FLÁVIA NAVES (Organizadora)
TRABALHO E TRABALHADORES
NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS
Outras lentes sobre invisibilidades construídas
© 2014, Elsevier Editora Ltda.
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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
N243t
Naves, Flavia
Trabalho e trabalhadores nas sociedades contemporâneas: outras lentes sobre
invisibilidades construídas / Flavia Naves. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.
23 cm.
Inclui bibliografia
Referencias
ISBN 9788535279405
1. Trabalho. 2. Trabalhadores. 3. Sociologia do trabalho. I. Título.
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CDD: 331.1
CDU: 331.1
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[...]
Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
[...]
De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
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– Garrafa, prato, facão –
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.
Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
[...]
Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
– Exercer a profissão –
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.
(Vinícius de Moraes, Operário
em construção, 1959)
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Sobre a organizadora
FLÁVIA NAVES
Professora do Departamento de Administração e Economia da Universidade Federal
de Lavras. Doutora pelo CPDA da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. É
coordenadora do Laboratório de Estudos Transdisciplinares – LETRA, membro do
Núcleo de Estudos em Organizações, Gestão e Sociedade - NEORGS e, atualmente,
pesquisadora selecionada pela Fundação de Amparo a Pesquisa de Minas Gerais –
FAPEMIG, no Programa Pesquisador Mineiro (PPM).
Sobre os autores
ALESSANDRO GOMES ENOQUE
Professor do Curso de Administração da Universidade Federal de Uberlândia (Campus do
Pontal). Doutor em Ciências Humanas (Sociologia e Ciência Política) pela Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (FAFICH/
UFMG). Pesquisador Visitante na University of Texas at Austin.
ALEX FERNANDO BORGES
Professor da Faculdade de Ciências Integradas do Pontal (FACIP) da Universidade
Federal de Uberlândia (UFU). Doutorando em Administração no Programa de PósGraduação em Administração da Universidade Federal de Lavras (PPGA/UFLA).
Pesquisador-líder do Núcleo de Estudos em Organizações - NEOrg (FACIP/UFU).
Pesquisador do Núcleo de Estudos em Organizações, Gestão e Sociedade - NEORGS.
ALEXANDRE DE PÁDUA CARRIERI
Professor Titular da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutor em Administração
pela Universidade Federal de Minas Gerais. Coordenador do NEOS - Núcleo de Estudos
Organizacionais e Sociedade. Atua na linha de pesquisa Estudos Organizacionais e
Sociedade.
ANDRÉIA DE OLIVEIRA SANTOS
Professora substituta do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais CEFET, no curso de graduação em Administração. Professora no curso de Processos
Gerenciais do Centro Universitário de Belo Horizonte – UNIBH. Pesquisadora do
Núcleo de Contabilidade - NUCONT da Faculdade Novos Horizontes. Mestra em
Administração e bacharel em Ciências Contábeis pela Faculdade Novos Horizontes.
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Sobre os autores
CEYÇA LIA PALEROSI BORGES
Professora da Universidade Federal da Fronteira Sul – UFS e das Faculdades Alto
Iguaçu – FAI. Mestre em Administração de Empresa pela Universidade Federal de
Lavras. Pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Organizações, Gestão e Sociedade –
NEORGS.
CLÉRIA DONIZETE DA SILVA LOURENÇO
Professora do Departamento de Administração e Economia da Universidade Federal
de Lavras. Mestre e doutora em Administração pela Universidade Federal de Lavras.
Pesquisadora do Laboratório de Estudos Transdisciplinares – LETRA, do Núcleo
de Estudos sobre Organizações, Gestão e Sociedade – NEORGS e tutora do PET
Administração.
FERNANDA MITSUE SOARES ONUMA
Professora do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas - ICSA, da Universidade Federal
de Alfenas, campus Varginha-MG. Doutoranda em Administração pelo PPGA da
Universidade Federal de Lavras. Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Organizações,
Gestão e Sociedade - NEORGS e do Laboratório de Estudos Transdisciplinares LETRA, ambos da UFLA.
GUSTAVO XIMENES CUNHA
Professor do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA) da Universidade Federal
de Alfenas (UNIFAL-MG) e docente do Programa de Pós-Graduação em Gestão
Pública e Sociedade (PPGPS/UNIFAL-MG). Mestre e Doutor em Linguística pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Desenvolve pesquisa de Pós-Doutorado junto ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos (POSLIN), da
Faculdade de Letras da UFMG. Pesquisador do Grupo de Estudos sobre a Articulação
do Discurso e do Grupo de Estudos da Oralidade e da Escrita, ambos da UFMG.
JULIANA CRISTINA TEIXEIRA
Professora do Departamento de Ciências Administrativas e Contábeis da Universidade Federal de São João del-Rei. Doutoranda em Administração pelo Centro de
Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Minas Gerais CEPEAD/UFMG na linha de pesquisa Estudos Organizacionais e Sociedade. Pesquisadora do Núcleo de Estudos Organizacionais e Sociedade - NEOS / UFMG e do
Grupo de Estudos sobre Poder em Organizações - GEPO / UFES.
KELY CÉSAR MARTINS DE PAIVA
Professora e Pesquisadora do Departamento de Ciências Administrativas (CAD), Centro de Pós-graduação e Pesquisa em Administração (CEPEAD), Faculdade de Ciências
Econômicas (FACE), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Membro do
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Sobre os autores
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Núcleo de Pesquisa em Comportamento e Mudança Organizacional (Necom - UFMG),
do Núcleo de Estudos Críticos Sobre Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho
(NEC-GPRT-UFMG), do Núcleo de Relações de Trabalho e Tecnologias de Gestão
(Nurteg FNH) e do Núcleo de Estudos sobre Estado, Trabalho e Sociedade (Nets,
UFPB). Doutora, Mestre e Bacharel em Administração (UFMG).
KÉSIA APARECIDA TEIXEIRA SILVA
Professora e Coordenadora de Pesquisa no Curso de Administração da PUC Minas
Arcos. Doutoranda em Administração pela Universidade Federal de Lavras, na linha
de pesquisa de Organizações Gestão e Sociedade. Pesquisadora dos grupos de pesquisa NEORG (Núcleo de Estudos em Organizações Gestão e Sociedade) e Letra
(Laboratório de Estudos Transdisciplinares) na UFLA.
LILIAN BARROS MOREIRA
Mestre em Administração pela Universidade Federal de Lavras na área Organizações, Mudanças e Estratégia. Possui graduação em Administração pela Universidade
Federal de Lavras. Tem experiência em educação à distância, atuando como tutora
dessa modalidade em cursos da Universidade Federal de Lavras e Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais. Pesquisadora do Laboratório de
Estudos Transdisciplinares – LETRA e do Núcleo de Estudos em Organizações, Gestão
e Sociedade - NEORGS, desenvolvendo pesquisas sobre diversidade; pessoas com
deficiência (PCDs); Identidade e Cultura.
LUIZ ALEX SILVA SARAIVA
Professor do Departamento de Ciências Administrativas da Faculdade de Ciências
Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisador da linha de
pesquisa Estudos Organizacionais e Sociedade. Pesquisador do Núcleo de Estudos
Organizacionais e Sociedade da Universidade Federal de Minas Gerais, do Núcleo
de Estudos Organizacionais e Tecnologias de Gestão da Universidade Salvador e do
Grupo de Estudos sobre Poder em Organizações da Universidade Federal do Espírito
Santo. Doutor em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais.
MICHELLE REGINA SANTANA DUTRA
Professora do Centro Universitário de Belo Horizonte - UNI-BH. É membro do Núcleo
de Relações de Trabalho e Tecnologias de Gestão (NURTEG). É bolsista de Apoio
Técnico da FAPEMIG na Universidade Federal de Minas Gerais. Possui mestrado em
Administração na Faculdade Novos Horizontes e experiência na área de Administração, com ênfase em Organização e Estratégia.
MÔNICA CARVALHO ALVES CAPPELLE
Professora do Departamento de Administração e Economia da Universidade Federal
de Lavras. Doutora em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais.
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Sobre os autores
Coordenadora do grupo de pesquisa - Núcleo de Estudos em Organizações, Gestão e
Sociedade - NEORGS. Coordenadora da Câmara CSA (Ciências Sociais Aplicadas) da
Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais – FAPEMIG. Líder do tema Gênero
e Diversidade na ANPAD, área de Estudos Organizacionais. Bolsista de Produtividade
do CNPq, nível PQ-2.
MOZAR JOSÉ DE BRITO
Professor do Departamento de Administração e Economia da Universidade Federal de
Lavras. Doutor em Administração pela Universidade de São Paulo. Atuou como coordenador da câmara SHA da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
e do Programa de Pós-graduação em Administração. Foi Pró-Reitor de Pós-Graduação
da Universidade Federal de Lavras.
VALÉRIA REZENDE FREITAS BARROS
Estagiária da Faculdade Novos Horizontes, bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de Minas Gerais. Possui graduação em Administração pela Faculdade Novos
Horizontes. Tem experiência na área de Administração, com ênfase em Administração, atuando principalmente nos seguintes temas: educação a distância, docente,
competência, empoderamento e gênero.
VIVIANE GUIMARÃES PEREIRA
Professora na Universidade Federal de Itajubá. Doutora em Administração - Desenvolvimento, Gestão Social e Ambiente, pela Universidade Federal de Lavras. Trabalhou como assessora técnica e política às organizações de trabalhadores rurais no sul
e sudeste do Maranhão. No Vale do Jequitinhonha (MG) atuou como assessora aos
atingidos por barragens e na articulação de políticas públicas para o desenvolvimento
da agricultura familiar.
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Apresentação
Flávia Naves
O objetivo desta obra é apresentar e debater, por meio de diversas perspectivas teóricas, metodológicas e empíricas, faces do trabalho na contemporaneidade, especialmente na sociedade brasileira. Trabalho é tratado
aqui como processo e como categoria relacional, não se resumindo ao
emprego assalariado, formal, vinculado a empresas ou desenvolvido
exclusivamente em áreas urbanas. O trabalho é uma construção histórica, uma construção dos sujeitos e de suas subjetividades individuais
e coletivas. Dada sua complexidade e diante das mudanças técnicas e
sociais contemporâneas, compreender o trabalho é compreender também
as sociedades nas quais ele se desenvolve. Castel (2013) defende que compreender as relações de trabalho para além da prática técnica é elemento
fundamental para avaliar os rumos de nossas sociedades.
Ao mesmo tempo, uma visão mais complexa sobre nossas sociedades
contribui para revelar um mosaico de possibilidades de compreensão dos
processos de trabalho, que nem sempre são legítimos, nem sempre são
lembrados, mas são parte das engrenagens que conformam essas mesmas sociedades. Isso implica, assim como defende Slater (2000, p. 508),
“questionar o socialmente dado”, processo que tem implicações e reflete
desafios também para o campo científico.
No campo das ciências sociais, vários autores têm criticado os rumos
da produção do conhecimento, defendendo a necessidade de articular ou
aproximar tal processo de fenômenos sociais contemporâneos (Waizbort, 2007; Reis, 1999; Sousa Santos, 2009).
Waizbort (2007) afirma que a sociologia – e poderíamos estender essa
afirmação também para outras áreas científicas – precisa atualizar sempre
mais sua consciência histórica, para perceber o que há nos tempos que
correm que os singulariza em relação a outros tempos e em que medida.
Debate semelhante tem surgido no âmbito dos estudos organizacionais,
questionando o reducionismo na análise de sistemas sociais e processos de
organização (Ramos, 1981); o estreitamento e formalismo das definições
de organização (Misoczky, Flores e Silva, 2008); o isolamento que o
campo impõe do objeto em relação às condições sociais que o constitui
(Carrieri e Paço-Cunha, 2009).
Ora, quantas vezes não assistimos, assim como lembra Chanlat (1999),
à ortodoxia e ao fechamento intelectual executarem sua obra de demolição
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Apresentação
ou de purificação acadêmica? Sempre que essas forças colocam-se em
movimento, elas reduzem, na mesma dimensão, o campo dos possíveis.
Transformam o universo da reflexão em um campo cujo único objetivo é
o de perpetuar o poder e no qual o pensamento verdadeiro desaparece em
benefício do que se chama, atualmente, de o pensamento único.
Superar tais simplificações demanda “outras lentes”, outras perspectivas, um pouco de estranhamento, uma “desacomodação” em relação às
perspectivas dominantes de análise e interpretação dos fenômenos sociais.
Rosa (2008) defende que a possibilidade de enxergar outras formas de
organizar depende da adoção do pensamento libertário e subversivo.
Vejam que não se trata necessariamente de algo novo – lentes, perspectivas ou fatos –, mas de criar condições de visibilidade para processos
que estão em curso em nossas sociedades, dinâmicas de trabalho muitas
vezes centenárias, ocultadas por perspectivas dominantes.
Embora seja possível identificar nos manuais de empregabilidade
requisitos como amplos conhecimentos, aptidões diferenciadas, criatividade, iniciativa e grande investimento pessoal, muitas das pessoas que
seguem tais manuais não encontram trabalho ou as condições esperadas
para o desenvolvimento de suas carreiras, apesar de toda dedicação. Todos
estão assustados com o desemprego crescente – dados da Organização
Internacional do Trabalho (ONU, 2014) mostram que em 2013 havia
mais de 200 milhões de desempregados no mundo. A oferta reduzida
de empregos leva trabalhadores qualificados a aceitarem ocupações que
demandam pouca qualificação, outros aceitam salários mais baixos ou
abrem mão de requisitos mínimos de segurança e higiene para conseguir
e manter um posto de trabalho. As relações de trabalho examinadas de
perto, para além da técnica e do formalismo, se mostram marcadas por
disparidades de poder que podem se expressar de forma mais sutil ou
concreta, dependendo da atividade.
Em outras palavras, há um distanciamento entre imagens e expectativas
sobre o trabalho (satisfação, realização, dignidade) e o que a maioria
dos trabalhadores de fato encontra e vivencia quando passa a fazer parte
desse contexto.
Os conflitos e contradições relativos ao mundo do trabalho têm sido
enfatizados em diferentes abordagens teóricas. Da Teoria do Processo de
Trabalho difundida por pesquisadores como Harry Braverman até a Psicodinâmica do Trabalho de Christophe Dejours, várias pesquisas jogam por terra
a ficção de que o trabalho, de forma geral, dignifica e realiza os trabalhadores.
No contexto capitalista, a categoria trabalho tem sido predominantemente tratada como sinônimo de emprego. A perspectiva estreita desse
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Apresentação
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“trabalho-emprego”, legitimado socialmente, que garantiria dignidade
e atendimento das demandas daqueles que o executam, representa um grave
risco à compreensão de nossas sociedades, à medida que, por um lado,
problematiza pouco as condições e relações de trabalho, sobretudo quando
se trata de empregos pouco valorizados social, moral ou financeiramente,
nos quais a precarização passa a ser tratada como algo natural, inerente à
atividade. Por outro lado, exclui ou ignora a diversidade de possibilidades de
processos de trabalho – para além do âmbito formal, fora de padrões tidos
como legítimos ou desenvolvidos fora do meio urbano – e o elevado número
de pessoas que se dedicam a atividades como essas, que não são declaradamente empregados ou empregadores, até porque seu trabalho estabelece ou
lida com outras categorias. Essa perspectiva alimenta uma visão de mundo e
imaginário social de que o “trabalho-emprego” socialmente legitimado seria
a única forma pela qual o trabalhador encontraria condições adequadas para
se realizar e de que todos aqueles que estão fora desse círculo de relações se
tornariam, assim como suas práticas, lógicas e estratégias, invisíveis.
“Não nos esqueçamos de que a condição de assalariado, que hoje ocupa a
grande maioria dos ativos e a que está vinculada a maior parte das proteções
contra os riscos sociais, foi, durante muito tempo, uma das situações mais
incertas e, também, uma das mais indignas e miseráveis. Alguém era um assalariado quando não era nada e nada tinha para trocar, exceto a força de
seus braços. Alguém caía na condição de assalariado quando sua situação
se degradava: o artesão arruinado, o agricultor que a terra não alimentava
mais, o aprendiz que não conseguia chegar a mestre... Estar ou cair na
condição de assalariado era instalar-se na dependência, se condenado a
viver “da jornada”, achar-se sob o domínio da necessidade”
(CASTEL, 2013, p. 21).
O trabalhador-empregado, nas sociedades contemporâneas, tem status
de mercadoria, mas uma “mercadoria fictícia”, segundo Karl Polanyi
(2000) (assim como terra e dinheiro), já que “trabalho é apenas outro
nome para a atividade humana que acompanha a própria vida, que, por sua
vez, não é produzida para venda, mas, por razões inteiramente diversas,
e essa atividade não pode ser destacada do resto da vida, não pode ser
armazenada ou mobilizada” (Polanyi, 2000, p. 94). Mas, uma vez que
prevalecem práticas baseadas nesse significado, o trabalhador, portador
dessa mercadoria peculiar sobre a qual não exerce controle, enfrenta vários
problemas. Os processos de controle externo sobre o trabalho implicam
tentativas de controle da subjetividade do trabalhador, o que acarretaria,
segundo Dejours (2006), sofrimento no trabalho e perda de identidade.
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Apresentação
Nesse contexto de contradições e desafios, dois aspectos precedem
e fundamentam as discussões apresentadas nesta coletânea. Primeiro,
reafirmamos que as implicações negativas decorrentes da forma como
estão configuradas as relações de trabalho e emprego nas sociedades
contemporâneas devem ser explicitadas, sobretudo, considerando que tais
implicações ultrapassam a esfera estrita das relações produtivas, afetando
relações sociais e formas de estruturação de nossas sociedades. Segundo,
partimos do pressuposto de que as relações de emprego não são suficientes
para resumir as relações de trabalho, sobretudo considerando-se que um
grande número de pessoas no mundo sobrevive sem acesso a esse tipo
de vínculo. Torna-se importante reconhecer e dar visibilidade a “outros”
trabalhos e trabalhadores que habitam as sociedades contemporâneas e
resistem às pressões e à invisibilidade decorrentes do não enquadramento
ou da não adesão aos padrões dominantes.
À medida que ignoramos pistas sobre a diversidade de processos,
conflitos, contradições e iniciativas envolvendo o mundo do trabalho,
elas vão sendo apagadas de nosso cotidiano, excluídas do senso comum,
e desvalorizadas no campo acadêmico, enfraquecendo nossa capacidade
de interpretar e de intervir sobre nossas realidades. É sobre essas “invisibilidades construídas sobre os mundos do trabalho” que nos debruçamos
nesta coletânea.
Algumas vezes, a invisibilidade não está necessariamente nos trabalhadores, mas nas relações de trabalho menosprezadas por um discurso
hegemônico que aborda exclusivamente aspectos positivos do trabalho:
aquele que dá às pessoas condições de fazerem parte da sociedade (ainda
que não se questione em que posição). Para tratar de “outros” aspectos que
caracterizam relações de trabalho, é preciso ter “outros” protagonistas,
nesse caso, os próprios trabalhadores que trazem para o centro da análise
suas experiências. A começar pelos jovens.
O trabalho é uma questão que, desde cedo, preocupa os jovens. Seja
porque acreditam que a conquista de uma vaga pode transformar suas
vidas ou simplesmente porque não há outra alternativa que lhes garanta a
sobrevivência imediata. É também motivo de tensão, já que oportunidades
de emprego para esse grupo vêm se reduzindo nos últimos anos. Segundo
a Organização Internacional do Trabalho (2013), o número de jovens desempregados no mundo ultrapassou os 74 milhões em 2013, e deve chegar
a uma taxa de 12,8% até 2019. São números que têm levantado o debate
sobre a necessidade de políticas públicas voltadas para esse público, cujos
empregos envolvem, frequentemente, atividades repetitivas, sobre as quais
os jovens exercem pouco controle, estando sujeitos a abusos que, muitas
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Apresentação
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vezes, tornam suas experiências iniciais de trabalho um sofrido ritual de
passagem para o mercado e para o mundo adulto simultaneamente.
O capítulo intitulado “Estresse ocupacional de jovens trabalhadores”
vem jogar luzes sobre as experiências de trabalho vivenciadas por jovens
trabalhadores, focalizando especificamente as configurações de variáveis
de estresse ocupacional. Por meio de pesquisa quali-quanti, as autoras
Kely César Martins de Paiva, Michelle Regina Santana Dutra, Valéria
Rezende Freitas Barros e Andréia de Oliveira Santos procuram dar voz
a jovens que estão enfrentando, além dos desafios próprios da idade, as
dificuldades de entrada no mercado de trabalho. Dentre os fatores de
pressão no trabalho, os jovens participantes da pesquisa identificaram o
relacionamento com o público, aspecto que, não por coincidência, também
surge como crítico no cotidiano dos comerciários, jovens também em
grande parte, sujeitos da pesquisa realizada por Cléria Donizete da Silva
Lourenço, apresentada no Capítulo 2.
Intitulado “O cliente ‘não tem sempre razão’: o trabalho precário
nas relações entre consumidores e comerciários”, o capítulo busca compreender o sentido atribuído pelos comerciários ao seu trabalho, com
ênfase na relação com consumidores. Por meio de relatos e experiências
desses trabalhadores, a autora retrata o cotidiano de trabalho no qual se
impõe, como regra, a frase “o cliente tem sempre razão”. Essa premissa,
que parece ter dominado o senso comum, tem implicações concretas sobre
o trabalho dos comerciários, que se envolvem na exaustiva e imprevisível
tarefa de atender às demandas dos clientes e, nesse processo, estão sujeitos
a violência e sofrimento.
Tanto o trabalho exercido pelos comerciários (considerado, por eles
mesmos, como “última opção”) quanto a primeira incursão de jovens no
mercado de trabalho têm em comum a baixa qualificação demandada. Não
se trata, portanto, de trabalho especializado, que exige uma formação específica e complexa, o que, para muitos, justificaria as relações precárias
e os efeitos negativos identificados pelas autoras ao tratarem do tema.
Apesar de simplista, essa mesma lógica (refletida provavelmente nas
expectativas de muitos trabalhadores) poderia levar à conclusão de que
trabalhos que demandam maior qualificação (curso superior, pós-graduação etc.) estariam isentos de conflitos, constrangimentos e subordinação.
Mas será que isso realmente acontece?
A carreira executiva é sonho de muitos dos jovens, estudantes e trabalhadores; o que mais se aproximaria da “situação ideal” de trabalho. Poder,
dinheiro e status caracterizam as imagens de executivos (de sucesso) que
estão nas capas de revistas dos mais diversos tipos. Contudo, tais imagens
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Apresentação
podem esconder conflitos e contradições. Em sociedades nas quais as
corporações têm maior poder do que os governos, os interesses do capital
têm produzido a precarização das relações de trabalho, independentemente
do nível hierárquico ou da qualificação.
“Today, however, capital seeks to exploit our very sociability in all spheres
of life. When we all become ‘human capital’ we not only have a job, or
perform a job. We are the job. Even, when the work-day appears to be over.
This is what some have called the rise off bio-power, where life itself is put
to work: our sociability, imagination, resourcefulness, and our desire to
learn and share ideas”
(CEDERSTROM & FLEMING, 2011, p. 7).
Mesmo assim, se jovens trabalhadores em atividades pouco qualificadas
e sem perspectivas continuam a se dedicar na realização de seu trabalho, o que se pode esperar do trabalhador que conseguiu alcançar um
patamar executivo? Que tipo de dilemas enfrenta esse trabalhador? O
capítulo intitulado “Comportamentos normopáticos no trabalho executivo
contemporâneo: uma análise sob a ótica do filme ‘Amor sem escalas”’,
escrito por Ceyça Lia Palerosi Borges, Mozar José de Brito e Mônica
Carvalho Alves Cappelle propõe essa discussão. Utilizando o conceito de
normopatia – relativo ao indivíduo que deixa de lado aspectos internos e
subjetivos passando a orientar-se exclusivamente por aspectos normativos,
concretos, materiais e externos como forma de se adaptar às demandas
do trabalho e das organizações –, os autores desconstroem a imagem do
executivo traduzida como sucesso, riqueza, poder e realização.
No entanto, estabelecer a diferença entre um comportamento normopático e um comportamento “normal” pode ser algo difícil quando se discutem relações de trabalho. Isso porque as empresas têm buscado, nas últimas
décadas, consolidar-se partindo de imagens socialmente responsáveis, de
discursos de justiça e oportunidade que se opõem ou escondem a precarização de práticas relativas ao meio ambiente, consumidores e trabalhadores.
Na construção dessa imagem de socialmente responsáveis, essas organizações constroem processos discursivos de inclusão a trabalhadores
com deficiência, por exemplo, pessoas que têm enfrentado conflitos
profundos na sociedade para ter direito ao trabalho. Lilian Barros Moreira
aborda essa questão no capítulo intitulado “Similaridades e diferenças no
trabalho de pessoas com deficiência no Brasil e nos Estados Unidos”. A
autora discute, por meio da análise das legislações e de entrevistas com
trabalhadores com deficiência, os processos de inclusão em dois contextos
distintos: no Brasil e nos Estados Unidos. Apesar das diferenças históricas,
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Apresentação
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normativas e culturais dos dois países, as análises revelam como é delicada
a questão do trabalho de pessoas com deficiência nos dois contextos,
com os vários desafios e dificuldades. A invisibilidade das pessoas com
deficiência, construída social e historicamente, aliada às exigências do
capital, criam muitos obstáculos para que essas pessoas possam não
apenas conseguir espaço no mercado de trabalho, mas também fazê-lo
de forma não subalterna.
Algumas vezes, no entanto, é o próprio trabalho que invisibiliza o
indivíduo, não apenas por um comportamento normopático (estratégia
mais sofisticada de controle e poder), mas também por mecanismos
mais concretos e cotidianos de dominação, como acontece com o trabalho doméstico, abordado no capítulo intitulado “Uma ‘preta sem cor’: a
invisibilidade do trabalho doméstico refletida em uma história de vida”,
por Juliana Cristina Teixeira, Alexandre de Pádua Carrieri e Flávia Naves.
A discussão se constrói na articulação entre a história do trabalho
doméstico no Brasil e a história de vida de uma trabalhadora doméstica,
processo que ajuda a compreender a invisibilidade desse trabalho. A partir
desse capítulo, debatemos trabalhos que se constituem em uma esfera distinta da até então abordada: a esfera alheia ao espaço da organização e/ou
empresa tradicional. Apesar dessa distinção, esses capítulos continuam a
integrar a colcha de retalhos aqui construída a respeito das invisibilidades
construídas sobre o trabalho.
A discussão proposta pelos autores, nesse capítulo sobre o trabalho
doméstico, reafirma “as desigualdades acumuladas”, apontadas por Bernardo Sorj (2000), ou seja, o trabalho doméstico precisa ser compreendido
em vinculação com questões de gênero, étnicas e sociais.
Aliás, desigualdades acumuladas perpassam vários contextos aqui
analisados, como o trabalho doméstico, o trabalho de pessoas com deficiência, e estão presentes também no capítulo intitulado “‘Penduradas no
tempo...’: representações sociais do trabalho feminino na atividade de corte
de cana-de-açúcar”, escrito por Alessandro Gomes Enoque, Alex Fernando
Borges e Luiz Alex Silva Saraiva. Nesse capítulo, os autores investigam
uma hierarquização do trabalho na produção de cana-de-açúcar (atividade
produtiva de destaque na economia nacional), apresentando a figura das
“bituqueiras”, mulheres que atuam na coleta dos restos (“bitucas”) da cana,
deixados para trás no processo de colheita. Além do trabalho invisível, são
também invisíveis a precariedade que caracteriza a atividade, o preconceito
e a submissão a que estão sujeitas as mulheres que executam esse trabalho.
Assim, o capítulo sobre as “bituqueiras” busca dar voz às mulheres que
articulam as vivências de trabalho e as pessoais para tentar compreender
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sua própria identidade. As narrativas dessas trabalhadoras revelam a
dureza do trabalho, as condições precárias que enfrentam com coragem,
mas que são mais um elemento de desvalorização dessas mulheres pelas
comunidades nas quais vivem e que insistem em classificá-las em função
do seu trabalho como “mulheres sem vergonha” e “putas”.
No entanto, a descrição do trabalho das “bituqueiras” está muito distante do trabalho desempenhado por prostitutas, discutido no capítulo
“A luz ’vermelha’ no fim do túnel: sentidos subjetivos do trabalho na
prostituição”, por Késia Aparecida Teixeira Silva, Mônica Carvalho
Alves Cappelle e Flávia Naves. As autoras discutem esse trabalho que é
socialmente deslegitimado, cuja referência no cotidiano é sempre, como
revelam as “bituqueiras”, uma forma de ofensa. Mesmo assim, a prostituição é uma das atividades que mais cresce no mundo, seja como opção
individual de trabalho ou como resultado da violência sobre mulheres e
crianças (na maioria das vezes) que são obrigadas a entrar para a atividade.
Vinculada ao comércio de bebidas e ao tráfico de drogas e de pessoas,
a atividade gera lucros significativos que raramente ficam com as prostitutas. Esse trabalho tem sido discutido por diversas perspectivas, muitas
vezes contraditórias e indiferentes às percepções das trabalhadoras. Nesse
capítulo, as prostitutas ganham voz para falar sobre suas trajetórias e os
sentidos de seu trabalho. Em meio à desvalorização, culpa e solidão, seria
possível, enfim, identificar aproximações entre prostitutas e “bituqueiras”,
mulheres sujeitas às inúmeras faces da desvalorização de seu trabalho.
A essa altura podem surgir, de forma angustiada, algumas perguntas:
Será que há mesmo outras possibilidades de trabalho em nossas sociedades? Será possível construir relações de trabalho diferentes das que
predominam na atualidade? No contexto capitalista, assim como vários
tipos de trabalhadores e relações de trabalho, mesmo que corriqueiras,
são invisibilizados, também as alternativas, as resistências e as lutas são
devidamente ocultadas. Mesmo assim, há trabalhadores experimentando
e construindo outras formas de relacionamento no e com o trabalho, o
que não significa que não enfrentem também dificuldades, restrições e
conflitos. Para esses grupos, o maior trabalho é aquele que envolve a resistência e a constante reconstrução de relações para manter suas próprias
identidades.
Isso fica evidente no penúltimo capítulo desta coletânea, que tem o
título “O trabalho de reconstrução e a reconstrução do trabalho: formas
de ser, viver e fazer de agricultores tradicionais do Alto Jequitinhonha
deslocados para novos ambientes”, escrito por Viviane Guimarães Pereira
e Flávia Naves. Nele, os agricultores tradicionais que, em tempo de
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endeusamento de inovações, podem soar ultrapassados, são protagonistas
de seu trabalho na construção e transmissão de seus conhecimentos, na
definição de suas estratégias, mesmo enfrentando o desafio da reconstrução produtiva e social depois de serem expulsos de suas terras no Vale
do Jequitinhonha para edificação de uma hidrelétrica. Ao contrário do
comportamento normopático, que separa rigidamente vida e trabalho,
priorizando o último, essas instâncias não se separam pela experiência e
lógica desses agricultores, e se confundem em suas trajetórias.
Essa percepção sobre a realidade leva os agricultores a se relacionarem de forma mais intensa e complexa com o meio ambiente em que
vivem, não apenas tentando controlá-lo, mas aprendendo, produzindo
conhecimentos que permitem conviver em diferentes espaços naturais e
sociais. A complexidade das decisões, a busca constante por autonomia
e a indissociabilidade entre planejamento e execução do trabalho que
não se distingue da vida fazem com que essa narrativa sobre agricultores
tradicionais desterritorializados se aproxime do debate proposto no último
capítulo – “Sentidos subjetivos do trabalho em uma organização autogestionária”, elaborado por Fernanda Mitsue Soares Onuma, Flávia Naves
e Gustavo Ximenes Cunha –, que marca o retorno à discussão sobre o
trabalho no contexto organizacional, mas não tradicional.
Embora nesse capítulo os autores discutam o trabalho urbano industrial,
a narrativa da transformação de uma empresa falida em uma organização
autogestionária mostra, mesmo depois de a organização consolidar-se, que
os trabalhadores precisam lutar pela sua legitimidade e continuidade num
contexto capitalista. As narrativas dos trabalhadores, cheias de emoção,
avançam no debate sobre a estreita e prescrita separação entre trabalho
e vida. Ao recuperar a complexidade de construção do trabalho, mesmo
em sociedades nas quais a autogestão é vista como utopia, os autores não
fazem uma nova prescrição; apontam, sim, para a dinâmica incessante
dos processos sociais.
De forma semelhante, esta publicação não se propõe a ser normativa,
oferecer fórmulas ou respostas. A proposta de usar outras lentes para discutir trabalho nas sociedades contemporâneas pretende mais mobilizar,
instigar, sensibilizar os leitores, ampliar e complexificar nosso horizonte
do possível, levantando novas ou mesmo trazendo à tona antigas, simples e permanentes questões. Nossa ênfase é no processo, na estrada, no
caminhar.
Ao mesmo tempo, não se trata de um conjunto de trabalhos produzidos
com o distanciamento, indiferença ou pseudoneutralidade. Cada capítulo
é fruto de um trabalho engajado, realizado em diferentes contextos, por
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pesquisadores que viram no cotidiano sinais de que havia algo além da
superfície que valeria a pena investigar. Assim, cada capítulo é construído na interlocução entre ideias dominantes no campo de estudos, mas
também às margens deste. Nesses processos, os pesquisadores também se
transformam, ao permitir que a realidade aponte novas possibilidades de
interpretação das relações sociais; ou seja, os relatos aqui são também parte da (re)construção intensa dos próprios pesquisadores e de seu trabalho.
Por isso mesmo, não se trata de uma publicação que finaliza um trabalho. Não é um ponto-final. Esperamos que seja parte de um incessante e
estimulante recomeço, de novas trocas, de reconstruções, de aberturas não
apenas para nós autores, mas também para e com os leitores.
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Mais!), p. 6.
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Sumário
Sobre a organizadora
Sobre os autores
Apresentação
v
v
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1. Estresse ocupacional de jovens trabalhadores
1
2. O cliente “não tem sempre razão”: o trabalho precário
nas relações entre consumidores e comerciários
21
3. Comportamentos normopáticos no trabalho executivo
contemporâneo: uma análise sob a ótica do filme
“Amor sem escalas”
41
4. Similaridades e diferenças no trabalho de pessoas
com deficiência no Brasil e nos Estados Unidos
61
5. Uma “preta sem cor”: a invisibilidade do trabalho
doméstico refletida em uma história de vida
81
6. “Penduradas no tempo...”: representações sociais
do trabalho feminino na atividade de corte
de cana-de-açúcar
101
7. A luz “vermelha” no fim do túnel: sentidos subjetivos
do trabalho na prostituição
121
8. O trabalho de reconstrução e a reconstrução
do trabalho: formas de ser, viver e fazer de agricultores
tradicionais do Alto Jequitinhonha deslocados
para novos ambientes
141
9. Sentidos subjetivos do trabalho em uma organização
autogestionária
161
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trabalho e trabalhadores nas sociedades contemporâneas