Acreditamos que a interdisciplinaridade pode colaborar na construção de novas
ações pedagógicas e compartilhamos com satisfação e esperança as reflexões que elaboramos no percurso de nossas investigações..
Começaremos por mostrar a abordagem de interdisciplinaridade
que adotamos. Em virtude de estarmos comprometidos com a gestão de
Instituições de Educação Superior Particular, ou seja, com a ação gestora,
nossa atenção se concentra sobretudo no atendimento às exigências do
dia-a-dia e, ao mesmo tempo, em dar espaço para realizar os propósitos
que nos mantêm motivados, as propostas pedagógicas institucionais.
Dessa óptica, nossa abordagem privilegia o exame das possibilidades
das práticas do fazer interdisciplinar na docência, além de tentar responder às seguintes questões: a) O que é interdisciplinaridade? b) Existe uma teoria interdisciplinar? c) Quais as possibilidades da
interdisciplinaridade na prática?
REFLEXÕES A RESPEITO DE INTERDISCIPLINARIDADE E
DOCÊNCIA
Gostaríamos de começar com algumas palavras de caráter mais
geral acerca da condição do professor e das dificuldades que consideramos relevantes no exercício dessa atividade.
Como é ser professor? Há uma dimensão da docência que certamente gera grande satisfação: nossa responsabilidade pelo nosso crescimento e o dos alunos; a descoberta do conhecimento; nosso reconhecimento coletivo e a concomitante criação da possibilidade de apropriar-nos do que é socialmente produzido, além da descoberta de que somos os produtores desse conhecimento e de que entramos em contato
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Celia Maria Haas
com o inesgotável saber humano.
Na dinâmica do ato de conhecer, de apropriar-nos de conhecimentos ou de adquiri-los, deparamo-nos com a possibilidade de identificar a universalidade do saber. Dessa forma, conhecer e reconhecer a
caminhada da humanidade e perceber parte dela aumenta a possibilidade de agirmos conscientemente no mundo e nos torna responsáveis
pelo fazer e pelo não-fazer. É apaixonante transmitir aos alunos em sala
de aula a importância de aprender e conhecer, sentindo que somos
plenamente capazes disso.
No entanto, os obstáculos do percurso são freqüentes e difíceis
de transpor. Eles envolvem regras estabelecidas para o controle do que
é ensinado e para o modo como é ensinado, sendo tão variados que, por
vezes, comprometem o andamento das pesquisas, embora o superá-los
nos autorize a abandonar pontos de vista convencionais e a mera reprodução do já sabido.
Os conteúdos específicos das disciplinas são mais ou menos os
mesmos em todos os programas. Existem diversas publicações e, para
qualquer aluno interessado, há farto material bibliográfico à disposição. Dentro desse universo, contudo, ainda constitui um desafio saber
o que privilegiar em sala de aula no pouco tempo de que se dispõe.
A carga horária de cada disciplina varia de escola para escola,
sendo a média de duas a quatro horas-aulas semanais, em um ou dois
anos, nas diferentes combinações que a definição das grades curriculares
permite. Esse tempo, disciplinarmente organizado, é quase nada diante
do que há para assimilar em cada área de conhecimento.
Importa ainda considerar que todo o planejamento é feito por
disciplina, cada qual dentro do conteúdo que supõe estudar. A essas
dificuldades se acresce o desconhecimento total dos professores a respeito do projeto pedagógico do curso em questão.
Cada curso tem o objetivo de formar o quê?, quem?, para quê?
Por meio de que crenças, filosofias e pressupostos cada proposta se
sustenta? Evidentemente, são questões que envolvem um grau significativo de dificuldade e, como se não bastasse, cumpre ainda levar em
conta o fato de que os professores das diferentes disciplinas que compõem o currículo do curso desconhecem o objeto de estudo das outras
disciplinas, o que amiúde gera a falsa idéia de que é impossível alcançar unidade de conhecimento, de que a fragmentação disciplinar é uma
realidade insuperável.
Será que todas as dificuldades já foram rastreadas? É claro que
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não, sobretudo no que concerne às apresentadas pelas instituições,
centro para o qual convergem nossas argüições.
Talvez a dificuldade que mais causa empecilhos seja não haver
reuniões programadas e regulares com os professores. Não há remuneração para trabalhos de pesquisa, tampouco para atividades fora da
restrita hora-aula, o que invariavelmente significa que o professor recebe apenas pela hora especificamente ocupada em sala de aula.
Exige-se ainda a aplicação de provas, estabelecidas pelo calendário escolar, sem possibilidade de pensar no processo avaliativo em conjunto com outros docentes e com os alunos.
Além disso, o diário de classe, documento em que se registram as
aulas ministradas e os conteúdos tratados, precisa estar sempre em
ordem, e na maioria das instituições até hoje o preenchimento é manuscrito, o que consome um tempo precioso numa atividade que nada
tem de pedagógico. Além disso, não podemos deixar de mencionar, pela
falta de sistemas informatizados adequados, a contínua necessidade
de acertos das notas dos alunos, outra responsabilidade exclusiva dos
professores.
Uma outra dificuldade vivida pelos professores diz respeito às
bibliotecas, que muitas vezes se encontram desfalcadas dos livros necessários para a leitura e complementação dos assuntos e conteúdos
tratados nas diferentes disciplinas da grade curricular; outra, ainda,
envolve salas de aula sem condições de trabalho – quentes, com carteiras quebradas, lousas inadequadas, sem equipamentos de multimídia
– vídeo, retroprojetor, microcomputador e outros – que facilitem, ampliem e melhorem as condições de aula. Isso para não falar de dificuldades cotidianas de caráter pedagógico, que levam o profissional às
seguintes indagações: Como trabalhar o conhecimento sistematizado?
O que devo privilegiar? Qual a necessidade do grupo? Para que serve o
que vamos escolher? A que propósitos atende?
Por outro lado, importa ter presente que os alunos sabem sobre
muitas coisas e têm, na maioria das vezes, experiência de trabalho e de
vida. Não trabalhamos, portanto, com tábulas rasas, nem mesmo no
que se refere às disciplinas propostas nas matrizes curriculares dos
cursos da educação superior.
As dúvidas, porém, persistem: O que significa transmissão de
conhecimento? E produção de conhecimento? Se os conteúdos já estão
escritos, então basta divulgá-los? Se assim é, por que a disciplina consta da matriz curricular e exige professor? Não seria mais fácil distribuir
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uma lista de leitura aos alunos e exigir depois, em prova escrita, o que
foi aprendido?
Então, o caminho parece o da produção de conhecimento. Por
outro lado, produzir o quê, se trabalhamos a partir do já escrito? A
produção do conhecimento em sala de aula parece materializar-se quando o conjunto dos alunos estabelece uma relação de diálogo com o
professor, e na maioria das vezes essa interação depende de como age o
professor.
Assim, para produzir conhecimento, precisamos contar com o
coletivo da sala de aula (todos os alunos), porque é só com o trabalho
de todos que podemos avançar. Ademais, a atuação docente exige que o
professor conheça o conteúdo, que saiba, a cada etapa de trabalho,
garantir seu fechamento, fazendo a revisão do que foi levantado, apontando lacunas, integrando conceitos, organizando pensamentos e preparando novas etapas de trabalho.
É, então, inviável qualquer iniciativa que procure mudar essa
situação e crie um trabalho interdisciplinar? Sim e não. Sim, se partirmos do pressuposto de que a interdisciplinaridade é uma atitude do
professor, uma atitude de responsabilidade, de compromisso com a formação de seus alunos; não, se entendermos que mudar esse estado
geral exige bem mais do que a atuação do professor em sala de aula, por
melhor que este seja.
É o momento certo de retomar a primeira questão: O que é
interdisciplinaridade?
O primeiro passo será entender o significado do termo
interdisciplinaridade ou, segundo Assumpção (1991), tentar compreender o fenômeno a que se relaciona. Interdisciplinaridade é palavra de
origem latina, formada pela composição do prefixo inter, do substantivo
disciplina e do sufixo -(i)dade.
Inter, prefixo latino, indica posição ou ação intermediária, reciprocidade, interação. Entende-se, pois, interação como a ação realizada a partir de duas ou mais pessoas, mostrando-se, portanto, na relação sujeito-objeto e, principalmente, na relação entre sujeitos. A interação
diz respeito ao trabalho compartilhado, em que existem trocas e influências recíprocas.
-Dade (ou - idade), sufixo latino, tem a função de substantivar
alguns adjetivos, atribuindo-lhes noção de qualidade, estado ou, ainda, modo de ser. Disciplina corresponde a epistemé – o estudo crítico
dos princípios, hipóteses e resultados das ciências já constituídas – e
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Interdisciplinaridade: uma nova atitude docente
visa a determinar os fundamentos lógicos, o valor e o alcance dos objetivos dessas ciências, embora também possa caracterizar-se como a ordem que convém ao funcionamento de uma organização ou o regime de
ordem imposta ou livremente consentida.
Assim, são dois os sentidos fundamentais da disciplina: um que
se refere a uma área de conhecimento, com estatuto próprio e fronteiras
bem delimitadas; e outro que diz respeito a um comportamento, uma
atitude, um modo de agir, quer no plano particular ou coletivo.
Para Assumpção (1991), a interdisciplinaridade nomeia um
encontro que pode ocorrer entre seres – inter –, em um certo fazer
– dade –, a partir da direcionalidade da consciência, pretendendo
compreender o objeto, com ele relacionar-se e comunicar-se.
Ferreira (1986) ensina que a prática pode ser um saber provindo
da experiência, uma técnica, por exemplo, mas que também é a aplicação da teoria manifestada no discurso, na conversação, isto é, no ato
de manter a comunicação. Portanto, estamos aqui definindo prática
como comunicação; trata-se tão-só de estabelecer contato, trocar, colaborar, construir.
Com isso, podemos verificar que tanto a prática como a
interdisciplinaridade tem em comum a comunicação, indicação importante para quem quiser aventurar-se no mundo conceitual e prático da
interdisciplinaridade. Cumpre considerar, na prática docente
interdisciplinar, a importância da comunicação, da fala, da troca de
conhecimentos e de experiências. Compreendemos então que a prática
interdisciplinar é aquela que passa da ação exercida à elaboração teórica, sempre realizada, praticada e proferida.
Logo, a concepção interdisciplinar que sustenta a ação educativa
traz em si uma intencionalidade: propiciar os exercícios investigativo,
reflexivo e comunicativo do ato pedagógico, do ato de ser professor.
Merece menção um primeiro conceito de interdisciplinaridade,
elaborado em 1985 para um colóquio internacional organizado pela
UNESCO, com o tema “La interdisciplinaried en la enseñanza general,
segundo o qual,
[…] dado que el concepto de interdisciplinariedad se sitúa en el
plano espistemológico, puede considerarse que se refiere a la
cooperación de las disciplinas diversas, que contribuyen a una
realización común y que, mediante su asociación, contribuyen a
hacer surgir y progresar nuevos conocimentos. (UNESCO, 1986,
p. 5).
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Reconhecemos que o princípio de uma ação interdisciplinar exige
um propósito, um objetivo, um projeto. A interdisciplinaridade pede
uma opção e uma escolha, com vistas à cooperação, à associação e
comunicação entre as disciplinas e as pessoas.
Com isso em mente, vem à baila a segunda questão: b) Existe
uma teoria interdisciplinar?
Sabemos que são muitas as teorias que sustentam as práticas
pedagógicas e temos também o conceito de interdisciplinaridade, definida por ações realizadas, experiências vividas. Desse ângulo,
interdisciplinaridade é, segundo Pereira (1998, p. 14), “uma estratégia
de trabalho que recupera ao sujeito a possibilidade de assumir a gestão
de si mesmo, de auto-referenciar-se, como forma de produzir, a cada
vez, o novo, o outro, o diferente, o nunca sido de si mesmo”. Assim, não
podemos falar em uma teoria interdisciplinar, mas em práticas do trabalho interdisciplinar.
Isso remete à nossa terceira questão: c) Quais as possibilidades
da interdisciplinaridade na prática? As possibilidades na prática são
inúmeras, pois que são infinitas as possibilidades do homem quanto a
criar alternativas para viver, para aprender e ensinar.
Nas investigações que conduzimos para reconhecer as práticas
interdisciplinares, identificamos as principais categorias indicativas de
caminhos para a sua realização.
Necessário se faz que retornemos à sala de aula. Nela estão presentes dois momentos: o da transmissão e o da produção do conhecimento. A transmissão se caracteriza pela leitura do escrito, para reconhecer como o conhecimento está registrado, no tempo, e como se deu
sua constituição. O momento seguinte é a produção, quando alunos e
professores partem do conhecido para escrever um novo saber. Podemos assegurar que tal reconstrução é a produção de conhecimento possível no espaço da sala de aula: são os alunos apropriando-se do conhecimento e reelaborando-o na prática.
Descobrimos, assim, que, para transformar o momento da transmissão em construção de conhecimento, é necessário sermos sujeitos
da nossa aprendizagem, aqueles que querem conhecer e que têm em
comum uma atitude de comprometimento com a elaboração do saber
vivenciado em sala de aula. Para tanto, precisamos recorrer às qualidades da ação, do fazer, da reflexão crítica, da curiosidade, da dúvida, da
angústia do desconhecer, do rigor na busca de informações, da hesitação do descobrir novos espaços, para colocarmos nossos novos saberes em ação.
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Interdisciplinaridade: uma nova atitude docente
Importa também considerar que a prática docente interdisciplinar
mobiliza o professor no que concerne a preocupar-se com a produção
do conhecimento e enseja uma atitude comprometida com o debate,
com hipóteses divergentes, com a dúvida, com o confronto de idéias,
de informações discordantes, de oposição, de ambigüidades, da paixão pela busca de informações novas e mais exatas.
A prática pedagógica interdisciplinar se constrói a partir do
enfrentamento das contradições apresentadas diariamente pelas exigências reais e concretas dos alunos e do embate disso com nossos
valores, crenças e cultura.
Por isso, a identidade é uma categoria de fundamental importância para as construções de projetos interdisciplinares, o que explica e reafirma a importância da história de vida para o nosso trabalho.
As nossas histórias de vida são sempre ótimo ponto de partida para a
construção da docência interdisciplinar, uma vez que nelas encontramos nossos valores e compromissos.
Reconhecer quem somos, de que lugar falamos e por que falamos faz com que, ao recuperar cada trajetória, ampliemos a consciência de nossas escolhas e dos caminhos percorridos para sermos quem
somos. Entrar em contato com nossas histórias nos dá um sentido de
inteireza e de consistência e, sem dúvida, as transformações muitas
vezes ultrapassam as dimensões cognitivas e chegam, na maior parte
dos casos, à dimensão existencial.
A comunicação é diferente das categorias indispensáveis da
interdisciplinaridade, visto que, ao estabelecer claramente as regras
do bem-viver em sala de aula, por exemplo, e confirmá-las continuamente com a prática docente, entendemos sua importância.
Outra categoria indispensável à prática interdisciplinar é a coerência. Japiassu (apud Fazenda, 1991, p.36) afirma que “seus alunos a perdoarão [Ivani Fazenda] facilmente por ser às vezes demasiado utópica. O que não lhe perdoarão é a contradição entre o pensamento, a palavra e os atos”.
A coerência do professor é demonstrada na unidade entre discurso e ação. Não é possível ser professor se a fala e as ações se negam
mutuamente. A coerência deve manifestar-se na unidade do discurso e
confirmar-se nas atitudes. O professor com uma prática interdisciplinar
explicita cotidianamente na ação pedagógica pelo exemplo da coerência, na unidade da fala e do ato, no comprometimento com o conhecimento a ser produzido em sala de aula e com a apropriação deste pelos
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alunos, objetivando formar o cidadão e prepará-lo para uma ação consciente no mundo.
A categoria maior é a humildade, difícil de compreender e ainda mais difícil de exercitar. Por isso, Fazenda reafirma inúmeras vezes
que “a interdisciplinaridade não se ensina, nem se aprende, apenas
vive-se, exerce-se e, por isso, exige uma nova Pedagogia, a da comunicação”. (1979, p. 8).
Já afirmamos, entretanto, em diversas ocasiões, o oposto disso,
dado que, a partir de nossos trabalhos e investigações, entendemos
que a interdisciplinaridade é uma escolha, uma opção, um projeto e,
por isso, tentamos ensiná-la. Nesse sentido, ela precisa de um líder,
de um proponente. Acreditamos que ela pode ser aprendida, mas, por
sua própria característica, deve ser vivida na prática, e sempre com
um sentido coletivo.
Como a interdisciplinaridade se dá na construção coletiva, é
preciso, principalmente a quem lidera este projeto, ter paciência e
reconhecer qual o tempo necessário para o florescimento da consciência interdisciplinar.
Além das condições já mencionadas para a prática
interdisciplinar, acrescentamos algumas outras. A espera – condição
necessária para os projetos interdisciplinares – exige do professor a
atitude de dar, aos alunos e a si próprio, o tempo necessário para a
aprendizagem significativa. Uma espera ativa e criativa, que oferece
alternativas para os alunos acreditarem que são capazes de assumir o
esforço necessário nessa caminhada.
Vale destacar que os projetos interdisciplinares se concretizam
coletivamente, mas podem e têm sido, muitas vezes, desencadeados
por proposições pessoais de um professor que opta por fazer de sua
sala de aula um universo interdisciplinar.
Apontamos também a erudição como característica da
interdisciplinaridade, pois é preciso saber muito, ter gosto pela leitura, pela pesquisa e pela busca de mais e melhores conhecimentos, o
que conduz forçosamente a outra exigência interdisciplinar: a dúvida.
Experimentar a dúvida ensina-nos a reconhecer que as certezas
impedem a escuta sensível da interdisciplinaridade. Temos experimentado freqüentemente e recomendamos com insistência que, quando se
sentir plenamente certo de algo, o professor deve “desconfiar” dessa
certeza e procurar outra resposta, outro caminho possível de resolução. Duvidar não é desconhecer, mas explorar novas possibilidades
do saber.
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Podemos, pois, falar em interdisciplinaridade como uma
integração de disciplinas, mas sem nos limitarmos a ela. Após a
integração, precisamos do movimento seguinte, a interação, na qual
vivemos a prática dialógica, atitude interdisciplinar que cria zonas de
interseção entre as disciplinas, entre as pessoas, entre o que se sabe
de si mesmo e o que não se sabe. A partir daí, ampliamos as fronteiras
e nos tornamos capazes de produzir conhecimentos, resultado
inexeqüível se nos limitarmos a uma única disciplina.
É preciso compreender que a interdisciplinaridade parte da disciplina e reconhece, em cada uma, um olhar ao mundo, em perspectiva particular. Identificamos a especificidade das diferentes áreas de
conhecimento e verificamos que cada uma delas, sozinha, não consegue explicar o homem e o mundo. A interdisciplinaridade, no entanto,
aponta um caminho de ação, do fazer, em que a integração das áreas
se torna possível na leitura do mundo e na produção do conhecimento.
Assim, nossas necessidades atuais e o desafio apresentado pela
sala de aula conduzem à seleção dos conteúdos das disciplinas, mostrando, a nós e a nossos alunos, que estamos fazendo um recorte
proposital daquela área de conhecimento.
É indispensável indicar a complexidade e a dimensão do conhecimento, instigando o aluno e a nós mesmos a um pensamento e a
uma atitude interdisciplinar, ou seja, uma compreensão das possibilidades da unidade do conhecimento. Nesse exercício, experimentamos
intensamente um dos fundamentos da atitude interdisciplinar:
vivenciar a formação a partir da revisão do velho, a fim de torná-lo
novo.
O professor comprometido com a prática interdisciplinar prepara os alunos contra os perigos da cultura fragmentada, ampliando
a compreensão dos problemas, contextualizando-os na sociedade de
modo a revelar a conexão entre fenômenos aparentemente
desvinculados. Superar a fragmentação da disciplina escolar amplia
as possibilidades de construir uma identidade mais integrada e assegura uma formação de maior qualidade.
Finalmente, para responder à terceira questão proposta, a respeito de quais são as possibilidades da interdisciplinaridade na prática, declaramos ter experimentado, em diferentes espaços e tempos, a
construção de práticas interdisciplinares e nelas identificamos as possibilidades de transformação da ação docente.
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 179-193, 2007.
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Celia Maria Haas
CONCLUSÃO
A prática docente interdisciplinar permite questionar as práticas tradicionais e, ao mesmo tempo, questionar também as consideradas inovadoras. Assim, a tensão entre o velho e o novo pode ser o
espaço para que as práticas interdisciplinares contribuam com a
redefinição do conceito de disciplina e ampliem o diálogo entre si.
Por outro lado, é necessária atenção constante para não sucumbir à tentação de acreditar que a interdisciplinaridade assegura ao professor lugar de destaque, elevando-o acima da organização disciplinar
na educação escolar, atitude que negaria as possibilidades de uma ação
pedagógica interdisciplinar – resultado do diálogo entre as diferentes
disciplinas escolares – e inviabilizaria, portanto, a construção do conhecimento nessa perspectiva.
Acreditamos que uma das possibilidades para as práticas pedagógicas interdisciplinares nessas ações consiste em rever o velho e, tornando-o novo, contribuir com a interação entre disciplinas, pessoas e
instituições.
Para Lenoir (2005, p.6),
[...] a interdisciplinaridade encontrará terreno na interação entre
as disciplinas, na relação entre produção, existência e difusão
do “saber disciplinar”, ao mesmo tempo em que ocorre um
questionamento interdisciplinar e faz ressurgir o elo indissociável
entre a produção do saber e a formação de membros sociais.
Reconhecemos, enfim, que há possibilidades de vivenciar na prática a interdisciplinaridade, mas reconhecemos também que é preciso
falar em práticas e nunca em uma prática, pois a interdisciplinaridade
se mostra de diferentes maneiras e em inúmeras possibilidades de
atuação docente. Ora integramos conteúdos, ora integramos espaços,
tempos ou integramos a construção de conhecimento, ampliando, assim, nossa visão sobre a escola, sobre a docência, sobre nossos alunos e
até sobre a comunidade na qual a instituição escolar se insere.
Consideramos, por conseguinte, fundamental entender que, pelos muitos sentidos que interdisciplinaridade engloba, resultam igualmente outras tantas práticas construídas em nossas ações educativas
elaboradas a cada dia.
É igualmente importante acrescentar que acreditamos em um
trabalho docente interdisciplinar como estratégia para assegurar a
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Interdisciplinaridade: uma nova atitude docente
qualidade de ensino com vistas à tão sonhada educação cidadã. A
importância da atitude interdisciplinar pode ser constatada pela ousadia na busca de novas soluções, da transformação das práticas docentes, da pesquisa e da construção dos projetos fundamentados na
participação de todos, que levem o grupo a rever suas crenças a respeito da educação, da escola, do papel do professor e do papel dos
alunos:
[...] a interdisciplinaridade impõe um novo relacionamento entre professor e aluno. O professor não é mais aquele que transmite conhecimento ao aluno, mas é aquele que auxilia o aluno a
descobrir, a construir e a se apropriar dos conhecimentos necessários para uma ação consciente no mundo. (HAAS, 1996,
p.57).
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23 nov. 2005. (23 nov. 2005).
Encaminhado em: 03/07
Aceito em: 05/07
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Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor>
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Fátima Aparecida Maglio Colus & Rita de Cássia Pereira Lima
A FAMÍLIA DO EDUCANDO COM DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM: UM ESTUDO DE
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS1
THE FAMILY OF THE STUDENT WITH
LEARNING DIFFICULTIES: A STUDY OF
SOCIAL REPRESENTATIONS2
Fátima Aparecida Maglio COLUS*
Rita de Cássia Pereira LIMA **
Resumo: A idéia de desenvolver este trabalho surgiu em
decorrência da necessidade de se compreender como e
por que a família vem sendo apontada nos últimos anos
como responsável pelo desempenho insatisfatório de alunos com dificuldades de aprendizagem no âmbito escolar. Supõe-se que estudar a família neste ângulo, apreender as interações sociais, conflitivas ou harmoniosas, entre
a instituição escolar e a familiar, é relevante, pois ambas
coexistem numa relação de interdependência que interferirá, mesmo indiretamente, na aprendizagem do educando. Realiza-se o presente estudo com o objetivo de analisar as representações sociais de professores sobre a família de alunos com dificuldades de aprendizagem. A pesquisa fundamentou-se no referencial da Teoria da Representação Social (TRS), inaugurada por Serge Moscovici,
em 1961. Os participantes foram 13 professores de Ribeirão Preto (SP) do Ensino Fundamental (1ª a 4ª série),
cursistas do Programa Letra e Vida, curso de formação
Em sua forma original, parte deste trabalho foi apresentado no Congresso Internacional em Educação
Escolar da FCL/AR UNESP, na Categoria Comunicação Oral, 14 a 17 de Agosto de 2006.
2
Part of these study was presented in its original form in the International Congress in Pertaining to school
Education of FCL/AR UNESP, in the Category Verbal communication, 14 the 17 of August of 2006.
*
Graduada em Letras. Mestre em Educação pelo Centro Universitário Moura Lacerda. Professora do
Ensino Fundamental na Rede Pública do Estado de São Paulo. E-mail: [email protected]
**
Doutora em Educação pela Université René Descartes - Paris V, Docente do Programa de Pós-Graduação
em Educação (PPGE)-Mestrado e do Curso de Pedagogia do Centro Universitário Moura Lacerda (CUML).
E-mail: [email protected]
1
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 195-208, 2007.
Disponível em <http:// www.uepg.br/olhardeprofessor>
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A família do educando com dificuldade de aprendizagem...
de professores alfabetizadores promovido pela Secretaria
Estadual de Educação de São Paulo (SEE/SP). Para a coleta de dados utilizaram-se questionários e entrevistas semiestruturadas, que foram transcritas e submetidas a análise de conteúdo. Os resultados apontaram uma representação da família “ideal”, não condizente com a “real”, aquela que interage com o cotidiano escolar. Para os participantes, a família “real” não tem condições de dar apoio,
atenção e afeto a esses educandos. As representações sociais dos professores sobre a família de alunos com dificuldades de aprendizagem revelam que o desempenho escolar insatisfatório do educando é causado pela família, que
não acompanha as tarefas escolares. A escola é eximida
da responsabilidade.
Palavras-chave: Família. Dificuldades de aprendizagem.
Representação social.
Abstract: The idea of developing this paper arose from the
need to understand how and why the family is
acknowledged as responsible for the unsatisfactory
performance of students with learning difficulties at school
in the last few years. It is important to study the family
from this angle, and it is relevant to understand the
harmonious or conflictive social interactions between the
school and family, because both coexist in a relationship
of interdependence which will interfere even indirectly in
students´ learning experience. Therefore, the aim of this
paper is to analyze the social representation of teachers
about the family of students with learning difficulties. This
research was based on the Social Representation Theory
developed by Serge Moscovici in 1961. Thirteen public
school teachers from Ribeirao Preto participated in this
study, all of which took part at the “Programa Letra e Vida”,
a program promoted by Secretaria Estadual de Educação
de Sao Paulo (SEE/SP) that prepares teachers to teach
reading and writing. The data was collected by means of a
questionnaire and a semi-structured interview that was
transcribed and submitted to content analysis. The results
showed an “ideal” family representation not corresponding
196
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 195-208, 2007.
Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor>
Fátima Aparecida Maglio Colus & Rita de Cássia Pereira Lima
to the “real” one, which interacts with the school daily
routine. For the participants, the “real” family is not able
to support and give attention to the students. The social
representation of the teachers about the students’ families
shows that the unsatisfactory performance of the students
at school is caused by the family that does not keep up
with the school tasks. The school is, therefore, exempt from
any responsibility.
Keywords: Family. Learning difficulties. Social
representation.
A INSTITUIÇÃO FAMILIAR: COMPLEXIDADE E DESAFIOS
Através deste estudo, pretende-se verificar as representações
construídas pelos professores sobre a família de educandos com dificuldade de aprendizagem no âmbito escolar.
Estudar a família é algo complexo, pois não só envolve valores
e atitudes, como também um modelo normativo construído por cada
indivíduo. Este modelo elaborado pelo homem é histórico e preso às
perspectivas diferentes das classes sociais. (MELLO, 2005).
A família recebe a influência do tempo presente, sendo marcada
pelas transformações sociais, econômicas e políticas. É na convivência
familiar que valores, atitudes e concepções são forjadas. Atualmente,
há diversos modelos de núcleos familiares presentes no cotidiano escolar, com algumas mudanças sociais, como o aumento do número de
pais e mães solteiros e/ou separados, casais morando sob o mesmo teto
sem a oficialização do casamento, adoções individuais e famílias homossexuais, com reflexos na estrutura e no modelo de família até então
considerado na sociedade como “normal”.
Para Silva (2005, p.101): “A família atual se organiza de forma
a renunciar o individualismo patriarcal para contextualizar outros
padrões e comportamentos que são sentidos como legítimos e verdadeiros”. Paralelamente, outras mudanças sociais desencadearam uma
reestruturação familiar, por causa da alteração dos papéis desempenhados pelos indivíduos na sociedade. Exemplos desta colocação foram a inserção da mulher no mercado de trabalho e o desempenho,
pelo homem, de atividades que eram prioritárias da mulher como leOlhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 195-208, 2007.
Disponível em <http:// www.uepg.br/olhardeprofessor>
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A família do educando com dificuldade de aprendizagem...
var a criança à escola, dialogar com os filhos e com o professor quando
solicitado, entre outras. Em face disso, pode-se dizer que a família reflete a cultura na qual está inserida, não podendo ser apontada como
uma entidade isolada.
Tanto a família como a escola são vistas como instituições
marcantes, com peculiaridades distintas na sociedade. O elo de semelhança entre elas é que as duas não são estáticas e definidas, ou seja,
são instituições que evoluem e se transformam de acordo com as conjunturas socioeconômicas e culturais. Segundo Bourdieu (2004), a família é quem delega ao indivíduo o patrimônio cultural e econômico
que é reforçado pela escola: “É, enfim, a lógica própria de um sistema
que tem como função objetiva conservar os valores que fundamentam a
ordem social”. (BOURDIEU, 2004, p.56).
Carvalho (2000) chama atenção ao fato de que a cobrança dos
pais na gestão da escola pública brasileira é conseqüência da política
educacional recente, de caráter neoliberal. Ela considera que este tipo
de política desencadeia dois efeitos perversos: converte as diferenças
de capital (social, econômico e cultural) em resultados educacionais
desiguais e penaliza a família, principalmente a mãe, pelo fracasso escolar do filho.
O número de alunos com dificuldades de aprendizagem vem aumentando consideravelmente nos últimos anos. E quando adentra o fator “causa”, a família aparece como um dos indicativos principais, pois
é freqüente o discurso no cotidiano escolar, especialmente em instituições educacionais que atendem às famílias de baixa renda, do professor
desamparado e frustrado com o desempenho insatisfatório dos educandos
e que protesta contra a falta de cooperação e ausência dos pais.
Assim, diante desta complexa situação educacional, questionase: Quais são os motivos que permeiam esta questão? Quais são as
representações formuladas sobre a família desse educando pelos professores? São estas questões que este trabalho tentará desvendar.
Parte-se do pressuposto de que estudar a família por este ângulo,
verificando as interações sociais, conflitivas ou harmoniosas, entre a
instituição escolar e familiar, é um fator importante, pois se considera
que elas coexistem numa relação de interdependência e que a relação
destas instituições sociais interferirá, mesmo indiretamente, na aprendizagem do educando.
Buscar as concepções formadas por professores sobre a instituição familiar foi a maneira encontrada para verificar como estas instâncias sociais se relacionam cotidianamente, tendo como fundamentação
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 195-208, 2007.
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Fátima Aparecida Maglio Colus & Rita de Cássia Pereira Lima
a Teoria das Representações Sociais (TRS). Refletir sobre os fenômenos
educacionais a partir da teoria moscoviciana é considerado importante, pois essa permite uma aproximação do cotidiano escolar compreendendo não só as relações intra e intergrupos dos indivíduos com seu
ambiente social, como também o entendimento dos determinantes dos
comportamentos e das práticas sociais. (MOSCOVICI, 1978).
A Teoria das Representações Sociais foi elaborada por Serge
Moscovici, em seu livro La Psychanalyse, son image, son public, publicado na França, em 1961. Nesta obra, o autor teve como problemática
entender o processo de apropriação da teoria psicanalítica por diferentes grupos sociais na França. A questão central do trabalho circulava
em torno de como era consumida, transferida e utilizada uma teoria
científica pelo grande público. Sua pesquisa marcou uma mudança significativa dentro dos campos da sociologia e da psicologia no se refere
às análises teóricas dos determinantes do comportamento social do
homem. Assim, a Teoria das Representações Sociais foi desenvolvida no
âmbito de Psicologia Social.
A representação social consegue ligar o real, o psicológico e o
social, estabelecendo conexões entre as crenças, a vida abstrata do saber e a vida concreta do sujeito em seus processos de interação com o
outro. Esta teoria possibilita a compreensão não somente do que os
indivíduos pensam de um objeto, cujo conteúdo carrega valor socialmente relevante e evidente, mas também como e por que eles pensam
daquela forma. (ROAZZI; FEDERICCI; WILSON, 2001).
Serge Moscovici apontou as representações como sendo “uma
modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos”.
(MOSCOVICI, 1978, p.26). Nesse sentido, pode-se dizer que não é
qualquer conhecimento que pode ser visto como representação social,
mas somente aquele elaborado na vida cotidiana dos indivíduos, pelo
senso comum, construído socialmente, e com a capacidade de ação e
reflexão sobre a realidade.
Dois processos básicos foram designados na elaboração das representações sociais, que são a ancoragem e a objetivação. Esses processos são imprescindíveis, segudo Moscovici: “Não é fácil transformar
palavras não-familiares, idéias ou seres, em palavras usuais, próximas
e atuais”. (MOSCOVICI, 2004, p.60).
A ancoragem é o processo pelo qual se traz para categorias e
imagens conhecidas o que ainda não está classificado, encaixado e
rotulado. O “estranho”, o “desconhecido” muitas vezes ameaça o hoOlhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 195-208, 2007.
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mem, e é nessa circunstância que o movimento da ancoragem o auxilia,
pois é ela que permite transformar o estranho em algo familiar, conhecido, ou seja, ancora o “diferente” em representações já existentes.
Oliveira e Werba (1999, p.109) afirmam que, na ancoragem, está
implícito um juízo de valor, porque, quando o indivíduo ancora, classifica uma idéia, objeto ou pessoa, situa-o em alguma categoria que historicamente adquiriu esta dimensão valorativa. E ainda: “Quando algo
não se encaixa exatamente ao modelo conhecido, nós o forçamos assumir determinada forma, ou entrar em determinada categoria, sob pena
de não poder ser decodificado.”
O outro processo, a objetivação, corresponde à fase figurativa,
cujo resultado é a materialização do conceito abstrato; ou seja, “a
objetivação consiste em materializar as abstrações, corporificar os pensamentos, tornar físico e visível o impalpável, enfim transformar em
objeto que é representado”. (NÓBREGA, 2001, p.73).
A partir destas considerações, este estudo verificará as representações sociais de professores sobre a família por meio desses dois processos, possibilitando, assim, apreender os valores, as práticas, as atitudes ocorridas no universo escolar.
METODOLOGIA: O CAMINHO PERCORRIDO
Participaram deste estudo 13 professoras do Ensino Fundamental (1ª a 4ª série) na rede pública do estado de São Paulo. Todas são
cursistas do Programa Letra e Vida3 em Ribeirão Preto (SP).
Para a seleção dos participantes, a pesquisadora primeiramente
procurou a coordenadora geral do curso. Logo em seguida, após a explicação do trabalho de pesquisa, foi feito o agendamento de horário com
as professoras interessadas em participar.
A entrevista semi-estruturada foi o instrumento de coleta de dados junto às professoras participantes. Foi passado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assegurando-lhes o anonimato na publicaLetra e Vida é um programa de formação de professores alfabetizadores, cujo propósito é desenvolver
competências profissionais necessárias, incluindo a reflexão sobre a prática educativa. A prioridade da
política educacional da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, estabelecida pelo secretário,
professor Gabriel Chalita, é a melhoria da competência leitora dos alunos. O referido programa inserese num grande programa de formação continuada, destinado a professores que ensinam crianças, jovens
e adultos a ler e a escrever, e ainda a assistentes técnico-pedagógicos e professores-coordenadores que
orientam professores alfabetizadores da rede pública.
3
200
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Fátima Aparecida Maglio Colus & Rita de Cássia Pereira Lima
ção do trabalho. Depois, as entrevistas foram transcritas literalmente
pela pesquisadora.
É na prática que são definidos os processos de análise (BARDIN,
1995). A necessidade de analisar o material coletado, ou seja, as entrevistas transcritas e validadas pelos sujeitos participantes, exigiu uma
definição básica dos procedimentos.
Inicialmente a pesquisadora procurou os modelos de análise disponíveis na literatura sobre o tema. Entre as existentes, a opção deu-se
pela Análise de Conteúdo (BARDIN, 1995)4 e, dentre as várias técnicas
da análise de conteúdo, optou-se pela Análise Temática. Segundo Bardin
(1995, p.15), “tema é a unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto analisado, segundo critérios relativos à teoria que
serve de guia à leitura”.
Em um primeiro momento, foi feita a leitura flutuante das questões, mediante um contato extenuante com o material coletado, processo de que surgiram pressupostos, palavras-chave e recortes capazes de
proporcionar a categorização do material, para ser possível realizar uma
análise mais concisa.
A escolha deste tipo de análise deve-se ao fato de a pesquisa ser
orientada pela abordagem qualitativa. Dos conteúdos analisados surgiram três temas: “família”, “escola” e “aluno”. Apesar de estes temas
estarem articulados, no presente texto apenas o primeiro será abordado.
FAMÍLIA REAL OU IDEAL?
Imersa em um contexto repleto de mudanças econômicas, políticas e, sobretudo, sociais, a escola se depara com uma instituição familiar estruturada de maneira diferente da de anos anteriores. Esta situação desencadeia conflitos entre estas duas instituições sociais. Alguns
relatos dos participantes mostraram esses aspectos conflitivos:
“O envolvimento com os pais está muito complicado [...]”.
“[...] não é isso que o profissional da educação hoje encontra. Essa
parceria família e escola tá muito difícil nos dias de hoje, [...]”.
Posteriormente, o material coletado foi submetido à análise lexical e de conteúdo mediante o
software ALCESTE (Analyse Lexicale par Contexte d’un Ensemble de Segments de Texte). Contudo, as
autoras reservaram esta análise para outro artigo.
4
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A família do educando com dificuldade de aprendizagem...
“Então é um relacionamento muito difícil até com os pais”.
Percebe-se que as interações sociais entre estas duas entidades,
escola e família, não estão conectadas satisfatoriamente do ponto de
vista das professoras, necessitando, portanto, de uma reflexão maior,
para que se estabeleçam vínculos mais produtivos para todos os envolvidos.
Outro tópico destacado com predominância nos discursos analisados foi a questão de a família não participar conjuntamente com o
professor na aprendizagem do educando que apresenta dificuldades.
As falas abaixo são bem representativas disso:
“A gente pede [..] apoio, mas os pais hoje em dia [...]”.
“Mas você percebe que a maioria deles não tem um acompanhamento dos pais e é isso que falta. Se a criança tem dificuldade, os
pais teriam que ajudar mais, estar mais presentes e o que [...] se
percebe que é o que menos ocorre”.
“[...] na maioria das vezes, nós não temos apoio dos familiares,
então isso gera uma dificuldade”.
Entende-se explicitamente nestes relatos que a família não dá
apoio aos filhos e não se envolve com suas atividades escolares, causando, assim, um obstáculo para o trabalho do professor. Quando os
alunos demonstram um desempenho escolar insatisfatório, os professores se referem à ausência dos pais:
“[...] principalmente as crianças que têm mais dificuldades os
pais são mais distantes da escola, [...]”.
“Se você falar que vai ter uma festa na escola, tudo de graça, aí
eles vão e vai papagaio, periquito, cachorro, vai todo mundo. Mas
do contrário, se você chamar pra falar diretamente da criança aí
eles não aparecem, não aparecem mesmo”.
Este problema acentua-se mais nas famílias que têm uma situação socioeconômica mais distante da cultura escolar, pois os pais não
dispõem da linguagem e dos costumes da instituição, não tendo também a mesma concepção das classes mais favorecidas a respeito da
escola. Abramovay (2003, p.460) destaca fato: “Verifica-se, assim, que
a escola contribui para reproduzir a hierarquia das posições sociais,
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pois aqueles mais familiarizados com os códigos da cultura escolar e da
cultura dominante acabam sendo favorecidos.”
Em alguns discursos, os professores enfatizaram os problemas
socioeconômicos da família com estas características como justificativa
da ausência familiar no âmbito escolar.
“[...] nem sempre por culpa deles, mas a preocupação maior deles
hoje em dia é trazer o pão pra dentro de casa, [...]”.
“E tudo interfere, a própria situação financeira, os pais por este
motivo [...]”.
Observando os dados, verificou-se que não só a causa das dificuldades de aprendizagem advém principalmente da questão familiar,
mas também que a solução delas se centrou ao redor do núcleo familiar
deste educando. Neste sentido, os participantes, apesar de se sentirem
responsáveis pelos alunos, ainda delegam à família a função de oferecer
as condições para que eles superem suas dificuldades escolares.
Romanelli (2005, p.77), ao comentar as mudanças ocorridas
na estrutura familiar, sublinhao seguinte: “Uma das transformações
mais significativas na vida doméstica e que redunda em mudanças na
dinâmica familiar é a crescente participação do sexo feminino na força
de trabalho, em conseqüência das dificuldades enfrentadas pelas famílias.”
Este fato foi destacado em algumas falas das professoras. Aqui
se reportaram à época de sua infância, onde a família, em especial a
mãe, era mais presente.
“[...] a gente vê que são pais ausentes, que essas crianças ficam
sozinhas ou com uma outra pessoa que não seja os pais [...]”.
“Na minha época eu tinha uma mãe que tava sempre presente,
[...] ela queria resultados, então a gente tinha a família mais próxima, [...] e hoje você vê que não tem isso, a maioria dos pais
trabalham fora e eles ficam a Deus dará”.
Ao longo de todas as entrevistas, evidenciou-se também que a
família do aluno com dificuldades de aprendizagem foi apontada como
“desestruturada”, sendo vista como “diferente” nas relações afetivorelacionais em comparação com aquelas que, implicitamente, são consideradas “estruturadas”:
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A família do educando com dificuldade de aprendizagem...
“[...] a maioria deles não tem o afeto e o carinho que tem uma
família normal, são famílias desestruturadas [...]”.
“[...] então, eu penso que essas crianças emocionalmente elas são
de famílias desestruturadas”.
“[...] são problemas familiares mesmo de má estrutura familiar.
Normalmente os problemas de aprendizagem são com essas famílias”.
“[...] pelas famílias que são desestruturadas e não valorizam a
escola”.
Szymanski (2005, p.21) sustenta que, desde Freud, a família
passou a ser vista como “lócus potencialmente produtor de pessoas
saudáveis, felizes e equilibradas, ou como o núcleo gerador de inseguranças, desequilíbrios e toda sorte de desvios de comportamento.”
(grifo nosso).
Diante disso, pode-se dizer que, no entender desse grupo
pesquisado, as famílias destes alunos focados pertencem ao segundo
caso citado por Szymanski (2005). No que tange ao aspecto afetivorelacional destas famílias, em algumas descrições, notaram-se
conotações preconceituosas e negativas, reforçando a idéia da “falta”
e da “incompletude”.
Segundo esta autora, todo grupo familiar tem um modo particular de relacionar-se, desencadeando “uma ‘cultura’ familiar própria, com seus códigos, com uma sintaxe própria para comunicar-se e
interpretar comunicações, com suas regras, ritos e jogos”. (SZYMANSKI,
2005, p.25).
Os depoimentos revelaram tacitamente que, para estes professores, a família ideal, visualizada como “normal”, é composta por
pai, mãe e filhos, vivendo em um local acolhedor, sem conflitos. “Fora
deste contexto, as famílias são consideradas ‘incompletas’ e
‘desestruturadas’. Essas são as mais responsabilizadas por problemas emocionais, desvios de comportamento [...] e fracasso escolar”.
(SZYMANSKI, 2005, p.24).
Desta forma, pode-se supor que a representação de família para
estes docentes está vinculada ao modelo de família burguesa, como
regra, com a aceitação implícita de seus valores, crenças e modelos
emocionais. Para Szymanski (2005, p.25): “Supõe-se ou aceita-se irrefletidamente um modelo imposto pelo discurso das instituições, da
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Fátima Aparecida Maglio Colus & Rita de Cássia Pereira Lima
mídia e até mesmo de profissionais, que é apresentado, não só como
o jeito ‘certo’ de se viver em família, mas também como um valor”.
Como conseqüência, o relacionamento com a família destes
educandos gera a sensação de “diferença”, de “ausência”, de
“inadequação” e de “desinteresse”. Percebeu-se nos relatos que a representação elaborada por este grupo sobre a família ideal não condiz com
a família concreta, com a família real de seu aluno. Quando se perguntou a uma professora sobre o relacionamento do aluno com dificuldades de aprendizagem com sua família, obteve-se o seguinte depoimento:
“É uma coisa assim que você percebe que não tem... afinidades é
pai ausente, mãe ausente que trabalham e não têm tempo. Têm
um monte de filhos e sempre o pai está preso ou é a mãe que está
presa, [...]”.
Com isso, como afirma Szymanski: “A família que se construiu,
a vivida, apareceu como um caminho indesejado, com um caráter de
‘não escolhido’, mas de imposto pelas vicissitudes da vida”.
(SZYMANSKI, 2005, p.26).
Esta família, basicamente, apareceu tão fragilizada que em muitos
discursos foi colocada a necessidade de a escola exercer o seu papel
social no sentido de auxiliá-la, orientando-a, como se os seus valores,
costumes e atitudes fossem diferentes do contexto escolar no qual a
criança está inserida. O relato seguinte é um exemplo:
“Então você vê assim que é conscientização mesmo, é dos pais,
porque como a gente vai exigir da criança uma postura se o pai e
a mãe não têm dentro de casa? [...] tem que começar é dos pais,
senão os filhos não vão virar nada, infelizmente”.
Uma professora até sugere que deveria existir uma escola para a
família:
“A questão de valores que desestrutura a família, a falta de limites,
isso eu não vejo como resolver hoje, a não ser que a gente monte
uma escola pra família. Isso seria o ideal, escola pra família”.
Todos estes dados levantados referentes à família confirmam
o que Tomasini diz: “As influências do estigma não se limitam só ao
indivíduo considerado diferente, elas se estendem para aqueles inOlhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 195-208, 2007.
Disponível em <http:// www.uepg.br/olhardeprofessor>
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A família do educando com dificuldade de aprendizagem...
divíduos que se relacionam com ele na estrutura social”. (TOMASINI,
2001, p.117). Neste contexto, não só o aluno com dificuldades de
aprendizagem tem um atributo diferenciado, mas a sua família também compartilha um pouco deste descrédito, “uma relação que leva
a sociedade mais ampla a considerar ambos como uma só pessoa”.
(GOFFMAN, 1988, p.39).
No que concerne aos processos formadores de representação
social, os discursos demonstraram que várias imagens (processo de
objetivação) circulam entre os professores sobre a instituição familiar: “desestruturada”, “irresponsável”, “desatenta”.
Os relatos dos participantes mostram indícios de que estas
imagens estão arraigadas em concepções de tendência ambientalista,
que ressaltam a deficiência sociocultural do ambiente familiar (processo de ancoragem). Ou seja, as representações sociais dos professores sobre a família de alunos com dificuldades de aprendizagem
revelam que o desempenho escolar insatisfatório do educando é
causado pela família, que não acompanha as tarefas escolares e
que não se interessa pelo cotidiano escolar de seus filhos. Com
isto, a escola se exime de suas responsabilidades sociais e delega o
fracasso destes alunos a sua família “desestruturada”.
À GUISA DE CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo, buscou-se verificar as representações sociais elaboradas por professores sobre a família do aluno que apresenta dificuldades de aprendizagem. Para se compreender esta realidade, foram
consideradas as formas como os professores vivem determinadas conjunturas, explicam, reconhecem e elaboram estas situações no cotidiano escolar junto da família dos seus alunos.
Diante dos dados levantados, foi possível constatar que há um
conflito oculto entre o professor e a família deste educando, pois há
uma representação da família “ideal”, que não condiz com a “real”.
Para os participantes, a família “real” não tem condições de dar apoio,
atenção e carinho aos educandos. Desta forma, cabe ao professor não
só escolarizar, mas também oferecer o suporte afetivo e relacional (ensinar a ser “bem comportado”, respeitar os colegas, entre outros) considerado adequado. Assim, a representação social que se constrói sobre este educando é a do “desamparo”, do “abandono”.
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 195-208, 2007.
Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor>
Fátima Aparecida Maglio Colus & Rita de Cássia Pereira Lima
A respeito dessas representações, Moscovici afirma o seguinte:
“Pessoas e grupos criam representações no decurso da comunicação e
da cooperação. Representações, obviamente, não são criadas por um
indivíduo isoladamente. Uma vez criadas, contudo, elas adquirem
uma vida própria, circulam, encontram-se.” Por ser compartilhada
por um grupo e ser reforçada pelas crenças, valores, imagens e pela
tradição, ela constitui, enquanto representação, uma realidade social
sui generis. (MOSCOVICI, 2004, p.41).
Diante da heterogeneidade da estrutura familiar, não se pode
apontar os novos arranjos familiares como núcleos sociais errados,
tampouco considerá-los como “desestruturados”. Deve-se, sim,
compreendê-los em suas relações afetivas, pelos valores, crenças e
costumes que estão impregnados nesta família, como também, pelos
aspectos sociais e históricos e contextuais que a permeiam.
Embora investigações mais amplas sejam necessárias, é possível afirmar que esta imagem idealizada sobre a família não só se torna
um obstáculo como também tem dificultado a interação social e pedagógica do professor com seus alunos. Essa situação demanda tanto
propostas políticas mais amplas quanto mudança de valores pessoais
e sociais no âmbito do cotidiano escolar.
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Encaminhado em: 19/03/07
Aceito em: 27/04/07
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 195-208, 2007.
Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor>
Fernando Cézar Bezerra de Andrade
COMPETÊNCIA PARA FAZER FACE À VIOLÊNCIA: DEFININDO A COMPETÊNCIA INTERRELACIONAL DO(A)EDUCADOR(A) NO MANEJO DA VIOLÊNCIA NA ESCOLA
COMPETENCE TO FACE VIOLENCE: A
DEFINITION
OF
THE
EDUCATOR’S
INTERRELATIONAL COMPETENCE IN
DEALING WITH VIOLENCE IN SCHOOLS
Fernando Cézar Bezerra de ANDRADE*
Resumo: Após apresentar o cenário dos estudos sobre a
violência na escola e sumarizar o debate sobre competência em educação, define-se o conceito de competência
inter-relacional do(a) educador(a) escolar, reconhecida
como condição necessária à intervenção eficaz desse(a)
profissional nos processos de gestão de conflitos e de
superação ou prevenção à violência na escola. Em seguida, para demonstrá-la, apresentam-se elementos
indicativos da formação e da aplicação dessa competência, tais como coletados em depoimento obtido durante
entrevista concedida por uma diretora de escola da rede
pública de ensino fundamental e médio em João Pessoa –
Paraíba, e analisados a partir da teoria winnicottiana.
Palavras-chave: Competência inter-relacional.
Educador(a) escolar. Violência na escola.
Abstract: After presenting the scenario of the studies about
violence in schools and summarizing the debate about
competence in education, this article defines school
educators´ interrelational competence as a necessary
condition to efficiently manage conflicts and prevent or
Mestre em Educação pela Universidade Federal da Paraíba. Professor do Departamento de Fundamentação da Educação da Universidade Federal da Paraíba. E-mail: [email protected].
*
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 209-229, 2007.
Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor >
209
Competência para fazer face à violência...
overcome violence in schools. Next, to demonstrate that
competence, some elements of its development and
application are presented as they have been collected in
an interview given by a principal of a public school in João
Pessoa – Paraíba. The data is analyzed from the perspective
of the psychoanalytical theory developed by D. Winnicott.
Keywords: Interrelational competence. School educator.
Violence in school.
INTRODUÇÃO
Há educadores e educadoras que põem em ação um saber especialmente útil para a intervenção pedagógica em situações de conflito
e de violência na escola: a competência inter-relacional.
Quem não conhece alguém assim? Pessoas que contribuem para
uma convivência pacífica na escola, a grande maioria delas sem uma
preparação especializada para essa tarefa, pois os conflitos conviviais
e a violência na escola ainda não são objetos de estudo na maioria
dos cursos de formação de profissionais da educação no Brasil. Não
obstante, eles e elas desenvolveram essa competência a partir de suas
histórias pessoais e profissionais.
Neste trabalho, objetiva-se ilustrar e analisar, à luz da teoria
winnicottiana (WINNICOTT, 1975, 1995), a competência inter-relacional
de Socorro1, uma diretora de escola da rede pública de ensino em João
Pessoa – Paraíba, no manejo de situações de conflito e de violência na
escola. Para tanto, após apresentar o cenário dos estudos sobre a violência na escola e sumarizar o debate sobre competência em educação, define-se o conceito de competência inter-relacional do(a) educador(a) escolar, reconhecida como condição necessária à intervenção eficaz desse(a)
profissional nos processos de gestão de conflitos e de superação ou prevenção da violência na escola. Em seguida, analisar-se-ão fragmentos de
uma entrevista concedida por Socorro, transcrita literalmente e analisada conforme a técnica da análise de conteúdo. (BARDIN, 1979).
Supõe-se que as relações familiares e as experiências profissionais funcionam, na história de vida de educadores e educadoras, como
1
210
Pseudônimo atribuído à educadora, por razões éticas.
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 209-229, 2007.
Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor>
Fernando Cézar Bezerra de Andrade
redes intersubjetivas de estruturação dos fundamentos psicossociais
da competência inter-relacional.
A VIOLÊNCIA COMO CONTEXTO DA COMPETÊNCIA
Historicamente, como mostra Sposito (2001), o aumento do interesse pela violência na escola nasce no contexto da redemocratização
brasileira. Se nos anos 1980 a preocupação maior consistia em proteger
as escolas de invasores e em geri-las mais democraticamente, nos anos
1990 “a violência escolar passa a ser observada nas interações dos
grupos de alunos, caracterizando um tipo de sociabilidade entre os
pares ou de jovens com o mundo adulto” (p.91), tornando mais complexa sua análise.
Exemplos do crescente interesse pelo problema são a inclusão da
ética como temática transversal nos Parâmetros Curriculares Nacionais
(BRASIL, 1997a, 1997b) – os quais já fazem menção ao problema da
violência na escola – e o aumento de publicações especializadas surgidas
em português nos últimos anos, sobretudo com a iniciativa da UNESCO.
Pesquisas de abrangência nacional e local foram desenvolvidas, principalmente como investigações acadêmicas de pós-graduação, de
abrangência nacional ou local, enfocando fatores externos e internos à
escola que contribuem para as manifestações da violência (ABRAMOVAY,
2002, 2003; ABRAMOVAY; RUA, 2002; BATISTA; EL-MOOR, 1999;
BRASIL, 2003; CANDAU, 2001; CASTRO, 2001; DEBARBIEU; BLAYA,
2002a, 2002b; GUIMARÃES, 1988, 1992, 1996a, 1996b; LUCINDA;
NASCIMENTO; CANDAU, 2001; NOLETO, 2004; OLIVEIRA, 2000;
ORTEGA; DEL REY, 2002; RISTUM, 2001; SANTOS, 2002; SPOSITO,
2001; WAISELFISZ; MACIEL, 2003).
Análises sociológicas explicam esse problema como resultado de
fracassos da escola em garantir qualidade na socializante (PERALVA,
1997; SPOSITO, 2001), ou no ensino (MELLO, 1996, 2004). Articulados, esses aspectos apontam, pari passu, para a importância e a ineficácia da escola, que não facilita a inclusão das novas gerações à sociedade, deixando de transmitir-lhes valores, de facilitar-lhes o desenvolvimento de habilidades cognitivas e de instruir-lhes nos conhecimentos
necessários à vida pessoal e coletiva. Com isso, a escola perde sentido
e se torna alvo de depredações e palco de violências físicas e verbais,
deixando de ser respeitada e cuidada pelos que a fazem.
As análises de enfoque psicológico, estudando as relações
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 209-229, 2007.
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Competência para fazer face à violência...
interpessoais, o comportamento agressivo e, em alguns casos, persistentemente abusivo de alguns alunos, bem como os fatores individuais
precipitantes da violência – tais como a existência de modelos parentais,
grupais e escolares agressivos, punitivos e inconsistentes, a ausência
de modelos pró-sociais, as expectativas escolares baixas ou imprecisas
e o fracasso escolar – revelam a importância de não se desconsiderar
um plano microscópico desse fenômeno, inclusive na preparação de
educadores e educadoras, que ainda se sentem, por exemplo, inaptos
para lidar com o comportamento agressivo do alunado (FANTE, 2005;
ROYER, 2002, 2003, 2005).
Ainda nesse plano microscópico, a teoria psicanalítica traz aportes
para o entendimento da violência, associada a processos inconscientes
e intersubjetivos: entre eles, neste trabalho, recorre-se à idéia da dissolução do espaço potencial, definido por Winnicott (1975) como aquele
constituído pela separação gradual entre mãe e bebê (à medida que este
vai ganhando autonomia), transformando qualitativamente a relação
de objeto. É, portanto, o espaço inicialmente criado pela ilusão, “o lugar em que a experiência cultural se localiza” (WINNICOTT, 1975,
p.139), uma interseção entre as realidades externa e interna que, delimitando ambas, faz a transição entre elas e funciona como terceira
realidade (ABRAM, 2000, p.253), caracterizada como intersubjetividade
e responsável pela modulação da experiência de conhecimento do mundo objetivo2. Nessa perspectiva, a violência é derivada de uma falta de
suprimento ambiental de segurança e bem-estar, e interpretada como
um esforço para sentir-se vivo, existente, já que só em função da reação
a uma invasão da identidade é que o agente de violência se percebe
distinto do ambiente que o cerca. Nesse sentido, ela paradoxalmente
comunica uma esperança de provisão satisfatória e deve ser entendida
como um apelo à contenção e cuidados, subentendido nos comportamentos delinqüentes. (WINNICOTT, 1995).
Na escola, então, explica o processo de aproximação e crítica do conhecimento, através da inserção
do conhecimento na cadeia de derivações desenvolvida a partir da experiência fundadora com o objeto
transicional, definido por Winnicott (1975, p.13) como “primeira possessão que seja não-eu”. O
objeto transicional, tomando a forma de um objeto real (ou de uma parte dele), indica a experiência
de conjugar separação da mãe com constituição primária do eu através do controle (imaginário) do
objeto e de sua substituição por um objeto secundário, novo (já que inventado pelo bebê) e necessário
contributo para a definição do psiquismo do bebê. Assim, o objeto transicional “constitui-se no
símbolo da passagem que o bebê faz da experiência de adaptação da mãe as suas necessidades durante
o período de dependência absoluta, para a dependência relativa, quando passa a ver a mãe como não
sendo parte dele mesmo” (ABRAM, 2000, p.255). A escola deve, pois, oferecer-se como espaço interrelacional que, organizado em torno do conhecimento, permite a reconstrução do mundo pelo alunado,
que sublimará tratando o conhecimento à semelhança do que tratou, um dia, os objetos transicionais.
2
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Fernando Cézar Bezerra de Andrade
Articulando vários desses planos micro e macroscópicos, as análises da perspectiva ecológica consideram, ao mesmo tempo e de modo
integrado, tanto fatores externos quanto internos à escola, para entender a violência e intervir mais eficazmente, como mostram os trabalhos
de Ortega e Del Rey (2002) e de Tilmant (2004). É este último, por
exemplo, quem propõe o conhecimento de cinco planos concêntricos de
abrangência da violência na escola: o microssistema (turma), o
endossistema (escola), o mesossistema (bairro e cercanias), o exossistema
(sociedade) e o macrossistema (sistemas e ideologias). Ainda segundo
esse autor, a aplicação inteligente das estratégias de gestão de conflitos
e de contenção da violência confere ao educador a respeitabilidade, a
confiabilidade e a liderança necessárias à construção de uma relação
em que ele sirva como exemplo e objeto de transferências. Isso permite
que o alunado se identifique e sublime sua agressividade, o que contribui para uma socialização bem-sucedida.
Essas perspectivas e interpretações ajudam a entender, no cenário de várias experiências (ABRAMOVAY; ANDRADE; FARAH NETO;
MACEDO E CASTRO, 2003; ABRAMOVAY et al., 2003; CASTRO, 2001;
LUCINDA; NASCIMENTO; CANDAU, 2001; NOLETO, 2004;
WAISELFISZ; MACIEL, 2003), a importância da intervenção do(a)
educador(a) escolar no processo de superação e prevenção à violência
na escola: é dele(a) a responsabilidade de estabelecer as condições para
o desenvolvimento da sociabilidade do alunado. Para tanto, são decisivas suas competências profissionais e, no caso dos conflitos e da violência, a competência inter-relacional, a seguir definida, no contexto
dos debates sobre competência em educação.
COMPETÊNCIA INTER-RELACIONAL DO EDUCADOR:
CONSTRUINDO UMA DEFINIÇÃO
A literatura sobre competência revela vários debates acerca dessa definição: ela não é consensual nem facilmente formulável, só recentemente ganhou espaço nos discursos sobre a escola e é alvo de críticas
a respeito de seus pressupostos ideológicos. Logo, para pensar criticamente a competência inter-relacional, é mister reconhecer alguns dos
problemas apontados na literatura sobre competência em educação.
A etimologia indica uma mesma raiz para o verbo competir e o
substantivo competência: em latim, pedir com (CUNHA, 1982; FARIA,
1962). O verbo, além de comportar a significação de caber a por compeOlhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 209-229, 2007.
Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor >
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Competência para fazer face à violência...
tência, ganhou outro significado, hoje o mais evocado – disputar, rivalizar (MACHADO, 2002; PINTE, 2004). O substantivo, por sua vez, é
sinônimo de faculdade, capacidade, aptidão, idoneidade. Assim, competente é quem tem a “qualidade de apreciar e resolver certo assunto,
fazer determinada coisa”. (FERREIRA, 1986, p.440). Há, então, uma
ambigüidade semântica entre solidarizar-se e rivalizar, que fala de um
poder em relação a algo ou alguém.
A história da definição contribui para o entendimento dessa ambigüidade. A noção divulgou-se no discurso científico, a partir dos trabalhos lingüísticos de Chomsky, e no discurso educacional, a partir das
demandas feitas à educação profissionalizante por um trabalhador mais
engenhoso, especializado e autônomo, criativo e flexível em seu trabalho, segundo pressupostos do cognitivismo – outra das fontes teóricas
das teorias da competência (DOLZ; OLLAGNIER, 2004; JOBERT, 2003;
MACHADO, 2002; PINTE, 2004).
As críticas feitas ao conceito mostram os perigos de seu uso
acrítico: a competência pode tornar-se sinônimo de eficiência e
operacionalidade profissional, que disfarçam, numa linguagem econômica neoliberal, o interesse pelo lucro (DOLZ; OLLAGNIER, 2004). Heslon
(2004) também vê na competência a possibilidade de uma “adultificação”
da infância, caso se resuma a educação infantil a uma propedêutica do
trabalho eficaz – e lucrativo. Outro perigo é a redução das causas do
sucesso profissional à exclusiva responsabilidade individual. “Cada um
é doravante encarregado de desenvolver e manter suas próprias competências, sob pena de cair em fracasso – inicialmente profissional e depois social”. (PINTE, 2004, p.231).
Ao criar-se uma elite de competentes que se especializariam através de algum tipo de saber (BREYNER, 2006), surge a idéia da competição, expressa no verbo “competir”: pertencerá àquela elite quem for
mais competente. Assim, o termo carrega a contradição das sociedades
modernas, em que a escola é instituída para igualar e elitizar, como
mostram as teorias da reprodução social pela escola (BOURDIEU;
PASSÉRON, 1982; OURY; PAIN, 1998; PERRENOUD, 2005).
Não obstante todas essas questões, o conceito motiva a investigação, sobretudo porque a sua pesquisa produz teorias explicativas do
sucesso em situações nas quais o planejamento é insuficiente ou inadequado – quando é necessário criar novas e eficazes soluções para os
problemas enfrentados (REY, 2002).
A revisão da literatura sobre competência permitiu identificar
quatro dimensões fundamentais, indissociavelmente ligadas entre si
214
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 209-229, 2007.
Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor>
Fernando Cézar Bezerra de Andrade
para explicar a eficácia de uma intervenção: a comportamental, a
cognitiva, a social e a afetiva, às quais aqui se junta uma quinta, a
desiderativa – da ordem dos desejos que, conscientes ou inconscientes,
motivam a conduta e interferem na cognição, nos afetos e nas relações
intersubjetivas.
A dimensão comportamental diz respeito, em termos
comportamentalistas, à exterioridade observável da conduta e de seus
efeitos na contingência específica em que ela é emitida. Trata da adequação do comportamento a seu contexto e da previsão do desempenho eficaz: nessa dimensão, portanto, a competência é um saber-fazer
(DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2001, 2004, 2006; PERRENOUD, 2002;
REY, 2002; ROYER, 2005). No caso dos conflitos e da violência, isso
significa saber combinar reações coerentes com as características específicas da situação, de modo a tornar a intervenção pedagógica uma
“prevenção reativa” ou uma “reação preventiva” (CASANOVA, 2004,
p.83). Aqui, o conhecimento técnico revela-se essencial.
A dimensão cognitiva compreende os processos mentais não diretamente observáveis. A competência é então definida como uma
metacognição, situada, responsável pela mobilização e pela integração
das habilidades, da inteligência e dos habitus necessários à aprendizagem na ocasião em que ela se dá – o que resulta na criação de esquemas
mentais e habilidades. Logo, a competência é um saber-pensar o próprio
pensamento aplicado ao aprender, ou, mais simplesmente, um pensar os
modos de aprender, a fim de modificá-los, se for o caso (DOLZ; OLLAGNIER,
2004; FABRE, 2004; GATÉ, 2004; JOBERT, 2003; LAFORTUNE; PONS,
2004; MACHADO, 2002; PERRENOUD, 1999, 2001, 2002, 2005;
PERRENOUD; ALTET; CHARLIER; PAQUAY, 2001; REY, 2002; SORIN,
2004; TOUSSAINT; XYPAS, 2004). Essa dimensão explica a possibilidade de previsão, avaliação e adaptação das intervenções, no momento em
que ocorrem as situações de violência e conflito.
A dimensão afetiva, por sua vez, diz da capacidade de identificar, experimentar e expressar adequadamente emoções e sentimentos
relacionados a situações de interação do indivíduo com o mundo e com
os semelhantes – especialmente se tais situações criam problemas para
o indivíduo (LAFORTUNE; DOUDIN; PONS; HANCOCK, 2004; MORAIS; OTTA; SCALA, 2001; RIBEIRO; JUTRAS, 2006). Essa dimensão
aponta para a necessidade de reconhecer-se a determinação afetiva nos
processos de tomada de decisão e de resolução de problemas, pois, ao
contrário da tradicional avaliação, sentimentos e emoções, ao indicarem o estado psicofisiológico do indivíduo e as operações mentais de
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 209-229, 2007.
Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor >
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Competência para fazer face à violência...
que este se vale para avaliar a realidade externa, são indicadores importantes a serem levados em conta (DAMÁSIO, 2005) – como no caso
de conflitos. Daí ser a competência um sinônimo, nesse caso, de saber
reconhecer, valorizar, expressar e coordenar os afetos, particularmente
em situações-problema, geradoras de estresse, como é, para o educador,
o caso da violência na escola.
Já a dimensão social aponta para o fato de que toda competência
tem significados e valores culturais que são comunicados em razão de
papéis socialmente atribuídos, a partir da utilidade social da ação competente. Em outras palavras, ela é situada num contexto interativo,
produzida em redes sociais e avaliada segundo o lugar ocupado pela
pessoa competente. Assim, essa dimensão contempla o caráter
intersubjetivo e comunicativo das relações humanas, no que a competência servir de critério para o reconhecimento social e as trocas simbólico-culturais dos indivíduos. Do mesmo modo, essa dimensão considera condições sociais e institucionais que são garantidas para o desenvolvimento e a aplicação de uma competência (JOBERT, 2003; REY,
2002). Nessa perspectiva, a competência atesta uma inserção social e,
em coerência com ela, um saber relacionar-se e um saber comunicar-se –
o que é essencial para o restabelecimento da qualidade das relações
pedagógicas, no caso da violência na escola.
Assinalar uma dimensão desiderativa da competência é uma
decorrência de entender as dimensões anteriores sob uma perspectiva
psicanalítica, convergindo para o que afirmam autores ligados à pedagogia institucional, como Casanova (2004), Imbert (1996), Oury e
Vasquez (1998) e Pain (1993). Entende-se ser necessário levar em conta
que o(a) educador(a) não consegue sentir, relacionar-se, comunicar-se,
aprender e pensar sobre suas estratégias para aprender sem que, em
contextos intersubjetivos, seus desejos3 interfiram, consciente e inconscientemente. Em razão do encontro (nem sempre fácil ou pacífico) com
o desejo do outro, competência é equivalente, de um lado, a saber reconhecer, valorizar, expressar ou conter os próprios desejos, em função do
contexto; e, de outro, a saber motivar o alunado, de modo a despertar
nele o desejo de aprender. Isto significa admitir processos inconscientes, originados na intersubjetividade, implícitos na competência, como
a transferência e a contratransferência, de cujo conteúdo o(a) educador(a)
Dentre eles, os sexuais recalcados infantis, cuja natureza escapa à lógica, ao planejamento ou à
previsibilidade conscientes, mas que, como motivos psicodinâmicos do comportamento e do afeto,
fundamentam o desejo de educar.
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atento(a) pode extrair elementos importantes para a estruturação das
relações de ensino-aprendizagem na escola. (KUPFER, 1989).
Disso tudo, pode-se agora, para este trabalho, definir competência como um saber complexo, aberto, situado e pessoal, resultante da
mobilização, articulação e criação de desejos e de habilidades
intelectivas, afetivas, sociais e comportamentais com vistas à resolução
de problemas por meio de procedimentos observáveis, eficientes, socialmente relevantes e intersubjetivamente valorizados. No campo educacional mais geral e da perspectiva do educador, por conseguinte, competência implica em saber educar – o que supõe saber intervir no processo de
aprendizagem de conteúdos formais, sem a isso se limitar, já que o trabalho pedagógico supõe saber como favorecer o processo de aprendizagem,
de modo a garantir a gradual autonomia de seus alunos.
Por seu turno, a competência inter-relacional do educador consiste, de uma parte, em um saber conviver, gerindo relações intersubjetivas
e organizando as condições e atividades de ensino aprendizagem na escola; e, de outra, em um saber ensinar a conviver, resolvendo pacificamente conflitos e prevenindo a violência com intervenções de natureza
técnico-comportamental, comunicacional, afetiva, relacional e pedagógica que têm repercussões no plano intersubjetivo e, em se tratando da
subjetividade, no plano inconsciente.
Essa competência é responsável pela mobilização e pela integração
de várias habilidades, melhor compreendidas na relação entre o arranjo
individual que caracteriza o perfil inter-relacional do(a) educador(a) e as
características da situação de conflito e violência. Dentre elas, serão mencionadas neste trabalho apenas aquelas que importarão à análise dos
elementos contidos na entrevista concedida por Socorro: o exercício da
liderança e da autoridade; a promoção da qualidade das relações escolares; a identificação e aplicação adequada de técnicas para a gestão do
conflito e da violência; a flexibilização e a abertura do próprio pensamento diante de situações novas e desafiadoras; a reflexão sobre sua aprendizagem e seu trabalho; e a capacidade de fazer projetos e valores.
A COMPETÊNCIA INTER-RELACIONAL DE SOCORRO: ELEMENTOS DE ANÁLISE
Licenciada em Pedagogia, trabalhando nos três turnos de uma
única escola pública de ensino infantil, fundamental e médio como
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diretora, Socorro tinha, à época da realização da entrevista, 41 anos,
dos quais 23 como educadora, os 17 últimos trabalhados na mesma
unidade de ensino, situada num bairro de classe média-baixa em João
Pessoa, onde o tráfico de drogas e a ação de galeras se fazem presentes, deixando marcas no prédio e na organização da unidade de ensino, sobretudo no passado.
Marcas do desejo materno na formação da competência interrelacional
O início da carreira profissional de Socorro foi marcado pela
divisão entre resistir e atender aos desejos da mãe, que a queria freira
e professora. Aos 18 anos já trabalhava como professora, mas começava, pouco depois, um bacharelado que a tornaria comunicóloga:
não se reconheceu, porém, nesse trabalho e retomou a docência, no
que parece ter sido uma formação de compromisso: recusou a carreira
religiosa, mas se consagrou, a seu modo, ao serviço dos outros, numa
fusão entre profissão e vocação:
Eu disse: “Não, se eu fizer pedagogia, eu to afirmando pra minha
mãe que eu tenho que ser professora” [ri]. Aquela coisa de adolescente, eu também comecei muito nova... Mas eu já tinha uma
tendência, gostava muito de ajudar, de aglomerar as pessoas, já
percebia meu poder de liderança com as pessoas. Então: “Não, eu
vou partir, vou pra outra área. Educação, não”. Já com medo de
que a área de educação me pegasse, né? Lutando contra isso... Só
que era uma realidade da minha vida que não teve jeito de não
pegar.
Sem dar-se conta, Socorro utilizou uma linguagem cheia de
metáforas sobre forças maiores que ela, que a teriam conduzido, como
numa verdadeira paixão, à profissão docente: “tendência”, “medo de
ser pega”, “lutar contra isso”, “não teve jeito de não pegar”. E, pouco
mais adiante: “eu sou muito apaixonada [por sala de aula]” “Eu sou
assim duma paixão doentia, né? [...] Ainda vou ver se eu me preparo,
se eu me preparo ainda pra cortar esse cordão porque é paixão demais
e paixão demais adoece.”
Ora, o que o discurso de Socorro fez ver é que essa paixão não
foi nem natural nem facilmente definida em sua vida. Ao contrário, ao
menos no início, ela não via escolhas: teria que ceder a um poder
maior que ela. E não é difícil ver nesse poder, mais uma vez, a referên218
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cia às vontades maternas: “Eu lutei muito pra não ser educadora. [...]
Foi assim, uma imposição de minha mãe, né?” Tanto é assim que,
mesmo não fazendo outra menção à mãe, a entrevistada lança mão de
uma significativa metáfora materna: ao falar da escola em que trabalhava, usou a imagem do cordão umbilical que dá vida, mas mantém
um vínculo de dependência que precisa ser cortado. Socorro falava,
assim, das marcas impressas pela relação com a mãe em sua escolha
profissional, bem como do significado que a profissão passou a ter:
uma paixão tão forte que beira a doença.
Na verdade, a partir daquela metáfora, pode-se supor que, como
um cordão que une e separa ao mesmo tempo, a escola tornou-se espaço intermediário nas relações entre Socorro e sua mãe, servindo,
desse modo, como espaço potencial para a constituição de sua individualidade, às voltas com o signo materno, que imprimiu na entrevistada uma convicção sobre a necessidade de servir. Até o prenome é
indicativo:
Eu às vezes até comento a questão do próprio nome: minha mãe já
sabia que meu nome [ri], Socorro, era forte! Eu digo, assim, pelo
próprio significado dele. Eu tenho muito apego a meu nome: é
Socorro, Socorro, Socorro e acho que quanto mais fala nisso mais
acende em mim essa vontade de colaborar, de somar, de estar
sempre junto, sabe? De ir buscando, buscando. E a minha formação em casa também foi sempre isso, meus pais sempre foram
voltados pra o que a gente teria que ter, sempre ajudando um e o
outro, né?
A escolha materna do nome inseriu a entrevistada em sua família, por meio da evocação de um valor compartilhado, fazendo derivar
da imposição uma paixão em cujos fundamentos encontram-se, possivelmente, os desejos inconscientes de dar conta das expectativas maternas e de escapar a elas: essa paixão ambivalente impelia Socorro a
manter-se como educadora e prevenir a violência em sua escola.
É provável que a imposição materna tenha provocado não só
uma resistência inicial ao ensino, mas também tenha imprimido no
perfil da professora Socorro uma busca constante pela mudança, pela
“revolução na escola”, freqüentemente subvertendo o poder da direção
vigente, até conseguir eleger seus candidatos ou ser, ela mesma, eleita
dirigente do estabelecimento de ensino. Entende-se que a qualidade
dessa relação originária também favoreceu o desenvolvimento da empatia
e da identificação com as vítimas de violência, compelindo-a a trabaOlhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 209-229, 2007.
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lhar voluntariamente como educadora social junto a crianças em situação de rua, presidiários e movimentos sociais.
Um elemento da sua história atual ajuda a compreender um aspecto essencial dessa habilidade relacional de Socorro: mesmo sendo
capaz de intervir com sucesso em situações em que outras pessoas fossem vítimas de violência (até mesmo as mais duras), essa disposição,
resultante da identificação com as vítimas, não funcionava quando ela,
na posição de diretora (representante máxima da autoridade estatal na
escola), era a vítima e necessitava de mediação externa. Foi o que revelou o conflito que então se estabelecera entre ela e o caseiro da escola:
ele, que não cooperava com a administração escolar, recusou-se a deixar a casa em que morava, nas dependências da escola, de propriedade
do Estado, e passou a ameaçá-la de morte. Por conta disso, após remeter o caso à Justiça, Socorro decidiu deixar a direção e a escola.
“O aviãozinho está passando”
Em seu relato, Socorro apresentou várias habilidades interrelacionais, algumas delas identificadas em situações que indicam claramente sua mobilização e integração. Narrando sua história, Socorro
mencionou o estado de abandono em que se encontrava sua escola
quando lá chegou, num trecho que ilustra essas habilidades:
A nossa escola tinha um adjetivo terrível, ninguém queria estudar
lá! Era chamada de [baixa a voz] “cabaré”! Porque era assim, era
horrível! Não tinha administração! Era sem cuidado mesmo! Era
um aspecto que pra gente era até deprimente ir trabalhar: as pessoas invadiam, fumavam maconha dentro da escola, sabe? Pulavam
o muro direto, era pedrada na cabeça de professor. Uma coisa terrível! O professor, às vezes, era quem tinha de juntar cinco, seis
colegas, dar os braços e enfrentar as galeras que invadiam a escola,
né? Então a gente viu que era necessário fazer um trabalho de
mobilização com a comunidade, para criar um sentimento de pertença mesmo. Então conseguimos fazer com que a comunidade
visse a escola não só como um prédio, mas que ela faz parte da vida
da gente.
Socorro liderou o esforço de modificação da imagem da escola,
conseguindo reverter esse quadro tão difícil ao organizar o ambiente
escolar de modo a garantir um clima mais motivador da aprendizagem.
Externamente, uma das iniciativas adotadas foi abrir a escola para que
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lá adultos das vizinhanças pudessem ser alfabetizados. Internamente,
diante do alto índice de brigas e discussões durante o recreio, investiuse dinheiro na aquisição de jogos e de um sistema de som com os quais
o alunado passou a divertir-se, com regras, e criou-se uma rádio escolar. “A gente fazia isso no horário de recreio. Aí ficavam todos na expectativa de escutar a rádio, as notícias. Eles passavam o final de semana
fazendo pesquisa de matérias pra jogar no jornalzinho da rádio. E a
gente não escutava nada de confusão.”
Socorro mostrou-se, assim, capaz de exercer liderança e autoridade, sobretudo através da valorização das relações escolares, em correspondência com uma das funções subjetivas e inconscientes atribuídas à administração: o exercício da função reguladora, que garante o
respeito a normas e leis – como o respeito ao lugar comum de recreio –,
mas sem autoritarismo. Foi capaz de selecionar e aplicar técnicas de gestão do conflito e da violência (como o envolvimento direto do alunado
na produção da rádio na escola). Revelou-se pronta a flexibilizar e abrir
seu pensamento, no que dizia respeito, por exemplo, à escolha da profissão, além de refletir constantemente sobre seu trabalho, fazendo projetos – dentre os quais transformar, fazer de um “cabaré” uma escola.
Os cuidados com o interior e o exterior da escola, manifestos em
todas essas habilidades, resultaram, intersubjetivamente, na constituição de um verdadeiro espaço potencial na escola, a começar pela garantia de regras mínimas para o funcionamento e a circulação: o “cabaré”,
metáfora da falta de limites, resultara também de uma gestão anterior
ausente e descuidada. Ainda que a direção não resuma toda a escola, o
exercício da liderança e da autoridade encontram na figura do(a) diretor(a)
um representante simbólico bastante significativo para os ritmos e a
qualidade de vida da escola: como figura maior da autoridade na escola, ele(a) é o adulto a quem mais se atribui a responsabilidade de ser
suficientemente bom em relação à escola. Isto significa gerir as condições ambientais e relacionais necessárias ao espaço intersubjetivo que
garante o ensino e a aprendizagem, que tem suas origens no espaço
potencial.
Ao referir-se àquele momento de sua escola, Socorro insistiu,
implicitamente, no seu empenho em intervir para a reconstituição do
espaço potencial necessário às inter-relações educacionais. Esse investimento pessoal resultou, depois, em sua própria eleição para a direção, oficializando uma liderança já manifesta. Além disso, a introdução dos jogos e da rádio (e, com ela, do jornal falado) na escola trouxe
para o alunado a possibilidade de dois outros movimentos igualmente
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importantes no que diz respeito aos fundamentos psíquicos da aprendizagem: de um lado, a fusão entre agressividade e libido, e, de outro, a
sublimação desse material inconsciente em atividades ao mesmo tempo
prazerosas e propícias às inter-relações (como a comunicação).
Esse movimento dialético da regulação – ligado à contenção e à
permissão, próprio da liderança e autoridade de quem dirige – se fundamenta na auto-regulação: o discurso de Socorro revela um bom nível
de auto-estima, de autoconsciência e de autocontrole emocionais. Elementos que atestam a aquisição dessas habilidades são sua história
pessoal (às voltas com a tensão entre o desejo materno e o seu mesmo);
sua capacidade de liderar sem autoritarismo (“‘Diretora calma, tranqüila existe?’ Existe, né?”); e sua aptidão para empregar sua afetividade
em favor da auto-estima de um aluno que concluía o ensino médio,
incentivando-o a continuar estudando (“se você passar [no vestibular]
eu vou alugar um carro de som e vamos ser eu e você gritando, bairro
abaixo, bairro acima, que você passou”). Afinal, para transformar um
“cabaré” em uma escola que faça parte da vida de todos é necessária,
em suas palavras, “paixão demais”.
Foi exatamente essa auto-regulação que permitiu a Socorro intervir
para eliminar o tráfico de drogas do interior da escola, descoberto “de
uma forma bem delicada”, já que “tinha pessoas matriculadas na escola
só com intuito de passar a droga”. A forma pela qual Socorro relata sua
descoberta também indica a atenção dedicada ao cotidiano da escola e o
uso da própria sensibilidade como guia de sua intervenção:
A partir de uma frase que ele [o traficante] dizia todos os dias: “o
aviãozinho está passando”. Isso me incomodou, escutei três, quatro, cinco vezes, sempre à mesma hora. Eu pesquisei, liguei pra o
pessoal da Polícia Federal e falei o que tava havendo. Lá eles já
tinham umas fichas de quem estavam procurando, né? E era justamente esse grupo de alunos. Eles permaneceram sob vigilância,
até que a Polícia pegou esse do avião. Os outros se assustaram e
por si sós desistiram da escola. Descobri e agi na calada, numa
semana estava resolvida a questão do tráfico.
Socorro soube recorrer a uma medida extrema e adequada diante de uma grave ameaça à escola: quando o tráfico de drogas vale-se
da estrutura escolar para lá se instalar e a conduta de alguém se torna
criminosa, o alcance de medidas pedagógicas no que concerne aos
traficantes é ultrapassado e só resta apelar para a segurança pública.
Não obstante, sabe-se que essa segurança não é de todo eficaz.
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Por essa razão, para permitir a entrada da polícia sem que os alunos
traficantes notassem que eram observados, ela precisou, ao mesmo tempo, ser discreta e corajosa, coordenando um trabalho de equipe em que
a supervisora e a vice-diretora (as duas únicas que, além dela, estavam
a par do que se passava) estavam bastante assustadas: caso fossem
identificadas, haveria o risco de sofrerem ameaças, inclusive de morte.
“Eu sou muito ousada, confiei que ia conseguir fazer da forma correta e
assim foi feito. As duas outras ficaram morrendo de medo, eu não tive
tanto medo de morrer”.
Esse medo só apareceu quando ela foi vítima das ameaças do caseiro que residia na escola. A diferença que explica sua inibição em face
dessa situação é que, nesse caso, ela foi pessoal e intencionalmente
ameaçada: ela se mostrou capaz de controlar sua angústia e seu medo,
mas ao custo da posição que ocupava. Diante da violência psicológica de
que se tornou objeto, não sabia como reagir: por que uma diretora que já
tinha transformado a escola toda se inibia naquela circunstância?
Para além do medo plausível, esse recuo pode ser explicado também pelo surgimento, no contexto intersubjetivo, de um ódio não contrabalançado pelo amor nem pelo investimento narcisista que caracterizaram a força do desejo materno e contribuíram para fazê-la educadora: o caseiro, que nada queria com o projeto da escola, tampouco demonstrava reconhecer em Socorro a autoridade própria à função diretiva,
mas a tratava simplesmente como um estorvo de que se livrar, com
ameaças, para manter-se morando na escola.
CONCLUSÃO
A competência inter-relacional é um conceito que explica o saber conviver e ensinar a conviver, característicos de educadores e
educadoras que lidam eficaz e pedagogicamente com situações de conflito e de violência na escola. No plano intersubjetivo, atravessado pelos efeitos do inconsciente, esse conceito explica a reconstituição do
espaço potencial escolar.
Esse saber complexo mobiliza habilidades técnicocomportamentais, afetivas, desiderativas, cognitivas, sociais,
comunicacionais e relacionais, das quais neste trabalho foram mencionadas apenas aquelas identificadas no relato feito por Socorro, uma
diretora de escola da rede pública de ensino em João Pessoa – Paraíba.
Verificou-se que elementos da história de vida e das experiências
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do(a) educador(a) no enfrentamento da violência são fundamentais para
explicar o desenvolvimento daquela competência e sua aplicação eficaz
na escola.
No caso que serviu para demonstração, Socorro soube analisar
e intervir adequadamente em situações de violência distintas em natureza e gravidade, ambas ameaçando a qualidade e o funcionamento
das atividades escolares (uma causada pelas características do próprio estabelecimento, e outra pelo entorno social), na direção do que
apontam as pesquisas – intervenções no âmbito institucional, melhoramento do clima escolar etc. Sua história, seu perfil e sua função
explicam essa capacidade de agir em diferentes circunstâncias, mobilizando e integrando várias habilidades inter-relacionais, ajudando a
reconstituir o espaço potencial de uma escola que havia se transformado em um “cabaré”.
É-se levado, portanto, à pergunta: como garantir, na formação
inicial e continuada de educadores e educadores, oportunidades para
que eles e elas desenvolvam, de modo mais sistemático e intencional,
suas competências inter-relacionais? A qualificação do(a) educador(a)
aparece como um dos determinantes decisivos para o desenvolvimento
dessa competência: sua formação profissional deve atentar, portanto,
para a transmissão de conhecimentos científicos de caráter teórico e
técnico que permitam a análise da situação conflituosa ou violenta e a
escolha do procedimento pedagógico correspondente, sem descuidar do
desenvolvimento do saber metacognitivo que mobiliza e integra habilidades nem da sensibilidade às determinações do inconsciente sobre as
relações intersubjetivas que se constituem no cotidiano escolar.
Ela, porém, será desenvolvida em investigações posteriores.
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Aceito em: 10/04/07
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Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor >
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Thomas Massao Fairchild
AVALIAÇÃO EM DOIS TEMPOS NO TRABALHO COM O TEXTO
TWO -STEP EVALUATION
CENTERED CLASS
IN
A
TEXT-
Thomas Massao FAIRCHILD*
Resumo: Se o ensino de Língua Portuguesa vem acolhendo diversas formas de trabalho pautadas na unidade
do texto, a continuidade de um modelo de análise lingüística preponderantemente voltado para o âmbito
intra-oracional não tem fornecido critérios claros de
avaliação nesse nível. Este artigo apresenta dois exemplos de exercícios com base nos quais se discute uma
forma de avaliar a leitura e escrita no âmbito do texto,
lançando mão, para tanto, de elementos da Lingüística
Textual. O tipo de avaliação que se propõe dá-se em
dois tempos: um momento “prognóstico”, em que, a
partir da produção do aluno, procura-se levantar questões específicas a serem ensinadas; e um momento “diagnóstico”, em que se elaboram instrumentos para verificar os efeitos do trabalho em classe sobre as questões
específicas levantadas inicialmente.
Palavras-chave: Texto. Leitura. Escrita. Lingüística textual. Coesão.
Abstract: Whereas the teaching of Portuguese in Brazilian
schools incorporates several forms of study based on
textual units, a continuing model of language analysis
focused on the phrase has yet to reveal clear parameters
for evaluation at this same level. This paper discusses
two examples of exercises designed to evaluate students’
writing and reading skills at the text level based on
Graduado em Letras. Mestre em Educação. Professor da Universidade Estadual do Centro-Oeste do
Paraná (UNICENTRO). E-mail: [email protected]
*
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 231-251, 2007.
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Avaliação em dois tempos no trabalho com o texto
elements of Textual Linguistics. This evaluation process
involves two steps: a “prognostic” phase in which the
teacher chooses specific aspects of reading and writing
raised by the students’ work and makes them the focus
of the next exercises; and a “diagnostic” phase in which
the teacher checks the feedback of such exercises on the
very aspects of reading and writing raised previously.
Keywords: Text. Reading. Writing. Textual Linguistics.
Cohesion.
Uma das dificuldades com que nos deparamos ao conduzir o
ensino de Língua Portuguesa a partir do texto é que a produção dos
alunos normalmente compõe uma amostra muito heteróclita, testemunha de distintas maneiras de conceber a escrita, viver a escrita, trabalhar a escrita. Tendo em mãos um conjunto assim díspar de textos, é
difícil estabelecer um único parâmetro com o qual abarcar todas as
questões que daí relevam, bem como seria inviável lidar ponto a ponto
com todos os aspectos do texto.
Essa situação parece decorrer do fato de que a escola incorporou
a noção um ensino de língua baseado na unidade do texto, mas não
incorporou elementos de teorias lingüísticas suficientes para estabelecer uma postura clara sobre o que seja “avaliar” no registro do texto.
A fim de construir algumas estratégias para tanto, podemos tirar
um primeiro apontamento: não é possível trabalhar simultaneamente
com todos os aspectos textuais e discursivos envolvidos na produção de
um texto a cada vez que se trabalhe com o texto. Sendo assim, pelo
menos em alguns momentos é necessário que o trabalho se paute no
ensino de aspectos específicos de leitura e escrita, ao custo de deixar de
lado, momentaneamente, outras questões que também poderiam ser
tematizadas em aula.
Voltar a avaliação para aspectos específicos do texto deve ter,
aliás, um efeito didático: avaliando o aluno dessa maneira, ao mesmo
tempo o levamos a perceber e regular aspectos específicos da sua leitura
e escrita e, de alguma maneira, a constituir uma postura analítica em
relação ao seu trato com a língua. Desse modo estamos buscando criar,
aos poucos, um repertório de recursos e estratégias que podem ser mobilizados pelo aluno de maneira mais ou menos consciente para lidar
com seus impasses linguageiros.
232
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 231-251, 2007.
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Thomas Massao Fairchild
Um segundo apontamento é que a avaliação, num trabalho
centrado com o texto, não pode visar unicamente à atribuição de nota.
Embora na maior parte das vezes tenhamos que atribuir notas, e a
atenção a aspectos específicos do texto permita construir critérios explícitos e localizados para tanto, o trabalho com o texto precisa supor
que avaliar envolva, também, conhecer a maneira como o aluno lida
com o texto.
Tendo isso em vista, podemos pensar num processo avaliativo
que se dê em dois tempos: um deles consistiria numa avaliação
“prognóstica”, e o outro, por analogia, seria uma avaliação “diagnóstica”.
Ao longo do trabalho docente passaríamos alternadamente por esses
estágios diversas vezes.
Uma “avaliação prognóstica” consistiria em efetuar descrições
da leitura e escrita do aluno e, a partir dessas descrições, identificar um
conjunto de elementos específicos que podem orientar a elaboração de
atividades de língua para serem realizadas na seqüência. Uma “avaliação diagnóstica” consistiria, correlatamente, em elaborar estratégias para
intervir e averiguar os efeitos dessas atividades de língua sobre aspectos específicos da leitura e escrita do aluno.
Como estas não são idéias em si mesmas originais, me preocuparei menos em conceitualizar ou definir essa forma de avaliação do que
em demonstrá-la através de dois exemplos concretos que retiro de meu
trabalho com o Estágio Supervisionado na graduação em Letras. Os
exemplos são de atividades similares, que obedecem a um modelo já
incorporado ao ensino de língua, mas, ao que parece, não utilizado com
os fins para os quais o invocaremos aqui.
As atividades são daquele tipo em que se apresenta ao aluno o
fragmento inicial de um texto e pede-se a ele que escreva uma conclusão. Esse exercício tem a vantagem de permitir-nos a um só tempo vislumbrar a leitura do aluno e colher uma amostra de sua escrita. Além
disso, a despeito da ênfase que atualmente se dá aos estudos relacionados com os “gêneros do discurso” (derivando a noção esboçada
por Bakhtin, 1997), me parece que as operações envolvidas nesse
tipo de atividade podem ser extrapoladas para uma série de outras
situações de leitura e escrita envolvendo “gêneros” os mais diversos, porque dizem respeito a um problema que é, por assim dizer,
supragenérico: a relação que o sujeito estabelece entre as suas palavras e as palavras do outro. Esse ponto será ilustrado à medida que
os exemplos forem desenvolvidos.
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Avaliação em dois tempos no trabalho com o texto
UM EXEMPLO DE AVALIAÇÃO “PROGNÓSTICA”
O exercício abaixo foi realizado por um estudante de Letras
com alunos de 6ª série de uma escola pública do interior do Paraná.
A atividade se inicia com a leitura do fragmento inicial de um conto:
Texto 1
A LUVA
Tatiana Belinky
Foi nos tempos distantes do amor cortês. No reino medieval do
rei Franz era dia de festa, e o ponto alto das festividades era a exibição
de feras selvagens, trazidas de terras distantes, na arena do grande
castelo. Em volta da arena erguiam-se arquibancadas, encimadas por
altos balcões onde brilhavam os nobres da corte, ao lado das belas
damas faiscantes de jóias. Entre elas se destacava a donzela
Cunegundes, tão rica e formosa quanto orgulhosa, e de pé ao seu lado
estava o seu apaixonado adorador, o jovem cavaleiro Delorges, cujo
amor ela desdenhava, distante e fria.
Chegou a hora do início da função. A um sinal do rei, abriu-se
a porta da primeira jaula, da qual saiu, majestoso, um feroz leão africano e, sacudindo a juba dourada, deitou-se na areia, preguiçoso.
Abriu-se a segunda jaula, liberando um terrível tigre, que encarou o leão com olhos ameaçadores e deitou-se também, tenso, como
quem prepara um bote mortal.
Em seguida, abriu-se a terceira jaula, da qual saltaram duas
enormes panteras de dentes arreganhados, deitando-se agachadas e
aumentando a tensão do ambiente.
Fez-se um silêncio no público: todos aguardavam ansiosos o
pavoroso embate mortal entre os quatro monstros felinos... E neste
momento, como sem querer, a donzela Cunegundes deixou cair, do
alto do balcão, sua branca luva, bem no centro da arena, entre as
quatro feras assustadoras. E dirigindo-se com um sorriso irônico ao
seu cavaleiro adorador, falou:
– Cavaleiro Delorges, se de fato me amais como viveis repetindo, provai-o, indo buscar e me devolver a minha luva.
Terminada a leitura e as discussões sobre este segmento inicial,
os alunos são reunidos em grupos e pede-se para que escrevam um
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Thomas Massao Fairchild
final para a história. Cada grupo recebe uma orientação específica:
conforme a divisão, devem produzir finais “tristes”, “alegres”, “engraçados”, “absurdos” ou “trágicos”. Cada aluno deve escrever o seu
próprio texto conforme a orientação dada ao seu grupo. Finalmente,
as conclusões elaboradas pelos alunos são comparadas com o desfecho original do conto.
Seguem abaixo dois textos produzidos por alunos durante essa
atividade.
Texto A
Final triste
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
Num castelo muito bonito
que vivia a princesa muito
triste, que emcontrou um
lindo cavaliro.
Que enconvidou ele para
dar um passeio no sologico
Eles foram chegaram lá.
Ela deceu da carosa e
falou:
– Eu quero ver as onça e
tigres, e eles foram direto
os animais derepente sua
luva caiu no onde os
animais estão. e o cavaliero falou:
– Eu vou matar esse
animais. e quando ela
vio os animais mataram
o cavaliro e a princesa
chorrou e gritou.
fim
Triste
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Avaliação em dois tempos no trabalho com o texto
Texto B
Final absurdo
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
O cavaleiro por amor a Donzela
deceu para enfrentar os animais
e pegar a sua luva.
O leão nem ligou, nem as duas
panteras, mas o tigre-de-bengala, foi até a sua jaula pegou
uma bengala e saiu correndo
atrás do outro pissando ensima do leão e das panteras que
não estavam nem aí.
Então o tigre cansou e o
cavaleiro também. O tigre foi até
ele e lhe deu uma bengalada nas
mãos, poucos minutos depois uma
de suas unhas caíram ele pegou
a luva da donzela e saiu pulando e gritando de dor.
Subiu a escada e entregou
a luva pra Donzela, que gostou
da unha caida. Deu-lhe um
beijo e quis cazar-se com o
pobre cavaleiro que estava chorando pela sua unha caída.
A realização de uma avaliação “prognóstica” pede que suspendamos por ora algumas preocupações sobre o destino a ser dado a
esses textos e nos empenhemos unicamente em descrevê-los a partir
das categorias de análise de que dispomos no nosso ofício.
Texto A. Uma das primeiras coisas a nos chamar a atenção deve
ser o fato de que este texto responde ao enunciado do exercício de uma
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 231-251, 2007.
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Thomas Massao Fairchild
maneira muito peculiar: pediu-se que os alunos escrevessem um fim
para a história e este aluno recontou a história inteira, acrescentando
um desfecho. Podemos extrair dessa observação um primeiro “prognóstico”: o ensino de língua não pode ser insensível à diferença entre escrever uma parte específica de um texto a partir de fragmentos já dados
(título, início, conclusão) e parafrasear um texto. Embora não possamos
dizer que o aluno deixou de realizar o que se lhe propunha (escrever um
fim “triste”), se quisermos algum dia trabalhar sobre aspectos específicos de sua leitura e escrita é preciso em primeiro lugar mostrar-lhe a
necessidade de reconhecer a especificidade das demandas de diferentes
exercícios. Uma orientação mínima para a reescrita desse texto seria,
portanto, que o aluno cumprisse o pedido da atividade e produzisse
um texto que fosse de fato continuação do texto 1.
A partir de apontamentos da Lingüística Textual, podemos descrever algumas operações do trabalho lingüístico desse aluno. No primeiro parágrafo, ele se vale de artigos indefinidos para reintroduzir
certos elementos presentes no texto 1 (“num castelo”, L1; “um lindo
cavaleiro”, L3-4), o que é condizente com sua proposta de enunciar por
uma segunda vez o texto conhecido, reapresentando, por assim dizer,
os elementos de seu enredo. Conforme Brown e Yule (apud Fávero, 1991:
16), “a informação nova é caracteristicamente introduzida por expressões indefinidas e subseqüentemente referida por expressões definidas”.
Não obstante, em L2 surge “a princesa”, um elemento que pertence à
mesma série dos já-dados reintroduzidos com o artigo indefinido e que,
no entanto, surge aqui numa aparente retomada anafórica. A remissão
é, por um lado, a um elemento textual presente no texto 1, de modo que
a operação é semelhante àquela que se vê no primeiro parágrafo do
texto B. No entanto, no caso do texto A essa remissão rompe com a
orientação parafrástica já anunciada naqueles outros elementos. Por
outro lado, a remissão é também a um elemento inscrito na enunciação
desse texto, isto é, a um elemento “princesa” que, na situação em que o
texto foi escrito, podia ser reputado ao interlocutor desse texto, o professor, como uma referência presente. Isso de certo modo nos faz repensar a idéia outrora muito propalada de que a escrita escolar “não tem
um interlocutor”, ou que ela não põe em jogo uma subjetividade, como
aponta Britto (in Geraldi, 2004: 119):
É curioso, nesse sentido, que a maioria dos trabalhos sobre redação escolar ou não toquem na questão de interlocução ou
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Avaliação em dois tempos no trabalho com o texto
falem na ausência de interlocutor, identificando aí uma das
dificuldades maiores do estudante: falar para ninguém ou, mais
exatamente, não saber a quem se fala.
Não é a ausência de interlocução o que está em jogo, portanto,
mas o papel do professor enquanto interlocutor-mor na sala de aula:
como tal, cabe a ele intervir sobre o texto de forma a organizar a alteridade
disponível ao aluno no seu trabalho lingüístico. Neste caso, sobretudo
pela dissociação entre o professor como “outro” imediato, presente,
enlaçado pelos vínculos da oralidade, e o “outro” que se impõe por
meio do escrito.
Também deve nos chamar a atenção no texto A o uso da palavra
“princesa”, que não está presente no texto 1. Lá encontraremos somente o epíteto “donzela”. Caberia então indagar: trata-se de uma interpretação autorizada pelo texto-base? Poderíamos aceitá-la como uma
extrapolação possível? Parece que, no contexto de uma história infantil
de capa-e-espada, a diferença entre “princesa” e “donzela” é irrelevante.
Mas a ocorrência de “princesa” pode se tornar mais significativa se
atentarmos também às ocorrências da palavra “cavaleiro”. O aluno grafa
a palavra de duas maneiras diferentes, e ambas ortograficamente incorretas (“cavaliro”, L4, L19; “cavaliero”, L14-15). Nesse impasse é preciso reconhecer a presença de algum conhecimento sobre a escrita: parece
que o aluno sabe que “cavaleiro” é uma palavra grafada de maneira
levemente diferente do modo como se a pronuncia ([kava’leru]). A existência de uma letra “i” inaudível da forma oral do vocábulo parece
orientar suas hipóteses ortográficas, mas aqui devemos atentar para
duas coisas: primeiro, o aluno expõe em sua escrita duas hipóteses
distintas, sem optar por nenhuma; e segundo, a palavra “cavaleiro”
aparece escrita diversas vezes no texto de base que o aluno tem em
mãos enquanto escreve.
As ocorrências dessas duas palavras, “princesa” e “cavaleiro”,
dessa maneira, começam a nos dar índices de uma forma de contato
específica com as palavras do outro. Nesse ponto talvez caiba indagar:
afinal, este aluno de fato leu o texto 1? Podemos chamar de leitura a
maneira como esse sujeito pressupõe as palavras do outro? Em sua
paráfrase, o aluno retém alguns elementos importantes do texto original – as personagens principais, o castelo, os animais, a luva. Entretanto, ao mesmo tempo desloca e introduz outros elementos de maneira
aparentemente aleatória: o convite da princesa (L5), a localização do
enredo num zoológico (L6), a viagem de carroça (L7-9), os animais (L10238
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 231-251, 2007.
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11), a queda acidental da luva (L13). Teremos de nos perguntar, como
fizemos em relação ao deslocamento “donzela”-”princesa”, se essas interpretações são cabíveis em face do texto 1, ou mesmo se se trata, de
fato, de uma tentativa de paráfrase do texto 1. Deslocamentos como a
idéia de que a história se passa num zoológico, a mudança do número
e espécie dos animais, ou mesmo a transformação do episódio da luva,
centro do enredo, num acidente, sugerem que a escrita deste aluno está
ligada a certos sentidos já constituídos para o sujeito – certas “hipóteses”, “scripts” ou estereótipos – de uma tal maneira que a presença de
elementos dissonantes no texto não basta para demover o sujeito de
sua posição. O aluno precisa ser levado a desenvolver formas de leitura
capazes de operar fora do registro dessas imagens prévias, sob pena de a
leitura jamais romper com o que é já-sabido para o aluno.
Temos então um retrato de uma certa modalidade de escuta da
alteridade, uma maneira particular de reconhecer as palavras do outro
nas palavras do eu. Essa forma de escuta parece captar do outro somente aqueles fragmentos capazes de corroborar uma hipótese sobre o
outro prévia à enunciação, de modo que esse outro se mantém como um
totem de cujo enigma o observador recolhe apenas aquilo que já traz em
sua própria maneira de olhar. A interpretação extrapolante que o aluno
faz do texto 1 é similar à interpretação extrapolante que ele faz do próprio enunciado do exercício: uma escuta parcial, que conduz ao constante retorno de um mesmo – uma mesma expectativa do que o professor deseja quando entrega um fragmento textual e pede uma peça escrita, uma mesma expectativa do que se diz quando se conta uma história
de capa-e-espada. É de responsabilidade do ensino de língua levantar
resistência a essa escuta parcial, na forma da não-aceitação de respostas do aluno que respondam à suposição do aluno mais do que àquilo
que se lhes pediu. Para isso, no entanto, é preciso que saibamos exatamente o que estamos pedindo.
Texto B. Em contrapartida, este texto é de fato uma continuação
do texto 1, conforme a atividade pedia, e nesse sentido dá mais ouvidos ao outro do que o autor do texto B. O uso dos artigos definidos no
primeiro parágrafo mostra o manuseio de estratégias de referenciação
que pressupõem a existência das palavras alheias de uma maneira diferente: enquanto o aluno do texto A condensa em um só alocutário a
figura totêmica do professor e a alteridade presentificada na narrativa
do texto 1, dirigindo-se aos dois num único ato de enunciação, o
autor do texto B vincula-se ao seu interlocutor professoral justamente
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Avaliação em dois tempos no trabalho com o texto
ali onde institui, para o texto 1, o território de uma alteridade exemplar. Embora essa manobra possa roçar as raízes do “artificialismo”1
que outrora se apontou no trabalho em sala de aula, pelo qual todo
texto acabaria se reduzindo a moeda de troca na relação constante e
monológica do aluno com um único interlocutor, parece que é aí mesmo, nessa escansão dos “outros” disponíveis, que o aluno tem a chance
de erigir para si, por assim dizer, o texto em interlocutor.
A fim de cumprir com a necessidade de elaborar um “final absurdo”, a sacada do estudante é um trocadilho com a expressão “tigre-debengala”, que surge em L5 com a anteposição de um artigo definido. Se
comparado ao texto A, veremos que enquanto ali se modificavam o
número, a espécie e a localização dos animais, aqui eles são recuperados um por um enquanto elementos de texto – tanto que o último ressurge explicitamente tomado enquanto significante para a elaboração
do deslize de sentido que será a chave do texto. Diremos que o outro
comparece à escrita deste aluno numa imagem mais íntegra. Deveremos
notar, de toda forma, que a expressão presente no texto 1 que o uso do
artigo definido retoma é apenas “tigre”, de modo que ao mesmo tempo
em que se efetua uma anáfora acrescenta-se alguma coisa ao alvo da
remissão anafórica. Neste ponto, seria possível orientar o aluno para
que reformulasse essa parte do texto com um intuito específico. O resultado deveria ser algo como: “o tigre, que aliás era (um tigre) de bengala,
foi até a jaula e pegou a sua bengala”. A oração adjetiva neste caso não
cumpre apenas uma função estilística: é ela o que marca, para o sujeito, o ponto em que se passa da palavra do outro para a palavra-própria.
A princípio, penso que para pesquisar as palavras chamadas
de “minhas” é preciso estabelecer uma investigação também
sobre o que seriam as palavras do outro. Ainda que Paulo
Leminsky tenha razão em seu verso “Nada tão meu que não
possa ser chamado nosso”, é preciso, em primeiro lugar, perguntar se sabemos quem é o outro, de quem eu, com as “minhas” palavras, deveria me diferenciar; e em segundo lugar,
quais são as palavras deste outro, para que eu possa saber quais
serão as minhas. (Barzotto, 1999: 13)
“Na prática escolar, institui-se uma atividade lingüística artificial: assumem-se papéis de locutor/
interlocutor durante o processo, mas não se é locutor/interlocutor efetivamente. Essa aritificialidade
torna a relação intersubjetiva ineficaz, porque a simula”. (Geraldi, 2004: 89).
1
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 231-251, 2007.
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Seguindo por esse caminho, seria igualmente cabível apresentar
a bengala em L7 com uma expressão determinada, já que ela retoma
parte do que é apresentado no antecedente “tigre-de-bengala”, operando o trocadilho: “foi até a sua jaula e pegou a sua bengala”. Este ajuste,
no entanto, parece menos importante que o anterior.
Textos A e B. Vimos até agora lidando com questões referentes à
“coesão textual”. Sem sair desse terreno, uma característica comum aos
dois textos é o fato de que neles os nomes das personagens não aparecem. Isto talvez se deva ao fato de que são nomes incomuns – o que é,
já, um marcador de uma modalidade de relação com o outro.
Essa “evitação” dos nomes parece ter algo a ver com o fato de
que o sujeito, recebendo do outro essas incógnitas, atribui a ele um discurso no qual essas palavras têm um lugar, uma família de relações, mas
não conseguem se colocar como enunciadores desse mesmo discurso e,
por perceberem o seu próprio dizer como um “outro” dizer, necessariamente apagam dele essas palavras (um caminho semelhante seria seguido por toda palavra desconhecida, de modo que o que segue também
poderia embasar a elaboração de estratégias de ensino de vocabulário2).
São palavras que, por se apresentarem como nonsense, nomes fantásticos ou estrangeiros, rompem a cadeia familiar da língua (seu funcionamento imaginário) e requerem, para poderem ser ditas, sua apreensão
como significantes (isto é, como elementos visíveis de uma ordem que
não é visível a não ser através das relações que determina entre esses
elementos visíveis) e o reingresso do sujeito no simbólico. A partir daí
poderíamos estabelecer como meta “empurrar” o aluno na direção disso
que no outro o ultrapassa, levando-o a perceber quais são os elementos
presentes no discurso alheio que causam esse efeito particular e, pelas
portas da imitação, levá-lo a apropriar-se dessa discursividade, criando
para si qualquer coisa como uma “voz de autor”.
Podemos estabelecer, como objetivo decorrente desse prognóstico, levar os alunos a perceber os recursos de “coesão lexical” mobilizados em um texto e dar continuidade a eles em seu próprio texto.
A coesão lexical é obtida por meio de dois mecanismos: a reiteração e a colocação. A reiteração se faz por repetição do mesmo item
lexical ou através de sinônimos, hiperônimos, nomes genéricos [...].
2
Sobre esse ponto, vale a pena consultar “Aspectos do ensino do vocabulário” (ILARI, 1997: 45-67).
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 231-251, 2007.
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Avaliação em dois tempos no trabalho com o texto
A colocação ou contigüidade, por sua vez, consiste no uso de
termos pertencentes a um mesmo campo significativo. (Koch,
2004: 22)
Uma forma de chegar a essa meta é levar os alunos a notar, durante as primeiras leituras do fragmento inicial, as expressões lexicais
utilizadas para se referir aos personagens do texto. Para isso é permissível incluir nos recursos elencados por Koch também expressões perifrásticas que tenham valor remissivo e que se podem pautar, por exemplo, na metáfora ou na metonímia. Essas expressões podem ser colocadas na lousa à medida que sejam localizadas pelos alunos. Neste caso,
teríamos alguma coisa assim:
z Cunegundes: donzela Cunegundes, o belo rosto da dama cruel
e orgulhosa (metonímia).
z Delorges: (seu) apaixonado adorador, o jovem cavaleiro Delorges,
(seu) cavaleiro adorador.
z Animais: feras selvagens, feroz leão africano/terrível tigre/duas
enormes panteras, quatro monstros felinos.
A partir desse levantamento, é possível ainda elaborar outras
expressões que pudessem se referir a essas personagens e que poderiam
ser utilizadas nos textos que os alunos escreverão. Por exemplo:
z Cunegundes: a dama altiva, a dona do coração do cavaleiro, a
magnífica donzela, (seu) coração de gelo (metonímia, metáfora)
etc.
z Delorges: o bravo/destemido/corajoso/intrépido cavaleiro, o
valoroso/enamorado jovem, o vigoroso mancebo etc.
z Animais: as bestas selvagens/felinas, as quatro feras temíveis/
ferozes/famintas etc.
Feito isso, teríamos como direcionamento básico da avaliação
dos textos dos alunos a incorporação desses recursos coesivos à sua
escrita – o que não nos impediria, ainda assim, de avaliar
subsidiariamente outros aspectos dos textos.
Outra questão sobre a qual poderíamos nos deter, dependendo
de nosso interesse, reside na constituição das “vozes” das personagens
no interior do texto. Notaremos que entre a fala da donzela Cunegundes
no texto 1 (“Cavaleiro Delorges, se de fato me amais como viveis repetin242
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 231-251, 2007.
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Thomas Massao Fairchild
do, provai-o, indo buscar e me devolver a minha luva”) e sua fala no texto
A (“Eu quero ver as onça e tigres”, L10-11) há um distanciamento de
caráter diacrônico ou diafásico. Noutras palavras, o modo como a “triste princesa” fala no texto A não “combina” com a maneira como ela fala
no texto 1. Um bom trabalho nesta atividade requereria que os alunos
mantivessem minimamente alguma consistência no modo de falar das
personagens. O fragmento fornecido no texto 1 nos permitiria, dentre
outras coisas, introduzir o estudo das formas de segunda pessoa do
singular e plural (tu e vós) – aqueles excessos do paradigma que, se
desapareceram das ruas e causam polêmica em relação ao seu estudo,
sobrevivem fora de nossos contextos litúrgicos (seu reputado gueto) e se
operam como traço relevante no discurso em contextos como este, em
que a caracterização de uma linguagem “arcaica” e “pomposa” tem lá
sua razão de ser. A avaliação dos resultados do exercício também neste
caso teria um alvo razoavelmente definido.
2 UM EXEMPLO DE “AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA”
Supondo que o “prognóstico” da avaliação da leitura e escrita dos
meus alunos apontou o que foi discutido acima, seria preciso elaborar
exercícios que os conduzissem a realizar as operações específicas que deixaram de ser realizadas na leitura do texto 1 e na produção de textos
como A e B e que, pelas razões debatidas acima, considero importantes
dentro de uma concepção de linguagem cuja bússola é o pólo do outro.
A atividade seguinte tem como objetivo precisamente levar os
alunos a reconhecer o uso de elementos de “coesão lexical” e a constituição de “vozes” no interior da narrativa. Como o exercício precedente, o trabalho inicia-se com a leitura do fragmento inicial de um texto.
Texto 2
A JANELA ABERTA (adaptação)
Saki (H. H. Munro)
– Minha tia vai descer logo, sr. Nuttel. – disse com muita firmeza a mocinha de 15 anos. – Enquanto isso, o senhor terá de me aturar.
Framton Nuttel procurava as palavras certas que pudessem
agradar em cheio à sobrinha ali presente sem desagradar à tia que
estava por vir. No fundo, duvidava cada vez mais que essas visitas
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Avaliação em dois tempos no trabalho com o texto
formais a uma sucessão de pessoas estranhas pudessem ser de alguma ajuda no tratamento para os nervos que deveria estar fazendo.
– O senhor conhece muita gente por aqui?
– Ninguém. – respondeu Framton. – Minha irmã passou uma
temporada aqui, na reitoria, há mais ou menos quatro anos, e me deu
cartas de apresentação para algumas pessoas.
– Então o senhor não sabe praticamente nada sobre a minha
tia? – continuou a mocinha, muito segura de si.
– Só seu nome e endereço – admitiu o visitante. Ele se perguntava se a sra. Sappleton, para quem daria uma de suas cartas de
apresentação, seria casada ou viúva. Havia na sala qualquer coisa
indefinível que sugeria presença masculina.
– A tragédia aconteceu há exatamente três anos. – disse a menina. – Então, foi depois da temporada de sua irmã.
– Tragédia? – perguntou Framton.
– Talvez o senhor se pergunte por que razão mantemos aberta
aquela janela numa tarde de outubro. – disse a moça, apontando
para uma janela francesa, aberta para um gramado.
– Está quente para essa época do outono...
– Foi através daquela janela que, no dia de hoje, há exatamente
três anos, o marido e os dois irmãos mais novos de minha tia saíram
para caçar. Nunca mais voltaram. Ao atravessar a charneca, em busca
do melhor local para a caça da narceja, eles ficaram presos no pântano. Havia chovido muito no verão e trechos que em outras épocas
eram seguros de repente ficaram traiçoeiros. Os corpos jamais foram
encontrados. O pior de tudo foi isso.
Nesse ponto a voz da menina perdeu o tom seguro e tornou-se
humanamente vacilante.
– Titia continua acreditando que eles um dia voltarão, junto
com o cãozinho spaniel marrom que se perdeu com eles, e vão entrar
em casa através do janelão aberto, como sempre faziam. Pobre titia,
quantas vezes me contou como foi que eles saíram naquele dia, o marido levando no braço o impermeável branco, Ronnie, o irmão caçula,
cantando Bertie, por que tu pulas?, para mexer com ela, porque titia
dizia que a canção lhe dava nos nervos...
A menina calou-se com um soluço. Foi um alívio para Framton
quando a tia entrou na sala, dando uma série de desculpas por ter se
demorado tanto.
– Espero que Vera tenha distraído o senhor. – disse.
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Thomas Massao Fairchild
– Ela... foi muito interessante. – respondeu Framton.
– Espero que o senhor não se incomode com a janela aberta. –
disse a sra. Sappleton de repente. – Meu marido e meus irmãos vão
voltar da caçada e é por aí que entram. Hoje eles estão no pântano, na
caça à narceja, e vão sujar todo o meu tapete. Como vocês, rapazes,
costumam fazer, não é mesmo?
E, num tom alegre, continuou...
Antes que os alunos se entreguem à escrita de um final para
este conto, procederemos da maneira sugerida no item anterior, pedindo que a classe localize quais as personagens da narrativa e, em
seguida, anotem as expressões utilizadas no texto para referir-se a
elas. Eis o esquema resultante desse levantamento:
Personagens
Framton Nuttel
Expressões
Sr. Nuttel, Framton Nuttel, Framton, o
visitante, o senhor
Sra. Sappleton
A sra. Sappleton, tia, titia
Vera
Vera, a mocinha (de 15 anos), a menina, a
sobrinha
podemos
Marido (da sra. S.) Em seguida,
(Meu)
marido expandir esse leque de expressões, incitando
os
alunos
a
pensarem
outras
formas pelas quais poderiam se
Dois irmãos (do marido)
Dois irmãos; em
Ronnie,
o caçula
referir
a
essas
personagens
no
seu
texto.
Cachorro
Cãozinho spaniel marrom Por ex.: (Sr. Nuttel) o recémchegado,
o
hóspede,
o homem
Irmã (de Framton Nuttel) (Minha/sua)
irmãadoentado dos nervos; (sra. Sappleton) a
anfitriã, a dona da casa; (Vera) a adolescente, a garota, a jovem. Enfim,
teremos de chamar a atenção dos alunos para um detalhe: é que a
distribuição dessas expressões no texto não é homogênea, de forma que,
por exemplo, o contexto em que surge a expressão “Framton” não permitiria que ela co-ocorresse com “sr. Nuttel”. Os alunos devem ser levados a notar que as expressões utilizadas pelo narrador não são as mesmas que ocorrem nos diálogos em discurso direto, e que precisam manter a consistência desse padrão distribucional em seu próprio texto.
Pode-se, então, organizar numa tabela semelhante à anterior, agrupando as expressões conforme seu contexto de ocorrência:
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Avaliação em dois tempos no trabalho com o texto
Narrador
Framton Nuttel, o visitante, o recémchegado, o hóspede, o homem
adoentado dos nervos
A sra. Sappleton, a tia, a anfitriã, a
dona da casa
Vera, a mocinha, a menina, a
sobrinha, a garota, a jovem, a
adolescente
Personagens
Sr. Nuttel, o senhor
Sra. Sappleton, a senhora
(Framton), tia, titia (Vera)
Vera, (minha) sobrinha (sra.
Sappleton)
Os textos analisados a seguir foram escritos por alunos do primeiro ano do curso de Pedagogia noturno de uma faculdade do interior
paranaense. A montagem dessas duas atividades em seqüência, pautadas em textos cujo nível de complexidade é um tanto distinto e acompanhadas da produção de alunos em etapas diferentes da escolarização,
é até certo ponto proposital, já que o intuito desta exposição é sobretudo o de ilustrar uma maneira de montar exercícios de língua a partir de
elementos de teoria lingüística e lidar com os seus resultados. Nossa
apreciação desses textos deverá se pautar especificamente naqueles aspectos que foram trabalhados anteriormente à escrita, e o objetivo da
avaliação de caráter “diagnóstico” é simplesmente o de, em relação a
esses aspectos pelo menos, verificar se houve alguma modificação sensível na escrita dos alunos. Eis o primeiro texto:
Texto C
E num tom alegre, continuou a converçar com Framtom:
– Desculpe minha sobrinha Vera, pois ela deve ter aterrorizado
um pouco o senhor. disse sra. Sappleton.
– Não, não disse sr. Framtom. ela foi sim, muito simpática.
Más deixou algumas idéias em minha cabeça. respondeu Framtom.
– Más não seja indiscreto sr. Framtom e conte algumas das
travessuras que minha sobrinha gosta de fazer. disse sra. Sappleton.
Nesse momento sra. Sappleton estava auterada. Sr. Framtom
tenta explicar-se:
– Há ela tentou me assustar responde Framtom.
Mesmo assim a Sra. Sappleton parecia um pouco perplexá, imóvel demonstrava estar insegurá até mesmo com as palavras, suspirava um uco profundo (...)
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Thomas Massao Fairchild
As expressões sublinhadas indicam os elementos de coesão lexical
utilizados pelo aluno. Um ponto a se notar, em comparação com os
textos A e B, que foram escritos sem nenhuma orientação específica do
professor, é que os nomes das personagens aqui aparecem. Embora não
se trate da escrita dos mesmos alunos (não é o que está em questão), a
passagem de um texto com aquela característica para um texto com esta
pode ser sinal de um ganho.
De toda forma, o aluno não acrescenta nenhuma expressão ao
rol elencado anteriormente, nem se utiliza das expressões novas levantadas pela turma. A incorporação dos nomes das personagens, da mesma forma, se dá com algumas alterações em relação aos elementos levantados no texto original: Framtom (Framton), sr. Framtom (sr. Nuttel),
sra. Sappleton (a sra. Sappleton). Podemos compreender que a troca do
–n final por um –m no nome da protagonista se deva ao fato de tratarse, mais uma vez, de um nome inusual, e que o estudante aproxima ao
padrão ortográfico do português. Do mesmo modo, por não ser imediatamente evidente a um brasileiro entre “Framton” e “Nuttel” qual dos
dois é um prenome e qual é um sobrenome, bem como por ser entre nós
menos comum o uso do sobrenome como forma de tratamento, poderíamos compreender o deslizamento entre “sr. Nuttel” e “sr. Framtom”.
De toda forma, o que de fato nos interessa é que esses pequenos deslocamentos, à maneira do que se viu sobre o texto A, indicam um afastamento semelhante do sujeito em relação às palavras do outro. Outro
indício desse afastamento está em que, além das alterações em algumas
expressões lexicais presentes no fragmento original, o texto deste aluno
não observa a lógica de sua distribuição e indiferencia as “vozes” constituídas no interior da narrativa, de modo que “sr. Framtom”, por exemplo, ocorre tanto no narrador quanto no discurso direto. Com base
nessa avaliação, seria viável orientar o aluno a reentregar o texto adequando ao menos esse aspecto de sua escrita para que o considerássemos minimamente satisfatório.
Como contraponto, vejamos o texto a seguir:
Texto D
A JANELA ABERTA
– Homens, não adianta reclamar. Sempre sujam e não sabem
como nós, mulheres, sofremos para deixar tudo em ordem, impecável.
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Avaliação em dois tempos no trabalho com o texto
Bem, não quero me tornar chata. Aceita um chá, sr. Nuttel?
– Por favor, obrigado.
A sobrinha encaminhou-se para a cozinha para providenciar o
chá. Enquanto isso, Nuttel remexia-se no sofá a procura do que falar.
Por sorte, a sra. Sappleton indagou:
– Já esteve aqui antes? Sabe das histórias que contam a respeito de nosso vilarejo, sr. Nuttel? Ah! Como sou indiscreta, não quero
aborrec(ê)-lo com bobagens.
Nuttel notou um olhar estranho na sra. Sappleton. Um calafrio
percorreu seu corpo. tentou pensar em outras coisas. Começou a olhar
pela janela aberta, e não acreditou no que seus olhos viam... um cão
Spaniel marrom passou correndo na grama verde. Não podia ser, Vera
dissera que o caozinho havia desaparecido junto com os demais. Então, só podia estar vendo coisas, seus nervos o traíam. Afinal, estava
ali para descansar e após ouvir a história contada pela garota, seu
incon(s)ciente criara aquele vulto. Só podia ser. Desviou o olhar para a
mulher, que não parava de falar; mas ele não ouviu uma palavra sequer. Seus pensamentos estavam na história que ouvira a pouco. (...)
Neste caso, embora o conjunto de expressões utilizadas pelo
estudante não seja mais variado que o do texto anterior, é já um indício relevante sua fidelidade à forma original dos nomes e das expressões dadas no fragmento inicial. O texto também obedece à distribuição das expressões conforme as “vozes” das personagens, embora modifique o modo como o narrador se refere à personagem principal
(“Framton” > “Nuttel”); ainda assim mantém a distinção em relação
ao discurso direto (“Nuttel” vs. “sr. Nuttel”). O aluno aqui também se
vale de expressões anafóricas novas, como “a garota” (Vera), “os demais” (marido da sra. Sappleton e irmãos) e “aquele vulto” (cãozinho
spaniel), o que sugere a possibilidade, para este caso, de colocar o
ensino de elementos de “coesão lexical” em segundo plano e daí por
diante passar a outras formas de trabalho.
O fato de focalizarmos o estudo do texto sobre caracteres localizados, portanto, não nos impede de considerar outros aspectos que a
produção dos alunos torne relevante. Uma avaliação “diagnóstica”,
ao mesmo tempo em que verifica os resultados de um trabalho anterior, também se converte imediatamente em avaliação de cunho “prognóstico” quando encontra novas questões a serem abordadas em aula.
Encerremos este ensaio com um último texto em que os pontos inicial248
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Thomas Massao Fairchild
mente almejados pela atividade se tornam, ao que me parece, menos
relevantes do que um outro aspecto até então inesperado. Não há
nenhuma razão para deixar os critérios iniciais de lado se a própria
escrita do aluno impõe outros caminhos para a leitura e o trabalho do
professor. Mas vejamos do que se trata.
Texto E
JANELA ABERTA
E, num tom alegre, continuou:
– O senhor aceita um chá ou café? Já mandei arrumar a mesa
com bolos e biscoitos.
– Não, não precisa se incomodar, senhora Sappleton.
– Por favor, faço questão, já está tudo pronto, respondeu ela.
Framton, muito sem jeito a acompanhou até a sala de chá. Por
onde passava achava tudo muito interessante mas com um ar muito
misterioso; mas logo se distraiu no embalo da conversa que se tornara
agradável. Muito tempo depois quando já nem se lembrava do que
Vera havia lhe contado ouviu vozes e latidos de cachorro.
– Oh! Exclamou senhora Sappleton, deve ser meu marido e meus
irmãos que chegaram da caçada. Vamos até a sala ver se trouxeram
muitas narcejas.
Framton sentiu um arrepio muito estranho e logo se levantou e
a seguiu até a sala, onde se deparou com três homens altos, magros e
com os rostos muito pálidos.
– Acho que já está na minha hora, disse Framton. Preciso voltar logo para casa.
– O senhor não gostaria de nos acompanhar no jantar? As
narcejas ficam sempre muito deliciosas.
– Oh não! Eu realmente preciso ir, já tomei demais o tempo de
vocês, quem sabe em uma próxima vez.
Após se despedir Framton ia saindo quando se lembrou de Vera,
e logo a viu parada em frente a janela aberta com um olhar estranho e
muito assustador. Ao chegar em casa Framton desejara nunca ter entrado naquela casa assombrosa. Sentando-se no sofá pegou um jornal
já amarelado pelo tempo e passando os olhos pelas notícias ficou
estarrecido com uma manchete dizia: Os corpos da senhora Sappleton
e sua sobrinha Vera são encontrados em casa, deitados na cama. Nada
se sabe sobre o que ocasionou as mortes, e também não foram encontraOlhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 231-251, 2007.
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As diretrizes curriculares para o Curso de Pedagogia...
dos seu marido e irmãos que a vários dias saíram para caçar.
Como se pode ver, não há grandes problemas aqui em relação aos
elementos de “coesão lexical”. Temos um único deslocamento semelhante ao do texto C (“senhora Sappleton” < “a sra. Sappleton”), mas
diferentemente dali este texto preserva sua distribuição de acordo com
as “vozes” da narrativa. Afora isso, problemas de ordem “gramatical”
também são poucos e insignificantes: “desejara” > desejou; “(...) ficou
estarrecido com uma manchete dizia (...)” > (...) uma manchete que
dizia (...); “a vários dias” > há vários dias. Há ainda alguns problemas
de pontuação e sinalização das falas das personagens em discurso direto. Destacar esses pontos, de toda forma, seria insuficiente para orientar uma reescrita que modificasse o texto de maneira relevante, e o
trabalho que o aluno realizaria substituindo esses elementos localizados seria de importância duvidosa senão como copydesk. Ainda assim,
resta a impressão de que o texto é uma versão preliminar e necessitaria
ser reelaborado em alguns aspectos para chegar a uma forma definitiva.
Um caminho possível seria orientar a avaliação pelo levantamento das positividades do texto – aquilo que está lá – e não pelas suas
negatividades – o que está ausente, o que lhe falta. Construir uma
imagem do aluno a partir do que ele sabe talvez possa abrir novas
perspectivas de ensino. Notemos, portanto, quais são os recursos que
este aluno efetivamente mobiliza.
Primeiramente, o estudante percebe que pode parafrasear elementos pontuais do início do texto para reapresentar as personagens,
por metonímia, causando um efeito de suspense: “vozes” para retomar
“o marido e seus irmãos”; “latidos de cachorro” para retomar “cãozinho
spaniel marrom”. Poderia valer-se de outros elementos ainda mais específicos, e que não são dados no fragmento original à toa, como “impermeável branco”, “Bertie, por que tu pulas?” etc.
Em seguida, notemos que há uma gradual caracterização atmosférica que antecipa o desfecho fantasmagórico do enredo: o aluno insere
expressões como “um ar muito misterioso”, “um arrepio muito estranho”, “um olhar estranho e muito assustador”, “casa assombrosa”.
Note-se que há aí uma progressão que aponta para a constituição de
um ponto climático: misterioso < assustador < assombroso. Noutro
momento, descreve os homens recém-chegados como “altos, magros e
com os rostos muito pálidos”, o que é de certa forma uma descrição de
valor catafórico e aponta para a “revelação” final do conto (são cadáve250
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 35-62, 2007.
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Marli de Fátima Rodrigues & Acácia Zeneida Kuenzer
res, fantasmas). Seria possível trabalhar sobre esse tipo de recurso de
forma a superar a seleção de expressões genéricas e um pouco repetitivas.
Se pedimos para que nossos alunos escrevam um conto de
suspense, é recomendável ler o seu texto também como leitores de contos de suspense. Neste caso, pelo menos este ponto causa algum
estranhamento: há um “jornal já amarelado pelo tempo” sobre a mesa
de Framton Nuttel. Por que o jornal está em cima da mesa se é um
jornal de anos atrás? Esta parte do enredo, de importância crucial para
o desenlace do segredo que vincula as palavras do aluno às palavras do
seu outro, precisaria ser modificada de maneira a se tornar mais crível.
Parece então que uma avaliação “diagnóstica” direcionada para
as operações de “coesão lexical” pode ceder espaço a um novo “prognóstico” que nos leva, mais uma vez, a buscar uma descrição da escrita
do aluno a partir do que ela nos presentifica muito mais do que a partir
do que ela deixa de mostrar. Para isso, como vimos em diversos momentos, um instrumento de especial valia são os modelos teóricos da linguagem que constituem o cabedal do nosso ofício e garantem a possibilidade de que o professor possa se erigir, de fato, como um leitor nãoordinário do texto do aluno.
REFERÊNCIAS
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1997.
BARZOTTO, V. H. Prefácio. In: BARZOTTO, V. H. (org.). Estado de leitura.
Campinas, UNICAMP, 1999.
FÁVERO, L. L. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 1991.
GERALDI, J. W. (org.). O texto na sala de aula. 3. edição. São Paulo: Ática,
2004.
ILARI, R.. A Lingüística e o ensino da Língua Portuguesa. 4. edição. São
Paulo: Martins Fontes, 1997.
KOCH, I. G. V. A coesão textual. 19. edição. São Paulo: Contexto, 2004.
Encaminhado em: 19/03/07
Aceito em: 20/04/07
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 35-62, 2007.
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Estas devem ser feitas no corpo do trabalho.
2.4- No preparo do original, deverá ser observada a seguinte estrutura:
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PORTUGUÊS, colocar título e subtítulo em português e inglês; quando os
artigos forem em INGLÊS, colocar título e subtítulo em inglês e português).
. Nome do(s) autor(es) alinhados à esquerda. Através de nota de rodapé,
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de origem e e-mail para contato. Considerar apenas a maior titulação concluída.
b) Resumo
Consiste na apresentação concisa dos pontos relevantes do texto, com
as principais conclusões, em no máximo 250 palavras.
c) Palavras-chave
Correspondem às palavras ou expressões que identificam o conteúdo
do artigo. No máximo 5.
Sugere-se utilizar termos presentes na estrutura do Thesaurus Brasileiro da Educação (BRASED), disponível em: www.inep.gov.br/pesquisa/
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Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 253-256, 2007.
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thesaurus/estrutura.htm
d) Abstract
Consiste na apresentação concisa, em inglês, dos pontos relevantes do
texto, com as principais conclusões, e deve conter, no máximo, 250 palavras.
e) Keywords
Correspondem às palavras ou expressões em inglês que identificam o
conteúdo do artigo. No máximo 5.
f) Texto
Introdução, material e método, resultados, discussão, conclusões, agradecimentos (quando houver).
g) Referências bibliográficas
Devem ser dispostas em ordem alfabética pelo sobrenome do primeiro
autor e seguir as normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). Incluir somente as obras mencionadas no trabalho. Alguns modelos de
referências bibliográficas:
Livro (um autor)
VIEIRA, L. Os argonautas da cidadania. Rio de Janeiro: Record, 2001.
Livro (dois autores)
BABIN, P.; KOULOUMDJIAN, M. Os novos modelos de compreender: a
geração do audiovisual e do computador. São Paulo: Paulinas, 1989.
Capítulo de livro
OLIVEIRA, F. Neoliberalismo à brasileira. In: GENTILI, P. (Org.). Pósneoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. Rio de Janeiro:
Paz & Terra, 1995. p. 29-34.
Artigo de periódico
HERNÁNDEZ, F. O projeto político-pedagógico vinculado à melhoria das escolas.
Pátio, Porto Alegre, n. 25, p. 8-11, fev./abr. 2003.
Tese
MARTINS, R. B. Escola cidadã do Paraná: análise de seus avanços e retrocessos. Campinas, 1997. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação
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Artigo de jornal assinado
DIMENSTEIN, G. Escola da vida. Folha de São Paulo, São Paulo, 14 jul.
2002. Folha Campinas, p.2.
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 253-256, 2007.
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Trabalho publicado em Anais de Congresso
PARO, V. H. Administração escolar e qualidade do ensino: o que os pais ou
responsáveis têm a ver com isso? In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE POLÍTICA
E ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO, 18., 1997, Porto Alegre. Anais...
Porto Alegre, Edipucrs, 1997. p. 303-314.
Páginas consultadas na internet –www
WEB SITE CORNELIUS CASTORIADIS. Disponível em: <http://
www.charlespennaforte.pro.br/castoriadis/ >. Acesso em: 05/12/04.
Livros, periódicos, anais de eventos e outros documentos extraídos da internet
Seguir a descrição usual acrescida da indicação do endereço e da data de
acesso.
PELAEZ, N. C. M. Aprender a aprender através da música. Pátio, Porto Alegre, n. 25, p. 60-62, fev./abr. 2003. Disponível em: http://
www.artmed.com.br/patioonline/patio.htm. Acesso em: 10/03/05.
Obs.: Demais referências aqui não exemplificadas deverão atender a norma
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Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino:
www.uepg.br/olhardeprofessor
256
Olhar de professor, Ponta Grossa, 10(1): 253-256, 2007.
Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor>
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