A FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA Gustavo Luiz Poli 1 Patrícia Elias Vieira2 SUMÁRIO Introdução; 1 Conceito de Execução enquanto Gênero Processual e suas particularidades em relação à Fazenda Pública; 2 Delimitações Jurídicas do termo “Fazenda Pública” em se tratando de Execução; 3 A dicção proibitiva do art. 1º-D da Lei nº. 9.494/1997 e os desdobramentos do julgamento do RE 3 nº. 420.816-4/PR; Considerações finais; Referência das Fontes Citadas. RESUMO O presente artigo estudar a fixação de honorários advocatícios nas hipóteses em que a Fazenda Pública, no Brasil, deverá solver o crédito perseguido através de RPV 4, isto é, independentemente de precatório. A eleição dessa temática se justifica pela conformidade do deferimento de tal verba com os Princípios da Sucumbência e da Economia Processual. A problemática da pesquisa cinge-se no exame do art. 1°D da Lei n°. 9.494/1997, que veda o deferimento de honorários advocatícios às expensas da Fazenda Pública quando essa figurar como devedora em execuções não embargadas, ressalvado o entendimento consubstanciado pelo STF 5 no julgamento do RE n°. 420.816-4/PR. Se a priori não havia carência de instauração de execução pelo fato do crédito se enquadrar no “pequeno valor”, em não havendo iniciativa da Fazenda Pública quanto ao respectivo pagamento, sua mora dá azo à execução, que deve seguir as regras dos artigos 730 e 731 do CPC6 ainda que não seja hipótese de expedição de RPP 7, posto que a fase de “cumprimento de sentença” (artigos 475-I a 475-R do CPC) não vige em relação ao Estado. Cumpre ressaltar que, aqui sim, a situação é de “execução forçada”, já que o desígnio da 1 Acadêmico da Graduação em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Estagiário vinculado ao Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-12). E-mail: [email protected]. 2 Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Doutoranda em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI em cotutela com a Universidade do Minho – UMINHO em Braga, Portugal. Professora do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Advogada. E-mail: [email protected], [email protected]. 3 Recurso Extraordinário. 4 Requisição de Pequeno Valor. 5 Supremo Tribunal Federal. 6 Código de Processo Civil. 7 Requisição de Pagamento de Precatório. RPV é justamente acelerar o adimplemento do crédito e, se não houver sujeição da devedora ao competente pagamento, não remanesce fundamento razoável o bastante para desobrigá-la da verba honorária em sede execucional. Palavras-chave: Execução. Fazenda Pública. Honorários Advocatícios. This article studies the fixing of fees in cases in which the Exchequer, in Brazil, you should credit solver pursued through Solicitation of Small Value, that is, regardless of payment. The election of this theme is justified for compliance of approval of such funds with the principles of Procedural economy and Collapsing. The problems of research in the examination of the stick art. 1°-D of the law n°.9,494/1997, which prohibits the acceptance of fees at the expense of internal revenue when this figure as a debtor in executions not embargoed, except the understanding embodied by the Federal Supreme Court at trial of RE n°. 420,816 -4/PR. If beforehand there was no lack of establishment of execution by the fact of the claim fit in "small value", in the absence of internal revenue initiative regarding the payment for them, their lives leads to execution, which must follow the rules of articles 730 and 731 of the Code of Civil procedure yet other than a chance to dispatch of Request for payment of Precatory, since the phase of "sentence fulfillment" (articles 475-I 475-R of the Code of Civil) not vige regarding the status. Complies to emphasize that, here, the situation is of "enforcement", since the design of the Solicitation of Small Value is just accelerate the delivery of credit and, if there is no entry for the debtor to the jurisdiction, not payment remains reasonable grounds enough for releasing her honorary budget at execucional. Keywords: Execution. Exchequer. Attorneys ' Fees. INTRODUÇÃO A distribuição da justiça e a pacificação social, primordiais à placidez do convívio entre os indivíduos, são veleidades ínsitas na concretização do Direito. Em regra, há proscrição à autotutela, em função do que o Estado detém o monopólio da jurisdição e, a fim exercer tal prerrogativa, vale-se de um profícuo instrumento: o “processo judicial”. Nesse prisma, é despiciendo suscitar o interesse do Estado-Juiz no que tange ao cumprimento das obrigações assumidas volitivamente pelos indivíduos (negócios jurídicos) ou que lhes são impostas pelos comandos legais ou judiciais. Aloca-se, aqui, uma espécie processual voltada tão somente para o adimplemento das obrigações: a “execução”, via adequada para compelir o solvens a satisfazer seus débitos ao accipiens, que pode ser um particular ou mesmo o Erário, visto que o Estado também possui responsabilidades a contentar. No Brasil, o Direito Processual Civil, codificado em uma lei federal (nº. 5.869/1973), destoa substancialmente a execução conflagrada em desfavor de particulares daquela a ser intentada em face da Fazenda Pública, que goza de algumas garantias processuais em razão do seu status. É que o Estado, embora hipersuficiente, somente pode ser executado mediante uma tramitação própria e austera. Compagina-se a justificativa disso ao Direito Constitucional e ao Direito Administrativo, notadamente porque os bens públicos são impenhoráveis (art. 100 da CRFB 8/1988), carreando lesão a toda coletividade, ainda que obliquamente, em caso de constrição ou expropriação imódica. Pelo exposto, reputa-se imperiosa a existência de um sistema ímpar em favor do Estado de modo que possa adimplir suas obrigações pecuniárias dentro dos seus prognósticos orçamentários e sem o risco de dilapidar seu patrimônio. Assim sendo, o presente artigo colima estudar o processo execucional em face da Fazenda Pública enfocando-se o cabimento da fixação de honorários advocatícios nas hipóteses em que a solvência do crédito perseguido dar-se-á independentemente de precatório, isto é, através de RPV. A eleição dessa temática se justifica pela conformidade do deferimento de tal verba com os Princípios da Sucumbência e da Economia Processual. A problemática da pesquisa cinge-se no exame do art. 1°-D da Lei n°. 9.494/1997, que veda o deferimento de honorários advocatícios às expensas da Fazenda Pública quando essa figurar como devedora em execuções não embargadas, ressalvado o entendimento consubstanciado pelo STF no julgamento do RE n°. 420.816-4/PR. Findo o introito, passa-se a análise do conceito de execução enquanto gênero processual e suas particularidades em relação à Fazenda Pública. 1 O CONCEITO DE EXECUÇÃO ENQUANTO GÊNERO PROCESSUAL E SUAS PARTICULARIDADES EM RELAÇÃO À FAZENDA PÚBLICA 8 Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada aos 5/10/1988. Por cooptação ao escol deste artigo, mostra-se imperioso conceituar o vocábulo “execução” na órbita jurídica. Para tanto, transcreve-se a lição de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR 9: Atua o Estado, na execução, como substituto, promovendo uma atividade que competia ao devedor exercer: a satisfação da prestação a que tem direito o credor. Somente quando o obrigado não cumpre voluntariamente a obrigação é que tem lugar a intervenção do órgão judicial executivo. Daí a denominação de “execução forçada”, adotada pelo Código de Processo Civil, no art. 566, à qual se contrapõe a ideia de “execução voluntária” ou “cumprimento” da prestação, que vem a ser o adimplemento. Enquanto no processo de conhecimento o juiz examina a lide para “descobrir e formular a regra jurídica concreta que deve regular o caso”, no processo de execução providencia “as operações práticas necessárias para efetivar o conteúdo daquela regra, para modificar os fatos da realidade, de modo a que se realize a coincidência entre as regras e os fatos”. No dizer de MISAEL MONTENEGRO FILHO 10: [...] é o instrumento processual posto à disposição do credor para exigir o adimplemento forçado da obrigação através da retirada de bens do patrimônio do devedor ou do responsável, suficientes para a plena satisfação do exeqüente, o que se operará em seu benefício e independentemente da vontade do executado – e mesmo contra a sua vontade – conforme entendimento doutrinário unânime. Dos excertos doutrinários supra-alocados, depreende-se que a execução corresponde a uma provocação do Poder Judiciário a fim de que intervenha na relação jurídica entre credor e devedor para, utilizando-se dos meios judiciais e legais cabíveis, satisfazer os direitos e obrigações pendentes entre as partes, senão quando a persecução do adimplemento resta inócua ante o cumprimento voluntário pelo solvens. Denota-se do primeiro arrazoado ser fleumática a diferença entre os processos de conhecimento e executório: o primeiro desencadeia o cognitio causae do Juízo com vistas à obtenção de um provimento final que “sirva de lei” para os litigantes, ao passo que, no segundo, já existe uma relação obrigacional por força judicial ou extrajudicial e, por tal razão, a marcha processual está inclinada à 9 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volume II. 34ª edição. Rio de Janeiro/RJ: Forense, 2003, p. 4-5. 10 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil. Volume II. São Paulo: Atlas, 2005, p. 259. satisfação do crédito em aberto, o que, na hipótese, restringe o exercício do contraditório à demonstração de alguma irregularidade procedimental ou excesso de execução ou não preenchimento das condições inerentes a esse naipe processual. No Brasil, o processo executório civil percebeu candente irrupção com a gênese da Lei n°. 11.232/2005, que derrogou da égide normativa a inópia de se ajuizar um feito autônomo para compelir o obrigado inerte ao cumprimento de uma sentença condenatória passada em julgado, o que, até então, revelava a similitude do tratamento jurídico entre a execução dos títulos judiciais e a dos extrajudiciais. Com as alterações promovidas pela novel legislação, o arranjo de atos satisfativos visando à concretização dos efeitos decisórios deixou de constituir um processo independente, vindo a integrar o processo de conhecimento enquanto fase desse ex vi dos artigos 475-A a 475-H (Liquidação de Sentença) e 475-I a 475-R (Cumprimento de Sentença), todos do CPC 11. Tais mudanças, porém, não abrangem a execução contra a Fazenda Pública, permanecendo incólumes as previsões dos arts. 730 e 731 do Códex Instrumentallis Civillis, compreendidas outras regras constitucionais e legais aplicáveis a depender do caso concreto. Prima facie, veja-se a dicção do CPC sobre a matéria: Art. 730. Na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, citar-se-á a devedora para opor embargos em 10 (dez) dias; se esta não os opuser, no prazo legal, observar-se-ão as seguintes regras: I - o juiz requisitará o pagamento por intermédio do presidente do tribunal competente; II - far-se-á o pagamento na ordem de apresentação do precatório e à conta do respectivo crédito. Art. 731. Se o credor for preterido no seu direito de preferência, o presidente do tribunal, que expediu a ordem, poderá, depois de ouvido o chefe do Ministério Público, ordenar o seqüestro da quantia necessária para satisfazer o débito. Não obstante o art. 730 aduza a um decêndio como prazo para a oposição de embargos à execução por parte da Fazenda Pública, tal lapso temporal foi retesado para 30 (trinta) dias a teor do art. 1°-B da Lei n°. 9.494/1997, dispositivo cuja constitucionalidade está sub judice na Suprema Corte (ADECON 12 nº. 11-8). 11 12 Código de Processo Civil. Ação Declaratória de Constitucionalidade. Acerca da execução contra a Fazenda Pública, DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES 13: Principalmente em razão da natureza dos bens públicos – de uso comum, de uso especial ou dominicais – considerados inalienáveis e, por consequência lógica, impenhoráveis, o procedimento da execução de pagar quantia certa contra a Fazenda Pública demanda uma forma diferenciada daquela existente para a execução contra o particular. Também se costuma afirmar que a especialidade do procedimento está relacionada ao princípio da continuidade do serviço público, já que os bens não poderiam ser afastados de sua utilização pública, sob pena de prejuízo à coletividade. DANIEL BAGGIO MACIEL 14 descreve o processamento dessa modalidade execucional, ipsis verbis: Teoricamente, o procedimento executivo regulado pelo artigo 730 é bastante simples. Apresentada a petição inicial pelo exeqüente, a Fazenda Pública será citada e poderá opor os seus embargos no prazo legal. Caso os embargos não sejam manejados, o juiz da execução solicitará ao presidente do respectivo tribunal a inscrição do crédito em precatório visando ao pagamento no ano seguinte, quando a inscrição for feita até o dia 1º de julho do ano anterior. Se os embargos apresentados forem julgados improcedentes, sem prejuízo da apelação manejável pela embargante, a sentença emitida contra a Fazenda Pública será submetida ao duplo grau de jurisdição obrigatório, isto é, ao reexame necessário pelo tribunal (art. 475, I), salvo se o direito controvertido não exceder a 60 salários mínimos ou se a decisão estiver fundada em jurisprudência do plenário do STF, em súmula deste tribunal ou do tribunal superior competente (art. 475, §§ 2º e 3º). Após a confirmação da sentença proferida nos embargos, o juiz da execução solicitará o pagamento na forma acima especificada, o que resultará igualmente a inscrição do crédito em precatório. No que concerne aos feitos concatenados à dívida pública, as delimitações pecuniárias são inerentes e, in casu, a norma pertinente está encartada na CRFB/1988, pelo seu art. 100, §3º, e art. 87 do ADTC 15, respectivamente nestes termos: 13 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. 3ª edição. Rio de Janeiro/RJ: Forense; São Paulo/SP: Método, 2011. p. 1078. 14 MACIEL, Daniel Baggio. A Execução contra a Fazenda Pública. Disponível em: http://istoedireito.blogspot.com.br/2008/07/execuo-contra-fazenda-pblica.html. Acesso em: 07.abr.2013. 15 Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. (...) § 3º O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado. § 4º Para os fins do disposto no § 3º, poderão ser fixados, por leis próprias, valores distintos às entidades de direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas, sendo o mínimo igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social. (...) [grifo colocado] Art. 87. Para efeito do que dispõem o § 3º do art. 100 da Constituição Federal e o art. 78 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias serão considerados de pequeno valor, até que se dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federação, observado o disposto no § 4º do art. 100 da Constituição Federal, os débitos ou obrigações consignados em precatório judiciário, que tenham valor igual ou inferior a: I - quarenta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal; II - trinta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Municípios. Parágrafo único. Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido neste artigo, o pagamento far-se-á, sempre, por meio de precatório, sendo facultada à parte exeqüente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma prevista no § 3º do art. 100. [grifo colocado] O texto normativo instituiu a RPV como uma forma alternativa ao precatório para o cumprimento da obligatio 16 de dar quantia certa. Diga-se que a exceção ao regime do art. 100, caput, da Carta Federal é justificada pelo conceito de pequeno valor, o qual permite ao Poder Público dispensar (pagar) as quantias que não comprometam seus recursos financeiros, tornando desnecessária a inclusão no orçamento e, por isso, conferindo um trâmite diferenciado e mais célere ao respectivo credor em razão do numerário que tem a receber. No aspecto, DANIEL BAGGIO MACIEL 17 leciona: 16 17 Obrigação. Tradução livre do autor da pesquisa. MACIEL, Daniel Baggio. A Execução contra a Fazenda Pública. http://istoedireito.blogspot.com.br/2008/07/execuo-contra-fazenda-pblica.html. 07.mai.2013. Disponível Acesso em: em: Não há a necessidade de precatório se o crédito exigido for de pequeno valor. Nesses casos, o pagamento é feito no prazo estabelecido pelo magistrado, após o trânsito em julgado da sentença que decidir os embargos porventura opostos pela Fazenda Pública. Destarte, basta que o credor ajuíze a execução por simples petição e, verificando o juiz tratar-se de crédito de pequeno valor, receberá a inicial e determinará a citação do devedor para opor embargos em um trintídio, sendo que, defluido in albis ou transitada em julgado a decisão que apreciou a insurgência, será ordenado ao ente fazendário o pagamento, que deverá ser feito (sob pena de sequestro18) em um prazo que, geralmente, é de 60 (sessenta) dias. No tocante às execuções contra os Estados e Municípios, é importante sublinhar que incumbe à parte autora, antes de ingressar com a ação, diligenciar se existe lei estadual ou municipal regulando a matéria de acordo com o art. 100, §4º, da CRFB/1988 ou se é caso de aplicabilidade do art. 87 do ADCT, presciência transitória cuja exegese é oportunamente explanada por LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA 19: Tais limites previstos no art. 87 do ADCT da Constituição Federal não constituem critérios mínimos nem máximos, não ostentando a feição de pisos nem tetos definitivos, de forma que os Estados, os Municípios e o Distrito Federal podem fixar limites inferiores ou superiores àqueles estabelecidos no referido dispositivo do ADCT. Com o intuito de aclarar o ensinamento supra, não obstante o permissivo constitucional para que os Estados e/ou os Municípios fixem o quantum atinente à categoria do “pequeno valor” independentemente da disposição orientadora do art. 87 do ADCT, cabe salientar que os mencionados entes da federação devem observar a obrigatoriedade contida no art. 100, §4º, da CRFB/1988, pela qual é defeso se estabelecer limites de RPV com valores inferiores ao teto máximo dos benefícios do RGPS 20. O Estado de Santa Catarina, por exemplo, limita os créditos considerados como de “pequeno valor” em até 10 (dez) salários-mínimos ex vi da Lei Estadual nº. 18 Art. 17, §2º, da Lei nº. 10.259/2001. 19 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 5. ed. São Paulo: Dialética, 2007. 20 Regime Geral de Previdência Social. 15.945/2013, ou seja, os créditos que extrapolem esse patamar somente poderão ser quitados mediante precatório, salvo se convier ao accipiens o disposto no parágrafo único do art. 87 do ADCT. Destaca-se que o aludido nível pecuniário atende ao comando do art. 100, §4º, da CRFB/1988. Em epítome, assim se processa a execução contra o Erário: ora por meio de precatório (regra geral), ora por meio de RPV, desde que admissível em razão da quantia a ser paga. 2 AS DELIMITAÇÕES JURÍDICAS DO TERMO “FAZENDA PÚBLICA” EM SE TRATANDO DE EXECUÇÃO Após a exposição dos conceitos básicos e das considerações iniciais acerca do processo de execução, urge versar sobre a abrangência do vocábulo “Fazenda Pública” para os fins dos artigos 730 e 731 do CPC. Isso porque a existência da denominada Administração Indireta ou Descentralizada corresponde à atuação de autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, as quais, tendo personalidade jurídica e capacidade processual, deverão ser submetidas a um dos ritos executórios previstos na Lei Adjetiva Civil. Em escorço geral, HELY LOPES MEIRELLES 21 doutrina: [...] a administração Pública, quando ingressa em Juízo por qualquer de suas entidades estatais, por suas autarquias, por suas fundações ou por seus órgãos que tenham capacidade processual, recebe a designação tradicional de Fazenda Pública, porque seu erário é que suporta os encargos patrimoniais da demanda. Convergindo, LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA 22 afirma que: [...] no direito Processual a expressão Fazenda Pública contém o significado de Estado em Juízo. Daí porque quando se alude à Fazenda Pública em juízo, a expressão apresenta-se como sinônimo do Estado em juízo ou do ente público em juízo, ou, ainda, da pessoa jurídica de direito público em juízo. Especificamente sobre o tipo execucional aventado, DANIEL BAGGIO MACIEL 23 anota: 21 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo. 23ª ed. 2ª tiragem, atualizada. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 590. 22 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 5. ed. São Paulo: Dialética, 2007. Os artigos 730 e 731 do Código de Processo Civil cuidam da execução contra a Fazenda Pública, isto é, daquela passível de ajuizamento contra a União, Estados, Municípios, Territórios, Distrito Federal, autarquias e fundações instituídas pelo Poder Público. Nas palavras de DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES 24: Para aplicação do procedimento especial previsto pelo art. 100 da CF e arts. 730 e 731 do CPC, por “Fazenda Pública” devem ser entendidos tanto os entes que compõem a administração direta – União, Estado, Município e o Distrito Federal – como também aqueles que compõem a administração indireta, sempre que regidas por regras de direito público – autarquias e fundações de direito público. Nesse compasso, indubitável é a aglutinação dos entes da Administração Pública Direta ao conceito de “Fazenda Pública”. No que se refere aos componentes da Administração Pública Indireta, a priori tem-se que somente as autarquias e as fundações integram a citada expressão. Todavia, remanescem exceções a serem analisadas. CLARICE ALAGASSO 25 ressalta que “Em relação às fundações, há uma ressalva. Somente entra no conceito a fundação pública, excluindo a privada”. A mesma autora salienta, igualmente, que “as agências executivas ou reguladoras, sobre ostentarem o matiz de autarquias especiais, integram o conceito de Fazenda Pública”. Por corolário, em artigo científico apresentado à EMERJ 26, CARLOS HENRIQUE MINK 27 realçou que “predomina o entendimento de que as agências reguladoras possuem a natureza de autarquias, fazendo parte, portanto, da noção de Fazenda Pública”. Outra nota é referente às empresas públicas e às sociedades de economia mista que, a rigor do art. 173, §1º, inciso II, da Constituição, não estão contempladas 23 MACIEL, Daniel Baggio. A Execução contra a Fazenda Pública. http://istoedireito.blogspot.com.br/2008/07/execuo-contra-fazenda-pblica.html. 07.mai.2013. 24 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. 3ª edição. Rio de Janeiro/RJ: Forense; São Paulo/SP: Método, 2011. 25 ALAGASSO, Clarice. Prerrogativas da Fazenda Pública em Juízo e o Princípio da Isonomia. Disponível em: http://www.lfg.com.br - 12 de julho de 2010. Acesso em: 26 Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. 27 MINK, Carlos Henrique. Execução contra a Fazenda Pública e o Regime dos Precatórios. Disponível em:. Acesso em : Disponível Acesso em: em: na qualidade especial da execução contra o Estado, restando-lhes a sujeição ao rito comum. Acerca disso, DANIEL BAGGIO MACIEL 28 esclarece: As empresas públicas e as sociedades de economia mista, embora integrem a Administração Pública indireta ou descentralizada, não são beneficiadas por esse modelo especial de execução. Assim como as pessoas jurídicas de direito privado em geral, ambas são demandadas na forma prevista pelos artigos 646 e seguintes do Código de Processo Civil. Não destoando, CLARICE ALAGASSO 29 comenta: Em relação à Administração indireta, verifica-se que as empresas públicas e as sociedades de economia mista, por possuírem natureza de pessoa jurídica de direito privado, não integram o conceito de Fazenda Pública, diferentemente das autarquias e fundações, que são pessoas de direito público. No entanto, DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES 30, comungando com Humberto Theodoro Júnior, sinaliza um entendimento divergente: No caso das sociedades de economia mista e empresas públicas, a aplicação do procedimento executivo dependerá das atividades que exercem: (i) quando atuam em operações econômicas em concorrência com as empresas privadas, aplica-se o art. 173, §1º, da CF, sendo executadas pelo procedimento executivo comum; (ii) quando exploram atividade econômica própria das entidades privadas, mas para prestar serviço público de competência da União Federal, são executadas pelo procedimento especial. O Plenário do Supremo Tribunal Federal já decidiu pela impenhorabilidade dos bens da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), exigindo também para essa empresa a observação do procedimento executivo especial ora analisado. Infere-se do excerto a menção a um precedente da Suprema Corte (RE nº. 220.906-9) no qual se reconheceu a aplicabilidade do “regime dos precatórios” a uma empresa pública, porquanto a mesma, desempenhando atividade designada 28 MACIEL, Daniel Baggio. A Execução contra a Fazenda Pública. http://istoedireito.blogspot.com.br/2008/07/execuo-contra-fazenda-pblica.html. 07.mai.2013. 29 ALAGASSO, Clarice. Prerrogativas da Fazenda Pública em Juízo e o Princípio da Isonomia. Disponível em: http://www.lfg.com.br - 12 de julho de 2010. Acesso em: 30 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. 3ª edição. Rio de Janeiro/RJ: Forense; São Paulo/SP: Método, 2011. Disponível Acesso em: em: pela União e em prol do interesse comum, teria revestido o seu patrimônio pela inalienabilidade típica dos bens públicos, sob pena de comprometimento da manutenção dos seus serviços à população. Com efeito, eis o ementário do aludido julgado: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. IMPENHORABILIDADE DE SEUS BENS, RENDAS E SERVIÇOS. RECEPÇÃO DO ARTIGO 12 DO DECRETO-LEI Nº 509/69. EXECUÇÃO. OBSERVÂNCIA DO REGIME DE PRECATÓRIO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. À empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, é aplicável o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços. Recepção do artigo 12 do Decreto-lei nº 509/69 e não-incidência da restrição contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, que submete a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. 2. Empresa pública que não exerce atividade econômica e presta serviço público da competência da União Federal e por ela mantido. Execução. Observância ao regime de precatório, sob pena de vulneração do disposto no artigo 100 da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido e provido. (STF. RE nº. 220.906-9 - DF. Relatoria: Min. Maurício Corrêa. Órgão Judicante: Tribunal Pleno. Data do Julgamento: 16/11/2000). [grifos colocados] Pelo decisum, ao invés de adotar um posicionamento estático no sentido de que as sociedades de economia mista e as empresas públicas não podem se beneficiar pelo regime dos precatórios em vista da sua natureza jurídica de Direito Privado, o STF inclinou-se ao exame individual de cada caso, notadamente quanto à finalidade stricto sensu 31 dessas pessoas jurídicas e a coalescência com o interesse público que, por ventura, seja predominante, a partir do qual se avaliará se é ou não atividade própria do Estado e, por conseguinte, se cabe ou não a consideração como “Fazenda Pública” em matéria executória. Sem embargo do desfecho, mas tendo em conta o entendimento acolhido anteriormente, de modo a corroborá-lo na essência, assim já se decidiu: FINANCEIRO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PAGAMENTO DE VALORES POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. 31 Rectius: Se visa lucro e se suas atividades se inserem dentro do regime de mercado em concorrência com a iniciativa privada. INAPLICABILIDADE DO REGIME DE PRECATÓRIO. ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA CONSTITUCIONAL CUJA REPERCUSSÃO GERAL FOI RECONHECIDA. Os privilégios da Fazenda Pública são inextensíveis às sociedades de economia mista que executam atividades em regime de concorrência ou que tenham como objetivo distribuir lucros aos seus acionistas. Portanto, a empresa Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. - Eletronorte não pode se beneficiar do sistema de pagamento por precatório de dívidas decorrentes de decisões judiciais (art. 100 da Constituição). Recurso extraordinário ao qual se nega provimento. (STF. RE nº. 599.628 - DF. Relatoria: Min. Ayres Britto. Redator do Acórdão: Min. Joaquim Barbosa. Órgão Judicante: Tribunal Pleno. Data do Julgamento: 25/05/2011). [grifos colocados] No apelo extremo acima identificado, inconteste era a volição da parte recorrente em ser beneficiada pelos comandos dispositivos do RE nº. 220.906-9, mas o STF negou a dita extensão dos efeitos por julgar que, diversamente da fundamentação que jungiu a EBCT32 à significação de “Fazenda Pública”, o caso se tratava de sociedade de economia mista que, a despeito do interesse público, possuía fins lucrativos, o que jazia suficiente para elidir a pretensa analogia. Frente isso, denotam-se abarcados pela égide dos artigos 730 e 731 do CPC: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, os Municípios, as autarquias, as fundações públicas, as sociedades de economia mista e as empresas públicas dêsde que, estreme de dúvidas em relação às duas últimas, a preponderância do interesse público, o receio de prejuízos às suas atividades (ainda que abstratamente considerado) e a não configuração do interesse lucrativo ou da inserção no regime de mercado em concorrência com o setor privado. 3 A DICÇÃO PROIBITIVA DO ART. 1º-D DA LEI Nº. 9.494/1997 E OS DESDOBRAMENTOS DO JULGAMENTO DO R.E. Nº. 420.816-4/PR. Pronuncia o art. 1º-D da Lei nº. 9.494/1997: “Não serão devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções não embargadas”. A comezinha redação é oriunda da MP 33 n°. 2.180-35/2001 (art. 4º), que a ensartou na referida lei. 32 Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. 33 Medida Provisória. Do dispositivo supra, por interpretação meramente declaratória, reputam-se não contempladas em sua égide as seguintes ocasiões: (a) se opostos os embargos à execução pela entidade fazendária, essa lograr sucesso com a procedência do reclamo, situação em que a sucumbência recai sobre parte embargada (exequente); (b) em sendo improcedente a insurgência, caberá ao juízo prolator fixar ex officio os honorários advocatícios na própria decisão, bem como nos autos da execução, que retomará seu curso assim que transitar em julgado o decisum do manejo incidental. Haure-se, todavia, que a dicção do art. 1º-D da Lei nº. 9.494/1997 é manifestamente infensa ao estabelecido no art. 20, §4º, do CPC, in litteris: Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior. [grifo colocado] O regramento supratranscrito está em hígida vigência e, por sua elocução, a verba honorária corresponderia a um consectário inerente ao aforamento da execução contra a Fazenda Pública, processo esse que, consoante se apontou alhures, perfaz um feito autônomo, de modo obrigatório, ante a inaplicabilidade dos ditames da Lei n°. 11.232/2005 ao Estado (quando devedor). De outro norte, a presciência do art. 1º-D da Lei nº. 9.494/1997 faz exsurgir hialina cizânia com o Princípio Processual da Sucumbência, cuja inteligência, no que concerne ao assunto em comento, recebe a seguinte evocação por MARCUS VINÍCIUS RIOS GONÇALVES 34: “Incumbe ao vencido pagar ao vencedor honorários advocatícios, que pertencem ao advogado e são devidos ainda que ele tenha postulado em causa própria”. Apesar de obtemperar o aventado preceito, é certo que, uma vez abojada no ordenamento, a norma contida no art. 1º-D da Lei nº. 9.494/1997 não pode ser ignorada pelos operadores jurídicos, sendo incogitável, por questão de legalidade, qualquer exegese que negue sua vigência. Constata-se, com isso, a antinomia entre dois dispositivos ensartados em leis federais (Lei nº. 9.494/1997 versus CPC). 34 GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. 1º Volume: Teoria Geral e Processo de Conhecimento (1ª Parte). 7ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 122. Nesse contexto, o STF assentou entendimento jurisprudencial sobre a matéria ao conferir, ao 1º-D da Lei nº. 9.494/1997, interpretação conforme à Constituição Federal. Cuida-se, no particular, do julgamento do RE nº. 420.8164/PR, no qual se discutia, justamente, a constitucionalidade do mencionado dispositivo, inserto à lei supranumerada pela MP nº. 2.180-35/2001. No caso em apreço, o relator do processo foi o então Ministro Carlos Velloso, tendo sido incumbido para redigir o aresto o então Ministro Sepúlveda Pertence, que fez constar na ementa o seguinte: [...] IV. Fazenda Pública: execução não embargada: honorários de advogado: constitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal, com interpretação conforme ao art. 1º-D da L. 9.494/97, na redação que lhe foi dada pela MPr 2.180-35/2001, de modo a reduzir-lhe a aplicação à hipótese de execução por quantia certa contra a Fazenda Pública (C. Pr. Civil, art. 730), excluídos os casos de pagamento de obrigações definidos em lei como de pequeno valor (CF/88, art. 100, §3º). Conquanto o Excelso Pretório tenha apreciado outras questões, pertinentes à constitucionalidade formal da MP nº. 2.180-35/2001, bem como imbricadas ao procedimento executório abstratamente considerado (obrigação de fazer, não fazer e dar) em face do Estado, o julgamento, no que se refere à matéria deste estudo, foi norteado por algumas indagações cruciais, as quais igneamente explicitadas no aresto, in verbis: “[...] é requerida uma execução contra a Fazenda Pública. Esta vem e diz que não vai embargar, que vai pagar. Não haveria honorários? (...) seria lícito obrigar o advogado a trabalhar de graça? (...) É porque se obriga alguém a ir a juízo. Ninguém pode ir a juízo sem advogado. Advogado não propõe ação sem remuneração. Ele vive disso...” (dizeres do Min. Carlos Velloso, relator do processo). “[...] nas execuções contra particular, só se vai ao processo de execução se há mora. Mas ao contrário, a Fazenda não pode pagar sem precatório. (...) O processo de execução por quantia certa contra a Fazenda é um desdobramento necessário para a satisfação do débito reconhecido por sentença, ao contrário do que ocorre na execução por quantia certa o devedor particular” (dizeres do Min. Sepúlveda Pertence, então Presidente da Corte). “(...) o Poder Público, este não pode pagar de outra forma que não seja mediante o sistema de precatório, salvo a partir da Emenda Constitucional nº. 20, na hipótese dos chamados créditos de pequeno valor” (dizeres do Min. Sepúlveda Pertence, então). [grifos colocados] O apelo extremo em epígrafe teve como desfecho: a negação de provimento por conseguinte à declaração incidental de constitucionalidade do art. 1º-D da Lei nº. 9.494/1997 e à adstrição da sua incidência, por interpretação conforme, às execuções contra a Fazenda Pública em que a obrigação pecuniária somente pode ser cumprida por meio de precatório, limadas aquelas cujo adimplemento dar-se-á mediante RPV, ou seja, a guisa do art. 100, §3º, da CRFB/1988. Em sede de embargos declaratórios, o conspícuo colegiado nada reparou no decisum objurgado, quedando incólumes seus fundamentos e dispositivo: EMENTA: Execução, contra a Fazenda Pública, não embargada: honorários advocatícios indevidos na execução por quantia certa (CPC, art. 730), excluídos os casos de pagamento de obrigações definidas em lei como de pequeno valor (CF/88, art. 100, caput e §3º). Embargos de Declaração: ausência de contradição a sanar no acórdão embargado: rejeição. 1. Na medida em que o caput do art. 100 condiciona o pagamento dos débitos da Fazenda Pública à “apresentação dos precatórios” e sendo estes provenientes de uma provocação do Poder Judiciário, é razoável que seja a executada desonerada do pagamento de honorários nas execuções não embargadas, às quais inevitavelmente se deve submeter para adimplir o crédito. 2. O mesmo, no entanto, não ocorre relativamente à execução de quantias definidas em lei como de pequeno valor, em relação às quais o §3º expressamente afasta a disciplina do caput do art. 100 da Constituição. [grifos colocados] Com tal precedente da Suprema Corte, sedimentou-se o juízo de que, apenas quando se tratar de precatório, é descabida a fixação de honorários advocatícios em execuções não embargadas pela Fazenda Pública (art. 1º-D da Lei nº. 9.494/1997), sendo devida tal verba (nos moldes do art. 20, §4º, do CPC) nas execuções (embargadas ou não) em que o crédito a ser satisfeito pelo Erário se classifique como “de pequeno valor”, independendo, portanto, de precatório. Consoante o Princípio da Celeridade (engranzado no art. 5º, inciso LXXVIII 35, da CRFB/1988), retine inarredável a ilação de que o objetivo ínsito na instituição da RPV é conferir maior presteza ao cumprimento das obrigações pecuniárias devidas pelo Erário aos credores do “pequeno valor”, elidindo-os, pois, da obrigatoriedade do regime dos precatórios. A priori, deblaterar que o pagamento da RPV deve se dar tão somente em demanda executória é manietar a efetivação 35 “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantem a celeridade de sua tramitação”. de direitos encartados na Lei Suprema, além de vicejar contrariamente aos objetivos de redução da litigiosidade, rapidez e qualidade na prestação jurisdicional. Nessa esteira, vislumbra-se que, quando for desnecessária a expedição de RPV (no processamento do art. 100, caput, da CRFB/1988), não há que prosperar qualquer peroração que tenha por cogente o ajuizamento de execução para a persecução do crédito. Em epítome, tão logo se dê o trânsito em julgado da decisão que constitua ou declare a obrigação dar quantia certa em pecúnia, incumbe à Fazenda Pública cumpri-la prontamente, desde que se caracterize como de “pequeno valor”. Trata-se, in casu, de pudica irradiação do Princípio da Economia Processual, assim aclarado por DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES 36: Do ponto de vista sistêmico, observando o sistema como um todo, significa que, quanto menos demandas existirem para se chegar aos mesmos resultados, melhor será em termos de qualidade da prestação jurisdicional como um todo. (...) Nessa visão mais ampla do princípio da economia processual têm-se também alguns institutos processuais que evitam a repetição de atos processuais, o que numa análise macroscópica do princípio são extremamente importantes, tais como as intervenções de terceiro, a reconvenção e a ação declaratória. Ora, uma vez possibilitada a satisfação da obligatio pecuniária pelo Erário independente da expedição de precatório, reputa-se que o constituinte almejou, declaradamente, agilizar o pagamento das quantias que o Estado deve a certa categoria de cidadãos de modo que eles, não submetidos à sistemática austera do art. 100, caput, da CRFB/1988, não precisam aforar processo execução a fim de obterem o adimplemento do que lhes é devido por força de título judicial. Insta notar um legítimo disparate ao se inferir do texto constitucional que o legislador colimara beneficiar (com via mais célere) os titulares de “baixos créditos” defronte ao Estado, obrigando-os, em descompasso, a manejar nova ação (desta vez, executória) para perseguir quantia cujo pagamento poderia ser realizado de forma diversa da comum (regime do precatório), a qual sim, iminentemente judicial, imprescinde de processo dessa natureza. Outrossim, convém sublinhar que, se a lei deprecasse o processo execucional para a exigência de crédito passível de RPV, estaria em irretorquível 36 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. 3ª edição. Rio de Janeiro/RJ: Forense; São Paulo/SP: Método, 2011. p. 75-76. desconformidade com o Princípio da Economia Processual e vilipendiaria outro preceito insculpido na Carta Magna (Princípio da Celeridade) que, inclusive, é garantia inderrogável dos indivíduos. Se o crédito condisser com valor compatível em relação à RPV, entende-se que nem solvens 37 (Fazenda Pública) nem accipiens 38 (particulares) estão compelidos à resolução das suas pendências na via judiciosa e, por conseguinte, desnecessária é a execução nesses casos, visto que inequivocamente excepcionados da regra geral, daí retumbando o lídimo encargo do Estado em adimplir o seu débito assim que formado o respectivo título judicial que o constitua, sob pena de incorrer em mora e dar azo à competente execução. Destarte, se o quantum exequendo for suscetível de RPV e, ainda assim, quedar-se inerte a parte devedora (Erário) e, por sua mora, não restar alternativa ao credor que não intentar a execucional, cabível será a fixação da verba honorária, a qual não se mostra devida, por questão de razoabilidade, quando a relação de crédito e débito envolver precatório, instituto o qual somente tem lugar no bojo do processo judicial, tornando, por isso, cogente a respectiva execução. Ademais, a análise do Projeto de Lei nº 166/2010 do Senado Federal, identificado como “Novo Código de Processo Civil” trata no artigo 501 do cumprimento de obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública. O legislador foi silente quanto a fixação ou não de honorários advocatícios para os créditos denominados como de “pequeno valor” a serem pagos por RPV pela Fazenda Pública ao tratar do tema no parágrafo 3º. Limita-se no parágrafo 5º do citado dispositivo a dizer que serão observadas, no que couber, as disposições previstas no Capítulo. Portanto, observa-se que permanece a celeuma. São esses os motivos pelos quais se tem por harmonioso, no particular, o entendimento predominante no STF às disposições e princípios constitucionais. CONSIDERAÇÕES FINAIS É cediço que o processo de execução contra a Fazenda Pública, por ser dotado de caracteres especiais, acaba por se constituir em demanda mais penosa ao credor no que diz respeito à satisfação do que lhe é devido, porém, o interesse 37 Polo passivo da obrigação civil. Tradução livre do autor da pesquisa. 38 Polo ativo da obrigação civil. Tradução livre do autor da pesquisa. público assim propugna, notadamente porque os bens públicos são revestidos pelo manto da impenhorabilidade de modo a não comprometer a prestação dos serviços públicos e, obviamente, causar prejuízos aos seus usuários (coletividade). Com isso, o regime dos precatórios, apesar das críticas que lhe são impingidas, é um instituto legítimo e constitucionalmente previsto para o saneamento da dívida pública. Cabe destacar, assim, que o texto do art. 730 do CPC é cristalino ao tratar do precatório enquanto sistemática propriamente judicial, de sorte que, uma vez impenhoráveis os bens públicos, são inaplicáveis à Fazenda Pública os comandos da Lei nº. 11.232/2005, inexistindo outros meios a credor e devedor, para elisão das suas pendências, que não o processamento da execução em face do Erário. Digase, pois, que não se parte da premissa de “execução forçada”, visto que o ente público devedor não pode adimplir seu débito volitivamente (não ensejando mora), mas sim de “execução necessária”, somente a qual tem o condão de aperfeiçoar a relação jurídica entre solvens e accipiens. Pelo exposto, se o regime dos precatórios compele exequente e executado a resolverem seus haveres, cogentemente, na seara judicial, ilação imperiosa é a de que tal demanda não encontra gérmen na mora da parte devedora, já que essa apenas pode cumprir a obligatio através de tal procedimento, previsto na condição de feito processual. Em função disso e por ígnea motivação de razoabilidade, não há que se objetar a regra do art. 1º-D da Lei nº. 9.494/1997, o qual desonera o Erário de honorários advocatícios nas execuções não embargadas. Ocorre que, ao excepcionar do regime geral dos precatórios os créditos considerados por “diminutos” por lei específica ou pelo art. 87 transitório, a CRFB/1988 (art. 100, §3º) flamejou seu indubitável anseio de alijar de tal regime os credores da Fazenda Pública cujos importes a auferir poderiam ser dispensados pelo devedor sem a inópia de inclusão no orçamento público e sujeição a uma ordem de pagamentos, a famigerada “fila dos precatórios”, característica vulgar do sistema (alcunhado de “via-crúcis” pelo Ministro Marco Aurélio Mello durante o julgamento do RE nº. 420.816-4/PR no STF). Nessas situações, nas quais o valor do crédito deve ser pago independente de precatório, a execução somente se revela necessária se houver mora por parte do devedor Fazenda Pública, porquanto o accipiens se beneficia de uma exceção à regra geral e sobre o solvens, bilateralmente, recai o ônus de cumprir com a obrigação assim que líquida e certa (a partir do trânsito em julgado da decisão que a constitua). Do contrário, se a priori não havia carência de instauração de execução pelo fato do crédito se enquadrar no “pequeno valor”, uma vez não havendo iniciativa da Fazenda Pública quanto ao respectivo pagamento, sua mora dá azo à execução, que deve seguir as regras dos artigos 730 e 731 do CPC ainda que não seja hipótese de expedição de RPV, posto que a fase de “cumprimento de sentença” (artigos 475-I a 475-R do CPC) não vige em relação ao Estado. Cumpre ressaltar que, aqui sim, a situação é de “execução forçada”, já que o desígnio da RPV é justamente acelerar o adimplemento do crédito e, se não houver sujeição da devedora ao competente pagamento, não remanesce fundamento razoável o bastante para desobrigá-la da verba honorária em sede execucional. Recorda-se, por fim, que a submissão do credor da Fazenda Pública, nos eventos do art. 100, §3º, da CRFB/1988, ao processo de execução, quando esse seria desnecessário, é algo que contraria os Princípios da Celeridade e da Economia Processual, principalmente se tendo em conta que a referida presciência constitucional serve para tornar o pagamento mais rápido, daí ser lícita e devida a fixação de honorários advocatícios nessas ocasiões, permanecendo a norma do art. 1º-D da Lei nº. 9.494/1997 tão somente para as hipóteses de precatório. REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ALAGASSO, Clarice. Prerrogativas da Fazenda Pública em Juízo e o Princípio da Isonomia. 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