Sérgio Estephan Viola minha viola. A obra violonistica de Américo Jacomino, o Canhoto (1889-1928), na cidade de São Paulo. História PUC / São Paulo - 2007 2 Sérgio Estephan Viola minha viola. A obra violonistica de Américo Jacomino, o Canhoto (1889-1928). História PUC / São Paulo - 2007 Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em História sob orientação do Prof. Dr. Antônio Rago Filho. 3 Banca examinadora _____________________________ _____________________________ _____________________________ _____________________________ _____________________________ 4 Este trabalho de pesquisa tem como objetivo central, analisar a obra violonística do paulistano Américo Jacomino, o Canhoto (1889-1928). Para tanto, refletiremos inicialmente sobre os aspetos teórico-metodológicos que serviram de referência para este trabalho de pesquisa, onde História e Música dialogam com freqüência Em seguida, destacaremos sua trajetória profissional, quando iniciou sua carreira tocando em circos, teatros e cinemas, até adentrar às principais salas de concerto de São Paulo: o Teatro Municipal e o Conservatório Dramático e Musical. Posteriormente, analisaremos sua produção musical, a partir de seus registros fonográficos e partituras, buscando um refletir sobre seu universo composicional. Por fim, tendo como referência os tangos argentinos compostos e interpretados por Canhoto, faremos uma investigação sobre o violão no continente sul-americano, a partir da aproximação das carreiras de Canhoto e Carlos Gardel, assim como entre o tango brasileiro e o argentino, para encerrarmos, com uma abordagem sobre este que foi um dos mais importantes violonistas deste início de século XX, o paraguaio Agustin Barrios. 5 This research work has, as main target, to analyse the violinistic work from the native of the city of São Paulo, Americo Jacomino, the “Canhoto” (the Left-handed), (1889-1928). For that we’ll first reflect about the theoretic-methodological aspects that served as reference for this research work, where History and Music dialogue frequently. Then, we’ll stand out its professional route, when he started his career in circus, theathers anda movie-theathers until he gets into the mainly concert rooms in São Paulo: The “Teatro Municipal” and the “Conservatório Dramático e Musical”. After that, we’ll analyse his musical production from this phonographic file and scores, looking for a reflect, about his compositional universe. Finally, as reference, the Argentinean Tangos composed and intepreted by “Canhoto” we’ll make an investigation about the guitar in the South American continent, from the approach of “Canhoto” and Carlos Gordel, as well between the Brazilian and the Argetinean Tango, to finish, talking about the Paraguayan Agustin Barrios, one of the most important violinist from the beginning of the Twentieth Century. 6 Sumário Considerações iniciais _________________________ p.7 1. A música enquanto objeto de investigação histórica: __ p. 9 2. Canhoto e seu tempo: música em São Paulo ______________ p. 37 A influência de Carlos Gomes ________________ p.40 Canhoto e Paraguaçú ________________________p. 46 Canhoto e os espetáculos de variedades _________p. 58 Canhoto no Conservatório Dramático e Musical de S. Paulo __ p. 65 Canhoto, Carlos de Campos e a rádio Educadora _________ p.91 Canhoto no Teatro Municipal de São Paulo ______ p. 105 Canhoto e Orquestra Típica ___________________p. 109 Canhoto e Júlio Prestes e o cateretê ________________p.111 3. Partituras e gravações de Canhoto _______________ p. 117 As valsas de Canhoto ___________________________p.140 A técnica de Canhoto __________________________p.144 O universo composicional de Canhoto ___________ p.149 Memória Musical Brasileira: o acervo Ronoel Simões ___ p.157 4.Canhoto: e o violão na América do Sul ____________ p. 169 Canhoto e Carlos Gardel: um encontro possível ______ p.176 O violonista Juan Argel Rodriguez _____________ p. 184 O tango brasileiro e o argentino ________________ p. 189 Agustin Barrios no Brasil _____________________ p. 195 O violão instrumental na America do Sul ____________ p.199 6. Fontes documentais ___________________________ p. 207 7 Considerações iniciais Na virada do século XIX para o XX, o violão brasileiro passou a ocupar um lugar de destaque na música brasileira. De instrumento marginalizado e acompanhador de modinhas e lundus, adentra às principais salas de concerto do país como instrumento solista, tanto da música popular quanto da erudita. Neste momento, surge uma geração de músicos considerada pioneira do violão instrumental brasileiro. Desta geração, um nome se destacou, principalmente pelo seu virtuosismo e por uma particularidade que lhe valeu o apelido. Canhoto, Américo Jacomino não invertia as cordas de seu instrumento, como normalmente faria um violonista com essa característica. Transformou-se então, no Canhoto. Paulistano, filho de imigrantes italianos, pintor de painéis, compositor, instrumentista, professor de violão e funcionário público. É justamente este violonista, na íntima relação com seu tempo, que abordaremos neste trabalho de pesquisa. Para tanto, utilizaremos como fonte documental central, os registros fonográficos de Canhoto, gravados entre 1912 e 1928, e obtidos junto ao colecionador Ronoel Simões. Tratamse de cinqüenta e cinco gravações interpretadas ao violão pelo próprio Américo Jacomino, e dezesseis delas, realizadas com seu conjunto, o Grupo do Canhoto. Neste sentido, o primeiro capítulo de nosso trabalho, será dedicado justamente, a uma reflexão sobre os procedimentos teórico-metodológicos a serem utilizados em um trabalho de pesquisa histórica, onde a música 8 instrumental é o objeto central. Em seguida, no segundo capítulo, abordaremos a trajetória de Américo Jacomino a partir de sua inserção na cidade de São Paulo, os locais onde divulgou sua música, seus parceiros e suas relações com políticos paulistas da década de 1920, particularmente, Carlos de Campos e Júlio Prestes. No terceiro capítulo, refletiremos sobre a obra de Américo Jacomino, particularmente suas gravações e partituras, assim como seu universo sonoro e sua estética musical, por um lado romântica, e por outro moderna. Por fim, no quarto e último capítulo, faremos uma reflexão sobre a música para violão na América do Sul, partindo de uma aproximação das trajetórias de Américo Jacomino e Carlos Gardel, assim como do tango brasileiro e do argentino, para finalizarmos com uma abordagem sobre um dos mais importantes violonistas deste início de século XX, o paraguaio Agustin Barrios, que por sinal, esteve com freqüência no ambiente musical brasileiro. 9 1. A música enquanto objeto de investigação histórica. 10 O primeiro capítulo deste trabalho, tem como objetivo central, refletir sobre os pressupostos teórico-metodológicos, para uma investigação histórica da obra de um violonista que atuou nas primeiras décadas do século XX. Assim, inicialmente, teremos que estabelecer e definir os parâmetros que nortearam o diálogo, por assim dizer, entre a História e a Música. Em seguida, refletiremos sobre a música composta por Américo Jacomino, um violonista que inicia sua carreira tocando em circos, teatros, bares e cinemas, para posteriormente, adentrar nas principais salas de concertos da cidade de São Paulo: o Conservatório Dramático e Musical e o Teatro Municipal. 11 Estabelecer relações entre História e Música a partir de um trabalho acadêmico, representa um desafio considerável. Em parte, acreditamos, pelo fato de que as conecções entre tais áreas ainda não estajam claras. Podemos indagar quais as especificidades e intersecções presentes em uma investigação histórica sobre um período musical, um instrumentista ou compositor ? E quando esse objeto de investigação está situado no campo da música instrumental, como é o caso de nossa pesquisa ? Buscaremos a seguir, refletir sobre tais questões, a partir da reflexão sobre obra de Américo Jacomino, o Canhoto1, e contribuir para a construção de caminhos que possam facilitar as relações entre História e Música. Em relação a produção musical de Canhoto, pretendemos trilhar o caminho da reflexão histórica que investiga um compositor de choro, para, consequentemente, refletir sobre suas composições. Neste ponto, já antecipamos um primeiro desafio, que é o de caracterizar um compositor de choro. Isto pelo fato deste período musical -, que se estende do final do século XIX até consolidação do samba enquanto gênero musical predominante em termos nacionais (final da década de 1920 aproximadamente), e justamente o período onde Canhoto compôs grande parte de suas obras -, ser diversificado e constituído por vários gêneros musicais. Neste sentido, para melhor exemplificar, podemos perguntar: o choro é um período musical, uma forma de tocar ou um 1 Além de Américo Jacomino, outros dois músicos ficaram conhecidos como Canhoto. Waldiro Frederico Tramontano, nascido no Rio de Janeiro em 1908, formou o importante Regional do Canhoto, com a participação dos violonistas Dino e Meira e do flautista Altamiro Carrilho (que substituiu Benedito Lacerda em maio de 1951), entre outros e o compositor e violonista Canhoto da Paraíba, o Francisco Soares de Araújo, que nasceu em Princesa Isabel no ano de 1928. Veio para o Rio de Janeiro em 1959, travando contato com Pixinguinha e Radamés Gnattali, entre outros músicos (Enciclopédia da música brasileira: popular, erudita e folclórica. 2ª ed., São Paulo, Art Editora, Publifolha, 1998, p.147). Neste projeto de pesquisa, cujo recorte cronológico se estende até 1928, faremos referência a Américo Jacomino apenas por seu apelido, Canhoto. 12 gênero musical ? E este mesmo choro, é uma música popular, erudita, ligeira ou de entreternimento, ou conjuga, em parte talvez, estes vários elementos ? Outro foco central de nossa investigação, diz respeito ao contexto histórico da produção musical de Canhoto, que inicia sua carreira em espetáculos ou atos de variedades, onde a música se mesclava com outros manifestações artísticas tais como o circo, o teatro e o cinema, para, de forma paralela, desenvolver um estilo solista de compor e interpretar o violão, chegando, posteriormente aos palcos do Conservatório Dramático e Musical e do Teatro Municipal de São Paulo. Neste início de século XX, São Paulo passou por um processo de urbanização acelerada, onde a atuação do poder público foi acentuada, inclusive -, e este ponto interessa em particular a este trabalho de pesquisa -, em relação às artes. Uma afirmação que ilustra esta relação, foi pronunciada pelo então secretário do interior, Altino Arantes, por ocasião da homologação de um dos marcos desta relação arte política, o Pensionato Artístico do Estado de São Paulo, em 1912: “das elevadas características da civilização de um povo, destaca-se a sua produção artística”.2 Em relação à trajetória artística de Canhoto, também percebemos esta ligação. Inicialmente, com Júlio Prestes, padrinho de sua esposa, Maria Vieira de Moraes, e também com Carlos de Campos, político este que atuou em diversas iniciativas em favor da arte paulista, tais como o teatro, a música, e, muito provavelmente em relação ao cinema. 2 CAMARGOS, A. Marcia. Villa Kyrial – crônicas da Belle Époque paulistana. São Paulo, Editora SENAC, 2001, p.159. 13 Como compositor diletante, teve suas obras apresentadas no Teatro Municipal de São Paulo e do Rio de Janeiro -, fato que provocou duras críticas de Mário de Andrade -, além destas mesmas obras terem sido transmitidas pela programação da Rádio Educadora Paulista, em 1924. Questões teórico-metodológicas O trabalho de pesquisa sobre a música produzida no Brasil das três primeiras décadas do século XX -, marcada pelo predomínio da música instrumental, como é o caso da música de Canhoto -, traz consideráveis desafios para o historiador, inicialmente pela caracterização desta música, no caso o choro; posteriormente por sua relação com outros gêneros musicais, e finalmente, pela delicada questão envolvendo a matéria-prima, por assim dizer, desta música: os acervos musicais. Tais questões perpassaram, de forma central, nossa pesquisa em torno da produção musical de Canhoto, e por isso, necessitam de um reflexão mais detalhada. Iniciaremos nossas reflexões, de cunho mais teórico-metodológico, abordando uma das principais indefinições com que nos deparamos em nossa pesquisa: a conceituação da música produzida no Brasil das primeiras décadas do século XX, ou seja, o choro. Por conta deste fato, recuperaremos, de forma sintética, a reflexão que desenvolvemos por ocasião de nossa pesquisa de mestrado.3 Neste trabalho, procuramos demonstrar que o choro possuí duas raízes centrais: inicialmente, constituiu-se um forma de tocar as músicas em voga no final do século 3 ESTEPHAN, Sérgio. O violão instrumental brasileiro: 1884-1924. Dissertação de mestrado orientada prof. Dr. Antônio Pedro Tota. São Paulo, PUC-SP, 1999. 14 XIX. Assim, inicialmente, o choro foi uma forma que os músicos populares ou de rua, de interpretar, por assim dizer, as músicas de salão apreciadas pela elite social deste momento, oriundas, por exemplo, da atuação “de companhias de teatro musicado europeu no século passado”4 (inicialmente as polcas, e posteriormente mazurcas, valsas, gavotas, etc.). Daí advém sua segunda característica básica: a nacionalização de gêneros europeus em voga no Brasil, certamente, com uma roupagem brasileira, tanto em relação à instrumentação destes conjuntos, formados por violões, cavaquinho e flauta, quanto a mescla, lenta mas constantes, destes gêneros europeus com formas musicais nacionais, particularmente de origem africana, os batuques por exemplo (a contribuição indígina, observada no cateretê por exemplo, foi menor). Segundo o maestro Batista Siqueira, os tocadores de cavaquinho “aprendiam uma polca de ouvido e a executavam para que os violonistas se adestrassem nas passagens modulatórias, transformando exercícios em agradáveis passatempos”.5 Assim, ao nacionalizar certas danças de origem européia, e combiná-las com batuques, fados e lundus, entre outros, criou-se este gênero musical, o choro. Neste momento, esta música tocada por músicos populares, muitas vezes de improviso, deixa de ser apenas uma forma de interpretação, e passa a adquirir uma linguagem própria e nacional. Tais considerações nos permitem adentrar em outro problema a ser enfrentado pelo pesquisador da música brasileira das primeiras décadas do século XX: a questão dos gêneros musicais. Por exemplo, Canhoto possuí uma composição denominada, Viola minha viola, não por acaso, título deste trabalho e analisada adiante, cujo gênero musical aponta: samba 4 5 TINHORÃO, José Ramos. Pequena história da música. São Paulo, Art Editora, 1991, p. 97. Apud. ESTEPHAN, Sérgio. O violão instrumental..., op. cit., p.84. 15 nortista. Quando pesquisamos a respeito deste gênero musical, não localizamos informações que pudessem subsidiar uma reflexão sobre tal gênero. O que percebemos em relação a tais denominações é que, além de uma significativa imprecisão, tais gêneros foram submetidos a interesses dos editores de partituras -, o caso do maxixe e seu sinônimo, por assim dizer, o tango brasileiro, é exemplar -, ou mesmo, da nascente indústria fonográfica do início do século XX. Assim, um trabalho de pesquisa sobre a música do período em questão, terá, a nosso ver, que passar pela análise e, provavelmente, pela reconceituação destes gêneros e expressões musicais. Neste sentido, podemos mencionar o trabalho de pesquisa sobre o maxixe e a música dos “mestres de bandas”, feita por Régis Duprat e concretizado no LP Maxixes.6 Neste trabalho, além da localização de arquivos, “o de Evaristo Tavares Coimbra (1878-1969), mestre da Banda de Santa Cecília, de Pires do Rio, Goiás; do Mestre Henrique Castellari (1880-1949), regente da Banda Musical Saltense durante cincoenta anos, de Salto, São Paulo; e o da Corporação Musical União dos Artistas, de Itú, São Paulo”7, Régis Duprat tece reflexões interessantes sobre este gênero musical, o maxixe, ao caracterizá-lo inicialmente, como um “jeito de dançar”, a polca e o lundu, para aí então, surgir o gênero musical propriamente dito8. Neste momento, Duprat insere o conceito de “gêneros híbridos”, caracterizado “pela inserção de elementos variados, células rítmicas sincopadas (...), pequenos blocos de caminhamento melódico com características próprias , uma 6 Maxixes, Copacabana discos. Direção musical: Régis e Rogério Duprat. Texto de contracapa: Régis Duprat. São Paulo, 1978. 7 Idem. 8 ESTEPHAN, Sérgio. O violão instrumental..., op. cit., p.88. 16 maneira de conduzir a introdução, até pela busca de uma morfologia própria”.9 Dentro desta reflexão, o mesmo autor tece considerações importantes sobre o caráter social da música, por assim dizer. Inicialmente, critica o conceito reduzido e predominante de Música Popular Brasileira, restrita à música desenvolvida “nos grandes centros urbanos de Brasil”, e por isso caracterizado de “urbocêntrico”. Sua proposta é incluir, neste conceito, a música dos “pequenos centros urbanos brasileiros”.10 Nestes locais, a música adquire um conteúdo social significativo, particularmente pela sonoridade das bandas de música do interior, já que possuem “uma estruturação comunitária do lazer que envolve não setores mas toda uma comunidade”, ao contrário das capitais ou metrópoles, em que “a vida comunitária se deteriora gradativamente”, e com ela, desaparecem também as bandas de música cujo repertório já não se adeqüa mais ao gosto cosmopolita internacionalizante. As bandas de música do interior passam a dar continuidade ao processo de desenvolvimento dos gêneros e a preservar as produções anteriores, já que a vida comunitária é muito mais afeta à preservação dos bens culturais do que a cultura cosmopolita, iconoclasta e individualista das grandes cidades. O bem cultural é um bem coletivo, comunitário. Destruindo a vida comunitária, a cidade grande destrói consequentemente, o bem cultural.11 Tais procedimentos exemplificam as dificuldades a serem enfrentadas pelo pesquisador da música brasileira, principalmente quando se procura “trilhar o difícil caminho de documentar uma história pouco conhecida”, onde é “forte a tentação generalizadora”12, como ressalta Elias Thomé 9 Maxixes, Copacabana discos..., cit. Idem. 11 Idem, ibidem. 12 MORAES, José Geraldo Vinci de. Metrópole em Sinfonia. História, cultura e música popular na São paulo dos anos 30. São Paulo, Estação Liberdade, 2000, p.12. 10 17 Saliba, além da dificuldade dos “estudos culturais (...) sair das prisões interpretativas dos contextos econômicos ou sociais ou sócio-culturais que a tudo explicam (ou simplificam) e afinar seu diapasão (...) para uma lógica específica de algumas manifestações ‘populares’ – lógica marcada pela contradição e pela ambiguidade”, e também “pelo encontro cultural” e circularidade entre cultura erudita e popular”13, o que Saliba denomina de “desafios heurísticos para o históriador da cultura”.14 Outro aspecto a ser ressaltado, é a falta de acúmulo, por assim dizer, já que “os trabalhos investigativos nessa área da história social e cultural que principalmente trata nos da música temas permanece relacionados à pouco explorado, música popular”15. Acreditamos que o processo é acumulativo, uma construção, onde cada ramo do conhecimento contribui dentro de sua especificidade, para, em seguida, cada peça ser processada, por assim dizer, pelo pesquisador. Assim, a investigação deixará de ser “unilateralmente sociológica, psicológica ou linguística, para utilizar livremente os elementos capazes de conduzirem a uma interpretação coerente”.16 Roger Chartier observa que um trabalho interdisciplinar supõe “uma identidade estável e distinta entre as disciplinas que firmam aliança”, além de ser “um recorte inédito do objeto que está proposto, 13 SALIBA, Elias Thomé. Perspectiva para uma historiografia cultural. In. Revista ‘Diálogos’. Universidade Estadual de Maringá, 1997, p.16. 14 Idem. 15 MORAES, José Geraldo Vinci de. Metrópole em Sinfonia. História, cultura e música popular nos anos 30. São Paulo, Estação Liberdade, 2000, p.27. 16 CANDIDO, Antônio. Literatura e sociedade. Publifolha ‘Grandes nomes do pensamento brasileiro’, 2000, p. 9. Vale ressaltar, por outro lado, a observação do mesmo autor, quando critica o “sociologismo crítico”, e sua “tendência devoradora de tudo explicar por meio de fatores sociais” (idem). 18 implicando a unidade do questionário e do procedimento, qualquer que seja a origem disciplinar dos que os partilham”.17 Neste sentido, vale ressaltar as considerações do musicólogo Ibaney Chasin, ao relacionar “o sentido musical da forma-sonata beethoveniana (...) e demonstrar como sua organicidade ou relações musicais estão fundadas e querem expressar os dilemas que permeiam o homem burguês”.18 Segundo o mesmo autor, “a arte se efetiva como rigorosa e profunda refiguração da lógica da vida”19 e adverte para a necessidade de “evitar o eco de uma sugestão mecanicista, e afirmar que não se está traçando um paralelo linear entre drama e colisões de classes sociais”.20 Para Chasin, os dois movimentos iniciais da forma-sonata, expressam a “instauração de um conflito polar entre forças distintas (as regiões de tônica e dominante), e a ‘concreção ou desenvolvimento desse conflito posto”.21 Já em relação ao terceiro e último movimento, a reexposição, “sua função é a de configurar a “superação do conflito”, ou seja, “eliminar a contraposição tonal, tão somente dissolver o confronto entre tônica e dominante”.22 Segundo Chasin, a verdade possível da Reexposição é a verdade possível de um momento histórico concreto – a conciliação que a sustenta e a empobrece é produto de uma lógica humana-societária que não continha ou podia conter a radicalização trágica (...). Beethoven era filho de seu tempo. Filho de uma época que confiava nos ideais 17 CHARTIER, Roger. O mundo como representação. In. Revista ‘Estudos Avançados’, nº11, vol. 5, 1991, p.179. 18 CHASIN, Ibaney. A forma-sonata beethoveniana. O drama musical iluminista. In. Revista ‘Ad Hominem’, nº1, Tomo II – Música e Literatura. São Paulo, Estudos e Edições Ad Hominem, 1999, p. 138. 19 Idem, p. 140. O mesmo autor explicita o termo refiguração, “entendida como reordenação categorial do objeto, que produz a explicitação de sua real organicicidade, e não simplesmente como reprodução aparencial ou fenomênica” (Idem, ibdem). 20 Idem, p.139. 21 Idem, p.143. 22 Idem, p.145. 19 da revolução e não poderia idear ou pespectivar para além deles. Significa que não admitiria ou mesmo reconheceria uma superação das contradições da vida a não ser 23 e pela própria organicidade burguesa. Tais questões propostas por Chasin, que acreditamos sintetizar bem as conecções entre História e Música buscadas por nossa pesquisa, nos remetem ainda, a reflexões acerca da estrutura do choro, base do repertório de Canhoto. Segundo o pianista e compositor Wagner Tiso, “o padrão clássico do choro vem da valsa chopiniana: usa a fórmula ABACA”24, resultando numa “fusão da valsa de Chopin com a música que já se desenhava no Brasil, quando surgiu o choro”.25 Assim, podemos pensar que as reflexões citas acerca da formasonata, encontram pertinência no choro, onde o conflito tônicadominante, também é apresentado em seu início e superado, por assim dizer, ao final. Entendemos que Canhoto, como mencionamos acima ao citar o musicólogo Ibaney Chasin, também trilhou a “verdade possível de um momento histórico concreto”. O que pretendemos ressaltar é que desenvolveremos esta pesquisa, partindo do pressuposto que Canhoto, como todo artista em geral, foi filho de seu tempo, e que por isso, também viveu as contradições, as limitações e os avanços de sua época. Neste sentido, vale ressaltar as considerações de Theodor W. Adorno, particularmente em sua obra, Idéias para uma sociologia da 23 Idem, p. 146 / 147. Choro, chorões e chorinho. ‘O Estado de São Paulo’, 17/09/1995, D-4. Sobre a citada fórmula ABACA, Ricardo Cardim exemplifica, ao refletir sobre a música de Zequinha de Abreu, que “todos os seus choros são divididos em três seções, que classificamos como A, B e C. Cada uma delas está escrita numa tonalidade diferente, mas sempre vizinhas”. Ao final das seções B e C, completa Cardim, “há um retorno para a seção A (...) que sempre se repete entra as outras duas e com o qual a música se inicia e termina” (CERQUEIRA, Ricardo Cardim. Zequinha de Abreu: além do Tico-Tico no Fubá. Dissertação de Mestrado, UNESP/Instituto de Artes, Orientação: Prof. Dr. Alberto T. Ikeda, 2005, p.82). 25 Idem. O mesmo autor esclarece o tipo de fusão citada, onde ocorre uma ampliação “das possibilidades, respeitando o padrão-terra que você tenha”, ao contrário da “fusão condenável que é a do pop, que é feita para agradar o público e descaracteriza as músicas envolvidas” (idem). 24 20 música, onde reflete sobre o caráter social da produção musical, afirmando: O compositor não só está preso às condições objetivas da produção, como a sua façanha mais pessoal (...) O sujeito da composição não é individual, mas coletivo. Toda a música, que seja a mais individualista pelo estilo, tem uma substância irredutivelmente social: qualquer tom diz ‘nós’.26 Mário de Andrade enfatizou este diálogo entre a produção musical e seu contexto histórico. Para tanto, a música estaria em uma condição privilegiada, já que é considerada “a mais coletivista de todas as artes, exigindo a coletividade para se realizar, quer com a coletividade dos intérpretes, quer com a coletividade dos ouvintes”.27 O mesmo autor completa esta reflexão, afirmando a impossibilidade de surgir no Brasil “um êmulo de Palestrina ou Bach por esses tempos coloniais”, e, mesmo que surgisse, “a música dele, não existiria absolutamente. Porque a Colônia não poderia nunca executá-la”, e exemplifica, caracterizando a habilidade técnica do Padre José Maurício Nunes Garcia: “medíocre”.28 Francisco Curt Lang por sua vez, considera este músico carioca, “a primeira coluna do edifício sonoro do Brasil”, e improvável que estivesse “circundado por músicos mediocres e um meio musical pobre”.29 O maestro Júlio Medaglia caminha na mesma direção, quando comenta a respeito da música mineira do século XVIII. Baseado nas pesquisas do mesmo Curt Lang, iniciadas em 1934, quando inclusive 26 ADORNO, Theodor W. “Idéias para uma sociologia da música”. In: BENJAMIM, Adorno, Horkheimer, Habermas. Coleção: Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1980, p. 265. 27 ANDRADE, Mário. “Evolução social da música no Brasil”. In. Aspectos da música no Brasil. São Paulo, Livraria Martins, 1939, p.18. 28 Idem, p.19. 21 trava “estreito contato com Mário de Andrade”, Júlio Medaglia comenta a respeito da alta qualidade desta produção: O contraponto era impecável; a condução das linhas instrumentais revelavam uma habilidade artesanal de alto nível; o uso do texto e da ‘Teoria dos afetos’, a qual ressaltava através de efeitos musicais o conteúdo literário, era de uma invenção e inteligência comparáveis aos mestres europeus de música religiosa E o maestro Júlio Medaglia foi mais longe: Quando Beethoven, em 1800, por exemplo, dentro dos mais clássicos moldes da instrumentação e harmonia, iniciou sua primeira sinfonia com um acorde de dó maior com sétima, o que representava, para a época, um fato especial (ainda que a dissonância estivesse bem ‘acondicionada’ pelas outras vozes) provocou a maior celeuma, passando a ousadia a ser citada no mais elementar compêndio de história da música como uma das evidências do gênio do mestre de Bonn. Vinte anos antes, porém, um obscuro mulato em meio ao ‘sertão brasileiro’ (...) inicia a terceira parte de uma Antífona à Nossa Senhora com uma acorde de fá sustenido, dó, mi bemol, lá sem a menor preparação ou base harmônica. Um acorde de dupla dominante e duplamente alterado, escrito para coro e orquestra, fato que também vem provar a habilidade dos cantores incumbidos de entoar a nota musical correspondente, num acorde de dois trítonos.30 Mário de Andrade considera ainda, a Primeira Grande Guerra fundamental para que nossa “música nacionalista se afirmasse, não como fora ainda com Alexandre Levy e Alberto Nepomuceno, mas como tendência coletiva”.31 Segundo o autor de Macunaíma, e “sempre do ponto de vista social”, a nacionalidade seria a terceira etapa de um curioso caminho para a música brasileira, que denomina de “desenvolvimento lógico”, a saber: “Primeiro Deus, em seguida o 29 LANG, Francisco Curt. “Música erudita na Regência e no Império”. In: História geral da civilização brasileira, Vol.: 2, São Paulo, Bertrand Brasil, 1987, p. 369. 30 MEDAGLIA, Júlio. Música impopular. São Paulo, Global, 1988, p.195. 31 ANDARDE, Mário. “Evolução social da música no Brasil”. In. Aspecto..., op. cit., p.32. 22 amor, e finalmente a nacionalidade”.32 Neste primeiro momento, a música, ou mais exatamente o canto místico dos jesuítas, funcionava também como elemento de religião, isto é, de religação, de força ligadora, unanimizadora, defensiva e protetora dos diversos indivíduos sociais que se ajuntavam sem lei nem rei no ambiente imediatamente post-cabralino.33 Com a fixação “de certos centros urbanos”, Mário de Andrade assinala que a música adquire outra função: “morre o Deus verdadeiro da primitiva coletividade” e nasce outro, igualzinho ao primeiro na aparência, mas com outros princípios: um Deus singularmente escravocrata, que repudiava a escravidão do índio mas consentia na do negro, um Deus gostoso, triunfal, cheio de enfeites barrocos e francamente favorável ao regime latifundiário que continuou na mesma função de goma-arábica e cola-tudo da coletividade.34 Surge, então, um dos importantes nomes de nossa música: Francisco Manuel da Silva, em um Brasil dominado por um imperador “preguiçosamente ditatorial”.35 Segundo Arnaldo Contier, tal periodização fez parte de um projeto que visou a criação “de um novo ‘marco zero’ da História”.36 Em outra publicação de Mário de Andrade, Marcelo Tupinambá, de 1924, e reunido em seu Música, doce música, a música é relacionada ao “despontar da consciência nacional,” que, “se alguma vez já se manifestou com eficiência na arte, unicamente o fez pela música”.37 32 Idem, p.19. Idem, p.23. 34 Idem, ibidem. 35 Idem, p.26. 36 CONTIER, Arnaldo D. Modernismo e brasilidade: música, utopia e tradição. In. NOVAES, Adalto (org.) Tempo e História. São Paulo, Secretaria Municipal da Cultura/Cia das Letras, 1992, p.277. 37 ANDRADE, Mário. Marcelo Tupinambá. In: Música doce música. São Paulo, Martins, 1976, p.115. 33 23 A respeito das ligações entre História e Música, o historiador Arnaldo Contier comenta que cada cultura, “constrói e organiza o seu material musical dentro de uma ordem natural que varia de um grupo ou de uma classe social para outra, e que se modifica no decorrer do processo histórico”.38 O etnomusicólogo Alberto Ikeda observa que a música, nas comunidades afastadas dos grandes centros urbanos, “são um instrumento de identidade destas comunidades; sua prática ou repetição são ancentrais e identificam tais comunidades”.39 O musicólogo Régis Duprat, no texto de contracapa que acompanha o LP Maxixes40, tece considerações importantes sobre o caráter social da música, por assim dizer. Inicialmente, discute e critica o conceito reduzido e predominante de Música Popular Brasileira, restrita à música desenvolvida “nos grandes centros urbanos de Brasil”, e por isso caracterizado de “urbocêntrico”. Sua proposta é incluir, neste conceito, a música dos “pequenos centros urbanos brasileiros”.41 Nestes locais, a música adquire um conteúdo social significativo, particularmente pela sonoridade das bandas de música do interior, já que possuem “uma estruturação comunitária do lazer que envolve não setores mas toda uma comunidade”, ao contrário das capitais ou metrópoles, em que “a vida comunitária se deteriora gradativamente”, e com ela, 38 CONTIER, Arnaldo Daraya. Brasil novo e modernidade: os anos 20 e 30. Tese de Livre Docência, FFLCH/USP, 1988, p. XIV. 39 Vereda. Caminhos da etnomusicologia, com Alberto Ikeda. Rádio Cultura FM, 14/07/2003. Acervo: particular. Segundo a mesma fonte, a etnomusicologia, “ramo da musicologia, estuda as sociedades de pequena escala ou tradicional” (idem). 40 Maxixes, Copacabana discos. Direção musical: Régis e Rogério Duprat. Texto de contracapa: Régis Duprat. São Paulo, 1978. 41 Idem. 24 desaparecem também as bandas de música cujo repertório já não se adeqüa mais ao gosto cosmopolita internacionalizante. As bandas de música do interior passam a dar continuidade ao processo de desenvolvimento dos gêneros e a preservar as produções anteriores, já que a vida comunitária é muito mais afeta à preservação dos bens culturais do que a cultura cosmopolita, iconoclasta e individualista das grandes cidades. O bem cultural é um bem coletivo, comunitário. Destruindo a vida comunitária, a cidade grande destrói consequentemente, o bem cultural.42 Na mesma linha de reflexão, o historiador José Geraldo Vinci de Moraes comenta que as festas “populares religiosas e profanas” acabam se esvaziando ou desaparecendo, na medida em que o centro urbano torna-se “mais definido”.43 O cavaquinista e pesquisador Henrique Cazes também caminha nesta linha de reflexão, quando destaca “a importância social da Banda do Asilo de Meninos Desvalidos” de onde vieram Francisco Braga, “o Chico dos Hinos, Paulino Sacramento - que seria o primeiro maestro a reger o músico Pixinguinha - e Albertino Pimentel, conhecido como Carramona e autor da sempre lembrada polca Coralina”.44 Citando a obra, A música como fator de cultura de um povo, de Oswaldo Passos Cabral, (sem referência de editora ou data), o mesmo Henrique Cazes destaca que em 1870 existiam cerca de três mil bandas em todo país, que “cada cidadezinha tinha pelo menos uma corporação civil ou militar”. 45 Finalizando estas reflexões sobre Música e História, vale refletir, mesmo que sucintamente, sobre esta relação nos dias atuais. Centrando suas considerações no campo da música popular, “que enfrentou (...) a ditadura militar” produzindo obras primas “e, agora, finge desconhecer 42 Idem, ibidem. MORAES, José Geraldo Vinci. Sonoridades paulistanas. Rio de Janeiro, FUNARTE, 1995, p.70. 44 CAZES, Henrique. Do quintal ao Municipal. São Paulo, Ed. 34, 1998, p.30. 45 Idem. 43 25 as imposições ainda mais perversas dessa outra ditadura, a mercadológica”46, o maestro Júlio Medaglia identifica um processo de “imbecilização coletiva” e explica: Música transformou-se no mais rendoso objeto comercial para grandes maquinas de comunicação, que prefiriram reduzir o mais possível o espectro do repertório, e o nível da qualidade, a fim de ganharem mercado cada vez maiores e o 47 mais rapidamente possível. Júlio Medagia, que em 2003 relançou seu Música Impopular, comenta que o decorrer do século XX, em termos musicais, “uma verdadeira marcha ré no tempo”48, foi o mais revolucionário e acaba como o mais reacionário, ou, na frase que resume esta trajetória conservadora e que dá título ao um dos capítulos acrescidos desta reedição: Da Belle Époque à Belle Merde. Em relação ao universo da música erudita, o compositor Gilberto Mendes lança um alerta: “Há uma possibilidade de a música erudita desaparecer (...). A música popular está tirando todo o espaço da música erudita, sobretudo a de vanguarda (...). Não interessa para a grande mídia. Não dá dinheiro. Já a popular, sim e estão na mídia por decorrência disso”.49 O compositor e idealizador do Festival Música Nova desde sua criação, em 1962, chama a atenção para o que considera uma desinformação generalizada, ao afirmarem que “os sucessores de VillaLobos são Edu Lobo e Tom Jobim. E Camargo Guarnieri e Francisco Mignone ? E Jorge Antunes e Almeida. Veja, não se fala dessa 46 Jornal, ‘Folha de S. Paulo’, 29/07/2002, A3. Revista ‘Caros Amigos’. São Paulo, Ed. Casa Amarela, abril de 1997, p.14. 48 Idem. 49 Jornal ‘O Estado de S. Paulo’, 21/10/2001, p. D3. 47 26 produção e ainda a substitui pela popular, como se tudo de erudito se resumisse a Chico Buarque e Caetano Veloso”.50 E conclui: “Para a intelectualidade brasileira, Gilberto Gil e Caetano Veloso são considerados compositores de vanguarda”.51 O poeta Augusto de Campos, por ocasião do lançamento de seu livro, Música de invenção, aponta para o reduzido espaço da música contemporânea: Na verdade, a mídia, movida pelo mercado, nega sistematicamente espaço à música contemporânea, no pressuposto de que ela interessa a poucos, não vende. Estações de rádio, publicações e concertos de música erudita reservam espaço mínimo para a música contemporânea, 5% de suas programações (...). Acuados pela mídia e pelo público, intérpretes e maestros, maestros e orquestras se amedrontam e só programam música classica e romântica, de preferência a mais surrada, ou arranjos de música popular. 52 Quanto à distância do público em relação à música comtepoerânea, Augusto de Campos comenta: “O ocidental é bombardeado do berço à tumba, por música tonal e convencional. Não é educado para ouvir música como forma de conhecimento, mas só como ‘música ambiente’, para dançar ou namorar.”53 Para o pianista Arnaldo Cohen, a situação é ainda mais grave. Ainda em relação ao universo da música erudita, Cohen é taxativo: “é um hipermercado onde quem manda é o consumidor”.54 Vale ressaltar que Arnaldo Cohen se transferiu para os Estados Unidos em 2004, onde 50 Idem. Na mesma reportagem, Gilberto Mendes identifica tal situação como um reflexo “da luta de classe do marxismo, entre duas categorias profissionais: a erudita e a popular”. 51 Revista ‘Concerto’, junho de 1997, p.10. Neste sentido, Gilberto Mendes exemplifica: “Participei em bancas e debates com artistas consagrados Gianfrancesco Guarniere e a escritora como Lygia Fagundes Telles. Pois visivelmente eles não tinham a menor idéia de quem era eu, o que fazia” (Jonal ‘O Estado de São Paulo, 17/04/2005, D5). 52 ‘Jornal da Tarde’, 31/01/1999, p.6D. 53 Idem, 54 Jornal ‘Folha de S. Paulo’, 7/03/1997, p.4-3. 27 foi convidado pela Universidade de Indiana para ser professor vitalício. Ao partir para os Estados Unidos, foi incisivo: Colhemos ainda os frutos de uma péssima política, e acho que o desafio para um Brasil melhor reside na nossa competência em desenvolver softwares que nos libertem de vírus ‘comportamentais’. Do tipo ACM@Brasil – essa sigla quer dizer Anomalia Comportamental quase Medieval, em que manda quem pode e obedece quem tem juízo. Esse vírus torna o país mais ‘físico’ que ‘jurídico’. Ele se propaga em muitos setores da sociedade, em que um simples ‘eu não gosto dele’, desprovido de qualquer conteúdo, pode ser o suficiente para alienar e prejudicar 55 bons profissionais. E completa: “Outros exemplos ‘ACM’: a Sociedade Cultura Artística. É subsidiada pela Lei Rouanet (...). Grande parte desse dinheiro tem como destinos bancos americanos ou europeus”.56 Em termos de criação musical contemporânea, as perspectivas também não são boas. No campo da música popular, José Ramos Tinhorão prevê uma mudança qualitativa na ordem das relações “entre criadores artísticos e indústria”, com a presença “cada vez menor da criação artística individual e da participação viva de instrumentistas na produção de música popular”.57 O maestro Júlio Medaglia caminha na mesma direção quando comenta: “(...) da verba de produção, gasta-se apenas 20% na parte artística e 80% para entulhar o mercado com essa mercadoria que não faz juz ao grande passado musical deste país”.58 Arnaldo Cohen por sua vez, classifica a era CD, por assim dizer, como uma ‘mentira’, ao comentar: 55 Jornal ‘Folha de S. Paulo’, 20/04/2004, p. E1. Arnaldo Cohen cita como exemplo sua exclusão da programação da Orquestra Sinfônica Brasileira, quando “seu diretor musical, o argentino-israelense Yeruham Scharovsky, me conferiu o diploma de ‘persona non grata’ (Idem). 56 Idem. 57 Revista ‘USP’, São Paulo, nº40, dezembro/fevereiro de 1998-99, p.30. 58 Jornal ‘Folha de S. Paulo’, 29/07/2002, p. A3. 28 Com todas as edições, com as exigências do mercado, ele precisa que não haja nenhum erro ou nota esbarrada. Antigamente era impossível, você tinha uma chance só para gravar. O público compra um CD perfeito , e a pergunta que fica no ar é: você é capaz de fazer aquilo ao vivo ? Não – assino embaixo. Duvido. Ninguém. Pode acontecer uma vez em mil. Por exemplo, os estudos de Chopin – soube que o Nelson Freire gravou. Fantástico. Ele toca isso em público ? Se tocar, vou lá assistir. Ele é capaz de fazer ao vivo o que faz no disco ? Eu garanto: não. Nem ele, nem eu, nem ninguém. 59 A incorporação da atividade musical enquanto objeto de investigação histórica, nos leva a pensar na música, também enquanto uma prática cultural, por assim dizer. Roger Chartier em seu, A história cultural: entre práticas e representações, fornece alguns elementos para refletirmos sobre essa relação. Nesta publicação, composta por oito ensaios e publicados entre 1982 e 1986, vamos nos ater ao texto introdutório, “Por uma sociologia das práticas culturais” e também ao primeiro capítulo, “História intelectual e história das mentalidades”. Cabe ressaltar que Chartier não reflete diretamente sobre a prática musical. Chega a citá-la em alguns momentos, por exemplo, quando comenta a respeito da relação “entre um público” e o que classifica como “produtos historicamente diversos”, tais como “livros e imagens, sermões e discursos, canções, fotonovelas ou emissões de televisão”.60 Chartier, então, critica enfaticamente uma apropriação unilateral ou absoluta de uma determinada obra ao afirmar: Ler, olhar ou escutar são, efetivamente, uma série de atitudes intelectuais que longe de submeterem-se o consumidor à toda-poderosa mensagem ideológica e/ou estética que supostamente o deve modelar - permitem na verdade a reapropriação, o desvio, a desconfiança ou resistência.61 59 Jornal ‘Folha de S. Paulo’, 20/04/2004, p. E1. CHARTIER, Roger. A história cultural – entre práticas e representações. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1990, p.60. 61 Idem, p. 59. 60 29 Destacamos inicialmente suas considerações sobre a importância estabelecida em torno das práticas culturais e, conseqüentemente, em rebater a posição secundária desta reflexão, particularmente no campo historiográfico: As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas. Por isso esta investigação sobre as representações supõe-nas como estando sempre colocadas num campo de concorrência e de dominação. As lutas de representação têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõem, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são seus, e o seu domínio.62 Dentro do que é denominado história cultural63, Chartier propõe um campo de trabalho específico, a partir da “emergência de novos objetos no seio das questões históricas”64, em que é repensada, completamente a relação tradicionalmente postulada entre o social, identificado com um real bem real, existindo por si próprio, e as representações, supostas como refletindo-o ou dele se desviando.65 62 Idem, p.17. Ocupar-se destes conflitos, completa Chartier, “não é, portanto, afastar-se do social como julgou durante muito tempo uma história de vistas demasiado curtas -, muito pelo contrário, consiste em localizar os pontos de afrontamentos tanto mais decisivos quanto menos materiais” (Idem). 63 Segundo Chartier, a história cultural deve ser pensada “como a análise do trabalho de representação, isto é, das classificações e das exclusões que constituem, na sua diferença radical, as configurações sociais e conceptuais próprias de um tempo ou de um espaço” (Idem, p.27). 64 Idem, p.14. Objetos estes exemplificados: “atitudes perante a vida e a morte; as crenças e os comportamentos religiosos, os sistemas de parentescos e as relações familiares, os rituais, as formas de sociabilidade, as modalidades de funcionamento escolar, etc.” 65 Idem, p.27. 30 Toda esta prática diferenciada, ou então “esta nova divisão do trabalho histórico”66, tem por objetivo “acabar com os falsos debates desenvolvidos em torno da partilha, tida como irredutível, entre a objectividade das estruturas (...) e a subjetividade das representações”.67 Justamente neste ponto, acreditamos que as reflexões do historiador Raymond Williams, particularmente em seu Marxismo e literatura, são, a nosso ver, além de densas e intrincadas, muito relevantes, justamente por rediscutir termos como superestrutura e infra-estrutura, entre outros. Ao contrário de Chartier, Williams trabalha na perspectiva de uma Teoria Cultural, a partir da revisão de determinados conceitos originários do marxismo. O próprio termo Conceito, é inicialmente refletido e entendido como “movimentos históricos ainda não definidos”, citando como exemplos, “Sociedade, economia e cultura (...), formulações históricas relativamente recente”.68 E completa: “No desenvolvimento moderno, os três conceitos não se moveram no mesmo ritmo, mas cada um deles, num ponto crítico, foi afetado pelo movimento dos outros”.69 Williams, da mesma forma que Chartier na citação acima, também identifica que o conceito “de cultura, definindo a ‘vida intelectual’ e as ‘artes’, foi comprometido pela evidente redução a uma condição de ‘superestrutura’”.70 É justamente nesse ponto, que Williams parte para uma rediscussão, e até reconstrução, dos conceitos marxistas, 66 Idem, p.62. Idem, p.18. Chartier conclui esta reflexão observando que esta “clivagem atravessou profundamente a história, mas também outras ciências sociais, como a sociologia ou a etnologia”. 68 WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro, Ed. Zahar, 1979, p.17. 69 Idem, p. 18. 70 Idem, p.25. 67 31 começando justamente por Infra-estrutura e Superestrutura, primeiro tópico de sua Teoria Cultural.71 Examinando inicialmente a máxima marxista, que situa, por assim dizer, “uma infra-estrutura determinante e uma superstrutura determinada”, a partir da “fonte dessa proposição”72, o prefácio de Marx em sua Contribuição à Crítica da Economia Política, de 1859, Williams conclui que “muita coisa se deduziu a partir dessa formulação”, e que tal citação de Marx, “dificilmente poderia ser considerado como um ponto de partida óbvio para qualquer teoria cultural”73, chegando a afirmar, por “ironia”, que “a força da crítica original de Marx se voltava principalmente contra a separação das áreas de pensamento e atividade (como na separação entre a consciência e a produção material)”.74 O que pretendemos ressaltar, a partir das reflexões de Chartier e Williams, é o insuficiente entendimento acerca das questões culturais, por assim dizer, fato que nos diz respeito diretamente, na medida em que nosso objeto de pesquisa é um violonista e compositor de choros. Raymond Williams menciona algumas explicações para este insuficiente entendimento. Um deles, seria a “transição de Marx para o marxismo, e em seguida, no desenvolvimento de formulações expositivas e didáticas”, onde “as palavras usadas na argumentação original foram projetadas, primeiro, como se fossem conceitos 71 Antes disso e não menos importante, Williams rediscute, os chamados ‘Conceitos Básicos’, Lingua, Literatura, e por fim, Ideologia, para, aí sim, adentrar em sua ‘Teoria Cultural’. 72 Idem, p. 79. 73 Idem, p.80. Williams posteriormente recupera “um uso anterior, por Mrx, do termo ‘superestrutura’”, no Dezoito do Brumário de Luís Napoleão, onde o historiador inglês observa “um uso claramente diferente”, do que foi entendido posteriormente (Idem, p.81). 74 Idem, p.82 32 precisos”, gerando “categorias relativamente fechadas”75, ou, “entidades concretas separáveis”.76 Levanta ainda, problemas com a tradução “na explicação inglesa” do termo ‘base’, “traduzido em outras linguas com variações significativas (em francês, habitualmente como infrastructure, em italiano como struttura)”.77 O mesmo autor observa ainda, que nas “sociedades capitalistas adiantadas”, está “fora de cogitação isolar a ‘produção’ e ‘indústria’ da produção comparavelmente material da ‘defesa’, ‘lei e ordem’, ‘bem-estar’, entreterimento’ e ‘opinião pública’”, deixando assim. “de forma mais conspícua, de compreender o caráter material da produção de uma ordem cultural. O conceito de ‘superestrutura’ não foi então uma redução, mas uma evasão”.78 Por fim, Williams ressalta a inadequação dos termos ‘comunicação de massa’, na medida em que “neutraliza as estruturas específicas de classe”, da mesma forma que ‘manipulação de massa’, considerado uma “estratégia operativa na publicidade e na política capitalista”, já que “substitui e neutraliza as interações complexas de controle, seleção, incorporação e as fases da consciência social que correspondem a situações e relações reais”.79 Ainda refletindo sobre a importância das práticas culturais, o historiador Nicolau Sevcenko, em texto de 1996 (o texto de Williams é 75 Idem, ibdem. Idem, p.85. 77 Idem, p.81. 78 Idem, p.96. Nesse sentido, o mesmo autor exemplifica: “Assim, um piano é uma mercadoria; a música não o é (ou não era)” (Idem, p.97). 79 Idem, p.139. Nesse sentido, o mesmo autor propoem a incorporação “do que aprendemos a chamar de ‘sistema de signos’, contribuição da semiótica cultural, que é, “em si uma estrutura específica de relações sociais”. E completa: “O trabalho que se realiza atualmente sobre a fotografia, filme, livro, pintura e sua reprodução no fluxo de imagens da televisão, para tomarmos apenas os exemplos mais imediatos, é uma Sociologia da Cultura nessa nova dimensão, da qual nenhum aspecto de um processo é excluído e na qual as 76 33 de 1971, sendo a tradução de 1979), observa que, “não sobram dúvidas que a dimensão cultural assumiu um relevo preponderante no encaminhamento das tensões sociais e das transformações históricas”.80 O mesmo autor ressalta que , “se na atualidade tudo é cultura, e a cultura se condensa em redes intrincadas de imagens, a prática política por excelência é a crítica cultural, exercida como enfrentamento do poder aliciante e agenciador da imagem”, propondo, nesse sentido, o termo ‘ocultura’, que significa “a guerra de guerrilhas contra o poder mistificador da imagem”, ou ainda, “o esforço deliberado para operar conceitualmente fora do enquadramento no império da imagem”.81 Mas qual o tipo de abordagem que o historiador deve adotar, quando reflete sobre uma determinada produção cultural? Sobre esta questão, Roger Chartier enfatiza a necessidade de um rompimento com a antiga idéia que dotava os textos e as obras de um sentido intrínseco, absoluto, único - o qual a crítica tinha a obrigação de identificar -, dirige-se às práticas que, pluralmente, contraditoriamente, dão significado ao mundo.82 Para este autor, uma obra só adquire sentido pela “diversidade de interpretações que constróem as suas significações”.83 Nem a própria interpretação do autor, “encerra em si a ‘verdade’ suposta como única e permanente da obra”.84 Outra reflexão de Chartier, pertinente ao nosso trabalho de pesquisa, diz respeito a distinção entre popular e erudito, relações ativas e formativas de um processo, até os seus ‘produtos’ ainda ativos, são específica e estruturalmente ligada – ao mesmo tempo uma Sociologia e uma estética” (idem, p.142). 80 Jornal ‘Folha de S. Paulo’, 14/04/1996, p.5-5. 81 Idem. 82 CHARTIER, Roger. A história cultural – entre práticas...,op. cit., p. 56. 83 Idem. 84 Idem, ibdem. 34 ou, mais precisamente, na fragilidade desta divisão. Segundo esta linha de reflexão, interpenetram-se todas as formas culturais nas quais os historiadores reconhecem a cultura do povo surgem sempre, hoje em dia, como conjuntos mistos que reúnem, numa meada difícil de desembaraçar, elementos de origens bastante diversas.85 Ao refletirmos sobre a produção musical de Agustin Barrios, o principal nome do violão instrumental do período, e que, como já vimos, travou contato com o próprio Américo Jacomino “durante a década de 20”86, teve como fonte, ou universo composicional, a música folclórica e popular do Paraguai, mescladas com influências européias e americanas. Se analisarmos ainda, a série de obras compostas por Heitor VillaLobos em sua Suíte popular brasileira87, verificaremos a mesma combinação, ou seja, da música brasileira com as músicas e danças européias. Não é outro o universo composicional de Américo Jacomino. Uma análise sobre sua produção musical revela-nos a mesma matriz do universo folclórico e popular do Brasil associada (ou não) a influências européias e americanas. Por outro lado, a produção musical deste violonista e compositor teve como público majoritário freqüentadores de bares, cafés, restaurantes, ou seja, um público situado nas baixas camadas da sociedade paulistana, de onde ele próprio era originário. O que pretendemos enfatizar, é que a produção musical de Canhoto possui elementos populares e eruditos, ou, segundo a expressão citada de Chartier, “conjuntos mistos”. Vale mencionar o exemplo citado por 85 Idem, p.56. Agustin Barrios. Rádio USP FM. Programa idealizado e apresentado pelo professor Edelton Gloeden, em 4 e 11/3/1996. Acervo: particular. 86 35 Chartier, ao investigar a prática da leitura “nas sociedades de Antigo Regime”, ao afirmar: “Mais do que se admitiu por muito tempo, é exatamente dos mesmos textos que se apropriam os leitores populares e os que não o são”.88 Podemos refletir acerca do universo musical de Canhoto, ao gravar de maxixes a Carlos Gomes, passando por tangos argentinos, marchas de carnaval, e todo o rico e diversificado horizonte do que é denominado (de forma reduzida, a nosso ver) o choro. Nesta linha de reflexão, podemos pensar ainda, nos conceitos utilizados por Nestor Cancline: ‘hibridação’ ou culturas híbridas, a partir das considerações a respeito da inadequação da “oposição entre o tradicional e o moderno, o culto, o popular e o massivo”, e completa: “É necessário demolir essa divisão em três pavimentos, essa concepção em camadas do mundo da cultura”.89 Podemos pensar ainda que o choro se constituiu em um gênero musical híbrido por definição, na medida em que mesclou influências européis, africanas e até indíginas, ainda nas primeiras décadas do século XX. Assim, não nos preocuparemos em definir o caráter da obra de Canhoto. Procuraremos sim, resgatar tanto a especificidade quanto o cruzamento, quer da chamada música erudita e popular, quer da música urbana e rural ou sertaneja, já que, como ressaltou o violonista Fábio Zanon, música popular e erudita no Brasil é “uma divisão que no Brasil só se constitui nos anos 30”, sendo mais apropriado, neste início de século XX a denominação de música “urbana e rural ou sertaneja”.90 87 Formada pelas seguintes peças: Mazurca-choro, Schottisch-choro, Valsa-choro, Gavota-choro, compostas entre 1908 e 1912, e o Chorinho, composta em Paris no ano de 1923. 88 CHARTIER, Roger. O mundo como representação. In. Revista ..., op. cit., p.181. 89 CANCLINE, Nestor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 3ª ed. São Paulo, EDUSP, 2000, p.19. 90 A arte do violão: Américo Jacomino. Programa produzido e apresentado em 10/05/2006 pelo violonista Fábio Zanon. Rádio Cultura FM. Acervo: particular. 36 Vale ressaltar ainda, a indagação do musicólogo Paula Castagna, quando reflete sobre o caráter, por assim dizer, da obra de Canhoto: “Popular ou erudito? Talvez, ambos...”.91 91 CASTAGNA, Paulo & ANTUNES, Gilson. O violão brasileiro já é uma arte (1916). Revista ‘Cultura Vozes, nº1, jan./fev. 1994, p. 40. Se pensarmos nas expressões alto e médio repertório, utilizadas pelo poeta concreto Décio Pignatari (Contraponto, idéias e debates. Programa idealizado e apresentado pelo maestro Júlio Medaglia na Rádio Cultura FM, 25/7/1998), e também pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos, podemos refletir sobre a limitação dos conceitos popular e erudito, assim como de sua inadequação, se pensarmos na produção musical mais contemporânea. 37 2. Canhoto e seu tempo: música em São Paulo. 38 Neste segundo capítulo, abordaremos os aspectos relativos à carreira de Canhoto, buscando ressaltar as conexões de sua atividade profissional com seu contexto histórico, seja em relação aos artistas que foram seus parceiros, passando por aqueles com quem travou contato, caso de Agustin Barrios por exemplo, chegando aos artistas que formaram o ambiente musical e cultural da cidade, contexto este, permeado por um suporte, por assim dizer, de uma classe política que incorporou as atividades artísticas ao seu cotidiano político. Iniciamos a apresentação de Canhoto que identificamos neste trabalho de pesquisa, a partir de uma de suas primeiras influências, Carlos Gomes, passando pelos espetáculos de variedades, onde Canhoto e seus parceiros mostraram suas músicas nos circos, cinemas, teatros, cafés, até alcançar projeção enquanto solista, e se apresentar nos mais importantes palcos da cidade, o Conservatório Dramático e Musical e o Teatro Municipal. 39 Canhoto nasceu em 12 de fevereiro de 188992, na rua do Carmo, “no centro de São Paulo”, na época, “um dos mais importantes logradouros paulistanos”, concentrando “prédios importantes como o dos Correios, do jornal Diário de São Paulo (...)”.93 Foi ele o primeiro filho brasileiro do casal de napolitanos, Crescencio Jacomino e Vicencia Gargiula Jacomino94, ou ainda, “Vicenta (conforme certidão de óbito), parecendo certo, de qualquer modo, que em solteira seu sobrenome seria Capello”.95 O pai foi ourives na Itália, mas no Brasil, já casados e “com dois filhos, Ernesto e Eduardo (...), passou a se dedicar à pintura de painéis de residências e ao ensino de primeiras letras”.96 Apesar de se destacar como violonista, seu primeiro instrumento foi o cavaquinho, com o qual gravou algumas de suas composições como solista, caso da polca Dengoso, da valsa Santa Terezinha, de quem Canhoto era “crente fervoroso”97, além do choro Tico tico no farelo. Seu interesse pelo violão veio do irmão mais velho, Ernesto, que “tocava regularmente violão e bandolim”.98 Canhoto não chegou a freqüentar escola, aprendeu a ler e escrever com o pai e também com o irmão, que resistia em lhe ensinar violão, já que Américo não 92 SIMÕES, Ronoel. Américo Jacomino...,op. cit., p. 5. Existem algumas imprecisões quanto à alguns aspectos da biografia de Canhoto, como por exemplo, em relação a sua data de nascimento. J. L. Ferrete, que assina o texto na contracapa do LP gravado por ocasião dos cinquentenário do falecimento de Canhoto, (FERRETE, J. L. Contracapa do LP Américo..., op. cit.), menciona “sua certidão de casamento o dá como nascido na Itália”, além de “sua certidão de óbito” registrar “sua morte aos 38 anos” (Idem). 93 FERRETE, J. L. Contracapa do LP Américo..., op. cit. Ainda segundo Ferrete, a rua do Carmo era “cortada pela avenida Rangel Pestana, atualmente sua primeira metade se chama Robert Simonsen” (idem). 94 SIMÕES, Ronoel. Américo Jacomino...,op. cit., p. 5. 95 FERRETE, J. L. Contracapa do LP Américo..., op. cit. 96 Idem. Ainda segundo Ferrete, “Américo Jacomino seria seguido por dois outros irmãos –Amadeu e Alfredo” (Idem). 97 SIMÕES, Ronoel. Américo Jacomino..., op. cit., p. 6. 98 Idem. 40 invertia as cordas do instrumento, como seria típico de um violonista canhoto, já que o instrumento pertencia a seu irmão, “que era destro”.99 Assim, invertia a posição do instrumento, mas não podia fazer o mesmo com as cordas. Foi assim que o menino adquiriu o hábito de tocar as três primeiras cordas do violão - as agudas - com o polegar da mão esquerda, e as graves - os baixos – com o dedo anular, médio e indicador, criando uma técnica peculiar e extraordinária de tocar o violão. E foi assim que Américo Jacomino ficou conhecido como Canhoto.100 Com os recursos obtidos de sua primeira profissão, pintor de painéis, “que antigamente se usavam muito nas paredes das residências elegantes desta capital”101, conseguiu juntar “4 mil réis e comprou seu primeiro violão”.102 Mas Canhoto encontrou resistências em aproximar-se do violão, também em função da franca oposição de seu pai, que, por mais de uma vez, chegou a quebrá-lo. Porém, “o garotinho recolhia os destroços do instrumento com os quais ele próprio fazia seu novo violão com madeiras muito finas, de caixa de sabão, que nesse tempo era importada do exterior”.103 99 TAUBKIN, Miriam (org.) Violões do Brasil. São Paulo: Miriam Taubkin, 2004, p.35. Idem, ibdem. 101 Idem. 102 Idem, p. 7. 103 Idem. Ronoel Simões comenta que o menino Américo era perseguido pelo pai por culpa do violão. Nestas horas, “metia-se no porão da casa, muito baixinho, onde o pai, não o podia alcançar, e lá ficava durante horas, estudando seu pinho improvisado”. 100 41 A influência de Carlos Gomes Afora as questões envolvendo o registro documental da obra de Carlos Gomes, analisadas adiante, observamos que o maestro campineiro exerceu uma influência em Canhoto, assim como em outros músicos paulistas e nacionais, nesta virada do século XIX para o XX. Em relação a Canhoto, foi justamente em Campinas que este violonista estreou “com êxito invulgar”, em 1904, portanto, com 15 anos de idade, quando interpretou “trechos de O Guarani”104, portanto, uma de suas primeiras composições, posteriormente gravada entre “dezembro de 1925 e julho de 1927, quando se inicia a gravação elétrica no Brasil”.105 Assim, esta gravação pertence à penúltima série de gravações, quando a carreira musical de Canhoto já possuía uma consistência e uma maturidade, a ponto de registrar ao violão uma de suas primeiras composições, deste que foi “a figura máxima da terceira etapa na História da Música no Brasil, precedida pelo período colonial e pelo Padre José Maurício Nunes Garcia”.106 Notamos portanto, uma presença importante de Carlos Gomes na trajetória musical de Canhoto. Acreditamos que seria muito difícil para este violonista paulistano, tão rigoroso e detalhista com seu 104 SIMÕES, Ronoel. Américo..., op. cit., p.7. SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., p. 266. 106 LANGE, Francisco Curt. Música erudita na Regência e no Império. In. História geral da Civilização Brasileira. Tomo II, 3º volume, p.401. 105 42 ofício, não se deixar influenciar pela música de Carlos Gomes. Nesse sentido, notamos na obra de Canhoto uma influência romântica, particularmente na forma rigorosa e virtuosa com que este violonista executava seu instrumento, paralelamente a uma influência da música moderna do início do século XX107, que explorava ruídos, timbres, alterações rítmicas, como observaremos adiante na análise da obra do autor de Abismo de rosas. Na própria gravação desta protofonia de O Guarani, revela esta virtuosidade, inclusive ao utilizar um efeito, denominado de trêmulo, “obtido tocando-se de forma rápida e seguida três ou mais notas iguais. Normalmente se faz com o polegar pinçando os baixos e indicador , médio e anular pinçando o canto (melodia)”.108 Ocorre que, da forma como Canhoto tocava seu violão, mencionada acima, se torna “impossível certificar qual a digitação utilizada por Jacomino, mas há suposição, pela posição da mão quando se toca de forma canhota, que seja o dedo anular para os baixos e o anular, o indicador e o polegar para o canto”109, efeito este utilizado em outra de suas obras gravadas, o noturno Melâncolia. Em 1922, após seu casamento, Canhoto fundou uma casa de instrumentos musicais em São Carlos, “à rua Conde do Pinhal (...) que 107 Ao refletir sobre a obra de Villa-Lobos “antes da Semana de Arte Moderna”, cuja crítica “só enxergava nela ‘cacofonias’ e tumultos, ruídos desencontrados (...)”, José Miguel Wisnik em seu O coro dos contrários (WISNIK, José Miguel. O coro dos contrários: a música em torno da semana de 22. São Paulo, Duas Cidades, Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1977), menciona que estes mesmos críticos eram “incapazes de acietar os procedimentos pelos quais a música do século XX insere cada vez mais elementos pertubadores no código tonal, criando, juntos, conglomerados rítmicos e timbrísticos, tensões harmônicas insuportáveis a um ouvido que não se dispusesse a expandir sensivelmente os limites dos eu campo de escuta” (Idem, p.36). 108 ANTUNES, Gilson U. Américo Jacomino, Canhoto..., op. cit., p.97. 109 Idem, ibdem 43 se chamou Carlos Gomes”.110 Ainda segundo a mesma fonte, Canhoto era “fã incondicional” de outro músico erudito do período romântico: Frederic Chopin. A terceira parte, na tonalidade de ré maior, da sua célebre valsa Abismo de rosas, lembra-nos a Berceuse de Chopin, que é considerada a mais linda de todas as berceuses.111 Podemos acrescentar ainda, a influência de Carlos Gomes em outros músicos do início do século XX. Uma das primeiras gravações da Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, dirigida por Anacleto de Medeiros, foi justamente “uma seleção de temas de Il guarany, com o título de ‘Sinfonia do Guarani’ e a observação de que ocupava três cilindros”, justificada pelo fato de “ser o músico brasileiro de maior projeção na segunda metade do século passado”, além da “admiração que ele tinha por Anacleto e que já expressara publicamente”.112 Outros registros desta obra de Carlos Gomes podem ser observados nas gravações realizadas no Brasil até 1927, durante a chamada fase mecânica, como, por exemplo, da Banda da Casa Edison, pela gravadora Zon-O-Phone113 e outra pela Odeon114; em forma de dueto, interpretado por Zanatello e Malvina Pereira, pela Odeon115; pela Banda Escudero, em janeiro de 1913, pela Odeon116; 110 Idem, p.5. Idem. 112 CAZES, Henrique. Do quintal..., op. cit., p.41. 113 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M. A. Discografia..., op. cit., p.20. 114 Idem, p.85. Série gravada no Brasil e prensada na Alemanha pela Berliner Gramophone Co., segundo os mesmos autores. 115 Idem, p.117. A Odeon foi a principal subsidiária da Internacional Talking Machine Co., com sede em Berlim, e a primeira empresa a competir, em caráter mundial com o grupo Berliner. Em 1913, a Odeon se instala no Rio de Janeiro, segundo os mesmos autores. 116 Idem, p.142. 111 44 pela Banda da Casa Faulhaber & Cia pela Favorite Record117 e, por fim, da Banda Carioca, pela gravadora Brazil.118 Chiquinha Gonzaga também foi sensibilizada pelo “maior civil da nação neste período: Carlos Gomes”, aproximando-se “dele na condição de professora de piano e admiradora”.119 Eduardo Souto por sua vez, homenageou o autor de O guarani, quando, na década de 1920, fundou a Casa Carlos Gomes, “na Rua Gonçalves Dias, que ficou sendo o ‘ponto’ predileto dos grandes compositores da época”.120 Afora sua atividade musical mais conhecida, a de “autor de grandes óperas”121, podemos ressaltar uma obra denominada Ao Ceará livre, descoberta pelo maestro Abel Rocha, da Banda Sinfônica do Estado de São Paulo. Segundo o maestro, esta obra foi composta pouco antes da Proclamação da República, provavelmente por motivações políticas e também por influência de seu pai, Manuel José Gomes, “que foi mestre de bandas do interior”.122 O pesquisador Juvenal Fernandes menciona que esta obra, Marcha popular ao Ceará Livre, foi composta em 1884, “comemorando a abolição do elemento servil”.123 Segundo Vasco Mariz, “Carlos Gomes teve nada menos que vinte e cinco irmãos, dos quatro casamentos de seu pai”, que por sinal, “foi aluno de André da Silva Gomes, mestre-de-capela da Sé 117 Idem, p.278. Os discos Favorites eram fabricados na Europa para a Casa Faulhaber Cia, situada no Rio de Janeiro, segundo os mesmos autores. 118 Idem, p.397. As gravações da Brazil-Grand Record situam-se entre 1911 e 1914. 119 DINIZ, Edinha. Chiquinha Gonzaga: uma história de vida. Rio de Janeiro, Rosa dos Tempos, 1991, p.114. 120 VASCONCELOS, Ary. Panorama..., op. cit., p.399. 121 TANK, Niza de Castro. A obra vocal de câmera de Antônio Carlos Gomes. Tese de doutorado, UNICAMP, 1989, p.1. 122 MEDAGLIA, Júlio. Contraponto, idéias e debates. Rádio Cultura FM, 14/05/2005. 123 FERNANDES, Juvenal. Do sonho à conquista: revivendo um gênio na música: Carlos Gomes. IMESP, 1996, 3ª ed., p.152. 45 paulistana”, e formou uma “banda ou orquestra somente com os filhos homens”.124 Da trajetória de Carlos Gomes, vale ressaltar sua presença em São Paulo, onde o “compositor frequentava os círculos estudantis paulistas desde 1857”.125 Deste contato, nasceu “a primeira composição de Carlos Gomes a tornar seu nome conhecido fora dos círculos restritos: Hino à mocidade acadêmica”, composto em São Paulo em 1859, e que “transformou o rapaz campineiro em porta-voz musical da classe dos jovens bacharéis, a que o texto se refere”.126 O musicólogo Lorenzo Mammi, em seu estudo sobre Carlos Gomes, traz um subtítulo indicativo: Il Guarany como síntese do Brasil, na medida em que esta obra representa “a primeira tentativa de síntese abrangente a partir do material heterogêneo que constituía, e em parte ainda constitui, a base da sensibilidade musical brasileira”.127 E conclui: Se o segundo reinado se caracteriza justamente pela tentativa de construir um perfil cultural nacional, cimentando traços locais com uma linguagem internacional mais ou menos atualizada, pode-se dizer que Il Guarany é seu produto artístico mais bem-sucedido.128 Por fim, devemos observar ainda, um reconhecimento de sua importância, “ao adotar certas soluções musicais ousadas”, particularmente “com a Fosca, onde Carlos Gomes resolve impasses da época com relação à idéia do drama musical, ao mesmo tempo em que sugere ‘um novo tipo de harmonia’”, comenta o pesquisador Sérgio 124 MARIZ, Vasco. História da música brasileira. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1983, p.63. MAMMI, Lorenzo. Carlos Gomes. Publifolha, 2001, p.21. 126 Idem, p. 27. 127 Idem, p.50. 128 Idem, p.51. 125 46 Casoy, citando o musicólogo inglês Julian Budden.129 Tais inovações, acabaram sendo incorporadas por Giuseppi Verdi, num momento em que a ópera italiana abandona a “antiga escola de Rossini, Bellini e Donizetti”.130 Neste sentido, completa o pesquisador Lauro Machado Coelho, Carlos Gomes é considerado “o verdadeiro precursor da guinada verista”.131 Canhoto e Paraguaçu Em 1907, morando na rua Santo Amaro 39, “a mais ou menos um quilômetro da rua do Carmo”132, Canhoto conheceu o cantor Roque Ricciardi, o Paraguaçu, em uma serenata “no alto da Moóca”133, que por sinal, foi um dos poucos cantores, já que este período se caracterizou pelo predomínio da música instrumental.134 Roque Ricciardi (1894-1976), o italianinho do Brás como também era conhecido, nasceu no bairro paulistano do Belenzinho. Como Canhoto, descendeu de imigrantes italianos135, e aprendeu a tocar violão “com um vizinho”, Antônio Russo e, posteriormente, ao lado “de um dos pioneiros da gravação do disco no Brasil, Belchior da Silva, o Caramuru”, quando formaram um conjunto musical que 129 Apud. Jornal ‘O Estado de São Paulo’, 18/04/2004, p. D14. Idem. 131 Jornal, ‘O Estado de São Paulo’, 20/01/2002, p.D.12. 132 FERRETE, J. L. Américo..., op. cit. 133 SIMÕES, Ronoel. Américo Jacomino..., op. cit., p.7. 134 SEVERIANO, Jairo & MELLO, Zuza H. A canção..., op. cit., p.18. Segundo os mesmos autores, dos cantores “que fizeram sucesso no início do século (...), Baiano (Manuel Pedro dos Santos) e Mário Pinheiro foram os melhores” (Idem). 135 Enciclopédia da música..., op. cit., p.604. 130 47 atuavam como vocalistas, “ambos acompanhados pelos violões de Canhoto e Luis Miranda”.136 Canhoto e Paraguaçu foram muito amigos, e juntos, se apresentaram em diversos cinemas da capital, tais como o Bresser, “um barracão de zinco na rua Bresser”137; no Braz-Bijou, “na avenida Rangel Pestana”138; no Eden Teatro “na rua Mauá”139, ganhando “5 mil réis por noite”.140 Em depoimento ao MIS-SP, Paraguaçú acrescenta que, quando trabalhou no cine Bresser, “formaram um quarteto Canhoto, um barbeiro chamado Luís Miranda e Caramurú”.141 Menciona ainda a importância dos cafés para os artistas, em função da presença constante “de um pequeno conjunto com sanfona, flauta e violão”142, além de outros locais onde músicos e poetas se encontravam e se apresentavam, tais como o Cascata, “ponto central da boêmia, na esquina da Senador Feijó com a Quintino Bocaiuva; a Gruta do tesouro “um porão no largo do tesouro com a 15 de novembro”; o café do Donato, “na esquina da Piratininga, num sobrado que existe até hoje”; a cervejaria Muchen, na Praça Tiradentes “pegado ao Carlos Gomes, onde se encontravam Catulo, Canhoto”; no café Paulista, na rua Antônio Prado; o café Girondino, na rua 15 de novembro com a Praça da Sé; o café Guarani, na rua 15 de novembro, “ao lado da Casa Levy, onde Pixinguinha tocou com os Oito Batutas; o Barbarão “numa travessa da 15 de novembro”.143 136 Idem. SIMÕES, Ronoel. Américo Jacomino, ‘Canhoto’. In: Jornal ‘A Gazeta’, São Paulo, 1/11/1958. 138 Idem. 139 Idem, ibdem. 140 SIMÕES, Ronoel. Américo..., op. cit., p.5. 141 Depoimento do cantor Paraguaçú ao MIS-SP, fitas 113.19; 113.20, 11320A. 142 Idem. 143 Idem. 137 48 Ainda segundo Paraguaçu, alguns nomes de importância dentro do cenário musical paulistano, e, conseqüentemente, também para este trabalho de pesquisa, tais como “Canhoto, Eduardo Souto, Zequinha de Abreu e Marcelo Tupinambá”.144 O citado pianista e compositor Zequinha de Abreu, tem uma importância particular para este trabalho de pesquisa, pelo fato de ter sido o responsável pela transcrição para partituras das composições de seu amigo Canhoto, além de trabalharem com parceiros em comum. (Pianolatria?). Paulista de Santa Rita do Passa Quatro, Zequinha de Abreu foi um dos compositores de destaque, particularmente entre 1917 e 1928, ao lado de “Pedro Sá Pereira, Américo Jacomino, Marcelo Tupinambá, e os jovens Heckel Tavares e Pixinguinha”.145 Em 1918 compôs um de seus maiores sucessos, a valsa Branca, que, em 1924, “teve sua primeira edição lançada”, e gravada somente em 1931, “no mesmo disco que lançou o Tico tico no fubá” e, embora “essencialmente instrumental”, recebeu letra de Décio Abramo, o Duque de Abromonte.146 Como quase todos os músicos paulistas de sua geração, trabalhou na rádio Educadora Paulista, sendo seu “primeiro programador musical”.147 Apesar de compor valsas predominantemente148, seu maior sucesso foi um choro, Tico-tico no fubá, apresentado pela primeira vez em 1917, num baile em Santa Rita do Passa Quatro, “quando ganhou o 144 Depoimento do cantor Paraguaçú ao MIS-SP, cit. SEVERIANO, Jairo & MELLO, Zuza H. A canção..., op. cit., p.49. 146 Idem, p.66. 147 GIFFONI, Maria Amália. Zequinha..., op. cit.p.21 148 Sarau, coreto e serenata: Zequinha de Abreu. Rádio Cultura FM de São Paulo. Programa apresentado pelo professor Samuel Pfromm Netto em 15/9/1997. Ricardo C. Cerqueira também aponta para este “predomínio das valsas entre suas composições, na época, o gênero que mais vendia partituras” e acrescenta o interesse da editora de Zequinha, a Irmãos Vitalle, que “fatalmente tinha um interesse maior nesse tipo de composição” (CERQUEIRA, Ricardo C. Zequinha..., op. cit., p.61). 145 49 nome de Tico-tico no farelo” em função “da animação dos pares que dançavam em grande alvoroço, provocando o comentário de Zequinha de Abreu: ‘até parece o tico-tico no farelo”.149 Acontece que já existia um “choro homônimo de Américo Jacomino”150, fato que o transformou em Tico-tico no fubá. Gravado em disco, quatorze anos depois, pela “Orquestra Colbaz, criada e dirigida pelo maestro Gaó”, este choro figurou na década de 1940, em cinco filmes: Alô amigos (1943); A filha do comandante (1943); Escola de sereias (1944); Kansas city kitty (1944) e Copacabana (1947), sendo que neste último era cantada por Carmem Miranda (...) tornando-se uma das músicas brasileiras mais gravadas de todos os tempos, no Brasil e no exterior.151 Em 1952 foi feito o filme Tico tico no fubá, pela Vera Cruz, “deturpando sua vida”.152 Além de cinemas, cafés e restaurantes, os músicos costumavam tocar em teatros e circos.153 Ronoel Simões menciona que Canhoto, “era frequentemente visto nas tabuletas de circos”.154 Paraguassu por sua vez, menciona a presença do palhaço, cantor e compositor, Eduardo das Neves no circo Espineli, “instalado na Rua Piratininga”, com quem teve uma de suas primeiras oportunidades como cantor, nos espetáculos musicais que aconteciam após os números circenses, “os chamados Festivais”.155 O contato entre ambos, ocorreu justamente 149 SEVERIANO, Jairo & MELLO, Zuza H.A canção..., op. cit., p.106. SEVERIANO, Jairo & MELLO, Zuza H.A canção..., op. cit., p.106. 151 Idem. 152 VASCONCELOS, Ary. Panorama..., op. cit., p.355. 153 FERRETE, J. L. Contracapa do LP Américo..., cit. 154 SIMÕES, Ronoel. Américo..., op. cit., p.7. 155 Depoimento do cantor Paraguaçú ao MIS-SP, cit. No mesmo depoimento, Paraguaçu menciona que Eduardo das Neves aparecia nas apresentações “com maquiagem branca”. Por sinal, o Palhaço Negro, ou Diamante Negro, como era chamado, teve o maestro Heitor Villa Lobos como companheiro, “na homenagem histórica ao aviador Santos Dumont, no dia 7 de setembro de 1903”, cantando um de seus maiores sucessos: A 150 50 após uma das apresentações de Eduardo das Neves, quando os artistas, “após os espetáculos, seguiam para o Café Donato, na mesma rua onde o ‘italianinho do Brás’ cantava geralmente um repertório de músicas italianas, acompanhado ao violão”.156 Ainda segundo José Geraldo, “esta presença de Paraguassu nos circos”, possibilitou que outros artistas também se apresentassem, caso “de Canhoto e músicos de geração posterior, como Garoto, que se apresentou no circo Piolim e Antônio Rago, que acompanhou cantores e se apresentava solando nos circos da cidade”.157 Vicente de Paula Araújo, menciona diversas apresentações de Eduardo das Neves em São Paulo. Em 15 de janeiro de 1905, por exemplo, quando “outro grande circo apareceu na cidade: o circoteatro François”, no local onde existiu “o Teatro São José, na Praça Tiradentes”, teve como uma de suas principais atrações, “o conhecido Eduardo das Neves” que não só cantava suas modinhas ao violão, como figurava nas pantomimas. Uma noite, quando representava o drama Os bandidos da Serra Morena, em uma cena de tiroteio, o cançonetista foi atingido, não se sabe como e nem por quem, por uma bala de verdade (...) que varou a pele e os tecidos musculares. E o caso, felizmente, não foi tão grave porque para o espetáculo da semana vindoura, anunciava-se a aparição do aplaudido Eduardo das Neves, que até lá estará completamente restabelecido.158 Em março deste mesmo ano, Eduardo das Neves apareceu novamente, “com a engraçadíssima pantomima cantada Um bixeiro conquista do ar. Nesta ocasião, além da presença de músicos populares cariocas, Villa Lobos participou do evento tocando uma ocarina” (Enciclopédia da música brasileira..., op. cit., p.567). 156 MORAES, José Geraldo Vince de. Sonoridades paulistanas: a música popular na cidade de São Paulo – final do século XIX ao início do século XX. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1995, p.176. 157 Idem, ibdem. 158 ARAÚJO, Vicente de Paula. Salões, circos e cinemas de São Paulo. São Paulo, Ed. Perspectiva, p.113. 51 em apurus ou O padre virgolino carrapato dançando calke-walk”.159 José Geraldo Vince de Moraes ressalta ainda, o caráter popular destas atividades circenses, já que, “até a popularização do cinema em meados da década de 1910”, o circo “era uma das únicas formas de divertimento pago acessível ao seu poder aquisitivo”.160 Como exemplo desta função de “palhaço-cantor”, podemos destacar Waldemar Seyssel, “mais conhecido como palhaço Arrelia (...), que tocava flauta e sax, depois se aproximou da concertina”, citando ainda “os palhaços Caetano Ramos Polidoro e Serrano”, este último, em 1902, “apresentando-se no circo Clementino (...) deleitava o público com vistosas modinhas e lundus de seletos autores brasileiros”.161 O mesmo autor ressalta ainda a atuação do palhaço Piolim “que tocava violão e bandolim em seu circo no Largo Paissandu”, ao lado de seu parceiro, “o palhaço Alcebíades, também tocador de pistom”, assistidos por ‘gente famosa’ com Oswald e Mário de Andrade, Guilherme de Almeida e Washington Luís, “que sempre pedia um número musical para dupla”.162 Dentre as companhias circenses da época, podemos mencionar, “as tradicionais companhias dos Spinelli, Casali, irmãos Quirolos, família Temperani (todos italianos) e família Seyssel, além dos inúmeros pequenos circos”163, inclusive como “veiculadores privilegiados nas cidades de teatro e dramas musicais”.164 Nestes locais, encontramos “um dos precursores dos teatros e das canções nos circos”, que foi “o palhaço negro Benjamim 159 Idem, p.115. Idem, p.174. 161 Apud. MORAES, José Geraldo Vince de. Sonoridades..., op. cit., p.176. 162 Apud. Idem, ibdem. 163 Idem, ibdem. 164 Idem, p.175. 160 52 Oliveira (1870-1954), que percorreu vários estados do Sul e Sudeste, cantando e representando, influenciando a geração posterior de Eduardo das Neves e Mário Pinheiro”.165 Ary Vasconcelos menciona um relato de Paraguaçu, sobre a presença do cantor Mário Pinheiro em São Paulo, “com a Companhia Rotoló & Billoro”, em espetáculo “no teatro São José, onde hoje fica o escritório da Light”, Mário Pinheiro era um dos nomes que integravam o elenco da Bohême, vivendo o papel de Colline. Encontrando Américo Jacomino no Café dos Artistas surgiu a dúvida em ambos. Seria mesmo o grande Mário? Compraram ingressos para a geral e foram. Mas a dúvida permaneceu, pois o cantor estava bem diferente (...). À saída, quando Mário deixou o teatro pelo portão da Rua Formosa, contou-me que estava hospedado em uma pensão da Rua Xavier de Toledo, bem perto do São José.166 O exemplo do citado cantor Mário Pinheiro, é sintomático no sentido de ilustrar este universo artístico, que podemos denominar de cultura do entretenimento, na medida em que, além de sua atuação no universo circense, Mário Pinheiro atuou também na nascente indústria fonográfica, ao ser “contratado com exclusividade por Fred Figner, proprietário da Casa Edison” para atuar como cantor e “principal anunciador de discos da Casa Edison”, chegando a cantar “no Teatro alla Scala, de Milão”, além de participar, após retornar ao Brasil, “do programa de inauguração do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, a 27 de julho de 1909”.167 165 Idem, p.175. VASCONCELOS, Ary. Panorama...,op. cit., p.328. Segundo Ary Vasconcelos, ainda citando informações obtidas junto ao cantor Paraguaçu, existiu “uma história romanesca a respeito da separação de Mário e sua mulher Aída, quando o cantor, enciumado, chegara a atirar em um suposto rival, Tino Bruno” (Idem). 167 Enciclopédia..., op. cit., p. 628. 166 53 Ainda a respeito de Mário Pinheiro, Ary Vasconcelos destaca que, “ouvindo-se hoje seus discos e comparando-se com os dos outros artistas da época é fácil constatar-se que ele foi o maior cantor popular brasileiro do período compreendido entre 1904 e 1913”, mesmo assim, completa, faleceu “na mais completa miséria, a 10 de janeiro de 1923”.168 Alberto Ikeda169 também ressalta a ligação das atividades circenses e musicais, ao salientar que, “os circos ambulantes tiveram grande preferência junto às classes populares”, onde apresentavam “não só números de acrobacias, mágicos e animais, como também artistas e peças musicais, além dos palhaços que, muitos, se revelaram grandes cantores da nossa MPB”.170 Porém, com o surgimento da indústria cinematográfica em São Paulo, neste mesmo início de século XX, a atividade musical passou a ocorrer também nas “salas de espera dos cinemas e, naturalmente, no acompanhamento das películas”171, conforme já observaram Ronoel Simões e Paraguassu nos depoimento citado acima. Um dos fatores responsáveis por esta popularização do cinema, foi o barateamento significativo “das entradas de cinemas”, gerando um esvaziamento “dos circos e cafés-cantantes (...), não resistindo à disputa com este veículo da cultura de massa”.172 A partir da parceria, por assim dizer, entre o cinema nascente e a música, temos, o que José Ramos Tinhorão173 denominou de “um inesperado mercado de trabalho para os músicos amadores, quando da 168 Idem, ibidem. IKEDA, Alberto T. Música na cidade em tempo de trasnformação,...,op. cit. 170 Idem, p.46. 171 Idem, p.49 172 MORAES, José Geraldo Vince de. Sonoridades..., op. cit., p.177. 173 TINHORÃO, José Ramos. Música popular: teatro e cinema. Petrópolis, Vozes, 1972. 169 54 formação das orquestras de sala de espera”, além do “ressurgimento das valsas, julgadas ideais para o acompanhamento de cenas de amor dos filmes mudos”.174 Alberto Ikeda175, ao comentar justamente esta afirmação de Tinhorão, ressalta que, “embora verdadeiras as afirmações deste autor (...), a música popular de raízes nacionais não teve acolhida nos recintos”, e que, “até por volta de 1920, era ainda a música ligeira e os trechos de peças clássicas que se executavam tanto nas salas de espera quanto dentro do cinema”.176 Neste ponto, abriremos um parênteses para comentar uma imprecisão com que o pesquisador da música brasileira do início do século XX se defronta-, e que em nossa pesquisa nos deparamos por diversas vezes, como já ressaltamos -, que diz respeito a terminologia, no sentido de precisar a forma de denominar a música deste período, que não a música de concerto: seria música popular, ligeira, de entreterimento. Alberto Ikeda a nosso ver, em sua citada afirmação, diferencia música ‘música popular de raízes nacionais’, de ‘música ligeira e trechos de ópera’, apesar de situar que, em seu citado trabalho, “sua preocupação básica será a música funcional ligada aos espetáculos da chamada ‘vida noturna’, a música dos bailes, do cinema mudo, e das orquestras das casas de diversão e de repasto”, e conclui, “ocupo-me, enfim, da música de entreterimento”.177 Isto, ainda, após tecer importantes considerações a respeito “dos qualificativos clássica, popular, folclórica e primitiva, utilizados na 174 Idem, p.227. Apesar deste autor focar sua reflexão na cidade do Rio de Janeiro, acreditamos que este aspecto citado, pertença a uma zona de intercessão, por assim dizer, na relação cinema e música nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. 175 IKEDA, Alberto T. Música na cidade em tempo de trasnformação,...,op. cit. 176 Idem, p.50. 177 Idem, p.4. 55 sociedade ocidental e ocidentalizada”, que “rotulam diferenciadamente a música produzida e utilizada por estamentos sociais distintos, ou por grupos étnicos (...). Estes conceitos”, e aí nos parece ser o ponto central, trazem em si uma espécie de valoração ideológica enquanto produto artístico, dentro de um critério de maior ou menor importância desses segmentos na pirâmide social onde, a música-de-concerto – também chamada, clássica, erudita, culta ou séria – detém todos os atributos da ‘verdadeira’ ou ‘boa’ música, já que sempre esteve ligada às elites (nobreza, igreja e burguesia) no transcurso da história178 Vale ressaltar que José R. Tinhorão por sua vez, situa o conceito de música popular que se utiliza, considerando-o “composta por autores conhecidos e divulgado por meios gráficos, como partituras, ou através da gravação de discos, fitas e filmes”, constituindo-se ainda, “uma criação contemporânea do aparecimento de cidades com um certo grau de diferenciação social”.179 O que nos parece relevante nesta reflexão, é que não observamos uma relação excludente entre a ‘música popular de raízes nacionais’, e a ‘música ligeira e os trechos de peças clássicas que se executavam tanto nas salas de espera quanto dentro’, segundo a citada afirmação de A. Ikeda. Ao contrário, o que percebemos é que tais manifestações musicais, sejam elas oriundas de cinemas, circos, cafés, teatros etc., compõe o universo da chamada música de entretenimento, denominação esta, mais apropriada já que tais ambientes eram importantes para a atividade dos músicos de então e faziam parte de 178 Idem, p.2. TINHORÃO, José Ramos. Pequena história da música popular – da modinha à lambada. São Paulo: Art Editora, 1991, p.7. 179 56 seu universo artístico, como procuraremos deixar claro ao longo deste capítulo. Uma reflexão que reforça o conceito de música de entreterimento, que estamos propondo aqui, foi feita pela pesquisadora Edinha Diniz180, ao comentar a música da compositora e pianista Chiquinha Gonzaga (1847-1935), por sinal, contemporânea de Canhoto. Chamemos a atenção aqui para o fato da música de Chiquinha Gonzaga ser hoje encarada apressadamente como erudita quando na época era o que havia de popular. A compreensão para isto há que ser buscada na organização da sociedade brasileira. Se hoje se considera popular a música das grandes massas, é preciso lembrar que esse contingente ainda não existia no século passado. Portanto música popular dessa época (...), refere-se àquela dirigida às camadas intermediárias. A ela dirigia-se essa produção rotulada de ‘música de salão’, do qual Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth são os representantes mais lembrados. Hoje esse tipo de música demarca a fronteira entre o erudito e o popular.181 Tal comentário, a nosso ver, traz a tona a imprecisão dos conceito de música popular como forma de caracterização desta música produzida no início do século XX. Inicialmente, pelo fato das camadas populares serem ainda incipientes, inclusive em São Paulo, conforme veremos adiante, e ainda pela mencionada ‘valoração ideológica’ deste conceito, conforme mencionamos acima a partir das reflexões de Alberto Ikeda, e por fim, pela aspecto ‘funcional’ desta música -, e este universo musical fez parte das carreira de Canhoto -, ligada aos bailes, ao cinema mudo, as orquestras das casas de diversão e de repasto, ou seja, mais uma vez a partir das reflexões citadas de Alberto Ikeda, a ‘música de entreterimento’. 180 181 DINIZ, Edinha. Chiquinha Gonzaga: uma história de vida. Rio de Janeiro, Rosa dos tempos, 1991. Idem, p.113. 57 O que achamos importante ressaltar, foi a ligação da atividade musical do início do século XX no Brasil, e não foi diferente em São Paulo, com tais manifestações artísticas, circos, cinemas, cafés e teatro, o que reforça, a nossa ver, o citado conceito de música de entreterimento. Assim, quando Canhoto consolida uma carreira solista de violão, como veremos adiante, ele o faz a partir deste universo circense, teatral, cinematográfico e assim por diante. Desta forma, o termo música popular, tão familiar e até irresistível para nossa sociedade contemporânea, a nosso ver, falseia justamente esta inter-relação da atividade musical com outras manifestações artísticas. Neste sentido, vale enfatizar que a divisão entre música popular e erudita no Brasil é “uma divisão que no Brasil só se constitui nos anos 30”, sendo mais apropriado, neste início de século XX a denominação de música “urbana e rural ou sertaneja”182, ou, o que achamos mais adequado, música de entretenimento. Outro aspecto a ser ressaltado, foi que a partir das relações estabelecidas entre a música com outras atividades artísticas, surgiu, ainda no início do século XX, os chamados festivais ou espetáculos de variedades. Tais espetáculos se caracterizaram pela mencionada interrelação de duas ou mais manifestações artísticas tais como música, teatro e circo, posteriormente incorporando o cinema, além da literatura, embora em menor freqüência. Pelo que observamos, tais espetáculos populares, foram muito freqüentes em São Paulo, até 1924 aproximadamente, época em que o rádio em São Paulo se consolida, 182 A arte do violão: Américo Jacomino. Programa produzido e apresentado em 10/05/2006 pelo violonista Fábio Zanon. Rádio Cultura FM. Acervo: particular. 58 fazendo assim, com que a atividade musical adquirisse uma individualidade mais clara, por assim dizer, desvinculada de tais espetáculos, como veremos ao analisarmos a programação de rádio em São Paulo. A partir deste momento, a música de entretenimento, inserida em tais espetáculos ou festivais de variedades, perde força e cede espaço a uma música popular que, aí sim, já se contrapõem com clareza a música de erudita ou de concerto, momento este próximo ao de consolidação da atividade radiofônica enquanto veículo de massa, por volta dos anos 30, conforme mencionamos. Canhoto e os espetáculos de variedades A partir do momento que os parâmetros da música produzida por Canhoto foram delineada, através de alguns parâmetros referencias, temos condições de passar á reflexão da chamada música de entretenimento, e particularmente, sua ligação com outras manifestações artísticas, como a nascente indústria cinematográfica. Neste início de século XX, quando “Serrador começa a produzir uns filminhos curiosos que tiveram um enorme sucesso: as ‘Canções Ilustradas’. É possível que a primeira delas tenha sido a que apresentava Cândido [sic] das Neves, cantor e palhaço do Circo Spinelli”.183 Ainda segundo a mesma fonte, “os atores ficavam num 183 GALVÃO, Maria Rita Eliezer. Crônica do cinema paulistano. São Paulo, Ática, 1975, p.23. Nota-se que a autora enganou-se, ao referir-se à Candido das Neves (1899-1934), filho de Eduardo das Neves, este sim, “em 1909, apresentava um ‘festival musical de que eram as principais atrações o negro das Neves” (Idem). 59 banquinho, representando cenas românticas enquanto cantavam velhas canções espanholas e italianas, ou árias de óperas conhecidas”.184 As chamadas “canções ilustradas eram exibidas no Bijou Theatre, como complemento dos filmes (...); os atores ficavam por trás da tela, durante a projeção, cantando as canções que o filme ilustrava”.185 Outro vínculo entre esta música de caráter ligeiro e o cinema, ocorreu por ocasião da apresentação de espetáculos de variedades, onde eram exibidos, ‘na tela’, uma projeção, e, posteriormente, ‘no palco’, uma apresentação de cantores , poetas mágicos e etc. Por sinal, a “primeira notícia de Canhoto no jornal”186, em 27 de dezembro de 1915 na coluna Palcos e Circos do jornal ‘O Estado de S. Paulo’, quando Canhoto, por ocasião da estréia do já citado, “trio brasileiro”, formado por Edú Gomes e Caramurú. Ao lado desta “grande estréia” no palco do Hygh-life, “na tela”, foram “exibidos doze films escolhidos”.187 Já no dia 25 de abril de 1916, no Colombo, “os comoventes dramas – ‘Nunca mais...’, ‘Os fugitivos’ e ‘Justiça da montanha’. No palco (...) Canhoto” e o barítono brasileiro “Luiz de Freitas, da Academia Nacional de Música de Roma”188, espetáculos estes repetidos no mesmo Teatro Colombo, nos dias 27, 28 e 30 de abril de 1916, segundo a mesma fonte. Pouco depois da apresentação de Canhoto no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, em 5 de setembro de 1916 e comentada adiante, o autor de Abismo de rosas realizou outras apresentações, na linha destes espetáculos de variedades. Em 26 de novembro do mesmo ano, Canhoto participou de uma “matinée 184 Idem. Idem. 186 FLEURY, Eduardo & ANTUNES, Gilson U. & CASTAGNA, Paulo. O violão em São Paulo..., op. cit. 187 Idem, ibdem. 188 Idem. 185 60 literária, musical e dansante, que o Club 13 ofereceu, na platéia do Municipal”.189 Além de Canhoto, “que executou, no violão, três números de seu repertório”, este espetáculo, aberto com o Hino Nacional “de Gottschalck, executado ao piano pela senhorita Antonietta Pontes”, contou ainda com a participação do “sr. Olympio Romero, que terminou recitando um poema”, quando “tiveram então início as dansas”, ao som de uma orquestra, “prolongando-se o baile até depois das 20 horas”.190 Já no Teatro Boa Vista, em março de 1917, Canhoto participou do espetáculo onde, em sua primeira parte, constou a representação “da comédia de Hennequin ‘O inviolável’, no qual tomou parte (...), o actor sr. João Barbosa, professor da Escola Dramática do Rio de Janeiro”.191 Na segunda parte deste mesmo programa, “o violonista Américo Jacomino”, ao lado de “Alexandre Azevedo, Sales Ribeiro Serra, Cremilda de Oliveira, Adelaide Coutinho e Ferreira de Souza”.192 Em maio deste mesmo ano, Canhoto participa de um trio, de curta existência, que estreou no Teatro São Pedro e que contou ainda com a participação de Luiz de Freitas e Garridos. Nesta oportunidade, ocorreu, na tela, “os belíssimos ‘films’, ‘O navio fantasma’ e ‘A verdade amarga’”.193 Em junho do mesmo ano, o mesmo trio no palco, enquanto “na tela, ‘O sedutor invisível’ e ‘A noiva de seis séculos’”.194 No mês seguinte, os dois integrantes do 189 Idem. Idem. Neste mesmo espetáculo, segundo a mesma fonte, deveria tomar parte, mas não compareceu, o “Dr. Paulo Setubal, que devia, segundo o programa, dizer versos de sua lavra” (Idem). 191 Idem. 192 Idem. Segundo a mesma fonte, “para hoje”, houve a “representação da comédia de Capus ‘A linda funcionária’” (Idem). 193 Idem. 194 Idem. 190 61 trio, Luís de Freitas e Garridos, “duetistas caipiras”, realizaram apresentações “sem o Canhoto”.195 Em março do ano seguinte, Canhoto se junta ao “machiettista Max”, quando formaram a “troupe Max-Canhoto”, que estreou no Teatro Guarany, “na Rua da Consolação”, local onde, no mesmo mês, atuou o “tenor Eduardo das Neves”, que ainda, no mesmo mês e local, atuou, no palco, com Canhoto, enquanto na tela, o “emocionante drama ‘Traição sertaneja’”.196 Em setembro de 1921, Canhoto realizou uma temporada, ao apresentar-se, “todas as noites após a exibição dos films”, com a “troupe paulista (...), sendo seus componentes os artistas Luís de Freitas, barítono, Maria Mesquita, cançonetista”, além de Canhoto, “todos sob a direção do aplaudido parodista cômico Miguel Max”.197 Em agosto de 1918, Canhoto se apresenta ao lado de “Baptista Junior (o caipira)”, enquanto “na tela, ‘Factos de Guerra’, (...), e ‘Cleopatra moderna’, por Miss Dorothy Dalton”.198 A prática envolvendo tais espetáculos de variedades, onde diversas manifestações artísticas se reuniam e se interrelacionavam, não era uma prática restrita à artistas paulistas. Em janeiro de 1919, enquanto Canhoto realizava uma ‘tournée’ artística “no norte do estado”, acompanhado do ator “Alves Junior”, Agustina Barrios, analisado adiante, realizava uma ‘soirée’ da moda no Royal teatro, tendo, na tela, o “romance de Alexandre Dumas, ‘O conde de monte Cristo’, ‘A punição’ (...) e ‘O gentil Talismã’”.199 195 Idem. Idem. 197 Idem. 198 Idem. 199 Idem. 196 62 Já no concerto de despedida do mesmo Barrios, em 8 de abril de 1919 no salão do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, o “distinto e aplaudido violonista paraguaio”, participava de “um sarau literário e musical”, em que “emprestam seu concurso”, na parte literária, Júlio César da Silva, Altair G. Miranda, Laurindo de Brito (...)”.200 Um aspecto a ser ressaltado a partir de tais informações, foi a presença de um tipo de espetáculo e/ou artistas, que procuraram valorizar as tradições rurais e/ou rurais paulistas. A partir deste contexto, de valorização do “matuto paulista, começaram a surgir no teatro de variedades paulistano os seus epígonos: em 1917 a atriz Alda Garrido e seu marido, o empresário-ator Américo Garrido”, formaram a dupla Os Garridos”, citada acima; em 1919, como veremos, “enquanto o ventríloquo Batista Júnior cria tipos caipiras, surge o trio Viterbo, composto pela cantora Abigail Gonçalves, pelo violonista Américo Jacomino, o Canhoto, e pelo ator Viterbo Azevedo (que adota o nome de Jeca Tatu”201, o qual podemos acrescentar, as palestras de Cornélio Pires, “que já em 1910 usara caipiras para ilustrar sua exposições aos alunos do Colégio Mackenzie”202, além de Afonso Arinos, o “primeiro escritor regionalista de real importância”.203 Retornando as relações entre o cinema e música, devemos ressaltar a questão referente ao campo de trabalho do músico do início do século no próprio cinema. Um exemplo que ilustra esta questão, 200 Idem. TINHORÃO, José Ramos. Pequena história da música: da modinha à lambada. São Paulo, Art Editora, 1991, p.187 202 Idem , p.190. 203 BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo, Cutrix, p.208. 201 63 ocorreu no Cine República, onde sua “orquestra que se compunha de 30 professores, sob a regência do M° Martinez Grau”204, apesar que, segundo a mesma fonte, “tratar-se de um exemplo raro, pois a maioria dos cinemas mantinham mesmo orquestras bem menores, geralmente com menos de dez figuras”, sendo que os “cinemas mais simples conseguiam no máximo manter um pianista apenas”.205 Neste sentido, deve ser destacado que foi no ano de 1907 que se deu o aparecimento “do primeiro cinema fixo da cidade”, que foi o “Bijou-Theatro, seguido do cinema Radium na Rua São Bento e do cinema Ires”.206 Ainda segundo Ikeda, citando o trabalho da pesquisadora Maria Rita Galvão207, “em 1909, sete cinemas anunciam seus programas n’o Estado de São Paulo, dois anos mais tarde, o mesmo jornal publica uma relação de todos os cinemas da cidade: a esta altura, já são trinta em um”.208 Quanto aos músicos que trabalhavam nestes cinemas, encontramos tanto músicos de formação erudita quanto músicos populares, grupos de choro como o formado por Paraguassu, Canhoto, Luís Miranda e Caramuru, citado acima, e até bandas. Em relação aos músicos de formação erudita, podemos citar o maestro Souza Lima “que tocava e dirigia entre 1915 e 1916 no cine Teatro Espéria uma orquestra de 18 pessoas, sendo logo em seguida substituído por Mignone”209, que por sua vez, tocou também “no cinema Bijou Teatro e no cinema Radium e, por um período mais longo, no cinema High-life”.210 O maestro 204 IKEDA, Alberto T. Música na cidade em tempo de trasnformação,...,op. cit, p.49. Idem, p.50. 206 Idem, p.49. 207 GALVÃO, Maria Rita Eliezer. Crônica..., op. cit. 208 Apud. IKEDA, Alberto T. Música na cidade em tempo de trasnformação,...,op. cit, p.49. 209 MORAES, José Geraldo Vince de. Sonoridades..., op. cit., p.180. 210 IKEDA, Alberto T. Música na cidade em tempo de trasnformação,...,op. cit, p.100. 205 64 Armando Bellardi também atuou em cinemas da capital paulista, quando integrou a pequena orquestra do Cine Éden, na rua Mauá, tocando piano no Cine Guarani e, mais tarde, “apresentou-se com sucesso na sala de espera do Cine Radium, na Rua São Bento”.211 Outro fato que ressalta a importância da atividade musical nos cinemas da cidade, foi a greve realizada em 1913 por músicos, aglutinados no Centro Musical de São Paulo, fundados em 1913 e contando com “206 professores de diversos instrumentos de orquestra e de piano (...), sendo que 70% destes eram italianos ou seus descendentes”212, já que os “proprietários de cinemas não aceitaram a tabela com os ordenados mínimos dos executantes”.213 Segundo a mesma fonte, pelo menos em termos de paralisação, tal greve atingiu os objetivos, já que dos 45 cinemas da cidade, só os cinemas Ambrósio, Eden e Edison aceitaram a tabela do Centro e por isso estão funcionando com suas orquestras completas. Os espetáculos de ontem foram sem músicos, a não ser uns dois ou três que conseguiram arranjar amadores ou pianistas.214 Como conseqüência da greve e também como forma de reduzir o custo de “manutenção desses conjuntos e orquestras”, reduziu-se, “na maioria dos cinemas (...), a apresentação a pianistas”, caso do maestro Gaó, “no cine Pavilhão, José Maria de Abreu, no cine Íris e José Aimberê de Almeida, que tocava no Hight Life (largo do Arouche)”.215 211 MORAES, José Geraldo Vince de. Sonoridades..., op. cit., p.180. IKEDA, Alberto T. Música na cidade em tempo de trasnformação,...,op. cit, p.33. 213 ARAÚJO, Vicente de Paula. Salões, circos e cinemas de São Paulo. São Paulo, Perspectiva, 1981, p.222. 214 Idem, ibdem. 212 65 Canhoto no Conservatório Dramático e Musical Em 1916, Canhoto conseguiu uma projeção significativa em sua carreira musical, quando realizou, no dia 5 de setembro, o já mencionado concerto no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, “evento que comparamos, em importância e repercussão, aos concertos de Agustin Barrios e Josefina Robledo no Brasil”.216 Neste concerto, Canhoto foi acompanhado “em todas as peças” pelo violonista Álvaro Gaudêncio, além do cantor Trajano Vaz, “que apresentou três números com acompanhamento de violão”.217 No programa, publicado no jornal O comércio de São Paulo, de 6 de setembro de 1916, aparece o poeta Danton Vampré, que apresentou “K...nhoto ao público”, e Trajano Vaz, que apresentou os artistas “em caricaturas”.218 Em seguida, Canhoto interpretou, ao violão e de sua autoria as valsas Suplicando amor, Magia do olhar, Medrosa e Sonhando; o tango A cigarra na ponta; o dobrado Campos Sales; e Cateretê, “imitação de viola sertaneja” e, enquanto intérprete, a Serenata árabe, de E. Frontini, “popular na versão original para piano”; a protofonia de O Guarani, e por fim, com Trajano Vaz, “canto com violão” a canção de Catulo da Paixão Cearense, A choça do monte e Marroeiro, “recitado”, e O capim mais mimoso, de Afonso Arinos.219 O citado poeta Danton Vampré, leu ainda a “conferência de Manuel Leiroz, 215 MORAES, José Geraldo Vince de. Sonoridades..., op. cit., p.180. CASTAGNA, Paulo & ANTUNES, Gilson. O violão..., op. cit., p.42. 217 Idem, p.44. 218 Apud CASTAGNA, Paulo & ANTUNES, Gilson. O violão..., op. cit., p.44. 219 Idem. 216 66 sobre o violão, enquanto as obras da primeira parte eram executadas”, texto este que se constitui, “o primeiro documento escrito no Brasil sobre as origens do violão”.220 Tal evento conquistou “a elite paulistana” e possibilitou o início “da dissolução do preconceito que freava, no Brasil, o desenvolvimento da música solista para violão”, resultando ainda em uma série de concertos, de igual ou maior importância, tais como “no Teatro Municipal, em 26 de novembro, além de um novo recital no Conservatório, em 5 e 20 de dezembro do mesmo ano”. A partir deste momento, Canhoto inicia uma vertiginosa carreira de concertista, com apresentações por todo país e pela América Latina (...) atuando ao lado dos músicos de maior renome da época e participando dos movimentos mais inovadores da música popular brasileira, até 1928, ano de sua morte.221 Além de importante referencial da música produzida em São Paulo, a criação deste Conservatório Dramático e Musical derivou de um “esforço conjunto”, no sentido de “dotar a nascente metrópole de equipamentos culturais condizente com sua vocação cosmopolita”.222 Tendo a frente “o vereador Pedro Augusto Gomes Cardim, intelectuais, artistas e políticos promoveram espetáculos beneficentes para levantar fundos”, até que, em 1904, “na gestão do prefeito Antônio Prado, Cardim apresentava o projeto de lei 43 fixando o curso de arte dramática em três anos”.223 220 Idem, p.13. Segundo os mesmos autores, deste documento, “só nos chegaram alguns resumos”. Tais fragmentos acompanham este trabalho de Paulo Castagna e Gilson Antunes. 221 Idem, p.47. 222 Jornal, ‘O Estado de São Paulo’, 26/02/2006, p.D7. 223 Idem. 67 Instalado inicialmente, “na ladeira de Santa Efigênia, num sobrado que pertencera aos herdeiros da Marquesa de Santos e do Brigadeiro Tobias, foi inaugurado em março de 1906, com a presença do presidente do Estado, Jorge Tibiriça”, até que passou a ocupar “o antigo Hotel Panorama, que dispunha do salão Steinway”, quando foi então reinaugurado em 1909, “com um sarau” que teve “como ponto alto” a apresentação do poema lírico, Pátria, do maestro João Gomes de Araújo”.224 Outra etapa do que podemos considerar como uma “integração arte/política” neste “início do século XX”225, e particularmente em São Paulo, foi a homologação do Pensionato Artístico do Estado de São Paulo, em 1912, “por meio do decreto nº2.234”226, já que, segundo as palavras do então secretário do interior Altino Arantes, dentre “as elevadas características da civilização de um povo, destacase a sua produção artística”.227 Um de suas principais objetivos foi a “instrução teórica e prática, (...), difundir os conhecimentos estéticos e implementar a produção artística”, porém, “sem a pretensão de formar celebridades”, objetivos estes buscados “em conjunto com a Pinacoteca”.228 A citada Pinacoteca do Estado de São Paulo “foi fundada em 1906 e regulamentada em 1911”229, tendo como “mentores”, Ramos de Azevedo, Carlos de Campos, Sampaio Vianna, Albuquerque Lins, 224 Idem. FONSECA, Cristina. Juó Bananére..., op. cit., p.40. 226 CAMARGOS, A. Marcia. Villa..., op. cit., p.159. 227 Idem, ibdem. 228 Idem, p.161. 229 MICELI, Sergio. Nacional estrangeiro: história social e cultural do modernismo artístico em São Paulo. São Paulo, Companhia das letras, 2003, p. 29 225 68 Alfredo Pujol e Cerqueira César”.230 Com relação aos nomes que integraram a Comissão Fiscal do Pensionato, encarregada de “selecionar candidatos, estabelecer os locais de residência e estudo, fiscalizar e organizar exposições e apresentações para os pensionistas”, nomes estes “indicados pelo secretário do interior”, fizeram parte, “alternadamente, Ramos de Azevedo, Oscar Rodrigues Alves, Olívia Guedes Penteado e João Maurício Sampaio Vianna, que substituiu Carlos de Campos após sua morte”, além de Freitas Valle, “que de moto próprio decidia quem seria agraciado com as bolsas”.231 Como reflexo de tais iniciativas, podemos observar São Paulo atraiu “a nata do circuito cosmopolita”, tais como, Isadora Ducan, em 1916; em 1917, Diaghliev estrelando Nijinski, que retorna em 1918, com “os bailados de Ana Pavlovna, estrelados pela própria”, que retornou no ano seguinte com o Pássaro de fogo, de Stravinsk, e, “em conjunto com Sinfônica Italiana, sob a regência de Gino Marinnuzzi”, um programa que reuniu “Debussy, Respighi e o ‘Prelúdio’ e a ‘Morte de Isolda’ de Wagner”.232 Em termos violonísticos, que veremos adiante, cabe antecipar o significativo trânsito, por assim dizer, nas primeiras décadas do século XX, através da passagem do violonista espanhol Miguel Llobet (18781938), em concertos pelo Brasil no início da década de 1910233; em 1917, apresentou-se em São Paulo a também espanhola Josefina Robledo, considerada, “discípula direta daquele que já era considerado o introdutor de uma moderna escola violonística, Francisco Tárrega”234, no mesmo 230 Idem, ibdem. CAMARGOS, A. Marcia. Villa..., op. cit., p.161. 232 SEVCENKO, Nicolau. Orfeu..., op. cit., p.234. 233 GLOEDEN, Edelton. O ressurgimento..., op. cit., p.49. 234 Idem, p.37. 231 69 ano em que o violonista paraguaio, Agustin Barrios, o mais importante violonista deste início de século XX, apresenta-se em São Paulo, quando inclusive, travando contato com os principais violonistas brasileiros, como “João Pernambuco e Américo Jacomino, o Canhoto”.235 Por sinal, vale ressaltar que a citada apresentação de Canhoto no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, em 5 de setembro de 1916, ocorreu, “na mesma hora”236, a citada apresentação da bailarina Isadora Ducan no Teatro Municipal. Diante destes exemplos envolvendo aspectos da música na cidade de São Paulo, verificamos uma qualidade considerável, que deve ter ressoado, por assim dizer, em seus círculos musicais e artísticos, e não acreditamos que tenha sido diferente com relação a Canhoto. Outro aspecto a ser ressaltado neste espetáculo de Canhoto no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, foi mais uma vez, a presença de profissionais, ligados a outras manifestações artísticas, inclusive, dentro de uma perspectiva regionalista, já mencionada acima. Se atentarmos para o nome de Danton Vampré, citado acima, observaremos que seu nome divide a autoria “da primeira revista paulista de sucesso no século XX: São Paulo futuro, de Danton Vampré e J. Nemo, com música de Fernando Lobo”.237 Segundo a mesma fonte, Vampré, “bacherel e jornalista, nascido em Rio Claro em 1892, e falecido na capital em 1949, acompanharia por algum tempo, esse teatro paulista”.238 Esta revista em “dois atos”, segundo 235 Agustin Barrios. Rádio USP FM, Programa idealizado e apresentado pelo professor e violonista Edelton Gloeden, em 4 e 11/3/1996. 236 TAUBIKIN, Myriam (org.)Violões do Brasil..., op. cit., p.36 237 MAGALDI, Sábato & VARGAS, Maria Thereza. Cem anos de teatro em São Paulo (1875-1974). São Paulo, Ed. SENAC São Paulo, 2000, p.62. 238 Idem. 70 comentário do jornal ‘O Estado de S. Paulo’, “é toda recheada de lindos trechos musicais bem adaptados às diversas cenas. No espetáculo de hoje faz sua estréia o ator Raul Soares”.239 Ainda em relação a Vampré, é dele, em parceria com João Felizardo, “a burleta Uma festa na Freguesia do Ó”, além de A pensão de D. Ana e o Café de São Paulo, peças encenadas em 1917 pela Companhia Arruda, “que se destaca cada vez mais com seu teatro regional”240, além da peça Sustenta a nota, em parceria com Euclides de Andrade e Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, já nessa época, transformado na figura de Juo Bananere, cuja peça mais importante foi sua, La divina increnca, de 1918, “o grande acontecimento da temporada teatral”, montada pela Companhia Arruda, “no teatro Boa Vista”.241 Assim, ao refletirmos sobre este concerto de Canhoto no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, além de sua importância para sua carreira solista e para o próprio violão em São Paulo, há que ser ressaltado ainda, que, paralelamente tal evento esteve circunscrito aos chamados espetáculos de variedades, de onde Canhoto desenvolveu sua carreira, pelo menos até o final da década de 1910, paralelamente ao clima de valorização dos aspectos da cultura ‘regional’ paulista, que, como veremos, teve um incentivo significativo, dos políticos locais. Em março de 1922, por ocasião da inauguração do Teatro Olímpia no Bras, novamente uma peça de Danton Vampré em parceria com Gastão Barroso, O que o rei não viu, exibição esta, “sempre em 239 Idem. Idem, p.88. 241 FONSECA, Cristina. Juó Banarere: o abuso em blague. São Paulo, Ed.34, 2001, p.199. 240 71 conjunto com um programa cinematográfico”.242 Por fim, serão suas revistas, São Paulo futuro e A freguesia do Ó, que inaugurou as atividades do ‘Teatro Popular’, criado em 1931, “que se instalou no antigo Circo Alcebíades, na avenida São João”, mesmo ano em que foi criado o “Conjunto Artístico Paulistano, dirigido por Marcelo Tupinambá”, que se propunha a “cantar operetas brasileiras. A primeira delas é uma adaptação de A moreninha, de Macedo, com libreto de Arlindo Leal e música de Pedro Camim, sob a regência de Gabriel Migliori”.243 Ao mencionarmos o nome de Fernando Lobo, na autoria da parte musical, é certo que estamos falando de Marcelo Tupinambá, cuja participação nesta revista, mudou sua trajetória profissional. Paulista de Tietê, nasceu em 29 de maio de 1889, em uma família fortemente envolvida com a prática musical. Seu pai, Eduardo Lobo, foi regente da Banda da Santíssima Trindade, em Tietê, e seu tio, Elias Álvares Lobo (1834-1901), foi maestro e compositor, atuou no Rio de Janeiro, onde foi de professor de Chiquinha Gonzaga244, além de autor, dentre outras, da ópera A noite de São João, encenada em 1860 no Rio de Janeiro, e “regida pelo jovem maestro Carlos Gomes”.245 Em 1907, com apenas 15 anos, Fernando Lobo acompanhou o “célebre flautista Patápio Silva, que excursionava pelo interior de São Paulo, a caminho do sul”.246 Dentre seus sucessos está o cateretê O matuto, feito em parceria com Candido Costa, cujo tema, ligado a outro estado, “parece indicar uma aspiração do autor a se popularizar 242 MAGALDI, Sábato & VARGAS, Maria Thereza. Cem anos de teatro..., op. cit., p.98. Idem, p.125. 244 DINIZ, Edinha. Chiquinha Gonzaga..., op. cit., p.46. 245 Enciclopédia..., op. cit., p.452. 246 Enciclopédia..., op. cit., p.788. 243 72 além das fronteiras paulistas”.247 Em 1915, compôs mais um sucesso, o maxixe São Paulo futuro. Na época, cursando a Escola Politécnica de São Paulo, “onde se formou no ano seguinte”, foi chamado ao gabinete do diretor Paula Souza, que o indagou: “Não permito que aluno meu ande fazendo maxixes. Quem vai confiar num engenheiro que faz maxixes?”.248 Fernando Lobo virou então, Marcelo Tupinambá. Mas continuou atuando como engenheiro civil até 1923, quando uma “doença nos olhos o obrigou a desistir da carreira. Dedicou-se inteiramente a música”.249 Em 1924, mais uma composição de sucesso, o fox-canção O cigano, em parceria com João do Sul (pseudônimo adotado por Gastão Barroso), “uma das primeiras composições brasileiras a receberem a designação de Foxe-canção”, alcançando ainda, até 1946, a expressiva vendagem de cem mil “edições impressas”, o dobro de O matuto, “seu segundo maior sucesso”.250 Foi considerado o responsável pelo sucesso nacional do chamado samba rural paulista, assim como, o “estilizador do gênero”.251 Outro gênero corrente no universo composicional de Marcelo Tupinambá, foi o chamado tanguinho, diminuitivo utilizado “para diferenciar seus tangos dos de Nazareth”.252 Identificamos que, em termos de referência, por assim dizer, Ernesto Nazareth teve destaque na música 247 SEVERIANO, Jairo & MELLO, Zuza H. A canção..., op. cit., p.55. Idem. Fernando Lobo exerceu a carreira de engenheiro civil até 1923, quando uma doença no olhos “o obrigou a desistir da carreira”, passando a dedicar-se inteiramente a música (Enciclopédia..., loc. cit., p.788). 249 Enciclopédia..., loc. cit., p.788. 250 SEVERIANO, Jairo & MELLO, Zuza H. A canção..., op. cit. p.66. 251 Idem, p.55. 252 Idem, ibidem. Mário de Andrade afirma que o “samba rural de negros paulistas se distingue bem na coreografia e no ritmo musical, dos sambas e baianos nordestinos”, já que não possui a “síncopa como base 248 73 brasileira, até 1928, a chamada ‘fase heróica’253 da música popular brasileira. O fato de Fernando Lobo (e também Eduardo Souto, como veremos) buscar se diferenciar, em termos composicionais, de Nazareth e de sua obra, apontam para este predomínio. Vale lembrar a que Villa-Lobos dedicou-lhe seu Choros nº1, provavelmente não por acaso, além das palavras elogiosas do violonista argentino Juan A. Rodrigues, analizado adiante, para Nazareth. Vale ressaltar ainda, a apresentação do próprio Ernesto Nazaré em 1926 no Teatro Cultura Artística de São Paulo, precedida de uma palestra de Mário de Andrade. Nesta ocasião, após comentar que ainda não possuía um bom piano, foi organizada uma lista com 150 nomes, e, em dois meses, “Nazaré ganhava seu piano italiano Sanzin, que ele mesmo escolheu”.254 Mário de Andrade, nesta palestra, compara este concerto do Cultura Artística, com outro de Nazaré, no Instituto Nacional de Música, em 1922, organizado por Luciano Gallet, e observa: “É um gosto a gente constatar que não se carece aqui a garantia da polícia, como sucedeu no Instituto Nacional de Música em 1922...”.255 Consta que esta temporada que Nazareth passou em São Paulo, em 1926, foi “incentivado pelo amigo poeta Catulo da Paixão Cearense”, quando “passou uma temporada de 11 meses em São Paulo, hospedado por Jacyntho Silva, importante colaborador do movimento modernista”.256 Segundo a mesma fonte, nesta temporada paulista, seu círculo de amigos incluía, “Mário de Andrade e o então rítmica e é um verdadeiro one-step bem batido nos tempos” (ANDRADE, Mário. Dicionário musical brasileiro. Belo Horizonte, Itatiaia/IEB-USP, p.455). 253 Músicas e música: Américo Jacomino, o Canhoto. TV Cultura de São Paulo, 2/8/1978. 254 Jornal, ‘Estado de São Paulo’, 10/4/1996, p.D1. 255 ANDRADE, Mário. Música doce música. São Paulo, Livraria Martins, 1976, p.130. 256 CARVALHO, Henri. Ernesto Nazareth, Rei do tango brasileiro: a transformação da estética musical na cidade do Rio de Janeiro. Dissertação de mestrado. PUC-SP, p.23. 74 presidente do Estado de São Paulo, Carlos de Campos”257, a quem, inclusive, dedicou “uma Marcha fúnebre”258, obra editada em 1927 pela Casa Bevilacqua259. Fernando Lobo escreveu ainda, a partitura “da ópera Abraão, e os bailados Garoa, Burantã e Juca Mulato”, além de ter musicado “poemas de Vicente de Carvalho, Guilherme de Almeida, Manuel Bandeira, Olegário Mariano, Coelho Neto e muitos outros”, tendo suas obras divulgadas “pelos mais conhecidos cantores da época”, como Francisco Aves, além de artistas do teatro musicado como “Vicente Celestino e Patrício Teixeira e Abigail Maia, além de homenagear o aviador paulista Ribeiro de Barros com a marcha, Asas de Jaú, com letra de Otacílio Gomes”.260 Um de seus parceiros, Arlindo Leal, também compôs letras para algumas obras de Canhoto, caso do schottisch, Flor paulista, no tanguinho sertanejo Já se acabô e nas valsas Triste carnaval e Arrependida. Arlindo Leal nasceu em São Paulo, presumivelmente no ano de 1871261, e foi autor das revistas Cenas da roça e Flor do sertão, em que ficaram “dois êxitos populares: Tristeza de caboclo, e Maricota sai da chuva”, usando, ainda “o pseudônimo de José Eloi”.262 Foi ainda letrista do tanguinho de Marcelo Tupinambá, Ao som da viola, de 1920, obra incluída na publicação, Raros e inéditos263, que, por sua vez, ressalta que, em São Paulo dos anos 10, havia um “teatro popular de caráter regionalista, vertente do nacionalismo literário de valorização de nossas raízes”. 257 Idem, ibdem. Idem, p.120. 259 Enciclopédia..., op. cit., p.557. 260 Enciclopédia..., loc. cit., p.788. 261 Enciclopédia..., op. cit., p.433. 262 Idem. 263 Raros e inéditos, São Paulo, SESC-SP, 1995. 258 75 É ainda nesse “teatro sertanejo-caipira”, que se expressava os “gêneros em voga: a revista, a burleta e a opereta”.264 Podemos acrescentar mais uma revista de autoria de Arlindo Leal, O boato, considerada “o grande acontecimento artístico”, reservado ao “Polyteama na noite de 12 de maio de 1889”, uma “revista de fatos locais sucedidas nos anos de 1897 e 1898, divididas em 10 quadros”, que tem, como eixo central, “a história de um casal e sua filha vindos a São Paulo por ocasião do carnaval” e que teve “músicas do maestro Manuel Passos”.265 Esta ligação da atividade teatral com a musical, expressa nos exemplos citados até aqui, expressam uma faceta, a nosso ver, pouco valorizada nos trabalhos de pesquisa sobre música das primeiras décadas do século XX. Mais do que uma interseção, “o teatro de revista, aparecido no Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX, foi o primeiro grande lançador de composições de música popular”.266 Neste sentido, quando refletimos sobre a proximidade entre música e teatro, podemos pensar na “disseminação das Casas de Ópera, no final do século XVIII”, quando ópera, “no contexto nacional, aplicava-se (...) a qualquer peça que intercalasse trechos falados com números de canto, executando-se a parte musicada conforme os recursos locais”.267 Com a “irrupção da opereta francesa, acompanhada por suas seqüelas cênicas”, gerando uma “espécie de 264 Raros e inéditos..., op. cit. Ainda na mesma publicação, Marcelo Tupinambá foi o autor das músicas da “opereta sertaneja”, Cenas da roça, de 1917. 265 ARAÚJO, Vicente de Paula. Salões..., op. cit., p.37. 266 TINHORÃO, José Ramos. Música popular: teatro e cinema. Petrópolis, Vozes, 1972, p.13. 267 PRADO, Décio de Almeida. História consisa do teatro brasileiro: 1570-1908. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999, p. 24. O mesmo autor ressalta a prática do entremez, uma “comédia em um ato (...), se possível recheadas com números de canto e dança” (Idem, p.56). 76 avalanhe de música ligeira”268, novamente observamos uma proximidade música e teatro, a partir da criação de Jaques Offenbach, no século XIX, “da ópera-bufa”269, fato que pode ser considerado como “o ponto de partida para a história do teatro musicado no Brasil de caráter popular e urbano”, quando Offenbach passou a criar “suas caricaturas musicais”270, num momento que, “o teatro abrasileirava-se simultaneamente à música”.271 O exemplo de Chquinha Gonzaga é significativo, na medida em que, para divulgação de sua música, “o teatro foi imprescindível”.272 O que pretendemos ressaltar, é que no universo musical de Canhoto, também observamos esta importância, inclusive em relação a outras manifestações artísticas. Assim, identificamos a presença de Canhoto nestes espetáculos, inclusive formando parcerias com profissionais desta área, caso do citado Arlindo Leal, autor da “revista sobre acontecimentos de São Paulo”, denominada O boato, “com música de Manuel Passos”, e que estréia em março de 1899 no Politeama, com cerca de “cem personagens, entre os quais tipos italianos (diferenciando do português das revistas fluminenses”.273 Em 16 de maio de 1918, no teatro Boa Vista, ocorreu “o festival dos apreciados artistas da companhia Arruda: Elisa Santos e Antônio Dias”, que contou com a “representação da opereta ‘Scenas da roça’ (...), também de Arlindo Leal, além de “um acto de ‘Cabaret’, no qual 268 Idem, p.85. Idem, p.89. 270 DINIZ, Edinha. Chiquinha Gonzaga..., op. cit., p.115. 271 Idem, ibdem. Vale observar que, “abaixo da opereta, na hierarquia ideal dos gêneros de teatro musicado, situava-se a revista” (PRADO, Décio de Almeida. História concisa do teatro brasileiro. São Paulo, EDUSP, p. 102). 272 Idem, p.114. 273 MAGALDI, Sábato & VARGAS, Maria Thereza. Cem anos..., op. cit., p.31. 269 77 tomaram parte vários artistas. Apachinette, que figurou nessa parte teve muitos aplausos, assim como Zazá Soares, que executou duettos com Raul Soares e cantou depois uma canção nacional; o violonista Américo Jacomino; a cançonettista Pura Jenelty (...)”.274 Outro espetáculo onde Canhoto atuou com artistas do teatro paulistano, foi quando tomou parte “do festival” realizado em 13 de junho de 1918, no Teatro Avenida, onde foi apresentado “a revista ‘O 31 Paulista’, seguido de “acto variado”, onde tomaram parte, além de Canhoto, “Edú Carvalho, Affonso Oliveira, João Pinho (...)”.275 Em março de 1919, no teatro Boa Vista, Canhoto participou, de um “ato de variedades”, juntamente com o “duo caipira ‘Os Garridos”, onde foi representada, inicialmente, “a peça do saudoso dr. Cesário Motta, ‘A caipirinha’”.276 Em março de 1920, foi a vez dos ‘Oito batutas’ encerrar um “ato de variedades” com um concerto, no palco do Teatro Boa Vista, por ocasião da representação da burleta, Nha moça, “desempenhada com agrado por Celeste Reis, Anthero Vieira, João Lino (...)”.277 Este mesmo grupo se apresentou em São Paulo, em dezembro de 1919 no palco do Teatro São Pedro, desta feita, dirigido “por João Pernambuco”.278 Com relação a citada Nha moça, esta “burleta de Abreu Dantas, com música de Chagas Junior, que tanto sucesso teve no Boa Vista”, que por sinal, realizou “um concurso de peças 274 Idem. Idem. Na mesma notícia publicada no jornal ‘O Estado de S. Paulo’, segundo a mesma fonte, constou ainda, referências a revista “Ponto por ponto’, de Jorge Domingues, representada no dia anterior, e a burleta ‘O estouro da bioada’, de Bento de Camargo, a ser representada no dia seguinte. 276 Idem. No intervalo deste mesmo espetáculo, segundo a mesma fonte, se apresentou “a banda de música do 5º Batalhão da Força Pública” (Idem). 277 Idem. 278 Idem. 275 78 regionais”, sendo um das peças premiadas, a burleta, A italianinha, de Euclides de Andrade “e do humorista Viterbo Azevedo”279, posteriormente transformado em filme e considerado “o primeiro filme verdadeiramente regional (...) da indústria cinematográfica paulista”.280 Em 1919, Canhoto, juntamente com o cantor e ator Viterbo de Azevedo e uma menina de dez anos de idade, na época, Abgail Gonçalves, que “mais tarde tornou-se a grande cantora lírica, Abgail Alléssio”281, e formaram o já mencionado trio Viterbo-Abgail- Canhoto, inspirado no sucesso do personagem de Jeca Tatu, que “provocava enorme onda de matutismo, refletindo na literatura, nas artes, na música e no teatro”.282 Porém, em sua primeira excursão, no interior de São Paulo, o trio foi desfeito em condições trágicas. Antes de um espetáculo de caridade, “Viterbo de Azevedo foi assassinado acidentalmente com um tiro na testa”283, o mesmo Viterbo que, juntamente Euclides de Andrade, compuseram a citada burleta, A italianinha. Em homenagem ao citado acidente envolvendo Viterbo Azevedo, Canhoto dedicou a valsa Manhã fatal, “a memória do saudoso e querido artista nacional Viterbo de Azevedo”284, partitura para piano contendo inclusive, uma parte poética sem especificação de autoria, além da citação de L. Rinaldo na “adaptação”, provavelmente, como 279 MAGALDI, Sábato & VARGAS, Maria Thereza. Cem anos..., op. cit. p.92. Idem 281 Idem. 282 Idem, ibidem. 283 Idem. 284 JACOMINO, Américo (Canhoto). Manhã fatal. Partitura para piano. São Paulo Ed.: C.E.M.B. Campassi & Camim., s/d. Partitura fornecida por Luís Américo Jacomino e incorporado ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 280 79 referência ao arranjo para piano desta partitura. Esta presença de Viterbo em atuações no teatro regional paulista, como vimos, nos faz indagar, a respeito de Abigail Gonçalves ou Abigail Aléssio, esta ‘grande cantora lírica’, conforme mencionamos. Uma informação a seu respeito, sem indicação de fonte, informa que “após o incidente, Abgail Gonçalves, agora com o apelido de ‘a sertanejinha’, estréia inicialmente como cantora solista no Teatro Rio Branco” e que, “traumatizada pelo acontecimento com Viterbo, ficará 20 anos sem cantar, e tempos depois mudará seu nome para Abgail Aléssio, dedicando-se ao canto lírico, com o qual chega a se apresentar no Metropolitan Opera House de Nova York”.285 Não localizamos documentos a respeito deste fato envolvendo Viterbo Azevedo e nem desta cantora, que parece ter tido certa projeção na época, a julgar por sua apresentação no ‘Ópera House’. Um fato a ser ressaltado dentro deste contexto, foi a montagem “dramático-musical da obra póstuma de peça de Afonso Arinos”286 (falecido em 1916), O contratador de diamantes, em 1919, representada “nos dias 12 e 14 de maio no Teatro Municipal”.287 Inicialmente vale observar o ativo apoio político recebido, a começar pelo então prefeito Washington Luís, “que cedeu o Teatro Municipal, custeou os cenários (...) e outras eventuais despesas”, com nada menos que duas orquestras, a menor “regida por Francisco Mignone” e a maior, “tendo como espala o professor Zacharias Autuori, teria como regente o maestro Francisco Braga”, que compôs as músicas deste 285 ANTUNES, Gilson U. Américo Jacomino..., op. cit., p.59. Idem, p.240. 287 MAGALDI, Sábato & VARGAS, Maria Thereza. Cem anos..., op. cit., p.90. 286 80 espetáculo, e que “viria especialmente do Rio, acompanhado do ministro da Viação, representando o presidente da República”.288 A respeito desta apresentação, o jornal ‘O Estado de S. Paulo’ destacou, acontecimento artístico (...) de uma alta significação social, revelador de uma cultura que dia a dia se aprimora e encontra suas origens nas melhores tradições nacionais, produto, por sua vez, da civilização latina que recebemos através da antiga metrópole.289 O Contratador pode ser considerado, “ao mesmo tempo, como cristalização e como catalizador de uma fermentação nativista que adquiria densidade crescente em direção aos anos 20”290, do qual fazem parte, “principalmente a Revista do Brasil, criada em 1916 pela Liga Nacionalista”291, que estimulou “uma literatura de regionalismo paulista, dedicada a retratar a cena rural e a cultura caipira”, através de autores, dentre eles “Amadeu Amarau, Monteiro Lobato, Cornélio Pires, Paulo Setúbal, Afonso de Freitas, Paulo Duarte”292. O sucesso “retumbante” desta montagem, desencadeou “uma espécie de furor nativista na alta sociedade paulistana”293, que já vivia “em ritmo de redescoberta do Brasil”.294 Segundo o mesmo autor, “os modernistas paulistanos não podiam deixar de ser contaminados por esse orgulho popular-nacional”295, quando incorporou “hábitos, 288 Idem, p.242. Segundo o mesmo autor, “num resumo extremo”, narra a história do contratador da prospecção de diamantes do Distrito de Diamantina do Tijuco (...), de preponderante linhagem paulista, líder e patriarca tutelar de seu povo, que é espuriamente estorquido pelo ouvidor-geral, mostrando como os políticos parasitas usurpavam o trabalho dos legítimos produtores locais (...)” (idem). 289 Apud. MAGALDI, Sábato & VARGAS, Maria Thereza. Cem anos..., op. cit., p.90. 290 SEVCENKO, Nicolau. Orfeu..., op. cit., p.247. 291 VIANNA, Hermano. Mistério do samba. Rio de Janeiro, Zahar, 1995, p.98. 292 SEVCENKO, Nicolau. Orfeu..., op. cit., p.247. 293 VIANNA, Hermano. Mistério..., op. cit., p.98. 294 Idem, p.97 295 Idem, p.99 81 influenciados pelo gosto das ‘coisas brasileiras”, que pareciam, “já fazer parte de seu cotidiano”, e completa reforçando os argumentos aqui apresentados, “um cotidiano ‘nacionalista’ não só vivido pela ‘vanguarda’ paulista, mas por grande parte da elite econômica de São Paulo”, com os quais, “os modernistas nunca deixaram de ter, além de laços de família em alguns casos”.296 De fato, observamos uma rede de relações entre artistas e intelectuais de um lado e os mecenas e homens públicos de outro. O próprio escritor Afonso Arinos era um exemplo, “contraparente dos Prado por casamento (com a sobrinha de Eduardo Prado, irmão do conselheiro)”.297 Outro exemplo ilustrativo, foi no casamento de Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade, realizado em 30 de outubro de 1926, tendo “Washington Luís Pereira de Souza, recém empossado presidente da República, foi padrinho do noivo e, da noiva, os amigos Paulo Prado e Olívia Guedes Penteado”.298 Um fato a ser ressaltado neste contexto, foi a derrota sofrida pela oligarquia paulista em 1910, com a eleição do general Hermes da Fonseca, foi desenvolver atividades culturais, em eventos “como a Semana de 22”, buscando assim reconquistar sua hegemonia, “golpeada com a derrota de Rui Barbosa na campanha civilista de 1910”299, conforme observa Elias Tomé Saliba no referido artigo. Oswald de Andrade, ao comentar seu encontro quando conheceu Waschington Luís, um “dos maiores líderes políticos de São Paulo”, 296 Idem, p.97. SEVCENKO, Nicolau. Orfeu..., op. cit., p.239. 298 MICELI, Sérgio. Nacional estrangeiro..., op. cit., p.142 299 O Estado de São Paulo, 7/10/2001, p. D14. 297 82 na época em que era Secretário de Justiça e que Segundo Oswald de Andrade, suas palavras sobre minha revista foram de tal modo elogiosas efavoráveis que, sem embaraço, aceitei o convite que me fez de vê-lo em sua Secretaria. Aí espontaneamente ele se dispôs a ajudar financeiramente O Pirralho, que considerava um valor na luta que se desenvolvia em torno de Rui Barbosa contra o hermismo controlado por Pinheiro Machado.300 Por conta deste vínculo, tal periódico pertenceu ao pequeno grupo de publicações, que, nas primeiras décadas do século XX, construíram “estreitas ligações com o mercado, assumindo-se enquanto empreendimentos comerciais, com estruturas de financiamento e produção bem mais profissionalizadas”.301 Outros exemplos de valorização da cultura regional a partir de ações públicas e governamentais, foi a reorganização do Museu Paulista, tomando o cuidado de dividi-lo em dois departamentos: um dedicado à história do Brasil em geral e outro, o principal destaque, totalmente consagrado à história de São Paulo (...) patrocinando a publicação de antigos manuscritos relacionados à história local.302 Nesta perspectiva, podemos mencionar ainda, a edificação do Monumento à Independência, patrocinada pelo governo paulista de Washington Luís; o Monumento às Bandeiras, projetado pelo escultor modernista Victor Brecheret, além do Monumento a Olavo Bilac, que 300 Apud. FONSECA, Cristina. Juó Bananére: o abuso em blague. São Paulo, Ed. 34, 2001, p.40. CRUZ, Heloisa de Faria. São Paulo em revista: catálogo de publicações da imprensa cultural e de variedades paulistana: 1870-1930. São Paulo, Arquivo do Estado, 1997, p.26. Segundo a mesma fonte, outras publicações com a mesma estrutura do Pirralho foram, A revista feminina, A vida moderna, e A cigarra, isto a partir “informações básicas sobre mais de 1.000 títulos de períodicos daqueles anos” (Idem, p.29). 302 SEVCENKO, Nicolau. Orfeu..., op. cit., p.138. 301 83 foi denominado pelo jornal O Estado de São Paulo como autêntica “febre estatuária”.303 Vale ressaltar ainda que todas estas iniciativas não buscaram incluir o grande contingente populacional, que permaneceu, não só excluído e marginalizado socialmente, mas reprimido, sempre que buscou se organizar de maneira independente do Estado. Nicolau Sevcenko menciona o “processo crescente de encortiçamento, abandono e descaso”, em bairros como o Bexiga, o Cambuci e o Brás, além da “devastação causada pelo envenenamento e contaminação”, em função dos “alimentos adulterados e da água insalubre”, cuja as vítimas, em sua maioria, “eram as crianças”.304 Retornando mais diretamente à carreira de Canhoto, ressaltamos duas composições dedicadas à Marinha Nacional, a Marcha triunfal brasileira e a Marcha dos marinheiros, quando em abril 1917, “é torpedeado pelos alemães o nosso navio Paraná”.305 O mesmo Ronoel Simões ressalta “o ardor bélico de que se viu tomada a nossa gente”306 e a contribuição da música “para sustentar o ânimo guerreiro que se apossava de todos”.307 Por exemplo, no carnaval de 1918, foram proibidas pelas “autoridades” certas manifestações, como “hinos ou músicas patrióticas, bem como o uso de fantasias alusivas às nações em guerra”.308 Nessas duas marchas, compostas para violão solo, o clima das bandas militares, muito importante para a constituição e 303 Apud, SEVCENKO, Nicolau, op. cit., p.99. Idem, p. 136. 305 SIMÕES. Ronoel. Américo Jacomino..., op. cit., p.6. 306 Idem. 307 Idem. 308 Idem. O mesmo artigo comenta a respeito de um convite “de um empresário de certa companhia teatral” para Canhoto gravar suas músicas na Alemanha, “todavia ele recusou a proposta, dizendo que preferia graválas em sua Pátria”(p.5). Luís Américo Jacomino, entretanto, filho do violonista, em depoimento a este pesquisador (6/8/98), disse desconhecer qualquer informação a este respeito. 304 84 difusão da musicalidade do início do século, foi reproduzido com grande fidelidade. Na Marcha triunfal brasileira, inclusive, Ronoel Simões comenta sobre a sonoridade “dos flautins, das cornetas, das caixas, etc”.309 Notamos ainda, em relação a estas duas obras, um momento, por assim dizer, onde Canhoto explorou sua habilidade e sensibilidade como e intérprete, obras estas que, após Abismo de rosas, sejam as músicas que mais o identificam. Neste sentido, vale lembrar a interpretação do violonista Dilermando Reis (nt), embora pareça mais contida, transmite com nitidez o clima das bandas militares, deste que foi, um dos mais importantes intérpretes da obra de Canhoto. Outra tragédia presenciada por Canhoto, além daquela ocorrida com seu parceiro Viterbo Azevedo, citada acima, ocorreu “no último dia do carnaval de 1920”, quando um namorado enciumado matou a namorada com um tiro, e em seguida a si próprio, “depois de lembrar à moça a proibição que lhe fizera de tomar parte nos festejos carnavalescos”.310 Tal episódio inspirou a composição da valsa lenta, como indica a partitura para violão editada pela Fermata do Brasil, Triste carnaval, tornando-se, inclusive, “um dos maiores sucessos na capital paulista, difundindo-se em seguida por todo o Brasil”.311 Tal sucesso pode ser observado pelas referências que esta valsa teve, em outras partituras de Canhoto, quando aparece como sendo uma obra referência, da mesma forma que atualmente o reconhecemos como o autor de Abismo de rosas, caso das partituras de Ai Barbina, na valsa 309 SIMÕES. Ronoel. Américo Jacomino..., op. cit., p.5. Idem, p.6. Além de indicar o gênero valsa lenta, entre parêntese, a partitura desta mesma obra aparece com outra indicação, Sonho de Pierrot. 311 Idem. 310 85 Chuva de pérolas, na própria Manhã fatal, citada acima. Vale ressaltar ainda um trecho da letra de Triste carnaval312, composta por Arlindo Leal: “Por tua causa, Colombina/ tive um triste carnaval/ Vem formosa Colombina/ minha tristeza leva (...)”. Ainda em relação a valsa de Canhoto, Triste carnaval, vale observar que esta obra foi gravada posteriormente por um de seus alunos, o campineiro José Pedroso de Camargo, que também gravou a mencionada valsa, Manhã fatal. Curiosamente, outro assassinato ocorreu, desta vez envolvendo o próprio Pedroso de Camargo, que matou uma prostituta na Rua Sete de Abril, “sendo logo solto, por bom comportamento”.313 Uma faceta pouco conhecida de Canhoto, foi sua veia poética, mas que acabaram fazendo parte de sua atividade profissional314, como ocorreu na catira, Nhá Maruca foi s’imbora315, na qual compôs também a parte poética. Logo na capa desta partitura, uma foto do “popular humorista, cançonetista e ventríloquo Baptista Junior e seus últimos sucessos”. Com relação ao autor do arranjo para piano desta partitura, não existe informação como normalmente ocorreria, tratando-se, provavelmente, de um arranjo feito pela própria editora. Por ser uma faceta pouco explorado de sua atividade profissional, transcreveremos pequenos trechos das obras no qual Canhoto compôs também a parte poética, como nesta catira, que traz em seu início: 312 JACOMINO, Américo (Canhoto). Triste carnaval. Partitura para piano. São Paulo Ed.: C.E.M.B. Campassi & Camim., s/d. Partitura fornecida por Luís Américo Jacomino e incorporado ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 313 Depoimento de Ronoel Simões, cit. 314 Depoimento de Luís Américo Jacomino a este pesquisador em 7/8/98. 315 JACOMINO, Américo (Canhoto). Nhá Marucá foi s’imbóra. São Paulo, A Di Franco. Partitura para piano. São Paulo Ed.: C.E.M.B. Campassi & Camim., s/d. Partitura fornecida por Luís Américo Jacomino e incorporado ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 86 “Nessas corda da viola/ cuando quéro namorá/ entro logo em desafio/ só Deus me pode ganhá (...)”. Outra faceta pouco ressaltada de Canhoto, foi a composição de músicas carnavalescas “durante nove anos seguidos, de 1920 a 1928”.316 Segundo Ronoel Simões317 destaca inicialmente a composição de um caterete de Marcelo Tupinambá, O matuto, “um de seus maiores sucessos”318, como uma das inspirações de Canhoto para a composição de tais músicas carnavalescas, da mesma forma que seu entusiasmo “com o carnaval carioca”319, quando, em conseqüência, “apresenta em 1924, dois trabalhos seus, letra e música: Carnaval à noite, e o outro, Esse cachorro só falta falar”320. Em relação a presença de Canhoto no Rio de Janeiro, consta que em 1919, o autor de Abismo de rosas, “foi pela primeira vez ao Rio de Janeiro, deixando perplexos todos os que compareceram a seus recitais”321, dentre eles, podemos citar “seu recital de violão (...) no teatro Lírico, em 4 de dezembro de 1919”322, além de, dias antes, oferecer “uma audição especial à imprensa carioca no salão do Jornal do Comércio”.323 Em 1920, compôs, em parceria com Arlindo Leal, Ai! Barbina, que Ronoel Simões denominou como tanguinho sertanejo324, mas que na 316 SIMÕES, Ronoel. Américo..., op. cit., p.6. SIMÕES, Ronoel. Américo Jacomino, o ‘Canhoto’. In. Jornal ‘A Gazeta’, 17-10-1958. Acervo: particular. 318 SEVERIANO, Jairo & MELLO, Zuza H. A canção..., op. cit., p.55. Segundo a mesma fonte, este cateretê, composto por Tupinambá, em parceria com Cândido Costa, “conta o desejo de um cearense desgarrado de voltar à sua terra”, tema este que “parece indicar uma aspiração dos autor a se popularizar além das fronteiras paulistas” (Idem). 319 SIMÕES, Ronoel. Américo Jacomino, o ‘Canhoto’. In. Jornal ‘A Gazeta’..., op. cit. 320 Idem. 321 FERRETE, J. L. Contracapa do LP Américo..., cit. 322 SIMÕES, Ronoel. Américo..., op. cit., p.7. 323 SIMÕES, Ronoel. Américo Jacomino, o ‘Canhoto’. In. Jornal ‘A Gazeta’..., op. cit. 324 SIMÕES, Ronoel. Américo..., op. cit., p.6. 317 87 partitura para piano, editada pela “‘C.E.M.B’, S. Paulo”325, aparece simplesmente, sertaneja, em mais um exemplo, a nosso ver, onde os gêneros musicais perdem sua função de nortear características históricas de uma obra musical, para adquirir, como que um título alternativo, ou até mesmo um subtítulo. Outra particularidade desta mesma partitura, é a referência ao citado Trio Viterbo-AbigailCanhoto, como sendo, Ai! Barbina!, seu “último sucesso”.326 Outra partitura desta mesma obra, localizada por nossa pesquisa, foi editada para a curiosa formação, “canto, violino ou bandolim”.327 Em 1921, dos mesmos autores, o “tanguinho amoroso”, na designação de Ronoel Simões328, Já se acabou, mas que na partitura para piano, editada pela “Campassi & Camim ‘C.E.M.B’. São Paulo”329, aparece como tanguinho sertanejo, ou ainda tanguinho, como indica a citada relação de obras de Canhoto, feita pelo pesquisador Juvenal Fernandes, transcrita adiante. Na capa desta partitura, em destaque, consta a referência, “tangos e sertanejas”, seguida da foto do “ator caipira Pinto Filho”330, ao lado de outra foto sem identificação. 325 JACOMINO, Américo (Canhoto) & LEAL, Arlindo. Ai! Barbina!. Partitura para piano. Ed.: C.E.M.B. S. Paulo, s/d. Partitura fornecida por Luís Américo Jacomino e incorporado ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 326 JACOMINO, Américo (Canhoto) & LEAL, Arlindo. Ai! Barbina!..., op. cit. Com relação à letra de Arlinda Leal, extraída desta mesma partitura, diz um dos trechos: “Já aperparei/ Minha casa de sapé/ E já prantei/ Umas mudas de café/ Meu canaviá/ Já ta pr’a madurecê/ E o Miará/ Bem no ponto de coiê!/ Ai Barbina (...)”. 327 JACOMINO, Américo (Canhoto) & LEAL, Arlindo. Ai! Barbina!. Partitura para piano. Ed.: ‘C.E.M.B’. S. Paulo, s/d. Partitura fornecida por Luís Américo Jacomino e incorporado ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 328 Idem, p.7. 329 JACOMINO, Américo (Canhoto) & LEAL, Arlindo. Já se acabô. Partitura para piano. Ed.: Campassi & Camim ‘C.E.M.B’. S. Paulo, s/d. Partitura adquirida junto a Luís Américo Jacomino e incorporado ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 330 JACOMINO, Américo (Canhoto) & LEAL, Arlindo. Já se acabô..., op. cit. Com relação à letra de Arlinda Leal, extraída desta mesma partitura, diz um dos trechos: “Já se acabô na minha vida toda a poesia/ Morena 88 Outra obra de sua autoria e também de estilo carnavalesco, desta feita em parceria com Juca Meu Nego, foi Ai Margarida... Ai Margarida!, designada como “marchinha carnavalesca à rag-time”, na partitura para piano editada pela Irmãos Vitale331, obra esta, dedicada “ao Dr. Álvaro Liberato Macedo proprietário da Casa Record, modesta homenagem do autor”.332 Outra obra localizada por esta pesquisa e pertencente a esta fase, foi o tango carnavalesco, Deixa meu bem de tolice333, onde o Canhoto compõe não só a música como também a letra. Dedicada “ao glorioso Centro dos Caçadores de Porto Alegre”, esta partitura contém, na capa, ao lado da foto do autor, uma relação de 18 obras, algumas inéditas, que serão incorporadas em sua relação de obras que estamos constituindo. Outro fato a ser destacado, diz respeito a edição desta obra, a cargo da Casa Bevilacqua, “filial São Paulo – Rua Direita, 17”, único exemplo de uma obra de Canhoto lançada por esta editora. Quanto a letra de Canhoto, diz em um dos trechos: “Na Lapa, tem uma sinhá/ Que tem fama de valente/ De tanto morder os outros/ Coitadinha ! está sem dente.” Outra composição carnavalesca onde Canhoto compôs música e letra, foi o maxixe, Esse cachorro só falta falar334, “sucesso para o carnaval de 1924”, conforme menciona a capa desta partitura, cuja ingrata!/ Tudo que antigamente pr’a mim sorria/ Não me arrebata/ Nada mais já me enleva/ Nem me póde encantá/ Pois eu vivo nas tréva/ Sem o seu doce oiá” (Idem). 331 JACOMINO, Américo (Canhoto) & NEGO, Juca M. Ai Margarida ... Ai Margarida. São Paulo, Ed. Irmãos Vitale, s/d. 332 JACOMINO, Américo (Canhoto) & NEGO, Juca M. Ai Margarida..., op. cit. Com relação à letra de Juca Meu Nego, extraída desta mesma partitura, diz em sua primeira parte: “Eu vi a Margarida/ passear pela Avenida/ Ai Margarida.../ Ai Margarida (...)”. 333 JACOMINO, Américo (Canhoto). Deixe meu bem de tolice. São Paulo. Casa Bevilacqua, s/d. Partitura para piano adquirida junto ao acervo do Centro Cultural São Paulo e incorporada ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 334 JACOMINO, Américo (Canhoto). Esse cahorro só falta falar. São Paulo, Oficina Musical ARS, 1924. Partitura para piano adquirida junto ao acervo do Centro Cultural São Paulo e incorporada ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 89 “edição ARS”, localizada na “Rua Bom Pastor nº147 – São Paulo”, menciona ainda, o “grandioso êxito: Riquette, fox-trot da opereta”, com música do “Mº I. Stabille”. Quanto à letra de Canhoto, diz em sua primeira parte: “Eu conheço uma Madama/ Que tem um cachorro inteligente/ Quem chegar com graça a ele/ É capaz de morder a gente/ Ai! Ai! Ai! O que será/ Esse cachorro sabe maxixar/ Esse cachorro só falta falar”. Ainda com referência a animais, temos o samba nortista, O gato comeu o pato, com letra e música de Canhoto335, partitura esta editada pela Casa Levy, o qual falaremos adiante, trazendo ainda referência a Casa Bevilacqua e a Oficina Musical ‘Campassi & Camim – São Paulo’ tratando-se provavelmente de uma co-edição. Diz um dos trechos envolvendo o gato e o pato: “Sá Mariquinha/ Pegue o pau e dê no gato/ Cuidado com elle, Que elle come o pato (...)”. Outra obra composta por Canhoto e inspirada no carnaval, foi o maxixe, A gente se defende336, onde compôs também a letra. Dedicada “ao querido e distinto ator Pinto Filho”, esta partitura possuí uma outra edição, pela Fermata do Brasil337, com arranjo de Domingos Semenzato para violão solo, que menciona uma “gravação RGE de Carlinhos Mafasoli”, edição esta que não faz referência à letra. Quanto a parte poética da citada edição, ficamos com uma dúvida, já que existem duas letras distintas mencionadas nesta partitura, uma delas ao 335 JACOMINO, Américo (Canhoto). O gato comeu o pato. São Paulo, Casa Levy, s/d. Partitura para piano adquirida junto ao acervo de Ronoel Simões e incorporado ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 336 JACOMINO, Américo (Canhoto). A gente se defende. São Paulo, Edição: Fermata do Brasil, s/d. Partitura para piano adquirida junto ao acervo de Ronoel Simões e incorporado ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 337 JACOMINO, Américo (Canhoto). A gente se defende. São Paulo, Edição: Pedro Tomasi, s/d. Partitura para piano adquirida junto ao acervo de Ronoel Simões e incorporado ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 90 final da partitura, e a outra letra na página seguinte, com o nome desta obra no topo da página, como título. Pelo fato da primeira referência fazer menção ao nome desta obra, transcrevemos aqui o trecho final: “Si algum dominó procura/ Descobrir-nos, já se entende:/ Com jeitinho e com malícia/ Logo a gente se defende”. Uma última questão envolvendo esta obra, diz respeito a relação de composições de Canhoto feita por Juvenal Fernandes338, que cita esta obra como sendo a mesma de outro choro de Canhoto, Dia de folia339. A comparação das duas partituras para violão, não nos permite concluir algo a respeito. Apesar de algumas semelhanças no desenho melódico de ambas, existe diferenças acentuadas no desenho rítmico. Como ponto comum entre ambas, existe a referência a Fermata do Brasil como negociadora dos direitos à Internacional Melodies, conforme consta nas duas edições. Tais aspectos não foram suficientes para que nesta edição internacional, a data de nascimento de Canhoto fosse apontada erradamente como sendo 1890, portanto, um ano depois, conforme vimos. Ainda do mesmo estilo, temos o samba carnavalesco, Feche a porta e leve a chave, com letra e música de Canhoto e “arranjo para piano de Alcebíades Correa”.340 Diz a letra em seu trecho final: “Feche a porta e leve a chave/ Ai! Ai!/ Feche tudo bem fechado/ Ai! Ai!/ Tenho medo que me roubem/ Ai! Ai!/ O coração da minha amada”. Outra referência “ao exímio pianista e distinto amigo 338 FERNADES, Juvenal. O cartaz da..., op. cit. 13-14. JACOMINO, Américo (Canhoto). Dia de folia. Genève, Internacional Melodies. Partitura para violão, com “révision de José Barrense Dias”, adquirida junto ao acervo de Ronoel Simões e incorporado ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 340 JACOMINO, Américo (Canhoto). Feche a porta e leve a chave!!. s/ ed. Partitura para piano adquirida junto ao acervo do Centro Cultural São Paulo e incorporado ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 339 91 Alcebíades Correa”, ocorreu em outro maxixe de Canhoto, que também compôs a letra, Se o telephone falasse341. Diz a letra em sua primeira parte: “Se o telephone fallasse/ ai meu Deus o que seria (bis)/ as melindrosas diriam/ credo em cruz Ave Maria”. Outras obras de Canhoto de teor carnavalesco foram o maxixe de Canhoto, Da Bahia eu quero côco, com letra de Fernandes Aguiar342; Outras composições de Canhoto no mesmo estilo foram outro maxixe carnavalesco, Ponta Grossa é boa terra343 e o tango, Sortêro, graças a Deus344. Canhoto, Carlos de Campos e a rádio Educadora de São Paulo. A partir do cruzamento das fontes utilizadas por este trabalho de pesquisa, um período se destacou de forma particular, o ano de 1924, pelo fato de conjugar dois acontecimentos em especial: o início regular das atividades da Rádio Educadora Paulista, um dos principais meios de veiculação da atividade musical, e a revolta em São Paulo, ocorrida neste ano, particularmente sobre a relação dos artistas com este movimento, além do foco em Carlos de Campos, político paulista de pouca projeção, mas que para este projeto adquire relevância na 341 JACOMINO, Américo (Canhoto). Se o telephone falasse. Edição: E.G.M.P. Partitura para piano adquirida junto ao acervo do Centro Cultural São Paulo e incorporado ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 342 JACOMINO, Américo (Canhoto) & AGUIAR Fernandes de. Da Bahia eu quero côco. Ed. Gráfica Musical U. DELLA LATTA, s/d. Partitura para piano adquirida junto ao acervo do Centro Cultural São Paulo e incorporado ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 343 JACOMINO, Américo (Canhoto). Ponta Grossa é terra boa. São Paulo, Oficina Gráfica Musical CAMPASSI & CAMIM, s/d. Partitura para piano adquirida junto ao acervo do Centro Cultural São Paulo e incorporado ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 92 medida em que foi um compositor amador, amigo de Canhoto -, que inclusive foi professor de violão de sua filha -, além de participar de diversas realizações artísticas em São Paulo. Um fato marcou os moradores da cidade de São Paulo durante os anos 20, e não foi diferente com seus artistas, foi o levante paulista de 1924. Do ponto de vista deste trabalho de pesquisa, este movimento nos interessa na medida em que constatamos uma ligação entre artistas e intelectuais com os políticos paulistas no decorrer desta década de 20, como por exemplo entre Canhoto e Carlos de Campos e também com Júlio Prestes, que, como veremos, não foi um caso isolado. Neste sentido, uma pergunta vem a tona: qual foi a posição destes artistas e intelectuais diante de tal movimento? Diante dos documentos analisados, podemos afirmar que a atitude foi muito variada. Enquanto alguns pegaram em armas e foram aos Campos Elísios, se solidarizar com o então chefe estadual, Carlos de Campos, caso de Menotti del Picchia, outros se retiram para o interior, caso dos recém-casados Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, enquanto Antônio de Alcântara Machado, atuou ao lado dos revoltosos, sendo, “provavelmente de sua autoria, os cabeçalhos do noticiário cotidiano da cidade então sob ocupação militar”.345 No caso de Canhoto, depoimentos dão conta de sua presença na cidade neste ano. Teria então participado de alguma forma da Revolta em São Paulo de 1924? Os motivos que nos levam a esta reflexão são diversos. Inicialmente por suas manifestações de caráter nacionalista, 344 JACOMINO, Américo (Canhoto). Sortêro, graças a Deus.... São Paulo, Oficina Gráfica Musical CAMPASSI & CAMIM, s/d. Partitura para piano adquirida junto ao acervo do Centro Cultural São Paulo e incorporado ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 345 MACHADO, Antônio de Alcântara. Brás, Bexiga e Barra Funda. Notícias de São Paulo. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia, p.11 (Nota Biográfica de Francisco de Assis Barbosa). 93 demonstrada durante a Primeira Guerra Mundial, através das composições já citadas, Marcha dos marinheiros e Marcha triunfal brasileira. Vale ressaltar algumas manifestações de músicos que viveram este acontecimento, caso do violonista Antônio Rago, que na época tinha oito anos de idade. Sua autobiografia começa justamente com comentários sobre este levante, a necessidade de se proteger “nos porões de nossa modesta casa no bairro do bexiga”, das granadas “atiradas pelas forças militares, sediadas no Morro dos Ingleses, hoje Rua dos Ingleses”.346 Durante a noite, porém, os “estampidos das granadas e metralhadoras eram sufocados pelo som de um violão (...) com suas valsinhas e lundúns da época”.347 Zequinha de Abreu foi outro músico que não só vivenciou este acontecimento, como o registrou com uma de suas composições: Sururu na cidade.348 Em Villa Kyrial, Marcia Camargos349 comenta sobre o “fogo cruzado dos rebeldes e das tropas federais estacionadas nas cercanias da Vila Mariana,” e mais adiante, a atitude de Menotti Del Picchia, “após furar o cerco rebelde exibindo a credencial de jornalista”, entrando no jardim do Palácio dos Campos Elísios, defrontando-se com o próprio Freitas Valle “com uma pistola Mauser em Punho”, além de altos funcionários parlamentares e chefes políticos”.350 346 RAGO, Antônio. A longa caminhada de um violão. São Paulo, Livraria Editora Iracema, 1986, p.15. Idem. 348 VASCONCELOS, Ary. Panorama da música brasileira na ‘belle èpoque’. Rio de Janeiro, Livraria Sant’Anna, 1977, p.355. Entretanto, o autor se engana ao se referir ao ano deste movimento como a “revolução de 1922, quando se viveram dias muito agitados na Paulicéia”(idem). O pesquisador Ricardo Cardim por sua vez, levanta a hipótese deste choro ter sido composto em 1934, a partir da localização de um “manuscrito” do próprio compositor (CERQUIERA, Ricardo Cardim. Zequinha de Abreu..., op. cit., p.60). 349 CAMARGOS, A. Marcia. Villa Kyrial - Crônica da belle époque paulistana. São Paulo, Senac, 2001, p.197. 350 CAMARGOS, A. Marcia. Villa Kyrial..., op. cit., p.197. 347 94 Antônio de Alcântara Machado por sua vez, “iniciado na advocacia”, chegou a exercer a função de “redator-chefe” do ‘Jornal do Commercio’ de São Paulo “interinamente, durante a revolução de 1924, chefiada pelo General Isidoro Dias Lopes”, e, como já foi ressaltado, são “provavelmente de sua autoria os cabeçalhos do noticiário cotidiano da cidade então sob ocupação militar”.351 Ao contrário deste, Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade, “por ocasião da rebelião tenentista que amendronta a capital”, da mesma forma que os “modernistas”, estes, “deixam a cidade e se recolhem às suas fazendas”.352 De fato, não só o interior, mas também o litoral era o destino daqueles habitantes “que tinham recursos (...); os demais ficaram à mercê das armas”353, que, teoricamente, deveriam defendêlos. O poeta e veterano de guerra Blaise Cendrars, que estava em São Paulo, “e se manteria aqui pelas maõs de Paulo Prado, as mais ricas e poderosas da cidade, assim comentou: Mal colocou sua artilharia em posição sobre as colinas que dominavam a cidade, o general Socrátes, comandante das tropas federais, desencadeou sobrea cidade aberta, da qual nenhum de seus habitantes havia sido evacuado, um bombardeio ‘à alemã’. Soube aproveitar as lições da Grande Guerra européia (...). Esse absurdo bombardeio durou 29 dias e 29 noites (...).354 Apesar de ainda incipiente, a rádio Educadora acabou adquirindo importância neste delicado momento da vida da cidade de São Paulo, 351 MACHADO, Antônio de Alcântara. Brás, Bexiga e Barra Funda. Notícias de São Paulo. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia, p.11 (Nota Biográfica de Francisco de Assis Barbosa). 352 MICELI, Sérgio. Nacional estrangeiro: história social e cultural do modernismo artístico em São Paulo. São Paulo, Companhia das letras, 2003, p.142. Quanto aos nomes dos artistas modernistas “que se retiram para suas fazendas”, Sérgio Miceli não fornece informações. 353 SEVCENKO, Nicolau. Orfeu estático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo, Companhia das Letras, 1992, p.303. 95 servindo como “meio de comunicação do poder constituído (...). Pouco depois da ‘legalidade’ restabelecida, a primeira programação da Sociedade Rádio Educadora Paulista: Óperas e operetas”.355 Consta que em 1924, Canhoto, ao lado do cantor Paraguassú, estavam em São Paulo, quando inclusive, inauguram “a primeira radioemissora desta capital, a Rádio Educadora Paulista”356, informação esta reiterada pelo cantor Paraguaçu, que comenta a inauguração desta emissora, juntamente com “Canhoto e o Alberto Marino, que foi o primeiro diretor artístico desta emissora.357 Se pensarmos que a Rebelião de 1924 em São Paulo inicia-se em 5 de julho, podemos trabalhar com a hipótese de Canhoto estar em São Paulo neste período. Se tivermos presente que Canhoto foi “professor de violão da filha de Carlos Campos”358, e próximo a outros importantes nomes da elite política paulistana e nacional, como Júlio Prestes conforme vimos, podemos supor, que Canhoto dificilmente se manteria indiferente a este acontecimento, assim como não ficaram Menotti del Picchia e Antônio de Alcântara Machado, mencionados acima. Ou teria se retirado da capital como fizeram os citados modernistas ? Tais questões nos levam a refletir sobre a trajetória de Carlos de Campos, político pouco mencionado, pelo que pudemos constatar até o momento. Ironicamente, a fonte de informações mais relevante que localizamos a respeito de sua biografia, além das informações já mencionadas e fornecidas pelo colecionador Ronoel Simões, além da 354 Apud. SEVCENKO, Nicolau. Orfeu estático...., op. cit., p.304. Idem, p.31. 356 SIMÕES, Ronoel. Américo..., op. cit., p.11. 357 Apud ANTUNES, Gilson Uehara. Américo..., op. cit., p.68. 358 SIMÕES, Ronoel. Américo..., op. cit., p.6. 355 96 citada dedicatória da obra de Ernesto Nazareth, Marcha fúnebre, localizamos algumas informações a respeito de suas composições, caso da ópera A bela adormecida, de 1924, “ com libreto de João Kopke e orquestração de Luís Provesi, estreada em abril do mesmo ano “no Teatro Municipal de São Paulo” e levada também “ao Municipal do Rio de Janeiro, além de outra ópera, Um caso singular, “com libreto de Pedro Augusto Gomes Cardim”, e encenada no Municipal do Rio de Janeiro e São Paulo “em 1926”.359 Por sua vez, Mário de Andrade tece duras críticas a Carlos de Campos, mais precisamente a “sua guinada de grande compositor”, após assumir a presidência do Estado, sendo suas “peças sinfônicas, peças de quarteto (...). Uma coisa vergonhosa.” E concuí taxativo: “Vamos acabar de vez com essa história de concertos em homenagem a presidentes de Estado e Interventores”.360 Filho de Bernadino de Campos, advogado formado pela Faculdade de Direito de São Paulo, Carlos de Campos foi deputado estadual, deputado federal, “secretário de justiça e governador de São Paulo de 1924 a 1927, cargo no qual veio a falecer”361, exercendo ainda a direção do “jornal Correio Paulistano”362, onde trabalhou com Menotti del Picchia.363 Foi frequentador assíduo da Villa Kyrial, e cativo do “Jantar da Lira, dedicado aos músicos que formavam um conjunto”, tendo dentre outros, Souza Lima no violoncelo e Carlos de Campos ao 359 Enciclopédia..., op. cit., p.141. Segundo a mesma fonte, Carlos de Campos compôs ainda outra ópera, Um caso singular, em 1926. 360 Apud. CONTIER, Arnaldo Daraya. Brasil novo..., op. cit., p.102. 361 Idem. 362 CINTRA, Assis. O presidente Carlos de Campos e a Revolução de 5 de julho de 1924. São Paulo, Ed. Cupolo, 1952, p.11. 363 GALVÃO, Maria Rita Eliezer. Crônica..., op. cit, p.251. 97 contrabaixo364, além de um dos responsáveis pela Regulamentação da Pinacoteca do Estado, em 1911365, e membro da Comissão Fiscal do Pensionato Artístico do Estado de São Paulo, “até sua morte, em 1927”.366 Participou ainda de atividades relacionadas ao teatro paulista, como por exemplo, na comissão que, em 1917, atuou na formação da Companhia Dramática de São Paulo, “ainda sob os auspícios da Sociedade de Cultura Artística, da Sociedade de Autores e do Conservatório Dramático e Musical”, tendo na “direção geral de Gomes Cardim”, comissão esta que contou com os nomes de “Godofredo da Silva Teles, Luis Fonseca, Nestor Rangel Pestana, Ricardo Figueredo e José Paulino Nogueira Filho”.367 Ainda em relação ao teatro paulista, em 1925, foi encenada, “em homenagem a Menotti del Picchia, sua peça As mascaras, com Aurora Aboim e Beatriz Costa. As canções Berceuse, Turquesa e Diamante, de autoria do Doutor Carlos de Campos, presidente do estado, foram apresentadas no espetáculo”.368 Vale ressaltar esta proximidade entre Menotti del Picchia e Carlos de Campos, além da atuação do irmão de Menotti, José, que em 1922, veio de Minas, “justamente para ver se conseguia cavar uns filmes comerciais para exibir na Exposição do Centenário”.369 Ainda segundo a mesma fonte, Menotti “não teve pejo de ir falar com Carlos de Campos”370, mas não detalha se este político paulista teve alguma 364 CAMARGOS, A. Marcia. Villa Kyrial..., op. cita., p.43 Idem, p.98 366 Idem, p.161. 367 MAGALDI, Sábato & VARGAS, Maria Thereza. Cem anos..., op. cit. p.87. 368 Idem, p.108. 369 GALVÃO, Maria Rita Eliezer. Crônica..., op. cit, p.252. 370 Idem, ibdem. 365 98 participação no impulso ou consolidação das atividades cinematográficas da cidade, revelando apenas, que, “os Picchias” foram um dos “verdadeiros pioneiros do cinema de São Paulo”.371 O mesmo José del Picchia, atuou como “cinegrafista” do filme, Acabaram-se otários372, comentado adiante, da mesma forma que Victor del Picchia, que atuou na produção deste mesmo filme373. Em 1924 temos o início das atividades da Rádio Educadora Paulista, inaugurada no ano anterior, e que abre uma nova fase nas atividades musicais da cidade, na medida em que a música de caráter mais popular, passa a adquirir um canal próprio de veiculação, iniciando assim, seu desvinculamento, dos chamados espetáculos ou atos de variedades, que marcaram a trajetória musical até então. Ao analisarmos a trajetória artística de alguns músicos paulistas ou que por aqui passaram, após 1924 até o final desta década, percebemos uma grande incidência de músicos que passaram pela Rádio Educadora Paulista, Canhoto, Paraguaçu, Zequinha de Abreu, Garoto, o maestro Gaó, Armando das Neves, o Armandinho, perceberemos sua importância para a atividade musical paulistana, já no início de suas atividades. Apesar de existir “desde 30 de novembro de 1923”, sua diretoria ficou “definitivamente constituída” apenas no ano seguinte, deliberando-se, assim, “que iniciassem demonstrações públicas com as irradiações somente em fevereiro de 1924”.374 Sediada inicialmente “na rua da Quitanda nº12”, transferindo-se posteriormente, em 28 de 371 Idem Idem, p.262. 373 Site da Cinemateca Brasileira, www.cinemateca.com.br. Acesso em 26/06/2006. 374 TOTA, Antônio Pedro. A locomotiva..., op. cit.p.27. 372 99 outubro de 1924 para o Palácio das Indústrias, “estreitando a relação rádio/Estado”, passou a ocupar “salas que lhe foram cedidas pelo Governo do Estado”.375 Já mencionamos a informação no qual, em 1924, Canhoto teria inaugurado “a primeira radioemissora desta capital, a Rádio Educadora Paulista, no Palácio das Indústrias”376, informação esta reiterada pelo cantor Paraguassú, em entrevista ao MIS-RJ, que comenta a inauguração desta rádio, juntamente com “Canhoto e o Alberto Marino, que foi o primeiro diretor artístico desta emissora. O estúdio era pequeno, dois e meio por dois e meio metros. Não havia microfone ainda, apenas em 1926 apareceu o microfone de carvão. Eu cantava de costas para não estourar os microfones”.377 Porém, não encontramos documentos que atestem tal fato. O que apuramos, a partir de uma informação veiculada no jornal ‘O Estado de S. Paulo’ de 28 de junho de 1924, foi que uma das primeiras irradiações desta emissora, foi a citada ópera A bella adormeciada, “do sr. Presidente do Estado Carlos de Campos”, levada ao ar poucos dias antes, quando esta obra foi encenada no Teatro Municipal”378, provavelmente dentro da citada temporada desta ópera em palcos paulista e cariocas. Após interromper suas atividades “em 5 de julho”, as irradiações desta emissora voltaram a ocorrer, “com toda regularidade desde o dia doze deste mês”, segundo publicação do ‘Estado’ de 17 de agosto de 1924, destacando ainda a programação do musical do dia anterior, “De 375 Idem, p.41 SIMÕES, Ronoel. Américo..., op. cit., p.11. 377 Apud ANTUNES, Gilson Uehara. Américo..., op. cit., p.68. 378 FLEURY, Eduardo & ANTUNES, Gilson U. & CASTAGNA, Paulo. O violão em São Paulo..., op. cit., vol. 2. 376 100 Bassi e Octacílio Machado”, barítono e tenor respectivamente, “acompanhados ao piano pelo prof. Perfetti”, ressaltando ainda, “prosseguem as obras de instalação do aparelho emissor nas torres do Palácio das Indústrias”.379 Enquanto isso, em sua antiga sede, na rua da Quitanda nº12, prosseguem suas “irradiações regulares todas as terças, quintas e sábados”, como ocorreu nos concertos realizados no Teatro Municipal “das pianistas brasileiras Magdalena Tagliaferro e Lúcia Branco da Silva”.380 Até que em 8 de outubro do mesmo ano, segundo esta mesma fonte, foi publicado neste mesmo jornal, a informação de que, “estação ‘Rádio Bandeirantes’, dessa sociedade, transferida para o Palácio das Indústrias, onde ocupa as dependências cedidas pelo governo do Estado, recomeçará hoje suas irradiações”.381 Curiosamente, em 28 de outubro de 1924, nova informação a respeito da transferência desta “emissora para o Palácio das Indústrias, onde ocupa salas que lhe foram cedidas pelo governo do Estado”, conforme citação acima da obra, Locomotiva no ar, de Antônio Pedro Tota”382, citando o mesmo ‘Estado’ de 28 de outubro de 1924. Assim, o que podemos afirmar, é que em 1924 houve a inauguração da nova sede desta emissora, e não sua inauguração propriamente dita, tanto que, em 30 de novembro de 1928, uma notícia veiculada pelo jornal ‘O Estado de S. Paulo’ e intitulada ‘Aniversário da primeira sociedade de radiotelephonia de São Paulo’, 379 Idem. Idem. O fato desta mesma informação trazer a observação “graças à gentiliza das pianistas (...)”, nos faz crer que tais irradiações destes concertos eram autorizadas, como observamos acima com relação à irradiação da ópera de Carlos de Campos. 381 Idem. 382 TOTA, Antônio Pedro. A locomotiva..., op. cit.p.41. 380 101 comemorada com a irradiação de um programa especial, pelo seu “5º aniversário”, cuja existência “data de 30 de novembro de 1923”, quando “um grupo de engenheiros paulistas, reunidos no Instituto de Engenharia (...) e sob a presidência de Belisário Pena, então no exercício de importante cargo do Serviço Sanitário do Estado (...)”.383 Ainda segundo a mesma fonte, foi inicialmente instalada, “a título provisório, uma pequena estação transmissora de 10 ‘volts’, denominada ‘Rádio Bandeirantes’, na residência do sr. Dr. Leonardo Jorge Júnior (...), até sua transferência para “os torrões do Palácio das Indústrias, cedido pelo então secretário da Agricultura, sr. Dr. Gabriel Ribeiro dos Santos”.384 Assim, o que podemos concluir, é que não foi somente a transferência desta emissora para o Palácio das Indústrias, que “estreitou as relações Estado/rádio”, como mencionamos acima, mas também, a sua própria constituição, a partir dos esforços de Belisário Penna, exercendo então “o importante cargo do Serviço Sanitário do Estado”, que por sua vez, presidiu a reunião que inaugurou esta emissora, reunião esta “que nasceram os estatutos da sociedade, e que são os mesmos ainda em vigor”.385 Retornando ao ano de 1924, em 30 de outubro, temos a notícia de que “foi irradiado pela estação do Palácio das Indústrias, o recital de piano da senhorita Dinorah de Carvalho realizado no Teatro Municipal, que por sua vez, foi a “primeira irradiação que foi levada à efeito nesse teatro depois da transferência da estação emissora, antes 383 FLEURY, Eduardo & ANTUNES, Gilson U. & CASTAGNA, Paulo. O violão em São Paulo..., op. cit., vol. 2. 30 de novembro de 1928. 384 Idem. 385 Idem. 102 instalada à rua Frei Caneca,” recital este, “coroado de êxito”386, levando-nos a conclusão de que as novas instalações desta emissora, se deu em 29 de outubro de 1924, com o concerto da pianista Dinorah de Carvalho, cujas informações biográficas mencionadas na Enciclopédia da música brasileira387, não faz menção a este recital de inauguração. Afora as irradiações citadas de concertos realizados no Teatro Municipal e também no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, a partir de “uma linha que estabelece ligação” entre tais locais “e a estação”388, teremos, no mês seguinte, uma ‘orquestra’, “constituída pelo Trio Bandeirantes”389, informação que interpretamos como sendo uma música produzida nos estúdios desta emissora, que, dias depois, interpreta, pela primeira vez segundo apuramos, uma obra de Canhoto, seu maxixe, Se o telefone falasse390, sendo que, somente em março de 1925, teremos “uma audição de violão a cargo do popular (...) Américo Jacomino”, interpretando oito obras, cinco das quais, de sua autoria.391 A partir de então, sua atuação, principalmente nesta emissora -, já que em junho 1924, inaugurou-se “a Rádio Club de São Paulo”392-, assim como de outros músicos e compositores, será crescente, inclusive, em detrimento dos citados espetáculos de variedades, a ponto de ser publicado no ‘Estado de São Paulo’, em outubro de 1925, 386 FLEURY, Eduardo & ANTUNES, Gilson U. & CASTAGNA, Paulo. O violão em São Paulo..., op. cit., vol. 2. 387 Enciclopédia de música brasileira..., op. cit, p.171. 388 FLEURY, Eduardo & ANTUNES, Gilson U. & CASTAGNA, Paulo. O violão em São Paulo..., op. cit., vol. 2, 28 de outubro de 1924. 389 Idem, 09 de novembro de 1924. 390 Idem, 12 de novembro de 1924. 391 Idem, 5 de março de 1925. 392 TOTA, Antônio Pedro. A locomotiva..., op. cit., p.27. 103 um artigo justamente a respeito do desaparecimento “dos cinemas” dos “números de atração”, que, por muito tempo, “figurou ao lado das fitas” e nos “intervalos dos cinemas”, prejudicando a carreira de “músicos (...), duetistas, conferencistas regionais, repetidores de anedotas”, que “viviam em eterna peregrinação de cidade em cidade”.393 Em 1925, a programação da Rádio Educadora Paulista incluiu “um número relativamente maior de música popular”, ainda que “a chamada música de concerto ou erudita ocupasse a maior parte do tempo em que a emissora ficava no ar”.394 Assim, entre “um concerto transmitido diretamente do Teatro Municipal, regido pelo notável maestro patrício Sr. Heitor Villa Lobos”, numa tarde de domingo no verão de 1925, “os mesmos ouvintes” podiam apreciar “um tango de Joubert de Carvalho e até maxixes”.395 Retornando aos comentários sobre aspectos da biografia de Canhoto, ressaltamos seu casamento, com Maria Vieita de Moraes, principalmente pelo fato de sua esposa ter sido afilhada de Júlio Prestes, que por sua vez intermediou a entrada de Canhoto no serviço público em 1928, ano de sua morte. Canhoto e Maria Vieira de Moraes se conheceram em março de 1922, após um recital no cinema São José, em março de 1922, na cidade de Itapetininga. Ela, irmã do prefeito desta cidade e filha de “Antônio Vieira de Moraes, o Nhonhô Pereira”396, que era um “chefe 393 Idem, 19 de outubro de 1925. Idem, p.41. 395 Idem, p.43. 396 Jornal ‘Folha de São Paulo’, 7 de setembro de 2003, p. B3, artigo assinado por Luís Nassif, que por sua vez, afirma que a Maria Vieira de Moraes “era sobrinha de Júlio Prestes”, enquanto Luís Américo Jacomino, filho de Canhoto, menciona que “Júlio Prestes era padrinho da esposa de Canhoto” (Memória: entrevista com Luís Américo Jacomino. Programa exibido pela rádio USP em 13/03/2005. Acervo Particular. 394 104 político local”.397 No dia 7 de setembro deste mesmo ano, ambos se casaram e Canhoto abriu uma loja de instrumentos musicais chamada, Casa Carlos Gomes (a influência de Carlos Gomes em sua obra será comentada adiante). Mas o negócio não prosperou, e Canhoto fixa residência novamente em São Paulo, a esta altura, com dois filhos, Maria Aparecida, a quem dedicou a valsa Manhãs de sol398, e Luís, violonista, responsável pela divulgação da obra do pai até hoje e indispensável colaborador para esta pesquisa. Em 1926 Canhoto conheceu o compositor mineiro Joubert de Carvalho (1900-1977), durante uma série de recitais na cidade paulista de Avaré, em 1926. Joubert de Carvalho, na época sexto anista de medicina, passava férias “na fazenda Santa Rosa, de seu amigo José Augusto de Toledo”.399 Em sua homenagem, Joubert de Carvalho compôs Os teus olhos, gravada por Canhoto “em disco Odeon nº10165, em solo de violão”400, por sinal, obra não mencionada no verbete dedicado a este compositor mineiro, na Enciclopédia de música brasileira.401 Foi ainda Joubert, quem o acompanhou em sua viagem de trem, quando voltava a São Paulo às pressas, pouco antes de sua morte. Nesta ocasião, na cabine do trem, o compositor mineiro “achou prudente aplicar-lhe uma injeção de óleo canforado e cafeina, e a agulha, transpassando a magreza do braço, foi atingir o osso”402, conforme mencionamos acima. 397 Idem, p.5. Idem, ibidem. Ainda segundo Ronoel Simões, Canhoto fixou residência “primeiramente na Pensão Mathias, na Rua Conceição, mudando-se logo depois para a rua Bueno Andrade 91”. 399 SIMÕES, Ronoel. Américo..., op. cit., p.8. 400 Idem, p.7. 401 Enciclopédia..., op. cit., p.174. 402 Idem, p.8 398 105 Já em fevereiro de 1927, Canhoto participa do concurso O que é nosso, promovido pelo Correio da Manhã, do Rio de Janeiro. Nesta oportunidade, interpretou três de suas composições: Marcha triunfal brasileira, Viola minha viola e Abismo de rosas. De volta à capital paulista, organizou duas Noites Brasileiras, apresentando-se no Teatro Boa Vista e também no Municipal de São Paulo, com seu conjunto, os Turunas Paulista, composto de “quatro violões, flauta, saxofone, dois cavaquinhos, reco-reco, maracaxá e pandeiro”.403 Canhoto no Teatro Municipal Já mencionamos o vínculo a elite política paulistana e as artes, “particularmente a música e as artes cênicas”, e que passou pela “construção de um teatro monumental em São Paulo”, que deveria ser “maior e mais ostensivo que o da Capital Federal”, projeto que se tornou um dos “pontos nucleares da administração de Antônio Prado à frente da prefeitura”.404 A construção deste, teve como ponto central, o dia 11 de setembro de 1911, data prevista de inauguração do Teatro Municipal de São Paulo, até hoje considerado um dos principais símbolos da cidade, que buscou acompanhar seu tempo, e, se possível, ultrapassá-lo. Como destaca a publicação especial, Ilustração paulista, dedicada à inauguração do Teatro Municipal, não se economizou luxo nem riqueza, empregando-se, “com maior abundância o ouro, nas colunas 403 404 Idem, ibidem. SEVCENKO, Nicolau. Orfeu estático..., op. cit., p.232. 106 que suportam os balcões e camarotes”, estando a orquestra, “instalada em nível inferior da platéia, conforme dispositivo wagneriano”, tendo ainda como característica uma construção “incombustível, de sorte a evitar um incêndio total”.405 Porém, se observamos tanto requinte e rigor, por um lado, notamos também alguns equívocos, por outro. O pesquisador Maurício de Silos observa que, em setembro de 1911, inaugurou-se o prédio do teatro, e não um teatro de ópera, “que presume corpos estáveis de orquestra, coro, corpo de baile”.406 Da mesma forma, notamos alguns improvisos quanto à escolha do programa de abertura. Quanto a importância da Companhia contratada para a estréia, a do barítono Tita Ruffo, nada a contentar. O pesquisador e empresário Sérgio Casoy, definiu como “um fenômeno, um milagre vocal, tão importante como Enrico Caruso”407, que por sinal se apresentou neste Teatro em 1917. A inauguração só aconteceu no dia seguinte, 12 de setembro, pois os cenários e figurinos não puderam chegar a tempo408, e não foi concluída, “tantos foram os discursos dos políticos presentes”.409 Quanto ao programa de estréia, “Hamlet, de Ambroise de Thomas, ópera que estava sendo encenada na excursão que Tita Ruffo fazia pelo interior da Argentina”, quando “aceitou ser o protagonista da festa, mas não com O Guarani, para o qual não tinha partituras, cenários ou figurinos”.410 Finalmente, “após circular um boato que ocorreria um atentado”, com “um dia e uma hora de atraso”, o teatro 405 Ilustração paulista. Edição especial sobre o Teatro Municipal, São Paulo, 12 de setembro de 1911. Acervo: particular. 406 Teatro Municipal. Programa da Rádio Cultura FM, apresentado em 11/9/2001. 407 Idem. 408 Teatro Municipal. In: Jornal ‘O Estado de S. Paulo’, 12/9/2001, pp.D1 e D3. 409 Teatro Municipal. Programa da Rádio Cultura FM, cit. 410 A crise dos 90: Teatro Municipal. In: Jornal ‘Folha de S. Paulo’, 12/9/2001, p.E5. 107 foi inaugurado, com um a protofonia de O Guarani, “incluído às pressas pelo maestro Edoardo Vitali, antes da apresentação de Amleto”.411 Vale ainda destacar o episódio envolvendo Pietro Mascani, “um dos maiores nomes do mundo da ópera”412, em sua apresentação no Municipal, em 1922. No intervalo dos ensaios, quando foi admirar o busto de Carlos Gomes, seu grande amigo, constatou que aquele não era o músico campineiro. Dirigiu-se então à residência de Waschington Luís, presidente do Estado, e comunicou-lhe o fato, que, por fim, acabou sendo confirmado: o polêmico busto era de Pinheiro Machado, outro trabalho encomendado ao “escultor Brizzollara, que tinha um estúdio em Santana, e que foi o responsável pela confusão”.413 Em pesquisa no Museu do Teatro Municipal, tivemos a grata surpresa de localizar, justamente, o programa da apresentação de Canhoto no Teatro Municipal de São Paulo (anexado acima). Logo na capa, aparece a data, 8 de maio de 1927 (“às 21 1/2 horas”) e uma indicação quanto a organização, a cargo de Canhoto, e outra de patrocínio, da Liga das Senhoras Católicas. Na contracapa, a descrição dos membros do Turunas Paulistas com seus respectivos codinomes: Alexandre Carraro, o Buritama, na flauta; nos violões, Manuel dos Santos, o Pilé, José Sampaio, o Flôr da Faina, Armando Neves, o Rangê e Benedicto dos Santos, o Ave céu; no cavaco, Mário Ramos, o Mandureba e José dos Santos, o Gama; no pandeiro, Cavalheiro Mulato, o Canindé; no maracaxa, Domingos 411 Teatro Municipal. In: Jornal ‘O Estado de S. Paulo’, 12/9/2001, pp.D1 e D3. Idem. 413 Teatro Municipal. Programa da Rádio Cultura FM, cit. 412 108 Marino, o Catoli e por fim, no reco-reco Mário Boquiaberta, o Mandinga. O uso de codinomes pode ser observado em outro conjunto de destaque no período, o Grupo Caxangá, organizado por João Pernambuco em 1912, e que teve como um de seus integrantes Pixinguinha.414 Na primeira parte do programa, onze composições. Na abertura, uma “palestra humorística sertaneja” a cargo do Dr. Plínio de Castro Ferraz, além da apresentação dos Turunas Paulistas. As obras apresentadas nesta primeira parte foram: Samba do urubú, Ranchinho desfeito, Um choro, todas interpretadas pelos Turunas; Espingarda, embolada, “por Manuel dos Santos e coro”; Vamos s’imbora Maria, “toada nortista e côro”; Luar do Brasil, “cantada por Arnaldo Pescuma, acompanhada de violões e cavaquinhos”; Quem não dança carrega criança, “choro flauta, cavaquinho e violão”; Marcha triunfal brasileira e Abismo de rosas, ambas em “solo de violão pelo Canhoto” e, encerrando a primeira parte, Desafio, com Pilé e Gama à viola. Na segunda parte, nove composições, além de nova abertura do Dr. Plínio de Castro Ferraz com sua “palestra sertaneja”. As obras apresentadas foram as seguintes: A choça do monte, de Catullo Cearense, cantada por Roque Ricciardi, acompanhada de violões e cavaquinhos; Ouvindo as ondas, canção de J. Freire Junior; Feiticeiro, tango brasileiro, solo de violão pelo Canhoto; Viola minha viola, samba, solo de violão pelo Canhoto; Bem te vi, samba cantado com acompanhamento de violões e coro; Alvorada do sertão, de Catulo Cearense, cantado por Manuel dos Santos e coro; Um choro, obra já 109 interpretada na primeira parte, e por fim, Foi se embora Maria, marcha de rancho, cantada por Manuel dos Santos e coro. Curiosamente, somente as obras de Catulo trazem indicação de autoria. Nem mesmo as obras que seguramente foram compostas por Canhoto e interpretadas nesta apresentação trazem esta indicação, o que nos leva a conclusão de serem obras de sua autoria. Com relação ao violonista Armando Neves (1902-1976), o Armandinho, vale ressaltar que, até 1919, foi jogador de futebol, atuando, em 1927, pelo “Sport Club Corinthians Paulista”415, e posteriormente, “boiadeiro pelo interior de São Paulo”.416 Iniciou suas atividades musicais aos 21 anos, quando transferiu-se para São Paulo, “estudando violão com os irmãos José e Joaquim Matoso e em 1926 com Larosa Sobrino, com quem ingressou na Rádio Educadora Paulista”.417 Em 1927 entrou para os Turunas Paulista, “de Canhoto, considerado o melhor violonista da época”.418 Canhoto e a Orquestra típica de instrumentos de cordas No início de 1928, ano de seu falecimento, “no período de 17 de fevereiro a 04 de março”, Canhoto foi convidado a organizar uma “Orquestra Típica, de instrumentos de cordas, constituído por músicos de São Paulo, para se apresentar no Salão de Automóveis da empresa 414 ESTEPHAN, Sérgio. O violão..., op. cit., p.72. PICHERKY, Andrea Paula. Armando Neves – o choro no violão paulista. Dissertação de Mestrado, IA UNESP, outubro de 2004, p, 15. 416 Enciclopédia..., op. cit., p.45. 417 Idem. 418 Idem, ibdem. 415 110 automotiva General Motors, evento este realizado no Cine Odeon”419, e do qual participaram diversos músicos paulistanos, como Garoto e Armandinho, além de José Patrocínio de Oliveira (1904-1987). Natural de Jundiaí, onde nasceu em 1904, tocou cavaquinho, “na época em que era classificador de cobras no Instituto Butantã de São Paulo”420, José Patrocínio de Oliveira atuou na rádio Educadora Paulista em 1929 e na rádio Cruzeiro do Zul em 1931, quando trocou o cavaquinho pelo banjo (o que lhe valeu o apelido de Zezinho do Banjo), “época em que integrou a Orquestra Columbia, dirigida pelo maestro Gaó”421, o qual falaremos adiante. No final da década de 1930, se integrou ao conjunto que acompanhou a cantora Carmem Miranda nos Estados Unidos. Foi lá que conheceu Walt Disney, “que, inspirado na sua figura, criou o malandro Zé Carioca”.422 Outro importante instrumentista nacional, que iniciou sua carreira com Canhoto, foi Anibal Augusto Sardinha, o Garoto, primeiro como seu aluno423, e, em seguida, como integrante da Orquestra Típica, quando tocou por ocasião da mencionada Exposição da General Motors, em 1928. Segundo depoimento do próprio Garoto, foi nesta ocasião “que tive minha primeira oportunidade, tocando ao lado de Canhoto, Zezinho e Mota”.424 Natural assim, que uma das principais características de Canhoto e Garoto, enquanto instrumentistas, seja justamente o virtuosismo. Acreditamos, ainda, que a importância de Canhoto fica ainda mais ressaltada na medida em foi, não só um 419 PICHERKY, Andrea Paula. Armando Neves..., op. cit., p.24. Enciclopédia..., op. cit., p.843. 421 Idem. 422 MORAES, José Geraldo Vinci. Sonoridades..., op. cit., p.169. 423 Depoimento de Luís Américo Jacomino a este pesquisador em 6/8/98. 424 Apud ANTÔNIO Irati & PEREIRA Regina. Garoto, sinal dos tempos. Rio de Janeiro, Funarte, 1982, p.15. 420 111 importante artista de seu tempo, mas, também, um elo de ligação com as futuras gerações de músicos brasileiros, como Garoto e Armandinho, citados acima. Quanto ao citado, Odmar Amaral Gurgel, conhecido como maestro Gaó, nasceu em 12 de fevereiro de 1909. Natural de Salto, interior de São Paulo, transferiu-se para capital em 1923, “onde ingressou no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo”, passando também pela Rádio Educadora Paulista, “onde inicia suas atividades em rádio em fins de 1925 (...) além de organizar orquestras, fazia música de câmara e executava solos de piano”.425 Foi diretor-artístico da Columbia discos, onde organizou a Orquestra Colbaz, do qual participou o violonista Zezinho, conforme mencionamos acima. Canhoto e Júlio Prestes Em 1928, Canhoto foi nomeado “funcionário da prefeitura, (da área de impostos, o chamado lançador) com o polpudo ordenado de um conto e oitocentos mil réis”426, por intermédio de Júlio Prestes.427 Como vimos, a partir do seu casamento, o autor de Abismo de rosas passou a integrar a família deste político, que, neste mesmo ano, ocupava a presidência do Estado, após o falecimento súbito do então chefe estadual, Carlos de Campos, em abril de 1927428. 425 Enciclopédia..., op. cit., p.315. FERNADES, Juvenal. O cartaz..., op. cit., p.13. 427 Depoimento de Luís Américo Jacomino, cit. 428 DEBES, Célio. Júlio Prestes e a Primeira República. São Paulo: Imprensa Oficial: Arquivo do Estado, 1982, p.65. 426 112 Segundo declarações de seu colega Armandinho429, por sua vez, houve um emprego anterior, também como funcionário público, quando Canhoto ingressou na guarda civil e foi designado para escoltar a carrocinha de cachorros e, certa ocasião, quando davam caça a um vira-latas nama das ruas da capital, sua dona foi para cima do guarda de vassoura em punho. Canhoto desistiu imediatamente de tão ‘perigosa” profissão430 Quando foi nomeado lançador da prefeitura, “em 20 de março de 1928”431, Canhoto adquiriu um “Chevrolet verde”, do ano “de 1927”432, no qual percorria “os distritos de sua fiscalização: Vila Maria, Tremembé e Bairro do Limão”.433 Em homenagem a seus novos companheiros de trabalho, Canhoto compôs a valsa Reminiscências.434 Nesse momento, já manifesta o sintomas que o vitimaria adiante: “uma dilatação da aorta”, fato inicialmente omitido de sua esposa, e só revelado quando, “regressando de uma tocata realizada na residência de d. Vidoca Prestes, não conseguiu sequer abrir a porta de casa”.435 Existe a possibilidade de Vidoca Prestes, Ter sido Alice Viana Prestes, esposa de Júlio, falecida em “9 de junho de 1940”436, mas não conseguimos confirmar tal suspeita. Júlio Prestes foi outro político paulista, que incluiu a música em sua atividade politica, inicialmente pelo vínculo com Canhoto, que, como vimos, intermediou sua entrada no serviço público. A preparação de sua candidatura a Presidência da República, novamente 429 Revista ‘Violão e mestre’. São Paulo, março de 1964. Idem. p.21. 431 SIMÕES, Ronoel. Américo..., op. cit., p.6. 432 Memória: entrevista com Luís Américo Jacomino. Programa cit. 433 Idem. 434 Idem. 435 Idem. 436 DEBES, Célio. Júlio Prestes..., op. cit., p.112. 430 113 estendeu-se “ao campo da música popular”437, através de composições como do rancho carnavalesco, Harmonia...Harmonia, com de Heckel Tavares com versos de Luís Peixoto438, além da atuação de Sinhô, que compôs, Eu ouço falar, “quando lançou a candidatura (...) em pleno palco do Teatro Municipal”, e também com a participação em “um recital folclórico”, também no Municipal439. Depois deste espetáculo, “Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade ofereceram uma festa à Sinhô (...) com a presença de Júlio Prestes”, além de Raul Bopp, Brecherett (...). A certa altura da festa, Sinhô se instalou no piano e “tocou um saracoteado cateretê paulista, para que a cozinheira de Tarsila desse uma demonstração de sua habilidade coreográfica. Não resistindo ao ritmo vivaz da música típica de sua terra, o presidente se levantou da poltrona e desafiou a cozinheira para uns novos passos da dança de terreiro [demonstrando] ser hábil dançarino de cateretê.440 O fato de ser ‘hábil dançarino de cateretê’, não nos parece um exemplo isolado, ao contrário, reforça a impressão observada por nossa pesquisa, quando a prática política se conjugou com aspectos culturais regionais. Neste sentido, este fato nos parece ilustrativo, na medida em que esta dança “de São Paulo e talvez Minas (...) com acompanhamento de violas” e dançada em “fileiras”441, sendo que “O Padre José de Anchieta aproveitou-se de uma dança religiosa dos índios, chamada caateretê (sic) para atraí-los ao Cristianismo”, sendo 437 Idem, p.87. Idem. Vale ressaltar um trecho da letra bem humorada deste rancho: “(...) Harmonia – Harmonia! / Chamem o Getúlio/ Que é um banho de água fria/ Enquanto isso seu Getúlio já escrevia/ Tudo às avessas, Virgem Maria!/ Escrita em turco aquela carta parecia / Nas entrelinhas é que se lia: Harmonia – Harmonia/ Quero o Catete/ Mas fingi que não queria (...)” (Idem). Segundo a mesma fonte, os mesmos autores compuseram ainda a marcha, Comendo bola, “também de cunho político” (Idem). 439 Idem, p.89. 440 Idem. 441 ANDRADE, Mário. Dicionário..., op. cit., p.120. 438 114 por isso, considerada “de provável origem ameríndia”442, sendo que, “para o caipira paulista todas as danças são invenção diabólica exceto o cateretê, porque esta foi abençoada e até praticada por Jesus quando em sua peregrinação terrestre”.443 O cateretê, Uma noite na roça Como vimos, a gravação de Uma noite na roça, foi o último registro fonográfico de Canhoto (nº10.205B), no mesmo disco em que registrou a valsa, Mexicana, já pelo processo elétrico e lançado em outubro de 1928, portanto, no mês seguinte ao falecimento deste violonista, e ainda, um ano antes de seu padrinho político, Júlio Prestes, demonstrar seus dotes artísticos, acompanhado ao piano por Sinhô. Por sinal, o cateretê foi um dos gêneros musicais de menor incidência dentro de universo de composições, sendo que o único exemplo que localizamos, foi a catira, (“o mesmo que cateretê”444), Nha maruca foi s’imbora, comentada acima. Uma noite na roça pertence a uma fase onde os recursos de seu universo composicional já estavam amadurecidos -, distante por exemplo de composições como Abismo de rosas -, e quando se aproximava de uma estética musical mais moderna, caracterizada pela exploração de recursos poucos convencionais, tais como alterações de timbre, de alturas, efeitos percussivos, condizente por sinal, com uma linguagem musical que se distanciava do tonalismo, conforme já 442 Enciclopédia..., op. cit., p.180. Apud. ANDRADE, Mário. Dicionário..., op. cit., p.120. 444 Idem, p.122. 443 115 mencionamos, inclusive com um recurso comum em suas composições, o cromatismo, e que tem seu exemplo maior em Viola minha viola. Esta partitura445 possui uma diferença quanto ao nome, neste caso somente denominada, Noite na roça, com versos de João do Sul, como vimos, pseudônimo do escritor paulista Gastão Barroso, tem um clima bucólico e até ingênuo, difícil de imagina-la com seu registro fonográfico. Diz a letra em seu início: “Eu hoje vim de longe/ só pr’a ve (sic)/ Esta lua aparecê/ Por de trais do canaviá/ E de perto bem sentí/ As mandigas do Sacy”446. Quanto a gravação propriamente dita, é permeada por um diálogo com perguntas e respostas, ora entre Canhoto ao violão e o piano de Lúcio Chamek, ora ente estes instrumentos individualmente, geralmente explorando frases musicais mais agudas, na pergunta, e mais graves na respostas. Por sua representatividade musical e histórica, Uma noite na roça está incluida no CD que acompanha este trabalho de pesquisa. Ao ser chamado para um sessão de gravações no Rio de Janeiro, canhoto resolveu ir para a então capital federal, justamente com seu automóvel, cuja viagem “durou três dias”.447 Teve que regressar às pressas e ficou internado no Hospital Santa Catarina “por três dias”448, falecendo no dia 7 de setembro de 1928, pronunciando suas últimas palavras à esposa: “Guarde o meu violão como uma relíquia”.449 445 JACOMINO, Américo (Canhoto) & SUL João do. Noite na roça. Partitura para piano. São Paulo, Ed.: A. DI FRANCO, s/d. Partitura adquirida junto ao acervo do Centro Cultural São Paulo, incorporado ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 446 Idem. 447 SIMÕES, Ronoel. Américo..., op. cit., p.8. 448 Memória: entrevista com Luís Américo Jacomino. Programa cit. 449 Idem. 116 Único paulistano da geração pioneira do violão instrumental brasileiro, foi considerado “o mais importante violonista brasileiro do século XX, um autêntico precursor”.450 450 Músicas e música: Américo Jacomino, o Canhoto. TV Cultura de São Paulo, 2/8/1978. 117 3. Partituras e gravações: a obra de Canhoto 118 Passamos refletir sobre os procedimentos metodológicos utilizados na análise do conjunto documental deste trabalho de pesquisa: registros fonográficos, partituras, seu universo composicional e sua técnica enquanto instrumentista. Como ponto de partida, discutiremos sobre a forma como tais documentos estão se transformando em fontes de pesquisa e patrimônio histórico, num momento em que instituições privadas de cultura estão assumindo o papel do poder público na conservação e disponibilização desses documentos, paralelamente a destruição e perda de acervos, como por exemplo, do colecionador Ronoel Simões, que forneceu todos registros fonográficos e prtaticamente a totalidade das partituras de Canhoto. Na seqüência, analisaremos justamente estes documentos relativos a música de Canhoto: partituras, registros e gravações de suas obras, especificidade de suas composições, suas técnica de instrumentistas, para encerrarmos, com uma relação de suas obras localizadas pelo cruzamentos dos documentos utilizados por esta pesquisa. 119 Partituras Iniciamos as análises do corpo documental deste trabalho de pesquisa, pelas partituras das obras de Canhoto. O primeiro aspecto a ressaltar, é o grande número de obras editadas para piano, e não para violão. O pesquisador e editor Juvenal Fernandes, no debate sobre Canhoto realizado no programa Músicas e música451, afirma existir por volta de sessenta obras editadas para piano, portanto, bem mais, portanto, que as 23 localizadas por esta pesquisa. Segundo Luís Américo Jacomino452, seu pai era um músico autodidata e contou com a ajuda de artistas, como o pianista e compositor Zequinha de Abreu, para que suas obras fossem editadas em partituras. Ainda segundo o filho de Canhoto, algumas dessas obras eram escritas primeiramente em partituras para piano, caso da famosa, Abismo de rosas, editada pela CEMBRA Ltda e que inclui versos de João do Sul.453 Curiosamente, todas as obras de Canhoto editas na publicação da Fermata do Brasil454, relacionadas adiante, trazem a informação: ‘arranjo para violão’, assinados pelos violonistas Domingos Semenzato, Isaías Sávio, entre outros, provavelmente pelo fato destas edições para piano terem sido utilizadas para esta edição violonística de Canhoto. Com relação as partituras de Canhoto para violão, acreditamos ter localizado e reunido o conjunto existente destes documentos. Isto porque, dificilmente existam partituras para violão que não sejam do conhecimento 451 Músicas e música. Programa exibido pela TV Cultura de São Paulo, em 2/8/1978. Acervo: particular. 452 Depoimento de Luís Américo Jacomino a este pesquisador em 7/8/98. 453 Idem. 454 JACOMINO, Américo. Abismo de rosas e grandes obras. São Paulo, Fermata do Brasil, S/d. 120 do colecionador Ronoel Simões e do filho de Canhoto, Luís Américo. Neste sentido, acreditamos que a edição para violão de outras obras de Canhoto, só será possível com um esforço conjunto de violonistas, musicólogos e historiadores, com auxílio da tecnologia da informática, e se possível, realizar um trabalho, a nosso ver importante, de revisão das obras já editadas. Acreditamos que o motivo de existir um grande número de obras de Canhoto editadas para piano, seja muito mais uma opção comercial, em função de um público consumidor constituído basicamente por pianistas. As edições para violão só se tornaram viáveis, comercialmente, dos anos 50 em diante, sendo, atualmente, um dos principais “filões” comerciais das editoras de música. Cabe ressaltar que durante o primeiro quartel do século XX, não existiam editoras, e sim Casas Musicais, “como os Irmãos Realti, na Rua do Gasômetro depois Celso Garcia e a Casa Tomasi na Líbero Badaró”.455 Podemos citar ainda a “precurssora Casa Levy, fundada pelo comerciante francês Henrique Luís Levy na Rua 15 de novembro, em 1860; os filhos, Alexandre, Maurício e Luís, mantiveram o prestígio a partir da década de 1890”456, que editou “em 1869 a Sertaneja, do então estudante de direito do Largo São Francisco, Brasílio Itiberê da Cunha”457, e também a obra do próprio Canhoto, O gato comeu o pato, samba nortista, com letra do autor, edição esta em parceria com a ‘Oficina musical: Campassi & Camim’, conforme notação desta partitura. Seguindo “a trilha aberta pela Casa Levy”, surgiu ainda a Casa Beethoven, “na rua São Bento, inaugurada em 1903”; a Casa Di Franco, 455 Idem. MORAES, José Geraldo Vinci. Sonoridades paulistanas..., op. cit. p.162 457 Retratos: Alexandre Levy. Programa transmitido pela Cultura FM em 8/02/2004. Acervo: particular. 456 121 “de propriedade de Antônio Di Franco”; a Casa Bevilacqua, “do maestro Bevilacqua, já tradicional no Rio de Janeiro, abre sua filial em São Paulo na rua São Bento”, e que acabou se unindo à “Casa Vitale, dos irmãos Vitale, seus ex-funcionários”; a Casa Sotero, “adquirida pelos editores Compassi-Carmim em 1913” e a Casa Tomasi, citada acima, porém em outro endereço, “nos baixos do Hotel D’Oeste, na rua Boa Vista”458, entre outras. O fox-trot Sudan: ‘fumando, espero’ A consulta ao acervo de partituras do Centro Cultural Vergueiro trouxe uma surpresa positiva para esta pesquisa: um número significativo de partituras, algumas inéditas, dentre elas, o foxtrot Sudan. Esta obra foi negociada com a fábrica de cigarros Sudan por Canhoto, e utilizada como jingle, sendo um dos primeiros exemplos de músicas utilizadas com esta finalidade. A edição desta partitura para piano foi feita pela própria fábrica de cigarros. Com versos de Décio Abramo, o Duque de Abromonte (autor da letra de outra obra de Canhoto, o foxtrot Entre duas almas), esse fox-trot recebeu duas denominações anteriores, segundo informações do colecionador Ronoel Simões: A menina do sorriso triste e Quando os corações se querem. Segundo a mesma fonte, essa obra foi composta para uma vizinha de Canhoto, 458 Idem, ibdem. O mesmo autor cita ainda a “Casa Wagner, na rua Líbero Badaro”; a Casa Manon, inaugurada em 1917 e a Casa Chopin, “na rua José Bonifácio” (idem). 122 da Rua Conselheiro Ramalho, professora da Escola Bela Vista, que gostava de ouvi-lo freqüentemente e cuja única manifestação de simpatia ao famoso violonista se resumia num sorriso sempre muito triste e enigmático.459 Ainda segundo Ronoel Simões, Canhoto era amigo da família do dono da fábrica de cigarro, e teve um romance com sua filha, justamente a professora da Escola Bela Vista mencionada acima. Voltando à edição dessa obra feita pela citada fábrica de cigarros, encontramos, na capa, um casal de dançarinos, fumando. Na segunda página, encontramos a letra do Duque de Abromonte, colocada acima da pauta musical, no momento que os versos devem ser recitados. Acima da pauta musical, existem duas linhas de versos, uma equação poética que esta pesquisa não conseguiu resolver. Somente na última linha desta página, os versos se unificam, por assim dizer, tornando mais clara sua poética. A frase “fumando, espero” foi a principal na propaganda, segundo Luís Américo Jacomino, filho do violonista.460 Por sinal, Francisco Alves gravou uma versão de um tango argentino, intitulado justamente, Fumando espero, de autoria de J. Villadomat, Félix Garso e Eugenio Paes, pela gravadora Odeonette, “possivelmente no primeiro semestre de 1927”.461 Não sabemos ainda, se tal gravação de Francisco Alves foi mera coincidência, ou se refletiu seu vínculo com Canhoto. Este mesmo tango, “teve uma versão de Dalva de Oliveira”462, que por sinal, chegou a realizar 459 Depoimento concedido a este pesquisador em 15/7/1999. Idem. 461 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M. A. Discografia brasileira 78 rpm. Rio de Janeiro, FUNARTE, 1982, p.268. 462 FERNANDES, Hélio de Almeida. Tango, uma possibilidade infinita. Rio de Janeiro, Bom Texto, 2000, p.324. 460 123 uma gravação com um dos mais importantes nomes do tango argentino, Francisco Canaro, quando de sua visita ao Brasil.463 Retornando à análise da partitura de Canhoto, vale ressaltar alguns registros localizados na última página deste documento. Inicialmente o endereço da fábrica (Rua do Glycério, 51A), além do número de telefone. Aparecem, ainda, seis retratos, cada um com uma mulher, acompanhados de algumas inscrições. No plano mais inferior, encontramos o nome de Sabbado D’Angelo, a quem esta edição foi dedicada, o qual ainda não possuímos informações a respeito. Quanto à edição manuscrita dessa mesma obra, que tem arranjo assinado pelo violonista Domingos Semenzato, notamos alguns detalhes observados também na edição para piano feita pela fábrica Sudan, que se distanciam da gravação realizada pelo autor. Isto porque as edições omitem sinais de dinâmica que deveriam indicar um certo “atraso” em algumas passagens desta peça, claramente observados na gravação desta obra. Certamente, esta notação musical imprecisa é um aspecto a ser corrigido, dentro de um eventual trabalho de revisão das partituras de Canhoto. Outra questão a ser ressaltada nessa gravação, foi a utilização de uma tonalidade menor, no caso Lá menor, na primeira parte desta obra. Isto pelo fato do fox-trot ser uma dança alegre e rápida, muito mais adequada, portanto, a uma tonalidade maior. Esse recurso tonal, por assim dizer, sugere uma aproximação com um tango ou mesmo à música flamenca. Já na segunda parte deste fox-trot, o autor foi para uma tonalidade maior, no caso Lá maior, quando se encerra. 463 Idem, p.256. 124 Registros fonográficos Passamos a relacionar e analisar os registro fonográficos de Canhoto. Neste sentido, utilizamos como ponto de partida, os dados contidos na citada publicação, Discografia brasileira – 78 rpm. É importante salientar a dificuldade de reconstrução deste percurso de gravações, objetivo central da exposição que segue, em função da considerável dificuldade de localização de informação, particularmente no caso de Canhoto, que teve a maior parte de suas gravações, na primeira fase de gravações realizadas no Brasil, na chamada “fase mecânica”, que se estendeu “de 1902 a 1927”464, justamente a fase de com maior lacuna em termos de obtenção de informações, já que, apesar de “cada face gravada estipular, por contrato de trabalho”, a enumeração dos itens, “repertório, gênero, matriz, intérprete(s), autor(es), data de gravação, data de lançamento e, finalmente, o acompanhamento”, além do “nome da fábrica e o número da série”, o que se verificou foi que “nem a metade desses dados puderam ser colhidos pois não só estão escassamente transcritos na etiqueta como poucos são os catálogos da época”.465 Além de poucos, existem imprecisões quanto aos catálogos existentes. O “Catálogo da Casa Edison” de 1902, considerado o “primeiro editado”, e no qual se baseia a informação do primeiro disco gravado no Brasil (o lundu, Isto é bom, de Xisto Bahia, interpretado pelo cantos Baiano, em disco Zonophone nº10.001), foi precedido do Catálogo da Casa Edison de 1900, “sem dúvida, o primeiro publicado no Brasil para cilindros, discos e 464 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., p.II. 465 Idem, p.III 125 máquinas falantes”, segundo pesquisas de Humberto M. Francceshi466, que em função dos dados disponíveis, considera “impossível alguém afirmar qual teria sido o primeiro disco gravado no Brasil”.467 De todas as lacunas, a que mais prejudica, a nosso ver, o pesquisador de música brasileira das três primeiras décadas do século XX (portanto, anterior, a grosso modo, à consolidação do samba enquanto gênero nacional, por assim dizer), foram em relação aos gêneros musicais, informação que “as gravadoras nunca se preocuparam em caracterizar com exatidão, deixando mesmo de enumerá-los na maioria dos discos, a partir de 1960”.468 Justamente pelo fato das três primeiras décadas do século XX, serem caracterizadas, por uma grande variedade de ritmos e gêneros musicais, justamente a base do gênero musical por choro (que evolui de uma forma de tocar, para um gênero propriamente dito), como vimos. Um exemplo ilustrativo é uma música do próprio Canhoto, A memina do sorriso triste, que teve como gênero musical apontado, um fado-tango. Cabe perguntar, o que seria um fado-tango469? Quais são suas características? Que outros exemplos existem? São lacunas inerentes a este período musical. Justamente por isso (...) Os primeiros discos gravados por Canhoto, segundo dados da Discografia brasileira - 78 rpm, foram os da série 120.000, situados “aproximadamente entre 1912 e 1915”.470 Essa série foi a primeira gravada 466 FRANCESCHI, Humberto M. A Casa Edison e seu tempo. Rio de Janeiro, Sarapuí, 2002, p.40. Idem, p.96. O que se pode garantir, ainda segundo Franceschi, é que o disco 10.001 “podem ser considerados os primeiros etiquetados para o Brasil porque abrem as numerações do catálogo da Casa Edison para 1902” (Idem, ibdem), 468 Idem, p.V. 469 Mário de Andrade não assinala este gênero composto, por assim dizer, ao analisar o fado em seu Dicionário músical brasileiro (op. cit., p.209). Outros exemplos de gêneros oriundo do fado, apontado pela Discografia brasileira foram, o fado-baião, o fado cômico, o fado samba, o fado marcha e o fado maxixe (SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., p.488). 470 Idem, p.169. 467 126 e editada no Brasil, possível pela instalação, da Fábrica de Discos Odeon, “a primeira na América do Sul, na Rua 28 de setembro nº 50, no Rio de Janeiro”.471 Tratam-se da valsa Belo Horizonte (nº 120.595); da polca Pisando na mala (120.596); do dobrado Campos Sales (120.597) e da mazurca Devaneio (120.598), obras com registro em CD472, de sua autoria e interpretadas pelo autor ao violão. Ronoel Simões, por sua vez, observa que seu primeiro disco foi gravado em 1912, “cujas músicas eram Lembrança de Lina, valsa, e Tudo mexe, polca”473, com o Grupo do Canhoto. Porém, de acordo com a citada Discografia, estas gravações, respectivamente com as numerações 121.242 e 121.243, assim como toda série 121.000, “situam-se aproximadamente entre 1915 e 1921”.474 De acordo com esta última fonte, a primeira gravação solo de Canhoto, foi a valsa Belo Horizonte, registrada com o número 120.595 e sem indicação de autoria, mas atribuída ao próprio intérprete segundo Juvenal Fernandes.475 E a obra que apresenta menor numeração dentro dessa mesma série, fato que teoricamente indica seu primeiro registro fonográfico, é a polca Saci, (120.589), interpretada pelo ‘Grupo do Canhoto’, com registro em fita k7476 e indicada como de autoria de Canhoto por Juvenal Fernandes477 e por Ronoel Simões478, enquanto que 471 Idem. Acervo: Ronoel Simões e incorporadas ao conjunto documental desta pesquisa e relacionadas no item Fontes documentais. 473 SIMÕES, Ronoel. Américo Jacomino..., op. cit., p.5. 474 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., p.210. 475 FERNANDES, Juvenal. O cartaz da semana. In: JACOMINO, Américo ‘Canhoto’. Abismo de rosas e grandes obras. São Paulo, Fermata do Brasil, s.d., pp.13-14. 476 Acervo: Ronoel Simões e incorporadas ao conjunto documental desta pesquisa e relacionadas no item Fontes documentais. 477 FERNANDES, Juvenal. O cartaz..., op. cit. p.13-14. 478 SIMÕES, Ronoel. Américo Jacomino..., op. cit., p.6. 472 127 na citada Discografia, esta mesma obra aparece como sendo de João Batista do Nascimento.479 Outras obras de Canhoto gravadas nesta série 120.000, todas acompanhadas pelo Grupo do Canhoto480 foram a valsa, Saudades de Iguape, (120.590), de João Batista do Nascimento, disponível em fita k7481; as valsas Suplication, de W.J. Peans (120.591), e Tuim-tuim, (nº120.592), sem indicação de autoria, a mazurca Amores noturnos, (120.593), sem indicação de autoria e com registro em fita k7.482 Fechando as gravações desta série 120 mil, todas interpretadas pelo Grupo do Canhoto, estão as polcas Babi (nº120.594) e Seicentos e vinte três (nº120.599), e, por fim, Adeus Helena (nº120.600), obras sem indicação de autoria.483 Vale ressaltar que, apesar dos discos desta série serem “de duas faces (discos duplos)”, cada lado tinha “uma numeração distinta, não obedecendo a acoplagem a uma sequência direta (Por exemplo: o 120.445 era acoplado ao 120.521, etc.)”484, apesar do número das gravações obedecerem a uma sequência ininterrupta, indo do 120.589 ao 120.600. Nas 12 musicas desta série, encontramos um primeiro retrato, por assim dizer, da produção musical de Canhoto, onde predominou sua atuação com seu ‘Grupo do Canhoto’ e como intérprete (8 gravações). Segundo o pesquisador J. L. Ferrete, a constituição do Grupo do Canhoto se deu em 479 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., p.152. Sobre o compositor João Batista do Nascimento, não encontramos referência nos documentos pesquisados por este trabalho de pesquisa. 480 Constituído de “clarinete, violão e cavaquinho”, mas sem referência aos músicos que integraram este Grupo (SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., p.170). 481 Acervo: Ronoel Simões e incorporadas ao conjunto documental desta pesquisa e relacionadas no item Fontes documentais. 482 Acervo: Ronoel Simões e incorporadas ao conjunto documental desta pesquisa e relacionadas no item Fontes documentais. 483 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., p. 153. 484 Idem, p.169 128 função dos limitados recursos técnicos de gravação do período485, fato que dificultava gravações solos ou mesmo de cantores, sendo, por isso, mais apropriado o registros fonográficos por conjuntos ou mesmo bandas. Sua atuação com este grupo foi mais como intérprete, ao contrário de suas gravações ao cavaquinho ou violão (solo ou com acompanhamento de outro instrumento). Em relação às citadas obras gravadas pelo Grupo do Canhoto e registradas em K7, notamos um estilo musical ainda convencional, por assim dizer, em função de uma uniformidade musical de seu grupo, que registrava poucas variações melódicas e harmônicas, em grande parte pelo pouca variação instrumental, formado por cavaquinho e violão, na parte harmônica, e o solo feito por flauta, clarinete ou “trombone”486. Já em relação às obras interpretadas por Canhoto solo ou acompanhado por outro violão, destacamos duas obras que apresentam aspectos que já caracterizam sua obra violonística e também suas interpretações ao cavaquinho: a exploração de recursos técnicos e timbrísticos pouco convencionais à linguagem destes instrumentos. A primeira delas é a valsa Belo Horizonte. Notamos nesta obra um clima, por assim dizer, sertanejo, reforçado pelo fato de ser uma valsa em ritmo mais acelerado do que o usual, além de serem, a nosso ver, sua primeira e segunda parte, em modo maior, sendo a terceira e última, em modo menor. Outro fator que reforça esta clima sertanejo, é o fato do violão solista, por certo o próprio Canhoto, tocar na região aguda do instrumento, enquanto o violão base toca na região mais grave (como normalmente ocorre nestes caso). Outra obra a ser destacada deste 485 FERRETE, J. L. Contracapa do LP Américo Jacomino, ‘Canhoto’. São Paulo, Continental, 1979. 486 SIMÕES, Ronoel. Américo Jacomino..., op. cit., p.6. 129 momento inicial de sua carreira, é o dobrado Campos Sales, onde o autor “se utilizará pela primeira vez do rufo, efeito que imita a caixa-clara, como nas bandas marciais”487, efeitos estes, retomados em obras posteriores, caso das Marcha triunfal brasileira e Marcha dos marinheiros, analisadas adiante. Um fato importante a ser ressaltado em relação a esta série 120.000, foram algumas gravações realizadas em São Paulo, antes mesmo da série 70.000, com selo Phoenix, analisadas adiante. A “primeira série de gravações paulistas da Casa Edison ocorreu de 16 a 26 de junho de 1913” e receberam a numeração, “sem interrupção do nº120.589 até o nº120.670.”488 Ou seja, o disco nº 120.589, é justamente o primeiro disco de Canhoto mencionado acima (a polca Saci, interpretada pelo Grupo do Canhoto), e, se atentarmos ao fato que seu último disco desta série é o de nº 120.600, chegaremos a conclusão de que os discos Phenix não foram os únicos a serem gravados em São Paulo, mas também, discos com selos Odeon, como ocorreu com os discos de Canhoto desta série 120.000. Outro conjunto de registros musicais de Canhoto a ser destacado, foram os citados discos Phoenix, série 70.000, “gravações em uma só face”, e situadas “aproximadamente entre 1913 e 1918”, discos estes fabricados “expressamente para a Casa Edison de Gustavo Figner – São Paulo”.489 A primeira gravação desta série foi a valsa Saudades de minha Aurora (70.786), de Canhoto e com o próprio autor ao violão, acompanhado por um segundo violão e com registro em CD490. As próximas quatro obras 487 ANTUNES, Gilson U. Américo Jacomino..., op. cit., p.50 FRANCESCHI, Humberto M. A Casa Edison, op. cit., p.180. 489 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., p. 456. 490 Acervo: Ronoel Simões e incorporadas ao conjunto documental desta pesquisa e relacionadas no item Fontes documentais. 488 130 foram interpretadas pelo Grupo do Canhoto, “constituído por flauta, cavaquinho e violão”.491 São elas, Saudade de São Bernado (70.790), valsa de Antônio Picucci; Tenho pressa (70.796), polca sem indicação de autoria; Sempre feliz ao teu lado (70.797) mazurca de J. Rafaelle; Nas asas de anjo (70.799), valsa de autoria de Antônio A. Lemos segundo a mesma fonte492, mas atribuída ao próprio Canhoto por por Juvenal Fernandes493 e Ronoel Simões, sendo considerada inclusive, “uma de suas primeiras composições”494, e, por fim, Alda (70.803), chótis sem indicação de autoria. Desta mesma série temos ainda a regravação da valsa Belo Horizonte (70.803), a polca Uiára (70.804), a mazuca Devaneio (70.805) e o chótis Sempre teu (70.806), obras interpretadas ao violão pelo próprio Canhoto, sem indicação de autoria segundo esta fonte495, mas atribuída ao próprio intérprete segundo Ronoel Simões496 e Juvenal Fernandes497. O último grupo de gravações desta série foram seis músicas numeradas em seqüência (do nº 70.814 ao 70.819) e interpretadas pelo ‘Grupo do Canhoto. São elas a polca, Onde está Idalina (que inicia a série com o nº 70.814), as valsas Tuim tuim, com registro em fita k7498, Amor constante e Pierrata, todas de Antônio Picucci. Completam este grupo a polca Não se impressiona e, por fim, Saci (encerrando esta série com o nº70.819), sem indicação de autoria segundo esta fonte499, mas atribuída a Canhoto por 491 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., p.456. 492 Idem, p. 429. 493 FERNANDES, Juvenal. O cartaz..., op. cit. p.13. 494 SIMÕES, Ronoel. Américo Jacomino..., op. cit., p.6 495 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., p.430. 496 SIMÕES, Ronoel. Américo Jacomino..., op. cit., p.6 497 FERNANDES, Juvenal. O cartaz..., op. cit. p.13. 498 Acervo: Ronoel Simões e incorporada ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais 499 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., p.430 131 Juvenal Fernandes500 e por Ronoel Simões, sendo ainda, “uma de suas primeiras composições”501, também com registro em fita k7.502 Nesta série, que representam um momento inicial de suas composições e/ou interpretações, ainda observamos um estilo musical convencional, onde o aspecto mais significativo a ser ressaltado, a nosso ver, é de natureza histórica, já que foram um conjunto de gravações realizadas em São Paulo. Além disto, a constituição do selo Phoenix de São Paulo, ocorreu em um momento onde as relações entre os irmãos Figner, Fredirico e Gustavo, estavam abaladas, particularmente pela morte do irmão mais novo, Ludovico Figner, “que morreu de febre amarela na casa de Frederico, em Niterói, logo após ter voltado de São Paulo, nos primeiros anos do século XX”, sendo ainda, Gustavo, acusado ser o “culpado pela morte do Ludovico.” 503 O fato é que a Phoenix, foi “resultante da separação entre Frederico e seu irmão Gustavo”, sendo, neste sentido, “um componente híbrido no contexto Figner”, aliado ao fato dos discos deste selo, serem “fabricados por Savério Leonnetti – Porto Alegre”, o único fabricante de discos “fora a Odeon”.504 Dentro da série 121.000, gravações realizadas entre 1915 e 1921 como já foi ressaltado, Canhoto gravou 24 obras, sendo quatro ao violão e de sua autoria, e as demais gravadas com seu ‘Grupo do Canhoto’ (a maior parte delas como intérprete). Ao contrário da série anterior, nesta, “predomina na acoplagem a sequência direta (Por exemplo: o nº121.350 era acoplado ao 500 FERNANDES, Juvenal. O cartaz..., op. cit. p.13. SIMÕES, Ronoel. Américo Jacomino..., op. cit., p.6 502 Acervo: Ronoel Simões e incorporada ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais 503 FRANCESCHI, Humberto M. A Casa Edison, op. cit., p.188. 504 Idem, p.189. O mesmo autor afirma terem sido prensados no Rio Grande do Sul “perto de 600 gravações”, aproximadamente, “até 1917”, tendo ainda, gravações desta série, “feitas em São Paulo” e também na “Alemanha” (Idem, p.190). 501 132 121.351, etc)”, além dos discos serem de duas faces, (os “Discos duplos”).505 Neste sentido, tais gravações possuem uma numeração em série initerrupta, indo do nº 121.228 ao 121.249, permitindo visualizar as escolhas das duas músicas que compunham tais discos. São elas o one-step Odeon, que inicia a série com o nº121.228, tendo na seqüência o tango O Frederico no choro, ambas de Fred del Ré; a valsa Nas asas de um anjo, sem indicação de autoria mas atribuida a Canhoto por Juvenal Fernandes506 e Ronoel Simões, que a considera, inclusive, uma de suas “primeiras composições”507; a mazurca Longe de ti, sem indicação de autoria; a valsa Último sorriso e a polca Deixe de luxo, ambas de Fred del Ré; a valsa Angústias de amor e o tango O paulista, ambas sem indicação de autoria, estas três últimas com registro em fita K7508; a valsa Amores na praia e o chotis Depois do beijo, ambas interpretadas pelo ‘Grupo do Canhoto’ e apontadas como de autoria de Canhoto509, porém não incluídas na relação de obras feitas por Juvenal Fernandes510. A seguir, uma composição sem indicação de autoria, a valsa Pensando em ti (121.238) e mais três composições de Fred del Ré, as valsas Ida e Ciumes de amor e a polca Noites de farra. Na sequência, surgem 4 composições de Luiz Argento511, interpretadas pelo ‘Grupo do Canhoto’, a valsa Lembranças de Lina e a polca Tudo mexe, sendo que Juvenal Fernandes relaciona estas 505 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., p.210 506 FERNANDES, Juvenal. O cartaz..., op. cit., p.13. 507 SIMÕES, Ronoel. Américo Jacomino..., op. cit., p.6. Segundo a mencionada Discografia brasileira contudo, esta obra aparece sem indicação de autoria. 508 Acervo: Ronoel Simões e incorporada ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 509 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., p.180 510 FERNANDES, Juvenal. O cartaz..., op. cit., p.13. 511 Compositor sem registro localizado por este trabalho de pesquisa. 133 duas últimas como sendo de Canhoto512, e por fim, a valsa Beijar depois morrer e a mazurca Suspirando, ambas com registros em fita K7. Encerrando este grupo de 20 gravações realizadas por Canhoto e seu Grupo, temos 2 composições do próprio violonista, a valsa Suplicando amor, outra obra não mencionadas na citada relação de Juvenal Fernandes513 e o tango Sudan (121.247), cujo título nos remete a partitura de mesmo nome analisada acima, negociada com a fábrica de cigarros de mesmo nome e gravada ao violão pelo próprio Canhoto com o nome de Quando os corações se querem. Assim, acreditamos tratar-se da mesma obra gravada pelo ‘Grupo do Canhoto’, e posteriormente registrada apenas pelo autor ao violão solo. Finalizando esta série 121.000, 4 obras de Canhoto interpretadas pelo autor ao violão (três delas acompanhadas por um segundo violão) e registradas em CD514: duas valsas, Beijos e lágrimas e Acordes do violão, única obra deste bloco gravada ao violão solo e primeiro nome da mais famosa composição de Canhoto, Abismo de rosas, analisada adiante, e, por fim, os tangos Madrugando e Recordações de Cotinha, fechando esta série, com o número 121.479.515 Das obras mencionadas acima, destacamos inicialmente o one-step Odeon, de Fred del Ré, por constituir-se no primeiro exemplo de música norte-americana a constar no universo musical de Canhoto, neste caso como intérprete, sendo que posteriormente, compõem e grava outros foxtrot, caso do mencionado Quando os corações se querem, ou Sudan, Club Jaboticabal, editada para piano pela ‘Casa Carlos Gomes – instrumentos 512 FERNANDES, Juvenal. O cartaz..., op. cit., p.13. FERNANDES, Juvenal. O cartaz..., op. cit., p.13. 514 Acervo: Ronoel Simões e incorporada ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 515 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., p.189. 513 134 musicais’, localizada na Rua Conde do Pinhal, em São Carlos, do próprio Canhoto, quando residiu nesta cidade após seu casamento em 1922, conforme mencionado516. Outro fox-trot de autoria de Canhoto foi Entre duas almas, com letra de Duque de Abromonte, (da mesma forma que a citada Sudan) editada para piano pela ‘Casa Goudard’ de Curitiba517, e por fim, Amorosa, com Luís de Freitas, obra incluída por Juvenal Fernandes em sua relação de obras de Canhoto.518. Outro aspecto a ser ressaltado nesta série 121.000, refere-se a gravação de, Acordes do violão, posteriormente transformada em Abismo de rosas, como vimos. Apesar da ligação destas duas obras, notamos algumas diferenças, se comparamos este registro com os dois posteriores, analisados adiante. Inicialmente, o trecho introdutório é diferenciado, mantendo-se apenas o primeiro acorde, seguido por uma melodia acelerada, para, então, iniciar a primeira parte. Outro aspecto diferencial diz respeito ao andamento mais acelerado, distanciando-se assim, da valsa lenta - gênero de Abismo de rosas -, com acordes delicadamente pronunciados, como veremos adiante. Outro aspecto a ser ressaltado, diz respeito a estrutura de Acordes do violão, particularmente em relação a suas três partes, desenvolvidas com a repetição da primeira, que inclusive termina a obra (representado musicalmente com a fórmula ABACA, sendo ABC, a primeira, a segunda e a terceira parte da obra). Por sinal, esta gravação possuí quatro minutos, tempo este que se reduzirá para três minutos e quarenta segundos na primeira gravação de Abismo de rosas pelo processo 516 Acervo: Ronoel Simões e incorporada ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. Outra informação deste documento, é uma dedicatória assinada pelo autor com a data: 8 de outubro de 1924. 517 Acervo: Ronoel Simões e incorporada ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 518 FERNANDES, Juvenal. O cartaz..., op. cit., p.13. 135 mecânico, e para três minutos e dois segundos na sua gravação elétrica, paralelamente a citada redução do andamento da música, como veremos. A partir das características observadas em Acordes do violão, podemos considerar esta obra, desvinculada de Abismo de rosas, em relação a construção do universo composicional de Canhoto, detalhado ao final deste capítulo. Por fim, destacamos outra valsa de Canhoto, Recordações de Cotinha, inclusive pela mescla e reincidência de algumas características apontadas acima. Esta obra inicia-se como uma valsa típica, lenta, sentimental e romântica, por toda a primeira parte, reforçada pela tonalidade menor predominante, no caso, lá menor. Na segunda, uma mudança abrupta: após uma modulação para lá maior, uma aceleradíssima seqüência de arpejos, atípica e incomum para uma valsa, segundo as obras analisadas por esta pesquisa, retornando, na terceira e última parte, ainda mantendo a modulação para um acorde maior, ao andamento mais lento e próxima de uma valsa. Outro conjunto de gravações de Canhoto relacionados pelo catálogo Discografia brasileira, está na série 122.000. Situadas já na década de 1920, “entre 1921 e 1926”519 e da mesma forma que a anterior, discos “de duas faces”, sendo a acoplagem também obedecia a uma “seqüência direta (122.424 acoplado ao 122.425, etc)”.520 Encontramos ainda, um pequeno número de obras gravadas, se compararmos as duas séries anteriores, apenas 4, todas de sua autoria e tendo o próprio compositor ao violão como intérprete. São elas a Marcha triunfal brasileira (122.932) e a valsa Abismo de rosas (122.933), o tango Porque te vuelve a mi (122.934) e o maxixe, 519 520 Idem, p.251. Idem, ibdem. 136 Uma noite em copacabana (122.935), perfazendo mais dois 2 discos (duplos ou de dupla face), sendo as duas primeiras obras, regravadas pelo sistema elétrico, e comentadas adiante, e, vale ressaltar ainda, a composição e gravação do primeiro tango argentino, gênero este com significativa presença dentro do universo musical de Canhoto, como veremos adiante. A última série de gravações mecânicas foram as da série 123.000, situadas entre “dezembro de 1925 e julho de 1927, quando se inicia a gravação elétrica no Brasil”.521 Seus discos são de duas faces e “acoplagem” obedecia a uma “seqüência direta”522, da mesma forma que na série anterior. Assim, os dois primeiros disco de Canhoto, ambos com composições suas e interpretados pelo autor ao violão solo, foram a Marcha dos marinheiros (123.198) e o fado-tango A menina do sorriso triste (123.199). No encarte do CD, estas duas obras contém a data de “dezembro de 1926”, provavelmente se referindo a data de lançamento, sendo que a segunda, apresenta como gênero, fox-trot.523 No segundo disco, a valsa Reminiscências (123.200) e a gavota Álvorada de estrelas (123.201), lançadas em dezembro de 1926.524 Outros discos gravados por Canhoto dentro desta mesma série foram, inicialmente, duas obras onde Canhoto atuou como intérprete ao violão solo, na protofonia de O guarani, de Carlos Gomes (123.210) e no tango argentino Sonsa, de Emílio Fresedo (123.211); duas obras de Canhoto com ele ao violão solo, o maxixe Invejoso (123.212) e o mencionado samba 521 Idem, p.266 Idem, ibdem. 523 Acervo: Ronoel Simões e incorporada ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 524 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., p.260. 522 137 nortista, Viola minha viola (123.213), obras estas com registro em CD525. Na sequência, gravações de cunho mais carnavalesco, caso do samba de Canhoto, Só na Bahia é que tem (123.226), tendo o próprio Canhoto como intérprete e, pela primeira e única vez, cantando, obra também gravada por Francisco Alves (da mesma forma que outra composição de Canhoto, Trepadeira, números 123.281 e 123.282 respectivamente, e lançada em abril de 1927), seguida do maxixe de sua autoria A gente se defende (123.227), interpretado por Frederico Rocha, que interpreta ainda, duas outras obras de Canhoto, Carnaval á noite (123.229) e Mamãe eu vou com ele (123.225). Em outro grupo desta mesma série, mais três gravações com registros em CD, a valsa lenta Rosas desfolhadas (123.246), o tango argentino Guitarra de mi tierra (123.247) e o noturno Melancolia (123.248), com Canhoto ao violão, além de uma obra em parceria com Roque Ricciardi, o Paraguassu, a valsa Primeiras rosas, interpretado por este último (nº123.242). Outro conjunto de registros incluem a valsa lenta Luizinha (123.290), com a data de ‘abril de 1927’ no CD de Canhoto526, seguida do tango Fluminense (123.291), do choro Tico-tico no farelo (123.292), e a valsa Uma noite em Ipanema (123.293), ambas com Canhoto ao “cavaquinho”.527 Fechando esta penúltima série gravada por Canhoto, encontramos a fantasia sobre o tango argentino, A média luz (123.303), a valsa Em pleno mar (123.304) e a mazurca Tempo antigo (123.305), obras lançadas em maio de 1927.528 525 Acervo: Ronoel Simões e incorporada ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 526 Idem. 527 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., p.264. 528 Idem ibdem. 138 Nesta série, observamos um músico já amadurecido, tanto como compositor, quanto intérprete, onde seu estilo enquanto violonista, caracterizado pela exploração de recursos rítmicos e timbrísticos, já estão presentes em tais obras. O último grupo de gravações de Canhoto, foram feitos pelo sistema elétrico, “iniciadas a partir de julho de 1927”, e inaugurada por Francisco Alves “cantando a marcha Albertina na face A e o samba Passarinho do má, na face B, ambas do bailarino e compositor Duque (Antônio do Amorim Diniz)”529, com o número 10001, por sinal, “o mesmo número 10001 - do primeiro da fase mecânica”530 (com a gravação do lundu de Baiano, Isto é bom, interpretado por Xisto Bahia.531 Neste grupo de gravações, Canhoto divide alguns discos (de dupla face) com outros artistas, como Pilé e Paraguassu. Em relação apenas as obras de Canhoto, que neste caso estão todas registradas CD, temos inicialmente a regravação da valsa, Rosas desfolhdas, com Canhoto como autor intérprete (100.10A), disco lançado em “julho de 1927”(nt), portanto, concomitante ao início das gravações elétricas, conforme citação acima, o que pode explicar o fato, de Canhoto ser apontado, “juntamente com Paraguassú”, como os artistas que, em 1926 “inauguraram no Rio de Janeiro, o novo sistema de ‘Gravações Elétricas’”.532 Curiosamente, a própria Discografia aponta outra data para o início deste novo sistema gravações, “dezembro de 1926”533, além de apontar, a partir do número da matriz destes primeiros discos elétricos, que, “por certo (...), a primeira gravação elétrica brasileira, lançada 529 Idem, p.II Idem, p.III 531 Idem, p.1 532 SIMÕES, Ronoel. Américo Jacomino..., op. cit., p.6 533 Idem, p.266. 530 139 comercialmente, é a editada na face ‘A’ do número 10.006 – o samba Sem amor, de Sinhô, interpretado por Carlos Serra – cujo número de matriz é 1158” (enquanto o citado disco de Francisco Alves é 1162 e 1163, lado A e B, respectivamente). Outra obra de Canhoto de Canhoto lançada nesta primeira série elétrica foi a polca-choro Dengoso, (100.14A), com o próprio autor ao violão, também “lançado em agosto de 1927”; a valsa Santa Teresinha, valsa, com Canhoto ao cavaquinho, acompanhando por um violonista (não especificado); o tango Olhos feiticeiros, e a valsa Burgueta (100.17A e B, respectivamente), com Canhoto como autor intérprete; as regravações da Marcha triunfal brasileira e da valsa Reminiscências, ambas compostas e interpretadas por Canhoto; outra duas regravações, da valsa Abismo de rosas e da Marcha dos marinheiros (100.21A e B, respectivamente), também compostas e interpretadas por Canhoto; outras duas regravações, na valsa Uma noite em Ipanema, de Canhoto, com o autor ao cavaquinho e acompanhado por um violonista (não especificado) e no choro, Tico-tico no farelo (100.22A e B, respectivamente), de Canhoto com o autor ao cavaquinho, acompanhado por um violão (sem especificação); o tango argentino Brasilerita e o maxixe Caprichoso (100.24A e B), lançado em setembro de 1927; a valsa Aracy, (100.27B), novamente com Canhoto ao cavaquinho, disco lançado em setembro de 1927; a valsa Lamentos e o maxixe Mentiroso (10.166A e B); a valsa Delírios, e o fox-trot Quando os corações se querem (10.188A e B), disco lançado em junho de 1928; o disco com o tango-maxixe Niterói e a valsa Escuta minh’alma (10.200A e B), disco gravado em 13 de março de 1928534 e apontado por Ronoel 534 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., Vol. 2, p. 14. 140 Simões como último disco de Canhoto, quando inclusive chegou a comentar com seus amigos, acerca do título desta última obra, “que seu fim estava próximo”535. Porém, segundo o volume 2 da citada Discografia, seu último disco gravado foi com a valsa Mexicana e o caterete Uma noite na roça (10.205A e B), obras gravadas em 14 de março de 1928536, e lançado em outubro de 1928 segundo informações do encarte do CD do autor537, portanto, no mês seguinte após sua morte, ocorrida em setembro deste mesmo ano. As valsas de Canhoto Acreditamos que o grupo mais característico de composições e interpretações de Canhoto, sejam suas valsas. Inicialmente pelo fator numérico, já que de suas 108 composições e/ou interpretações registradas em disco, mencionadas acima, 43 são valsas. Outro fator, diz respeito ao seu maior sucesso, Abismo de rosas, obra que o caracteriza, talvez mais que seu próprio nome e consequentemente seu universo musical. Gilson Antunes afirma que a valsa foi “o gênero musical preferido” de Canhoto.538 Segundo Alberto Ikeda, a valsa “é o gênero que maior permeabilidade teve em todas as camadas sociais brasileiras, em todas as regiões e por maior tempo”, constituindo, já nas três primeiras décadas do século XX, 535 SIMÕES, Ronoel. Américo Jacomino..., op. cit., p.6 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., Vol. 2, p. 18. 537 Acervo: Ronoel Simões e incorporada ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 538 ANTUNES, Gilson Uehara. Américo Jacomino ‘Canhoto’ e o desenvolvimento da arte solística do violão em São Paulo. Dissertação de mestrado, ECA-USP, 2002, p.108. 536 141 “um dos gêneros de maior aceitação no Brasil”.539 No caso de São Paulo, este predomínio acabou reforçado pela “presença dos imigrantes italianos”, fazendo deste gênero, até por volta de 1920, “das peças publicadas pelas editoras paulistas (...), um franco predomínio na edição desse gênero”.540 Com Canhoto não foi diferente (vale relembrar sua ascendência italiana). Sua mais famosa composição de Canhoto, Abismo de rosas, gravada inicialmente com o nome de Acordes do violão, como vimos, teve ainda mais duas regravações, uma pelo processo mecânico e outra pelo elétrico.541 Segundo a publicação, A canção no tempo, de Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello, Abismo de rosas foi composta em 1905, quando Canhoto tinha apenas 16 anos, num “desabafo a uma decepção amorosa, pois o autor acabara de ser abandonado pela namorada, filha de um escravo”.542 Trata-se, segundo a mesma publicação, citando opinião de Ronoel Simões, “do hino nacional do violão brasileiro”.543 Ronoel Simões nos forneceu detalhes do contexto envolvendo a composição desta obra. A musa, que foi criada pela família Adolfo Pinheiro, era moradora da Bela Vista, e possuía uma irmã de nome Sinhara, que impediu que ambos se casassem, pelo fato de Canhoto ser violonista. Consta ainda, que Canhoto chegou a compor alguns versos desta obra, que foram completados por João do Sul, um de seus parceiros.544 Quanto as duas gravações de Abismo de rosas, observamos, aí sim, praticamente a mesma obra (ao contrário da mencionada, Acordes do 539 IKEDA, Alberto T. Música na cidade..., op. cit., p.57. Idem, p.58. 541 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M. A. Discografia..., op. cit., p. 248. Segundo Ronoel Simões, Abismo de rosas foi gravada em 1918 (provavelmente se referindo a Acordes do violão) e em 1925 (SIMÕES, Ronoel. Américo Jacomino..., op. cit., p.7). 542 SEVERIANO, Jairo & MELLO, Zuza Homem. A canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras, vol. 1: 1901-1957. São Paulo, Editora 34, 1997, p.73. 543 Idem. 540 142 violão), sendo as diferenças pontuais, por assim dizer, não alterando a estrutura da obra. A primeira diferença a ser ressaltada, diz respeito ao tempo total da obra, três minutos e quarenta na gravação mecânica e três minutos e dois segundos na elétrica. Em sua estrutura formal, ambas possuem uma característica incomum, por assim dizer, que é o fato de terminarem a música na terceira parte. Ou seja, a música possuí três partes (além da parte introdução), desenvolvidas com a repetição da primeira, que inclusive deveria terminar a obra (conforme vimos em Acordes do violão). Porém, nas duas versões em questão, a obra termina na terceira parte, que possuí uma tonalidade maior, fato que teoricamente as afastam de uma valsa lenta e sentimental, onde a tonalidade menor é mais característica. Por sinal, a partitura de Abismo de rosas, com “arranjo para violão de Isaías Sávio”545, indica o final desta obra na primeira parte, diferente, portanto, do que ocorre na gravação. Outras valsas que seguem um estilo próximo ao de Abismo de rosas, são Rosas desfolhadas, inicialmente pelo andamento vagaroso, ou seja, típico de uma valsa lenta. Outra semelhança é uma seqüência de glissandos oitavados, no início da primeira parte que lembra bem Abismo, inclusive pelo fato de usar praticamente as mesmas notas (dó e ré), e por fim, uma melodia na região aguda do violão, na décima casa do instrumento, também presente nestas duas obras, e que acentua o caráter romântico desta valsa. Podemos mencionar ainda a valsa lenta Luizinha, com uma melodia onde Canhoto aproveita os harmônicos, recurso este muito presente em suas valsas. 544 545 Depoimento de Ronoel Simões, cit. JACOMINO, Américo. Abismo de rosas e grandes obras. Fermata do Brasil, s/d. 143 Uma das mais curiosas (e desconhecidas) valsas de Canhoto, é valsa Burgueta, particularmente pelo conjunto de recursos que seu autor utiliza. Inicialmente, uma alternância entre andamentos lentos (e em tonalidade menor) com seqüências a tal ponto aceleradas, que a partitura manuscrita desta obra546 omite as barras de compasso nesta seqüência. Outra valsa lenta característica do repertório de Canhoto é Reminiscências. Composta para seus colegas de repartição pública (nt), esta obra também se utiliza da ciatada alternância lento/acelerado, explorando ainda melodias na região grave do violão, as chamadas baixarias, paralelamente ao uso de melodias na região aguda. Valsa em três partes, foi estruturada dentro do citado esquema, ABACA, características estas que nos remetem a outras valsas de Canhoto, tais como Arrependida, Delírios. Em relação a valsa Escuta minh’alma, uma de sua últimas gravações, como vimos, Canhoto parece ter explorado ainda mais intensamente tais recursos, através de sucessões de arpejos, facilitados pela utilização das cordas soltas e pelo uso da tonalidade menor de dó 9 (no caso lá menor, sem portanto, acidentes na clave). Em relação a Pensamentos, percebemos novamente a indefinição quanto ao gênero desta obra. Enquanto a partitura manuscrita desta peça547 aponta um romance, Ronoel Simões, no dois registros em CD desta obra548 temos inicialmente valsa, e por fim “romança”. Por mais que estes gêneros musicais se aproximem a ponto de até, se confundirem, tais imprecisões, 546 JACOMINO, Américo. Burgueta. Partitura manuscrita com arranjo de Domingos Semeazato. Acervo: Ronoel Simões e incorporada ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 547 JACOMINO, Américo. Pensamento. Partitura manuscrita com arranjo de Domingos Semeazato. Acervo: Ronoel Simões e incorporada ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 548 Acervo: Ronoel Simões e incorporada ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 144 por serem muito recorrentes, tornam o trabalho do historiador também impreciso, sendo, conforme observamos, uma dos principais desafios da pesquisa em torno da música brasileira produzida nas três primeiras décadas do século XX. Outra obra a ser destacada, desta feita pela diferença em relação as características acima citadas, é Lamentos. Nesta obra, percebemos novamente um ambiente de valsa sertaneja, acentuado pela acompanhamento ao piano, de Lúcio Chamek, e também pelo predomínio de tonalidades maiores na primeira e na segunda parte, sendo a terceira em menor, características também presentes em outra valsa de Canhoto, Mexicana. Tais características apontadas, reforçam uma impressão presente nas obras de Canhoto: a noção do tempo musical como referência relativa, ou seja, Canhoto parece ‘brincar’, por assim dizer, com o tempo da música seja nos andamentos lentos, onde as notas parecem ficar suspensas, como por exemplo na segunda gravação de Abismo de rosas -, ou em andamentos acelerados, onde até as barras de compasso são retiradas da partitura, conforme mencionamos. Ou ainda, quando se utilizou de outros recursos tais como glissandos, efeitos percussivos, possível, a nosso ver, devido a um significativo domínio do instrumento, ou seja, um virtuoso. Estes aspectos nos remetem a flexibilidade e indefinição das normas e conceitos típicas de um período de urbanização acelerada e rápido desenvolvimento tecnológico, conforme observamos no primeiro capítulo deste trabalho. A técnica de Canhoto 145 Em relação a sua técnica, podemos afirmar ainda que este violonista desenvolveu um estilo próprio de interpretação. Certamente, por ser canhoto e por não inverter as cordas de seu instrumento, foi obrigado a criar um estilo próprio que possibilitasse extrair de seu instrumento os recursos que o permitissem interpretar choros, valsas, entre outros gêneros musicais, na maior parte das vezes, como solista. Apesar de Canhoto não saber teoria, seu domínio sobre a prática musical e de seu instrumento foi significativo, como já ressaltamos. Ronoel Simões menciona o fato de ele ter exercido a profissão de afinador de piano nesta capital, sendo inclusive “um dos mais solicitados”.549 Paulo Castagna e Gilson Antunes destacam a criação de um estilo próprio, “praticamente isolado, de qualquer influência significativa”.550 Após ouvir seus registros fonográficos, percebemos que Canhoto acabou por estrapolar estas necessidades.551 Seu filho comentou a respeito do empenho com que seu pai tratava sua profissão, estudava por volta de oito horas diárias. Ronoel Simões nos revelou que Jacomino cuidava pessoalmente do seu instrumento que, aliás, foi feito sob medida e sob sua orientação. Toda esta meticulosa virtuosidade pode ser observada nos registros que restaram de sua obra. No mencionado samba nortista, Viola minha viola, por exemplo, existem diversos recursos técnicos utilizados, sem similaridade com nenhuma obra violonística nacional ou internacional, de nosso conhecimento. O violonista Gilson Antunes reforça esta observação ao comenta a técnica utilizada nessa obra, 549 SIMÕES, Ronoel. Américo Jacomino...,op. cit., p.9. CASTAGNA, Paulo & ANTUNES, Gilson. O violão brasileiro..., op. cit., p.41. 551 Em algumas fotos, que estão em poder de seu filho Luís Américo, Canhoto aparece tocando dois violões ao mesmo tempo, ou com o violão sobre as costas, e outra colocando-o debaixo da própria cadeira em que se sentava, e até dentro de um saco. 550 146 um efeito de fala se utilizando do pizzicato tocado de forma normal (sobre o cavalete), porém com a mão esquerda (ou direita, no caso de Jacomino) tocando na mesma região da roseta do instrumento, apresentando, desta forma, sons indeterminados. Este efeito é inédito até então, e nenhum outro compositor, até onde se saiba, se utilizou do mesmo recurso.552 Em outra obra de Canhoto, na mencionada Marcha triunfal brasileira, Canhoto buscou reproduzir com seu violão o ambiente das bandas militares, e mais precisamente o som das caixas, o autor-intérprete ‘trança’ as duas cordas mais graves do instrumento, para assim, obter uma sonoridade mais percurssiva. Quando o violonista cede lugar ao cavaquinista, também observamos uma relação específica com seu instrumento. Podemos citar como exemplo o choro Tico tico no farelo, primeiro nome do famoso choro Tico tico no fubá, de seu amigo Zequinha de Abreu; além das valsas Santa Terezinha e Uma noite em Ipanema. Nessas obras, Canhoto utiliza glissandos cromáticos, buscando expressar, a nossso ver, situações de riso. O violão e seus construtores Paralelamente ao surgimento da geração pioneira do violão instrumental brasileiro, na virada do século XIX para o XX, acreditamos que o desenvolvimento do violão em São Paulo, que teve em Canhoto sua base, por assim dizer, deve muito ao trabalho dos artesãos e construtores, os chamados luthiers, não só em relação ao autor de Abismo de rosas. 552 ANTUNES, Gilson Uehara. Américo Jacomino ‘Canhoto’ e o desenvolvimento da arte solística do violão em São Paulo. Dissertação de mestrado, ECA-USP, 2002, p.96. 147 Em 1907, Canhoto conheceu Romeu Di Giorgio, “quando trabalhava para Tranquillo Giannini”553, que construiu um violão sob medida e com a orientação de Canhoto, que se encontra atualmente com seu filho, Luís Américo. Esse instrumento possui um braço mais fino, “a fim de lhe permitir mais rendimento de som e maior flexibilidade”554, além das cordas serem “exclusivamente de aço”.555 Gilson Antunes comenta ainda, que, além de trabalharem juntos, essas duas famílias acabaram se inundo, já que Tranquillo Giannini, imigrante italiano que “imigrou para o Brasil entre 1895 e 1900”, foi casado “com uma viuva que possuía 4 filhos, que eram os Di Giorgio. Entre eles estava Romeu, que trabalhou com o padrasto até montar um negócio paralelo.”556 Por sinal, Gilson Antunes comenta a respeito da etiqueta interna do citado violão de Canhoto, construído em 1907, assinado por Romeu Di Giogio, sendo que a “etiqueta refere-se ao instrumento fabricado na empresa fundada por Tranquillo Giannini”.557 Canhoto chegou a dispensar a ajuda deste importante construtor de instrumentos e seu amigo pessoal, Romeo Di Giorgio, quando precisou ajustar uma peça de seu instrumento, dizendo: “Eu arrumo meu violão. Você não sabe...”.558 Em termos de construtores, podemos citar ainda ‘Os violões Simplício’, anunciado na revista ‘O violão’ pelo ‘amigo’, Miguel Llobet, quando inclusive descreve as virtudes deste instrumento, tais como sua “sonoridade bella e soberana”.559 553 Entrevista com Luís Américo Jacomino, a este pesquisador em 6/8/1999. SIMÕES, Ronoel. Américo Jacomino...,op. cit., p.9. 555 Idem. 556 ANTUNES, Gilson Uehara. Américo Jacomino..., op. cit., p.122. 557 Idem. 558 Depoimento de Ronoel Simões a este pesquisador em 15/7/1999. 559 Revista, ‘O violão’, nº8, janeiro de 1929, Rio de Janeiro, s/ed., p.28. 554 148 Vale lembrar que o violonista paraguaio Agustin Barrios, também se utilizava de um instrumento com características especiais. Como forma de explorar ainda mais “a extensão aguda do instrumento”, Barrios se utilizava de um violão “com um traste a mais, no caso uma nota dó”.560 Segundo Ronoel Simões, Canhoto e Barrios costumavam se encontrar “na fábrica de Di Giorgio em 1917, que ficava no começo da Rangel Pestana com a Praça da Sé”.561 Outro violonista deste início de século XX, que mencionaremos com mais vagar adiante, o argentino Juan Argel Rodrigues, utilizava uma afinação incomum em sua 6ª corda: uma nota fá, quando o convencional é a nota mi ou ré. Podemos citar ainda, Heitor Villa-Lobos e o argentino Domingos Prat, que utilizavam o dedo mindinho da mão direita, e o espanhol Antônio Gimenez Manjón, “que usava um violão de 11 cordas”.562 Neste sentido, podemos pensar que o violão moderno, “instrumento ancestral, e paradoxalmente um dos mais recentes, graças aos caprichos da sua evolução”563, ainda comportava, neste primeiro quartel do século XX, características que se aproximavam ao estilo pessoal, por assim dizer, de seus instrumentistas. Vale lembrar que o violão - no Brasil, ou guitarra para os demais países, inclusive Portugal564 -, surge, tal como conhecemos hoje em dia, apenas no final do século XIX, com o trabalho do espanhol Antônio Torres. Mas é inegável, por outro lado, sua ancestralidade, fundamental para sua evolução, que o remete para a guitarra romana, 560 Agustin Barrios. Programa idealizado e apresentado pelo violonista e professor Edelton Gloeden. Radio USP-FM, 4/3/1996. 561 Depoimento de Ronoel Simões, cit. 562 Revista ‘Violão e mestres’, nº2, agosto de 1964, São Paulo, Violões Giannini, p.34. 563 SANTOS, Turíbio. Heitor Villa-Lobos e o violão. Rio de Janeiro, Museu Villa-Lobos, 1975, p.35. 564 Timbres - O corpo do som - A trajetória dos instrumentos musicais: o violão. Entrevista com o violonista Sidney José Mollina Jr. Rádio Cultura FM, 19/10/1998. Nesta mesma entrevista, o nome 149 passando pela guitarra renascentista, vihuela, guitarra barroca, e, por fim, a guitarra clássica.565 O universo composicional de Canhoto O compositor, cantor, Juvenal Fernandes tem participado ativamente na recuperação de documentos relativos a nossa música popular. Além de diversas canções gravadas566, “descobriu obras de Carlos Gomes (4), Adoniran Barbosa (44) e Ernesto Nazareth (140)”.567 É dele a única relação de composições de Canhoto que localizamos568, e que são o ponto de partida para a constituição do conjunto de sua obra. São 92 composições, a saber: A gente se defende, maxixe; A menina do sorriso triste, foxtrot; Abismo de rosas, valsa; Acordes do coração, valsa; Acordes do violão (posteriormente Abismo de rosas), valsa; Ai! Barbina, com Arlindo Leal, sertaneja; Ai Margarida, ai Margarida, com Juca Meu Nego, marchinha carnavalesca; Ai Momo, marchinha carnavalesca; violão foi explicado “como uma viola grande” (já que a viola de arame teve uma grande penetração no Brasil, desde os tempos coloniais). 565 Idem. 566 Enciclopédia..., op. cit., p.282. 567 Idem. 568 FERNADES, Juvenal. O cartaz da..., op. cit. 13-14. 150 Alvorada de estrelas, gavota; Amor de argentina, tango milonga; Amorosa, com Luiz de Freitas, foxtrot; Aracy, valsa; Argentina, schottish; Arrependida, valsa; Beijos e lágrimas, valsa; Belo Horizonte, valsa; Berço de lágrimas, valsa; Berço e túmulo, canção; Brasilerita, tango canção; Burguêta, valsa; Campos Salles, dobrado; Caprichoso, tango (maxixe); Carnaval à noite, maxixe; Chuva de pérolas, valsa; Club de Jaboticabal, foxtrot; Da Bahia eu quero o côco, maxixe; De quem são os seus olhos, valsa; Delírios, valsa; Devaneio, mazurca; Dia de folia (também A gente se defende), maxixe; Em pleno mar, valsa; Entre duas almas, foxtrot; Escuta minh’alma, valsa; Esse cachorro só falta falar, maxixe; Flor paulista, com L. Rinaldo e Arlindo Leal, schottish; 151 Fluminense, tango; Foi-se embora... Maria, marcha de rancho; Guitarra de mi tierra, tango; Invejoso, maxixe; Já se acabou, com Arlindo Leal, tanguinho; Lábios roxos, tango; Lágrimas de pérola, valsa; Lamentos, valsa; Lembranças de Lina, valsa; Luizinha, valsa lenta; Madrugando, tango; Mamãe me leve, marchinha carnavalesca; Manhã fatal, valsa; Manhãs de sol, valsa; Marcha dos marinheiros, marcha; Marcha triunfal brasileira, marcha; Melancolia, noturno; Mentiroso, maxixe-choro; Mexicana, valsa; Nas asas de um anjo, valsa; Nhá Maruca foi s’imbora, catira; Nictheroy (Niterói), choro; O beijinho que te dei, marcha; O gato comeu o pato, samba nortista; Olhos feiticeiros, choro; Olhos que falam, valsa; Ondas desertas, mazurca; 152 Pagando dívidas, polca; Pensamento, romance; Pisando na mala, polca; Porque te vuelves a mi, tango; Primeiras rosas, com Roque Ricciardi (Paraguassú), valsa; Quando os corações se querem (A menina do sorriso triste), foxtrot; Queixumes de amor, valsa; Recordações de Cotinha, valsa; Recordações de Dalva, valsa. Reminiscências, valsa lenta; Rosas desfolhadas, valsa lenta; Saci, polca; Santa Teresinha, valsa; Saudades de minha aurora, valsa canção; Se o telefone falasse, marcha (maxixe); Sempre teu, schottish; Sombras que vivem, valsa; Sonhei, sorri, amei, descri, valsa; Sudan (A menina do sorriso triste), foxtrot; Tempo antigo, mazurca; Triste carnaval (Sonho de Pierrot), valsa; Triste Pierrot, com Roque Ricciardi (Paraguassú), valsa; Tudo mexe, polca; Últimas rosas, valsa lenta; Uma noite em Copacabana, maxixe; Uma noite na roça, cateretê; Uyara, polca; 153 Viola, minha viola, samba nortista. A partir do cruzamento das fontes utilizadas por este projeto, podemos acrescentar as seguintes obras, a esta relação de composições de Canhoto: Amores na praia, Depois do beijo e Suplicando amor, obras compostas por Canhoto e gravadas pelo Grupo do Canhoto, em discos Odeon, números 121.236, 121.237 e 121.246, respectivamente, série de gravações situada “aproximadamente entre 1915 e 1921”, com o Grupo do Canhoto, constituído de “violão, cavaquinho, trombone e clarinete”.569 Outras composições de Canhoto a serem relacionadas são, o choro, O paulista, segundo os registros fonográficos fornecidos por Ronoel Simões570; a valsa, Casa Brancato, registrada com nº 121.044 e interpretada pela “Banda 52 de Caçadores”571, e a polca, Não se impressiona, gravada pelo Grupo do Canhoto em disco Phoenix, número 70.818, “aproximadamente, entre 1913 e 1918”.572 Outras composições de Canhoto localizadas por este trabalho de pesquisa, situadas na série 123 mil, a “última série de gravações mecânicas lançadas pela Casa Edison do Rio de Janeiro, entre dezembro de 1925 e julho de 1927”573, foram o samba Só na Bahia é que tem e Trepadeira (sem definição de gênero), gravadas por Francisco Alves, em abril de 1927, em discos Odeon, números 123.281 e 123.282, respectivamente. Vale destacar que o samba Só na Bahia é que tem foi gravada por Canhoto, também em 569 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., p.210. 570 Acervo: Ronoel Simões e incorporada ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. Segundo a Discografia brasileira, esta mesma obra aparece sem indicação de autoria, gravada com o número 121.235 e ainda, como sendo um tango, enquanto gênero musical (SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., p.180). 571 Idem, p.172. 572 Idem, p.456. 154 disco Odeon, na mesma série que a gravação desta obra feita por Francisco Alves, número 123.226, além da marcha carnavalesca, nº123.225, gravada por Frederico Rocha, Mamãe eu vou com ele.574 Em relação à suas gravações realizadas pelo sistema elétrico, acrescentamos a polca-choro, Dengoso, nº 10.014 e gravada por Canhoto ao “cavaquinho e lançada em agosto de 1927”575, tendo o violonista José Sampaio no acompanhamento, segundo informações do registro desta obra em fita K7.576 Ainda segundo esta mesma fonte, localizamos outras composições de Canhoto, interpretadas por seu parceiro Pilé, caso do maxixe O coco de Iaiá, nº 10.015, “lançada em agosto de 1927”577; duas obras, classificadas enquanto gênero musical de, “canção”, Luar da minha terra e A rolinha voou, e por fim, a toada Paulista de Taubaté, nº10.029, “lançada em setembro de 1927”578; A partir da análise sobre o conjunto de partituras reunidas por esta pesquisa, acrescentamos a relação de Juvenal Fernandes às obras Deixe meu bem de tolice, tango carnavalesco, com letra de Canhoto, “dedicada ao glorioso Centro dos Caçadores de Porto Alegre”, partitura para piano editada pela Casa Bevilacqua; Ponta Grossa é boa terra, maxixe carnavalesco, com partitura para piano editada pela Casa Progresso, de Ponta Grossa, Paraná; e por fim, o tango Sortêro, graças a Deus, partitura para piano editada pela Casa Bevilacqua de São Paulo. Todas estas partituras foram adquiridas no acervo do Centro Cultural São Paulo. 573 Idem, p.266. Idem, p.261. 575 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., vol. 2, p.1. 576 Acervo: Ronoel Simões e incorporada ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 577 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., vol. 2, p.1. 578 Idem, p.2. 574 155 No citado concerto realizado por Canhoto no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, em 5 de setembro de 1916, notamos uma série de obras que não consta da relação de Juvenal Fernandes. Trata-se das valsas Suplicando amor, Magia do olhar, Medrosa e Sonhando, além do tango A cigarra na ponta.579 Com relação ao citado espetáculo realizado por Canhoto no Teatro Municipal de São Paulo, acrescentamos: Samba do urubú; Ranchinho desfeito; Um choro; a embolada Espingarda; a toada nortista, Vamos s’imbora Maria; Luar do Brasil; Quem não dança carrega criança; Desafio; o tango brasileiro Feiticeiro, e, por fim, o samba, Bem te vi. Outra composição de Canhoto, curiosamente publicada na “edição noturna do jornal ‘O Estado de São Paulo’ de 2 de setembro de 1919”: Quem não...Vota não...Voga.580 Em um concerto realizado em São Carlos, em agosto de 1923, Canhoto participou de um “sarau artístico e musical (...), acompanhado de seu colega Antônio de Barros Leite”, interpretando a valsa para concerto, Lembrança de um sonho, e a gavota Favorita.581 Em março de 1925, Canhoto realizou, “no salão do Conservatório recital em homenagem a Oswaldo Soares e João Avelino de Camargo”, interpretando a valsa lenta, Esmeralda, dedicada “ao sr. José Ozório Fonseca” e acompanhado ao violão “pelo sr. Carlos R. Souza”, e também o tango de salão, Feiticeiro.582 Em maio deste mesmo ano, “novos recitais” de Canhoto, onde interpretou a valsa ‘Boston’, Sombras do passado, gênero este o qual não conseguimos identifica-lo ou mesmo caracterizá-lo.583 Por 579 CASTAGNA, Paulo & ANTUNES, Gilson. 1916: o violão..., op. cit., p.44. Segundo os mesmos autores, Suplicando amor foi publicada “em vida do autor, por A. de Franco, São Paulo”. 580 ANTUNES, Gilson Uehara. Américo Jacomino ‘Canhoto’..., op. cit., p.59. 581 Idem, p.64. 582 Idem, p.68. 583 Idem, p.69. 156 fim, segundo a mesma fonte, incluímos a valsa, Longe de quem adoro, partitura para “piano e orquestra”.584 Com relação à pesquisa realizada no jornal ‘O Estado de S. Paulo’585, incluímos inicialmente, os seguintes tangos argentinos compostos por Canhoto, o qual acrescentamos a citada relação de Juvenal Fernandes: Asta luego, de sua autoria, interpretado no recital organizado pelo “violonista Américo Jacomino (o Canhoto) em homenagem a Sociedade Hípica Paulista”, em junho de 1918586; Padre nuestro, “em solo de banjo, com acompanhamento de piano de Carlos R. Souza”, executado no concerto de Canhoto transmitido pela Rádio Educadora Paulista em 29/03/1925587, e por fim, Luzita, de Canhoto, interpretado no recital transmitido pela Rádio Educadora Paulista em 12/01/1926.588 Assim, estas foram as composições de Canhoto localizadas por este trabalho de pesquisa, a partir das fontes documentais utilizadas neste trabalho de pesquisa. A última questão que pretendemos refletir, antes de analisarmos as partituras e gravações de Canhoto, diz respeito aos acervos musicais. Como demonstraremos, nos defrontamos com inúmeras lacunas em nossa tarefa de reconstituir a trajetória musical de Canhoto, através de suas partituras, gravações e registros que auxiliassem com informações complementares, fato que gera uma “história da música”, nas palavras de Régis Duparat, 584 Idem, p.116. FLEURY, Eduardo & ANTUNES, Gilson U. & CASTAGNA, Paulo. O violão em São Paulo..., op. cit., vol. I, II e III. 586 FLEURY, Eduardo & ANTUNES, Gilson U. & CASTAGNA, Paulo. O violão em São Paulo..., op. cit., vol.1. Segundo a mesma fonte, “os acompanhamentos foram feitos por Luiz Bueno” (Idem). 587 Idem, vol. 2. Segundo esta mesma fonte, o autor desta obra está identificado com as letras “S.N”., o qual não identificamos, segundo os documentos utilizados nesta pesquisa. Ainda segundo esta mesma fonte, o citado Carlos R. Souza, também executou os acompanhamentos de violão. 588 Idem. Segundo a mesma fonte, foi irradiado também pela Rádio Educadora Paulista, um concerto do violonista argentino Floravante Brugni, em 01/02/1926, e do violonista paraguaio Pablo Escobar, em 22/09/1926, onde, por sinal, também interpretou o citado tango argentino Desgraciáo. 585 157 “constituídas de letras mudas, uma história de pausas”.589 Observamos ainda, uma situação preocupante, na medida em que iniciativas consistentes de localização, tratamento e disponibilização de acervos, tem sido mais efetiva por parte de instituições privadas (geralmente com recursos públicos), sujeitas assim, à lógica do mercado. Um exemplo a ser destacado, é em relação ao acervo do colecionador Ronoel Simões, já que foi deste acervo que saíram as partituras e registros fonográficos, tanto para nossa pesquisa de mestrado quanto agora, no doutorado. Como já foi ressaltado, tal acervo corre sério risco de perda definitiva, já que está sendo negociado com uma universidade americana. Memória musical brasileira: o acervo Ronoel Simões Como ponto de partida, destacamos as pesquisas desenvolvidas pelo historiador Jaelson Bitran Trindade, por ocasião de sua investigação sobre a “vida social e religiosa de Mogi do século XVIII”, quando se defrontou com “cerca de 40 folhas de papel”, no caso, peças manuscritas “do início do século XVIII (...), que estavam semicoladas à velha capa de couro do Livro do Foral da Vila de Mogi das Cruzes, servindo de enchimento”.590 Tal descoberta reposicionou, por assim dizer, a idéia sobre a produção musical do Brasil colônia, antecipando “em pelo menos 30 anos” o mais “antigo registro de produção musical no Brasil”.591 589 DUPRAT, Régis. Música na Sé..., op. cit., p.15. TRINDADE, Jaelson Bitran. O achado de Mogi. In. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº20, 1984, p. 17. 591 Idem, p.13. Segundo Régis Duprat, até então, “a peça musical conhecida mais antiga na História da Música Brasileira”, é o Recitativo e Ária, de 1759 “de anônimo da Bahia (...), que apresentei pela primeira vez em concerto, em 1960” (Idem, p.25). Luís Antônio Giron, em reportagem sobre a citada obra de Duprat sobre 590 158 Outro trabalho a ser ressaltado, desenvolvido por Régis Duprat, foi em relação a pesquisa sobre o “passado musical paulista dos séculos XVII e XVIII”, que resultou na identificação de “mais de duas centenas de mestres-de-capela e músicos atuantes em cerca de 30 vilas da então Capitania de São Paulo”, que, em 1977, “incluí, grande parte desse material na Enciclopédia da Música Brasileira”592, do qual inclusive, foi coordenador da pesquisa envolvendo a música “erudita”593 Vale destacar ainda, a “descoberta (...) dos manuscritos musicais do mestre-de-capela da Sé de São Paulo, no século XVIII, André da Silva Gomes”, que resultou na transcrição de “cerca de 80 obras apresentadas em concertos públicos”594, na elaboração de um Catálogo temático, com “130 obras do mestre-de-capela da Sé de São Paulo”595, dentre outros. As dificuldades, nesse caso, foram agravadas pela demolição “da antiga Sé, em 1911, quando se iniciou a construção da atual catedral”, fato “responsável pelo desaparecimento de preciosa documentação das irmandades daquele tempo”.596 Tais pesquisas derrubaram o “mito sacro da música colonial”. Segundo Duprat, “produziu-se muita música profana nesta época, principalmente para teatro. É provável que os compositores servissem tanto o bispado como a Ópera”597, fato que questiona a idéia do ambiente musical da Colônia ser “uma espécie de Cidade de Deus mulata”, imagem formada fundamentalmente, pela pesquisa realizada “nas cidades históricas mineiras André da Silva Gomes (jornal ‘Folha de S. Paulo, 9/4/1995, p. 5-11), ressalta que este Recitativo, “a mais antiga e a única composição profana sobrevivente”, foi “desencavado” pelo próprio Duprat “em 1960 no Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros da USP” (Idem). 592 DUPRAT, Régis. Antecipando a História da Música no Brasil. In. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº20, 1984, p.25. 593 Enciclopédia..., op. cit. 594 DUPRAT, Régis. Música na Sé de São Paulo colonial. São Paulo: Paulus, 1995, p.8. 595 Idem, p.9. 596 Idem, p.15. 159 nos 40, pelo professor Francisco Curt Lang”, mencionada adiante, onde, de acordo, com os primeiros achados, “a produção musical era basicamente sacra e a cargo de compositores mestiços”.598 Vale destacar ainda, a incorporação de diversos acervos particulares por instituições privadas, como já foi observado, tais como o do jornalista e historiador José Ramos Tinhorão, do pesquisador Humberto Franceschi, do radialista Walter Silva, o Picapau, Elizeth Cardoso, Pixinguinha e Ernesto Nazareth, incorporados ao Instituto Moreira Sales, “de onde partirão para o ciberespaço”.599 Em relação a José Ramos Tinhorão, seu acervo é de aproximadamente “7,5 mil discos de 76 e 78 RPM, 5 mil LP’s, além de 30 mil partituras, 40 mil recortes de jornais, revistas e livros”.600 Tinhorão calcula, “que seu acervo e o de Franceschi somem 70% de tudo que se gravou no Brasil em 78 RPM”.601 Como um “rádio virtual – o download não será possível”, este material está disponível no site do Instituto Moreira Sales, www.ims.com.br, que pretende, “disponibilizar 100 mil músicas”.602 E as novidades não param por aí. Também estão recebendo tratamento digital, os acervos “sonoros do Centro Cultural São Paulo, levado pela prefeitura de São Paulo sob patrocínio da Petrobrás” e do colecionador cearense, Nirez, “implementado pelo Museu da Imagem e do Som de Fortaleza”.603 No campo da música colonial brasileira, outra boa notícia. Apesar da perda definitiva da música produzida no período colonial brasileiro, segundo algumas estatísticas, esta perda chegou a 90%, seja “devorada por 597 Jornal ‘Folha de São Paulo, 9/4/1995, p. 5-11. Idem. 599 Jornal ‘Folha de S. Paulo’, 24/04/2004, p. E3. 600 Jornal ‘O Estado de S. Paulo’, 5/06/2005, p. D8. 601 Jornal ‘Folha de S. Paulo’, 24/04/2004, p. E 3. 602 Idem 603 Idem. 598 160 traças”, ou mesmo “como papel reciclado em fogos de artifício”, os 10% restantes parecem, felizmente, não ter o mesmo destino.604 Com a edição de mais três Cd’s e três volumes de partituras, chega ao fim a terceira e útima fase do Projeto “Acervo da Música Brasileira – Restauração e Difusão de Partituras”, que desde 2001 vem pesquisando o acervo de música religiosa do Museu de Mariana (MG), uma dos mais importantes acervos latinoamericanos de música religiosa manuscrita. Pratrocinado pela Petrobrás, dirigido por Eleonora Santa Rosa e coordenado pelo musicólogo Paulo Castagna, este trabalho teve a participação de cerca de 150 profissionais e contou ainda com a implementação de um endereço na internet, www.mmariana.com.br, com “uma grande quantidade de informações e até mesmo partituras e arquivos de áudio das obras”605 Final feliz para um processo que começou como um autêntico caso de polícia. É que em 1934, o musicólogo alemão naturalizado uruguaio Francisco Curt Lange esteve pela primeira vez no Brasil a convite de Mário de Andrade, e “ousou afirmar que a história da música brasileira havia se iniciado cem anos antes do que se sabia”606. Ou seja, bem antes da música do Padre José Maurício Nunes Garcia. O convite para vir ao Brasil “partiu de Walter Burle-Marx, inicialmente para uma série de palestras no Conservatório Brasileiro de Música e na Associação Brasileira de Imprensa”. Em Minas Gerais, assessorou a Orquestra Sinfônica e criou a Discoteca Pública, “a convite do inspetor de Educação e Saúde, José Guimarães”. A primeira pista do importante acervo a ser descoberto, foi 604 Jornal ‘O Estado de S. Paulo’, 6/6/1998, p. D-20. É o caso do projeto ‘História da Música Brasileira’, dirigido pelo flautista e maestro Ricardo Kanji, com a participação do musicólogo Paulo Castagna e do historiador Ricardo Maranhão. Essa reflexão será retomada adiante, no item, Memória musical brasileira: o acervo Ronoel Simões. 605 Revista ‘Concerto’, dezembro de 2003, p.20. 606 Revista ‘Concerto’, abril de 1999, p.9. 161 “um pacote de papeis pentagramados: a Antífona de Nossa Senhora, de José Joaquim Emérico Lobo de Mesquita”607, citada acima. Como um “enfeitiçado alquimista”, Curt Lang percorreu as cidades coloniais mineiras à procura de “antigos manuscritos musicais”, que comprava às próprias custas, “antes que se tornassem fogos de artifício, destino natural daquela papelada velha”, e que serviu também para “estofar móveis”.608 Em Montevidéu, onde residia, publicou, no Instituto Interamericano de Musicologia, que criou, “os primeiros trabalhos teóricos sobre este acervo, e na Argentina fez as primeiras edições e os primeiros concertos”, sendo ainda apoiado por uma entidade ligada a ONU”. No bairro carioca da Glória, onde morou, e reuniu e estudou estes manuscritos, boa parte deles, “roídos de traças” 609. A notícia que um precioso acervo musical existia, gerou uma desconfiança generalizada, sendo por fim, Curt Lange acusado de “estrangeiro” que pretendia “roubar nosso patrimônio cultural”610, inclusive a partir de uma reportagem da revista O Cruzeiro. Temendo uma ação e/ou agressão policial, “Lange não titubeou: abarrotou seu Mercedão e veio para São Paulo”, justamente na casa de Júlio Medaglia, que, em 1965, entrou em contato com o professor Sérgio Buarque de Holanda. A partir de então, Curt Lang foi convidado por este importante historiador, a ministrar um curso na Universidade de São Paulo, que foi encerrado com um concerto no Teatro Municipal de São Paulo, regido por Júlio Medaglia, com a participação da Associação Canto Coral do Rio de Janeiro, dirigido pela pesquisadora Cleofe Person de Matos. Assim, São 607 MONTEIRO, Maurício. Um alemão nas Américas. In: Revista ‘Concerto’, novembro de 2003, p.1. MEDAGLIA, Júlio. Saudades do futuro. In: Revista ‘Concerto’, janeiro e fevereiro de 2003, p.11. 609 MEDAGLIA, Júlio. Indiana Jones das Alterosas. In: Revista ‘Concerto’, dezembro de 2003, p.11. 610 Idem. 608 162 Paulo reconheceu o verdadeiro valor de Curt Lange, substituindo “a sigla de charlatão pela de descobridor do maior tesouro musical das Américas”.611 O fato é que parte significativa de nosso acervo musical, ainda permanecem jogados à própria sorte. Em geral, os registros de nossa história musical padecem de uma política pública sólida de localização, preservação e restauração de nossa memória cultural, sendo que parte significativa de nossa memória musical, depende da ação pessoal de pesquisadores, maestros e instrumentistas, quando não acabam indo para o exterior612, ou mesmo para a lata do lixo. Por sinal, foi justamente o que ocorreu com os documentos e fotos de Patrícia Galvão, a Pagu, encontrada e resgatada por Selma Morgana Sarti, catadora de papéis, “que achou as fotos da mulher atraente”.613 Outro exemplo a ser mencionado, foi com relação a descoberta do pianista e pesquisador Amaral Vieira, que resgatou num site de leilões (www.arremate.com.br), o manuscrito autografado do Hino à Aclamação de D. João 6º, composto em 1817 pelo carioca Francisco Manuel da Silva (1795-1865), na verdade, “um volume de 198 páginas, com caligrafia e encadernação de época (...) escrito na tonalidade de ré maior para coro misto, quarteto vocal solista e orquestra de cordas, flauta e trompete, com partes adicionais de trompas, fagotes, tímpanos e mais trompetes (...), com texto em português do senador Antônio Gonçalves Gomide, que louva cada um dos reis de Portugal com nome de João”. Autor do Hino ao sete de abril, posteriormente transformado no Hino Nacional Brasileiro, Francisco Manuel da Silva compôs esta obra, “por 611 MEDAGLIA, Júlio. Barroco mulato no sec. XX. In: Revista ‘Concerto’, abril de 1999, p.9. DUPRAT, Régis. “Metodologia da pesquisa...”, op. cit, p.102. 613 Jornal ‘Folha de S. Paulo’, 30/06/2004, p. E1. 612 163 encomenda do último vice-rei do Brasil, d. Marcos de Noronha e Brito, o conde dos Arcos”.614 A mesma reportagem ressalta o valiosa trabalho de pesquisa de Amaral Vieira, “responsável pela descoberta de outras peças perdidas da música erudita brasileira, como Tratado de Contraponto, de André da Silva Gomes (1752-1844), o quarto ato da ópera A louca, de Elias Lobo (1834-1901) e a Valsa brilhante, de Heitor Villa-Lobos. Antônio Carlos Gomes (1836-1896), autêntico “compositor sem pátria”615, talvez seja um dos principais exemplos de descaso, principalmente no Brasil, diga-se de passagem. Em 1996, ano que marcou o centenário da morte de Carlos Gomes, foi o maestro Júlio Medaglia quem dirigiu a montagem de O Guarani. Diga-se de passagem, no exterior e com a Ópera Nacional da Bulgária. Segundo o próprio maestro “falou-se muito a respeito, mas nenhum teatro brasileiro montou uma de suas óperas sequer”616. Joanna de Flandres, sua segunda ópera e estreada em 1863, ganhou sua primeira edição em 2002, graças ao esforço do maestro Fábio de Oliveira e do pianista Achille Picchi, lançada em um concerto “com trechos da ópera”, realizado na Sala São Paulo. A descobertas das partituras, “consideradas perdidas por mais de 130 anos”, foram encontradas “separadas, em arquivos do Rio”, onde foram parar provavelmente após o imperador d. Pedro II recebe-las das mãos do próprio compositor, “como gesto de agradecimento à bolsa recebida para estudar na Itália”, segundo observa o maestro Luís Aguiar, “primeiro pesquisador a sinalizar a descoberta das partituras no início da década de 90”.617 Integrante do 614 Jornal ‘Folha de S. Paulo’, 28/08/2002, p. E1-6. Jornal ‘O Estado de S. Paulo’, 18/04/2004, p.D4. 616 Revista ‘Concerto’, dezembro de 1996, p.10. 617 Jornal ‘O Estado de S. Paulo”, 25/11/2002, p. E1. 615 164 projeto Memória da Ópera Brasileira, a edição da partitura será acompanhada de um livro, Joanna de Flandres: a História de uma Ópera, “com tiragem de 2000 exemplares”.618 Em 2004 foi a vez do Colombo abrir a temporada do Teatro Municipal de São Paulo. Mais uma vez, a necessidade de um profundo trabalho de localização, revisão e reedição de suas partituras “grande parte delas, manuscritos”, vêm a tona. Segundo o pesquisador Sérgio Casoy, “as partituras de Carlos Gomes estão espalhadas pela Biblioteca Nacional e pelo Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro, e pela Escola de Música da UERJ”.619 E o mesmo Sérgio Casoy relembra um comentário feito pela soprano Niza de Castro, em relação as partituras de Carlos Gomes utilizadas em uma montagem “do Municipal, tão marcadas por tintas de diversas cores, usadas por vários maestros, que muitas passagens eram ilegíveis”.620 Marcus Góes, ainda em relação à obra de Carlos Gomes e autor da biografia A força indômita, conclui: “Estamos falando da negligência com que o Brasil trata seu próprio legado histórico. Só isso explica o Sudameris ter interrompido pela metade o projeto de registrar toda a obra de Gomes em áudio e vídeo. Só isso explica ser tão pobre a documentação fonográfica existente (...). E o álbum produzido em Belém, na época do centenário da morte do compositor? Por que o DVD do Condor de Manaus não foi editado?”.621 618 Idem. Jornal, ‘O Estado de São Paulo’, 18/04/2004, p.D14. 620 Idem 621 Idem, ibdem. A mesma reportagem completa: “No Brasil, Fosca só estreou no Municipal de São Paulo em 1966, quase cem anos após sua composição; e, na década de 90, quando voltou a ser apresentada, foi por uma companhia búlgara”. 619 165 O acervo Ronoel Simões Outro acervo que corre sério risco, é o do pesquisador Ronoel Simões. Considerado “o maior colecionador do mundo de partituras e registros fonográficos de violão instrumental”622 (solista ou com acompanhamento), realiza contatos permanentes com colecionadores do Brasil e do exterior, “membro honorário da Sociedade da Guitarra Clássica de Nova York, da Peña Guitarrística Tárrega de Barcelona e da Associação Guitarrística Argentina”, além de se corresponder “com as maiores autoridades mundiais no assunto”.623 Paulista, de Santa Rita do Passa Quatro, nascido em 24/3/1919, Ronoel Simões foi um dos colaboradores da Enciclopédia de música brasileira, que lhe dedica um verbete em que outra faceta se revela: em 1953 abriu “sua escola de violão, a Academia Brasileira de Violão”, que funcionou até 1984, sendo ainda, colaborador, “por muitos anos, da rádio e jornal A Gazeta de São Paulo”.624 No primeiro depoimento que nos forneceu, em 5/7/1997, falando em torno da construção de seu valioso acervo, mencionou a amizade com os mais importantes violonistas brasileiros. De Heitor Villa-Lobos, que lhe autografou o disco contendo o Choros nº1, passando por João Pernambuco, Garoto, que gravou algumas composições inéditas, recentemente lançadas no CD Viva Garoto de 1993, Dilemando Reis, entre outros. Ronoel participou ativamente de dois discos editados pela gravadora Continental, que homenagearam importantes violonistas da chamada 622 MELLO, Zuza Homem. Violão brasileiro, acervo incomparável. In.: Jornal, ‘O Estado de São Paulo’, 15/4/1979. 623 Idem. 624 Enciclopédia da música..., op. cit., p.740. Segundo a mesma fonte, Ronoel Simões publicou alguns artigos em revistas especializadas internacionais, tais como: Américo Jacomino Canhoto (1889-1928): um grande chitarrista brasiliano. In: L’Arte Chitarrista, Moderna, Itália, v.3, nº17, 1949, p.3 e The guitar in Brazil. In: Guitar review. New York, nº22, pp.5-6, 1958. 166 “primeira geração do violão instrumental brasileiro”: João Pereira Guimarães, o João Pernambuco (1883-1947) e Américo Jacomino, o Canhoto (1889-1928), “ambos assinados pelo produtor J. L. Ferrete”.625 Em 1958, escreveu para o jornal A Gazeta, um longo artigo sobre Canhoto, posteriormente reproduzido na abertura da edição que reuniu 14 de suas partituras626, e que até bem pouco tempo era, ao lado do texto de J. L. Ferrete que acompanhou o citado LP627, o único documento com informações consistentes sobre a vida e obra de Canhoto. Mas o acervo de Ronoel Simões, iniciado em 1941, não se restringe apenas ao violão nacional. Nele constam 34 discos do paraguaio Augustin Barrios, comentados adiante, e boa parte dos registros fonográficos do importante violonista espanhol, Andrés Segóvia. Tal obra não se faz sem muita dedicação e amor ao trabalho, além de algumas estratégias típicas do mundo da música. Segundo o que nos relatou, Ronoel trocava discos raros por algumas doses, tanto mais quanto maior a resistência do dono de alguma raridade, quer seja um disco, partitura, ou mesmo alguma informação ou depoimento de valia sobre o violão nacional ou internacional. Neste sentido, podemos mencionar o episódio do retorno de Canhoto ao Rio de Janeiro, quando Joubert de Carvalho lhe aplicou uma injeção “de óleo canforado e cafeina”, em que a agulha, “transpassando a magreza do braço, foi atingir o osso”.628 Quando lhe indaguei sobre a minúcia de tal informação, Ronoel esclareceu que este relato, lhe foi passado por Amadeu, irmão mais velho de Canhoto, que, por sinal, lhe forneceu diversas 625 MELLO, Zuza Homem. Violão brasileiro..., op. cit. SIMÕES, Ronoel. Américo Jacomino, ‘Canhoto’. In: JACOMINO, Américo, ‘Canhoto’. Abismo de rosas e grandes obras. São Paulo, Fermata do Brasil, s/d. 627 Américo Jacomino, o Canhoto. LP Continental, São Paulo, 1978. 628 SIMÕES, Ronoel, Américo Jacomino...,op. cit., p.8. 626 167 informações e registros fonográficos, desconhecidos pelo próprio filho de Canhoto, Luís Américo. No depoimento que nos forneceu, em 15/07/1999, falou que seu acervo é composto por 7.000 discos (entre 78rpm, LPs e CDs), 15.000 partituras, 400 vídeos, fitas de rolo, fotos, livros e muitas histórias guardadas consigo próprio, que, quando reveladas, trazem uma riqueza de detalhes impressionante. Sua relação de discos gravados, registram mais de 3500 discos, tanto 78 rpm quanto Lp’s, relacionados em mais de 450 páginas de informações e distribuídos em três volumes. Seu valioso acervo nos remete a uma indagação: até quando a memória cultural brasileira terá que depender de acervos particulares? Com um agravante: infelizmente, este valioso acervo corre o risco de ir para o exterior, pois, como já foi mencionado, está sendo negociado com uma universidade americana. Vale ressaltar que no início do ano de 2005, juntamente com o musicólogo Paulo Castagna, estivemos na casa de Ronoel Simões para tratar especificamente sobre o conjunto de sua coleção. Infelizmente, Ronoel Simões se mostrou irredutível. Nem mesmo um trabalho de catalogação do acervo, com eventual verba financiada, foi aceito pelo colecionador. Talvez a mencionada negociação com uma Universidade americana, esteja em fase bem adiantada ou até mesmo fechada. Ironicamente, podemos dizer, Ronoel Simões foi homenageado no lançamento do trabalho Violões do Brasil, organizado pela produtora Myriam Taubkim.629 Muitos aplausos por mais uma utilização de seu acervo, mas nenhuma palavra ou manifestação pública em relação ao 629 TAUBKIN, Miriam (org.). Violões do Brasil. São Paulo, Myriam Taubkim, 2004. 168 conjunto de documentos, que, por sinal, está sendo devorado por cupins, conforme constatamos pessoalmente. 169 4. Canhoto e o violão sul-americano 170 Este capítulo refletirá sobre o violão sul-americano da virada do século XIX para XX, a partir do universo musical de Canhoto inspirado em gêneros do nosso continente. Como ponto de partida, analisaremos os tangos argentinos compostos por Canhoto, assim como as gravações onde atuou como intérprete, caso dos tango, Se acabaran los otários, que por sinal, inspirou o nome do primeiro filme falado produzido no Brasil, além ainda, de analisarmos as informações, colhidas em depoimentos, de que Canhoto teria tocado Carlos Gardel. Posteriormente, discorreremos sobre a atuação do violonista argentino Juan Argel Rodriguez, através de informações colhidas junto ao periódico ‘O Violão’, publicado no Rio de Janeiro entre 1929 e 1931, particularmente suas relações com músicos nacionais, caso de Ernesto Nazareth por exemplo, além de uma obra dedicada a São Paulo, Ronda paulista, composta em junho de 1929. A partir desta aproximação com a música argentina, refletiremos sobre as semelhanças entre o tango brasileiro e o argentino, para posteriormente, abordarmos a trajetória do paraguaio Agustin Barrios, uma das principais referências da música para violão neste início do século XX. Finalizaremos, com uma reflexão sobre o violão na América do Sul, particularmente sobre a significativa presença de instrumentistas espanhóis, principalmente na Argentina e no Brasil, e partir daí, em excursões pelo continente, num momento em que este instrumento reassumia sua importância na música de concerto. Neste sentido, refletiremos sobre a contribuição sul-americana no chamado ressurgimento do violão no século XX, já que importantes nomes deste instrumento, atuaram em nosso continente. 171 A pesquisa em torno da produção musical de Canhoto, revelou um aspecto diferencial, se compararmos com a trajetória de outros violonistas do período630: a gravação e composição de tangos argentinos. Inicialmente, vale ressaltar que dos registros fonográficos de Canhoto ao violão, analisados acima, encontramos pouquíssimas obras que não são de sua autoria. São elas: a protofonia de O guarani; um choro-canção de Joubert de Carvalho, Os teus olhos, e os tangos argentinos, Se acabaran los otarios, de Francisco Canaro, Luis Ricardi e Juan A. Caruso, Sonsa, de Raúl de los Hoyos e Emílio Fresedo e À média luz, de Edgardo Donato e Carlos C. Lenzi. A publicação, Antologia poética: letras de tango631, faz referência à obra Média luz, cujo nome completo do compositor é Edgardo Felipe V. Donato, autor da música, com letra de Carlos César Lenzi.632 Outra informação dessa mesma obra diz respeito ao ano da composição (e/ou gravação, não especificada por esta publicação): 1926. Se consideramos o número desse registro fonográfico de Canhoto, 123.303, e as informações do catálogo de gravações Discografia brasileira, dando conta que o lançamento deste disco foi feito em maio de 1927633, podemos supor um conhecimento significativo de Canhoto da música produzida na Argentina, fato que pode explicar a composição de tangos argentinos pelo próprio Canhoto: Porque te vuelves a mi, Guitarra de mi terra, Brasilerita, e, Amor de Argentina. 630 Cf. ESTEPHAN, Sérgio. O violão..., op. cit. MARPEGÁN, Santiago D. & RUSSO, Juan Angel. Antologia poética: letras de tango. Editorial Basílico, Bueno Aires, Argentina, 1999. 632 Idem, p.63. 633 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M. A. Discografia..., op. cit., p.264. 631 172 Um aspecto inicial a ser ressaltado, quando pensamos neste bloco de composições e gravações de Canhoto, é a forma como este compositor captou o espírito do tango argentino, inclusive, a partir da utilizações de recursos violonísticos corriqueiros, por assim dizer, mas que, aliado a sua técnica e virtuosidade, acabam tendo um toque particular ou um estilo próprio no caso de Canhoto. Dentre estes recursos, destacamos o uso de harmônicos, de frases melódicas na região grave (a chamada baixaria) e na região aguda do instrumento, associadas, neste último caso, ao uso de cadências em tonalidade menor, o que reforça o tom intimista e sentimental destas composições e interpretações, aspectos estes presentes no conjunto de obras, particularmente em suas valsas, conforme observamos. Um último aspecto a ser ressaltado, também presente no conjunto de suas composições, e que ressalta quando ouvimos suas gravações, é a alteração sutil no andamento de algumas frases, seja acelerando ou retardando o tempo, talvez uma de suas principais características enquanto violonista, conforme já ressaltamos. O primeiro tango argentino de Canhoto, que passamos a comentar, é Porque te vuelves a mi. Esta obra foi gravada por Canhoto “entre 1921 e 1926”634, com o número 122.935, e foi registrada em CD635, conforme mencionamos. Apesar de não localizarmos sua partitura, a declaração de venda e transferência desta obra para a “Empresa Editora Musical Irmãos Vitale”636, pode indicar uma edição comercial desta partitura, ou mesmo 634 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., p.251. 635 Acervo: Ronoel Simões e incorporada ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 636 ‘Contrato de cessão de direitos autorais’. Acervo: Luís Américo Jacomino e incorporada ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 173 uma edição manuscrita637, como ocorreu com outras obras de Canhoto.638 Outro detalhe em relação a este documento, é o fato de constar como nome da obra, ‘Labios roxos’, sendo que Porque te vuelves a mi, aparece entre parênteses. Por fim, ainda em relação a este documento, temos a data de 16/12/1925, o que nos aproxima da época de composição desta obra, uma lacuna, como já mencionamos, presente em boa parte na produção musical de Canhoto. Em relação à obra propriamente dita, temos, em sua parte inicial, uma frase melódica expressiva e acelerada e na região grave do violão, recurso este repetido por algumas vezes ao longo da obra, paralelamente a exploração da região aguda do instrumento, assim como o uso de harmônicos e de acordes que ficam, por assim dizer, suspensas.639 Em relação a outro tango composto por Canhoto foi Guitarra de mi tierra, observamos uma obra em duas partes, a primeira em tonalidade menor e a segunda em maior, adequando-se a estrutura ABA, sendo a primeira parte (A), repetida ao final, quando termina a obra, com uma seqüência final, ou coda640. Outro tango argentino composto e gravado por Canhoto, foi Brasilerita, onde encontramos novamente frases melódicas expressivas, a começar pela melodia de baixos na parte introdutória desta peça, com acelerações e retardamentos sutis, recurso comum, como já observamos, e que na interpretação de Canhoto adquire um sentimento, por assim dizer, típico de um tango argentino, já caracterizado como “un pensamiento triste que se 637 Segundo este contrato, assinado em 16/12/1925, os “direitos de gravação são de propriedade do autor” (Idem). Esta data inclusive, indica que a mencionada gravação desta obra, ocorreu entre 1925 e 1926, e não próximo ao ano de 1921. 638 Cf. Partituras relacionada ao final, no item Fontes documentais. 639 Tecnicamente, podemos aproximar este efeito ao de uma fermata, caracterizada como “um sinal que se escreve sobre a nota ou a pausa para sustentá-la por um tempo que corresponde aproximadamente ao dobro do seu valor” (LACERDA, Oswaldo. Teoria elementar da música. São Paulo, Musicália, p.13). 174 baila”641. Com relação a partitura desta obra642, justamente nesta parte introdutória, observamos uma notação musical curiosa, ao omitir qualquer sinal de dinâmica, nesta parte, fazendo com que os três compassos em semicolcheia que a constituem, se descaracterizem enquanto um tango argentino, podendo até ser considerados como parte de um maxixe ou de um choro643, caso sejam considerados sem tais sinais de dinâmica, que deveriam indicar um sutil retardamento e aceleração, que caracterizam a gravação desta peça644, e também o estilo de interpretação de Canhoto, como já observamos. Na segunda parte, na tonalidade de Sol maior (a primeira está em Lá menor), segundo a partitura que nos referencia nestas reflexões, temos novamente a utilização de uma melodia na região aguda do instrumento, precedida glissandos645, que acentuam o caráter sentimental desta obra. Com a terceira parte em tonalidade maior, esta obra se encerra com a reexposição da primeira parte, estruturando-se assim, no ABCA. Acreditamos que esta obra, pelas características mencionadas, sintetize a riqueza que o obra de Canhoto nos transmite, e por isso, será mais uma obra a ser incluída no CD que acompanha este trabalho de pesquisa. 640 Podemos caracterizar uma coda como “seção ou trecho que encerra um movimento ou uma peça” (DOURADO, Henrique Autran. Dicionário de termos e expressões da música. São Paulo, Editora 34, 2004, p.84). 641 SALAS, Horácio. El tango. Buenos Aires: Emecé, 2004, p.11. 642 JACOMINO, Américo. Abismo..., op. cit., pp.24-6. 643 Em nossa dissertação de mestrado (ESTEPHAN, Sérgio. O violão..., op. cit.), ao analisarmos o maxixe Reboliço, de João Pernambuco, comentamos acerca das duas figuras rítmicas presentes nesta obra, a primeira, um bloco de síncopas, e a segunda, justamente uma sequência de semicolcheias, por vezes em mais de um compasso (binário), justamente onde se manifesta a umbigada (Idem, p.92). 644 Acervo: Ronoel Simões e incorporada ao corpo documental desta pesquisa e relacionada ao final no item Fontes documentais. 645 O glissando é um efeito que “consiste em saltar de uma nota a outra com pouca ou nehuma distinção dos sons intermediários”, efeito este, “obtido pelo deslizar do dedo, partindo da nota inicial até aquela final” (DOURADO, Henrique Autran. Dicionário..., op. cit., p.148). 175 A última obra a ser analisada neste bloco de composições de tango argentinos de Canhoto é Amor de argentina. Nesta obra, ressaltamos inicialmente a imprecisão com que a partitura aponta a passagem da primeira para a segunda parte646, imprecisão esta corrigida pela edição feita por Gilson Antunes647, e de grande importância nesta peça, já que é justamente no final da primeira parte que a obra termina. Ainda nesta obra, observamos outro recurso de significativa emoção e sensibilidade, quando, justamente no início da segunda parte, Canhoto utiliza uma melodia oitavada, que soam, não simultaneamente como é mais comum, mas, com uma diferença mínima entre a nota mais aguda, tocada inicialmente, e a oitava mais grave, emitida em seguida, recurso este não apontado pelas partituras mencionadas. Outros tangos argentinos compostos e/ou interpretados por Canhoto e localizados por esta pesquisa foram, Asta luego, de sua autoria, interpretado no recital organizado pelo “violonista Américo Jacomino (o Canhoto) em homenagem a Sociedade Hípica Paulista”, em junho de 1918648; Padre nuestro, “em solo de banjo, com acompanhamento de piano de Carlos R. Souza”, executado no concerto de Canhoto transmitido pela Rádio Educadora Paulista em 29/03/1925649; Julian, de E. Donato, executado no concerto de Canhoto no salão do Conservatório Dramético e Musical de São Paulo, em 15/10/1925650; Luzita, de Canhoto e Desgraciáo, tango 646 JACOMINO, Américo. Abismo..., op. cit., pp. 18-9. ANTUNES, Gilson Uehara. Américo Jacomino..., op. cit., ‘Anexo III’. 648 FLEURY, Eduardo & ANTUNES, Gilson U. & CASTAGNA, Paulo. O violão em São Paulo..., op. cit., vol.1. Segundo a mesma fonte, “os acompanhamentos foram feitos por Luiz Bueno” (Idem). 649 Idem, vol. 2. Segundo esta mesma fonte, o autor desta obra está identificado com as letras “S.N”., o qual não identificamos, segundo os documentos utilizados nesta pesquisa. Ainda segundo esta mesma fonte, o citado Carlos R. Souza, também executou os acompanhamentos de violão. 650 Idem, ibdem. 647 176 argentino de Julian Benlok, interpretados no recital transmitido pela Rádio Educadora Paulista em 12/01/1926.651 Canhoto e Carlos Gardel: um encontro possível Um dos aspectos que chamou nossa atenção ao longo de nossa pesquisa, foi a reconstrução da trajetória e a identificação do momento em que Canhoto e Carlos Gardel, se aproximaram ou se encontraram. O primeiro aspecto a ser ressaltado nesta aproximação entre Brasil e Argentina, por assim dizer, é uma informação mencionada nos depoimentos colhidos por este pesquisador. Tanto o colecionador Ronoel Simões quanto filho de Canhoto, Luís Américo, confirmam intercâmbio musical entre estes dois países, e dão uma informação muito significativa para este projeto de pesquisa: como já foi mencionado, Canhoto não só teve contato com Carlos Gardel, como chegou a tocar com ele. Nenhum dos dois entrevistados soube dar detalhes ou apontar algum registro desta parceria, ou mesmo detalhar deste contato entre a música brasileira e a argentina. Um fato que reforça estes depoimentos, é que todos os tangos argentinos gravados por Canhoto, também foram gravados por Gardel: Á média luz, em 1926, com acompanhamento dos violonistas José Ricardo e Guilhermo Barbieri aos violões; Sonsa, em 1925, e Se acabaran los otarios, em 1927, ambas com Ricardo e Barbieri aos violões652. Como já ressaltamos, Canhoto gravou as duas primeiras obras dentro da série 651 Idem. Segundo a mesma fonte, foi irradiado também pela Rádio Educadora Paulista, um concerto do violonista argentino Floravante Brugni, em 01/02/1926, e do violonista paraguaio Pablo Escobar, em 22/09/1926, onde, por sinal, também interpretou o citado tango argentino Desgraciáo. 652 GRÜNEWALD, José Lino. Carlos Gardel, lunfardo e tango. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1994, p.92. 177 123.000, portanto entre dezembro de 1925 e julho de 1927653, enquanto Se acabaran los otários, segundo informações de Ronoel Simões654, foi gravado em março de 1928. A proximidade de tais datas, reforçam a ligação de Canhoto com o universo da música argentina, do qual existem poucas informações. Sabemos que em setembro de 1918, segundo o jornal ‘O Estado de São Paulo’, Canhoto realizou uma excursão artística “ao sul do Brasil”.655 A partir desta informação, fica a pergunta: poderia de ter ido, nesta ocasião, à algum país sul-americano ? Outra informação a respeito, diz respeito, justamente, a uma “tournée sul-americana”, informação esta mencionada por Gilson Antunes656, que por sua vez, não tece comentários a respeito deste documento e desta informação. Podemos refletir ainda, sobre a mencionada gravação de Canhoto do tango, Á média luz, música que remete a um café, “num endereço conhecido: Corrientes 348”657, gravação esta de acentuado clima sentimental, inclusive se compararmos a gravação desta mesma obra, na interpretação do cantor, ator e cineasta, Hugo del Carril.658 Vale ressaltar que este tango, além de ser composto inicialmente sem letra659, estreou “no teatro Catalunya de Montevidéu, pela popularíssima vedete Lucy Clory, na peça Sua majestade, a revista. Depois atravessou o Rio da Prata e foi sucesso em Buenos Aires”.660 653 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., p.266. 654 Depoimento a este pesquisador, cit. 655 FLEURY, Eduardo & ANTUNES, Gilson U. & CASTAGNA, Paulo. O violão em São Paulo..., op. cit., vol.1. Acompanhado, segundo a mesma fonte, “de seu secretário e de um acompanhador pretendendo terminar a série de concertos no Rio de Janeiro” (idem). 656 ANTUNES, Gilson Uehara. Américo Jacomino ‘Canhoto’..., op. cit., p.46. 657 Tango em quatro tempos. Série de programas produzido e apresentado pela Cultura FM em 25/09/04. Acervo: particular. 658 Idem. 659 MARPEGÁN, Santiago D. & RUSSO, Juan Angel. Antologia poética..., op. cit., p.64. 660 FERNADES, Hélio de Almeida. Tango, uma possibilidade infinita. Rio de Janeiro, Bom texto, 2000, p.294. 178 Outro aspecto que reforça a ligação entre Canhoto e Gardel, foi a presença do ídolo argentino em São Paulo, quando ainda se apresentava em dupla com José Razzano, em uma apresentação no Teatro Municipal, em uma data especial inclusive, em 7 de setembro de 1915, tendo na platéia a presença de Rodrigues Alves e Washington Luís.661 Ainda em 1915, a mesma dupla, desta feita fazendo parte “da Companhia Dramática Argentina Rio-Platense, viajam para uma temporada no Brasil, em São Paulo e Rio de Janeiro”.662 Segundo a mesma fonte, a estréia ocorreu em “25 de agosto de 1915 em São Paulo, e em 29 de setembro no Teatro Municipal do Rio de Janeiro”, inclusive, com “um forte empenho do nosso escritor Coelho Neto para que a Companhia se apresentasse no Municipal, até porque, numa das récitas, figurava uma obra sua, A muralha”.663 A importância do tango argentino, não passou desapercebido pelo governo de seu país, que “chegou a financiar a ida a Paris de algumas orquestras populares, como a de Canaro, dos Irmãos Pizarro e do próprio Gardel”.664 A forte ligação de Gardel com o turfe, ele que foi, “além de apostador, proprietário de cavalos de corrida e ia a hipódromos em todas as cidades onde se encontrava”665, reforça a tese de sua ligação com o Brasil e consequentemente com seus artistas (principalmente músicos), já que seu grande amigo, o jóquei Irineu Leguisamo, “o mais famoso da América do Sul e piloto de Lunático”, seu cavalo e que estreou nas pistas em 1925, 661 Memória: O tango argentino. Entrevista com o pesquisador José Hojo Alonso. Rádio USP FM, 18/11/2001 (Programa originalmente produzido em 1993). 662 GRÜNEWALD, José Lino. Carlos Gardel..., op. cit., p. 51. Segundo Alberto Ikeda, a Companhia responsável pela vinda desta dupla foi a Companhia Nacional Argentina, conforme “noticiava ‘O Estado de S. Paulo’ – edição noturna de 21/9/1915” (IKEDA, Alberto T. Música na cidade em tempo de trasnformação,..., op. cit., p. 88). 663 Idem, p.69. 664 TINHORÃO, José Ramos. Pequena..., op. cit., p.86. 665 Carlos Gardel. Alma de bandoleon. Série de programas produzido e apresentado pela Cultura FM em 11/09/04. Acervo: particular. 179 “atuou mais de uma vez no Brasil”.666 Por sinal, uma de suas mais sentimentais gravações, Por una cabeza, de Carlos Gardel e com letra de Alfredo Le Pera, gravado em 1935 com a Orquestra de Terig Tucci, também foi uma homenagem ao jóquei Irineu Leguisamo.667 Outro aspecto que reforça a ligação de Canhoto e Gardel, é um personagem comum para ambos, Francisco Alves. Conforme ressaltamos, Francisco Alves gravou duas música de Canhoto, o samba Só na Bahia que tem (nº123.281) e Trepadeira (123.282), sem indicação de gênero musical, “em abril de 1927”668, dentro da última série gravada pelo sistema mecânico, a 123.000, além de ter Canhoto como violonista acompanhante na gravação da toada Dengosa, do próprio Francisco Alves.669 Este por sua vez, excursionou para Argentina por “três vezes, em 1930”, no ano seguinte, “com Carmem Miranda e Mário Reis” e em 1936.670 Na excursão de 1931, Francisco Alves chegou a dividir o palco com Gardel, e cantar o tango “mais em voga do ídolo argentino. A platéia, de início paralisada com tamanho atrevimento, concedeu-lhe uma das maiores ovações de sua vida”.671 Além de sua presença na Argentina, Francisco Alves, da mesma forma que Canhoto, também gravou tangos argentinos, como por exemplo Adios muchachos, de Júlio C. Sanders e César Vedani, Esta noche me 666 Idem, p. 55. Segundo o mesmo autor, Irineu Leguisamo, “imortalizado musicalmente através do tango Leguisamo solo!” (composto por Modesto Papávero e gravado em 1925 e 1927, segundo a mesma fonte), teve sua perfomace mais famosa, por ocasião de sua vitória no Grande Prêmio Brasil no Hipódramo da Gávea, “quando, pilotando o cavalo Filón, de propriedade do sr. José Buarque de Macedo, ganhou a prova em final emocionante, ao dorrotar Secreto, montado pelo grande bridão Oswaldo Ulloa, de propriedade da família Aranha”. Porém, “a comissão de corridas custou a confirmar o resulatado do páreo, porque alegava-se que Leguisamo havia segurado o adversário” (idem, p.70). 667 Carlos Gardel. Alma de bandoleon..., cit. 668 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., p.263. 669 ANTUNES, Gilson Uehara. Américo Jacomino ‘Canhoto’..., op. cit., p.46. Anexo I. 670 CARDOSO, Jr., Abel. Francisco Alves. As mil canções. Curitiba, Ed. Revivendo, p.22. 671 Idem, ibdem. Da mesma forma que Gardel, Francisco Alves foi “proprietário de cavalos de corrida por vários anos” (CARDOSO, Jr., Abel. Francisco Alves..., op. cit., p.33). 180 emboracho e Yira yira, ambos, de Enrique Santos Discépolo672, todos estes gravados por Gardel, os dois primeiros em 1928 e o terceiro em 1930673, além do mencionado, Fumando espero, de Félix Garzo, J. Viladomat e Juan V. Masanas, gravado pelo selo Odonette, “possivelmente no primeiro semestre de 1927”.674 Outro violonista que teria tocado com Gardel, foi o paulistano Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto, quando, em uma excursão ao sul do Brasil em 1935, ao lado de Aimoré, tocaram na Rádio Club Paranaense, na Rádio e no Cassino Farropilha, e “seguiram para a Argentina onde teriam acompanhado Carlos Gardel em alguns números”.675 Contudo, esta informação, reiterada no verbete dedicado a Garoto na Enciclopédia da música brasileira676, não confere com as informações que obtivemos a respeito da trajetória de Gardel nestes últimos anos de sua vida, já que foi em 7 de novembro de 1933, ocorreu sua despedida de Buenos Aires, a bordo do navio Conte Biancamano.677 Outro aspecto que reforça a ligação entre Gardel e Canhoto, foi a utilização do instrumento comum a ambos, o violão. Além de se acompanhar ao violão, principalmente no início de sua carreira ou em registros fonográficos, como por exemplo nas “gravações de 1912, ou, entre 1917 e princípios de 1921”, Gardel chegou a ser acompanhado por até 672 CARDOSO, Jr., Abel. Francisco Alves..., op. cit., p.33 GRÜNEWALD, José Lino. Carlos Gardel..., op. cit., p.129 674 SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., p.267. 675 ANTÔNIO, Irati & PEREIRA, Regina. Garoto, sinal dos tempos. Rio de Janeiro, FUNARTE, 1982., p.18. 676 Enciclopédia da música brasileira: popular..., op. cit., p.319. 677 GRÜNEWALD, José Lino. Carlos Gardel..., op. cit., p.60. Segundo esta mesma fonte, em 1934, Carlos Gardel “assina com Paramount um contrato para fazer dois filmes nos estúdios de Nova York (...), cuesta abajo e El tango en Brodway”, entre maio e julho deste ano, em agosto, vai para a França, para Nova York “em outubro”. Em dezembro, filmou “as cenas de The big broadcast of 1935”, deixando esta cidade em 28 de março de 1935, “aquela que seria sua última e interrompida turnê de sua vida. Seu destino Porto Rico, em seguida Venezuela”, e em junho, espetáculos no Teatro Real de Bogotá, onde partiria, em 24 de junho de 1935” (idem, p.64). 673 181 quatro guitarristas ao longo de sua carreira. Foram eles os citados José Ricardo, que tocou com Gardel “até junho de 1929”, e Guilhermo Barbieri, que esteve presente na “maior quantidade de vezes na carreira do cantor”; o uruguaio José Maria Aguilar, que acompanhou Gardel “a partir de julho de 1928” e Ángel Domingo Riverol, a partir de “março de 1930”.678 Em princípios de 1931, por motivos de “desentendimento extramusicais”, Aguilar sai, entrando no mesmo ano, Domingo Júlio Vivas, e, por fim, “em janeiro de 1933”, com a entrada de Horacio Pettorossi, “o acompanhamento passa a ser de quatro violões”.679 Vale ressaltar que os guitarristas Barbieri e Riverol, estavam com Gardel no fatal acidente de 24 de junho de 1935, no aeroporto de Medellín, na Colômbia, quando o avião em que estavam, ao receber autorização para decolar para Cali, se chocou na pista com outra aeronave. Neste mesmo acidente, salvaram-se o guitarrista J. Mª, Aguilar, além de “José Plaja, professor de inglês, e Grant Flynn, chefe de tráfego”.680 Outro reflexo desta ligação entre Canhoto e Gardel, foi a citada gravação de Canhoto do tango, Se acabaran los otários, de Francisco Canaro. Este disco contêm duas curiosas inscrições, por assim dizer: ‘particular’ e ‘amostra invendável’. Este raro documento do acervo do colecionador Ronoel Simões, possui ainda mais uma particularidade importante: trata-se de um disco ‘Prova’, ou seja, um disco que ainda passaria por uma audição final, antes de ser colocado à venda no mercado. Ronoel Simões afirmou que este disco não foi colocado no mercado por razões que ele próprio desconhece. Levando em consideração a data da 678 Idem, p.91. Idem, p.92. Segundo a mesma fonte, esse “quarteto dura até o fim do ano, pois, a partir de julho de 1934, Gardel passa a gravar predominantemente com orquestras”. 680 Idem, p. 66. 679 182 gravação que consta neste documento, 12/3/1928, acreditamos que o estado de saúde de Canhoto tenha impedido sua colocação no mercado, ou mesmo que sua atividade de lançador da Prefeitura, emprego que ocupou durante o ano de 1928, tenha dificultado a conclusão desta gravação. Outro aspecto importante a respeito desta obra, é o fato de o primeiro filme brasileiro falado chamar-se justamente, Acabaram-se os otários.681 Segundo o cantor Paraguaçu, que participou do elenco desta produção cinematográfica dirigida por Luís de Barros, o filme não era tão falado assim, já que suas músicas eram dubladas, e os diálogos praticamente inexistentes.682 O pesquisador Sérgio Cabral observa que esta produção teve Menotti del Picchia como colaborador do argumento do filme, Carinhoso, de Pixinguinha como integrante da trilha sonora683, além da composição, Deixe-me ser otário, de Vadico, e a participação “do caipira Genésio Arruda”.684 Segundo o Centro de Documentação Digital da Cinemateca, esta “comédia musical de 1929, de 35 minutos, com produção de Victor del Picchia e com 35 minutos de duração”, narra, segundo sinopse desta mesma fonte “as aventuras de um caipira e de um italiano que vêm a São Paulo, compram um bonde, são depenados num cabaret e assim, desiludidos, voltam para o interior”.685 Este filme chegou a ser visto por “35 000 pessoas”, e foi exibido no “Cinema Santa Helena de São Paulo”686, e no Rio de Janeiro, no Cinema Rialto com “letreiros em caipira”.687 681 GOMES, Paulo Emílio Salles. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980, p.69. 682 Depoimento do cantor Paraguaçu ao MIS-SP. 683 CABRAL, Sérgio. A MPB na era do rádio. São Paulo, Moderna, Coleção Polêmica, 1996, p.28. 684 MORAES, José Geraldo. Sonoridades paulistanas. Rio de Janeiro, FUNARTE, 1995, p.182. 685 Site: www.cinemateca.com.br. Acesso em 26/06/2006. 686 GALVÃO, Maria Rita E. Galvão. Crônica do cinema paulistano. São Paulo, Ática, 1975, p.262 687 TINHORÃO, José Ramos. Música popular: teatro..., op. cit. p.282 183 Poderíamos indagar ainda, por que um tango argentino inspirou o nome desta produção cinematográfica ? O que apuramos, a partir das fontes consultadas por esta pesquisa, é que existiu no início do século XX, uma centralidade das atividades culturais na América do Sul, em torno da capital argentina, Buenos Aires. Mário de Andrade comenta que a capital argentina, “se tornou em nossos dias a representação mais total de cultura que a América do Sul apresenta (...). Por isso o comércio musical, temporadas de virtuoses e de teatro, se baseiam em Buenos Aires. O Brasil, pra esses virtuoses, é terra de passagem que a gente experimenta para ver se ganha mais um bocado”.688 Alberto Ikeda689 caminha na mesma direção, ao comentar que, para a classe alta paulistana, “o grande acontecimento musical da cidade eram as temporadas líricas realizadas pelas companhias européias que, de passagem pelo Rio de Janeiro rumo a Buenos Aires e outras cidades platinas, cumpriam temporada na cidade”.690 Em relação ao tango argentino especificamente, o mesmo autor observa que “dos gêneros populares latino-americanos do sul”, foi este, “o que mais marcadamente se fez presente no ambiente musical paulista” nas décadas iniciais do século XX691, inclusive em relação “as peças publicadas pelas editoras paulistas”, que, após o “franco predomínio da valsa até por volta de 1920 (...), a partir dessa época passa a haver um gradativo crescimento na edição de outros gêneros como o tango-argentino, o fox-trot e o maxixe”.692 688 ANDRADE, Mário. Pequena história da música. São Paulo, Livraria Martins Editora, 5ª edição, s/d., p.159 689 IKEDA, Alberto T. Música na cidade em tempo de trasnformação,..., op. cit. 690 Idem, p.22. Segundo o mesmo autor, “nessa época Buenos Aires era a maior cidade da América do Sul. Tinha grande intensidade de programações artísticas e era considerada a ‘Capital Cultural’ do hemisfério ocidental sul” (idem, p.36 nota de roda-pé). 691 Idem p.87. 692 Idem, p.58. 184 Assim, adquire sentido o mencionado fato, de um tango argentino intitular ou inspirar o nome de uma produção cinematográfica, que teria, segundo Ronoel Simões693, o próprio Canhoto como ator e participante, caso não falecesse no dia 7 de setembro de 1928, fato que explica sua gravação deste tango. Certamente esta centralidade tem que ser entendida, não em termos absolutos, mas enquanto uma tendência. Como exemplo, podemos ressaltar a mencionada “instalação da Fábrica de Discos Odeon – a primeira da América do Sul – na rua 28 de setembro nº50, no Rio de Janeiro” -, e não em Buenos Aires -, quando inclusive, “Fred Figner passa a prensar suas chapas no Brasil”694, da mesma forma que as gravações realizadas pela Odeon em Buenos Aires, que passaram a ser remitidas e processadas pela “fábrica carioca da Tijuca, até a instalação, no final da década de 1919, da fábrica argentina”.695 O violonista Juan Argel Rodrigues e a revista ‘O violão’ Outra fonte de informações a respeito das relações musicais entre Brasil e Argentina, é a Revista O violão, publicada mensalmente no Rio de Janeiro entre dezembro de 1928 e abril de 1926, sendo que até dezembro de 1929 alguns números bimestrais (como a número 6, lançada em maio/junho e a número 8, de agosto/setembro desse ano, por exemplo) se alternam com 693 Depoimento cit. SANTOS, Alcino; BARBALHO, Grácio; SEVERIANO, Jairo; AZEVEDO, M.A. Discografia..., op. cit., p. II. 695 FRANCESCHI, Humberto. A Casa Edison..., op. cit., p.277. Segundo a mesma fonte, “tal como se processou no Rio de Janeiro, houve, em Buenos Aires, produção regular de gravação sonora”, da mesma forma “que nos dez anos seguintes” (Idem, ibdem). 694 185 publicações mensais (como a número 7, lançada em julho e a número 9, de outubro do mesmo ano). Posteriormente a revista foi denominada A voz do violão, com mais dois números publicados: fevereiro e março de 1931. Dentre estas publicações, um nome pouco mencionado chama a atenção: Juan Argel Rodrigues. Além da utilização incomum da 6ª corda em Fá, este violonista argentino esteve diversas vezes no Brasil, tendo contato com alguns músicos brasileiros, tocando obras de artistas nacionais e até compondo obras inspiradas em nosso ambiente musical. A edição de abril de 1929, traz um estudo ‘matinal’, denominado Juego de cordas, dedicada à própria revista e datado de 19/4/1929. Já na edição de junho, outra obra Juan A. Rodrigues publicada: Ronda paulista, composição dedicada ao violonista e professor paulista Oswaldo Soares. No editorial da publicação de julho de 1929, um relato de uma visita de Juan A. Rodrigues a casa de Ernesto Nazareth, com o objetivo de “conhecer de perto o homem que a seu ver era o maior ‘folklorista’ sul americano”.696 Na edição seguinte, de agosto/setembro de 1929, uma obra assinada por ambos, com o nome de Espalhafatoso e com o sub-título de ‘dansa nativa brasileira - tango’, nome por sinal de um tango de Nazareth composto em 1912 e editado pela Casa Artur Napoleão697, além de uma carta de J. Rodrigues a Nazareth, com diversos elogios ao “ilustre maestro” brasileiro.698 A partir da edição de nº9, de outubro do mesmo ano, observamos a transcrição de três apresentações de J. Rodrigues, sempre interpretando obras nacionais. Na primeira, no “Theatro Trianon, no dia 15 deste ‘mez’, 696 Revista, ‘O violão’, nº7, julho de 1929, Rio de Janeiro, s/ed., p.4. Enciclopédia da música brasileira: popular, erudita e folclórica. 2ª edição. São Paulo, Art Editora / PUBLIFOLHA, 1998, p.557. 698 Revista, ‘O violão’, nº8, agosto/setembro de 1929, Rio de Janeiro, s/ed., p.28. 697 186 um tango brasileiro de autoria de O. Dutra”.699 Na segunda, em “vitoriosa excursão artística pelo Estado do Espírito Santo (...), na culta cidade de Cachoeira do Itapemirim (...), no vasto e elegante salão dos Caçadores Club”700, um Maxixe, assinado por E. Souto e Rodrigues, muito provavelmente, em referência à autoria e interpretação, respectivamente. Em 1931, por ocasião da terceira e última apresentação desse violonista argentino, “sob o patrocínio de ‘A voz do violão’ e realizado no salão nobre do Instituto Nacional de Música”701, um Choro, ‘danza typica brasileira’, ao que nos parece, de autoria do próprio Rodriguez. Uma característica incomum presente nas composições de Juan A. Rodriguez, é a citada utilização da 6ª corda em fá, como no caso de sua Las furnas de tijuca, datada de 29 de junho de 1929 e publicada na edição de julho de 1929 da mesma revista, e de seu estudo op. 97, Rayos de luar, publicada na edição de fevereiro de 1931. O violonista Dilermando Reis chegou a gravar composições de Juan A. Rodriguez, caso de Coral del norte, ‘chilena nº1’702, e La despedida, ‘danza chilena’, gravado no LP ‘Volta ao mundo’, conforme consta na ‘Relação’ do colecionador Ronoel Simões.703 Vale ressaltar ainda, as referências a outro músico argentino, o maestro argentino Antônio Sinópoli. Em artigo publicado na edição de fevereiro de 1929 desta mesma publicação, Sinópoli, em concerto pela capital argentina, interpretou uma composição de Marcelo Tupinambá, Cabocla apaixonada, 699 A Enciclopédia de música brasileira faz referência ao compositor gaúcho Otávio Dutra (18841937). Nas poucas obras relacionadas constam apenas valsas (op. cit., p.256). Diante das poucas informações, não temos condições de afirmar que ambos são a mesma pessoa. 700 Revista ‘O violão’, nº10, novembro/dezembro de 1929, Rio de Janeiro, S/Ed., p.21 701 Revista ‘A voz do violão’, nº2, março de 1931, Rio de Janeiro, S/Ed., p.28 702 REIS, Dilermando. Abismo de rosas, CD Warner Music (remasterizado: Continental, 1961), 1991. Acervo: particular. 703 SIMÕES, Ronoel. Relação geral de violão – solos duos, quartetos etc., existentes na discoteca de Ronoel Simões, São Paulo, S/Ed., p. 290. 187 “que eu lhe havia remetido”704, no caso, Oswaldo Soares, que assina o artigo, e a quem é dedicado o Prelúdio nº 2 de Sinópoli, publicado na edição de julho de 1929 da mesma revista e datado: São Paulo, fevereiro de 1929. Outro exemplo das relações musicais entre Brasil Argentina, está na publicação do Sesc-SP, Raros e inéditos, de 1995. Ao comentar uma das 22 canções relacionadas, Bianca, valsa de 1929 com música de Pixinguinha e letra do maestro Luís Andreoni, destacou-se o “intenso intercâmbio artístico-musical do Brasil com a Argentina nos anos 20 e 30”, e a presença dos Oito Batutas na Argentina, “onde a gravadora Victor de Bueno Aires teve a oportunidade de gravar 10 discos com músicas genuinamente brasileiras”.705 Em outra canção relacionada nesta mesma publicação, nada menos que o tango argentino, Adios mis farras, de Raul Roulien, gravado em 1928 por Francisco Alves, que vendeu, só na primeira semana 3.000 discos, “o que para 1928 era extraordinário”706, fato que encontra ressonância na forte presença deste gênero, a partir da década de 1920, conforme destacamos acima. Vale ressaltar ainda, a presença já mencionada dos irmãos Luís e Alexandre Levy, em 1882 “nos salões do Club Unión Argentina, em Buenos Aires”, interpretando a “Segunda rapsódia húngara, de Franz Lizt”707, assim como a presença no Brasil do regente e compositor Francisco Canaro, considerado um dos precurssores do tango (e também da chamada Orquestra Típica)708, por ocasião da gravação do tango Fumando 704 Revista ‘O violão’, fevereiro de 1929, Rio de Janeiro, S/Ed., p.12 Raros e inéditos - A MPB do passado e do presente, São Paulo, SESC, 1995. 706 Idem. 707 Enciclopédia..., op. cit., p. 442. 708 FERNANDES, Hélio de Almeida. Tango..., op. cit., p.257. 705 188 espero, por Dalva de Oliveira.709 Em 1925, foi a vez de Villa-Lobos integrar este circuito musical, quando esteve na Argentina e compôs, Sul América, para piano710, obra editada pela Arthur Napolão, e “encomendada pelo jornal argentino ‘La Prensa’, de Buenos Aires”.711 Por sinal, um dos críticos da revista argentina Nosostros, Gastón O. Talamón (1883-1957), que foi, durante os anos de 1920, “um dos principais promotores do americanismo musical”712, comenta justamente estas apresentações de Villa em Buenos Aires, “um orgulho para a família de ibero-americana”713, e destaca que “em suas obras mais avançadas Villa-Lobos é tão genuinamente brasileiro e americano. A alma livre e nova da América se espraia, juvenil e potente, órfã de prejuízos e entraves, na música do jovem compositor (...)”.714 Conforme pudemos observar, o intercâmbio entre Brasil e Argentina foi significativo, e abarcou não apenas a atividade musical. No Rio de Janeiro do início do século por exemplo, o café “Eldorado reabriu sob nova direção”, com artistas “de café-concerto contratados em Buenos Aires”, tais como Ignez Alvares, Jeanne Bascans, entre outros.715 No campo editorial por sua vez, Monteiro Lobato teve sua obra Urupês publicada na Argentina em 1921, “pela Biblioteca de Novelistas Americanos, a partir de contatos com o escritor Manuel Gálves”.716 Em 1923 foi a vez de Luís da Câmara Cascudo ter sua obra ‘Ronda de Muerte’, publicada “na revista argentina 709 Idem, p. 324. Segundo nos consta, esta obra foi gravada pela pianista Ana Stella Chicc. 711 Villa-Lobos, sua obra. 3ª edição, Rio de Janeiro, Museu Villa-Lobos, 1989, p.144. Segundo a mesma fonte, em 1925, Villa-Lobos realiza “concertos no Rio de Janeiro e em São Paulo e, ainda, em Buenos Aires e Montivideo. Na Argentina e no Uruguais atende a convite da Sociedade Wagneriana” (Idem, p.18). 712 ARTUNDO, Patrícia. Mário de Andrade e a Argentina: um país e sua produção cultural como espaço de reflexão. São Paulo, EDUSP, 2004, p.36. 713 Idem, p.38. 714 Apud. ARTUNDO, Patrícia. Mário de Andrade..., op. cit., p.38. 715 ARAÚJO, Vicente de Paula. Salões...,op. cit. p.55. 716 ARTUNDO, Patrícia. Mário de Andrade..., op. cit., p.42 710 189 Inicial”717, pesquisador este, considerado como um dos responsáveis pela aproximação de Mário de Andrade com a literatuta argentina, gerando posteriormente, por parte do autor de Macunaíma, trabalhos como, ‘Literatura Modernista Argentina’, e ‘Literatura Moderna Argentina’, “publicados no início de 1928 no Diário Nacional”718, além de publicações de seus trabalhos “na Argentina (...), nos quais tratou temas como o folclore no Brasil, as composições de Heitor Villa-Lobos, a Ciranda ou as danças dramáticas brasileiras”.719 Mais do que contatos culturais entre países vizinhos, acreditamos que tais fatos revelam uma perspectiva de integração cultural, ou até mesmo, uma necessidade histórica de integração cultural, ou até, nas palavras de Jorge Schwartz, “um esforço de integração continental único na época”720, afinal, “se o movimento operário se organizava, era necessário que o movimento intelectual fizesse o mesmo”.721 O tango brasileiro e argentino Um fato aspecto a ser ressaltado, quando refletimos sobre a música no Brasil e na Argentina, são os aspectos que aproximam o tango argentino e tango brasileiro. Inicialmente, vale situar a designação tango brasileiro, como um nome alternativo ao maxixe. Alberto Ikeda observa um “preconceito” em relação ao maxixe, o que pois “muitas composições 717 Idem, p.64. Idem, p.14. 719 Idem, p.121. 720 Apud. ARTUNDO, Patrícia. Mário de Andrade..., op. cit., p.72. 721 Idem, p..56. 718 190 foram publicadas qualificadas de tango brasileiro, tanguinho, tango brejeiro e outros nomes”.722 Afora a já mencionada imprecisão na designação dos gêneros musicais das músicas produzidas no Brasil -, e nesse sentido, o maxixe seja um dos principais exemplos723-, que surgiram na virada do século XIX para o XX, como expressões das camadas mais pobres, e por isso foram inicialmente discriminados e proibidos em seus países de origem, mas alcançaram destaque, inclusive na Europa, onde desembarcam no início do século XX. Em virtude da polêmica provocada por suas danças sensuais, requereram intervenção do papa Pio X. No caso do tango argentino, foi convocado um bailarino Casemiro ‘Vasco’ Ain, que dançou para Sua Santidade (...) que não achou nada demais. E o tango espalhou-se pela Europa. Com isso a elite argentina cedeu, tão orgulhosa quanto envergonhada.724 O tango brasileiro por sua vez, antes do mesmo Pio X “avaliar pessoalmente o grau de pecaminosidade que afirmavam existir na dança do 722 IKEDA, Alberto T. Música na cidade em tempo de trasnformação,...,op. cit., p.70. Já analizamos o tango brasileiro em nossa pesquisa de mestrado, enquanto uma “designação alternativa ao maxixe, para poder ser impressos em partituras, principalmente (...) nas obras de Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth”, e ainda, o pioneirismo do maestro Henrique Alves de Mesquita, ao lançar em 1871, sua obra Olhos matadores, acompanhada da designação, tango brasileiro, assim como o papel de Ernesto Nazareth, “seu sistematizador genial” (ESTEPHAN, Sérgio. O violão..., op. cit., p.101). O historiador Henri de Carvalho por sua vez, citando o maestro Sérgio Vasconcellos Correa, também menciona o papel de Nazareth como sistematizador do tango brasileiro, além de “outras características peculiares ao gênero: esquema formal do rondó (A-B-A-C-A); a tonalidade maior; o compasso binário (...)” (CARVALHO, Henri. Ernesto nazareth, Rei do tango brasielriro: a transformação da estética musical na cidade do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado orientada pelo Prof. Dr. Antônio Rago Filho. PUC-SP, 2004, p.76). Porém, como já ressaltamos acima, “a fórmula A-B-A-C-A”, se constituí no “padrão clássico do choro”, e está presente “em todos os choros” de Zequinaha de Abreu (CERQUEIRA, Ricardo Cardim. Zequinha...,op. cit., p.82), não podendo, a nosso ver, serem considerados como característica ‘peculiares ao gênero’, muito menos a tonalidade maior, base do repertório do choro, inclusive de algumas valsas de Zequinha de Abreu e de Francisco Mgnone (Idem, p.92). 724 Tango, a música que não suporta a alegria. In: O Estado de São Paulo, 7/5/2000, p. D12. Nesta reportagem, assinada pelo jornalista Mauro Dias, é apresentado a obra do professor Hélio de Almeida Fernandes, já incorporada as reflexões desta pesquisa, Tango – Uma possibilidade infinita (Rio de Janeiro, Editora Bom Texto, 2000), já lançado “oficialmente na Argentina”. Ainda segundo esta reportagem, o tango argentino desembarcou na Europa em 1910. “Primeiro foi embargado: o 723 191 maxixe”, foi dançado para o “Rei Jorge V da Inglaterra, para o presidente da França (...) e, finalmente, perante o papa, em Roma, em 1913”.725 Neste caso, o dançarino encarregado foi o ex-dentista Lopes Amorin, conhecido por Duque, que, por sinal, “aproveitou uma antiga vocação para a dança (...) e abriu no número 5 da Cité Pigalle, em Paris, um curso onde passou a ensinar tango argentino e, logo, ‘le vrai tango brésilien’”.726 Quanto a impressão do papa, este declarou que, “quando jovem, dançara em sua cidade uma velha dança italiana, a furlana, de ritmo quase tão vivo quanto o do tango brasileiro”.727 Outra ligação entre estes dois gêneros musicais, foi a influência africana, mais desconhecida no caso do tango argentino. O pesquisador Blas Matamoro afirma que uma das denominações da palavra tango, advém justamente dos locais onde os africanos eram concentrados, antes de embarcar para o novo mundo.728 Por este motivo, segundo o mesmo autor, se chamou de tango, os locais onde, já nas Américas, os negros se juntavam para bailar e se divertir. O historiador Boris Fausto, afirma que “os negros tiveram um papel significativo na vida cultural de Buenos Aires, realizando, pelo menos até meados do século 19, festividades carnavalescas em que se destacavam um batuque chamado de ‘candombe’”. Segundo o mesmo autor, um dos elementos dessa dança, “era a ‘obligada’, a mesma umbigada presente em kaiser Guilherme proibiu seus oficiais de o dançarem; Ludwing da Baviera o baniu; a rainha Maria permitia que as damas o dançasem na corte inglesa, mas não na sua presença”. 725 TINHORÃO, José Ramos. Pequena história da música - da modinha a lambada. São Paulo, Art Editora, 1991, p.84. 726 Idem. 727 Idem, ibdem. Porém, nem tudo é coincidência quando se trata de tango e maxixe (ou tango brasileiro). Tinhorão ressalta que, ainda em Paris, foram freqüentes as brigas “entre adeptos do tango argentino e do tango brasileiro”. 728 MATAMORO, Blas. El tango. Madri, Acento Editorial, 1996, p. 8. 192 danças dos negros bantos no Brasil”.729 A ligação da palavra tango com a população negra de Buenos Aires, também esteve relacionada com as profissões que pardos e mulatos exerciam. Segundo o pesquisador Blas Matamoro, os negros foram os pianistas das casas de bailes e prostíbulos onde se bailaram os primeiros tangos.730 A virada do século XIX para o XX, foi marcado por uma significativo fluxo imigratório, algo em torno de “um milhão de italianos e 900 mil espanhóis se estabeleceram na Argentina entre 1857 e 1920”.731 Assim, a população argentina, de 1.300.000 habitantes em 1910, passa então por um processo de “branqueamento populacional”.732 Esta transformação populacional, “cria um grande mercado de prostituição”, algo em torno “de 20 a 30 mil em 1900”. Assim, o tango passa “dos escravos negros para as escravas brancas”.733 Neste contexto, a presença feminina dentro do tango argentino, permaneceu um tabu, só quebrado no início do século XX, quando, “no chamado Prado espanhol, na Avenida Quintan, (...) se admitiu pela primeira vez que homem e mulher dançassem tangos em público”.734 Desta forma, entre “orgasmos e punhaladas”, o tango vai ganhando espaço, e o ambiente de “prostíbulo vai se dissipando lentamente, e aparece uma arte musical, coreográfica e, ainda que timidamente, literária”.735 Assim, mais uma conexão entre o tango argentino e o brasileiro surge: o aparecimento tardio de partituras impressas, assim como o tango argentino cantado. Da mesma forma que no tango brasileiro, o hábito inicial era o 729 FAUSTO, Boris. O estereótipo no passado. In. Jornal ‘Folha de S. Paulo’, Caderno ‘Mais’, 15/05/2005, p.7. 730 MATAMORO, Blas. El tango..., op. cit, p.9. 731 GRUNEWALD, José Lino. Carlos Gardel..., op. cit., p.139. 732 FAUSTO, Boris. O esteriótipo..., op. cit. 733 MATAMORO, Blas. El tango..., op. cit, p. 12. 734 Idem, p.19. O mesmo autor menciona ainda o tango Cuidado com los cinquenta, de Ángel Villoldo, que faz menção a uma lei municipal que multava em “cinquenta pesos”, quem se atrevesse a passar com uma mulher pela rua (Idem, ibdem). 193 “tocar de ouvido. Para que a música fosse transcrita para partitura, era necessário a intervenção de músicos que dominassem a escrita musical”, como por exemplo, o compositor e bandoneotista Eduardo Arolos.736 Como já ressaltamos, o mesmo ocorreu com Canhoto, que dependia de compositores letrados, por assim dizer, caso do amigo Zequinha de Abreu, que, pelo fato de ser pianista, contribuiui para o significativo número de edições de partituras de Canhoto para piano. Outro ponto de ligação entre estes dois gêneros musicais, foi a ligação com outras atividades artísticas, caso do cinema, do circo e do teatro. Já ressaltamos, ao discorrermos sobre a trajetória de Canhoto e sua ligação, assim como de seus contemporâneos, justamente com o cinema, com o circo e com o teatro, ou seja, a chamada música de entreterimento. No caso específico de Canhoto, vimos que sua contribuição como solista de violão, advém deste universo. É justamente neste ponto, que percebemos uma proximidade com o tango argentino. Segundo Blas Matamoro737, entre 1880 e 1910, os “lugares típicos” do tango eram o teatro, “los sainetes y espectáculos revisteriles”, assim como seus “tabladilos de variedades”, os cafés, salões de bailes738, assim como nos “entreatos de los cines”.739 Por sinal, Mi noche triste, de Pascual Contursi, “considerado o primeiro tangocanção”740, foi inspirado “em um antigo tango, Lita, de Samuel 735 Idem, p.20. Alma de bandoneon. Rádio Cultura FM. Programa apresentado em 11/09/04. Acervo: particular. 737 MATAMORO, Blas. El tango..., op. cit 738 Idem, p.21. 739 Idem, p.38. 740 FERNANDES, Hélio de Almeida. Tango – Uma possibilidade..., op. cit., p.292. 736 194 Castriota”741, que fez parte de uma “obra teatral, Los dientes del perro, de Gonzales Castillos y Weisbach”.742 Um exame sobre aspectos básicos na biografia de alguns nomes centrais do tango, exemplificam esta aproximação deste gênero musical com o mundo do entreterimento. Angel Villoldo (1864 – 1919) por exemplo, autor do citado tango Cuidad com os cinqüent, foi libretista e teatrólogo, “palhaço de circo”743, além de “jornalista e ator”.744 Outro nome importante do tango a exercer a atividade teatral foi Carlos Cézar Lenzi, autor da letra do tango, À média luz, gravado por Canhoto e citado acima, que foi, além de letrista, teatrólogo.745 Enrique Santos Discépolo (19011951) por sua vez, iniciou sua vida artística “no palco do teatro Apolo aos 17 anos. Já aos 18, encenava no Teatro Nacional Los Duendes, a primeira peça de sua autoria”746, atuando ainda como diretor de teatro, ator roteirista e diretor de cinema, além de atuar em “programas de rádio”.747 Outra semelhança entre estes dois gêneros musicais, é a ligação desses artistas com políticos locais. Como já ressaltamos, Canhoto foi muito ligado com a elite política paulistana, tais como Carlos de Campos e Júlio Prestes. No caso argentino, Domingo Santa Cruz, filho do soldado Santa Cruz, considerado o “introdutor do bandoneon na Argentina”748, compôs Union cívica, em homenagem ao “caudilho Manuel Aparício, líder da União Cívica Radical”.749 O próprio Carlos Gardel, no início de sua 741 Idem, p.210. MATAMORO, Blas. El tango..., op. cit., p.43. Segundo o mesmo autor, a respeito de Pascual Contursi, “por su contexto teatral, fija la modalidad del tango cantado como tonadilla escènica, es decir, que es un pequeño monólogo, minidrama o breve hisoria” (Idem, ibdem). 743 FERNANDES, Hélio de Almeida. Tango – Uma possibilidade..., op. cit., p.204. 744 GRUNEWALD, José Lino. Carlos Gardel..., op. cit., p.266. 745 Idem, p.252. 746 FERNANDES, Hélio de Almeida. Tango – Uma possibilidade..., op. cit., p.237. 747 Idem, ibde. 748 GRUNEWALD, José Lino. Carlos Gardel..., op, cit, p.262. 749 Alma de bandoneon. Programa cit. 742 195 carreira, “em 1907, circulou com certa constância nos comitês dos caudilhos e políticos”, locais, de “farras e de encontros para tratar de negócios, muitas vezes escusos”750, além de ter trabalhado, no início de sua carreira, como “guarda-costa do caudilho Benito Villanueva”, com quem trabalhou “no haras de sua propriedade”.751 Agustin Barrios no Brasil Ao lado do violonista argentino Juan Argel Rodrigues, mencionado acima, destacamos também a atuação do paraguaio Agustin Barrios, como referência para a atividade violonística em São Paulo e também em termos nacionais, já que “percorreu todo Brasil”, travando contato com os principais violonistas brasileiros, como “João Pernambuco e Américo Jacomino, o Canhoto”.752 Nascido em 1885 na “cidade de San Bautista de las Misiones, no sul do Paraguaia (...), estudou filosofia, teosofia e violão”, iniciando seus estudos de “guitarra clássica com Gustavo Sosa Escalada”.753 Consta que conheceu “Heitor Villa-Lobos além de outros chorões”.754 Em 24 de julho de 1916, ocorreu “o primeiro concerto de Barrios no Rio de Janeiro”.755 Turíbio Santos comenta que o violonista paraguaio “foi o 750 GRUNEWALD, José Lino. Carlos Gardel..., op, cit, p. 49. Idem, p.48. O mesmo autor ressalta a ligação de Gardel com “gregório de Laferrere, outro caudilho”, através do qual “foi parar no café O’Rondeman, dos cinco irmãos Traverso. Ali tornou-se assíduo e sua fama se alastrou” (idem, p. 49). 752 Agustin Barrios. Rádio USP FM, Programa idealizado e apresentado pelo professor e violonista Edelton Gloeden, em 4 e 11/3/1996. 753 TAUBIKIN, Myriam. Violões do Brasil. São Paulo: Myriam Taubkin, 2004, p.118. 754 A arte do violão: Agustin Barrios. Programa produzido e apresentado em 13/09/2003 pelo violonista Fábio Zanon. Rádio Cultura FM. Acervo: particular. 755 CASTAGNA, Paulo & ANTUNES, Gilson. O violão..., op. cit. p.38. 751 196 grande depositário da jovem tradição sul americana” deste instrumento, mas que, infelizmente sua vida boêmia, e seu caráter bonachão, impediram esse grande músico e diabólico virtuoso, de completar o destino que lhe estava reservado. Hoje, custamos a acreditar que ele tenha tocado pela primeira vez a Chaconne no Teatro Municipal, no Rio de Janeiro (...), e feito tournées pela Europa, também documentada através do Time e Le Figaro!756 As apresentações de Barrios contribuíram, significativamente, para a elevação do status deste instrumento, “provocando uma repercussão impressionante, que somente poderá ser avaliada em um trabalho de tese”.757 Em 1917, foi a vez deste violonista paraguaio apresentar-se no salão do jornal ‘Correio Paulistano’, interpretando inclusive uma versão do Hino Nacional Brasileiro, de Francisco Manuel da Silva758. Em seguida, “nos dias 5 e 9 de maio no mesmo ano” se apresentou no Teatro Municipal de São Paulo, “sendo estes os primeiros recitais do gênero no principal teatro da Capital paulista”.759 Em artigo publicado em A cigarra, em 30 de abril de 1917, as características do instrumento são definidas como “nobre”, embora sua sonoridade não corresponda “às exigências do público dos concertos, que ansia sempre pelas grandes sonoridades”. Porém, prossegue o artigo, num salão, todos poderão apreciar a voz poética do violão (...) principalmente quando esse instrumento tem ao seu serviço um concertista da envergadura de Artur [sic] de Barrios.760 756 SANTOS, Turíbio. Heitor Villa-Lobos e sua obra para violão. Rio de Janeiro, Museu Villa Lobos, 1975, p.35. 757 CASTAGNA, Paulo & ANTUNES, Gilson. O violão..., op. cit., p.40. 758 ANTUNES, Gilson Uehara. Américo Jacomino ‘Canhoto’..., op. cit., p.33. 759 Idem, p.34. 760 Apud. CASTAGNA, Paulo & ANTUNES, Gilson. O violão..., op. cit., p.40. 197 Ronoel Simões nos forneceu algumas informações sobre Barrios, de quem “possui 34 discos”. Inicialmente menciona que a primeira vez que este violonista paraguaio veio ao Brasil foi em 1909, no Rio Grande do Sul. Sua importância para o violão nacional foi também destacada, ressaltando que muitos violonistas passaram a se interessar pelo instrumento, a partir de sua presença e apresentações no Brasil.761 Segundo Ronoel, existiu um interesse particular da Odeon argentina, que registrou em disco 28 composições de Barrios (14 discos). Consta que que chegou a realizar uma série de gravações no Brasil, caso de sua “Dança paraguaia, de 1928”.762 Ao analizarmos o verbete dedicado a este violonista paraguaio, presente no catálogo de gravações do pesquisador Ronoel Simões763, localizamos estas doze gravações realizadas pela Odeon brasileira, exatamente as mesmas apontadas pelo pesquisador Richard Stover, em sua biografia de Barrios764, porém, não foi o caso da Dança paraguaia, mencionada acima. Eis as gravações dos seis discos (de dupla face) de Barrios realizados no Brasil e suas respectivas numerações: Aconquija e a valsa Junto a tu corazón, ambas de Agustin Barrios, nºs 1668-A e 1668-B; Souvenir d’un Reve 1ª parte e Souvenir d’un Reve 2ª parte de Barrios, nºs: 1538-A e 1538-B; Ay,ay,ay de Perez Freire e a gavota Madrigal, de Barrios, nºs 1562-A e 1562-B; Minuet, de L.V. Beethoven e Aire popular paraguaia, de Barrios, nºs 1581-A e 1581-B; Tarantela, do violonista brasileiro Levino Albano da Conceição e Capricho árabe, de Tárrega, nºs 1599-A e 1599-B, 761 Depoimento a este pesquisador, cit. A arte do violão: Agustin Barrios. Programa produzido e apresentado em 13/09/2003 pelo violonista Fábio Zanon. Rádio Cultura FM. Acervo: particular. 763 SIMÕES, Ronoel. Relação geral de discos de violão – solos, duos, trios, quartetos, quintetos, sextetos, conjuntos, violão com orquestra, etc., existentes na discoteca de Ronoel Simões. São Paulo, s/d, s/ed. 764 STOVER, RICHARD D. The life and times of Austín Barrios Mangoré. USA, Querico Publications, 1992, p. 222 762 198 e, por fim, La catedral e Armonias de América, de Barrios, nºs 5099-A e 5099-B. Ainda segundo o catálogo de Ronoel Simões, constam registros feitos pela gravadora Atlanta e Artigas, do Uruguai em 1915, “porém fabricados na Alemanha”765, além de duas séries de gravações na Argentina. Uma, “possivelmente entre 1922 e 1924”, e outra, “já pelo sistema elétrico, entre 1928 e 1929”, ambas pela Odeon.766 Consta que Barrios “visitou os 21 estados brasileiros de então”767, além de viver no Brasil por muitos anos, onde “foi casado com uma brasileira”.768 Edelton Gloeden menciona que Barrios, “era descendente da tribo Guarani”, realizou um concerto no Brasil em 1930 “vestido de índio”, e que, ainda, trocou seu nome para Nitsuga Mangoré, sendo Mitsuga, “Agustin ao contrário”, e Mangoré, um “importante chefe indígena de seu país”769, que “enfrentou os conquistadores espanhóis”.770 Por fim, Alexandre Gonçalves Pinto menciona a polêmica ocorrida entre o violonista carioca Hernandes Figueiredo, e o “também imenso violão de Barrios”, sobre o próprio instrumento, “sua tonalidade, o encordamento”, e que foi “irrespondível tal a nitidez e conhecimento que Hernandes tinha sobre a música e instrumentos”.771 Faleceu em 1944, morando em El Salvador, “em contato com a natureza, da qual era seguidor religioso”.772 765 SIMÕES, Ronoel. Relação geral..., op. cit., p.39. Idem. 767 A arte do violão: Agustin Barrios. Programa cit. 768 Depoimento a este pesquisador, cit. Acervo: particular. Ronoel menciona ainda, o dueto entre Barrios e o violinista Raul Laranjeiras, “que tocaram juntos em diversas ocasiões”. Segundo o violinista, Barrios “tocava ao violão, diretamente de partituras para piano”. 769 Agustin Barrios. Rádio USP FM..., cit. 770 TAUBIKIN, Myriam. Violões..., op. cit., p.119. 771 PINTO, Alexandre Gonçalves. O choro; reminiscências dos chorões antigos. Edição facsimilar. Rio de Janeiro, Funarte, 1978, p.98. 772 TAUBIKIN, Myriam. Violões..., op. cit., p.119. 766 199 O violão instrumental na América do Sul Um aspecto que nos chamou a atenção, com desenvolvimento deste trabalho de pesquisa, foi a significativa concentração de violonistas espanhóis na América do Sul, particularmente no eixo Brasil-Argentina, durante o final do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX, época em que o violão reconquistava seu espaço enquanto instrumento de destaque, tanto no universo da música popular quanto na de concerto, após uma fase de refluxo, por assim dizer, durante a segunda metade do século XIX e auge do período romântico. Paralelamente a este ‘ressurgimento do violão no século XX’, nas palavras de Edelton Gloeden773, notamos ainda, um fluxo significativo de violonistas espanhóis, seja morando no continente sul-americano – caso de Antônio Rimenez Manjón, que chegou a dirigir um conservatório subsidiado pelo governo argentino, como veremos adiante -, ou em excursões por diversos países do continente, caso do também violonista espanhol, Miguel Llobet, que esteve “em 1913 no Chile”774, realizando ainda “tournée pelo norte do Brasil e Caribe”.775 Mas existiria um motivo especial para tal concentração de violonistas ? Uma hipótese para tal ocorrência, foi levantada pelo violonista e pesquisador espanhol Domingos Prat (1886-1944), ao mencionar, nos verbetes dedicados aos violonistas espanhóis Emílio Pujol (1886-1980) e Miguel Llobet (1878-1938), a visita e participação de ambos na exposição de Paris em 1900, observando, no verbete dedicado a este último: “lastimo que aquele povo não queira nosso instrumento”.776 773 GLOEDEN, Edelton. O ressurgimento do violão no século XX: Llobet, Pujol e Segóvia. Mestrado, ECAUSP, 1996. 774 PRAT, Domingo. Dicionário..., op. cit. 775 GLOEDEN, Edelton. O ressurgimento..., op. cit., p. 51. 776 PRAT, Domingo. Dicionário de guitarristas. Buenos Aires, Casa Romero y Fernandez, 1934. 200 Assim, segundo esta afirmação, houve um certo preconceito ou resistência em relação a música para violão instrumental, em Paris, por ocasião da virada do século XIX para o XX. Andrés Segovia menciona uma apresentação sua em Paris, em 1924, “em que estavam presentes Heitor Villa-Lobos e outros famosos músicos (...), ao dizer que tocava Bach ao violão”, teve uma recepção “muito pouco animadora”.777 Não conseguimos identificar ainda, detalhes de tal resistência. O fato concreto que observamos, é a mencionada concentração de violonistas espanhóis, principalmente em torno do eixo Buenos Aires, Rio de Janeiro, São Paulo, a começar pelo próprio Domingo Prat (1886-1944). Aluno de Miguel Llobet, transferiu-se em 1904 para Buenos Aires, “onde dedicou seus esforços na elaboração de seu Dicionário de Guitarristas: diccionario bigrafico, bibliografico, historico, critico de guitarras (instrumentos afines), guitarristas (professores, compositores, concertistas, lahudistas, amateurs), guitarreros (luthiers), danzas y cantos, terminologia” (Buenos Aires, Casa Romero y Fernandes, 1934), e considerado o responsável “direto pela vinda à América do Sul de Llobet e Pujol”.778 Mas antes da atuação de Domingos Prat na Argentina, outro violonista espanhol exerceu um papel importante neste mesmo país, com reflexos no continente, Antônio Rimenez Manjón, principalmente pelo fato de sua atuação profissional ter ocorrido na segunda metade do século XIX, período em que o violão recuperava sua posição de destaque no cenário musical. 777 778 Apud. Revista ‘Violão e mestres’, nº1, março de 1964, São Paulo, Violões Giannini, p.15. GLOEDEN, Edelton. O ressurgimento..., op. cit., p. 74. 201 Em relação a este período, Edelton Gloeden779 comenta que, entre 1852 e 1909, foi de decadência de um instrumento que não acompanhou a evolução da estética romântica, como a expansão dos recursos harmônicos, a afirmação do piano, o aumento dos recursos orquestrais e a busca de espaços cada vez mais amplos para a realização de grandes espetáculos.780 Ainda segundo Gloeden, “o início de uma nova fase na história do violão se deu não por intermédio de um instrumentista, como seria normalmente suposto, mas sim através do trabalho de um construtor, o espanhol Antônio Jurado Torres (1817-1892)”, que minimizou “o maior problema na história do instrumento, ou seja, a falta de volume”781, além de dotar o instrumento de “uma maior definição timbrística e uma melhoria considerável da afinação”782. (+Sidne Molina). Além da contribuição de Torres, associada a “primordial e imprescindível presença da figura do luthier, nos processos de criação e interpretação musical”783, conforme ressaltamos acima, temos ainda a importante contribuição do espanhol Fernando Sor (1778-1839), particularmente com a publicação de seu Método para guitarra, “um dos mais importantes textos sobre música para violão do século XIX”.784 Simpatizante da causa napoleônica, Sor “alistouse no exército francês durante a ocupação da Espanha, chegando a alcançar 779 GLOEDEN, Edelton. O ressurgimento..., op. cit. Idem p.18. Segundo o mesmo autor, “este foi um período vazio de expectativa, quando o instrumento correu o risco de ser esquecido nos braços da música popular, como em parte ocorreu” (Idem, p.30). 781 Idem, p.34. 782 Violão, caminhos de um som. 12º programa da série, apresentado por Paulo Castagna e Edelton Gloeden em 24/11/0998. Acervo: particular. 783 GLOEDEN, Edelton. O ressurgimento..., op. cit., p.34. 784 Idem, p.12. 780 202 a patente de capitão. Com o final da guerra em 1818, deixa a Espanha definitivamente”.785 Outras contribuições importantes a serem ressaltadas foram do também espanhol Dionísio Aguado (1784-1841), que “residiu em Paris, travando contato com Sor, com quem chegou a se apresentar em concertos”786, sendo que, apesar de ter deixado “um número reduzido de obras”, se método, Escuela de la guitarra, publicado em Madrid em 1820, “é reeditado até hoje em várias línguas, sendo considerado um dos métodos mais bem estruturados do século XIX”787; o italiano Ferdinando Carulli (1770-1853), que publicou “em 1810, um dos primeiros métodos para violão de seis cordas simples, com seu compatriota Mauro Giuliani (1781-1828)” e um dos “mais destacados representantes da guitarramania parisiense”.788 Conforme ressaltamos, na segunda metade do século XIX, o violão “passa a sobreviver na música popular, principalmente na Espanha, onde estava secularmente enraizada e em pequenos ambientes, graças a talentosos artistas locais como os franceses Napoleon Coste (1806-1883) e Giulio Regondi (1822-1872), os espanhóis Julian Arcas (1832-1882) e Antônio Jiménez Manjón (1866-1919)”.789 Se considerarmos que Manjon, violonista pouco mencionado segundo os documentos analisados por este trabalho de pesquisa, foi “o grande divulgador da obra de Sor”790, “discípulo de Dionísio Aguado”791, além de 785 Idem, ibdem. Idem, p.14. 787 Idem, ibdem. Segundo o mesmo autor, “dentre os aspectos mais importantes de sua técnica destaca-se o uso de unhas na mão direita e de um suporte denominado de ‘Tripodison’, destinado e sustentar o instrumento sem ser apoiado no corpo, proporcionando o movimento livre das mãos” (Idem, ibdem). 788 Idem, p.16. Carulli se instala em Paris “por volta de 1808” (Idem, ibdem). Em relação ao citado violonista italiano Mauro Giuliani, “o mais festejado da época”, destacamos seu Concerto para violão e orquestra Op. 30, “talvez a primeira obra no gênero da história do instrumento”(Idem, ibdem). 789 Idem, p.21. 790 Idem, p.23. 786 203 ser considerado um “importante violonista já a partir da segunda metade do século XIX” e que se transferiu para Buenos Aires em 1893, onde criou um conservatório subvencionado pelo governo argentino”792, sendo ainda, “professor de violão de Agustin Barrios”793, um dos mais importantes violonistas da primeira metade do século XX e “primeiro concertista sulamericano”794, podemos considerá-lo então, como a ponte de ligação, por assim dizer, entre a evolução e desdobramentos do violão na Europa e a América do Sul, uma das reflexões centrais deste capítulo, papel de articulação atribuído ao pesquisador Domingos Prat, conforme veremos adiante. Ainda em relação a Manjón, podemos ressaltar que este violonista, “natural da província espanhola de Jaén”, perdeu a visão “antes de completar 1 ano”, iniciou-se ao violão “com um desconhecido discípulo de Aguado”, conforme mencionamos acima, mas tudo indica que tenha sido autodidata”.795 Segundo Isaías Sávio, usava “um violão de 11 cordas, que tivemos o prazer de ouvir pessoalmente”.796 Seus concertos na América do Sul “chamaram tanta a atenção, que chegaram a ser noticiados no Brasil”, e, da mesma forma que “seu contemporâneo Francisco Tárrega, incluía em seus recitais transcrições de Beethoven e Shubert”.797 Seu legado artístico, “cerca de cinquenta obras pouco conhecidas”, são centradas em “motivos populares espanhóis e argentinos”.798 791 Violão, caminhos de um som. 12º programa da série, apresentado por Paulo Castagna e Edelton Gloeden em 24/11/0998. Acervo: particular. 792 Idem, p.23. 793 A arte do violão: Agustin Barrios. Programa cit. 794 A arte do violão: Tarrega, Llobet e Pujol. Programa produzido e apresentado em 06/09/2003 pelo violonista Fábio Zanon. Rádio Cultura FM. Acervo: particular. 795 GLOEDEN, Edelton. O ressurgimento..., op. cit., p. 23. 796 Revista ‘Violão e mestres’, nº2, agosto de 1964, São Paulo, Violões Giannini, p.34. 797 GLOEDEN, Edelton. O ressurgimento..., op. cit., p. 23. 798 Idem, ibdem. 204 Outro importante violonista espanhol a incrementar o circuito violonístico sul-americano, foi Miguel Llobe (1878-1938). Apesar de fortemente dotado para a pintura”, decidiu pela música após “assistir um concerto de Antônio J. Manjon”.799 Iniciou sua carreira solista em 1900, com grande sucesso. Em 1905 e 1910 transfere-se para Paris com ajuda de seu amigo, o célebre pianista Ricardo Viñes que o introduz no meio musical, o que fez com que personalidades como Debussy, Ravel, Fauré, Dukas e Stravinsky800 Através de seu ex-aluno Domingos Prat (1886-1944), “chega pela primeira vez em Buenos Aires (...). Volta a Europa em 1912”.801 Esteve “em 1913 no Chile”802, realizando ainda “tournée pelo norte do Brasil e Caribe”, conforme mencionamos acima, e outra, em 1925, quando fez sua “3ª tournée pela América do Sul”.803 Chegou a morar “na Argentina”, além de gravar neste país entre 1926 e 1929, “já pelo novo sistema eletromagnético”.804 Segundo a publicação Violões do Brasil, o violonista e professor uruguaio Isaias Sávio (1900-1977), que morou em Buenos Aires “entre 1924 e 1930”, foi ao encontro do “catalão Miguel Llobet”, com quem teve aulas “até 1929”, quando estivesse em “Buenos Aires e Montevidéu”.805 Outro importante violonista espanhol a participar do circuito violonístico sul-americano foi Emílio Pujol (1886-1980). Aluno de 799 Violão, caminhos de um som. Francisco Tárrega e seus discípulos. 13º programa da série, apresentado por Paulo Castagna e Edelton Gloeden em 1/12/1998. Acervo: particular. 800 Idem, p.49. 801 Idem ,p.51. 802 PRAT, Domingo. Dicionário..., op. cit. 803 GLOEDEN, Edelton. O ressurgimento..., op. cit., p. 51. 804 A arte do violão: Tarrega, Llobet e Pujol. Programa produzido e apresentado em 06/09/2003 pelo violonista Fábio Zanon. Rádio Cultura FM. Acervo: particular. 805 TAUBIKIN, Myriam. Violões..., op. cit., p.42. Isaias Savio morou no Rio de Janeiro “entre 1934 e 1940”, fixando-se, em 1941, “definitivamente em São Paulo” (Idem, ibdem). 205 Francisco Tárrega, com quem estudou “em 1902 no Conservatório de Madrid”806, dedicou-se de forma profunda a musicologia, particularmente, “a arte dos vihuelistas, guitarristas e alaudistas a partir do início do século XVI, sendo seu enfoque principal a música para vihuela”.807 Destaca-se neste sentido, “seu trabalho junto ao luthier, Francisco Simplício”.808 Visitou ainda “Buenos Aires em 1918 e 1930”809, além de atuar “em importantes centros europeus e também na América do Sul”.810 Outro exemplo a ser destacado, foi o violonista espanhol Regino Sainz de la Maza, que radicou-se na Argentina em 1913, e a quem Joaquim Rodriguez dedica seu Concerto de Aranjuez. Além de apresentar no Teatro Municipal de São Paulo em junho de 1928, Sainz de la Maza aproveita sua “passagem pelo Brasil para gravar no dia 26 de junho três discos pela Odeon”.811 Em 1914, foi a vez da violonista espanhola Josefina Robledo, visitar, “pela primeira vez a América do Sul, com apresentações na Argentina, no Brasil e no Uruguai”, onde transfere-se para Mar del Plata, sendo, em 1923, “nomeada professora do Conservatório Willians”.812 Esta violonista espanhola, nascida em Valência no ano de 1897, “estudou com Tárrega a partir dos 7 anos de idade, terminando em 1909, com a morte do professor”, sendo considerada ainda, “discípula direta daquele que já era considerado o introdutor de uma moderna escola violonística, Francisco Tárrega”813 806 GLOEDEN, Edelton. O ressurgimento..., op. cit., p.63. Idem, ibdem. 808 Violão, caminhos de um som. Francisco Tárrega..., cit 809 PRAT, Domingo. Dicionário..., op. cit. 810 GLOEDEN, Edelton. O ressurgimento..., op. cit., p. 63 811 ANTUNES, Gilson Uehara. Américo Jacomino..., op. cit., p. 29. 812 Idem, p. 46. 813 Idem, p.37. 807 206 Assim, se pensarmos na primeira geração do violão instrumental brasileiro, retratada em nossa citada pesquisa de mestrado, e acrescentarmos estes violonistas espanhóis que viveram e atuaram na América do Sul no final do século XIX e início do XX, podemos pensar que o mencionado ‘Ressurgimento’ do violão no século XX, teve na América do Sul, particularmente no eixo Brasil, Argentina e Paraguai, uma grande contribuição, iniciada pela transferência de Antônio J. Manjon para Buenos Aires, passando pela presença de Llobet e Pujol via Domingos Prat, chegando a Barrios, que como vimos, teve um forte contato com Canhoto e outros violonista brasileiros. Tais fatos, aparentemente isolados, constituem, a nosso ver, um movimento mais geral, com características comuns, algo que poderíamos denominar como um movimento violonístico sul-americano. Por fim, vale ressaltar que, ao pensarmos na importante contribuição citada de construtores como Antônio Torres, na segunda metade do século XIX, e Francisco Simplício já no início do século XX, e acrescentarmos a presença e contribuição de construtores que atuaram com Canhoto, conforme ressaltamos, teremos uma idéia da importância destes profissionais, particularmente neste início de século XX, geralmente pouco mencionados e analisados em trabalhos de pesquisa musical. 207 5. Fontes documentais 208 Bibliografia de referência ADORNO, Theodor W. O fetichismo na música e a regressão da audição. Os pensadores, São Paulo, Abril Cultural 1980. ______________________. Sobre música popular. Grandes Cientistas Sociais, nº54. São Paulo, Ática, 1994. ______________________. A indústria cultural. Grandes cientistas sociais, nº54. São Paulo, Ática, 1994. ______________________. Idéias para uma sociologia da música. Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1980. ALENCAR, Edigar. 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São Paulo, edição: CEMB. Ai barbina, partitura para ‘canto, violino ou bandolim’. S/ Ed. 222 Ai Margarida, ai Margarida, ‘marchinha carnavalesca à ragtime’ p/ piano. Letra: Juca Meu Nego (ao final). Dedicada ao Dr. Álvaro Liberato de Macedo, ‘proprietário da Casa Record’. São Paulo, edição: Irmãos Vitale. Chuvas de pérolas, valsa p/ piano. Dedicado a José Vargas. São Paulo, ‘Oficina Musical’: Campassi & Camim. Flor Paulista, schottisch p/ piano. Adaptação rítmica de L. Rinaldo. São Paulo, edição: Campassi & Camim ‘CEMB’. Já se acabo, tanguinho sertanejo p/ piano. Letra de Arlindo Leal, ao final. São Paulo, edição: Campassi e Camim ‘CEMB’. Manhã fatal, valsa p/ piano, adaptação de L. Rinaldo, com letra dedicada a Viterbo de Azevedo. São Paulo, edição: ‘CEMB’ Campassi & Camim. Nhá maruca foi s’imbora, catira p/ piano. Verso e música de Américo Jacomino, com letra ao final. São Paulo, edição: A. DI FRANCO. Triste carnaval (Sonho de Pierrot), valsa p/ piano. Música de Américo Jacomino. Letra de Arlindo Leal, acima do pentagrama. S/Ed. Partituras de Canhoto. Edição: Fermata do Brasil, s/d. Abismo de Rosas - valsa. Arranjo para violão (Arr.): Isaías Sávio. Amor de Argentina - tango milonga. Arr.: Domingos Semenzato. Dedicada a Luíz Américo Jacomino. 223 Arrependida - valsa. Arr.: Domingos Semenzato. Brasilerita - tango argentino. Arr.: Domingos Semenzato. Escuta Minh’Alma- valsa. Arr.: Domingos Semenzato. Lamentos- valsa. Arr.: Nelson Cruz. Marcha dos marinheiros. Arr.: Domingos Semenzato. Marcha triunfal brasileira. Arr.: Domingos Semenzato; Niteroi (Nictheroy)-choro. Arr.: Nelson Cruz. Olhos Feiticeiros - choro maxixe. Arr.: Edmar Fenício. Primeiras Rosas- valsa de Roque Ricciardi (Paraguassu) e Canhoto Arr.: Nelson Cruz.. Reminiscências- valsa. Arr.: Domingos Semenzato. Triste Carnaval (Sonho de Pierrot) - valsa lenta. Arr.: Domingos Semenzato. Triste Pierrot - valsa de Roque Ricciardi (Paraguaçu) e Américo Jacomino (Canhoto). Arr.: Nelson Cruz. Acervo: Ronoel Simões. A gente se defende, maxixe. Arranjo para violão de Domingos Semeazato. Letra e música de Américo Jacomino. Obs.: gravação RGE de Carlinhos Mafasoli. Edição: Fermata do Brasil. A gente se defende, maxixe. Letra e música de Américo Jacomino. Edição para piano: Casa Progresso, Ponta Grossa, Paraná. Propriedade: Pedro Tommasi, São Paulo. Obs.: Dedicada ‘ao distinto ator Pinto Filho’. Amorosa, fox-trot. Letra de Luíz de Freitas. Edição para piano: Grau, Mari & Cia. Propriedade reservada: Est. Musical Paulista. 224 Arrependida, valsa brasileira, com letra (sem autor especificado). ‘Orquestração de S. Bracamonte. Adapatação rítmica: Arlindo Leal. Edição para piano: Casa Mignon. Propriedade: Grau, Mari & Cia’. Brasilerita, tango-canção. Arranjo para violão: Domingos Semeazato. Letra e música de Américo Jacomino. Edição: Fermata do Brasil. Caprichoso, tango. Arranjo para violão: Domingos Semeazato. Dedicada ao amigo Antônio Barros. S/ed. Club Jaboticabal, fox-trot. Edição para piano da Casa Carlos Gomes de São Carlos. Dia de folia, choro. Revisão: José Barrense Dias. Edição: Fermata do Brasil & Internacional Melodies Geneve. Entre duas almas, fox-trot. Letra: Duque de Abramonte. Edição: Casa J. Goudard, Curitiba, Paraná. O gato comeu o pato, samba nortista. Letra e música de Américo Jacomino. Arranjo para piano (e dedicada): Octavio Pinto. Edição para piano: Casa Levy, São Paulo. Obs.: ‘Oficina musical: Campassi & Camim’. Ponta grossa é boa terra, maxixe carnavalesco. Edição para piano: Casa Progresso, Ponta Grossa, Paraná. Obs.: ‘Oficina Gráfica Musical: Campassi & Camim’. Recordações de Dalva, valsa lenta. Arranjo para violão: Domingos Semeazato. Dedicada à Amadeu Jacomino. S/ ed. Se o telefone falasse, maxixe com música e letra de Américo Jacomino. Edição para piano da Casa Carlos J. Goudard de Curitiba. Dedicada ao ‘exímio pianista e distinto amigo Alcebiades Correa’. 225 Sombras que vivem, valsa. Arranjo para violão: Paulo Barreiros. Edições Vitale, 1929. Partituras manuscritas de Canhoto. Acervo: Ronoel Simões. Burguêta- valsa. Arranjo: Domingos Semenzato. Delírios- valsa. Arr.: Domingos Semenzato; Guitarra de mi Tierra- tango canção. Arr.: Professor I. Geraldo. Pensamento- romance. Arr.: Domingos Semenzato. Primeiras rosas, valsa de Américo Jacomino e Parguassu. Arranjo para violão: Nelson Cruz. Quando os corações se querem, fox-trot. Arr.: Domingos Semeazato Rosas desfolhadas, valsa. Reescrita pelo prof.: I. Geraldo Partituras de Canhoto. Acervo: Centro Cultural São Paulo Da Bahia eu quero côco, maxixe. Letra de Fernendes de Aguiar. Edição para piano: Ars, São Paulo, s/d. Obs.: ‘Gráfica Musical U. Della LATTA’. Deixe meu bem de tolice, tango carnavalesco. Letra e música de Américo Jacomino. Edição para piano da Casa Bevilacqua, s/d. Dedicada ao “glorioso Centro dos Caçadores de Porto Alegre. Feche a porta e leve a chave, samba carnavalesco. Arranjo para piano de Alcebíades Correa. 226 Esse cachorro só falta falar, maxixe. Letra e música de Américo Jacomino. Edição para piano: ARS, São Paulo. Observação da partitura: sucesso para o carnaval de 1924. Foi-se embora Maria, marcha rancho. Letra e música de Américo Jacomino (Canhoto). Versos de Guilherme Fontana. Edição para piano: OGEM, Rio de Janeiro, s/d. Noite na roça, cateretê. Versos de João do Sul. Edição para piano: A.di Franco. Ponta Grossa é terra boa, maxixe carnavalesco. Edição para piano: Casa Progresso, Ponta Grossa, s/d. Sortêro, graças a Deus, tango. Edição para piano: Casa Bevilacqua, São Paulo, s/d. Obs.: ‘Oficina Musical: Campassi & Camim – S. Paulo’. Sudan, fox-trot. Letra: Duque de Abromonte. Dedicada: Sabbado D’Angelo. Observação da partitura: Brinde da fábrica de cigarros Sudan. Discografia de Canhoto Acervo: Ronoel Simões. O número que aparece em cada obra relacionada, corresponde a numeração extraída do catálogo de disco do próprio Ronoel Simões. As datas que eventualmente aparecem, foram extraídas do mesmo catálogo. Com exceção das quatro primeiras obras relacionados, gravadas pelo selo Phoenix (subsidiária da gravadora Odeon e situada na cidade de São Paulo), as demais obras foram gravadas no Rio de Janeiro pelo selo Odeon. 227 Fita K7 nº1. JACOMINO, Américo. Saudades de minha aurora - valsa. Dois violões. Nº70.786. ________________ . Uyrá - polca. Dois violões. Nº70.804. _______________ . Devaneio - mazurca Dois violões. Disco Phoenix, 10 polegadas, nº70.805. ________________ . Sempre teu - chotis. Dois violões. Disco Phenix, 10 polegadas, nº70806. ________________ . Belo Horizonte - valsa, 1913. Dois violões. Discos Odeon nº120.595. ________________ . Devaneio, mazurca. Dois violões. Disco Odeon 12 polegadas nº120.598. ________________ . Pisando na mala - polca, 1913. Violão solo. Nº120.596. ________________ . Campos Salles - dobrado, 1913. Dois violões. Nº120.596. ________________ . Beijos e lágrimas - valsa. Dois violões. Nº121.248. ________________ . Acordes do violão - valsa. Violão solo. Nº121.249. ________________ . Madrugando - choro. Dois violões. Nº121.478. ________________ . Recordaçôes de Cotinha - valsa. Dois violões. Nº121.479. ________________ . Marcha Triunfal Brasileira. Primeira gravação. Nº122.932. 228 ________________ . Abismo de rosas - valsa. Primeira gravação. Nº122.933. _________________ . Porque te Vuelves a Mi - tango. Violão solo. Nº122.934. _________________ . Uma Noite em Copacabana - maxixe. Violão solo. Nº122.935. _________________ . Marcha dos Marinheiros. Primeira gravação. Violão solo. Nº123.198. Fita k7 nº 2. JACOMINO, Américo. A Menina do Sorriso Triste - fox-trot. Nº123.199. ________________ . Reminiscências - valsa. Violão solo. Nº123.200. ________________ . Alvorada de Estrelas - gavota. Primeira gravação. Nº123.201. GOMES, Carlos. O Guarani, protofonia. Nº123.210. FREZEDO. Sonsa, tango argentino. 123.211. JACOMINO, Américo. Invejoso - choro. Nº123.212. ___________________ . Viola Minha Viola - samba nortista. Nº123.213. ___________________ . Rosas Desfolhadas - valsa. Primeira gravação. Nº123.246. ___________________ . Guitarra de Mi Tierra - tango. Tango argentino. Nº123.247. ___________________ . Melancolia - noturno. Nº123.248. ___________________ . Luizinha - valsa. Nº123.290. 229 __________________ . Fluminense - maxixe. Nº123.291. DONATO. À Média Luz - tango argentino. Nº123.303. JACOMINO, Américo. Em Pleno Mar - valsa. Nº123.304. _________________ . Tempo Antigo - mazurca. Nº123.305. _________________ . Rosas Desfolhadas - valsa. Segunda gravação, elétrica. Nº10.010A. _________________ . Viola minha viola, samba nortista cantada por Pilé (Manuel dos Santos). Nº10.010B. _________________ . Olhos Feiticeiros - choro. Gravação elétrica. Nº10.017A. _________________ . Burgueta - valsa. Gravação elétrica. Nº10.017B. Fita K7 nº3. JACOMINO, Américo. Marcha triunfal brasileira. Violão solo. Segunda gravação. Nº10.020A. __________________ . Reminiscências - valsa. Segunda gravação. Nº 10.020B. __________________ . Abismo de rosas - valsa. Violão solo. Segunda gravação. Nº10.021A. __________________ . Marcha dos marinheiros. Violão solo. Segunda gravação. Nº10.022B. __________________ . Brasilerita - tango. Nº10.024A. __________________ . Caprichoso - tango. Nº10.024B __________________ . Amor de argentina, tango milonga. Nº10.164A. __________________ . Arrependida - valsa. Nº10.164B. 230 CARVALHO . Os teus olhos - canção. Nº10.165A. JACOMINO, Américo . Pensamento - romanza. Nº10.165B. _________________ . Lamentos - valsa. Acompanhamento de piano: Lúcio Chameck. Nº10.166A. __________________ . Mentiroso - choro. Acompanhamento de piano: Lúcio Chameck. Nº10.166B. __________________ . Delírios - valsa. Nº10.188A. __________________ . Quando os corações se querem - fox trot. Nº10.188B. __________________ . Niterói - choro. Nº10.200A. __________________ . Escuta Minh’alma - valsa. Nº10.200B. __________________ . Mexicana - valsa. Acompanhamento de piano: Lúcio Chameck. Nº10.265A. __________________ . Uma noite na roça - cateretê. Acompanhamento de piano: Lúcio Chameck. Nº10.265B. CANARO. Se acabaran los otários, - tango argentino. Gravação particular de 12/3/1928. ‘Amostra invendável’. Fita K7 nº4. Intérprete: Grupo do Canhoto. As gravações contidas nesta fita, não foram relacionadas no catálogo do colecionador Ronoel Simões, acima citado. As informações a respeito de cada gravação, foram extraídas da ficha técnica que acompanhou esta fita K7. Discos Phoenix. Gravação mecânica. JACOMINO, Américo (Canhoto). Deixe de luxo, polca. _________________ . Sacy, polca; _________________ . Saudades de Iguape, valsa. 231 _________________ . Amores noturno, mazurca. _________________ . Tuím-tuím, valsa. _________________ . Suspira, mazurca. _________________ . Beijar, depois morrer, valsa. _________________ . Angustias de amor, valsa. _________________ . O paulista, choro. _________________ . Dengoso, polca-choro. Solos de Canhoto ao cavaquinho e José Sampaio ao violão. _________________ . Aracy, valsa. Solo de cavaquinho: Canhoto. _________________ . Santa Terezinha, valsa. Solo de cavaquinho: Canhoto. _________________ . Tico-tico no farelo, choro. Gravação mecânica. _________________ . Uma noite em Ipanema, valsa. Gravação mecânica. Solos de cavaquinho. _________________ . Uma noite em Ipanema, valsa. Gravação elétrica. _________________ . Tico tico no farelo, choro. Gravação elétrica. Registros de Canhoto em CD. Acervo: Ronoel Simões. CD nº1 JACOMINO, Américo. Saudades de minha aurora - valsa; ________________ . Uyrá - polca; _______________ . Devaneio - mazurca; ________________ . Sempre teu, Xótis-Schottisch; 232 ________________ . Belo Horizonte - valsa. ________________ . Pisando na mala - polca. ________________ . Campos Salles - dobrado. ________________ . Devaneio, mazurca. ________________ . Beijos e lágrimas - valsa. ________________ . Acordes do violão - valsa. ________________ . Madrugando - choro. ________________ . Recordaçôes de Cotinha - valsa. ________________ . Marcha Triunfal Brasileira. Primeira gravação. ________________ . Abismo de rosas - valsa. Primeira gravação. _________________ . Porque te Vuelves a Mi - tango. _________________ . Uma Noite em Copacabana - maxixe. _________________ . Marcha dos Marinheiros. CD nº2. JACOMINO, Américo. A Menina do Sorriso Triste - fox-trot. ________________ . Reminiscências - valsa. ________________ . Alvorada de Estrelas - gavota. Primeira gravação. GOMES, Carlos. O Guarani, protofonia. FREZEDO. Sonsa, tango argentino. JACOMINO, Américo. Invejoso - choro. ___________________ . Viola Minha Viola - samba nortista. ___________________ . Rosas Desfolhadas - valsa. Primeira gravação. 233 ___________________ . Guitarra de Mi Tierra - tango. Tango ___________________ . Melancolia - noturno. ___________________ . Luizinha - valsa. __________________ . Fluminense - maxixe. DONATO. À Média Luz - tango argentino. JACOMINO, Américo. Em Pleno Mar - valsa. _________________ . Tempo Antigo - mazurca. _________________ . Rosas Desfolhadas - valsa. _________________ . Viola minha viola, samba nortista cantada por Pilé (Manuel dos Santos). _________________ . Olhos Feiticeiros - choro. _________________ . Burgueta - valsa. CD nº3. JACOMINO, Américo. Marcha triunfal brasileira. Violão solo. __________________ . Reminiscências - valsa. __________________ . Abismo de rosas - valsa. Violão solo. __________________ . Marcha dos marinheiros. Violão solo. __________________ . Brasilerita - tango. __________________ . Caprichoso - tango. __________________ . Amor de argentina, tango milonga. __________________ . Arrependida - valsa. CARVALHO. Joubert de. Os teus olhos - canção. JACOMINO, Américo . Pensamento - romanza. _________________ . Lamentos - valsa. Acompanhamento de piano: Lúcio Chameck. 234 __________________ . Mentiroso - choro. Acompanhamento de piano: Lúcio Chameck. __________________ . Delírios - valsa. __________________ . Quando os corações se querem - fox trot. __________________ . Niterói - choro. __________________ . Escuta Minh’alma - valsa. __________________ . Mexicana - valsa. Acompanhamento de piano: Lúcio Chameck. __________________ . Uma noite na roça - cateretê. Acompanhamento de piano: Lúcio Chameck. CANARO. Se acabaran los otários, - tango argentino. Gravação particular de 12/3/1928. ‘Amostra invendável’. Artigos de jornais - SIMÕES, Ronoel. Américo Jacomino, Canhoto. Jornal A Gazeta. Série de cinco artigos publicados nos dias, 25/9/1958; 17/10/58; 1/11/1958; 19/11/1958; s/data; - MELLO, Zuza Homem de. O violão brasileiro, acervo incomparável. Jornal O Estado de São Paulo, 15/4/1979. - SOARES, Wladimir. Jornal da Tarde, 7/9/78. - ANGELO, Assis. Cobras da MPB tocam ‘Canhoto’. Jornal Folha de São Paulo, Folhetim, 17/9/78. - ALMEIDA, Sérgio Pinto de. Um violão tocado ao avesso. Jornal Folha de São Paulo, 21/12/1978. 235 - Américo Jacomino, Canhoto. Jornal, Estado de São Paulo, 12/7/1979. - Homenagem a Canhoto. Jornal Goiânia, 11/11/1978. - Homenagem a “Canhoto”. Jornal Diário de Pernambuco, 30/11/1978. - Canhoto do violão, 50 anos depois. Jornal O Estado de São Paulo, 7/9/1978. Depoimentos: Ronoel Simões: 5/7/1997. Acervo: particular. Ronoel Simões: 15/7/1999. Acervo: particular. Fábio Zanon: 14/1/1998. Acervo: particular. Luís Américo Jacomino: 6/8/99. Acervo: particular. Paraguaçu. Acervo: MIS-SP, Fitas: 113.19; 113,20; 113,20A. Ronoel Simões. Acervo: MIS-SP, Fita nº 75.3. Registros realizados por ocasião do cinquentenário da morte do compositor. Programa Música e músicas. Produzido pela TV Cultura de SP e levado ao ar em 2/8/78, em homenagem ao cinquentenário de falecimento. Participação do colecionador Ronoel Simões; do pesquisador J.L. Ferrete; e do editor Juvenal Fernendes. Obs.: Adquirido junto ao acervo particular de Luís Américo Jacomino. 236 Américo Jacomino, o Canhoto. LP lançado em 1978 pela gravadora Continental. Obras regravadas e seus respectivos intérpretes: Lado A: Abismo de rosas, valsa com Luís Américo Jacomino. Brasilerita, tango canção com Paulinho Nogueira. Reminiscências, valsa com Edson Lopes. Olhos feiticeiros, choro com Antônio Rago. Lamentos, valsa com Roberto Ramos. Marcha dos marinheiros, Nélson Anderáos Lado B: Marcha Triunfal Brasileira, com Celso Machado. Escuta minh’alma, valsa com José Franco. Amor de Argentina, tango milonga com Dilermando Reis. Arrependida, valsa com Nelson Cruz. Niterói, choro com Eraldo Souza. Sombras que vivem, valsa com Sebastião Tapajos. O encarte deste LP, traz uma pesquisa feita por J. L. Ferrete, acerca da vida e obra de Canhoto. Método prático de violão editado por Américo Jacomino. Adquirido juntos ao acervo pessoal de Luís Américo Jacomino. - Contém todas as tonalidades, acompanhadas de sete acordes por tom. - Direitos autorais vendidos pela esposa de Américo Jacomino à Casa Manon S.A. 237 Contratos de cessão de direitos autorais. Acervo: particular. Adquiridos junto a Luís Américo Jacomino. - Termo de venda do maxixe Carnaval á noite, para piano e orquestra, p/ a editora musical Irmãos Vitale & Renzetti, “por 50 mil réis por cada exemplar impresso em moeda corrente”. Data: 25/1/1924. Obs.: Direitos para Grammophone são de propriedade do autor. - Termo de venda da valsa brasileira De quem são os teus olhos, para piano, para a editora musical Irmãos Vitale, por 100 réis. Data 16/12/1923. Direito de gravação são de propriedade do autor. - Termo de venda da valsa Sombras que vivem, composição musical, literária e orquestral, p/ a editora musical Irmãos Vitale, para “mandal-a gravar, imprimir, reduzir, arranjar, etc”. Incluído os direitos de gravação em machinas falantes, pianos automáticos e outros instrumentos. Preço: 100 reis, em cada exemplar impresso. Data: 16/2/1929. Ass.: Maria Jacomino. - Termo de venda do tango argentino Lábios roxos (Porque te vuelves a mi), composição musical para piano, para “mandá-la gravar imprimir, reduzir, arranjar, etc” Observação presente no contrato: Os direitos de gravação são de propriedade do autor. Data 16/12/1925. Sem especificação de valor. - Termo de venda da valsa Triste carnaval, composição musical para canto e piano, para Campassi & Carmim editores de música, por 30 mil réis, incluindo o direito de “reduções, ampliações ou arranjos que julgarem conveniente. Data: 1919. 238 - Termo de venda da valsa Manhã fatal, composição musical para piano, para Campassi & Camim, editores de música. Valor: não mencionado. Segue nacionalidade, idade, profissão e endereço. - Termo de venda do tango Já se acabou, composição musical para piano, para Campassi & Carmim, editora de música estabelecidos na Cidade de SP à Av. Brigadeiro Luís Antônio nº 51, por 30 mil réis, incluído publicação, redução, ampliação ou arranjo. Segue: profissão, endereço, assinatura e data (7/8/1920). Obs.: CEMBRA sucessores. - Termo de venda da valsa Berço de lágrimas composição musical para piano, para Campassi & Carmim, editora de música estabelecidos na Cidade de SP à Av. Brigadeiro Luís Antônio nº 51, por 50 mil réis, incluído publicação, redução, ampliação ou arranjo. Segue: profissão, endereço, assinatura e data (1922). Obs.: CEMBRA sucessores. - Termo de venda do sertanejo Ai! Barbina ! composição musical para piano, para Campassi & Carmim, editora de música estabelecidos na Cidade de SP à Av. Brigadeiro Luís Antônio nº 51, por 30 mil réis, incluído publicação, redução, ampliação ou arranjo. Segue: profissão, endereço, assinatura e data (11/3/1919). Observação presente no contrato: CEMBRA sucessores. - Termo de venda do schottisch Flor Paulista composição musical para piano, para Campassi & Carmim, editora de música estabelecidos na Cidade de SP à Av. Brigadeiro Luís Antônio nº 51, por 30 mil réis, incluído publicação, redução, ampliação ou arranjo. Segue: profissão, endereço assinatura e data (11/3/1919). Observação presente no contrato: CEMBRA sucessores. 239 - Termo de venda da marchinha carnavalesca Ai Margarida, Ai Margarida composição musical, literária, para piano, para Irmãos Vitale, por 100 mil réis por cada exemplar para piano impresso, incluído publicação, redução, ampliação ou arranjo. Excluído direitos de gravação de disco. SP, 7 de setembro de 1927. - Contrato de cessão de direitos autorais do arranjo e transcrição para violão da obra Triste carnaval, de Américo Jacomino, feita por Domingos Semenzato, e que cede este arranjo para Editora musical Cembra, na pessoa do Sr., Alcides Ortiz e Pedro Vicente Bobbio, por 0,50 centavos por exemplar vendido. Direito de execução inclusive em rádio e TV de 33% para os editores e 67% para os autores, quando for executado este arranjo. Valor deste contrato: 1.000,00 cruzeiros. SP, 31 de dezembro de 1954. - Contrato de cessão de direitos autorais do arranjo e transcrição para violão da obra Abismo de rosas, de Américo Jacomino, feita por José Fortuna, e que cede este arranjo para Editora musical Cembra, na pessoa de seu diretor Plínio Augusto Vitale, por 10% por exemplar vendido. Nas edições fonomecânicas (discos fonográficos) negociados no Brasil, o produto líquido será partilhado à razão de 75% ao(s) autor(es) e 25 aos Editores. Nas inclusões de obras em filmes negociados no Br., será partilhado à razão de 75% ao(s) autor(es) e 25 aos Editores. Na execução de rádio difusão e TV será partilhado à razão de 75% ao(s) autor(es) e 25 aos Editores. Nas letras avulsas ou em coleções, do produto arrecadado pelos Editores, 50% para o autor e 50% para os Editores. Nos contratos celebrados no exterior, 50% para o autor e 50% para os Editores. Cláusula adicional: o autor da letra, objeto deste contrato, terá direito a 50% 240 dos percentuais estipulados, cabendo os restantes 50% ao autor da melodia. Valor do contrato ?? 100 cruzeiros. Assinado: José Fortuna, Américo Jacomino (herdeiros). Data: 4/2/1981. - Contrato de cessão de direitos autorais do arranjo e transcrição para violão da obra Abismo de rosas, de Américo Jacomino, feita por José Fortuna, domiciliado (...) e que cede este arranjo para a Editora musical Cembra, na pessoa de seu diretor Plínio Augusto Vitale, por 10% por exemplar vendido. Nas edições fonomecânicas (discos fonográficos) negociados no Brasil, o produto líquido será partilhado à razão de 75% ao(s) autor(es) e 25 aos Editores. Nas inclusões de obras em filmes negociados no Brasil, será partilhado à razão de 75% ao(s) autor(es) e 25 aos Editores. Na execução de rádio difusão e TV será partilhado à razão de 75% ao(s) autor(es) e 25 aos Editores. Nas letras avulsas ou em coleções, do produto arrecadado pelos Editores, 50% para o autor e 50% p/ os Editores. Nos contratos celebrados no exterior, 50% para o autor e 50% para os Editores. Cláusula adicional: o autor da letra, objeto deste contrato, terá direito a 50% dos percentuais estipulados, cabendo os restantes 50% ao autor da melodia. Valor do contrato: 100 cruzeiros. Assinado: José Fortuna, Américo Jacomino (herdeiros). Data: 4/2/1981. - Contrato de cessão de direitos autorais de Américo Jacomino (herdeiros) para Cembras, das composições musicais Abismo de rosas e Triste carnaval por 0.50 por exemplar vendido. Edições fonomecânicas: 75% ao autor e 25% aos editores. Nos filmes: 2/3 para o autor e 1/3 para aos editores. Execução em Rádio e TV: 33% para os 67 para o autor. Letra avulsas ou em coleções: 15%. Do 241 produto arrecadado: 50% para o editor e 50% para o autor. Exterior: 50% para o autor e 50 para o editor. Observação presente no contrato: Adaptação de letra: Abismo de rosas, por Gastão Barroso; Triste carnaval, por Arlindo Leal. - Contrato de cessão de direitos autorais de Domingos Semeazato para Cembras, representados por Alcides Ortis e Pedro Vicente Bobbio, para transcrição de Abismo de rosas p/ violão, por 0.50 por exemplar vendido. Edições fonomecânicas: não especificado. Nos filmes: não especificado. Execução em Rádioe TV: 33% para os 67 para o autor, quando for executado este arranjo para violão. Letra avulsas ou em coleções: não especificado. Exterior: não especificado. Valor do contrato: Hum mil cruzeiros. São Paulo, 31 de dezembro de 1954. - Contrato de cessão de direitos autorais de Américo Jacomino das composições musicais Abismo de rosas, sendo que o Domingos Semeazato participa apenas no arranjo para violão da obra citada. Edição gráfica para canto e piano: 10% por exemplar vendido. Edição para pequena e grande orquestra: Cr$ 100 sobre o preço de capa por exemplar vendido. Edições fonomecânicas: 75% ao autor e 25% aos editores. Nos filmes: não especificado. Execução em Rádio e TV: 33% para os 67 para o autor. Letra avulsas ou em coleções: Valor do contrato 1.000.00 . Hum mil cruzeiros. - Contrato de cessão de direitos autorais de João José Bastos (Paulo Roberto), para Cembras, representados por seu sócio gerente, para transcrição de Abismo de rosas de Américo Jacomino e Gastão Barroso (João do Sul), por 1/3 do exemplar vendido. Edições 242 fonomecânicas: 1/3 de 67% para o(s) autor(es) e 33% para os editores. Nos filmes: 1/3 de 77% para os autores e 33% para os editores. Execução em Rádio e TV: 33% para os 67 para o autor, e 33% para os editores. Letra avulsas ou em coleções: 1/3 de 10% e 1/3 de 50% para os autores. Exterior: 1/3 de 50% para o(s) autor(es) e 50% para os editores. Valor do contrato: Hum mil cruzeiros. SP, 28 de setembro de 1976. Ass. João José de Barros. Discografia de referência. Acervo: Ronoel Simões. - CONCEIÇÃO, Levino. Triste Ausência - Mazurca; A Carioca - polca-tango; Saudades do rio Grande - valsa; Reminiscências Baianas - maxixe; Há quem resista? - maxixe; El Pasado - choro; Prece da Saudade - valsa; Canção Gaúcha; Martins; Romanza, de Schumann; Meditando; Marta - valsa; Marinetti - fox-trot; Prelúdio do Violão. Atlântico tango. Campanha do Sul - fox-trot; Sílvia - valsa. - GUIMARÃES, João Teixeira (João Pernambuco). Mimoso - choro, acompanhado por Rogério Guimarães; Lágrimas - Choro; Magoado - Choro; Sons de Carrilhões; Pó de Mico - choro; Suspiro Apaixonado - valsa; Sonho de Magia - valsa; Magoado - choro; Reboliço - choro; Rosa Carioca - fox-trot. - GUIMARÃES, Rogério. 243 Ao Luar - valsa; Aguenta o Galho - choro; Sinhá Chica no Baile - valsa; Borboleta Azul - valsa; Romance em Ré Menor; Stambul canção; Norma - valsa; Cateretê Paulista; Radiosa - valsa; Saudades do Sertão - toada; Araca - choro; Cinco de Julho - marcha; Uma Noite Na Urca - fox-trot; Saudades - tango; Solidão - Romanza; Victor - marcha; Vamos Deixar de Intimidades - choro; Deliciosa mazurca; Tarantela. Trem de Luxo - choro. - LOBOS, Heitor Villa. Obra completa para violão solo. Interpretação: Maria Lívia São Marcos. - LOBOS, Heitor Villa. Choro nº1, Prelúdio nº1. Interpretação incompleta do próprio autor. Acervo: particular. ASSAD, Sérgio e Odair. Alma brasileira. Londres, CD Warner, 1988. Choros e chorões. Interpretação: Os novos boêmios. São Paulo, LP Cartaz discos, 1981. Choros imortais (Diversos compositores e intérpretes). São Paulo, LP RGE, 1984. Gente do choro (Diversos compositores e intérpretes). Rio de Janeiro, LP EMI-ODEON, 1974. KIEFFER , Ana Maria. Viagem pelo Brasil. São Paulo, LP Estúdio Eldorado, 1990. LOBOS, Heitor Villa. Obra completa para violão solo. Interpretação: Duo Assad. Rio de Janeiro, CD Kuarup, 1978. 244 LOBOS, Heitor Villa. Obra completa para violão solo. Interpretação: Turíbio Santos. Rio de Janeiro, CD Kuarup, 1987. LOBOS, Heitor Villa. The complete solo guitar music. Interpretação: Fábio Zanon. Londres, CD Music Master Classics, 1999. Música do Brasil colonial - compositores mineiros (séc. XVIII e XIX). Interpretação: Brasilessentia Grupo vocal e orquestra. São Paulo, CD Paulus, 1997. PIXINGUINHA. Os batutas. Interpretação: Paulo Moura e conjunto. Rio de Janeiro, CD Brascan Brasil S.A., 1996. _____________ . A música genial de Pixinguinha. Interp.: Altamiro Carrilho e regional. São Paulo, LP Marcus Pereira, 1980. TAPAJÓS, Sebastião. Ontem e sempre. Rio de Janeiro, CD Movie Play, 1997. Partituras de referência Acervos: Ronoel Simões e Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. - CALLADO, Joaquim Antônio da Silva. Flor Amorosa- choro. - CONÇEIÇÃO, Levino Albano. Andante Expressivo (homenagem a Fernando Sor e dedicada ao Sr. Ronoel Simões. Rio de Janeiro, 1944); Cateretê Mineiro - edição particular e manuscrita; Há quem resista?- maxixe; Triste ausência mazurca lírica, RJ, 1907. Melografada por Gilberto Peliolmo de Fortaleza; Saudade do Rio Grande- valsa serenata. 245 - GONZAGA, Chiquinha. Corta Jaca- Brasilian Tango, Arranged by Eustaquio Grilo © 1985, Dorset, England - GUIMARÃES João Teixeira (João Pernambuco). Edições Ricordi, São Paulo, 1978. Revisão e digitação: Henrique Pinto. Cecy - valsa; Lágrima - tango; Sentindo - tango; Seu Coutinho pegue o boi - canção do norte (samba); Sons de carrilhões - maxixe. Edição Ricordi, SP, 1978. Revisão e digitação: Roberto Paiva T. de Freitas. Rosa Carioca - fox-trot; Magoado - choro; Suspiro apaixonado - choro. Edição Ricordi Brasileira. SP, 1978. Revisão e digitação: Jodacil Damaceno. Acervo Ronoel Simões. Saudosa viola; Recordando minha terra - valsa; Gritos D’Alma. Edições Ricordi Brasileira. SP. Revisão e digitação: Turíbio Santos. Brasileirinho - choro; Brejeiro - choro; Choro nº1; Choro nº2; Dengoso - choro; Estudo n.1; Graúna- choro; Gritos d’Alma- choro; Interrogando - jongo; Mimoso - choro; Pó de mico - choro; Reboliço - maxixe; Recordando minha terra - choro; Sonho de magia - valsa; 246 Saudosa viola - choro; Seu Coutinho pegue o boi - canção do norte (samba). Edição Particular e manuscrita. Rio de Janeiro, 1927, 1ª edição. Revisão do autor. Sons de Carrilhões. maxixe. Edição Guitarra de Prata. Rio de Janeiro, s/d, 3ª edição. Sons de Carrilhões - maxixe. Edições particulares e manuscritas. Acervo Ronoel Simões. - GUIMARÃES, Rogério. Borboleta azul - valsa. Arr.: Edmar Fenício; Norma- valsa Arr.: Eraldo Pinheiro; Sinhá Chica no Baile - valsa. Arr.: Eraldo Pinheiro. LYRA, Abdon. Gavota- op. 18, Rio de Janeiro,1935. - NAZARETH, Ernesto. Edição Casa Arthur Napoleão, Rio de Janeiro, 1958. Prefácio: Beatriz Leal Guimarães. Transcrição para violão: Nelson Piló. Acervo: particular. Improviso - estudo para concerto. Dedicado a Heitor Villa Lobos; Tenebroso - choro; Arrufos - shottisch; Guerreiro - choro; Você bem sabe -polca lundu; Matuto - choro; Nenê - choro; Segredo choro; Atrevido - choro; Mandinga - choro; Confidências - valsa; Coração que Sente - valsa. Arranjo para violão: Dilermano Reis; Apanhei-te cavaquinho - polca; Odeon - tango brasileiro. Arranjo 247 para violão: Antônio Sinópoli; Brejeiro - tango. Arranjo para violão: Maria Thereza Luizi. - PIXINGUINHA - Alfredo da Rocha Vianna Filho. Edições: Irmão Vitale S.A. São Paulo,1977. Acervo: particular. Agradecendo - valsa; Somos três - choro; Minha vez - polca; Rio antigo - choro; 1 x 0 - choro; Modinha brasileira; Vem vindo - baião; Passa tempo - choro; Não vou nessa - choro; Lamentos - choro; Vou vivendo - choro-serenata; Parangolé - maxixe. VILLA-LOBOS, Heitor . Edições: Max Esching. Paris. 1955. Acervo: particular. Suíte Popular brasileira.1908-1912; Choro n.1 1920. Programas de rádio. Gravação: Rádio Cultura FM - Villa-Alma Brasileira. Série de programas semanais apresentados pela Rádio Cultura FM entre 10 de outubro de 1996 e 26 de março de 1997 e dedicados a vida e obra de Heitor VillaLobos. - Sarau, Coreto e Serenata- Em tempo de Valsa. Série de programas semanais apresentados pela Rádio Cultura FM entre 4 de agosto de 1997 e 20 de outubro de 1997 e dedicados a penetração da valsa no Brasil do início do século. Temática dos programas gravados: A Valsa européia do século XIX; Os Strauss; A Valsa das operetas; Valsas brasileiras do século XX; Valsas da Belle Époque; 248 Valsas brasileiras dos anos 20; Zequinha de Abreu; Valsistas geração 1890; Valsa cantada: anos 30; Francisco Mignone. - Timbres, o Corpo do Som - A trajetória dos instrumentos musicais. Série de programas apresentados pela Rádio Cultura FM a partir de 1997. Temática dos programas gravados: O Violão; Instrumentos típicos brasileiros; Cordofones beliscados: harpas de orquestra, céltica e medieval; Cordofones beliscados I : violão e alaúde; Cordofones beliscados II: bandolim e cavaquinho; Cordofones beliscados III: guitarra portuguesa, viola caipira e vihuela; Viola de Arame; Violão II. - Degraus - Uma História da Música Ocidental. Série de programas levados ao ar pela Rádio Cultura FM e reapresentados no primeiro trimestre de 1998. Temática dos programas gravados: O Barroco instrumental; O Barroco protestante; Do Barroco ao classicismo; Do Classicismo ao romantismo; O Romantismo e o nacionalismo. - América Latina em dois tempos - formação e identidade musical. Série de programas de uma hora cada, apresentados pela Rádio Cultura FM e reapresentados no primeiro trimestre de 1998. Temática dos programas gravados: Música no México do século XVIII; Música na Bahia e Pernambuco do Século XVIII; O Romantismo e o Brasil do Segundo Império. 249 - Página Brasileira - As perspectivas da Literatura de Concerto. Série de programas apresentados atualmente pela Rádio Cultura FM. Temática dos programas gravados: O Nacional e o Moderno Na Música Brasileira; Império X República: A Música Brasileira; O Nacionalismo Musical Brasileiro; Modernismo Brasileiro no Começo do Século. - Programas gravados do maestro Júlio Medaglia e apresentados pela Rádio Cultura FM. Temática dos programas gravados: O Piano de Henrique Oswald por Maria Inês Guimarães; Leandro Carvalho e a Música de João Pernambuco; Alexandre Levy; Marcos PortugalO Saliere Brasileiro; Homenagem a Pixinguinha: Teatro Municipal do RJ; A Música do México Pré-Hispânico; Habaneras, Milongas e Tangos; Com a Palavra o Compositor Heitor Villa-Lobos; O Sinfonismo Amazônico de Villa-Lobos Contagia. - Sinfonia Colonial - Homenagem a Curt Lang (1903-1997). Série de programas apresentados pela Rádio Cultura FM no primeiro trimestre de 1997. Temática dos programas gravados: Pernambuco do Século XVIII; Rio de Janeiro-Primeira Metade do Século XIX; Bahia-Primeira Metade do Século XIX. - Dicionário Temático da Música - Uma Sociologia dos Sons. Série de programas apresentados pela Rádio Cultura FM durante o ano de 1999. Temática dos programas gravados: A Música na Grécia Clássica; A Música Dentro dos Palácios; A Música Fora dos Palácios. 250 - Quijengue, Viola e Maracá. Série de cinco programas apresentados pela Rádio Cultura FM em 1995. Temática dos programas gravados: Ouça o Brasil; Matrizes Étnicas: viola; Matrizes Étnicas: memórias da África, quijengue; Matrizes Étnicas: os filhos da terra, maracá; Tradição e Mudança. - Violão em Tempo de Concerto. Série de programas apresentado atualmente pela Rádio USP FM: A Guitarra Espanhola do Século XVI; A Guitarra de Cinco Ordens; O Violão no Século XIX; Augustin Barrios I; Augustin Barrios II; Andrés Segóvia I; Andrés Segóvia II; Bach por Andrés Segóvia; Radamés Gnatalli e sua obra para violão I; Radamés Gnatalli e sua obra para violão II; Homenagem aos 30 anos da Morte de Ida Presti; Interpretações do Violonista John Willians; Entrevista com o violonista Fábio Zanon. - Um Toque em Aquarela - A Música Instrumental do Brasil. Série de programas apresentados semanalmente pela Rádio Cultura FM até 1996. Temática dos programas gravados: Dilermando Reis; Paulo Belinati. Violão. Série de programas apresentado pelo violonista Fábio Zanon na Rádio Cultura FM. Acervo: particular: Agustin Barrios; Américo Jacomino. Llobet Pujol e Tárrega; João Pernambuco. Obs.: Todos os programas são de uma hora de duração. Obras de Villa Lobos. Gravação: Rádio Cultura FM. 251 Amazonas. Interpretação (Interp.): Orq. Sinf. Símon Bolívar da Venezuela. Amazonas. Interp.: Orquestra Nacional de Lyon. Regência: Emmanuel Krivine. Bachianas Brasileiras nº4. Interp.: Arthur M. Lima - piano. Bachianas Brasileiras nº5. Interp.: New Word Sinfony. Regente: M. Tilson Thomas. Bachianas Brasileiras nº6. Interp.: Antônio Carlos Carrasqueira - flauta; Sérgio Lima Gonçalves - fagote. Capricho opus 49. Interp.: David Apter - piano; Rebecca Rust violoncelo. Canção da Folha Morta. Interp.: Celine Imbert - voz; Guida Borghoff - piano. Canção do Carreiro. Interp.: Celine Imbert - voz; Guilda Borgoff - piano. Chorus nº5. Interp.: Arnaldo Estrela - piano . Chorus nº 10. Interp.: Coro e Orquestra Nacional da Rádiodifusão Francesa. Regente: Villa-Lobos Ciclo Brasileiro. Interp.: Arthur Moreira Lima - piano. Ciranda das 7 notas p/ fagote e cordas. Interp.: Noel Devos e Orquestra de Câmara de Brasileira. Regente: Bernardo Bessler. Concerto para Violoncello n.2. Orq. Sinf. Simon Bolívar. Concerto para harmônica e orquestra. Orq. Sinf. de Câmara de Nova York. Regente: Gerald Schwarz. Dança do Índio Branco. Interp.: Arnaldo Estrela - Piano . 252 Danças Características Africanas. Interp.: Orquestra Sinfônica da Rádio Eslovaca. Regente: Roberto Duarte. Dança dos Mosquitos. Interp.: Orquestra Sinfônica da Rádio Eslovaca. Regência: Roberto Duarte. Descobrimento do Brasil. Interp.: Orquestra Sinfônica da Rádio Eslovaca e Coro Filarmônico Eslovaco. Regente: Roberto Duarte. Fantasia Concertante p/ piano. Interp.: Olinda Alessandrini piano; Augusto Maurer - clarineta; Adolfo Almeida - fagote. Floresta do Amazonas. Interp.: Bidu Sayão - soprano; Coro e Orquestra Symphony of the Air. Regência: Heitor Villa-Lobos. Lenda do Caboclo. Interp.: Quarternália - violões . Modinha. Interp.: Imbert e Borghoff. Momo Precoce. Interp.: Magda Taliaferro - piano. Praesepe; Panis Angilicus. Interp.: Corydon Singers e Orquestra. Regente: Mathew Best. Pequena Suíte. Interp.: Antônio Meneses - violoncelo; Ricardo Castro - piano. Prelúdio nº2 op.20. David Apter - piano; Rebecca Rust violoncelo. Prelúdios p/ violão (transcritos p/ piano). Interp.: Olinda Alessandrini - piano. Prole do Bebê. Interp.: Marcelo Bratke - piano. Quarteto p/ flauta, oboé, clarineta e fagote. Interp.: 253 Quarteto de Cordas n.17 ( Scherzo ). Interp.: Quarteto de Brasília Quinteto em Forma de Choro. Interp.: Quinteto Villa-Lobos. Rudepoema. Interp.: Sonia Rubinsky - piano . Rudepoema. Interp.: Amaral Vieira - piano . Rudepoema. Interp.: Orquestra Sinfônica da Rádio Eslovaca. Regente: Roberto Duarte. Sinfonia nº 6. Interp.: Slovak Symphony Orchestra Bratislava. Regente: Roberto Duarte. Gravadora Marco Polo. Suite Popular Brasileira. Interp.: Turíbio Santos - violão. Trio para Cordas n.1 em Dó menor. Interp.: Quarteto de Brasília. Trio Ahn. Interp.: Quarteto de Brasília. Tristoso. Interp. Arnaldo Estrela - piano . Valsa da Dor. Interp.: Arthur Moreira Lima - piano. Valsa da dor: Interp.: Arnaldo Estrela - piano . Audições gravadas do programa Ciranda, apresentado diariamente pela Rádio Cultura, e dedicado exclusivamente a música nacional. Obs.: Serão relacionados abaixo, programas especiais, dedicados a autores ou gêneros musicais, que contribuíram nas reflexões deste trabalho. 254 Sérgio e Odair Assad; Dilermando Reis; Jacob do Bandolim; Chiquinha Gonzaga; O choro; Pixinguinha;Mário da Silva; Leopoldo Miguez; Ernesto Nazareth. Obs.: A seguir serão relacionadas audições do programa Ciranda, que contribuíram para as reflexões deste trabalho. - BELLINATI, Paulo. Cabra Cega; Lenço atrás. Interpret.: Paulo Bellinati - viola caipira. - BELLINATI, Paulo. Jongo. Interpret.: Cristina Azuma-violão. - CORRÊA, Roberto. Parecença; Arrevoada do Caraçá; Suíte das Cobras. Interpret. Roberto Correa - viola ( caipira ). - GOMES. André da Silva. Missa a Cinco Vozes. Interpret.: Brasilissentia grupo vocal e orquestra - GONZAGA, Chiquinha, Gaúcho. Interpret.: Artur Moreira Lima - piano. - ITIBERÊ, Brazílio. Caprices à La Mazurca; Stella Maris; Grande Mazurca de Salão. Interpret.: Artur Moriera Lima-piano. - MADUREIRA, Antônio. Toque para marimbau e orquestra. Interpret.: Orquestra Romançal Brasileira. Solista: Antônio Madureira. - MARCONDES, Caito. Romaria. Interpret.: Quarteto de Cordas Turtle Island. MEDEIROS, Anacleto. Três Estrelinhas; Terna Saudade; Carolina. Arranjos e Regências: Rogério Duprat. - MIGNONE, Francisco. Lundu; Lenda Sertaneja. Interpret.: Sérgio e Odair Assad. 255 - REIS, Dilermando. Uma Valsa e Dois Amores; Noite de Lua; Se Ela Perguntar. Interpret.: Rafael Rabello - violão . - SILVA, Patápio. Primeiro Amor. Interpret.: Duo Camargo.