1
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS – CESA
CENTRO DE HUMANIDADES – CH
MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E
SOCIEDADE – MAPPS
MARIA ENIANA ARAÚJO GOMES PACHECO
POLÍTICA DE REDUÇÃO DE DANOS A USUÁRIOS
DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS: PRÁTICAS
TERAPÊUTICAS NO PROJETO CONSULTÓRIO DE
RUA EM FORTALEZA, CEARÁ
FORTALEZA - CE
2013
2
MARIA ENIANA ARAÚJO GOMES PACHECO
POLÍTICA DE REDUÇÃO DE DANOS A USUÁRIOS DE
SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS: PRÁTICAS TERAPÊUTICAS NO
PROJETO CONSULTÓRIO DE RUA EM FORTALEZA, CEARÁ
Dissertação apresentada à Coordenação do
Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e
Sociedade – MAPPS da Universidade Estadual
do Ceará – UECE, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. João Tadeu de Andrade.
FORTALEZA - CE
2013
3
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Estadual do Ceará
Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho
Bibliotecário Responsável – Francisco Welton Silva Rios – CRB-3 / 919
P116p
Pacheco, Maria Aniana Araújo Gomes
Política de redução de danos a usuários de substâncias psicoativas:
práticas terapêuticas no Projeto Consultório de Rua em Fortaleza, CE /
Maria Aniana Araújo Gomes Pacheco. — 2013.
CD-ROM. 143 f. ; il. (algumas color.) : 4 ¾ pol.
“CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho
acadêmico, acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7
mm)”.
Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual do Ceará, Centro
de Estudos Sociais Aplicados, Curso de Mestrado Acadêmico em
Políticas Públicas e Sociedade, Fortaleza, 2013.
Área de Concentração: Políticas Públicas e Sociedade.
Orientação: Prof. Dr. João Tadeu de Andrade.
1. Redução de danos. 2. Cuidado em saúde. 3. Projeto Consultório
de Rua. Título.
CDD: 362.1
4
5
A minha mãe, Zélia (in memoriam), ao
meu pai, Chico, às minhas irmãs, Elidiana
e Ana Paula, e, em especial, ao meu filho,
Ênio Henrique, e esposo, Mário Henrique,
porque somos realmente uns com os
outros na vivência humana de cada dia!
Ao ser psicóloga, como um instrumento
de respeito e cuidado ao outro.
6
AGRADECIMENTOS
Ao concluir este trabalho tenho muitas pessoas a quem agradecer, algumas das
quais cuja nomeação é imprescindível. Por isso, com todo respeito e cuidado, destaco:
João Tadeu de Andrade, meu orientador, pela dedicação com que conduziu
nossos encontros e reencontros presenciais e virtuais.
Zulmira Áurea Cruz Bomfim, minha primeira orientadora na graduação, por me
ajudar a sentir o que é Ser Humana nas relações através das vivências em Biodança e
participação no grupo de pesquisa do Laboratório em Psicologia Ambiental (LOCUS).
Regianne Leila Rolim, minha primeira orientadora, que por motivos pessoais
precisou se ausentar.
João Bosco Feitosa dos Santos e Regina Heloísa Mattei de Oliveira Maciel,
membros da banca de qualificação, pelas recomendações e sugestões.
FUNCAP, pelo apoio financeiro.
Aos professores docentes do programa de pós-graduação do MAPPS aos quais
tive acesso.
Cristina Maria Pires de Medeiros, secretária do programa de pós-graduação do
MAPPS, por todos os encaminhamentos e esclarecimentos necessários à conclusão desta
dissertação.
Sâmea Moreira Mesquita Alves e Ana Marques, amigas queridas do MAPPS e,
acredito, de toda a vida, pelo acolhimento e companheirismo em momentos difíceis do meu
experienciar pessoal e profissional.
Raimunda Félix, coordenadora do Colegiado de Saúde Mental do município de
Fortaleza, durante o período desta pesquisa por todo o apoio.
Equipe de profissionais do Projeto Consultório de Rua.
A minha querida amiga Dirlândia Vieira da Silva, por ter me ajudado a acreditar
que no final tudo dá certo.
Mário Henrique, meu amado esposo, amigo e companheiro, por toda a
dedicação.
7
RESUMO
Atualmente o cenário epidemiológico no Brasil e em outros países cresce quanto ao consumo de
drogas lícitas e ilícitas, desencadeando problemas no que diz respeito ao uso, abuso e dependência
de substâncias psicoativas. Nesse contexto, o presente estudo objetiva analisar a Política de
Redução de Danos na prática dos profissionais do Projeto Consultório de Rua, no município de
Fortaleza, Ceará, Brasil. O Projeto Consultório de Rua é uma atividade aprovada pelo Ministério da
Saúde desde 2009. No município de Fortaleza, local de recorte para este estudo, a Política de
Redução de Danos teve início em 2005, no âmbito da Rede de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas,
sob a coordenação do colegiado que participou da seleção "Projetos de Consultório de Rua",
promovida pelo Ministério da Saúde em 2009, obtendo êxito. O município de Fortaleza foi o único
lugar de todo o estado do Ceará que atendeu às exigências para concorrer à seleção do Projeto de
Consultório de Rua com vistas ao desenvolvimento de práticas de Redução de Danos destinadas à
população de rua, por intermédio de abordagens nas ruas e ações nos Centros de Atenção
Psicossocial, Álcool e outras Drogas (CAPS AD). A primeira equipe desse município foi constituída
em junho de 2010, e a segunda, após um período experimental durante o mês de dezembro de 2011,
estabeleceu suas atividades a partir de fevereiro de 2012. Os sujeitos convidados a participar deste
estudo tiveram acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Optou-se por uma
abordagem metodológica qualitativa para a obtenção dos dados necessários ao alcance dos objetivos
propostos. O estudo foi desenvolvido nos locais de prática do Projeto Consultório de Rua. Foram
considerados para a coleta de dados instrumentos metodológicos como a entrevista semiestruturada
e a observação sistemática dos profissionais do Projeto Consultório de Rua no exercício de suas
atividades. A entrevista semiestruturada áudiogravada teve fontes primárias como dados de
identificação e contemplou questões abertas sobre o tema, sendo realizada em outubro de 2011; a
observação sistemática da prática, buscando aprofundar o objeto em estudo, foi concretizada por
diário de campo, durante os meses de janeiro e fevereiro de 2012. Participaram do estudo 05
sujeitos: 01 Psicólogo, 01 Redutor de Danos, 01 Motorista, 01 Técnico de enfermagem, 01 Educador
social. Os sujeitos convidados a participar deste estudo tiveram acesso ao Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido. Os dados obtidos foram processados por análise de conteúdo. Esta pesquisa, em
respeito às exigências do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará (CEPUECE, processo nº 11224448-3), teve aprovação em 14 de setembro de 2011. Observou-se que as
práticas em redução de danos apresentam uma dinâmica diferenciada a depender do processo de
territorialidade dos sujeitos envolvidos. Obteve-se, ainda, que a troca de saberes, assim como a
disponibilidade relacional entre usuários e profissionais corroboram para a prática do cuidado. É o
cuidado em saúde pela prática da redução de danos que se desdobra na construção de diferentes
saberes.
Palavras-chave: Redução de Danos. Drogas. Projeto Consultório de Rua. Território. Cuidado em
Saúde.
8
ABSTRACT
Currently the epidemiological scenario in Brazil and other countries grow regarding the licit and illicit
drug use, triggering problems with regard to the use, abuse and dependence of psychoactive
substances. In this context, the present study aims to analyze the Harm-Reduction Policy in practice
of professionals of the Street Office Project in the city of Fortaleza, Ceará, Brasil. The Street Office
Project is an activity approved by the Ministry of Health since 2009. In the city of Fortaleza, clipping
site for this study, the Harm-Reduction Policy began in 2005, within the Mental Health, Alcohol and
Other Drugs Network, under the coordination of the group that participated in the "Street Office
Projects", promoted by the Ministry of Health in 2009, succeeding. The city of Fortaleza was the only
place in the whole state of Ceará that has met the requirements to run for Street Office Projects
selection aiming the development of Harm-Reduction practices for the street population, through
approaches on the streets and in the Centers of Psychosocial Care, Alcohol and Other Drugs (CAPS
AD). The first team of this municipality was constituted in June 2010, and the second, after a trial
period during the month of December 2011, lays down its activities from February 2012. The subjects
invited to participate in this study had access to informed consent. Were considered to the data
collection methodological instruments as the semi-structured interview and systematic observation of
the Street Office Project professionals in the exercise of their activities. The semi-structured interview
audio recording had primary sources such as data identification and contemplated open questions on
the topic, being held in October 2011; systematic observation of practice was obtained by field journal,
seeking to deepen the object under study, during the months of January and February of 2012. Five
subjects participated in the study: 01 Psychologist, 01 Damage reduction, 01 Driver, 01 Nursing
technical, 01 Social educator. This is a qualitative study being developed in the Street Office Project
local of practice, with data collection among the professionals, to be processed by content analysis.
This research, in respect to the requirements of the Research Ethics Committee of the Universidade
Estadual do Ceará (UECE, CEP-process nº 11224448-3), had approval in September 14, 2011. It was
observed that the harm-reduction practices are differentiated depending on the dynamic process of
territoriality of the subjects involved. It was obtained, either, that the exchange of knowledge between
professionals and users confirms a practice of care. Is the health care by harm-reduction practice that
unfolds in the construction of different knowledge.
Keywords: Harm-Reduction. Drugs. Street Office Project. Territory. Health Care.
9
LISTA DE FIGURAS
1
Localização Geográfica da Secretaria Regional Centro, pelo Google Maps
2
Localização Geográfica do território da Investigação no âmbito da
42
Secretaria Regional II
43
3
Lateral da Kombi
44
4
Destaque da identificação institucional na lateral do veículo
45
5
Equipe I de profissionais do Projeto Consultório de Rua, no município de
Fortaleza
48
6
Cartografia da rota dos profissionais do Consultório de Rua
82
7
Cartografia da rota dos profissionais do Consultório de Rua
83
8
Praça da Estação observada por trás da Kombi
85
9
Praça da Estação observada pela frente da Kombi
86
10
Moradores de rua esperam por ações caridosas e é oportunizada a
abordagem de rua pelos profissionais do Consultório de Rua
87
11
Estabelecimento Casa da Sopa
88
12
Campanha de vacinação da Hepatite na Casa da Sopa
89
13
Viaduto da Avenida Alberto Nepomuceno
91
14
Acesso à Rua Gérson Gradvol
93
15
Rua José Avelino
95
16
Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura
96
17
Igreja Santa Luzia, popularmente conhecido por Ferro de Engomar pelos 97
profissionais do PCR
18
Lateral da Pizza Hut, na Avenida Beira Mar
98
19
Travessa Jacinto
99
20
Atuação da equipe do Consultório de Rua no Vicente Pinzón
21
Prática preventiva da equipe do Consultório de Rua no Vicente Pinzón
100
100
10
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABAREDA
Associação Baiana de Redução de Danos
ABORDA
Associação Brasileira de Redutores de Danos
ACRD
Associação Carioca de Redução de Danos
AIDS
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
CAPS AD
Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas
CEBRID
Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas
CETAD
Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas
CONAD
Conselho Nacional Antidrogas
CONASS
Conselho Nacional de Secretários de Saúde
CONFEN
Conselho Federal de Entorpecentes
CSF
Centros de Saúde da Família
CUCA
Centro Urbano de Cultura, Arte, Ciência e Esporte de Fortaleza
DST
Doença Sexualmente Transmissível
ECR
Equipes do Consultório de Rua
ESF
Equipes de Saúde da Família
HGF
Hospital Geral de Fortaleza
HIV
Human immunodeficiency vírus (Vírus da Imunodeficiência Adquirida)
IDGS
Instituto de Desenvolvimento Tecnológico e Apoio a Gestão em Saúde
NASF
Núcleo de Apoio à Saúde da Família
NEPAD
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas
OEA
Organização dos Estados Americanos
OMS
Organização Mundial de Saúde
PCR
Projeto de Consultório de Rua
PEAD
Plano Emergencial de Ampliação de Acesso ao Tratamento e Prevenção em
Álcool e outras Drogas
PIEC
Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas
PNAD
Política Nacional Antidrogas
PNAD
Política Nacional sobre Drogas
PRD
Política de Redução de Danos
PROJOVEM Programa Nacional de Inclusão de Jovens
RD
Redução de Danos
REDUC
Rede de Redução de Danos e Direitos Humanos
11
RELARD
Rede Latino-Americana de Redução de Danos
SEAR
Serviço Especializado de Abordagem de Rua
SEMAS
Secretaria Municipal de Assistência Social
SENAD
Secretaria Nacional Sobre Drogas
SER
Secretaria Executiva Regional
SISNAD
Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas
SMS
Secretaria Municipal de Saúde
SUAS
Sistema Único de Assistência Social
SUS
Sistema Único de Saúde
SPA
Substâncias Psicoativas
UBS
Unidades Básicas de Saúde
UFBA
Universidade Federal da Bahia
12
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS
09
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
10
1 INTRODUÇÃO
13
2 REDUÇÃO DE DANOS E CONSULTÓRIO DE RUA: CONQUISTAS, LIMITES E
DESAFIOS
21
2.1 O percurso das políticas públicas em saúde no Brasil destinadas a usuários de
substâncias psicoativas
21
2.2 Os movimentos da Redução de Danos e seus desdobramentos nas práticas em
saúde
28
2.3 Especificidades do Projeto Consultório de Rua no município de Fortaleza, Ceará
37
2.4 O Consultório de Rua em interface com a redução de danos
48
3 PRÁTICAS TERAPÊUTICAS EM REDUÇÃO DE DANOS:
O PROJETO
CONSULTÓRIO DE RUA EM FORTALEZA-CE
52
3.1 Redução de danos e subjetividade em espaço urbano: os saberes na prática de
território
52
3.1.1 Configuração dos saberes na Redução de Danos
57
3.1.2 Produção terapêutica nas práticas de território
67
4 O CUIDADO EM SAÚDE: UM CAMINHO PARA A PRODUÇÃO DE PRÁTICAS
TERAPÊUTICAS NO CONTEXTO DA REDUÇÃO DE DANOS
97
4.1 A Redução de Danos na transversalidade da produção de práticas do cuidar
97
4.1.1 Saúde e drogas
97
4.1.2 Práticas do cuidar
105
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
109
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
111
APÊNDICES
120
ANEXOS
125
13
1. INTRODUÇÃO
Ao longo dos últimos anos observa-se que o cenário epidemiológico no Brasil e
em vários outros países cresce quanto ao consumo de drogas lícitas e ilícitas,
desencadeando problemas no que diz respeito ao uso, abuso e dependência de substâncias
psicoativas. Além do crescimento observa-se que o fenômeno aumenta cada vez mais
precocemente
nas
populações,
incluindo
grupos
sociais
menos
favorecidos
(OLIEVENSTEIN, 1980; MELMAN, 1992; LE BRETON, 2003).
Frente a esse caráter de uso, abuso e dependência das drogas psicotrópicas
adquiridas na pós-modernidade, a toxicomania e a farmacodependência se tornaram um
problema de saúde pública. Nesse contexto, o presente estudo objetiva analisar a Política
de Redução de Danos (PRD) aos usuários de substâncias psicoativas por intermédio das
práticas terapêuticas realizadas pelos profissionais do Projeto Consultório de Rua, no
município de Fortaleza, Ceará.
Visando alcançar a proposta de análise deste estudo, elegeram-se como
objetivos específicos:
1. Analisar a concepção dos profissionais atuantes no Projeto Consultório de
Rua sobre Redução de Danos, no município de Fortaleza;
2. Identificar e descrever áreas de Fortaleza onde ocorre a prática dos
profissionais atuantes no Projeto Consultório de Rua;
3. Conhecer as estratégias em Redução de Danos utilizadas na prática dos
profissionais atuantes no Projeto Consultório de Rua do município de
Fortaleza.
O interesse por este estudo surgiu durante as vivências, no curso de Psicologia
da Universidade Federal do Ceará, em atividades de extensão e pesquisa pelo Laboratório
de Psicologia Ambiental – LOCUS; e desenvolvimento de atividades profissionais no âmbito
da Psicologia, em abril de 2008, no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas
(CAPS AD), situado na Barra do Ceará, no município de Fortaleza. No LOCUS estuda-se a
relação do indivíduo com seu entorno. O CAPS AD constitui-se enquanto um serviço extrahospitalar de assistência pública, estatal ou contratado, destinado a cuidar dos problemas
de saúde mental, individual e coletivo, dos usuários de substâncias psicoativas, no nível da
atenção secundária.
A indagação inicial que gerou a construção do objeto dessa pesquisa foi:
Existem práticas terapêuticas na abordagem de rua embasadas pelos ideais da Redução de
Danos?
A prática terapêutica na saúde pública brasileira é orientada e ofertada à
população pelo Sistema Único de Saúde (SUS), considerado a maior política de inclusão
14
social do País, que possui como diretrizes os princípios doutrinários da universalidade1,
integralidade2 e o princípio ético da equidade3, cuja forma de organização e
operacionalização apoiam-se na participação popular, na regionalização e hierarquização,
na descentralização4 e no comando único5 (BRASIL, 1990a).
O SUS agrega à prática em saúde conhecimentos sobre: meio físico, por
intermédio das condições geográficas, água, alimentação, habitação; meios socioeconômico
e cultural, incorporando o emprego, renda, educação, hábitos; e a promoção, proteção e
recuperação da saúde (BRASIL, 2004a).
Dentre as políticas públicas nacionais destinadas ao combate do uso e abuso de
substâncias psicotrópicas, iniciativas estatais e projetos voltados à prevenção e promoção
da saúde e ao tratamento das enfermidades são orientados pelos princípios do SUS, que
preconizam a humanização dos serviços e a articulação entre os diferentes equipamentos
sociais (BRASIL, 2004b).
Assim, em 1994, o SUS inseriu oficialmente no Brasil a Redução de Danos (RD)
enquanto política estratégica no âmbito da saúde pública, tendo como eixo inicial um
conjunto de práticas voltadas para a prevenção da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
(AIDS) e hepatites virais em grupos estigmatizados vulneráveis à transmissão dos vírus pelo
compartilhamento das agulhas e seringas contaminadas durante a prática do uso injetável
de drogas, na maioria dos casos. Essa política, posteriormente, passou a ser utilizada com
maior intensidade no desenvolvimento de ações preventivas e na promoção de saúde junto
aos usuários de drogas, em espaços institucionalizados e abordagens de rua (NIEL,
SILVEIRA, 2008).
A RD é uma política que surge, enquanto estratégia de saúde pública, visando
controlar possíveis consequências negativas associadas ao consumo de substâncias
psicoativas6 (lícitas e ilícitas) sem, necessariamente, interferir na oferta ou consumo,
respeitando a liberdade de escolha, buscando inclusão social e cidadania para os usuários,
em seus contextos de vida marginais, com um modo de atuar clínico e efeitos terapêuticos
eficazes (BRASIL, 2004c).
Essa política oportunizou a criação da categoria profissional “Redutor de Danos”,
cujos integrantes, na sua maioria, são do nível médio de escolaridade e atuam em locais
onde usuários de drogas vivem e convivem, assistindo-os pela promoção da saúde com
acolhimento, construção de vínculos e norteamentos terapêuticos focados no sujeito.
1
Saúde como direito de todos os indivíduos.
Acesso a todos os serviços médicos como direito de todos. Fomento a ações e serviços preventivos, curativos e
coletivos, articulados e contínuos, exigidos em todos os níveis de complexidade de assistência.
3
Reconhecimento das diferentes necessidades da população por meio de ações governamentais diferenciadas.
4
Transferência de ações do governo federal para o estadual ou municipal.
5
Um único gestor comanda as políticas de saúde na rede assistencial de abrangência.
6
Termo farmacológico utilizado atualmente para se referir às substâncias que modificam o funcionamento do
Sistema Nervosos Central.
2
15
Por meio da Lei nº 11.343/2006, a Redução de Danos foi regulamentada como
uma estratégia que se insere nos espaços institucionais por meio das políticas centrais de
saúde do SUS, a exemplo da Política Nacional da Atenção Básica, da Política Nacional de
Saúde Mental, da Política do Ministério da Saúde de Atenção Integral de Usuários de Álcool
e outras Drogas e da Política Nacional sobre Drogas, realinhada em 2004 (BRASIL, 2006).
Em 2009, o Ministério da Saúde selecionou Projetos de Consultório de Rua que
fossem vinculados às secretarias municipais dos diferentes estados brasileiros com o fim de
desenvolver ações destinadas a usuários de drogas em situação de rua. Foram
selecionados 14 municípios7 para executarem abordagem de rua com usuários de
substâncias psicoativas por meio das intervenções clínicas, psicossociais e educativas
(BRASIL, 2010b).
Sob a Portaria nº 122, em 25 de janeiro de 2012, foram definidas as diretrizes de
organização e funcionamento dos Projetos de Consultório de Rua (PCR), considerando
como composição mínima da equipe dois profissionais de nível superior e dois de nível
médio. As ações devem ser conjuntas e integradas às Unidades Básicas de Saúde (UBS) e,
quando necessário, às equipes dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), serviços de
Urgência e Emergência e outros equipamentos sociais (BRASIL, 2012).
Os programas de redução de danos visam acessar e vincular usuários de drogas
a serviços de saúde que promovam a diminuição da vulnerabilidade pela reinserção social
(QUEIROZ, 2001), pelos princípios da busca ativa em locais onde o usuário vive e faz uso
de drogas; o vínculo ético e afetivo na relação entre usuário e agente redutor de danos,
adquirido pela confiança; a abordagem sigilosa, não estigmatizante ou excludente; a
intervenção que instigue o desenvolvimento da autonomia do sujeito; e ações de educação
em saúde que oportunizem novos modos possíveis de relação com as drogas (ROMERO,
2001).
No município de Fortaleza, local de recorte deste estudo, o Programa de
Redução de Danos teve início no âmbito da Rede de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas,
sob a coordenação de colegiado8 desde 2005, que, ao participar da seleção dos Projetos de
Consultório de Rua, promovida pelo Ministério da Saúde, em 2009, obtive êxito.
Em todo o estado do Ceará, Fortaleza foi o único município que atendeu às
exigências para concorrer à seleção do Projeto Consultório de Rua. Por isso o recorte
espacial para esta pesquisa ocorreu somente nesse município. Este PCR teve seu início em
junho de 2010.
7
Dentre as cidades destacam-se: Maceió/AL, Manaus/AM, Salvador/BA, Fortaleza/CE, Brasília/DF,
Uberlândia/MG, Belém/PA, João Pessoa/PB, Curitiba/PR, Recife/PE, Niterói/RJ, Rio de Janeiro/RJ, São
Bernardo do Campo/SP, Guarulhos/SP. (BRASIL, 2010c).
8
O Colegiado de Gestão em Saúde constitui-se por ser um espaço de negociação, pactuação e co-gestão
solidária. Em Fortaleza, o Colegiado de Saúde Mental, no período da pesquisa, constituía-se por um Psiquiatra e
duas Psicólogas que buscavam garantir e aprimorar a aplicação dos princípios do SUS.
16
Esta pesquisa foi submetida à análise do Comitê de Ética e Pesquisa da
Universidade Estadual do Ceará (Anexo A). Devido à obrigatoriedade do cumprimento das
exigências normativas aos princípios éticos da pesquisa envolvendo seres humanos
estabelecidos pela Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de
Saúde (BRASIL, 1998), a pesquisa de campo só iniciou após a devida aprovação. Os
sujeitos convidados a participar do estudo tiveram acesso ao Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (Apêndice A), o qual foi assinado após manifestarem o desejo de participarem
da pesquisa.
Foram considerados para a coleta de dados instrumentos metodológicos como a
entrevista semiestruturada (Apêndice C) e a observação sistemática (Apêndice D) dos
profissionais do Projeto Consultório de Rua (PCR) no exercício de suas atividades. A
entrevista semiestruturada audiogravada teve fontes primárias como dados de identificação
e contemplou questões abertas sobre o tema, sendo realizada em outubro de 2011; a
observação sistemática da prática foi registrada por diário de campo que seguiu alguns
elementos de referência (Apêndice D), durante os meses de janeiro, fevereiro e março de
2012. Na entrevista, se buscou examinar os conteúdos dos discursos e as observações de
campo, que aconteceram de forma sistemática.
Vale ressaltar que a observação sistemática apresenta-se como adequada ao
estudo por viabilizar a descrição precisa do confronto entre as informações apreendidas a
partir das representações dos sujeitos por meio da fala/depoimento e a práxis concreta do
serviço, no momento da ação (LEOPARDI, 2002).
Participaram do estudo cinco sujeitos da equipe do PCR, e os critérios para a
sua inclusão foram: 1 estar no serviço há pelo menos seis meses; 2 disponibilidade de
tempo para a entrevista; e, por fim, 3 aceitar participar da pesquisa.
Esse grupo de sujeitos da pesquisa foi constituído por um Psicólogo, um Redutor
de Danos, um Motorista, um Técnico de enfermagem e um Educador social. Como
característica desse grupo tem-se que todos os sujeitos têm idade variando entre 27 e 53
anos e, dos cinco sujeitos, um tem formação de nível superior, dois, em redução de danos,
um concluiu o curso técnico e dois não têm experiência anterior com saúde mental.
No município de Fortaleza, esses sujeitos da amostra possuem vínculo
empregatício de terceirização com o Instituto de Desenvolvimento Tecnológico e Apoio a
Gestão em Saúde (IDGS).
Objetivando detalhar mais a caracterização dos sujeitos da amostra identificouse os profissionais do Consultório de Rua por colaboradores e a sequência na descrição
destes seguiu a ordem das entrevistas realizadas.
Assim, o Colaborador 1 (C-1) tem 53 anos, é do sexo feminino, ocupa o cargo de
redutora de danos, já trabalhou por dois anos em um Centro de atenção Psicossocial Álcool
17
e outras Drogas, concluiu o nível médio de escolarização, tem cursos em redução de danos
pela Associação Brasileira de Redução de Danos do Brasil e Associação Cearense de
Redução de Danos e está como membro da equipe do Consultório de Rua há um ano e
quatro meses.
O Colaborador 2 (C-2) tem 48 anos, é do sexo masculino, ocupa o cargo de
motorista, não havia trabalhado anteriormente em saúde mental, concluiu o nível médio de
escolarização, tem curso de condutor de veículos - categoria B, e está como membro da
equipe do Consultório de Rua há seis meses.
O Colaborador 3 (C-3) tem 37 anos, é do sexo masculino, ocupa o cargo de
Técnico de Enfermagem, já trabalhou por três anos em um Centro de atenção Psicossocial
e três meses em Hospital Psiquiátrico, concluiu o nível médio de escolarização, tem Curso
Técnico em Enfermagem.
O Colaborador 4 (C-4) tem 27 anos, é do sexo masculino, ocupa o cargo de
Educador Social, não havia trabalhado anteriormente em saúde mental, más no Programa
DST/AIDS, no município de Fortaleza, por um ano, concluiu o nível médio de escolarização,
tem curso em redução de danos pela Associação Cearense de Redução de Danos e está
como membro da equipe do Consultório de Rua há um ano e quatro meses.
O Colaborador 5 (C-5) tem 28 anos, é do sexo masculino, ocupa o cargo de
Psicólogo, já trabalhou por quatro anos em Centro de atenção Psicossocial com prática na
especificidade Geral e Álcool e Outras Drogas, concluiu bacharelado em curso superior,
tem especialização em Saúde Pública e está como membro da equipe do Consultório de
Rua há um ano e quatro meses.
Acrescenta-se que a observação sistemática de campo iniciou em 19/01/2012,
persistindo até 09/03/2012, totalizando 75h. Foram oito semanas, no período de segunda a
sexta de 17h até às 21h, em que foram observadas as práticas terapêuticas dos
profissionais do PCR. Durante a realização da observação sistemática de campo algumas
falas do supervisor da equipe do PCR se fizeram importantes para esse estudo.
Optou-se pela realização de um estudo qualitativo tendo em vista a subjetividade
que circunda os trabalhos com grupos sociais e o sujeito biopsicossocial (MARTINELLI,
1999). Esta escolha embasada na perspectiva crítico-analítica pretende analisar um
fenômeno social e suas relações com o campo da saúde mental pela práxis social
(MINAYO, 2006).
Segundo Minayo (1999), a pesquisa qualitativa:
[...] se preocupa, nas Ciências Sociais, com um nível de realidade que não
pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um
espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que
18
não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO, 1999,
p. 21).
Conforme Minayo (2006) a pesquisa qualitativa se distingue da quantitativa “pela
empiria e sistematização progressiva de conhecimento até a compreensão da lógica interna
do grupo ou do processo em estudo” (p. 57).
Essa sistematização do conhecimento, seguida pela análise dos dados, teve
como passos operacionais:
I - Ordenação dos dados – transcrição e leitura geral do conteúdo das
entrevistas gravadas durante a coleta empírica de material. Posteriormente foram
organizados os dados observados nas entrevistas, objetivando um mapeamento horizontal
do material empírico coletado no campo de estudo, organizando-o em diferentes conjuntos.
II - Classificação dos dados – versa sobre a organização das informações em
que ocorre a relação entre os dados empíricos, objetivos e pressupostos teóricos da
pesquisa. Há uma primeira aproximação com os significados das falas dos sujeitos
possibilitando o surgimento dos núcleos de sentido. Os núcleos de sentido se constituem
por três etapas, referenciadas por Assis et al. (1998).
A primeira etapa constitui-se da leitura do material coletado nas entrevistas e
observações, procurando relações entre as informações obtidas a fim de organizar as
categorias sobre o tema em questão. As ideias centrais foram: saúde; drogas; configurações
dos saberes; práticas do cuidar; produção de saberes nas práticas de território. Essas
categorias centrais contribuíram para a organização das categorias empíricas que
emergiram do trabalho de campo.
As referidas categorias foram selecionadas por meio das falas dos entrevistados
e da observação em diário de campo. Por conseguinte, foi feita a síntese de todos os
trechos selecionados para cada unidade categorial em dois quadros de análise, um para os
profissionais entrevistados e outro para o campo observado. Assim, iniciou-se a leitura
transversal das unidades temáticas empíricas por intermédio do cruzamento das ideias
contidas nesses dois quadros de análise.
Após a leitura transversal, foram selecionados os temas mais relevantes ao
objeto do estudo, assim como as questões orientadoras e os pressupostos teóricos da
pesquisa de que as práticas terapêuticas na abordagem de rua contribuem para a Redução
de Danos, sem serem desconsideradas as representações singulares e específicas dos
sentidos.
A segunda etapa elegeu como subtema da análise empírica a Redução de
Danos e subjetividade em espaço urbano: os saberes na prática de território do Consultório
de Rua; e A Redução de Danos na transversalidade da produção de práticas do cuidar no
Consultório de Rua.
19
Nessas categorias empíricas confrontaram-se os sujeitos do estudo, analisandose a dialética das ideias e suas posições no campo das práticas do Projeto Consultório de
Rua, no contexto da Redução de Danos, em Fortaleza. Esse confronto deu-se por meio das
convergências, divergências, diferenças e complementaridades no processo dinâmico de
(re)construção das práticas dos profissionais do Consultório de Rua, no município de
Fortaleza.
No tocante ao registro das observações, ressalta-se que os dados coletados por
meio desse instrumento foram utilizados durante a análise, na medida em que foi procedida
a sua triangulação (TRIVIÑOS, 1992) pelas categorias empíricas em interface com o
processo metodológico e o referencial teórico.
Na última etapa faz-se a releitura dos textos, objetivando-se identificar os
conteúdos evidentes e ocultos, relacionando-os com as categorias empíricas deflagradas.
Assim, se evidenciam os dados analisados mais relevantes a fim de melhor compreendê-los
e interpretá-los.
Segundo Assis et al. (1998), nessa etapa a análise ocorre pelo encontro da
singularidade do objeto, a partir do que foi vivido, com as relações entre o real
particularizado e social.
Para Minayo (2006), é a etapa em que há a possibilidade de realização de uma
síntese entre o real vivenciado pelos sujeitos sociais da pesquisa, em seu cotidiano, e os
contextos práticos, teóricos e também subjetivo do pesquisador, ambos inseridos em
condições sócio-históricas singulares.
Dessa maneira, os resultados se conformaram, pela configuração analítica do
objeto de estudo, em “Compreensão das práticas de redução de danos: o caso do Projeto
Consultório de Rua em Fortaleza-CE”, sob as seguintes categorias empíricas: Redução de
Danos e subjetividade em espaço urbano: os saberes na prática de território do Consultório
de Rua e A Redução de Danos na transversalidade da produção de práticas do cuidar no
Consultório de Rua, ambas discutidas, respectivamente, nos capítulos 2 e 3.
No primeiro capítulo, que sucede esta introdução, destaca-se o percurso
histórico dos movimentos e ações em Redução de Danos, originários de países da Europa.
Esses movimentos e ações manifestaram seus resultados entre as políticas públicas sobre
drogas, no Brasil, na esfera da saúde. Dessa forma o Ministério da Saúde incluiu a Redução
de Danos como norteador das práticas no Projeto Consultório de Rua (PCR). O PCR existe
enquanto um Projeto Nacional do Ministério da Saúde para atender usuários de substâncias
psicoativas em situação de rua, orientado pela lógica da Redução de Danos.
No capítulo segundo discutem-se as práticas de território do Projeto Consultório
de Rua, no município de Fortaleza, que se especificam a depender dos processos de
territorialização implicados durante as abordagens de rua.
20
No capítulo terceiro reflete-se sobre o cuidado em saúde na perspectiva da
redução de danos.
Nas Considerações Finais apresentam-se algumas conclusões extraídas das
etapas bibliográfica, documental e de campo da pesquisa, ao mesmo tempo em que se
verificam se os objetivos geral e específicos foram parcial ou plenamente atendidos e se faz
algumas recomendações e sugestões, inclusive para o aprofundamento de estudos futuros
sobre a temática.
21
2. REDUÇÃO DE DANOS E CONSULTÓRIO DE RUA: CONQUISTAS,
LIMITES E DESAFIOS
Neste capítulo discorre-se sobre as políticas públicas de saúde que incluíram as
práticas em redução de danos nas novas diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS),
voltadas às drogas, no Brasil, a partir dos diferentes dispositivos de atenção e gestão que
foram se articulando às ações de troca de seringas.
Aborda-se o trajeto da redução de danos desde os seus primeiros movimentos e
ações, originários de países da Europa, que visavam minimizar a contaminação de doenças
infectocontagiosas, até tornar-se um modelo de práticas em saúde, conceituada atualmente
como:
[...] uma política de saúde que se propõe a reduzir os prejuízos de natureza
biológica, social e econômica do uso de drogas, pautada no respeito ao
indivíduo e no seu direito de consumir drogas. (ANDRADE et al., 2001, p.
53).
Descreve-se, também, o dispositivo em saúde denominado Consultório de Rua
que se constitui em um Projeto Nacional desenvolvido pelo Ministério da Saúde voltado para
o atendimento a usuários de substâncias psicoativas em situação de rua, tendo como base
para o desenvolvimento de suas práticas a abordagem da Redução de Danos.
2.1 O percurso das políticas públicas em saúde no Brasil destinadas a
usuários de substâncias psicoativas
O processo de consolidação da Saúde Pública, do século XIX ao XX, no Brasil,
esteve marcado pelo positivismo científico, pelos ideais da democracia liberal, moralidade
burguesa e cristã, assim como pelo construir de uma Nação que deveria se constituir por
populações numerosas e sadias, assim mantidas por intermédio das campanhas de
saneamento que enalteciam o Estado, garantido pela soberania nacional consolidada por
meio do poder militar, das atividades industriais e do mercado em larga escala (MACHADO,
2006).
Acrescenta-se ao século XX a valorização do saber médico que produzia um
discurso sobre a realidade social dos processos de saúde/doença, validada pela habilitação
pericial e intervenções em parceria com as esferas jurídica, educacional (intelectual, física e
sexual), política e moral com vistas ao controle de doenças infectocontagiosas e tropicais.
De tal modo, o enquadre das ações em saúde voltadas ao público usuário de drogas
também ficou centralizado à prática médica, que se legitimava junto ao Estado, ampliando
seu mercado de trabalho (MACHADO, 2006; COELHO, ALMEIDA FILHO, 1999).
22
Na década de 1920, as primeiras medidas legislativas coercitivas ao uso e
comércio de certas substâncias psicoativas aconteciam por intermédio do mecanismo da
justiça criminal, que tinha como parceiro o movimento da medicina detentor de aparato
técnico para legitimar as provas sobre os fatos criminais (MACHADO, 2006; COELHO,
ALMEIDA FILHO, 1999).
Surgem os movimentos contrários às práticas monopolizadoras da medicina
tradicional visando democratizar a saúde frente ao regime de higienização, oriundo dos
dispositivos disciplinares da época. Esses movimentos, desenvolvidos inicialmente no
século XIX, firmam-se, no século XX, principalmente pelas campanhas de saneamento e
reforma psiquiátrica. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 196, institui o Sistema
Único de Saúde (SUS) e assegura a saúde como um direito de todos e dever do Estado
(BRASIL, 1988).
Tanto a Reforma Sanitária quanto a Reforma Psiquiátrica reivindicavam o
acesso universal igualitário à saúde a todos os cidadãos brasileiros. Contudo, foi a Reforma
Sanitária que serviu como alicerce para a concretização das diretrizes da Reforma
Psiquiátrica, no âmbito da saúde mental (ONOCKO-CAMPOS, FURTADO, 2006).
Da parceria entre as políticas em saúde e judiciária, consolidada ao longo da
trajetória das temáticas voltadas às questões do uso e abuso de substâncias psicoativas,
estabeleceram-se, durante a XX Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1998, os
princípios diretivos para a redução da demanda9 de drogas. Nesse evento, após discutir-se
também a redução da oferta10, o Conselho Federal de Entorpecentes (CONFEN) passa a se
configurar Conselho Nacional Antidrogas (CONAD) (DUARTE, 2011).
O CONAD promoveu a criação da Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD)11,
vinculada a Casa Militar da Presidência da República. A SENAD, instituída na gestão
presidencial do governo de Fernando Henrique Cardoso, foi orientada pela Organização dos
Estados Americanos (OEA) (DUARTE, 2011).
Essa secretaria, coordenada inicialmente por um civil, juiz Walter Maierovitche, e
posteriormente pelo general Paulo Roberto Ulchôa, estruturou-se nos moldes do programa
americano antidrogas cuja diretriz política e ideológica era o combate às drogas,
principalmente, aos que faziam uso dela (DUARTE, 2011).
Em meio às práticas punitivas aplicadas aos usuários de drogas surge, no Rio
Grande do Sul, em 1999, a Política Estadual de Educação Preventiva e Atenção ao Usuário
de Drogas, que reconheceu a complexidade do fenômeno das drogas propondo, como
alternativa, a integração das diferentes secretarias sob a coordenação da secretaria geral de
9
Ações voltadas à prevenção, tratamento, recuperação, redução de danos e reinserção social do usuário de
drogas lícitas e ilícitas. (DUARTE, 2011).
10
Atos referentes à repressão da produção ilegal e do tráfico ilícito de drogas. (DUARTE, 2011).
11
Medida Provisória nº 1.669 e Decreto n° 2.632, de 19 de junho de 1998. (DUARTE, 2011).
23
governo. No mesmo ano é criada a Associação Carioca de Redução de Danos (ACRD), com
a participação de técnicos do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de
Drogas (NEPAD) (DUARTE, 2011).
A saúde pública, até o início do século XXI, não realizava ações sistemáticas
para tratamento e prevenção do uso e abuso de substâncias psicoativas. Contudo, a partir
da Lei nº 10.216, do dia 6 de abril de 2001, originária do movimento da Reforma Psiquiátrica
brasileira, se reafirmaram os princípios e diretrizes do SUS garantindo-se serviços de saúde
mental às pessoas com transtornos decorrentes do consumo de álcool e outras substâncias
psicoativas (DELGADO, CORDEIRO, 2011).
Acrescenta-se à consolidação das práticas em saúde ao usuário de drogas o
Decreto Presidencial n° 4.345, de 26 de agosto de 2002, que estabeleceu a Política
Nacional Antidrogas (PNAD). (DUARTE, 2011).
Ainda em 2002, sob a Portaria nº 816/2002, é implementado, no SUS, o
Programa Nacional de Atenção Comunitária Integrada a Usuários de Álcool e outras Drogas.
Esse programa enfatizava a prestação de serviços não hospitalares, articulados em rede,
sob abordagem multidisciplinar, direcionados ao apoio das estratégias em redução de danos
e acessíveis à comunidade, que deveria se apoderar do controle social. Inicia-se o processo
de territorialização na saúde a fim de articular tratamento, prevenção, educação, inclusão
social e intersetorialidade entre os serviços e a comunidade (CRUZ, FERREIRA, 2011).
Ancorado pelo PNAD, em 2003, o Presidente da República, em Mensagem ao
Congresso Nacional, apresentou a urgência por uma nova Agenda Nacional que reduzisse a
demanda de drogas, a partir de três pontos:
“Integração das políticas públicas setoriais com a Política Nacional
Antidrogas, visando ampliar o alcance das ações; descentralização das
ações em nível municipal, permitindo a condução local das atividades da
redução da demanda, devidamente adaptada à realidade de cada
município; estreitamento das relações com a sociedade e com a
comunidade científica” (DUARTE, 2011, p. 34).
Dentre as políticas públicas setoriais no âmbito da saúde, em 2003 é publicado o
documento intitulado “A Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários
de Álcool e outras Drogas”, acordando oferta de serviços voltados à prevenção, tratamento
e reabilitação dos usuários de álcool e outras substâncias psicoativas (BRASIL, 2004b).
Ao ser revisado e republicado em 2004, indicou a criação da rede de atenção
integral a partir da intersetorialidade, contemplando ações de prevenção, promoção e
proteção à saúde. Assim, são implantados os Centros de Atenção Psicossocial, Álcool e
outras Drogas (CAPS AD) (BRASIL, 2004b).
Acerca desse documento destinado às questões do uso e abuso de substâncias
psicoativas, Flach (2010) apresenta a seguinte reflexão:
24
Este documento pode ser considerado um marco político que rompe com as
propostas reducionistas e focadas na abstinência ao conceber o consumo
de drogas na sociedade como um fenômeno complexo que não pode ser
objeto apenas das intervenções psiquiátricas e jurídicas, e exige a
construção de respostas intersetoriais e a participação da sociedade.
(FLACH, 2010, p. 17).
Machado (2006) afirma sobre essa política que suas diretrizes foram construídas
“em consonância com os princípios e diretrizes do SUS e da reforma psiquiátrica brasileira e
dentro de uma lógica ampliada de redução de danos”. (p. 95).
Após essa política, incluem-se na agenda da saúde pública as ações voltadas ao
consumo de substâncias psicoativas recomendadas pela III Conferência Nacional de Saúde
Mental (DELGADO, CORDEIRO, 2011). De acordo com Cruz e Ferreira (2011), a
constituição das ações de saúde em rede torna-se efetiva a partir da incorporação dos:
[...] recursos afetivos (relações pessoais, familiares, amigos etc), sanitários
(rede de saúde), sociais (moradia, trabalho, esporte, escola, esportes etc.),
econômicos (dinheiro, previdência etc.), culturais, religiosos e de saúde nos
esforços de cuidado e reabilitação psicossocial (CRUZ, FERREIRA, 2011,
p. 36).
Conforme Duarte (2011), “o Ministério da Saúde considera que o consumo de
álcool e outras drogas é uma questão de saúde pública e não de segurança pública ou de
polícia” (apud DELGADO, CORDEIRO, 2011, p. 46).
Visando reavaliar os fundamentos da PNAD, em 2004, frente às mudanças
sociais, políticas e econômicas em andamento no País, essa política é atualizada, em
articulação e sob a coordenação da SENAD, por intermédio do Seminário Internacional de
Políticas Públicas sobre Drogas, seis fóruns regionais e um Forúm Nacional sobre Drogas.
(BRASIL, 2004a, DUARTE, 2011).
Após esses movimentos, a política pública, voltada para a temática das drogas,
em 23 de maio de 2005, passa a chamar-se Política Nacional sobre Drogas (PNAD) que
prioriza em suas ações o planejamento e a articulação entre os diferentes equipamentos
sociais e instituições de saúde. (DUARTE, 2011).
Essa política apresenta direções e diretrizes sobre prevenção, tratamento,
recuperação e reinserção social; redução dos danos sociais e à saúde; redução da oferta; e
estudos,
pesquisas
e
avaliações.
Orienta-se
pelo
princípio
da
responsabilidade
compartilhada, segundo o qual governo, iniciativa privada, terceiro setor e cidadãos devem
atuar de forma cooperada e articulada entre si. Esse indicativo descentraliza as ações sobre
substâncias psicoativas no Brasil. (BRASIL, 2008).
Por sua vez, Flach (2010) avalia essa política, observando que, apesar das
ações voltadas para a redução da oferta e da demanda de substâncias psicoativas, há o
investimento na redução de danos, representando “uma importante mudança no discurso
25
quanto ao ideal de uma sociedade abstinente das drogas para uma sociedade protegida do
uso de drogas ilícitas e do uso indevido de drogas lícitas” (p. 15).
Assim, em 23 de agosto de 2006, sob a Lei nº 11.343, cria-se o Sistema
Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD), que coloca o Brasil em destaque
entre as discussões mundiais sobre esse tema ao indicar medidas preventivas contra o uso
indevido de substâncias psicoativas (SPA) e promotoras da reinserção social dos usuários e
dependentes de drogas no panorama internacional, distinguindo o traficante do usuário
dependente, carente por tratamento e leis diferenciadas. Essa lei institui normas para
coerção à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, definindo-os como crimes
(BRASIL, 2006).
A edição dessa lei favoreceu a aproximação da Justiça aos serviços de saúde e
de assistência social, conferindo-lhes um papel central no atendimento a essas pessoas.
(GOMES et al., 2008). Duarte (2011), ao discutir esse novo modelo de concepção da
temática das drogas, faz algumas considerações sob os seus aspectos jurídicos:
A justiça retributiva baseada no castigo, é substituída pela justiça
restaurativa, cujo objetivo maior é a ressocialização por meio de penas
alternativas, tais como: advertência sobre os efeitos das drogas; prestação
de serviços a comunidade em locais/programas que se ocupem da
prevenção/recuperação de usuários e dependentes de drogas; medida
educativa de comparecimento a programa e curso educativo (DUARTE,
2011, p. 35).
Os objetivos do SISNAD consistem em formular a Política Nacional sobre
Drogas, compatibilizando planos nacionais com planos regionais, estaduais e municipais,
estabelecendo prioridades entre as suas atividades por meio da definição de critérios
técnicos, econômicos e administrativos. As diretrizes dessa política estão focadas na
responsabilidade compartilhada entre governo e sociedade no que diz respeito ao tema
colocando ênfase na garantia, e não apenas no reconhecimento desse direito, de tratamento
a dependente e usuário. Essa política prioriza as ações de prevenção e avança no que
tange às políticas de redução de danos (BRASIL, 2006).
Em 2007, tem-se o Decreto nº 6.117, de 22 de maio, aprovando a Política
Nacional sobre o Álcool, que estabelece princípios com vistas a:
[...] elaboração de estratégias para o enfrentamento coletivo dos problemas
relacionados ao consumo de álcool, contemplando a intersetorialidade e a
integralidade de ações para a redução de danos sociais, à saúde e à vida,
causados pelo consumo desta substância, bem como das situações de
violência e criminalidade associadas ao uso prejudicial de bebidas
alcoólicas. (DUARTE, 2011, p. 38).
Observa-se incentivo às estratégias que possam reduzir os danos causados ao
organismo em decorrência do uso indevido de álcool, assim como a necessidade da
26
comunicação formal entre as instituições de saúde e o atendimento ao usuário conforme
suas necessidades. Contudo, o documento não insere medidas específicas referentes à
redução da demanda do álcool às populações vulneráveis, no caso, a população em
situação de rua (BRASIL, 2008).
Atualmente, na rede de atendimento do SUS, aos usuários de álcool e outras
drogas destinam-se a Atenção Básica mediante as Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou as
Equipes de Saúde da Família (ESF). Pesquisa desenvolvida pelo Ministério da Saúde em
2002 constatou que 56% dessas instituições já tinham realizado ações em saúde mental
(DELGADO, CORDEIRO, 2011). A esse serviço, em 2008, apresentam-se os Núcleos de
Apoio à Saúde da Família (NASF), compostos por equipe multiprofissional interdisciplinar
para que sejam realizados atendimentos conjuntos, apoio matricial12, supervisão de casos,
entre outras estratégias (DELGADO, CORDEIRO, 2011).
Acrescenta-se a essa rede em saúde os Centros de Atenção Psicossocial Álcool
e outras Drogas (CAPS AD). Esses centros foram instituídos em 2002 e são especializados
no tratamento de álcool e outras drogas, objetivando, além dos atendimentos em saúde, a
inclusão social (DELGADO, CORDEIRO, 2011).
Existem ainda os Serviços Hospitalares de Referência para Álcool e outras
Drogas, com leitos clínicos para atendimentos de urgência e emergência, visando diminuir
as internações em hospitais psiquiátricos; e a rede de suporte social envolvendo
associações de ajuda mútua e entidades da sociedade civil que complementam a rede de
serviços colocados à disposição dos usuários pelo SUS (DELGADO, CORDEIRO, 2011).
Posteriormente a essa política o Decreto nº 7.179, de 20 de maio de 2010, fazse presente, intitulado Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, com
predisposição ao desenvolvimento de ações intersetoriais imediatas e estruturantes, com
campanhas permanentes de mobilização nacional. Constitui um de seus objetivos, inscrito
no inciso I do art. 2º:
Art. 2º [...]
I - estruturar, integrar, articular e ampliar as ações voltadas à prevenção do
uso, tratamento e reinserção social de usuários de crack e outras drogas,
contemplando a participação dos familiares e a atenção aos públicos
vulneráveis, entre outros, crianças, adolescentes e população em situação
de rua; [...] (BRASIL, 2010a).
Urge a implementação desse plano, que se encontra sob a coordenação geral
do Ministério da Justiça, que envolve a participação de vários Ministérios, Secretarias e
12
É uma proposta que articula os cuidados em saúde mental à Atenção Básica, ou seja, constitui-se por ser um
arranjo organizacional de suporte técnico em áreas específicas às equipes responsáveis pelo desenvolvimento
das ações básicas de saúde para a população (CAMPOS, 1999).
27
Organizações Não Governamentais, pela emergência do recrudescimento nos índices da
violência correlacionados ao uso de drogas (BRASIL, 2010a).
Entre as ações do plano de implementação imediata tem-se operações
encetadas pela Polícia Federal e Estadual, Forças Armadas e Polícia Rodoviária Federal,
em áreas vulneráveis ao consumo e ao tráfico das substâncias psicoativas; prioridades para
a ampliação do atendimento, tratamento e reinserção de usuários de Crack; campanha
nacional de mobilização, informação pelo Observatório Brasileiro de Políticas sobre Drogas,
e orientação com a criação, inicialmente, de um site interativo no “Portal Brasil”
(<http://www.brasil.gov.br>); expansão das ações em projetos como Projeto Rondon e
Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem); capacitações destinadas a
profissionais da rede de saúde e assistência social, educadores e comunidade escolar,
objetivando a formação de multiplicadores em prevenção; e a juízes e equipes
psicossociais, visando uniformizar e implantar práticas e políticas de reinserção social,
conforme a Lei de Drogas (BRASIL, 2010a).
As ações estruturantes do Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras
Drogas, estão organizadas nos seguintes eixos: 1°) integração das ações de mobilização,
prevenção, tratamento e reinserção social, com destaque para as experiências da
Associação Lua Nova, do Projeto Consultório de Rua e Terapia Comunitária; 2°) diagnóstico
da situação sobre o consumo do crack e suas consequências; 3º) campanha permanente de
mobilização, informação e orientação; 4º) formação de recursos humanos através da
capacitação de profissionais e lideranças comunitárias (BRASIL, 2010a).
Vale acrescentar que atualmente, além desse Plano Integrado, da Política sobre
Drogas e da Política Nacional sobre o Álcool, há também a Lei Seca (Lei nº 11.705/08)
(DUARTE, 2011).
Há que se lembrar, também, que na trajetória das políticas públicas, no campo
da saúde, voltadas ao usuário de álcool e outras drogas, conta-se com algumas Portarias do
Ministério da Saúde, apresentadas na sequência:
- Portaria nº 2.197/GM, de 14 de outubro de 2004, que redefine e amplia a
atenção integral para usuários de álcool e outras drogas, no âmbito do SUS (BRASIL,
2004b).
- Portaria nº 1.059/GM, de 4 de julho de 2005, que destina incentivo financeiro
para o fomento de ações de redução de danos em CAPS AD (BRASIL, 2005a).
- Portaria nº 384, de 5 de julho de 2005, que autoriza os CAPS I a realizarem
procedimentos de atenção a usuários de álcool e outras drogas (BRASIL, 2005b).
- Portaria GM/MS nº 1.612, de 9 de setembro de 2005, que aprova as normas de
funcionamento e credenciamento/habilitação dos serviços hospitalares de referência para a
atenção integral aos usuários de álcool e outras drogas (BRASIL, 2005c).
28
Segundo Boiteux et al. (2009), as políticas públicas sobre substâncias
psicoativas promovidas pelo Brasil são reconhecidas como as mais avançadas da América
Latina, assim como também as que são previstas nas convenções internacionais sobre o
tema.
2.2. Os movimentos da Redução de Danos a usuários de substâncias
psicoativas e seus desdobramentos nas práticas em saúde
Os primeiros movimentos relacionados à Redução de Danos aconteceram na
Inglaterra, em 1926, substanciados pelo Relatório Rolleston, documento que estabelecia
direitos aos médicos para a prescrição de opiáceos13 aos usuários de substâncias
psicoativas como uma forma de tratamento. Contudo, esse documento, sem respaldo
político e sistemático, padeceu de legitimidade (LARANJEIRA, 2004).
Esse movimento da Redução de Danos por cerca de cinco décadas manteve-se
inalterado. Entretanto, com o crescimento das doenças imunoadquiridas entre a população
mundial, fenômeno que marcou o cenário internacional no intervalo de 1926 a 1980, países
da Europa reconheceram a necessidade de implementar programas objetivando reduzir o
risco de transmissão do Vírus da Imunodeficiência Adquirida (HIV) e disseminação das
hepatites virais, principalmente entre usuários de drogas injetáveis (MESQUITA, 1998;
LARANJEIRA, 2004).
Esses programas implementados a partir da década de 1980, incluíram a
Redução de Danos como uma estratégia fundamental para o tratamento dos usuários de
substâncias psicoativas objetivando melhores condições de saúde frente à fragilidade das
terapias tradicionais, orientadas pela abstinência (MESQUITA, 1998; LARANJEIRA, 2004).
Na década de 1980, a Holanda teve o seu primeiro programa legalizado de
Redução de Danos em decorrência dos movimentos que discutiam questões referentes à
epidemia de Aids e Hepatite B nas Organizações não Governamentais e associações dos
usuários de substâncias psicoativas injetáveis. Essas discussões emergiram devido às
dificuldades de acesso dos usuários de substâncias psicoativas injetáveis a agulhas e
seringas nas drogarias. O descontentamento dos usuários de drogas injetáveis frente a essa
realidade motivou-os a exigirem das autoridades sanitárias melhorias no acesso às agulhas
e seringas (LARANJEIRA, 2004).
13
São substâncias oriundas do ópio que advém dos cortes na cápsula da papoula, quando ainda verde para se
obter um suco leitoso. Os opiáceos podem ser: naturais quando não sofrem nenhuma modificação, como por
exemplo a morfina e codeína; ou semi-sintéticos ao resultarem de modificações realizadas em laboratórios como
é o caso da heroína (CEBRID, 2012)
29
Mediante essa problemática do uso de drogas injetáveis, as autoridades
sanitárias da Holanda estabeleceram, em acordo com os usuários, que o recebimento das
agulhas e seringas disponibilizadas pelo Estado ficaria condicionado à devolução das
usadas pelos usuários. Essa prática, com a participação de todas as partes envolvidas na
discussão, reduziu em mais de 80% as infecções por HIV-Aids desse grupo (LARANJEIRA,
2004).
Ainda sobre esse período posterior à década de 1980, destaca-se no Reino
Unido o pioneirismo da manutenção de estoque medicamentoso para os usuários de
substâncias psicoativas, em que médicos com licença especial prescreviam heroína
injetável para dependentes de opiáceos, objetivando minimizar os sintomas da abstinência
(LARANJEIRA, 2004).
Além dessa ação do estoque medicamentoso que visou reduzir danos no Reino
Unido, o governo ainda apoiou os serviços direcionados à educação na comunidade, as
trocas de seringas com os usuários de drogas injetáveis, a oferta de moradias e
atendimento hospitalar para estes, dentre outros. Esse investimento em ações que se
destinavam a reduzir os danos decorrentes do abuso de substâncias psicoativas teve como
propósito incentivar a permanência dos seus usuários em tratamento (LARANJEIRA, 2004).
Laranjeira (2004) acrescenta que dentre as ações do Programa de Redução de
Danos desenvolvidas no Reino Unido, policiais foram capacitados a fim de encaminharem
os usuários de substâncias psicoativas aos centros de tratamento, não sendo registrado
Boletim de Ocorrência, caso estes não fossem reincidentes. Ainda de acordo com o autor
supracitado:
[...] este trabalho no Reino Unido tem a função de aliviar os sintomas de
abstinências, atrair o usuário de droga ao programa, estimular a retenção e
prevenir o abandono do tratamento. Com a implantação do programa as
estatísticas da região mostraram diminuição das taxas de criminalidade e
infecção por HIV. (LARANJEIRA, 2004, p. 424).
Práticas exitosas advindas dos Programas de Redução de Danos desenvolvidos
na Europa mobilizaram a Alemanha, na cidade de Frankfurt. Carros móveis, em pontos
estratégicos, trocavam seringas com os usuários de drogas injetáveis e realizavam oficinas
de aconselhamento. A realização da troca de seringas pelas farmácias urbanas e a
acomodação noturna em abrigos também foram práticas ofertadas aos usuários de drogas
injetáveis que se encontravam na situação de rua. Incluíram-se como tratamentos para essa
população em destaque a metadona14 e os centros de urgência médica, onde os usuários
podiam usar drogas injetáveis (LARANJEIRA, 2004).
14
É uma substância produzida em laboratório utilizada principalmente no tratamento dos toxicodependentes de
heroína e outros opióides. Funciona como um analgésico.
30
Ressalte-se que as práticas em Redução de Danos não existem em todos os
países da Europa, pois alguns se posicionam em contrário a essa proposta política
direcionada aos usuários de substâncias psicoativas. França e Suíça são exemplos de
países que são contra os Programas de Redução de Danos (LARANJEIRA, 2004).
Em território brasileiro, a saúde do século XX, marcada pela epidemia da Aids,
principalmente entre os usuários de drogas injetáveis, mobilizou os gestores da saúde.
Surge, então, o Programa Nacional de DST, em 1986, com fins de controlar, ampliar a
política voltada às questões das drogas e garantir o direito a tratamento aos usuários de
substâncias psicoativas injetáveis. Esse programa recebeu recursos financeiros do Banco
Mundial, da Union Nations Office on Drugs and Crime e de outras instituições internacionais.
As ações em Redução de Danos (RD) anteriormente executadas eram desenvolvidas com
recursos das secretarias estaduais e municipais de saúde (MESQUITA, 1998; DOMANICO,
MACRAE, 2006).
Posteriormente, outras instituições destinadas a atender os portadores de HIV
passaram a existir, a exemplo das Organizações não governamentais, do Grupo de Apoio e
Prevenção à AIDS, da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS e do Instituto de
Estudos e Pesquisa em AIDS de Santos. Nesses serviços se iniciaram os debates sobre as
estratégias de redução de danos enquanto política pública de saúde direcionada a usuários
de drogas injetáveis (MESQUITA, BASTOS, 1998).
No ano de 1989 iniciaram-se as práticas da redução de danos, no Brasil, na
cidade de Santos, local onde predominava a maior taxa de infectados pelo vírus da AIDS.
Na ocasião, ao ser criada a Secretaria de Saúde, implantou-se o primeiro programa
destinado à troca de seringas, intitulado Programa Municipal de AIDS, que aconteceu
durante a gestão de David Capistrano, secretário de saúde e militante nas Reformas
Psiquiátrica e Sanitária. Assim, surgiu o primeiro Programa de Redução de Danos no Brasil,
que teve como foco os usuários de drogas injetáveis (MESQUITA, BASTOS,1998).
Contudo, uma intervenção judicial descontinuou a ação, interpretando-a como
incentivo ao uso de drogas. O Poder Judiciário autuou como autores de crime de facilitação
ao uso de drogas os coordenadores do serviço, enquadrando-os como traficantes. Na
ocasião, a lei vigente para a prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de
substâncias entorpecentes, no Brasil, era a Lei n° 6.368, datada de 1976 (BUENO, 1994;
MESQUITA, 1998). Então, o desenvolvimento de práticas na perspectiva da Redução de
Danos em 1989 era compreendido pelo Poder Judiciário em Santos como um crime idêntico
ao tráfico de drogas.
Após esse acontecimento, diversos movimentos surgiram em universidades,
associações de usuários de drogas, organizações governamentais e não governamentais,
31
em que ações de Redução de Danos foram realizadas frente ao crescente consumo de
drogas e a disseminação do vírus HIV (MESQUITA, BASTOS, 1998).
Ressalte-se que em 1990 foi publicada a lei que instituiu o Sistema Único de
Saúde (SUS). Na ocasião, a realidade brasileira referente às questões voltadas à saúde
desse período foi demarcada pela atuação dos movimentos da Reforma Sanitária, da luta
contra a AIDS e da Luta Antimanicomial (MESQUITA, BASTOS, 1998).
O alicerce do SUS teve seu início em 1986, no âmbito da 8ª Conferência
Nacional de Saúde, momento em que o movimento de Reforma Sanitária reuniu mais de
cinco mil delegados de todo o País. Em 1990, as Leis nº 8.080 e 8.142 instituíram o SUS, e
inscreveram a saúde no ordenamento constitucional como um direito de todos e dever do
Estado.
Depois da iniciativa de Santos, Salvador, em 1994, inaugura seu primeiro
Programa de Redução de Danos, coordenado pelo Centro de Estudos e Terapia do Abuso
de Drogas, na Universidade Federal da Bahia (CETAD/UFBA), realizando troca de seringas
com usuários de drogas injetáveis pelo Centro Histórico do Pelourinho. Posteriormente,
essas práticas direcionadas à redução de danos por meio da troca de seringas expandiramse a outros bairros como Engenho Velho da Federação, Ribeira e Calabar (OLIVEIRA,
2009).
Assim, nesse momento histórico, as práticas em Redução de Danos
encontravam-se resguardadas pela universidade, em um ambiente entre pesquisadores que
as desenvolviam enquanto uma pesquisa de extensão.
Em 1997, cria-se a Associação Brasileira de Redutores de Danos (ABORDA) e
diversos fóruns se propõem ao investimento em políticas públicas voltadas para a temática
das drogas. Além da Aborda, surge a Rede Brasileira de Redução de Danos15 (REDUC). Na
ocasião, a categoria redutores de danos inicia o desenvolvimento de ações territoriais
diretas junto aos usuários de drogas (DOMANICO, MACRAE, 2006).
No mesmo ano, em São Paulo, é fundada a Rede Latino-Americana de Redução
de Danos (RELARD), e realizada a IX Conferência Internacional de Redução de Danos,
ocasião em que foi anunciada a regulamentação da Lei nº 9.758/1997, de autoria do
Deputado Estadual Paulo Teixeira, que legitimou e legalizou a troca de seringas, em vigor
até os dias atuais (DUARTE, 2011).
Destaca-se ainda, do período de 1986 até 1997, o Programa Nacional de DST
que visou solucionar a disseminação do vírus HIV (DOMANICO, MACRAE, 2006).
Após esse percurso, o Ministério da Saúde formalizou a Redução de Danos
como política oficial de controle da AIDS. Iniciou-se, então, a implementação dos programas
15
Atualmente é denominada Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos. (NIEL, SILVEIRA, 2008,
p.15).
32
de Redução de Danos em dez estados brasileiros16, “por apresentarem um quadro
epidemiológico com alta notificação de casos de AIDS pelo uso de drogas injetáveis”
(DOMANICO, 2006, p. 75).
Esses programas tiveram como focos prioritários de atuação: escola, centro de
referência nacional, centro de treinamentos, recuperação e reinserção social e projetos de
Redução de Danos (DOMANICO, 2006).
Por outro lado, acerca dos movimentos reivindicatórios e das práticas
diversificadas, no campo da saúde, na cidade de Santos, Lancetti (2009) acrescenta que:
“Não é por acaso que, no Brasil, a primeira experiência tenha sido iniciada
em Santos na época em que essa cidade se transformou num laboratório de
invenção de políticas públicas, com sua dose de confronto com a ordem
instituída. Durante o período de 1989 a 1996, Santos foi a primeira cidade
brasileira sem manicômio; a primeira cidade a reverter epidemiologicamente
o quadro de contágio pelo vírus da aids; a primeira cidade a criar programas
de assistência domiciliar e a inventar uma metodologia de trabalho com
meninas prostituídas e dependentes do crack etc., e também a primeira
cidade a aplicar a metodologia de distribuição gratuita de seringas
descartáveis” (LANCETTI, 2009 p. 79).
Os movimentos emancipatórios em torno das discussões e práticas no âmbito
das políticas públicas em saúde, na cidade de Santos, no período que se estendeu de 1989
até 1996, são justificados por Gastão Wagner Campos (1997) como:
“... nunca seguiram de maneira acrítica nenhuma receita. Ao contrário,
sempre se deram o direito de conhecer o que havia de mais sugestivo para
enfrentamento de cada problema sanitário para, em seguida, adapta-lo à
realidade de Santos. Este foi, aliás, o seu primeiro segredo: nunca se
fecharam em copas, cultivaram-se relações com Itália, Canadá, São Paulo,
Campinas, Icapuí, Londrina, aprendendo como todo mundo e reinventando
o que os outros nem sequer fizeram antes. O modelo de Santos, neste
sentido, é heterodoxo, porém funciona. Funciona defendendo a vida. Eles
ousaram defender a vida no limite do possível. Por isso saíram na frente
tanto em relação a distribuição de seringas para dependentes de drogas,
quanto na aquisição de inventos tecnológicos importantes para a saúde,
conforme aconteceu com as novas medicações para AIDS” (CAMPOS,
1997, p. 11- 12).
Nesse período, a cidade supracitada, por meio do conjunto de ações em RD,
passou a intervir significativamente sobre as questões direcionadas às políticas de drogas,
no Brasil.
No ano de 1997, em Brasília, a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD) realizou
o I Fórum Nacional Antidrogas, momento que resultou em um relatório incluindo “as
Estratégias de Redução de Danos como uma das políticas públicas voltadas para o
enfrentamento da questão das drogas” (NIEL, SILVEIRA, 2008, p. 15).
16
Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul,
Distrito Federal, Ceará e Bahia.
33
Em dezembro de 1997, foi regulamentada, em Santa Catarina, a Lei nº 11.063, e
no Rio Grande do Sul, a Lei nº 11.562, autorizando a Secretaria de Estado da Saúde a
adquirir e distribuir seringas e agulhas descartáveis aos usuários de drogas endovenosas
com fins de prevenir, controlar e reduzir a transmissão de doenças e da AIDS (NIEL,
SILVEIRA, 2008).
Em setembro de 2001, o governador do Espírito Santo sancionou a lei que
autoriza a Secretaria de Saúde a adquirir e distribuir seringas descartáveis aos usuários de
drogas injetáveis, obrigando hotéis, motéis e estabelecimentos similares a fornecerem,
gratuitamente, preservativos aos seus frequentadores (NIEL, SILVEIRA, 2008).
Outros dois estados que regulamentaram a Política de Redução de Danos,
segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2002) foram Mato Grosso do Sul e Minas Gerais,
em 2001.
Nesse contexto, surgiu o Projeto AIDS, que demandou a atuação de uma
categoria específica de agente de saúde, no caso, o redutor de danos. Essa especificidade
profissional foi consolidada pela Política Nacional de Álcool e outras Drogas, compondo-se
de lideranças dos locais onde realizavam o trabalho de campo; profissionais do sexo; ou
usuários de drogas. Inicialmente essa categoria foi capacitada para trabalhar com o público
específico de usuários de drogas injetáveis (DOMANICO, MACRAE, 2006).
Esclarece-se que inicialmente, nos Projetos de Redução de Danos, no Brasil,
existiam duas designações atribuídas aos profissionais que desenvolviam práticas em saúde
com os usuários de drogas - agentes de saúde e agentes comunitários. Os profissionais
Agentes de Saúde eram capacitados para multiplicarem informações sobre AIDS e drogas.
Já os Agentes Comunitários compunham a rede social interativa dos usuários de drogas e,
ao receberem treinamento, atuavam como agentes de saúde, na comunidade. Esses
Agentes Comunitários que desenvolviam práticas em saúde na perspectiva da redução de
danos eram usuários ou ex-usuários de drogas (BRASIL, 2001).
Assim, esse novo profissional denominado “redutor de danos” é um agente de
saúde devidamente capacitado para abordar usuários de drogas e desenvolver atividades
de educação sanitária e inclusão social junto a esse segmento (BRASIL, 2002).
No intervalo entre 1986 e 1998 as pesquisas advindas do Projeto Brasil17,
realizadas inicialmente na cidade de Salvador, em 1994, contribuíram para demonstrar a
importância das práticas de Redução de Danos frente às características epidemiológicas
dos indivíduos usuários de substâncias psicoativas (DOMANICO, MACRAE, 2006).
17
“O projeto Brasil fazia parte de um estudo multicêntrico desenvolvido em sete cidades com alta incidência de
HIV por uso de droga injetável” (DOMANICO, 2006, p. 76).
34
No ano de 2001, surgiu a Associação Baiana de Redução de Danos
(ABAREDA), resultante da mobilização dos agentes redutores do CETAD/UFBA (DUARTE,
2011).
Por sua vez, no início de 2003, o Ministério da Saúde confirmou a existência de
160 projetos de redução de danos em todos os estados brasileiros e a intenção de ampliar
esses serviços foi garantida por meio do SUS, pela política de saúde pública intitulada
Política Nacional de Álcool e outras Drogas (BRASIL, 2004b).
Em seguida, o Ministério da Saúde, em 2005, publicou a Portaria nº 1.028/GM
regulamentando as ações que visam à redução de danos sociais e à saúde decorrentes do
uso de produtos, substâncias ou drogas que causem dependência.
No ano de 2006 surgiu a Lei nº 11.343, que regulamentou a Redução de Danos,
descrevendo-a em seu artigo 20 como estratégia preventiva ou redutora das consequências
negativas associadas ao uso de drogas, desenvolvida por ações de prevenção na saúde,
sem necessariamente interferir na oferta ou consumo, sendo orientada pelo respeito à
liberdade de escolha. Ela considera que:
“Constituem atividades de atenção ao usuário e dependentes de drogas e
respectivos familiares, para efeito desta Lei, aquelas que visem à melhoria
da qualidade de vida e à redução dos riscos e dos danos associados ao uso
de drogas” (BRASIL, 2006, p. 5).
Verifica-se, a partir desse percurso histórico, que as estratégias de Redução de
Danos variam de acordo com a realidade de cada estado. No entanto, esse movimento
histórico de fatos e regulamentações jurídicas da Redução de Danos consolidou-a enquanto
um método clínico-político. Nesse método das práticas em saúde as estratégias clínicas
encontram-se coligadas às posições políticas (CAMPOS, 2000).
Nessa perspectiva, a Redução de Danos foi inserindo-se nos espaços
institucionais por intermédio das políticas centrais de saúde do SUS, como a Política
Nacional da Atenção Básica, a Política Nacional de Saúde Mental, a Política do Ministério da
Saúde de Atenção Integral de Usuários de Álcool e outras Drogas e a Política Nacional
sobre Drogas, realinhada em 2004 (BRASIL, 2006).
As práticas de saúde voltadas ao uso e abuso de substâncias psicoativas, após
pesquisas nacionais com crianças e adolescentes em extrema condição de vulnerabilidade
social (NOTO et al., 1997, 2003). Essas pesquisas realizaram o levantamento sobre o uso
de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua, primeiramente em seis capitais
brasileiras e depois em vinte e sete. Foi verificado o baixo índice das crianças e
adolescentes em situação de rua nos serviços da rede de saúde.
As estatísticas produzidas no âmbito dessas pesquisas nacionais embasaram os
representantes do Ministério da Saúde, durante o Comitê Intersetorial de Acompanhamento
35
e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua, em 2008, para
proporem aos serviços já existentes, no campo da saúde, uma abordagem diferencial à
população em situação de rua (BRASIL, 2008).
Essa proposta para a Política Nacional à População em Situação de Rua prevê,
dentre suas ações estratégicas no âmbito da saúde:
“1. Garantia da atenção integral à saúde das pessoas em situação de rua e
adequação das ações e serviços existentes, assegurando a equidade e o
acesso universal no âmbito do Sistema Único de Saúde, com dispositivos
de cuidados interdisciplinares e multiprofissionais; 2. Fortalecimento das
ações de promoção à saúde, a atenção básica, com ênfase no Programa
Saúde da Família sem Domicílio, incluindo prevenção e tratamento de
doenças com alta incidência junto a essa população, como doenças
sexualmente transmissíveis/AIDS, tuberculose, hanseníase, hipertensão
arterial, problemas dermatológicos, entre outras; 3. Fortalecimento das
ações de atenção à saúde mental das pessoas em situação de rua, em
especial aqueles com transtornos decorrentes do uso de álcool e outras
drogas, facilitando a localização e o acesso aos Centros de Atendimento
Psicossocial (CAPS I, II, III e AD); 4. Instituição de instâncias de
organização da atenção à saúde para a população em situação de rua nas
três esferas do SUS; 5. Inclusão no processo de educação permanente em
saúde dos gestores e trabalhadores de saúde, destacando-se as equipes do
Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), agentes comunitários
de saúde e operadores do Sistema Nacional de Ouvidoria, dos conteúdos
relacionados às necessidades, demandas e especificidades da população
em situação de rua; 6. Divulgação do canal de escuta do usuário: Sistema
Nacional de Ouvidoria, Disque-Saúde (0800611997), junto à população em
situação de rua, bem como das demais instâncias de participação social; 7.
Apoio às iniciativas de ações intersetoriais que viabilizem a instituição e
manutenção de Casas de Apoio ou similares voltadas para pessoas em
situação de rua, em caso de alta hospitalar, para assegurar a continuidade
do tratamento; 8. Incentivo a produção de conhecimento sobre a temática
saúde desta população e aos mecanismos de informação e comunicação; 9.
Apoio à participação nas instâncias de controle social do SUS e ao
processo de mobilização junto aos movimentos sociais representantes
dessa população; 10. Na seleção de agentes comunitários de saúde,
considerar como um dos critérios a participação de moradores de rua e exmoradores de rua” (BRASIL, 2008, p. 20-21).
A esses serviços já existentes no âmbito da saúde foi acrescido, em 2009, pelo
Ministério da Saúde, o Projeto Consultório de Rua, destinado ao atendimento da população
em situação de rua. Esse projeto foi indicado como uma das estratégias para o Plano
Emergencial de Ampliação de Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e outras
Drogas (PEAD). No ano seguinte esse serviço foi também incluído no Plano Integrado de
Enfrentamento ao Crack e outras Drogas (PIEC) (BRASIL, 2010a).
O Consultório de Rua teve suas primeiras ações em saúde efetivadas
inicialmente em 1999, no estado da Bahia, pelo Centro de Estudos e Terapia do Abuso de
Drogas (CETAD) enquanto atividade de extensão da Faculdade de Medicina, na
Universidade Federal da Bahia (UFBA). Na ocasião, o Prof. Antônio Nery Filho desenvolveu
36
o Projeto Consultório de Rua em decorrência do aumento das crianças em situação de rua,
sob uso de drogas, na cidade de Salvador (OLIVEIRA, 2009).
Esse projeto foi concretizado inicialmente em parceria com a Prefeitura Municipal
de Salvador. Posteriormente, por oito anos consecutivos a experiência contou com o apoio
financeiro de outras instâncias governamentais, como o Ministério da Saúde, a Secretaria
Nacional Sobre Drogas (SENAD), a Secretaria de Combate à Pobreza e a Secretaria do
Trabalho e Ação Social do Governo do Estado da Bahia (OLIVEIRA, 2009).
Essa experiência do Consultório de Rua, em Salvador, no espaço urbano,
avaliada no período de 1999 até 2006, oportunizou a sua pertinência enquanto dispositivo
público alternativo para a abordagem de rua aos usuários de drogas em situação de grave
vulnerabilidade social. Além da abordagem, fazia-se também atendimento clínico a esses
usuários com dificuldades na adesão ao modelo tradicional dos serviços da rede de saúde
(OLIVEIRA, 2009).
O Consultório de Rua é um dispositivo para além do modelo biomédico, que se
distancia da lógica de demanda espontânea e abordagem única voltada à abstinência,
caracterizando-se fundamentalmente por oferecer cuidados no próprio espaço da rua,
respeitando o contexto sociocultural da população (BRASIL, 2010c; OLIVEIRA, 2009).
Esse dispositivo também é citado pelo CEBRID como um projeto caracterizado
pela participação ativa de profissionais da saúde junto à população de rua sem que seja
desrespeitado o seu contexto social. Na prática desse projeto, composto por uma equipe
multidisciplinar se procura assegurar a integralidade da assistência atuando sob uma
perspectiva interdisciplinar do cuidado em saúde ao indivíduo (BRASIL, 2010c).
O Consultório de Rua tem como princípios norteadores o respeito às diferenças,
a promoção de direitos humanos e inclusão social, o enfrentamento a estigmas, ações em
redução de danos e intersetorialidade (BRASIL, 2010c; OLIVEIRA, 2009).
O Ministério da Saúde, no ano de 2010, ao conceituar os Consultórios de Rua,
estabelecendo tanto seus princípios, quanto suas diretrizes e objetivos, afirma serem:
“[...] dispositivos clínico-comunitários que ofertam cuidados em saúde aos
usuários em seus próprios contextos de vida, adaptados para as
especificidades de uma população complexa. Promovem a acessibilidade a
serviços da rede institucionalizada, a assistência integral e a promoção de
laços sociais para os usuários em situação de exclusão social,
possibilitando um espaço concreto do exercício de direitos e cidadania. Sua
estrutura de funcionamento conta com uma equipe volante mínima com
formação multidisciplinar constituída por profissionais da saúde mental, da
atenção básica, de pelo menos um profissional da assistência social, sendo
estes: médico, assistente social, psicólogo, outros profissionais de nível
superior, redutores de danos, técnicos de enfermagem e educadores
sociais. Além desses, eventualmente, poderá contar com oficineiros que
possam, estrategicamente, desenvolver atividades de arte-expressão”
(BRASIL, 2010a, p. 10).
37
Para fins de análise sobre em que consistem e como se caracterizam os
Consultórios de Rua, no Brasil, este estudo apresenta no próximo item um recorte da
especificidade do município de Fortaleza.
2.3. Especificidades do Projeto Consultório de Rua no município de
Fortaleza, Ceará
A proposta da abordagem de rua voltada ao atendimento de usuários de
substâncias psicoativas em situação de rua, no âmbito da saúde mental, em Fortaleza,
surgiu após a consolidação dos seis Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas
(CAPS AD) nas respectivas Secretarias Executivas Regionais (SERs) I, II, III, IV, V e VI.
Observou-se que após a consolidação dos CAPS AD existiam resistências de
acesso da população em situação de rua, crescente nos espaços urbanos e usuária de
substâncias psicoativas, às atividades e ações ofertadas pelos serviços da atenção básica e
saúde mental.
Assim, a primeira equipe do Consultório de Rua desse município foi formada em
2010 e teve como abrangência e cobertura territorial o bairro Centro, ilustrado pela Figura 1.
Figura 1 - Localização Geográfica da Secretaria Regional Centro, pelo Google Maps
Fonte: Google Maps, 2012.
O interesse inicial por esse bairro incidiu sob o levantamento de dados realizado
pelo Projeto Ponte de Encontro. O Projeto Ponte de Encontro, situado no município de
Fortaleza, é uma instituição que desenvolve ações junto a crianças e adolescentes em
situação de risco social, pessoal e de moradia ou de permanência no ambiente desfavorável
da rua.
38
Nessa instituição foi observada a presença de 90 moradores em situação de rua,
no período de 2009. Desse total, 67 eram do sexo masculino e 23, do sexo feminino. A faixa
etária de maior prevalência estava entre 13 a 17 anos, com 50 respondentes. Desses 90
moradores, 78 afirmaram fazer uso de drogas (lícitas e ilícitas). Obteve-se como área de
permanência da população em situação de rua, no Centro do município de Fortaleza-CE,
entornos como Cidade da Criança, conhecida por Parque das Crianças; praças (BNB, José
de Alencar, Ferreira, Coração de Jesus, Lagoinha, Estação e Bandeira), cruzamentos,
calçadas de restaurantes e agências bancárias.
Posteriormente, outros bairros situados na Secretaria Executiva Regional II (SER
II) foram assistidos, como Praia de Iracema, Meireles e Vicente Pinzón, ilustrado pela Figura
2:
Figura 2 - Localização Geográfica do território da Investigação no âmbito da Secretaria
Regional II
Fonte:
Prefeitura
Municipal
de
Fortaleza
http://www.fortaleza.ce.gov.br/regionais/regional-II, 2012.
acessado
em
Essa área de cobertura da equipe do Consultório de Rua, no município de
Fortaleza, durante a realização desta pesquisa esteve vinculada à Gestão do Colegiado de
Saúde Mental, sob a lógica da Política de Redução de Danos. Por isso, analisar essa
política foi relevante para se entender melhor as práticas desenvolvidas pelos profissionais
da primeira equipe do Projeto Consultório de Rua.
39
Outro diferencial do Consultório de Rua para a execução de suas atividades em
saúde é um veículo disponível para transportar a equipe de profissionais e os insumos. Os
insumos são: preservativos masculinos; cartilhas preventivas sobre Doença Sexualmente
Transmissível (DST) e saúde bucal voltada à promoção e prevenção da saúde; kit de
higiene bucal composto por escova e pasta dental; panfletos de prevenção às doenças
sexualmente transmissíveis e gel para lubrificação íntima.
Esse veículo se legitima enquanto uma referência para os usuários de
substância psicoativa em situação de rua ao lhes oferecer cuidados em saúde. Há veículos
do Projeto Consultório de Rua que foram grafitados e/ou incorporaram adesivos simbólicos
de cunho significativo em sua carcaça para o segmento jovem. A ideia de o veículo conter
características que despertem a atenção do público jovem, usuário de substâncias
psicoativas em situação de maior vulnerabilidade social, objetiva prover de variáveis
positivas a aproximação inicial para os cuidados em saúde (BRASIL, 2010c).
No município de Fortaleza, o veículo que transporta a equipe e os insumos
caracteriza-se por se tratar de uma Kombi grafitada com contornos bastante coloridos
ilustrando o espaço urbano. O objetivo dos contornos coloridos na Kombi é acessar
principalmente o público jovem, em situação de rua, com a identificação institucional
Consultório de Rua nas laterais, dianteira e traseira, podendo ser observada nas Figuras 3 e
4.
Figura 3: Lateral da Kombi
Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.
40
Figura 4: Destaque da identificação institucional na lateral do veículo
Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.
Acrescenta-se como especificidade dessa Kombi que a mesma só passa por
manutenção quando aparece problemas mecânicos ou necessita de alguns reparos como,
por exemplo, consertos na caixa de marcha.
Outro aspecto relevante do Consultório de Rua é o ponto fixo territorial de
atuação da equipe, que deve ser previamente definido, contemplando o estabelecimento do
local, dia e hora para encontros regulares constantes. Desse modo, objetiva-se criar uma
referência territorial que facilite o acesso dos usuários de substâncias psicoativas aos outros
serviços de saúde (BRASIL, 2010c).
Os outros serviços de referência territorial para prestar maiores cuidados à
saúde da população em situação de rua e usuária de substâncias psicoativas em Fortaleza
são: Centros de Saúde da Família (CSF) Flávio Marcílio e Paulo Marcelo, ambos do terceiro
turno; e o Hospital Geral de Fortaleza (HGF), situado no bairro Papicu.
O ponto fixo territorial se constrói no espaço urbano enquanto um lugar
institucional a partir das abordagens em saúde desenvolvidas, propostas esclarecidas e
postura dos profissionais na relação com os usuários (BRASIL, 2010c).
Em Fortaleza acontece o estabelecimento fixo dos locais de referência, mas os
dias e horários apresentam variações durante a semana, no período noturno. Os dias para a
abordagem de rua acontecem de segunda a sexta e os horários entre o intervalo de
dezessete às vinte e uma horas. Há um cronograma a ser seguido, mas que não é
totalmente operacionalizado na prática, principalmente em razão de algumas intercorrências
41
clínicas. As intercorrências clínicas podem ser observadas pelos sinais e sintomas de:
doenças do trato genitourinário (infecções urinárias), doenças sexualmente transmissíveis,
hepatite A, B e C, infecções do trato respiratório (pneumonia, tuberculose e viroses),
dermatites (erisipela, fungos e escabiose) e lesões com perfuro-cortante. Quando
acontecem essas intercorrências clínicas, um ou dois profissionais da equipe do Consultório
de Rua, juntamente com o usuário, participam de todo o processo do atendimento em saúde
pelo SUS, objetivando estimular a autonomia, caso haja outras necessidades futuras. Esse
segmento da prática no Consultório de Rua, em Fortaleza, objetiva apresentar ao usuário os
seus direitos à saúde, mesmo que não esteja acompanhado por profissionais da saúde em
outras intercorrências futuras.
Na relação com os usuários, a cada nova abordagem renovam-se as
características do trabalho e o propósito da presença do Projeto Consultório de Rua,
diferenciando-o, assim, das outras ações desenvolvidas na rua, como as de cunho caritativo
(BRASIL, 2010c).
Segundo NIEL e SILVEIRA (2008) a abordagem inicial ao usuário de substância
psicoativa em situação de rua é decisória para o desenvolvimento ou não de práticas
terapêuticas. Os autores sugerem alguns passos para a construção de uma relação positiva
entre profissional e usuário:
“a) a primeira meta é apenas estabelecer contato; b) deve se apresentar
portando crachá de identificação; c) explicar claramente os objetivos do
projeto; d)administrar a ansiedade de atingir seu objetivo maior que é o
distribuir kit; e) acolher o usuário e observar sua necessidade no momento;
f) trnsmitir informação sobre prevenção às DST/AIDS e hepatites; g) caso o
usuário aceite, deixar um kit de prevenção” (NIEL, SILVEIRA, 2008, p. 27).
Os profissionais do município de Fortaleza, a cada nova abordagem ao indivíduo
em situação de rua, seguem como passos: 1- apresentação profissional; 2- informação
sobre o serviço; 3- e a proposta de seu trabalho, que foca nas ações em Redução de
Danos. Oferecidos esses primeiros esclarecimentos obtêm-se, como possíveis resultados, o
início de um diálogo, o silêncio que se mantém ou a solicitação para a evasão da equipe do
espaço. Quando há o silêncio a equipe de profissionais permanece no território, mas com
certo distanciamento espacial, a fim de oportunizar o momento subjetivo de aceitação do
usuário no seu desejo pela oferta do serviço e início do diálogo. No caso de solicitação para
a evasão da equipe, os profissionais saem do cenário por alguns dias, contudo,
posteriormente, há novos investimentos com estratégias que visem vinculação em território.
As estratégias são as de distribuição de preservativos e kit bucal até que seja oportunizado
o início do diálogo entre o profissional do PCR e o usuário de substância psicoativa em
situação de rua a fim de que possam ser discutidas as condições de saúde destes.
42
Ressalta-se que durante essa abordagem inicial, na realidade do município de
Fortaleza, os profissionais do Consultório de Rua legitimam sua identificação enquanto
trabalhadores de saúde por posicionarem-se próximos à Kombi, já caracterizada
anteriormente.
Em relação ao financiamento proposto para essa nova modalidade de saúde,
instituiu-se, desde a primeira chamada da seleção dos Projetos Consultório de Rua e
Redução de Danos, como principais componentes para o funcionamento de suas equipes:
[...] a) uma equipe volante, devidamente identificada por crachá e/ou
camiseta, constituída por profissionais da saúde mental, da atenção básica,
técnicos de enfermagem e pelo menos um profissional da área de
assistência social; b) um veículo amplo, capaz de prover o deslocamento da
equipe e armazenamento dos insumos durante as ações; c) insumos para
tratamento de situações clínicas comuns, preservativos, cartilhas e material
instrucional, material para curativos, medicamentos de uso mais freqüente
em tais situações; d) rotina de atividade, contendo os protocolos clínicos
aplicáveis, os fluxos de referência para continuidade da atenção, quando for
o caso, e as intervenções psicossociais e educativas, que levem em conta
as especificidades socioculturais e epidemiológicas locais. (BRASIL,
2010b).
Esses profissionais, durante a realização desta pesquisa, não apresentaram
nenhuma identificação visual para a abordagem de rua, seja por uniformes ou crachás, fato
verificado na pesquisa de campo. Foi uma realidade registrada pela Figura 5. Esse registro
denuncia a falta de condições mínimas para o desenvolvimento das atividades laborais
desses profissionais do PCR em Fortaleza.
Antunes (2005) compreende a classe trabalhadora atual como um conjunto de
seres sociais que vivem para vender sua força de trabalho, são assalariados e desprovidos
dos meios de produção. Conforme o autor, é uma classe-que-vive-do-trabalho e caracterizase por:
“aqueles e aquelas que vendem sua força de trabalho em troca de salário ...
trabalhadores precarizados, terceirizados, fabris e de serviços, part-time,
que se caracterizam pelo vínculo de trabalho temporário, pelo trabalho
precarizado, em expansão na totalidade do mundo produtivo.” (ANTUNES,
2005, p. 52).
43
Figura 5 - Equipe I de profissionais do Projeto Consultório de Rua, no município de Fortaleza
Fonte: Pesquisa direta, 2012.
Acrescenta-se que dentre os principais componentes para funcionamento das
equipes, no município de Fortaleza, foi observado, além da não identificação visual dos
profissionais, a inexistência de insumos diários para as situações das intercorrências
clínicas comuns já mencionadas. O material destinado a curativos como antiséptico, gases,
esparadrapo, luvas, soro fisiológico são ausentes, no entanto se observou, raramente,
apenas o álcool em gel. Na equipe do PCR não há o profissional da área de assistência
social. Os lubrificantes de uso sexual são distribuídos somente aos usuários do sexo
feminino ou travestis e nem sempre estão disponíveis. O material álcool em gel, quando
existente, é usado, principalmente pelos profissionais, para se prevenirem contra doenças
passíveis de contágio durante a vinculação, no espaço da rua.
Durante a rotina das atividades do município em estudo, não foi observado
nenhum registro, pelos profissionais, em prontuário específico, das intercorrências clínicas
com os usuários assistidos, assim como das intervenções psicossociais e educativas
realizadas em campo, ou mesmo das reuniões com outros equipamentos sociais e
supervisões.
No município de Fortaleza, dentre a rotina do Consultório de Rua há a execução
de ações extracampo, pela rede de saúde, junto aos serviços: da Rede de Saúde Mental,
como os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (CAPS AD); da Atenção
Básica, nos Centros de Saúde da Família (CSF), Flávio Marcílio e Paulo Marcelo, ambos do
terceiro turno, por situarem-se próximos à área de cobertura do Projeto Consultório de Rua
44
(PCR), e Hospital Geral de Fortaleza (HGF), situado no bairro Papicu. No acompanhamento
de usuários a esses serviços, caso seja necessário o deslocamento, este é realizado pela
Kombi do PCR, conforme verificou-se na pesquisa de campo.
Acerca das ações a serem desenvolvidas nas ruas pelos profissionais do
Consultório de Rua têm-se os ensinamentos de Oliveira (2009), que ao dissertar sobre
“Consultório de rua: relato de uma experiência” pontuou a relevância da interdisciplinaridade
diante da complexidade do objeto de trabalho dos profissionais no Projeto Consultório de
Rua. Para Oliveira (2009), ante a complexidade da demanda da população em situação de
rua, sugere-se aos profissionais do Consultório de Rua propor intervenções a partir dos
processos dialógicos resultantes da interação entre os saberes. Nessa perspectiva, a autora
pontua que o Consultório de Rua constitui-se a partir da inter-relação dos sujeitos sociais
envolvidos, cujos resultados são construídos dia a dia. A inter-relação desses sujeitos
sociais envolvidos molda-se pelo caráter ético das intervenções, que não impõe técnicas à
população em situação de rua assistida.
Autores como Almeida Filho (1997) e Vasconcelos (2002) discutem a questão da
interdisciplinaridade18 como possibilidade interativa à equipe de trabalho que tem como alvo
de intervenção objetos complexos.
Em Oliveira (2009), a interdisciplinaridade pode ser afirmada nos processos de
trabalho do Consultório de Rua ao longo da consolidação experiencial da abordagem nas
ruas. Segundo a autora:
“[...] a interdisciplinaridade se colocava quase que como uma imposição, na
medida em que a população ia colocando nos técnicos da equipe demandas
de todas as ordens, convocando os profissionais a atuarem nas interfaces
dos vários campos disciplinares que caracterizavam a equipe.” (OLIVEIRA,
2009, p. 68).
A necessidade da interdisciplinaridade surgiu, então, para o Consultório de Rua,
como uma busca por novas maneiras de dialogar e interagir com os distintos campos do
saber, objetivando melhorar os atendimentos, em saúde, à clientela assistida.
Essa interdisciplinaridade é favorecida pela rotina de trabalho do Consultório de
Rua que consiste em:
Atividades extracampo, com os contatos com a rede de saúde e intersetorial
na engenharia das articulações interinstitucionais, o acompanhamento de
usuários quando se fizer necessário, discussão clínica de casos, a
elaboração dos diários de campo e relatórios. Além dessas, na rotina diária
está prevista uma reunião que antecede a ida a campo, com duração de
uma (1) hora, com a presença de coordenador do Consultório de Rua, o
supervisor clínico-institucional e os técnicos da equipe da área a ser
18
A interdisciplinaridade busca conciliar os conceitos pertencentes às diversas áreas do conhecimento a fim de
produzir novos conhecimentos ou mesmo, novas sub-áreas, superando assim a fragmentação deste,
relacionando-o à realidade e aos problemas da vida moderna. É uma trocas entre especialistas (NUNES, 1995).
45
atendida no dia. Neste momento a equipe define quais as melhores
estratégias de abordagem, um planejamento das atividades a serem
realizadas no dia, configurando um processo permanente de avaliação do
processo de trabalho da área. Há ainda a preparação do carro com os
materiais necessários para a realização das atividades, e em seguida a
equipe se desloca para a área de trabalho. O segundo tipo de atividades
são as atividades de campo, que constituem os atendimentos aos usuários
no seu espaço de permanência. Cada profissional desenvolve suas
atividades planejadas e de acordo com as demandas que se apresentarem
no momento. O tempo de permanência não é rígido, variando de acordo
com as demandas. O período de tempo na rua, ou seja, o turno de trabalho
deve ser suficiente para o desenvolvimento de atividades de rotina, como a
distribuição de preservativos, a realização de oficinas de educação em
saúde, atividades lúdicas, consultas clínicas e seus desdobramentos, tais
como orientações e encaminhamentos. Os encaminhamentos podem ser
entre os profissionais da equipe nas interconsultas, ou externos, para os
serviços da rede de saúde e intersetorial. (BRASIL, 2010b, p.15).
Na especificidade do PCR, no município de Fortaleza, as discussões clínicas dos
casos ocorrem no espaço da rua entre psicólogo, técnico de enfermagem e um enfermeiro
vinculado à Coordenação Municipal de DST/AIDS e Hepatites Virais da Secretaria Municipal
de Saúde (SMS), que às vezes acompanha a rota da equipe.
Por outro lado, não foi observada a produção de diários de campo pelos
profissionais da equipe do PCR. Há os relatórios anuais da população assistida por esses
profissionais através de um Mapa de Registro de Atendimentos, conforme Anexo 1, no
formato de planilha que se constitui por: nome, sexo, idade, uso de drogas, substância atual,
avaliação de saúde, ação realizada, insumos, encaminhamentos e campo. Nesse mapa,
consta um quantitativo de 1553 usuários atendidos, durante o ano de 2011. O quantitativo
do mapa se caracteriza por: a maioria dos atendimentos foram realizados ao sexo masculino
sob o uso de substâncias psicoativas, no intervalo de idade entre quatorze e noventa anos;
na amostra a maioria fez uso de mais de uma substância psicoativa e receberam mais de
uma ação realizada nos diferentes espaços a serem discutidos posteriormente nesse
estudo.
Entretanto, sobre esse relatório anual, que devem ser alimentado no dia-a-dia,
durante a abordagem de rua é dispensada à equipe do Consultório de Rua apenas uma
ficha para recolhimento de identificação, idade do beneficiado e insumo distribuído. Os
insumos distribuídos são na maioria os preservativos.
Saliente-se que anteriormente às idas ao campo, durante o período da
observação sistemática, constatou-se que os profissionais da equipe do Consultório de Rua
não tinham nenhuma reunião com a presença de coordenação para definirem as estratégias
de abordagem e o planejamento das atividades a serem realizadas no dia. Assim, diante
dessa realidade, o processo permanente de avaliação do trabalho na área tornou-se
inexistente.
46
As atividades de campo, para atendimento aos usuários em situação de rua,
ocorrem no seu próprio espaço de permanência. Essas atividades do dia-a-dia não foram
objeto de planejamento por nenhum dos profissionais da equipe do Consultório de Rua que
durante nossa observação de campo encontravam-se sem coordenação imediata para a
abordagem na rua. O tempo de permanência da equipe na rua não é rígido, e varia de
acordo com as intercorrências já especificadas.
Dentre as atividades desenvolvidas pelos profissionais podem-se mencionar
aconselhamento de educação em saúde; atividades lúdicas com crianças, por intermédio da
leitura de histórias infantis; testagem rápida de HIV e vacinação contra hepatite viral;
orientações de prevenções à saúde; e encaminhamentos clínicos a hospital de referência e
centros de saúde já mencionados.
Através das práticas terapêuticas no território o lugar do Consultório de Rua,
enquanto dispositivo do campo da saúde, vai sendo demarcado. Há também a oportunidade
da troca de saberes entre os profissionais da área da saúde, na perspectiva da
integralidade. A diversidade das intervenções é favorecida ao se considerar o contexto
sócio-histórico19 de cada sujeito em situação de rua e sob o uso de substância psicoativa
(NUNES, 1995; BRASIL, 2010b; ESPINHEIRA, 2004; MACRAE, 2001).
A articulação dos profissionais do Consultório de Rua com instituições do
Sistema Único de Assistência Social (SUAS) no município de Fortaleza faz-se em parceria
com alguns profissionais do Serviço Especializado de Abordagem de Rua (SEAR), oriundos
da Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS). Ações intersetoriais de articulação
com outros setores do governo e da sociedade civil em áreas como direitos humanos,
educação, justiça e esporte não foram observadas durante o período da pesquisa.
No âmbito da cultura, ação conjunta aconteceu junto ao Centro Urbano de
Cultura, Arte, Ciência e Esporte de Fortaleza (CUCA)20, no período carnavalesco, em 2012,
por intermédio de palestras voltadas à prevenção das drogas e doenças sexualmente
transmissíveis. Houve também parceria com o Vila das Artes21, ao se propor uma atividade
de exposição dos filmes de curta metragem em espaços urbanos aos usuários de
substância psicoativa em situação de rua, contudo, a ação planejada não foi executada no
prazo estabelecido, período em que ainda nos encontrávamos em campo.
Em janeiro de 2012, conforme a Portaria do Ministério da Saúde nº 122, foi
definido que as diretrizes de organização e funcionamento das equipes do Consultório de
19
Por contexto sócio-histórico entendem-se os registros que o homem faz da realidade e das experiências
vividas sem dissociá-lo do mundo social e cultural (BOCK, GONÇALVES, 2002).
20
Esse espaço agrega atividades voltadas para a cultura, o lazer, a educação, o esporte, a formação profissional
etc. Estimula o protagonismo juvenil, disponibiliza espaços de convivência para os jovens, oferece oficinas
especificas para essa faixa etária e possui acervos, equipamentos e atividades direcionadas para a juventude.
21
É um equipamento social da Prefeitura Municipal de Fortaleza que direciona suas atividades para a Formação
em Artes, apoio a produção artística, incentivo a pesquisa e difusão cultural. Oferece gratuitamente diferentes
formatos de cursos e atividades como mostras de filmes, debates, encontros e intervenções artísticas.
47
Rua deveriam seguir os nortes da Política de Atenção Básica, conforme destacado na
sequência:
As equipes do Consultório de Rua integram o componente atenção básica
da Rede de Atenção Psicossocial e desenvolvem ações de Atenção Básica,
devendo seguir os fundamentos e as diretrizes definidas na Política
Nacional de Atenção Básica. (BRASIL, 2012).
Como práticas direcionadas pela Política Nacional de Atenção Básica, as ações
em saúde caracterizam-se pela interdisciplinaridade, regionalização22 e territorialização23,
desenvolvidas em nível primário, ao priorizarem a prevenção, promoção e recuperação da
saúde a partir de processos sociais, culturais, históricos e subjetivos da população assistida.
Essa política representa uma possibilidade estrutural para ações intersetoriais da rede de
serviços em saúde. Propõe-se um modo de cuidar da saúde em superação ao modelo
biomédico e organicista de queixa/conduta, restrita a prescrições medicamentosas e
encaminhamentos para exames e serviços especializados (BRASIL, 2006).
A Redução de Danos como uma política transversal à Política Nacional de
Atenção Básica, alicerçada inicialmente pela Política Nacional de Álcool e outras Drogas aos
usuários de substâncias psicoativas, sofreu alteração em seu método ao se incluir novas
funções e diretrizes. As estratégias da redução de danos, ao serem incluídas nas novas
funções e diretrizes das Políticas Públicas direcionadas às questões das drogas, no Brasil,
são influenciadas pelas necessidades do contexto local, na contemporaneidade. Essas
necessidades se moldaram da dimensão concreta, específica e preventiva de troca local das
seringas, em Santos, para a dimensão abstrata por intermédio da Política Nacional de Álcool
e outras Drogas, que direcionou a Redução de Danos às práticas em saúde promovedoras
dos avanços na qualidade de vida dos seres humanos.
Ainda sobre a realidade dos contextos locais voltados às necessidades humanas
em saúde na contemporaneidade, buscamos no próximo item, esclarecer a proposta da
Redução de Danos na perspectiva do Projeto Consultório de Rua.
22
A Regionalização é um princípio organizacional do SUS e a diretriz que orienta o processo de
descentralização das ações e serviços de saúde. Orienta o processo de identificação e construção
das Regiões de Saúde, nas quais ações e serviços são organizados para garantir o direito da
população à saúde e potencializar os processos de planejamento, negociação e pactuação entre os gestores.
23
A territorialização significa “delimitar e conhecer o território de atuação, mapeando no espaço local os recursos
e formas de organização da comunidade, as diferenças, desigualdades e riscos nas microáreas; identificar
indivíduos, famílias ou grupos com maior vulnerabilidade e/ou risco”. (FRANÇA, S. P., FARIAS, I., COELHO, D.
M. et al, 2011).
48
2.4. O Projeto Consultório de Rua em interface com a Redução de Danos
O Projeto Consultório de Rua é um dispositivo da saúde que visa atender
crianças, adolescentes, adultos e idosos em condições de vulnerabilidade social e em
situação de rua, adotando a Redução de Danos como uma das estratégias de intervenção,
ancorando-se na interdisciplinaridade da equipe multiprofissional (BRASIL, 2012).
No contexto da vulnerabilidade social relativa à questão das drogas, as
diversidades dos modos de usos das substâncias psicoativas são consideradas na
perspectiva sócio-histórica. Daí não ser possível atribuir uma causa universal para o uso
nocivo24, abuso25 ou dependência26 de substâncias psicoativas. (ESPINHEIRA, 2004;
MACRAE, 2001). Para as diversidades dos modos de usos das substâncias psicoativas o
Projeto Consultório de Rua pretende contemplar a singularidade do sujeito ao respeitar as
liberdades de escolhas, propondo alternativas que reduzam os danos à saúde durante o uso
destas.
Como alternativa que diminua os danos à saúde, a Redução de Danos,
enquanto estratégia de trabalho se configura como importante ação na atualidade, por
promover a aproximação e o acesso dos profissionais da equipe do Consultório de Rua à
população usuária de droga em situação de rua. É uma alternativa de saúde pública aos
modelos proibicionistas e de tratamento que reconhece a abstinência como resultado ideal,
sem desconsiderar as alternativas que reduzam os danos (MARLATT, 1999).
Estas estratégias em redução de danos pretendem reduzir os prejuízos de
natureza biológica, social, cultural e econômica aos usuários de substâncias psicoativas,
promovendo-lhes o acesso aos serviços de saúde como uma alternativa, adotando a relação
profissional-usuário como um caminho para a construção de vínculos (MARLATT, 1999).
Seguindo esse pensamento, o foco da Redução de Danos no Consultório de
Rua não é o objeto uso nocivo, abuso ou dependência da substância psicoativa, mas a
melhoria na qualidade de vida do indivíduo pela promoção da saúde. Essa reflexão também
fundamenta-se em Moreira, Silveira e Andreoli (2006), quando afirmam que a Redução de
Danos tem suas propostas transversalizadoras pela promoção da saúde quando ofertam
ações inclusivas por intermédio das parcerias intersetoriais, investindo, assim, na autonomia
dos indivíduos, concebendo-os independentemente do uso.
No trajeto da Redução de Danos houve a transposição das ações únicas
direcionadas à prevenção de DST/AIDS para as estratégias que investem na promoção da
24
Padrão de uso que causa prejuízo físico ou mental à saúde, sem que os critérios para dependência sejam
preenchidos (GALDURÓZ, 2011).
25
Consumo contínuo, apesar de problemas sociais ou interpessoais persistentes ou recorrentes, causados ou
aumentados pelos efeitos da substância psicoativa (GALDURÓZ, 2011).
26
Forte desejo ou senso de compulsão para consumo da substância psicoativa. Abandono progressivo de
prazeres e interesses alternativos, em favor do uso com um aumento da quantidade de tempo para obter, ingerir
ou se recuperar dos efeitos da substância psicoativa (GALDURÓZ, 2011).
49
saúde. Dentre essas estratégias a Redução de Danos é indicada pelo Ministério da Saúde
como uma:
“[...] estratégia de saúde pública que visa reduzir os danos causados pelo
abuso de drogas lícitas e ilícitas, resgatando o usuário em seu papel autoregulador, sem a preconização imediata da abstinência e incentivando-o à
mobilização social – nas ações de prevenção e de tratamento, como um
método clínico-político de ação territorial inserido na perspectiva da clínica
ampliada” (BRASIL, 2004b p. 25).
A clínica ampliada, enquanto diretriz da Política Nacional de Álcool e outras
Drogas, do Ministério da Saúde, concebe os usuários de substância psicoativa como
sujeitos corresponsáveis pela produção de saúde ao se posicionarem de modo ativo na
relação clínica. Outro ângulo a ser explorado na clínica ampliada, dentro da relação
terapêutica, são as ações de território. Nas ações de território a escuta ativa do profissional
volta-se para o sujeito em atendimento, considerando sua singularidade. Nesse contexto, o
saber do especialista não será o único a ser relevante, pois no processo da produção de
saúde consideram-se os sujeitos singulares na sua autonomia (CAMPOS, 1997).
É interessante perceber que na Redução de Danos a clínica ampliada se molda
por intermédio do procedimento clínico-político ao criar novos dispositivos na atenção e
assistência a usuários de substâncias psicoativas. Esses novos dispositivos podem ser
percebidos por intermédio de supervisões, assembleias, incentivos ao conhecimento dos
direitos humanos e direitos constitucionais, criação dos cachimbos de madeiras para
prevenção de Hepatite C entre usuários de crack, substituição de crack por maconha, dentre
outras ações (CAMPOS, 2000).
Por
intermédio
desses
novos
dispositivos
a
transversalização
e
a
operacionalização da Redução de Danos passam a exigir diferentes respostas e
encaminhamentos das diferentes disciplinas e serviços ao integrar questões como AIDS e
drogas nas ações de atenção à saúde (CAMPOS, 2000). Nessa perspectiva, tem-se nas
diretrizes da Política Nacional de Álcool e outras Drogas a Redução de Danos como mais
uma possibilidade de intervenção da prática em saúde na ação de território sobre o tema
drogas.
Acrescenta-se que dentre as ações de atenção à saúde na Redução de Danos,
o desenvolvimento da ação territorial e a promoção da acessibilidade ao SUS ancoram-se
na Política de Atenção Básica, em que a abstinência27 não é o único objetivo a ser
alcançado quando se lida com as singularidades dos sujeitos (BRASIL, 2004b). Nas
singularidades temos aqueles sujeitos que querem parar de usar a substância psicoativa,
porém não conseguem ficar abstênico e os que optam por continuar a usar de um modo que
27
A abstinência é a ausência da substância psicoativa no organismo.
50
não venha a prejudicar as suas atividades diárias como trabalho, atividades de lazer,
estabilidade na relação com família e amigos, alimentação e sono regulares.
Em Laranjeira (2004) se esclarece mais essa questão da abstinência na
Redução de Danos quando “reconhece a abstinência como resultado ideal, mas aceita
alternativas que reduzam os danos” (LARANJEIRA, 2004, p. 425).
No Brasil, essa questão da abstinência versus políticas públicas manifesta-se no
âmbito do Ministério da Saúde sob o seguinte pensamento:
“A abstinência não pode ser, então, o único objetivo a ser alcançado. Aliás,
quando se trata de cuidar de vidas humanas, temos que, necessariamente,
lidar com as singularidades, com as diferentes possibilidades e escolhas
que são feitas. As práticas de saúde, em qualquer nível de ocorrência,
devem levar em conta esta diversidade. Devem acolher, sem julgamento, o
que em cada situação, com cada usuário, é possível, o que é necessário, o
que está sendo demandado, o que pode ser ofertado, o que deve ser feito,
sempre estimulando a sua participação e o seu engajamento. Aqui a
abordagem da redução de danos nos oferece um caminho promissor. E por
que? Porque reconhece cada usuário em suas singularidades, traça com
ele estratégias que estão voltadas não para a abstinência como objetivo a
ser alcançado, mas para a defesa de sua vida. Vemos aqui que a redução
de danos oferece-se como um método (no sentido de methodos, caminho)
e, portanto, não excludente de outros. Mas, vemos também, que o método
está vinculado à direção do tratamento e, aqui, tratar significa aumentar o
grau de liberdade, de co-responsabilidade daquele que está se tratando.
Implica, por outro lado, o estabelecimento de vínculo com os profissionais,
que também passam a ser coresponsáveis pelos caminhos a serem
construídos pela vida daquele usuário, pelas muitas vidas que a ele se
ligam e pelas que nele se expressam” (BRASIL, 2004b p.10).
Resulta que o desafio da Redução de Danos é o desenvolvimento da
democracia que garanta às minorias a possibilidade de expressão e cooperação política,
assim como a disponibilidade para as formas de sustentabilidade financeira a fim de
exercerem funções públicas entendidas como gestão comum (MESQUITA, 1994; CAMPOS,
2000).
Nas estratégias de Redução de Danos tem-se o princípio da transversalidade na
gestão comum. Como exemplos desse princípio podem ser citados, entre os diferentes
serviços de atenção à saúde e espaços políticos, a inserção dos usuários de drogas,
travestis e profissionais do sexo no desenvolvimento das discussões sobre as práticas em
saúde. Esse princípio, para ser legitimado, requer o estabelecimento de vínculos, confiança
e cooperação entre os profissionais da saúde e os usuários de substâncias psicoativas
visando uma maior eficácia na intervenção. Por esse ponto de vista, no campo das
discussões sobre saúde a Redução de Danos direciona sua abordagem para o foco da
relação cuidador-paciente (MERHY, 2002).
Merece destaque na abordagem da Redução de Danos, que a relação cuidadorpaciente segue o princípio metodológico da produção de conhecimento segundo a qual
51
primeiro se deve conhecer para, só após, se intervir. Essa indicação advém das
imprevisibilidades, tanto clínicas quanto políticas, no contexto dos usuários de substâncias
psicoativas de modo que, nas abordagens terapêuticas, se parte do seu saber (BRASIL,
2006).
Ademais, na Redução de Danos se concebe o sujeito em sua dimensão sóciohistórica, pertencente a um lócus, na medida em que o mesmo interage com seu entorno,
fazendo-se sujeito (SARACENO, 2001; TURCK, 2002; BOMFIM, 2003).
Acrescente-se que princípios como dignidade da pessoa humana e direitos
humanos aos usuários de drogas e membros de outros grupos, também estigmatizados e
oprimidos, são ofertados nas diferentes estratégias da Redução de Danos. Nessa
perspectiva, a Redução de Danos pode ser compreendida como um paradigma às
intervenções clínicas de diferentes áreas (MATOS, 2007).
Por fim, a Redução de Danos procura minimizar os possíveis danos que o
consumo de uma substância psicoativa pode causar à saúde na dimensão biopsicossocial
da pessoa, visando à promoção da saúde, cidadania e direitos humanos, levando em
consideração a necessidade real do indivíduo e não o direcionando à lógica da abstinência
ou da internação. Deste modo as intervenções em redução de danos assumem um modo de
cuidado que acolhe o sujeito em seu sofrimento frente às fragilidades sociais circundantes.
Assim, dentre as estratégias e intervenções interdisciplinares e multiprofissionais
no Projeto Consultório de Rua, as práticas em saúde, embasadas pela Redução de Danos,
se voltam para a promoção, prevenção e tratamento por intermédio dos cuidados primários
no espaço da rua (BRASIL, 2010c).
No município de Fortaleza, o Projeto Consultório de Rua, intitulado “Consultórios
de Rua e Redução de Danos: atenção integral ao usuário de álcool e outras drogas em
espaços coletivos”, durante a realização desta pesquisa, não direcionou o desenvolvimento
das atividades em redução de danos para o desenvolvimento das discussões políticas junto
aos usuários de substâncias psicoativas, no período considerado.
As atividades de redução de danos desenvolvidas pela equipe do Projeto
Consultório de Rua, no município de Fortaleza, serão ainda discutidas nos capítulos
seguintes, durante a análise dos dados. A discussão será focada em torno das questões
relacionadas às práticas do cuidar e da territorialização, as quais os usuários de drogas
lícitas e ilícitas estão submetidos.
52
3. PRÁTICAS TERAPÊUTICAS EM REDUÇÃO DE DANOS: PROJETO
CONSULTÓRIO DE RUA EM FORTALEZA-CE
Neste capítulo discorre-se sobre as terapêuticas realizadas pelos profissionais
do PCR em confronto com as dimensões referentes aos saberes em redução de danos e
práticas de território, no município de Fortaleza.
A fim de se situar o leitor quanto ao recorte do estudo em questão apresentamos
algumas características do município de Fortaleza: território localizado no litoral norte do
estado do Ceará, com área espacial de 313,8km2, que se limita ao norte e ao leste com o
Oceano Atlântico e com os municípios de Eusébio e Aquiraz; ao sul com os municípios de
Maracanaú, Pacatuba e Itaitinga; e a oeste com os municípios de Caucaia e Maracanaú
(FORTALEZA, 2007).
Em termos administrativos, o município de Fortaleza possui uma estrutura físicopolítica dividida, operacionalmente, em seis Secretárias Executivas Regionais (SERs). Cada
SER é responsável por desenvolver ações de caráter estrutural, assim como proporcionar o
crescimento e desenvolvimento econômico-social de sua população (FORTALEZA, 2007).
Essas SERs dispõem de um Distrito de Saúde, de Educação, do Meio-Ambiente,
de Finanças, de Assistência Social e de Infraestrutura. Vale ressaltar que também possuem
como órgão gestor a Secretária Municipal de Saúde (SMS) (FORTALEZA, 2007).
Os espaços já apropriados pelos profissionais do PCR ficam localizados nos
bairros Centro, Praia de Iracema e Vicente Pinzón. Para a ocupação desses espaços, o
município, em 2012, contou com duas equipes no PCR, contudo, devido aos critérios de
inclusão e exclusão da amostragem, somente uma equipe participou do processo de coleta
dos dados, conforme já informado na introdução deste estudo.
3.1. Redução de danos e subjetividade em espaço urbano: os saberes na
prática de território
As relações urbanas, segundo Santos (2003), estão cada vez mais globalizadas.
No Brasil, Santos (2003), reconhece que o processo de urbanização nas sociedades
assumiu proporções de constante expansão em território nacional.
Sobre o estudo da categoria território, Santos (1998) a compreende enquanto
uma dinâmica urbana que concebe o espaço em sua totalidade. Por esse entendimento,
atualmente, a noção de território assume novos arranjos em seus conceitos. Conforme
Santos (2004), o espaço existe a partir da inter-relação entre os objetos e as ações
humanas nele produzidas, firmando-se enquanto um produto das relações sociais. Para
esse autor, espaço é concebido como “[...] um conjunto indissociável, solidário e também
53
contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente,
mas como quadro único no qual a historia se dá” (SANTOS, 2004, p. 63).
Por sua vez Haesbaert (2004) aponta a discussão do território a partir de seu
aparecimento e desaparecimento com características de mobilidade e transitoriedade.
Pereira (2000) complementa essa reflexão considerando o conceito de território na
perspectiva de um lugar construído e “produto da apropriação, da valorização simbólica de
um grupo em relação ao espaço vivido” (p. 52), onde, segundo Fontes (2009), as vivências
cotidianas direcionam-se para as sociabilidades primárias e secundárias.
Nessa primeira instância, o habitat mais íntimo e duradouro corrobora uma rede
comunitária mais fechada, enquanto que na sociabilidade secundária, os espaços são
compartilhados e construídos simbolicamente a partir de sociabilidades ancoradas em
práticas institucionais, podendo ser observadas em templos, comunidades e políticas
públicas (FONTES, 2009).
Sobre os espaços, Bourdieu (1983, 1998) afirma que compreende não apenas o
aspecto econômico, mas também o cultural e o social nestes. Segundo o autor, espaço
social é um campo de lutas com atores na perspectiva individual e grupal que, ao
elaborarem estratégias, estabilizam ou melhoram sua posição social. Essas estratégias
estão relacionadas aos capitais econômicos, sociais e culturais.
Bourdieu (1983, 1998) identifica três aspectos do capital social que são: a sua
composição constitutiva; os acréscimos aos sujeitos mediante participação em grupos ou
redes sociais; e as manifestações reprodutivas. Os elementos que irão compor esses
aspectos do capital social serão as redes de relações sociais, a quantidade e a qualidade de
recursos do grupo.
As redes de relações sociais permitem aos diferentes atores o acesso a recursos
atualizados do campo social, a potenciais subjetivos e individuais próprios dos membros do
grupo e à rede durável das relações institucionalizadas de reconhecimento e interreconhecimento mútuo. As relações estabelecidas entre os indivíduos pertencentes a um
determinado grupo advêm do compartilhamento das relações objetivas, do espaço
econômico e social e das trocas materiais e simbólicas. Essas redes sociais proporcionam
ao sujeito sentimentos de pertencimento a um determinado grupo (BOURDIEU, 1983, 1998).
Quanto à quantidade e qualidade de recursos do grupo, o autor está se referindo
às distintas formas de capital (econômico, cultural ou simbólico) singular aos agentes aos
quais o indivíduo esteja ligado. Da mesma forma, os ganhos obtidos pelos sujeitos serão
oriundos da sua participação nos referidos grupos aos quais esteja ligado, apropriando-se
das benfeitorias materiais e simbólicas que contornam os componentes da rede social.
Bourdieu compreende que o capital social tende a ser transformado em capital econômico
ou mesmo em capital cultural (BOURDIEU, 1983, 1998).
54
O capital social é importante às classes porquanto proporciona aos sujeitos a
sua participação em grupos ou redes sociais que venham a lhes absorver, trazendo-lhes
benefícios simbólicos (status ocupacional, por exemplo) ou mesmo salariais. Conforme
Bourdieu (1983, 1998), o campo refere-se ao espaço no qual se manifestam as relações de
poder sob cuja regência ocorrem as distribuições desiguais do quantum social. O quantum
social determina a posição ocupada pelo sujeito. Esse quantum é o capital social. Os
sujeitos que têm o quantum social reconhecido pelo grupo assumem posições dominantes,
enquanto o inverso tende a acontecer com aqueles cujo quantum o grupo não reconhece,
são relegados às posições inferiores do campo.
Campo, para Bourdieu (1998), é o espaço para aonde as lutas e conflitos entre
os
agentes convergem, conforme
a posição
que
estejam ocupando,
sem ser
desconsiderada a sua preservação ou transformação. O que orienta as estratégias dos
agentes (sujeitos) é a posição que detêm no interior do campo.
Por sua vez ao discutir sobre o capital social, numa perspectiva do sujeito
individualizado, Pol (1999), utiliza conceito cunhado por Sansot (1968) para explicar que a
exposição corporal do sujeito em território demarcado, com o fim de conhecer e implicar-se
ao ambiente, acontece via base sensório-motriz.
Esse conhecimento e implicação do corpo no espaço favorecem o resgate do
conceito de apropriação urbana em Korosec-Serfaty (1986), lembrado por Pol (1999),
considerado um processo dinâmico, de interação vivencial do indivíduo com seu meio
externo, suscitando “o sentimento de possuir e gerir um espaço, independente da
propriedade legal, por uso habitual ou por identificação” (p. 45).
A apropriação do espaço urbano enquanto um processo dinâmico exige
movimento e temporalidade próprios. Sobre esse dinamismo, Pol (1996) afirma que na
constituição do conceito de apropriação do espaço coexistem dois estilos circulares, um de
ação-transformação e outro de identificação. Esses dois estilos podem não ocorrer de forma
conjunta ou pode acontecer um e o outro não. A ação-transformação, oriunda de atividade
comportamental, modifica o espaço e promove um significado para o sujeito, compartilhado
ou não com a coletividade. Nesse momento, dar-se-ia o processo formativo da identidade
urbana ou de lugar, em que o espaço apropriado favorece a manutenção do referencial,
espacial e simbólico, e da identidade pessoal e histórica. Essa manutenção de referencial e
identidade vinculados garante à capacidade da autonomia humana.
Segundo Bomfim (2003), apropriar-se é “identificar-se e transformar-se a si
mesmo, a coletividade e o entorno. Isto quer dizer que o que cada um de nós é inclui, de
maneira determinante, os lugares que temos sido e os lugares que somos”. (p. 85).
Por sua vez, Santos (2003), ao entender a categoria território enquanto uma
apropriação social no âmbito político, econômico e cultural, assume ser esta possuidora de
55
característica dinâmica, cercada por conflitos inerentes à própria condição humana de
relacionar-se socialmente. Por isso, nessa perspectiva, tem-se um território fragmentado e
fragmentador, integrado e integrador, que externa as relações políticas e econômicas do
espaço local a polos de decisões globais.
Seguindo na discussão sobre território e apropriação urbana, observa-se,
atualmente, que em paralelo ao desenvolvimento tecnológico e às oportunidades que as
grandes cidades oferecem, no contexto da globalização, a exclusão social aumenta. Sobre a
exclusão social entre as populações sobreviventes à margem da pobreza em espaços
públicos reconhece-se ser derivada de um processo histórico.
Ao se delimitar como campo deste estudo a cidade de Fortaleza, Costa (2007)
comenta que sua organização espacial urbana foi moldada por diversos agentes no âmbito
social, político e econômico em diferentes ações do poder público, setor privado e
moradores, originários de um processo histórico. No século XIX, o município de Fortaleza,
enquanto sede administrativa da província do Ceará, centralizou o poder político e
econômico, aumentando, assim, os “investimentos governamentais e privados em
edificações, infra-estrutura e serviços na capital” (COSTA, 2007, p. 51). Essa centralidade
do poder político e econômico na cidade de Fortaleza proporcionou o seu crescimento
populacional no século XX, que também se operou em decorrência da:
“[...] crise da agricultura cearense, a concentração fundiária e os longos
períodos de estiagem [...] a cidade passa a ser atraente para diferentes
grupos sociais, em virtude do desenvolvimento do comércio e da indústria,
da implantação de infraestrutura e serviços e da oferta de empregos
urbanos. [...] Fortaleza cresceu de forma radioconcêntrica, acompanhando
os grandes eixos viários, em torno dos quais se formaram os bairros mais
antigos” (COSTA, 2007, p. 52).
Nas décadas de 1950 e 1960, nos limites de abrangência territorial do bairro
Centro surgem as favelas da Estrada de Ferro, conhecidas pelas localidades Pirambu,
Morro do Ouro, Poço da Draga e Cinza. Os atrativos para a população migrante sofreram
discrepância nas proporções estatísticas entre a totalidade populacional e a “oferta de
emprego, condições de infra-estrutura e serviços urbanos. Nas periferias alojam-se estes
migrantes, que se mobilizam e pressionam o poder público por trabalho, moradia e serviços
públicos” (COSTA, 2007, p. 77).
Corroborando
a fala de
Costa
(2007)
em
relação ao processo
de
desenvolvimento dos entornos no território fortalezense, Silva (2007) assim se posiciona:
“Em Fortaleza, as favelas, os conjuntos habitacionais mal conservados e as
áreas de risco são marcas de territórios empobrecidos em expansão que
avançam em direção aos municípios vizinhos, convertendo áreas rurais em
espaços sub-urbanizados. Os fluxos migratórios atraem pessoas que vêm
de toda parte em busca da cidade. A maioria chega com dificuldade de
56
ajuste à vida urbana, sem a devida qualificação profissional, numa
conjuntura marcada pelo desemprego e por formas precárias de ocupação
do espaço. A configuração da paisagem de Fortaleza e da área
metropolitana abriga enormes grupos socialmente diferenciados, estando a
maioria, no grupo dos vulneráveis constituídos, principalmente por
migrantes. São pessoas em busca de um lugar na capital. Na área
metropolitana de Fortaleza, os imigrantes constituem praticamente um
quarto da população” (COSTA, 2007, p. 101).
Silva (2007) contextualiza o centro de Fortaleza, trazendo alguns apontamentos
que discutem essa paisagem:
“A precariedade e o déficit que atingem os setores de infra-estrutura,
equipamentos e serviços nas áreas do saneamento básico, habitação,
saúde e educação agravam a situação de pobreza do centro da cidade que
se transformou em centro da periferia. Eles são indicadores das diferenças
estruturais que explicam os enormes desníveis e os contrastes marcantes
entre o centro e outros bairros da cidade. O crescimento acentuado da
população urbana do Ceará engrossa a lista das cidades de porte médio e
reforça algumas das pequenas. Essa população recentemente integrada à
condição de urbana, permanece elegendo o centro de Fortaleza como
núcleo principal de negócios e espaço simbólico do encontro do interior com
a capital” (SILVA, 2007, p. 117).
Silva (2007) conclui que o centro do município de Fortaleza mostra-se “[...]
repartido, fragmentado, configura diversos territórios em seu interior, confirmando sua
condição de espaço privilegiado de negócios, de encontro, de trocas e de múltiplas
atividades” (p. 117).
Apresentada a complexidade que contorna a dinâmica do espaço urbano, temos
para a prática terapêutica na perspectiva da Redução de Danos no PCR um território em
constante movimento e temporalidade próprios, cercado por conflitos intrínsecos do âmbito
político, econômico e cultural, onde ao transformá-lo nos identificamos. Os agentes sociais
ao transformarem esse território por meio do capital social, garantido pelas experiências
pregressas em grupos ou redes sociais, obtêm ganhos simbólicos que podem ser
transformados em capital econômico ou mesmo capital cultural.
No cenário de Fortaleza tem-se para essas discussões dois contextos
entrelaçados, ou seja, de um lado profissionais assalariados que na prática, além de
aumentarem o capital econômico, ampliam seu capital cultural sobre o abuso e dependência
das substâncias psicoativas a partir da troca de saberes prévios oportunizados pelo
desenvolvimento das práticas terapêuticas realizadas durante a abordagem de rua com os
diferentes agentes sociais que são os moradores em situação de rua, os seguranças das
instituições privadas e públicas, os educadores e assistentes sociais e sujeitos que realizam
atividades filantrópicas.
Tais ações de saúde se constituem através das informações sobre doenças
sexualmente transmissíveis e os riscos causados pelo uso inadequado das substancias
57
psicoativas, distribuição de insumos, panfletagem e encaminhamento às instituições de
saúde e vacinação contra hepatite B. Por outro lado, se encontram os usuários das
substâncias psicoativas que ao receberem essas práticas terapêutica dos profissionais do
PCR ampliam o capital cultural sobre a administração da droga no organismo sem causar
muitos danos a saúde.
Assim, no território de Fortaleza a prática terapêutica dos profissionais do PCR
junto aos usuários de substâncias psicoativas atendidos, apresenta uma comunhão entre o
saber técnico, popular e experiências vividas dos agentes sociais nos diferentes espaços
urbanos onde acontece a abordagem de rua. Acerca desses saberes comungados sobre o
assunto dependência de substâncias psicoativas e modo de vida urbana, na perspectiva da
Redução de Danos, seguiremos no item a seguir com uma breve discussão.
3.1.1. Configuração dos saberes na Redução de Danos
Os saberes regidos sob a lógica da Redução de Danos, no município de
Fortaleza, por profissionais que compõem a equipe do Consultório de Rua, refletem
diferentes nuanças a partir do agrupamento de capital cultural que são atualizados no
decorrer da trajetória pessoal e funcional, no campo do fazer em saúde.
Os saberes sobre Redução de Danos dos profissionais da equipe do PCR
permitem inferir que se manifestam enquanto abordagem estratégica e diferenciada de
acesso do usuário de drogas, em situação de vulnerabilidade social, aos serviços de saúde,
como se verifica pelas próprias palavras de um dos entrevistados:
A redução de danos é uma estratégia, uma tecnologia que seja de uma
funcionalidade muito grande e vista como uma possibilidade de acesso do usuário
aos seus direitos. Então, o usuário que quer continuar fazendo uso de qualquer
tipo de substância, continua tendo os seus direitos para fazer algum tipo de
tratamento, a pensar sobre sua saúde, a pensar sobre a forma de uso, mesmo
que ele continue usando. Ele tem mais opções. (COLABORADOR 5).
Trata-se de diferentes estratégias em saúde que oportunizam o diálogo, sem
preconceito, com usuários em situação de abuso e dependência de drogas, pelas calçadas
e guetos da cidade, garantindo-lhes o direito de optar por obter ou não tratamento. Na visão
de um dos entrevistados, essa estratégia consiste na:
“[...] proposta mais viável que eu encontrei, até o momento, para estabelecer um
diálogo com o usuário em uso de drogas”. (COLABORADOR 4).
Essa compreensão da lógica sobre Redução de Danos enquanto uma estratégia
e uma política que reduza os danos à saúde daquele que se encontra em situação de rua
58
apreendida a partir das falas dos profissionais da equipe do PCR constrói o lugar destes
enquanto agentes de diferentes práticas em saúde inseridos no território de zona urbana.
É uma prática de saúde que agente trabalha na rua. (COLABORADOR 2).
Na verdade eu entendo redução de danos como uma política, uma série de
práticas que vêm tentar reduzir os danos à saúde de quem está em uso abusivo
de drogas. (COLABORADOR 3).
Os saberes sobre Redução de Danos são apreendidos não só por leituras
científicas, mas também pela prática na abordagem de rua em que devem estar envolvidos
tanto os profissionais da equipe do Consultório de Rua quanto os usuários de drogas em
situação de rua atendidos, em Fortaleza.
Na atenção de cuidados à saúde, atualmente se prioriza a integralidade
enquanto um processo de construção dos espaços de troca e pactuação entre os
profissionais entre si e os usuários, implantando normas e protocolos dentro do sistema de
saúde, possibilitando que o indivíduo percorra diferentes níveis de atenção, de acordo com
sua necessidade (FERREIRA, 2009).
Ela pode ser observada de duas formas: no nível micro e no nível macro. No
nível micro a integralidade é mais focalizada, pois existe enquanto uma avaliação individual
das necessidades dos usuários, por intermédio de uma abordagem multiprofissional
centrada no espaço do serviço de acolhimento28 que promove a avaliação de risco,
vulnerabilidade. No nível macro segue por uma perspectiva mais ampliada a partir da
articulação entre os serviços de saúde e outros (FERREIRA, 2009). Os serviços de saúde
diferenciam-se a depender da referência em atenção básica, secundária ou terciária que
correspondem, respectivamente, a atendimentos de baixa, média ou alta complexidade.
Contudo, a depender da demanda do usuário estes serviços podem articularem-se a fim de
promoverem atenção integral em saúde.
À integralidade somam-se conceitos como linha de cuidado e territorialização, no
âmbito da saúde, que serão discutidos mais à frente. Entretanto, adianta-se que na linha de
cuidado há um acordo assistencial com foco no usuário, considerado o elemento
estruturante do processo de produção da saúde. É um trabalho contínuo, articulado,
horizontal, de atenção ao paciente, que se realiza por meio de uma abordagem
multiprofissional de acordo com suas necessidades. A organização por linha de cuidado se
dá mediante trabalho em equipe como somatório de ações específicas de cada profissional,
como linha de montagem do tratamento da doença, tendo a cura como ideal (FERREIRA,
2009).
28
Conforme Pinheiro e Mattos (2004) o acolhimento faz-se importante na construção da postura dos
profissionais em receber, escutar e tratar humanizadamente as demandas dos usuários que estejam sendo
assistidos por estes. Implica na responsabilização dos profissionais da saúde pela condução da proposta
terapêutica e corresponsabilização do usuário pela sua saúde.
59
A Linha do Cuidado Integral incorpora a ideia da integralidade na assistência á
saúde, o que significa unificar ações preventivas, curativas e de reabilitação; proporcionar o
acesso a todos os recursos tecnológicos de que o usuário necessita, desde visitas
domiciliares realizadas pela Estratégia Saúde da Família e outros dispositivos como o
Programa de Atenção Domiciliar, até os de alta complexidade hospitalar; e ainda requer
uma opção de política de saúde e boas práticas dos profissionais. O cuidado integral é
pleno, promovido com base no ato acolhedor do profissional de saúde, no estabelecimento
de vínculo e na responsabilização diante do seu problema de saúde (FERREIRA, 2009).
Já na territorialização tem-se a técnica de reordenação do trabalho em saúde de
acordo com o vínculo terapêutico entre equipe e usuários, destacando-se sua importância
no cenário atual da organização da rede e serviços de saúde, bem como das práticas
sanitárias locais. Os objetivos da territorialização em saúde são: 1- Delimitar um território de
abrangência; 2- Definir a população favorecida e apropriar-se juntamente com ela do perfil
da área e da comunidade; 3- Reconhecer dentro da área de abrangência barreiras e
acessibilidade; 4- Conhecer condições de infraestrutura e recursos sociais; 5- Levantar
problemas e necessidades, definindo um diagnóstico da comunidade (continuo); 6Identificar o perfil demográfico, epidemiológico, socioeconômico e ambiental; 7- Identificar e
assessorar-se em lideranças formais e informais; 8- Potencializar os resultados e os
recursos presentes nesse território. Como produto desse processo pode se obter o
estabelecimento de uma rede social solidária, que resultará em melhoria da condição de
saúde da comunidade e dos trabalhadores inseridos nesse espaço e na ampliação de
projetos sociais envolvendo diferentes sujeitos da comunidade na busca de recursos
(FERREIRA, 2009).
Além do conhecimento sobre a integralidade, linha do cuidado integral e
territorialização somam-se ao saber técnico dos profissionais do PCR o conhecimento dos
moradores em situação de rua sob abuso ou dependência de substâncias psicoativas, assim
como também a prática de outros profissionais e supervisão institucional. Foi observado
durante
pesquisa
de
campo
que
profissionais
noturnos
como
seguranças
de
estabelecimentos privados e públicos contribuem com a prática terapêutica do PCR ao
informarem sobre os fatos ocorridos no território, onde se encontram os moradores em
situação de rua. Dentre os fatos narrados temos conflitos como homicídios e agressões
físicas decorrentes da disputa de território ou relações inter-pessoais entre pares afetivos
que resultam na evasão destes para outros territórios.
Hoje o conhecimento da redução de danos vem para mim muito mais das
experiências do que vejo na rua, das coisas que leio de experiências
práticas também, vem muito do que eu vejo da prática das pessoas que
trabalham com a gente, dos usuários que a gente acessa (COLABORADOR
5).
60
Nas trocas de saberes entre esses atores são consideradas as condições
sanitárias de uso da substância psicoativa, assim como o seu manuseio que irão variar a
depender do espaço onde o usuário esteja inserido.
Foram observadas durante a pesquisa de campo condições do uso das
substâncias psicoativas entre os moradores em situação de rua que não consideram os
devidos cuidados à saúde como por exemplo: uso da lata de alumínio para a queima e
inalação da fumaça do crack sem as devidas noções de assepcia; o não descarte do
preservativo durante as relações sexuais a fim de que a utilização deste ocorra para outras
eventualidades; aumento no padrão de uso da substância psicoativa; a não substituição da
droga de uso por outra de efeito menos nocivo; o compartilhar de instrumentais utilizados no
uso da substância psicoativa; o não estabelecimento prévio de um quantitativo da droga a
ser utilizada; o não uso lento da droga para que o tempo de intervalo entre um uso e outro
seja aumentado; uso das drogas com estômago vazio e organismo pouco hidratado; não
recusa da substância psicoativa em período noturno nos espaços públicos.
Na prática terapêutica dos profissionais do PCR, em Fortaleza, orienta-se a
estes moradores em situação de rua, sob o uso de substâncias psicoativas, durante a
abordagem de rua: uso da lata de alumínio somente após assepcia; descarte de
preservativos; diminuição para o padrão de uso da substância psicoativa; substituição da
droga de uso por outra de efeito menos nocivo; não compartilhar instrumentais utilizados
para o uso da substância psicoativa; estabelecer previamente um quantitativo para a droga
utilizada; o uso lento da droga para que o tempo de intervalo entre um uso e outro seja
aumentado; não uso das drogas com estômago vazio e organismo bem hidratado;
investimento na aprendizagem em recusar a substância psicoativa oferecida durante a
estadia nos espaços públicos. Questionamentos sobre o por quê do uso da substância
psicoativa e a motivação do usuário para os devidos cuidados à saúde são levantados pelos
profissionais do PCR durante as abordagens de rua.
Recolhimento de material já utilizado como o crack na lata e informações sobre o
seu descarte não foi observado como orientação dos profissionais do PCR aos moradores
em situação de rua, sob o uso de substâncias psicoativas, durante pesquisa de campo.
Esses saberes em desenvolvimento constante e construídos a partir da relação
entre o profissional da equipe do PCR e o usuário é mediado pela dimensão cultural
existente dentro do contexto de vivências subjetivas, do convívio relacional. Por isso que:
Para quem trabalha com redução de danos vai muito de saberes. Um modo geral
de estar sobre o uso, sobre como se faz uso, como é que se usa aquela
substância, daquele contexto que você está trabalhando. Saberes para a redução
de danos com as pessoas têm muito da convivência, da vivência.
(COLABORADOR 5).
61
As vivências apreendidas durante a prática dos profissionais da equipe do
Consultório de Rua variam ao serem considerados os usuários enquanto sujeitos singulares,
contudo coletivos, que interagem uns com os outros, no ambiente urbano. Na pesquisa de
campo observou-se que uma informação sobre determinada substância psicoativa ser
melhor para a saúde que outra não sofre nenhum impacto na mudança do uso coletivo ao
ser desconsiderado as condições financeiras e vivências anteriores do grupo. Há grupos de
usuários etílicos que não tem interesse em reduzir a quantidade do uso ou mesmo a troca
por outra substância devido à aquisição ser de menos custo financeiro e às experiências
durante a interação entre estes proporcionar-lhes maior prazer na estadia pelas ruas do que
em ambiente doméstico familiar. Isso ocorre porque:
No Consultório de Rua ou em qualquer outro que você trabalha, você tem essa
questão da informação coletiva, onde não só você tem o seu conhecimento, mas
todo o grupo que possa repassar isso de forma clara. (COLABORADOR 3).
Por intermédio das práticas dialógicas entre os diferentes grupos de moradores
em situação de rua e a equipe do PCR, surgem as intervenções possíveis que reduzam os
danos físicos e sociais oriundos do uso usuários das substâncias psicoativas.
As intervenções dos profissionais do PCR em Fortaleza ocorrem a partir da
coparticipação dos usuários em atendimento, respeitando-se os limites deflagrados por este
frente às propostas viáveis para a realidade do contexto em que estão inseridos. Essa
compreensão e atitude de respeito durante as intervenções na abordagem de rua podem ser
observadas pelas falas dos profissionais da equipe do PCR a seguir:
Você está acessando através dos diferentes saberes propostas de que você está
concebendo junto com essa pessoa, a realidade de cultura, a realidade de espaço
físico que ela mora, o contexto social que ela vive. (COLABORADOR 4).
Muitas vezes eu penso de um modo, mas aquele sujeito, que eu estou fazendo a
abordagem, já pensa de outra forma. Então, eu tenho que respeitar o direito e os
limites que eu encontro na rua com o usuário. (COLABORADOR 1).
Os saberes que constituem a dinâmica de determinados grupos, envolvem o
respeito ao tempo e à escolha destes em relação ao consumo das substâncias psicoativas
pelos profissionais do PCR durante a abordagem de rua sob a lógica da redução de danos.
A abordagem de rua orientada por práticas terapêuticas requerem o conhecimento de
diálogos com linguagem própria. (BRASIL, 2010c).
Acerca desses diálogos que constituem a dinâmica de determinados grupos
temos como exemplos da linguagem própria dos usuários de substâncias psicoativas em
situação de rua, no município de Fortaleza, as seguintes frases ou palavras com seus
respectivos significados, coletadas durante os registros no diário de campo, tais como:
1- “tô a fim de trocar uma ideia contigo”, significa “podemos conversar”?;
62
2- “a parada é a seguinte”, significa “o assunto é esse”;
3- “o cachimbo roda entre os usuários durante o uso”, significa “todos usam o
mesmo cachimbo durante o uso da substância psicoativa”;
4- “o nêgo sabe que pode vacilar se continuar nessa linha”, significa “o sujeito
pode ser abordado pela polícia, por outros moradores de rua ou traficantes e sofrer
agressões físicas ou morrer caso não se retire logo de determinado território”;
5- “a turma vazou”, significa “o grupo que encontrava-se em determinado
território se deslocou para outro”;
6- “a boca do soim”, significa “vagina ou ânus”;
7- “o cara colou na minha”, significa “há uma pessoa próxima a outra”;
8- “tá ligado aí?”, significa “fique atento”;
9- “pedo”, significa uma resposta negativa, como por exemplo:
- João onde está sua bolsa?
- Pedo, ou seja, roubaram.
Em outra situação podemos ter o seguinte diálogo com essa mesma palavra:
- João como está sua saúde?
- Pedo, ou seja, mal.
10- “tu vasa”, significa “retire-se daqui”;
11- “Iracema”, significa “muita fome”;
12- “pipoco”, significa “alguém está pronto para atirar em você”;
13- “passar o rodo”, significa “agredir fisicamente outro até a morte”;
14- “vamos para holanda”, significa “reunião de um determinado grupo para o
uso da maconha em lugar específico, como por exemplo, em um mesmo banco de praça”;
15- “pivete”, significa “amigo, companheiro”;
16- “pacatuba”, significa “homossexual passivo ou ativo. No caso o “viado” é o
passivo e o “baitola” é o ativo;
17- “mora”, significa “Entende!, Compreende!”
18- “jorge” ou “bagulho”, significa maconha;
19- “basquetada”, significa a reunião de grupo para alimentação e é realizado o
“piquenique” que significa: em uma lata de tinta são colocados para cozimento o feijão,
arroz, gordura e verduras;
20- “siri dentro de uma lata”, significa uma pessoa com raiva;
21- “to chapado”, significa a fome foi saciada;
22- “avacalhar”, “frescar” ou “tirar sarro”, significam bulling;
23- “diague”, significa segredo;
24- “diague life”, significa um grande segredo;
25- “maricona”, significa bicha velha;
63
26- “dá uma paulada”, significa uma sensação no organismo durante o início do
uso de crack;
27- “disaquenta”, significa “saia daqui”;
28- “manguea”, significa “pedir ajuda ou esmola”;
29- “perdeu play-boy”, significa “quando se é roubado”.
Algumas dessas falas que compõem parte do vocabulário dos moradores em
situação de rua usuários de substâncias psicoativas em Fortaleza, já eram conhecidas por
um profissional do PCR, com vistas a trajetória de sua experiência social, o habitus do
“menino que tava metido no tráfico, que tinha certa parceria” e depois motivou-se a trabalhar
no âmbito da saúde a partir da admiração pelo trabalho de alguns membros da família como
“Findei fazendo um curso de auxiliar de enfermagem, porque eu achei tipo: minha mãe já
era auxiliar de enfermagem, as minhas irmãs, primas”, conforme o relato a seguir:
Eu sou de comunidade, que chamavam antigamente de favela. Minha mãe teve 3
filhos. Ela casou muito cedo. Então com 35 anos ela já tinha os 3 filhos e por sua
vez, já havia se separado, porque meu pai tinha se envolvido com o tráfico e ela
preferiu que agente crescesse num outro ambiente que não fosse aquele.
Descobriu que ainda tinha familiares aqui no nordeste. Aí nós vinhemos do Rio de
Janeiro para cá. Vim primeiro aos 13 anos e voltei aos 16 anos. Tive alguns
problemas de adaptação e isso acabou me deixando numa situação muito
vulnerável, usando os termos de hoje. Então, dentro da situação vulnerável eu fui
um menino que tava metido no tráfico, que tinha certa parceria. Agente era criança
também, e não era algo tão maldoso para mim na época. O meu primeiro lugar de
morada aqui foi no Morro do Moinho, ali no Oitão Preto. Então quando eu cheguei
ali, eu já vinha meio malandro do Rio. Assim, já sabia muito como era a rua,
porque lá agente brincava muito na rua, via como era o movimento e aqui se
tornou uma coisa para mim normal, estar ali brincando com os meninos. Então,
com a separação da minha mãe foi bem complicado, porque ai minhas irmãs, que
eram minha família, estavam separadas: uma tava no Rio de Janeiro, outra tava
morando com minha avó. Então, assim, tinha rolado aquela coisa da família ter se
desagregado de certa forma. Cheguei a usar bagulho que é a maconha, porque
assim: nunca gostei de cocaína, achava a cocaína uma coisa que tipo, deixava a
pessoa num estado que não era legal para mim, porque eu tinha amigos que
usavam e misturavam com álcool. Sempre achei, assim, dessas drogas a mais
pesada da época. Assim, eu sempre tive um limite. Eu não queria decepcionar a
minha mãe, nem tão pouco fazer merda da minha vida. Eu preferia usar a
maconha porque me deixava mais tranquilo, ainda mais eu que sou meio agitado,
mas nunca foi um uso tão presente. Tanto que assim, eu passei os últimos 10
anos sem fazer uso de nada, nem álcool, porque assim, eu não bebo, até porque
tive conhecimento de história de famílias próximas da minha e isso me causou
medo. Aversão mesmo a figura do bêbado. Então, eu tive essa construção. A
droga, a questão de violência, o próprio preconceito que existe em torno de um
espaço que é comunidade - isso meio que me rotulavam como alguém que não
teria um futuro. Agente pode ver isso aí em qualquer propaganda de ONG, em que
criança diz que se não tivesse naquela ONG, vai tá roubando, matando ou, sei lá,
tá se drogando... Conheci o movimento negro, que me foi apresentado por outras
pessoas que também eram da comunidade e lá eu me distancio da questão das
drogas e passo a militar no movimento negro. Do movimento negro, conheço o
movimento estudantil, o movimento hip hop que acabam agregando outros valores
para as perspectivas de ser humano que eu tenho. Findei fazendo um curso de
auxiliar de enfermagem, porque eu achei tipo: minha mãe já era auxiliar de
enfermagem, as minhas irmãs, primas. Eu tinha uma vivência de saúde, tava ali
perto, cuidando, aprendendo a cuidar. Então para mim foi natural. Só que a saúde
64
mental acontece só há 3 anos para mim. Eu tinha aversão a trabalhar com saúde
mental, pois eu não tive uma experiência muito boa nos meus estágios como no
Nosso Lar, onde passei três meses e chutei o balde, o pau da barraca porque eu
não agüentava ver gente gente empilhada como bicho. Ai fui trabalhar no CAPS,
com uma proposta inovadora, de trabalhar com aquelas pessoas numa outra
perspectiva que não fosse aquela que eu vi dentro do manicômio... Foi um salto
pra mim, porque assim, eu consegui compreender que outras pessoas também
tinham essa mesma perspectiva ou se não tinha, pelo menos, iam para lá para
fazer isso, porque eram pagas para fazê-la ... E assim, me adaptei bastante. Hoje
eu tô no Consultório de Rua numa proposta nova de trabalhar com criança e
adolescente no espaço de rua que são usuários de qualquer tipo de substância
tentando me desenvolver o melhor possível, até para compreender com quem eu
estou lidando. (COLABORADOR 3).
Conforme o relato abstrai-se que o saber adquirido pela vivência nas ruas, a
partir da trajetória de vida, pode oportunizar um desempenho diferenciado na construção de
práticas terapêuticas na abordagem de rua.
Essa narrativa ocorreu no período da coleta de dados por meio da entrevista
semiestruturada. Pela observação sistemática da pesquisa de campo e nos bate-papos
casuais, durante as práticas do PCR, foi possível identificar, no modo de ser/agir do
profissional em destaque, uma maior intimidade para a formação de vínculos junto aos
usuários durante a abordagem de rua. Foram cenas que envolveram respeito, limites
relacionais e confiança como, por exemplo: enquanto esse profissional fumava tabaco um
usuário manifestou uma postura agressiva, através de falas e movimento corporal, ao pedirlhe o cigarro sem obter êxito.
Na ocasião, o profissional além de não compartilhar o tabaco ainda orientou ao
usuário sobre a importância do desenvolvimento da atividade laboral para a aquisição deste.
Essa relação resultou em encontros posteriores na rua em que o usuário sempre estava
esperando o profissional nem que fosse para um aperto de mão. Tratou-se da abordagem
de rua que se utilizou do diálogo e experiências pregressas do profissional, adquirido
durante a infância e adolescência, narrado pelo Colaborador 3 em:
“Cheguei a usar bagulho que é a maconha, porque assim: nunca gostei de
cocaína, achava a cocaína uma coisa que tipo, deixava a pessoa num estado que
não era legal para mim, porque eu tinha amigos que usavam e misturavam com
álcool. Sempre achei, assim, dessas drogas a mais pesada da época. Assim, eu
sempre tive um limite ... Conheci o movimento negro, que me foi apresentado por
outras pessoas que também eram da comunidade e lá eu me distancio da questão
das drogas e passo a militar no movimento negro. Do movimento negro, conheço
o movimento estudantil, o movimento hip hop que acabam agregando outros
valores para as perspectivas de ser humano que eu tenho. Findei fazendo um
curso de auxiliar de enfermagem” (Colaborador 3).
Em função destes traços e dos desdobramentos que eles acarretam, a equipe do
PCR vai se institucionalizando no espaço urbano de Fortaleza a cada encontro oportunizado
pela abordagem de rua.
65
A prática terapêutica da abordagem de rua do profissional Colaborador 3
envolveu ações, observadas durante pesquisa de campo, como: contação de histórias
infantis voltadas a saúde bucal, distribuição de preservativos, encaminhamentos ao CAPS
AD da SER II, vacinação contra hepatite B e aconselhamentos sobre formas diferentes do
uso de drogas que reduz os riscos à saúde.
Cabe também registrar aqui que a prática terapêutica da abordagem de rua ao
promover interação entre os diferentes atores sociais em meio aos contornos do espaço
urbano público favorece a formação da identidade profissional dos agentes da equipe do
PCR (BRASIL, 2010c). Segundo Bourdieu (1983, 2003) o desenvolvimento da identidade
profissional não desconsidera a vivência pessoal. Dessa maneira o lugar de construção da
identidade profissional irá favorecer ou não a consolidação do serviço Consultório de Rua na
comunidade (BRASIL, 2010c).
Pierre Bourdieu (1983, 1994, 2001a, 2001b, 2003, 2007), teórico clássico da
sociologia contemporânea, desenvolveu seus estudos pensando a sociedade sob o foco do
espaço em sua dinamicidade, constituído pelas diferentes transformações executadas pelos
sujeitos em interação. Esse autor, ao refletir sobre espaço social, desenvolveu o conceito de
campo e habitus para compreender a dinamicidade mediante a inter-relação entre os
sujeitos.
Bourdieu (1994, 2003) compreende que na prática profissional a partir do
desenvolvimento de determinadas ações dos indivíduos, estes acabam por compararem as
situações atuais com outras já vividas. Durante pesquisa de campo o Colaborador 3 ao ser
abordado por crianças que no momento vendiam bombons no Parque das Crianças
perguntou-lhes como estava a relação delas com a escola, amigos e família. Ao ser
finalizado esse diálogo, o Colaborador 3 ao relatar sobre suas vivências anteriores no
espaço da rua à pesquisadora, durante pesquisa de campo, comentou sobre sua infância
afirmando que:
“... dentro da situação vulnerável eu fui um menino que ... quando eu cheguei já
vinha meio malandro do Rio. Assim, já sabia muito como era a rua, porque lá
agente brincava muito na rua, via como era o movimento e aqui se tornou uma
coisa para mim normal, estar ali brincando com os meninos”. (Colaborador 3).
Conforme Bourdieu (2001c), o habitus possibilita aos sujeitos fazerem escolhas
na realização de suas práticas e de suas representações, evidenciando que possui uma
dimensão de dinamicidade, de plasticidade, de mutabilidade. Entretanto, sempre sua pré–
constituição será oriunda da classe social ou coletivo no qual esse sujeito viveu e realizou
sua aprendizagem social/cultural (BOURDIEU, 2001c).
O autor (2001b) ainda acrescenta que a ação prática é resultante da relação
entre um habitus e uma situação concreta. Tendo em vista estas considerações
66
compreendemos a abordagem de rua como uma situação concreta da prática terapêutica
em saúde, orientada sobre determinadas condições sociais e históricas específicas, através
de seus profissionais que promovem ações a partir de arranjos do passado orientadores das
ações do presente, sob constante reformulação.
Ainda em relação ao indivíduo congregar a peculiaridade do campo de práticas
em saúde a partir da mediação de sua própria trajetória social dispõe-se da seguinte fala:
A demanda da rua eu tenho que saber dividir, eu tenho que deixar a demanda que
encontrei na rua para não jogar na minha casa, porque muitas vezes os conflitos
são tão sérios que deixa agente muito baratinada no manejo de resolver os
problemas da rua”. (COLABORADOR 1).
Esse colaborador apresentava maior interesse para uma abordagem de rua
voltada ao público adulto, por meio dos aconselhamentos e distribuição de preservativo,
verificado na pesquisa de campo. Teve como trajetória social uma infância restrita às
condições do ambiente rural, sob muitas privações, principalmente no que diz respeito à
rede social. Ao sair do ambiente doméstico foi oportuno o desenvolvimento de atividades
laborais em espaço urbano, como também a ampliação da interação em rede social. As
atividades laborais possibilitaram o desenvolvimento das práticas relacionais no ambiente
doméstico. Essas reflexões são passíveis de serem observadas na fala de um dos
entrevistados, na sequência:
Eu não lembro da minha infância. Eu não tive infância ... Porque eu morava no
interior e a minha infância foi só estudar. Trabalhava numa horta. Ia sempre
porque trabalhava com meus pais. Tinha que fazer carvão, plantação, machucava
no fio do roçado ... Tenho 6 irmãos e sou a mais nova. Minha adolescência passei
toda em São Paulo, porque eu dei muito trabalho aos meus pais. Eu era privada
de sair em festa. Diziam que eu era muito danada. Eu era muito arengueira, eu
arengava muito, dei até na professora. Fui para São Paulo com meu irmão mais
velho e minha irmã mais velha. Meu irmão trabalhava e morava por lá. Ele
trabalhava num aeroporto, onde meu primeiro trabalho foi no Aeroporto de
Congonhas. Me casei com um cearense, ai vim pra cá. Fui para São Paulo aos 12
anos e voltei com 19 anos. Depois fui para recife para passear. Tenho 2 filhos
meus e 2 que eu criei ... Tenho um bebê de 1 ano e 8 meses - eu to a coisa mais
linda de vó-, mas cada macaco no seu galho. (COLABORADOR 1).
Na abordagem de rua, por meio do diálogo, adquirido a partir da interação do
saber vivencial com o técnico, no cruzamento entre a história pessoal e a relação com a
instituição, o sujeito, no seu lugar de profissional, desenvolve-se sob o senso prático, sem
desconsiderar os acontecimentos históricos. Através dos processos cognitivos os
profissionais do PCR podem identificar que saberes são passíveis de serem selecionados,
combinados, mobilizados para a prática direcionada ao público de sujeitos em situação de
rua, usuários de substâncias psicoativas (BOURDIEU, 2001c, 2003).
67
Por fim, a abordagem de rua, na perspectiva de Bourdieu (1983, 1994, 2001c,
2003, 2007), pode ser traduzida como decorrente das aprendizagens construídas ao longo
das vivências pessoais, profissionais e das práticas em saúde.
3.1.2. Produção terapêutica nas práticas de território
No tocante às práticas em saúde no território, o Ministério da Saúde (BRASIL,
2010c) preconiza que o primeiro movimento da equipe dos profissionais do PCR deve ser o
mapeamento da área de abrangência. Esse mapeamento, no município de Fortaleza,
centralizou-se, inicialmente, em 2010, na área de cobertura da Secretaria Regional do
Centro, expandido, por conseguinte, à Secretaria Executiva Regional II (SER II) por
comportarem mais sujeitos em situação de rua.
Como atividade inicial desse processo, os profissionais do Consultório de Rua
realizaram contatos com outros profissionais pertencentes à Secretaria Municipal de
Assistência Social (Semas) por já desenvolverem abordagem de rua pelo Centro da cidade,
localizado na SER II.
Através dessa ação, os profissionais do Consultório de Rua adquiriram
informações prévias acerca da dinâmica urbana existente entre os moradores em situação
de rua, usuários de substâncias psicoativas, da SER II, uma das áreas de prevalência do
fluxo da população, principalmente no turno da noite. O início da abordagem pelas ruas de
Fortaleza foi desenvolvido de forma processual, ou seja, os profissionais do PCR
inicialmente observavam, por dentro da Kombi em movimento, os moradores em situação de
rua nos espaços urbanos onde se encontravam e conforme autorização destes acontecia os
primeiros contatos para explicar a proposta de trabalho em saúde. Foram espaços urbanos
caracterizados por praças, ruelas e calçadas localizados no Centro da cidade.
Nesse período, ações como participar da fila para receber sopas ou lanches
ofertados pela caridade religiosa, ocorreram com o objetivo de vincularem-se ao grupo dos
moradores em situação de rua, no bairro Centro. Contudo, essa ação foi extinta pelos
profissionais do PCR, pois resultou em desconfiança e raiva por parte da população em
situação de rua desse território que se constituía por mendigos, bêbados e retirantes.
Durante conversa com o profissional que forneceu essas informações o mesmo
analisou esse contexto do início da abordagem de rua pelo PCR em Fortaleza como:
A gente tinha muita ansiedade em vincular logo com a população de rua e nos
fazermos conhecidos. Agora agente não tem tanta pressa de ir até eles. Na
maioria das vezes, agora, eles que veem até nós [...] A própria Kombi tem um
design legal, chega a despertar curiosidade e eles se aproximam.
(COLABORADOR 4).
68
Observou-se durante a pesquisa de campo que em alguns espaços aonde os
profissionais do Consultório de Rua chegam para abordagem de rua, ainda permanecem
próximos à Kombi. Tal fato decorre, em algumas situações, por ainda não serem conhecidos
pelo grupo de usuários de substâncias psicoativas em situação de rua que, às vezes,
encontra-se sob o uso coletivo da pedra de crack, na lata; outras vezes, por considerarem
ser um espaço perigoso para a dispersão da equipe.
Conforme o Colaborador 4, a depender da área de abordagem pelos
profissionais do Consultório de Rua, o espaço da rua comporta uma população composta
por grupos que ora localizam-se em praças ora migram para marquises ou mesmo outras
ruas localizadas em bairros distintos.
O Colaborador 3, acerca da abordagem de rua inicial, com a população em
situação de extrema vulnerabilidade social, afirma que:
No início começamos a abordagem na coragem mesmo, sem ter ninguém junto
que já fosse conhecido pela população de rua [...] Falta retaguarda e se agente
vacilar já era. (COLABORADOR 3)
Essa dificuldade apresentada denuncia a não existência dos redutores de danos
da própria comunidade compondo a equipe do PCR em Fortaleza. Autores como Niel e
Silveira (2008) sustentam a relevância dos redutores de danos serem da própria
comunidade, durante a abordagem de rua, ao afirmarem:
“O fato de serem reconhecidos como membros da comunidade de usuários,
faz com que não representem uma ameaça de denúncia às autoridades
policiais, pelo caráter da ilegalidade do consumo de drogas. Por
conhecerem as rotinas e os códigos, têm maior facilidade de reconhecer o
momento mais adequado para tomar a iniciativa de como e onde abordar os
usuários. A empatia e a linguagem apropriada também se tornam
facilitadores da aproximação entre redutores e a população-alvo” (NIEL,
SILVEIRA, 2008, p.24).
Acerca desse contexto o Colaborador 4 afirma que “a rua é cheia de incertezas e
inseguranças, por isso as atividades são criadas no aqui-agora de acordo com a demanda
que surge”.
Após esse espaço ser demarcado pelos profissionais do Consultório de Rua
houve a expansão para outros bairros, como Praia de Iracema, Meireles e Vicente Pinzón.
O cronograma da rota semanal para a realização das práticas terapêuticas
estabelecido pela equipe do PCR opera-se conforme o Quadro 2, a seguir:
69
Quadro 2: Cronograma da rota semanal dos profissionais do PCR (Equipe 1)
Segunda-feira
Praça do Dragão
Praça da Estação
Praça do Ferreira
Terça-feira
Praça do Dragão
do Mar
Ferro de Engomar
(Igreja
Santa
Luzia)30
Banco HSBC Travessa Jacinto
Casa da Sopa
Loja ACAL
Rua Clarindo de
Queiroz
Praça do Ferreira
Quarta-feira
Ferro de Engomar
Avenida Beira Mar
Rua José Avelino
(Feira do Dragão
do Mar)
31
Baixa-Pau
(Rua
Gérson Gradval)
Quinta-feira
Campo
29
flutuante
Banco HSBC
Sexta-feira
Praia
Titanzinho
(Vicente Pinzón)
Avenida Beira Mar
Avenida
Mar
Rua José Avelino
(Feira do Dragão)
Beira
Viaduto
da
Avenida Alberto
Nepomuceno
32
Casa da Sopa
Baixa Pau
Praça da Estação
33
Rua Clarindo de
Queiroz
Fonte: Pesquisa Direta, 2012.
Segundo pesquisa de campo, não foi verificado o cumprimento com precisão dos
horários e rotas estabelecidos.
Esses destinos das rotas da equipe do PCR podem ser observados pelas
Figuras 6 e 7:
29
Período em que a equipe do PCR busca outros espaços para a abordagem de rua.
A equipe considera a delimitação territorial do espaço onde se localiza a Igreja Santa Luzia parecido a de um
ferro de engomar roupas, por isso utiliza o termo Ferro de Engomar.
31
É um espaço conhecido por Baixa-Pau pela equipe do PCR devido ao nome da favela que a área.
32
A Casa da Sopa é o nome da instituição que fornece lanche ou sopas durante o período noturno de 19:00 às
21:00h aos moradores em situação de rua. Trata-se de uma instituição espírita.
33
Praça da Estação é o nome tradicional, porém atualmente foi renomeada para Praça Castro Carreira
30
70
Figura 6 – Cartografia da rota dos profissionais do Consultório de Rua
Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012 após extrair a imagem do Google Earth.
71
Figura 7 - Cartografia da rota dos profissionais do Consultório de Rua
Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012 após extrair a imagem do Google Earth.
Os pontos numerados correspondem, respectivamente, aos seguintes locais:
1- Praça Parque das Crianças.
2- Praça do Dragão do Mar.
3- Baixa-Pau (Rua Gérson Gradval).
4- Rua José Avelino (Feira do Dragão).
5- Viaduto da Avenida Alberto Nepomuceno.
6- Praça da Estação.
7- Praça do Ferreira.
8- Casa da Sopa.
72
9- Rua Clarindo de Queiroz.
10- Calçada da Loja ACAL.
11- Ferro de Engomar (Igreja Santa Luzia).
12- Banco HSBC, na Travessa Jacinto.
13- Avenida Beira Mar, na lateral da Pizza Hutt.
14- Centro de Saúde da Família Flávio Marcílio, no Mucuripe.
15- Titanzinho, no Vicente Pinzón.
Na Praça da Estação acontece uma feira de vestuários durante os turnos manhã
e tarde. No entorno há um ponto terminal para ônibus que transitam pelos bairros da região
leste do município de Fortaleza, assim como também há terminal com destino à região
metropolitana por rotas que levam a Maranguape e Maracanaú, localizados no sentido sul
de Fortaleza, pelas vias ferroviária e rodoviária. Acrescente-se ser um espaço de
aglomeração de pessoas que fazem do ambiente um lugar de passagem para vários
destinos. Ao entardecer as barracas da feira são desmontadas. O fluxo de pessoas e
transportes tende a diminuir por volta das 19h. Começa, então, a configuração do espaço
aos interesses destinados a furtos, prostituição e comércio de drogas. Há uma iluminação
pública comprometida. A Kombi fica parada na Rua Castro e Silva, conforme Figuras 6 e 7,
em frente ao Shopping Acaiaca, que se encontra quase em desuso. Os profissionais ficam
próximos a Kombi a espera de demanda espontânea; quando os usuários não se
aproximam, saem para trabalhar sob o foco da prevenção e promoção da saúde.
Nesse horário os profissionais do Consultório de Rua desenvolvem ações junto
às profissionais do sexo, crianças e adolescentes em situação de rua, na maioria das vezes
há distribuição de preservativo e gel, caso o usuário seja do sexo feminino. A prevenção,
promoção e intervenção na área da saúde também são realizadas com alguns vendedores
ambulantes do turno da noite, focando na distribuição de camisinhas e na orientação sobre
doenças sexualmente transmissíveis. As visitas nesse espaço são semanais, entre o horário
das 18 às 19h.
Em uma das paradas na Praça da Estação, um adolescente de 16 anos,
apresentando um fenótipo de 10 anos, aproximou-se manifestando curiosidade pela Kombi.
Esse adolescente estava cheirando cola e um profissional do Consultório de Rua se
aproximou perguntando “se podia trocar uma ideia” (Colaborador 5). O menino, sem
resposta, continuou a cheirar a garrafa de cola e a olhar o que havia dentro da Kombi. O
profissional começou a batucar com as mãos, um pouco afastado do menino, que identificou
o som e começou a cantar. O profissional, ao se aproximar do garoto, inicia um pequeno
diálogo a fim de saber as outras drogas de uso. Através do diálogo é identificado como
73
outras drogas de uso a cocaína, desde os oito anos, e o crack, desde os 10 anos, além da
cola de sapateiro.
Novamente o garoto retoma o silêncio e se põe a cheirar a garrafa de cola. O
profissional retoma a batucada e instiga o jovem a dizer de que música se tratava. O garoto
novamente se posicionou a cantar três músicas, todas do tipo gospel. Antes de ir embora o
garoto recebeu preservativos com orientações quanto ao uso e o processo de vinculação se
iniciou a fim de facilitar próximas abordagens.
Esse momento aconteceu no espaço representado pelas Figuras 8 e 9, na
sequência:
Figura 8 - Praça da Estação observada por trás da Kombi
Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.
74
Figura 9 - Praça da Estação observada pela frente da Kombi
Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.
Ainda sobre os contornos do Centro, de abrangência da abordagem de rua dos
profissionais do Consultório de Rua, há o espaço da Praça do Ferreira. Esse espaço é
caracterizado por possuir uma boa iluminação pública e arborização, além de bancos que
comportam pessoas da terceira idade e casais de namorados, no período noturno. Constituise tanto por se tratar de um espaço de passagem quanto por ser agregador de pessoas
para descanso ou descontração com amigos, no turno da manhã e da tarde. Contudo,
durante o turno da noite, o movimento de pedestres fica quase que escasso.
Esse cenário torna-se palco para os moradores em situação de rua durante a
apropriação do espaço, sentarem nos bancos da praça e conversarem uns com os outros,
conforme a Figura 10 apresenta, até o momento em que é distribuída uma sopa:
75
Figura 10: Moradores de rua esperam por ações caridosas e é oportunizada a abordagem
de rua pelos profissionais do Consultório de Rua
Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.
Nesse ambiente há a presença da população de rua composta por crianças,
adolescentes, adultos e idosos. Os profissionais, ao chegarem, ficam próximos à Kombi e
logo são abordados por uma demanda que busca por preservativos e gel.
Há o desenvolvimento da ação de prevenção em saúde pela contação de
histórias, com o auxílio do livro educativo infantil de prevenção bucal, ao público infantil, que
muitas vezes, demanda, também, ações recreativas como brincar de bola, esconde-esconde
e pega-pega.
As visitas à Praça do Ferreira ocorrem semanalmente entre as 19 e 20h, período
de maior concentração dos moradores em situação de rua, usuários de substâncias
psicoativas, devido às distribuições de sopa.
Segundo o Colaborador 4, na região do bairro Centro, que comporta os grupos
de moradores em situação de rua, usuários de substâncias psicoativas, que se encontram
pela Praça do Ferreira e Rua Tristão Gonçalves, em frente à loja Acal ocorrem muitos
conflitos por causa da demarcação de território:
Aqui no Centro há um público muito arredio. Os variados grupos têm lideranças
com disputas constantes que dificulta as ações coletivas. Aqui na praça do
Ferreira você pode ver que cada um fica na sua. Muitos desses grupos que ficam
aqui vão à Casa da Sopa e dormem pela Acal. (Colaborador 4)
Entre a população de rua há muitas cenas de violência por causa da demarcação
de território. Basta um que já tenha demarcado o território se sentir incomodado
por outro, que seja para também demarcar, há a violência física. (Colaborador 4)
76
Outro espaço no qual acontecem ações terapêuticas é a Casa da Sopa,
localizada na Rua Assunção, entre a Rua General Clarindo de Queiroz e a Rua Meton de
Alencar, conforme Figura 11.
Figura 11 – Estabelecimento Casa da Sopa
Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.
A Casa da Sopa é um espaço bem pequeno, que tem disponível uma sala
grande para atividades em grupo, seis banheiros, uma sala menor para dispensar alimentos
e uma sala para atendimento individual ocupado por outros equipamentos sociais como o
Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) para População de Rua. Essa instituição
desenvolve ações de cunho religioso, cuidados de higiene básicos, oferta de sopa e lanche.
A proposta do Consultório de Rua é atuar em ações integradas junto ao NASF
para População de Rua com atividades de promoção, prevenção e intervenção na área da
saúde à população em situação de rua, conforme ilustra a Figura 12.
77
Figura 12 – Campanha de vacinação da Hepatite na Casa da Sopa
Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.
As visitas realizadas a essa instituição são semanais, entre 20 e 21h. Nesse
espaço institucional são realizadas ações como deslocamento de usuário ao atendimento de
emergência no Hospital Geral já acolhidos pelo NASF de Rua; campanhas de prevenção à
Hepatite B e Tétano através da vacinação; realização dos testes de HIV e Tuberculose;
palestras sobre doenças sexualmente transmissíveis. São ações que visam uma melhor
qualidade de vida frente ao uso de drogas nas ruas.
Certa vez, em frente à Casa da Sopa, um morador em situação de rua, ao se
aproximar de profissionais do Consultório de Rua para discutir a questão da internação
compulsória à população de rua usuária de drogas, em vigor a partir do Decreto nº 7.637, de
8 de dezembro de 2011(BRASIL, 2011a), afirmou que havia algumas lideranças da rua que
já estavam se organizando a fim de se protegerem quando entrasse em vigor essa prática
no município de Fortaleza. Após a saída desse usuário o Colaborador 4 chegou a comentar
que:
Esse tipo de discussão entre a população de rua do Centro é mais frequente por
serem mais informados e articulados. São grupos que defendem o seu território a
todo custo. (Colaborador 4)
Essa avaliação do profissional em questão é fruto da observação da dinâmica
dos espaços na rua vivenciada durante a abordagem do dia-a-dia.
Seguindo a outra área de abrangência de abordagem dos profissionais do
Consultório de Rua tem-se a calçada da Loja Acal, localizada na Rua Tristão Gonçalves.
78
Essa loja disponibiliza a venda de materiais para construção. Trata-se de um espaço público
caracterizado por ser bem assistido pela iluminação pública. Contudo, em frente a Loja Acal,
devido aos estabelecimentos com marquises, a iluminação pública fica escassa,
oportunizando, assim, aos usuários de drogas mais pesadas, como o crack, fazerem uso do
entorpecente. Esses espaços possuem grupos heterogêneos compostos por famílias,
recicladores de lixo e vendedores ambulantes.
Acerca desse cenário em que a função de territórios próximos varia conforme as
necessidades dos sujeitos envolvidos sobre os circuitos da economia urbana trava-se uma
discussão com embasamento em Santos (1979) mais à frente. Considerando a variação da
função dos territórios conforme as necessidades dos sujeitos, observou-se durante a
pesquisa de campo como exemplos: 1) a Praça do Ferreira, durante período diurno há a
atividade comercial de vestuário, sapataria, instituições financeiras, produtos farmacêuticos,
bancas de revista e muitas pessoas que transitam; ao final da tarde os bancos na praça são
utilizados para o descanso e interação principalmente entre grupos da terceira idade; e no
período noturno os bancos e marquises das lojas são utilizados pelos moradores em
situação de rua para a espera da distribuição de sopa e acomodação dos dormitórios em
pedaços de papelão ou colchões já bastante usados; 2) e a Praça da Estação em período
diurno há a atividade comercial de vestuário e final de linha dos ônibus oriundos da região
oeste; durante a noite torna-se uma área caracterizada por pouca presença de pessoas e
veículos, furtos, homicídios e prostituição.
Segundo pesquisa de campo constatou-se que em frente a Loja Acal ainda é um
espaço desassistido pelas propostas estratégicas da redução de danos. O Colaborador 3
acrescentou que nessa área já foram realizadas duas tentativas de abordagem nas quais os
usuários de substância etílica mostraram-se resistentes à presença dos profissionais do
Consultório de Rua, ao lançar objetos tanto na Kombi quanto nos próprios profissionais.
Em razão dessa dificuldade de acesso do serviço de saúde, a equipe dos
profissionais procurou se articular com outros profissionais da Semas que já realizavam
abordagem de rua nesse espaço há mais tempo. Essa articulação visou oportunizar um
apoio inicial para o desenvolvimento da abordagem de rua e o estabelecimento de vínculos
a fim de surgirem as possibilidades interventivas.
Outro espaço da prática de território pelos profissionais do Consultório de Rua
fica por baixo do viaduto da Avenida Alberto Nepomuceno, ao lado do Mercado Central, sob
ilustração da Figura 13. Caracteriza-se por ser desprovido de luminosidade pública e existir
pouquíssimo tráfego de carros no turno da noite. Comporta uma população de rua, em sua
maioria, do sexo masculino e adultos.
79
Figura 13 – Viaduto da Avenida Alberto Nepomuceno
Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.
A abordagem ocorre pela distribuição de preservativos. Nesse espaço
predomina o uso de drogas, por isso a abordagem dos profissionais ocorre com todos
dentro da Kombi.
Há a abordagem também na Rua Clarindo de Queiroz, entre a Avenida Visconde
do Rio Branco e a Rua Jaime Benévolo, próximo à Cidade da Criança, ponto de referência
da chegada e dispersão da equipe dos profissionais do Consultório de Rua. Distingue-se por
comportar profissionais do sexo, no caso, travestis. Ressalte-se que alguns ainda não
atingiram a maturidade civil. As visitas ocorrem a partir das 20h30min, por se tratar de
período em que se vê maior número de travestis. As ações de redução de danos reservamse à distribuição de preservativos e lubrificantes. Uma maior permanência dos profissionais
do Consultório de Rua no local interfere no fluxo do comércio sexual.
Ressalte-se que a cada distribuição de preservativo ou kit de higiene bucal
durante a abordagem de rua é recolhido o nome do usuário e a idade para controle dos
atendimentos e dispensa dos insumos.
No bairro Praia de Iracema há práticas nas Ruas Gérson Gradvol, que fica por
traz dos Armazéns Adolfo Caminha, localizado na Rua Pessoa Anta; Rua da Feira, situada
80
na Rua José Avelino; Avenida Almirante Barroso, nas proximidades do Centro Dragão do
Mar de Arte e Cultura; Igreja Santa Luzia, na Rua Tenente Benévolo; lateral do banco
HSBC, na Travessa Jacinto.
A Rua Gérson Gradvol caracteriza-se por ser um ambiente de pouca iluminação
pública, não asfaltado e sem fluxo de carros. É um ambiente que se localiza próximo a um
galpão de reciclagem, ao Marina Parque Hotel e a algumas boates noturnas acessíveis a
um público pagante. O Marina Parque Hotel é um hotel luxuoso promotor da circulação de
capital econômico abundante. Nas proximidades desses estabelecimentos predomina o
trabalho informal, a exemplo da venda de lanches e bebidas, assim como o comércio de
drogas realizado principalmente por adolescentes do sexo masculino que transitam apenas
para o repasse a consumidores.
Esse território concentra grupos de adultos jovens em condições de
vulnerabilidade social e recicladores. Constitui-se enquanto espaço de uso, abuso e
dependência das drogas, assim como um dos caminhos para o tráfico, no turno da noite. As
ações dos profissionais do Consultório de Rua restringem-se à distribuição de preservativos
e a equipe sempre se refere a esse espaço como Baixa-Pau.
O acesso ao local faz-se pelas coordenadas: ao final da Avenida Almirante
Barroso, sentido leste, dobra-se à direita até finalizar a área dos armazéns abandonados
(Figura 14).
Figura 14 - Acesso à Rua Gérson Gradvol
Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.
81
Esse espaço, por ser amplo, foi indicado pelos profissionais do Consultório de
Rua, durante reunião com outros profissionais do Vila das Artes, para o desenvolvimento de
ações conjuntas. A reunião resultou em planejamento conjunto, entre os profissionais de
ambas as instituições citadas, para a viabilidade de ações voltadas ao desenvolvimento das
atividades de arte e cultura pelos espaços urbanísticos da cidade. O indicativo ficou
direcionado para a equipe do Consultório de Rua mobilizar a população de rua. Esse
movimento tinha como fim a exposição de filmes de curta-metragem em espaços públicos
objetivando oportunizar momentos culturais, aos finais de tarde, à população de rua.
Nesse ambiente, durante pesquisa de campo, aconteceu uma mobilização
coletiva visando à reconstrução da identidade. Essa prática desenvolveu-se durante um
diálogo em grupo que acabou por instigar o conhecimento da idade dos sujeitos envolvidos
e um dos componentes do grupo não sabia a idade. Esse dado mobilizou todos os outros
membros do grupo envolvidos que o instigaram a descobrir a data de nascimento a partir da
rememoração de acontecimentos sociais da época de infância. Contudo, nada o fazia
lembrar. Foi quando um dos profissionais (Colaborador 5) disse: “É hoje! Parabéns pra você
...”. Esse sujeito ficou muito emocionado, pois há muitos anos não ouvia um parabéns.
Ainda pelo bairro Praia de Iracema há a Rua José Avelino, apresentada na
Figura 15, conhecida pelos profissionais do Consultório de Rua por Rua da Feira34. Essa
rua, que fica ao lado da biblioteca central no sentido leste, é um espaço de passagem dos
“flanelinhas” e de uso do crack. Essa rua não é toda bem assistida pela iluminação pública,
no turno da noite, e tem seu relevo irregular e não pavimentado, dificultando o tráfego de
carros, ônibus e caminhões, por isso é pouco o movimento de veículos. As práticas de
território ocorrem semanalmente, no período entre 17 e 18hs ou 18 e 19hs.
34
A Rua José Avelino é denominada pelos profissionais do PCR por Rua da Feira devido a sua localização
próxima a uma feira de confecção, no período noturno
82
Figura 15 – Rua José Avelino
Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.
Nesse ambiente a prática de território é direcionada para a prevenção da saúde
com orientações acerca de usos que podem prevenir as hepatites virais, comuns durante o
uso do crack devido à fissura nos lábios e ao compartilhamento da lata em que se queima a
pedra para o uso de sua fumaça. Em algumas situações nesse espaço, durante as
abordagens de rua, a presença da Kombi foi significativa, pois despertou curiosidades na
comunidade, tanto de seguranças uniformizados quanto da população de rua.
Certa vez um grupo que se fazia presente em uso de crack manteve-se distante
até que, ao finalizar, uma moradora de rua se aproximou e perguntou o que era Consultório
de Rua que estava escrito na Kombi. Inicia-se um diálogo sobre o que era o serviço, a
proposta da redução de danos frente ao uso de drogas, os outros serviços que assistiam os
usuários de drogas para tratamento em saúde e assistência. Na ocasião, a usuária
queixava-se de dificuldades na respiração em decorrência do uso de crack e, mesmo
sabendo das ações preventivas, a mesma afirmava não realizar os devidos cuidados
necessários que reduzissem os danos a sua saúde.
Outro momento a ser relatado foi quando um segurança que observara o
trabalho da equipe do Consultório de Rua, ao vê-lo finalizado, se aproximou para ter
maiores informações acerca dos atendimentos oferecidos pela rede municipal e estadual ao
usuário de substância psicoativa. Nessa prática de território a equipe também teve como
83
ação a escuta de algumas queixas individuais, derivadas da experiência pessoal com a
substância psicoativa, manifestadas pelo segurança.
A abordagem de rua também é realizada nas proximidades do Centro Dragão do
Mar de Arte e Cultura, ilustrado pela Figura 16, na Av. Almirante Barroso. Nesse entorno há
um grupo de moradores em situação de rua que fica sob um abrigo por baixo de uma árvore
na Av. Almirante Barroso. A prática de território com esse grupo acontece por
encaminhamentos e atendimentos clínicos. As visitas são realizadas semanalmente no
período entre 17 e 18hs.
Figura 16 - Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura
Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.
Seguindo por espaços percorridos pela equipe do Consultório de Rua no bairro
Praia de Iracema, há abordagens na Igreja Santa Luzia, apresentada na Figura 17.
84
Figura 17 – Igreja Santa Luzia, popularmente conhecido por Ferro de Engomar pelos
profissionais do PCR
Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.
Esse espaço, situado na Rua Tenente Benévolo, é referenciado pela equipe por
Ferro de Engomar, devido ao seu formato de ferro. Caracteriza-se por ser um ponto de
renda para “flanelinhas”, devido à rotatividade de carros, favorecida por um supermercado, e
é bem assistido pela iluminação pública. A prática de território assinala-se por atendimentos
individuais, com demanda para as questões de ordem clínica e preventiva. As visitas são
realizadas semanalmente no horário entre 17 e 18hs.
No bairro Meireles, em área próxima à Beira Mar, situada na lateral da Pizza Hut,
conforme Figura 18, existe um ambiente com iluminação pública precária oportunizando o
comércio de drogas entre um adolescente do sexo masculino, que repassa a substância
psicoativa aos vendedores ambulantes em trânsito pela feirinha da Beira Mar, observado
durante o período da pesquisa.
85
Figura 18 - Lateral da Pizza Hut, na Avenida Beira Mar
Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.
O local apresenta um ambiente muito insalubre, escuro e com pouco tráfego de
pessoas. Há uma marquise sob a qual os moradores em situação de rua se alojam à noite e
é utilizada como um ponto de apoio para repasse da droga. Essa feirinha tem como público
a população local adicionada a turistas. A abordagem de rua é realizada no intervalo entre
19 e 20hs.
Anteriormente, a prática terapêutica de território nesse espaço contava com o
apoio de uma traficante, também adolescente, assassinada em janeiro de 2012, período em
que era realizada a pesquisa de campo. A equipe do PCR ao vincular com a adolescente
realizou orientações sobre os ganhos que ela teria nas vendas das drogas ao também
propagar a ideia da redução de danos durante o ato da comercialização, como por exemplo,
um usuário de substância psicoativa que reduz os riscos a saúde em decorrência do uso da
droga tem uma sobrevida maior para o consumo.
Durante o período da pesquisa de campo verificou-se que a prática de território
na lateral da Pizza Hut ocorre com a distribuição de preservativos aos moradores em
situação de rua.
86
Há também abrangência do trabalho do Consultório de Rua no bairro Praia de
Iracema, na lateral do banco HSBC, situado na Travessa Jacinto, conforme a Figura 19.
Figura 19 – Travessa Jacinto
Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.
Essa travessa caracteriza-se por ser bem assistida pela iluminação pública,
contudo, há pouco tráfego de pessoas e veículos. Segundo relato de uma moradora, várias
assinaturas coletadas da comunidade já foram recolhidas para a retirada da população de
rua, que se encontra instalada com seus materiais de reciclagem. Nesse contexto, a equipe
do Consultório de Rua exerce práticas de mediação de conflitos. Além dessa ação, a equipe
desenvolve práticas de encaminhamento a atendimentos de emergência e serviços
substitutivos para o tratamento das drogas oferecidos pelos Centros de Atenção
Psicossocial Álcool e Drogas; conscientização ambiental em relação ao material agrupado
para reciclagem armazenado por boa parte do dia; atendimento clínico de primeiros
cuidados para o não agravamento de doenças acometidas; e escuta terapêutica.
No bairro Vicente Pinzón, especificamente no primeiro quarteirão da Avenida
Zezé Diogo, que fica entre a Avenida Leite Barbosa e a Avenida Vicente de Castro, em um
bar (Figura 20), há como prática de território a prevenção de doenças infectocontagiosas por
meio da distribuição de preservativos e panfletagem, apresentada na Figura 21. O local
comporta um banco de preservativos, organizado pela equipe e pela proprietária do
estabelecimento, assim como também ocorre na Casa da Sopa. A presença da equipe do
Consultório de Rua acontece semanalmente, no horário entre 17 e 18hs.
87
Figura 20 - Atuação da equipe do Consultório de Rua no Vicente Pinzón
Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.
Figura 21 – Prática preventiva da equipe do Consultório de Rua no Vicente Pinzón
Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.
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As práticas de território são oportunizadas como resultado das trocas de saberes
entre profissionais e usuários de substâncias psicoativas, assim como também pelas
supervisões, que acontecem quinzenalmente. A supervisão é dirigida por um supervisor
psicólogo oriundo da SMS que tem experiência na saúde mental em CAPS AD há mais de
cinco anos. Esse supervisor trabalha três focos: 1) relação intersubjetiva entre os membros
da própria equipe; 2) textos com enfoques diversos, voltados para as temáticas do campo,
como a) o efeito das substâncias psicoativas, assim como suas consequências no
organismo, b) território, c) estratégias de redução de danos para o álcool, cocaína, crack e
cola de sapateiro que são as mais utilizadas pelos usuários em Fortaleza, d) a relação entre
profissional e usuário, e) afetividade intra e inter-pessoal, e e) doenças sexualmente
transmissíveis; e 3) estudos de casos.
Também são trabalhadas outras questões conforme a demanda da própria
equipe, a exemplo de estratégias de articulação da rede de cuidados, aproximação,
corresponsabilidades e pactuação da participação do usuário em seu próprio tratamento; e
elaboração de atividades para o campo a fim de facilitar o manejo nas abordagens das ruas.
As ações do supervisor a partir da problematização, indagação e cooperação,
visando encontrar estratégias possíveis às diferentes formas de acesso à demanda do PCR,
com fins de produção dos sentidos nas práticas terapêuticas realizadas pela equipe,
procuram ampliar a dimensão de uma clínica social.
O enfoque metodológico com que o supervisor trabalha envolve a lógica da
Redução de Danos numa perspectiva sociocultural, referenciada por estudos de Walter
Benjamin (1994) sobre a reflexão de narrativas. Essa referência propicia à equipe uma
reflexão sobre as práticas para além da ordem clínica orgânica, envolvendo também
aspectos sociais, estéticos, existenciais, políticos e afetivos. Segundo o supervisor
“apontam-se esforços de agregar outros modos de cuidados, conforme apontado como
clínica social ou clínica ampliada singular”.
Essa fala do supervisor se correlaciona aos dois modelos de atenção ainda
existentes nos serviços públicos ofertados à saúde, tais como, o biomédico e o psicossocial.
No modelo de atenção biomédico ocorre: a) herança do modelo assistencial privatista; b)
uma clínica degradada pelo pouco vínculo entre profissional e usuário; c) interesses
econômicos prioritários; d) o profissional é quem detém o saber no processo da
doença/cura; e) foco no atendimento medicamentoso de alto custo; f) baixa autonomia dos
usuários; g) ineficácia para as doenças crônicas; h) baixo aproveitamento de trabalho em
equipe; i) incapacidade de atuação em problemas de saúde coletiva; e j) gestão por
procedimentos/produção. A clínica no modelo biomédico consiste em sintoma, doença e
diagnóstico que ao serem definidos busca-se o alívio dos sintomas e a cura (CAMPOS,
2000).
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No modelo de atenção psicossocial há a responsabilidade sanitária pelo
território, adscrição de clientela, inserção social, promoção de saúde e gestão por
resultados. A clínica no modelo psicossocial compreende o problema de saúde a partir das
condições vulneráveis do sujeito e o risco que a doença oferece dentro de um contexto onde
este esteja inserido (CAMPOS, 2000).
A presença desses dois modelos na prática do PCR é considerada pelo
supervisor ao afirmar a existência de:
[...] uma tensão [...] que, ora produz ou se desvia da ordem medicamentosa /
tradicional, ora vislumbra outros modos, ainda ausentes, na prática integral de
cuidados. Há um paradoxo, uma contradição em cena. A prática dos profissionais
em saúde, dificilmente produz sentidos com princípios dialéticos. As práticas
produzidas tendem a uma posição, seja para uma visão normatizadora, sendo
flagrado um certo enquadramento, para uma visão higienista, provocando toda
uma inquietação e afetação aos modos de vida diversos de uma certa ordem de
uma concepção reducionista e absoluta de saúde. Falo isso num sentido geral da
saúde e, digo que em certos momentos, de modo específico, a equipe do Projeto
Consultório de Rua acaba se deparando com práticas, também, assim.
A clínica ampliada singular ou clínica social, considerada pelo supervisor da
equipe do PCR constitui-se por ser uma prática terapêutica de atenção psicossocial na
saúde, construída através do diálogo que busca conhecer as dimensões biológica,
psicológica e social dos sujeitos nos respectivos serviços de atendimento em saúde. Esta
prática terapêutica se caracteriza por: a) reconhecimento da singularidade de cada sujeito;
b) busca de conhecimento em saúde para além do sintoma e da doença do sujeito ao
reconhecer as múltiplas dimensões biológica, psicológica e social deste; c) realização de
trabalho em equipe; d) intersetorialidade; e) investimento na autonomia e protagonismo do
sujeito em atendimento (CAMPOS, AMARAL, 2007).
O supervisor da equipe do PCR reconhece a relevância da pesquisa de campo
sobre a prática terapêutica de território em que é possível ser observado os modelos de
atenção à saúde biomédico e psicossocial em:
Por isso, mais uma vez, penso ser extremamente oportuno você visualizar, de
mais perto, a partir da equipe de campo, essas tensões e contradição que fazem
parte do momento de um ano e quatro meses, mais ou menos, do início das
atividades no campo. Esses dois lados existem... E é maior do que as práticas dos
profissionais em si, é toda uma cultura dificílima de ser rompida e transformada...
Durante a pesquisa de campo foi observado o modelo biomédico que incapacita
os profissionais do PCR durante as práticas terapêuticas diante dos problemas de saúde
coletiva como: as endemias que são as doenças de época como a dengue e as doenças
respiratórias (viroses, bronquites e pneumonia); doenças crônicas como hipertensão e
diabetes; tuberculose e hanseníase; doenças de pele como escabiose, dermatites; e as
doenças sexualmente transmissíveis. Esses problemas de saúde coletiva apresentados
90
durante a abordagem de rua necessitam do diagnóstico médico para os devidos tratamentos
e encaminhamentos aos serviços de saúde com fins de resolubilidade, que aponte soluções
ao respectivo problema. Ressalte-se que o profissional médico não se encontra presente na
composição da equipe do PCR, no município de Fortaleza e nem em nenhuma produção
científica pública pesquisada durante a construção dessa pesquisa.
Em relação às práticas terapêuticas dos profissionais do PCR enquadradas no
modelo de atenção psicossocial, observou-se durante a pesquisa de campo: compreensão
da situação de rua do usuário de substância psicoativa a partir do contexto sócio-histórico;
realização de atividades em que se busca a autonomia do usuário a partir do incentivo ao
auto-cuidado; planejamento terapêutico compartilhado, ou seja, durante a prática terapêutica
é priorizado as escolhas do usuário em seu tratamento; desenvolvimento de vínculos e
afetos entre profissional e usuário a partir do diálogo; responsabilização compartilhada do
processo de adoecimento com a postura acolhedora do profissional ao sofrimento do
usuário estabelecendo uma relação da confiança, apoio e empatia; na abordagem de rua
não há julgamentos dos profissionais a usuários que querem continuar usando drogas e
permanecer em situação de rua; oferta das possibilidades reais que possam reduzir os
danos à saúde do usuário mediante o uso das substâncias psicoativas; perguntas durante e
ao final das intervenções como, por exemplo, “você entendeu?”, que permita o
estabelecimento do diálogo. Não foi observada na construção de projeto terapêutico
compartilhado do usuário, momentos em que todos os profissionais do PCR estivessem
envolvidos.
Contudo, conforme falas entre o Colaborador 4 e supervisor, durante momentos
de supervisão, descritas a seguir, as práticas terapêuticas dos profissionais do PCR
enquadradas no modelo de atenção psicossocial apresentam dificuldades, tais como:
Colaborador 4: As vezes pra gente é difícil. Eles só pedem dinheiro. Eles não
brincam ... Daí pra vincular e trazer a nossa proposta fica difícil.
Supervisor: Mas o momento aqui é o de possibilidades, vamos criar as alternativas
possíveis. Claro que não vamos esquecer do cuidado em si inicialmente e depois
o do sujeito no coletivo [...] vocês podem ouvir suas próprias histórias. Recontem
sempre, revivam a identidade que ainda existe dos sujeitos quando em relação
com vocês. Busquem a ancestralidade ao falar do presente, trazendo a figura dos
antepassados para dentro dos sujeitos. A angústia move e ela nasce da
necessidade de se escolher o que se quer ser no aqui-agora. Reconheçam o
sujeito, no campo social do cuidado.
Estas dificuldades da vinculação entre os profissionais do PCR e os usuários de
substâncias psicoativas que o Colaborador 4 refere-se durante a abordagem de rua
decorrem da herança cultural capitalista das moedas de troca, ou seja, a espera por
distribuição de sopas das instituições caridosas pode representar mais ganhos às
91
necessidades básicas humanas imediatas do que uma espera pela escuta qualificada de um
profissional da saúde.
No âmbito da saúde o Brasil a partir de 1960, incorporou gradualmente a política
de assistência médica previdenciária ao racionalizar e viabilizar a expansão do acesso à
saúde a partir da compra de serviços privados em detrimento aos da rede pública. O
posicionamento do Estado frente ao mercado de produção e consumo de serviços da saúde
tentou, por um lado, responder às pressões dos consumidores, técnicos e empresários,
favorecendo a organização de uma prática médica privada, orientada pelo lucro e, por outro,
amenizar a intensa crise social e política pela qual passava. Viu-se então uma grande
expansão da rede de serviços de saúde privados financiados por recursos públicos
(ALMEIDA, 2002). Sobre essa realidade histórica brasileira inicial de promoção da saúde o
Supervisor da equipe do PCR argumenta:
Nossa dívida social é imensa... E não parece ser à toa... Pois a pergunta que faço
e refaço a mim é: A quem produzimos práticas de saúde? De que modos
cuidamos? De quem cuidamos quando afirmamos que cuidamos? Quais as
armadilhas culturais de um país de exclusão com remuneração tão desiguais e
gigantescas? Como produzir uma saúde que leve em consideração a sabedoria de
uma produção de vida na miséria para uma diminuição efetiva de condições de
vida dignas e humanas, sem assistencialismo e clientelismo? Bem!!! Essas são
indagações que penso serem éticas para um profissional que trilha a saúde
coletiva, saúde mental... E isso deve ser convertido em potência para gerar uma
prática, se não resolutiva, menos desigual”.
No que diz respeito às práticas em saúde sob as diretrizes do SUS à população
de rua, o Colaborador 3 ainda considera muito a ser feito e discutido. Ele considera uma
exclusão as práticas higienistas voltadas para interesses outros que não são os de inclusão
da população usuária de substâncias psicoativas em situação de rua ao afirmar:
Colaborador 3: O SUS é utópico. Busca-se sustentar o que é insustentável [...] Há
algumas práticas pingadas de saúde à população de rua [...] o que se está
propondo com maior ênfase pra nossa sociedade atual é exterminar a população
de rua com as práticas higienistas.
Supervisor: O que vocês trazem são os fatos das análises perversas da
sociedade, mas o que você enquanto profissional do Consultório de Rua pode
fazer no espaço das ruas junto aos moradores.
Acerca da realidade social em que se busca uma prática terapêutica na
abordagem de rua com atividades grupais com fins lúdicos, o Colaborador 4 apresenta
algumas dificuldades ao afirmar:
A nossa abordagem no coletivo é muito difícil porque eles não confiam falar de
seus problemas para os outros ouvirem. Geralmente quando tem algo desse tipo,
eles nos chamam em particular para trocar umas ideias. Às vezes são situações
de que não se preveniram no dia anterior com alguma menina; outras são de que
contraíram alguma doença e não querem que os outros do grupo em que estejam
92
saibam para não ficarem zoando... sabe como é que é né! Pode rolar o
preconceito, a discriminação. (Colaborador 4)
Ainda sobre a prática de território enquanto uma produção de saber na rua temse, na supervisão, o disparar de reflexões, como se verifica a partir das próprias falas dos
entrevistados:
Supervisor: Como colaborar para potencializar o campo? Qual a oferta?
Colaborador 5: Teve uma vez na rota, quando paramos a Kombi para irmos
lanchar, que um daqueles meninos que ficam vigiando carros me pediu para
adiantar o dinheiro. Daí disse que ia dar uma coisa melhor que dinheiro. O
flanelinha perguntou o que poderia ser melhor que dinheiro. Eu respondi que
quando voltasse ele saberia. O flanelinha ficou encucado com minha fala e me
perguntou por mais umas 3 vezes o que poderia ser melhor que dinheiro. Fomos
ao lanche e ao sairmos do local lá se vem o flanelinha correndo para saber. Fiz
algumas perguntas do que ele achava e a resposta foi que nada era melhor que
dinheiro. Quando cheguei no carro tirei um preservativo e disse que aquilo era
melhor que dinheiro. Ficamos um bom tempo conversando e ao final o flanelinha
disse que trocar uma idéia era melhor que dinheiro.
Supervisor: Como foi que te bateu essa idéia?
Colaborador 5: Foi uma vez na abordagem quando eu estava distribuindo
preservativo um dos moradores de rua disse que tinha horas que a camisinha era
melhor do que dinheiro. Eu me lembrei desse fato pra começar um diálogo, porque
o cara tava insistindo muito por dinheiro e nossa proposta não era essa enquanto
profissionais daquela Kombi.
[...]
Supervisor: ... a participação da pessoa e dos profissionais podem efetivar as
políticas públicas
[...]
Supervisor: Houve alguma situação crítica em que se criaram diálogos a partir de
tensões?
Colaborador 4: Na rota eu fui ascender meu cigarro e foi foda o cara vir querer que
eu desse meu cigarro como se eu tivesse obrigação de dar pelo fato de ser pago
pela prefeitura. Eu disse que não tinha obrigação de dar porque aquele cigarro era
fruto do meu trabalho e agora eu queria fumá-lo. Assim como eu tinha comprado o
meu cigarro ele também fosse comprar o dele. Quase que agente saia no tapa,
mas foi indo, agente trocando ideia.
[...]
Supervisor: Tivemos até agora alguns marcadores de significações e implicações.
Digamos que um envolvimento da prática nas ruas.
[...]
Colaborador 2: Esse relato da tensão sob o cigarro de X, fez com que sempre ao
chegar nesse espaço agente passou a ser recebido com uma música - que
sempre segue a mesma melodia, só muda a letra. Em relação a esse morador de
rua agente teve algumas informações pelo porteiro de um dos condomínios e
suspeitamos já ter passado por algumas internações psiquiátricas. Ele não fala de
uso de substâncias, mas usa pedra.
[...]
Colaborador 3: Mesmo com muitas deficiências afetivas nas relações da
população de rua ainda presenciamos alguns comportamentos carinhosos entre
eles. Teve um dia que se estava distribuindo sopa e uma adolescente veio com a
93
boca toda suja de sopa dar um beijo em um idoso que estava sentado também
tomando a sua sopa.
[...]
Colaborador 5: Muitas das vezes estamos em atendimento e temos que
interromper porque se começa alguma confusão, seja por qual motivo for. É o que
dizemos: ali já deu o que tinha que dar.
Observou-se por essas falas acima entre alguns componentes da equipe do
PCR e supervisor, em Fortaleza, que a prática terapêutica de território produz saberes
específicos a partir: do modo de vida da população em situação de rua; das informações
adquiridas por trabalhadores noturnos que observam a dinâmica da rua; e dos laços afetivos
entre as diferentes faixas etárias.
Por outro lado, ao se falar da produção de saberes nas práticas do Consultório
de Rua em Fortaleza toma-se como uma das referências as reflexões do livro “Clínica
Peripatética”, de Antonio Lancetti (2009), que discute o que vem a ser uma clínica volante,
trazendo alguns apontamentos da prática de Redução de Danos a partir do diálogo que
ocorre com Domiciano Siqueira e suas respectivas discussões em torno da clínica
antimanicomial (LANCETTI, 2009).
Segundo o autor, o termo Peripatético remete-se à escola filosófica de
Aristóteles em que se ensinava andando. Daí o termo proceder da palavra peritatéo que
etimologicamente significa passear, ir e vir conversando (LANCETTI, 2009). Nesse processo
de aprendizagem, a dinâmica do território oportuniza a apropriação dos espaços públicos
que se privatizam quando vinculadas às necessidades momentâneas dos sujeitos.
É aqui nesses espaços que identificamos o perfil do usuário ou então os horários
em que eles costumam vir para descansar, ou mesmo para trocar ou exercer
alguma atividade financeira. Esses locais são próprios para isso à população em
situação de rua”. (Colaborador 3)
Acerca do funcionamento dos territórios, Haesbaert (2004) aponta as
características de aparecimento e desaparecimento. O autor conclui seu pensamento
afirmando que esses aspectos ocorrem devido à característica de mobilidade e
transitoriedade dos territórios.
Para complementar essa reflexão tem-se Pereira (2000), que considera o
conceito de território na perspectiva da territorialidade enquanto um lugar de construção e
“produto da apropriação, da valorização simbólica de um grupo em relação ao espaço
vivido”. Ressalte-se que esse espaço físico em funcionamento também é observado por
Deleuze e Guattari (2002) como espelho do domínio sobre um conjunto de elementos, no
ambiente, composto por uma simbologia pré-existente ao próprio território. Dessa forma,
sobre esse pensamento, acrescenta-se um território que é segmentado, refletindo a
94
distância existente entre os diferentes códigos das relações humanas entre si em um
mesmo espaço.
Na pesquisa de campo observou-se que os moradores em situação de rua
demarcam o território a partir de suas necessidades, como por exemplo: o espaço utilizado
para descanso e alimentação não será o mesmo para o uso da substância psicoativa. São
territórios privatizados por grupos afins homogêneos como o grupo de dependência para o
álcool, grupo de dependência para o crack e o grupo de dependência para o crack e outras
drogas em que as vivências das substâncias psicoativas são passíveis de serem
compartilhadas no coletivo. No território que torna-se palco das vivências coletivas um
banco de praça a depender do momento de interação pode simbolizar descanso, diversão,
agrupamento de sujeitos para fins específicos, esconderijo e observatório.
Santos (2003), ao entender a categoria território enquanto uma apropriação
social no âmbito político, econômico e cultural, assume ser esta possuidora de característica
dinâmica, cercada por conflitos inerentes à própria condição humana de relacionar-se
socialmente. Por isso, na perspectiva da territorialidade, segundo o autor supracitado, temse um território, fragmentado e fragmentador, integrado e integrador, que externa as
relações políticas e econômicas do espaço local às decisões globais.
Em Fortaleza, conforme a observação em campo, um território com dimensões
de 200m na sua extensão comporta diferentes grupos de moradores em situação de rua
com interesses específicos. O mesmo território que fragmenta os grupos também os integra
a depender de seus interesses, como por exemplo, os grupos de usuários de álcool e crack
compartilham de um mesmo espaço no momento da distribuição de sopas.
Por sua vez, Pol (1996) explica a diferença entre a apropriação do espaço
público e do privado. O espaço privado é apropriado basicamente por ação-transformação,
em primeira instância, e por identificação, em segunda fase; a apropriação do público nem
sempre segue esse processo e há uma relação maior pela identificação.
Durante a pesquisa de campo em Fortaleza os grupos usuários de crack
identificam-se mais com os espaços de pouca iluminação pública devido aos riscos
envolvidos por usarem uma droga que é ilícita, já os grupos usuários de álcool identificamse mais com os espaços mais iluminados.
No município de Fortaleza, Silva (2007) descreve o território localizado no bairro
Centro a partir da:
“precariedade e o déficit que atingem os setores de infra-estrutura,
equipamentos e serviços nas áreas do saneamento básico, habitação,
saúde e educação agravam a situação de pobreza do centro da cidade que
se transformou em centro da periferia. Eles são indicadores das diferenças
estruturais que explicam os enormes desníveis e os contrastes marcantes
entre o centro e outros bairros da cidade. O crescimento acentuado da
população urbana do Ceará engrossa a lista das cidades de porte médio e
95
reforçam algumas das pequenas. Essa população recentemente integrada à
condição de urbana, permanece elegendo o centro de Fortaleza como
núcleo principal de negócios e espaço simbólico do encontro do interior com
a capital” (SILVA, 2007, p. 117).
Silva (2007) finaliza sua análise afirmando que o centro de Fortaleza mostra-se:
“[...] repartido, fragmentado, configura diversos territórios em seu interior, confirmando sua
condição de espaço privilegiado de negócios, de encontro, de trocas e de múltiplas
atividades”. (p. 117).
Ainda sobre a produção das práticas de território têm-se diferentes concepções
pelos profissionais da equipe do Consultório de Rua acerca da Redução de Danos, nas
seguintes respostas:
Eu posso pensar em saberes psicológicos, sociológicos, filosóficos e
antropológicos para se pensar numa estratégia de como agente chega na rua.
Todos esses saberes vão ser importantes para nós irmos trabalhando como
chegar na rua. Hoje o conhecimento da redução de danos vem para mim muito
mais das experiências do que vejo na rua, das coisas que leio de experiências
práticas também. (Colaborador 5),
As conversas com o pessoal que agente trabalha, no Consultório de Rua,
dependem da hora de chegar, da hora de você abordar. Isso é uma coisa que
você nunca sabe e quem vai te dizer é o usuário a quem você vai abordar. É muito
complicado porque é totalmente diferente a prática, porque agente pega cada local
barra pesada. (Colaborador 2).
É aqui nesses espaços que identificamos o perfil do usuário ou então os horários
em que eles costumam vir para descansar, ou mesmo para trocar ou exercer
alguma atividade financeira. Acho que esses espaços merecem de uma forma
serem estudados e pesquisados para agente perceber quais as melhores
estratégias a serem usadas para a abordagem dessa população. O Consultório de
Rua é para a população em situação de rua, mas isso não impede de que as
pessoas que estejam em situação de comunidade também sejam vistas com um
olhar positivo. (Colaborador 3).
Conhecer o que a rua está nos ensinando para como fazer essa prática; seja
nossa postura, atitude, linguagem, local, horário, o dia... É o que fazer, como
fazer, em que dia fazer e qual local fazer. (Colaborador 5).
Para trabalhar com redução de danos, na rua, você precisa compreender aquele
espaço, que recursos tem, pensando que tipo de linha de redução de danos você
vai usar. Então, o espaço vai ser muito determinante para como agente vai propor
as mudanças. Porque, no caso, tem alguns locais que você faz propostas e é feito
as negociações em redução de danos. Você negocia com o que você tem para
negociar. Tem locais que tem como negociar alguns fatores, enquanto outros não
tem como negociar aqueles mesmos fatores. E isso vai mudando como agente vai
trabalhar na redução de danos. (Colaborador 5).
Saliente-se que a relação com o usuário de substância psicoativa, nos espaços
demarcados pela prática de território, contribui para a ampliação dos saberes adquiridos na
vivência pessoal. Essa reflexão pode ser observada pela fala “Seja como for, a rua nos dá
elementos para pensarmos no nosso dia-a-dia”. (Colaborador 5).
96
Assim, por meio das vivências subjetivas de cada profissional, com seu modo
específico operante, a depender dos territórios singulares na abordagem das ruas, tem-se o
deflagrar do estilo próprio para o desenvolvimento das práticas no Consultório de Rua, sob a
lógica da redução de danos, no município de Fortaleza.
97
4. O CUIDADO EM SAÚDE: UM CAMINHO PARA A PRODUÇÃO DE
PRÁTICAS TERAPÊUTICAS, NO CONTEXTO DA REDUÇÃO DE
DANOS
O que se opõe ao descuido e ao descaso é o
cuidado. Cuidar é mais do que um ato; é uma
atitude. Portanto, abrange mais que um momento
de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma
atitude
de
ocupação,
preocupação,
de
responsabilização e de envolvimento afetivo com o
outro. Do ponto de vista da existência o cuidado
se acha no principio da vida, o que significa
reconhecer o cuidado como um modo-de-ser.
(BOFF, 1999, p.73).
No capítulo anterior discutiu-se a Categoria I, intitulada Redução de danos e
subjetividade em espaço urbano: os saberes na prática de território. Verificou-se que as
práticas de território desenvolvidas a partir das estratégias de Redução de Danos objetivam
oferecer um cuidado em saúde específico aos usuários de substâncias psicoativas em
situação de rua.
Sobre as diferentes formas de se conceber o cuidar, a partir da compreensão de
autores como Remen (1993), Boff (1999), Waldow (1998), Silva et al. (2001), dentre outros,
discute-se neste capítulo a Redução de Danos na perspectiva da transversalidade das
práticas do cuidar.
Sobre essa transversalidade das práticas do cuidar são consideradas as
categorias saúde e drogas no PCR, do município de Fortaleza, conforme delegado pelo
percurso metodológico, como Categoria II, diante da segunda etapa constituinte para a
análise dos núcleos de sentido desta pesquisa.
4.1. A redução de danos na transversalidade das práticas do cuidar no
consultório de rua
4.1.1. Saúde e drogas
Na Constituição Federal de 1988 a saúde é reconhecida como um direito básico
de todos os brasileiros, compromisso social regulamentado pela Lei nº 8.080/90, cujo artigo
3º traz como seus fatores determinantes e condicionantes o saneamento básico, a moradia,
o meio ambiente, a alimentação, o trabalho, a renda, a educação, o lazer, entre outros
aspectos.
Esses fatores condicionantes influenciaram a compreensão das práticas de
saúde para além do foco em assistência médica e doença. Assim, gradativamente as
produções de práticas em saúde se reorientaram para ações mais complexas e amplas,
98
alinhavando os recursos entre promoção de saúde, prevenção, tratamento, reabilitação e
reinserção social.
Durante o percurso da luta antimanicomial (movimento político, social e
econômico que defende a não hospitalização e a garantia dos direitos de cidadania aos
portadores de transtorno mental), o Ministério da Saúde anunciou a Política de Atenção
Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas, assegurando atendimento multifatorial pelo
SUS a essa população, sem necessariamente a oferta dessa atenção integral ocorrer
somente pelos serviços de saúde (BRASIL, 2002).
A relevância dessa política na saúde pública está no entendimento da
problemática do uso de drogas como um objeto complexo que necessita de tratamento e
medicamento acessível na atenção primária; educação em saúde na comunidade;
ampliação de recursos humanos; incentivo à pesquisa e à constituição da rede de suporte
social, em áreas como educação, trabalho e promoção social (BRASIL, 2002, 2004).
Na Política de Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas a Redução
de Danos é conceituada como:
“[...] um conjunto de medidas em saúde que têm a finalidade de minimizar
as consequências adversas do uso/abuso de drogas. Tais ações possuem
como princípio fundamental o respeito à “liberdade de escolha”, porquanto,
mesmo que nem todos os usuários consigam ou desejem abster-se do uso
de drogas, preconiza-se, como medida de saúde, a redução dos riscos de
infecção pelo HIV e hepatite” (BRASIL, 2002, p.11).
As medidas de redução dos riscos surgem a partir das expectativas
probabilísticas de vulnerabilidade dos usuários de substâncias psicoativas em relação aos
agravos na saúde e se propõem a reduzir o surgimento de doenças ocasionadas devido à
exposição aos agentes agressores. Na Redução de Danos essas medidas se desdobram
em alternativas que diminuam os riscos e danos tanto para os usuários de substâncias
psicoativas quanto para a coletividade.
Segundo Nardi e Rigoni (2005), as medidas em redução de danos são
estimadas a partir dos saberes advindo da população usuária de substância psicoativa
atendida; diálogo entre usuário e profissional da saúde; não condicionamento da prática em
saúde à abstinência total e imediata; estímulo às práticas de autocuidado; construção de
projeto terapêutico compartilhado; estabelecimento de objetivos a serem alcançados na
busca por cidadania; aconselhamento para a diminuição da quantidade ou frequência do
consumo de droga; substituição das substâncias mais danosas por outras que causem
menores prejuízos à saúde; e fortalecimento de vínculos afetivos.
Essas medidas parecem convergir para o estabelecimento de práticas em saúde
que concebem o indivíduo numa perspectiva ampla de cuidado, e que não o distancia de
sua realidade social, podendo ser observado nessa pesquisa, nas palavras do Colaborador
99
1 ao afirmar que “cuidar da saúde, cuidar de todas as formas como: saúde, sabedoria,
inteligência e dignidade”.
Conforme Cavalcante (2008), várias práticas de cuidado durante o consumo de
drogas, embasadas na perspectiva da Redução de Danos, são oriundas de informações
contidas em material educativo que é promovido por ONG e OG como: ONG Solivida, no
Maranhão; Casa, Acerd e Associação Cearense de Travestis (ATRAC), do Ceará; Gapa, do
Rio Grande do Sul, e os PRD municipais de São Paulo, São Vicente e Porto Alegre.
Referenciada por esses materiais educativos em Redução de Danos, Cavalcante
(2008) dispõe como exemplos:
“Para redução de danos do álcool, é recomendado ingerir água e líquidos
não alcoólicos antes, durante e depois de consumir álcool; comer antes de
beber, para o álcool ser absorvido mais lentamente pelo organismo; utilizar
vitaminas do complexo B regularmente; beber devagar, pois quanto mais
rápido beber, mais rápido ficará bêbado; não misturar álcool com outras
drogas; evitar atividades incompatíveis com a embriaguez como dirigir; e
ficar atento para não se envolver em situações de violência. As
recomendações para diminuir os danos do tabaco são reduzir o número de
cigarros que consome; não consumir cigarros com baixos teores, pois estes
podem levar ao consumo de maior número de cigarros para obter a mesma
satisfação; tentar outras fontes de nicotina como adesivos e gomas de
mascar; aumentar a ingestão de água e de alimentos ricos em vitamina C;
controlar outros fatores de riscos para o infarto como obesidade,
sedentarismo, ansiedade; fazer exercícios físicos; não fumar durante a
gravidez; e não fumar em ambientes fechados de uso coletivo. No caso da
cocaína, quando for cheirar, tenha seu próprio canudo e não utilize nota de
dinheiro como canudo. No caso de consumo de cocaína ou outras drogas
injetáveis é importantíssimo ter seu próprio material como agulha, seringa,
água, colher, copo, etc; lavar as mãos antes de preparar doses injetáveis;
limpar o local com álcool antes da aplicação; pressionar o local aplicado
com o polegar; usar pequenas quantidades de água destilada para dissolver
a droga; injetar lentamente para aliviar o efeito; usar agulhas bem pequenas
para se injetar; e fracionar as doses para diminuir o risco de overdose.
Ainda quanto às drogas injetáveis é importante não repetir a dose com a
mesma seringa, se for reutilizar sua própria agulha e seringa, apenas por
você mesmo, lave-as regularmente com cloro; fortalecer as veias,
pressionando o local com as mãos ou com uma bolinha de borracha ou de
papel; evitar tomar doses sucessivas na mesma veia. Os pontos mais
seguros para injetar as drogas são: veias dos braços, antebraços e veias
das pernas, quando se injeta nos pés, as veias são muito frágeis e pode ser
muito dolorido. Evite injetar em determinadas regiões como pescoço, rosto,
barriga, seio, pênis, vagina, coxas e pulsos, pois estes pontos são
perigosos. Tomar cuidado ao descartar o seu equipamento de injeção,
colocando os instrumentos numa lata de refrigerante vazia ou numa caixa
segura. Evite misturar estas drogas, principalmente com álcool, pois a
mistura aumenta o risco de overdose; retire os kits de uso seguro de drogas
injetáveis com o redutor de danos ou no serviço de DST/AIDS mais próximo
de sua casa; se trocar de fornecedor experimente a nova droga em
quantidades menores; e saiba que drogas com impurezas podem causar
infecções das válvulas do coração e dos vasos sanguíneos, feridas na pele
e infecção generalizada. Os cuidados adequados para o uso do crack, são
beber muita água e líquidos não alcoólicos; reservar tempo para dormir e
comer; evitar usar e compartilhar latas; de preferência fumar em cachimbo
individual e com filtro; esperar o cachimbo esfriar antes de usar de novo;
100
limpar o cachimbo regularmente; e tentar substituir o crack pela maconha,
ou mesmo misturar, pois a maconha pode aliviar a fissura, causando menos
prejuízos para a saúde. Para reduzir os danos da merla é importante beber
muito líquido; consumir alimentos que contenham vitamina C como laranja,
acerola, caju e limão; comer alimentos ricos em carboidratos como
macarrão, arroz, batata, feijão, porque as substâncias tóxicas causam
desnutrição rápida; e usar piteira individual. Quanto ao uso da maconha
também se deve beber muito líquido; consumir vitamina C; procurar usar
individualmente; usar piteira para evitar ferimentos nos lábios; preferir a
maconha em sua forma natural, evitando suas formas prensadas, que
cotem grande quantidade de agrotóxico, aditivos químicos. E por fim, para o
uso mais seguro de substâncias de design, como o LSD e o ecstasy, é
importante usar estas substâncias em companhia de alguém sóbrio; tomar
líquidos de maneira moderada, pois o ecstasy trava o funcionamento normal
da bexiga; procurar locais ventilados; evitar uso em situações incompatíveis
com os efeitos, como dirigir, trabalhar, praticar esportes radicais; e usar
sempre camisinha” (CAVALCANTE, 2008, p. 91-93).
Durante a pesquisa de campo evidenciou-se como recomendações dos
profissionais do PCR aos usuários de substâncias psicoativas com fins de reduzir os danos
à saúde: 1) Álcool: ingestão de água e líquidos não alcoólicos antes, durante e depois de
consumir álcool; beber devagar e em menor quantidade; não misturar álcool com outras
drogas; e não se envolver em situações de violência. 2) Crack: beber muita água e líquidos
não alcoólicos; estabelecimento de tempo para dormir e comer; evitar usar e compartilhar
latas de alumínio não higienizadas; dar preferência ao fumo em cachimbo individual e com
filtro; limpar o cachimbo regularmente; e tentar substituir o crack pela maconha, ou mesmo
misturá-las; e 3) usar sempre camisinha nas relações sexuais.
Essas práticas de cuidado com a saúde, sob o embasamento de um enfoque
educativo, permitem ao profissional do PCR estimular a conscientização dos usuários de
substâncias psicoativas a fim de que assumam uma maior autonomia sobre os seus atos.
Trata-se de uma política operacional dialógica educativa entre profissional e usuário com
vistas a reduzir os danos causados pelo uso, abuso e dependência de substâncias
psicoativas.
[...] percebo a Redução de Danos como uma política e uma série de práticas
dialógicas e instrumentais que vem tentar reduzir os danos a saúde de quem está
em uso abusivo de drogas. (Colaborador 3).
Desse modo, a Redução de Danos implanta na clínica uma nova tecnologia de
cuidado mediada pelo diálogo, buscando desenvolver reflexões sobre as formas de uso da
substância psicoativa que possibilite melhor qualidade de vida à saúde, já citadas
anteriormente, aos novos sujeitos de direito (BRASIL, 2006).
Essa tecnologia do cuidado através da abordagem dialógica se legitima pela
humanização, modelada por meio do cuidado e do acolhimento dos profissionais para com
os usuários de substâncias psicoativas, no desenvolvimento de práticas em saúde no SUS.
101
Contudo essa abordagem dialógica sobre as substâncias psicoativas nem
sempre existiu. Existiram diferentes performances e significados sobre a diversidade das
tradições socioculturais de muitas sociedades, devido aos variados modos de concepção
em torno de sua utilização.
No Império Romano, período do cristianismo, entraram em crise as antigas
noções pagãs sobre a neutralidade da droga, a embriaguez sóbria, a automedicação e o
limite entre moral e direito vivenciados pelas sociedades mais antigas. Perseguiram-se os
praticantes dos cultos mágicos tentando obstruir qualquer traço de suas antigas crenças e
práticas. Assim as drogas foram estigmatizadas, no século X, tornando-se sinônimo de
heresia por sua associação a cultos mágicos, religiosos e usos terapêuticos para aliviar o
sofrimento. A dor e a mortificação da carne eram concebidas pelos cristãos como formas de
aproximação com Deus. A busca por cura limitara-se ao uso de recursos simbólicos, como
substâncias conhecidas por “pó de múmia”, “pó de chifre de unicórnio”, indulgências
eclesiásticas, óleos santos, velas e água benta (ESCOHOTADO, 1994).
No século XVIII, pela influência do racionalismo e iluminismo, as drogas “pagãs”
voltam a ser utilizadas para fins lúdicos e medicamentosos. O ópio volta a ser a principal
substância usada na composição de diversos medicamentos utilizados por pessoas de
todas as classes sociais, contexto que favoreceu a efervescência de conflitos entre
Inglaterra e China na chamada “guerra do ópio”, por ser uma das principais mercadorias de
exportação do mercado europeu (ESCOHOTADO, 1994).
No início do século XIX, cientistas isolaram os princípios ativos de várias plantas
produzindo fármacos como a morfina (1806), codeína (1832), atropina (1833), cafeína
(1841), cocaína (1860), heroína (1883), mescalina (1896) e os barbitúricos (1903). O cálculo
das dosagens de plantas com maior exatidão, em laboratório, proporcionou um manejo mais
fácil e puro (ESCOHOTADO, 1994).
Nesse período, leis e políticas públicas que tornaram o uso de drogas legítimo
ou ilegítimo foram respaldadas pela medicina científica na sociedade urbano-industrial
ocidental. No cenário das discussões sobre a legalidade do uso, ascende o modelo
proibicionista visando suprimir a produção e o consumo de determinadas substâncias
psicoativas. Os Estados Unidos iniciaram esse modelo caracterizado por focar na natureza
farmacológica das drogas, ilegalidade das mesmas, repressão e abstinência (MACRAE,
2001; RODRIGUES, 2009).
Ressalte-se que na Política sobre Drogas, no Brasil, a Política de Redução de
Danos se fundamenta na perspectiva sociocultural e geopolítica estrutural que, ao observar
a problemática social, se propõe a realizar intervenções focadas na redução dos efeitos
danosos das drogas, visando melhorar o bem-estar físico e social dos seus usuários.
102
Nessa perspectiva, reconhece-se a diversidade advinda das especificidades dos
contextos histórico-sócio-culturais em que ocorrem os usos de drogas. Daí não ser possível
atribuir uma causa universal para os usos, abusos ou dependência de substâncias
psicoativas (ESPINHEIRA, 2004; MACRAE, 2001).
Assim, atualmente no Brasil, as estratégias da Política de Redução de Danos
dissipam-se no lócus das ruas, hospitais e prisões a fim de garantir o direito do acesso
universal aos serviços de saúde e reabilitação social, minimizando os possíveis danos que o
consumo da substância psicoativa podem causar à saúde sem desconsiderar a necessidade
real do indivíduo, ao direcioná-lo à lógica da abstinência ou internação (BRASIL, 2011a).
O usuário que quer continuar fazendo uso de qualquer tipo de substância continua
tendo os seus direitos para fazer algum tipo de tratamento, a pensar sobre sua
saúde, a pensar sobre a forma de uso, mesmo que ele continue usando.
(Colaborador 5).
Conforme a Organização Mundial de Saúde (2001) o termo droga significa
qualquer substância natural ou sintética que, administrada por qualquer via no organismo,
afeta a estrutura ou funcionamento do Sistema Nervoso Central. Esta afirma que cerca de
10% da população mundial dos centros urbanos apresentam um consumo abusivo,
independentemente de idade, sexo, nível de instrução e poder aquisitivo.
Mediante o consumo abusivo das substâncias psicoativas as práticas em saúde,
embasadas na Redução de Danos, ampliaram o seu campo de atuação ao diminuir o uso de
drogas injetáveis e aumentar outras, como a maconha, cocaína, merla, crack, álcool, tabaco,
psicofármacos e anabolizantes (NARDI; RIGONI, 2005).
Para alguns autores o fenômeno das drogas que direciona as práticas em saúde
na atualidade está correlacionado à economia da produção e comércio legal e ilegal de
entorpecentes. Sob esse pensamento “a história das drogas pertence cada vez menos à
história das culturas locais e cada vez mais à história da economia capitalista” (BARATTA
apud MESQUITA; BASTOS, 1994, p. 40).
Acerca da relação entre o fenômeno das drogas e a economia capitalista Bucher
(1992) acrescenta que nos países industrializados, o consumo de drogas se correlaciona ao
bem ou mal-estar social, assim como também ao (des)equilíbrio das interações e
(in)satisfação existencial dos cidadãos quanto às suas aspirações. Já nos países periféricos
em desenvolvimento, o excesso do uso de drogas manifesta as condições precárias da
realidade socioeconômica e cultural dos comportamentos não saudáveis. É um ciclo vicioso
em que a pobreza, a marginalidade e os danos à saúde se retroalimentam.
Ainda sobre a relação entre o fenômeno das drogas e a economia capitalista,
Siqueira (2006) acredita ser um movimento que acompanha o desenvolvimento das
103
civilizações. O uso de “forma epidêmica” caracteriza a contemporaneidade envolvida pelo
desenvolvimento de agravo das doenças.
Essa realidade atual, sob o ponto de vista da legalidade na classificação lícita ou
ilícita das substâncias psicoativas, sofre interferências do Estado, que é constrangido pelos
determinantes culturais e econômicos diante da permissão para consumo e comercialização
(SIQUEIRA, 2006).
Dentre os medicamentos psicoativos comercializados no Brasil têm-se os
benzodiazepínicos de efeito tranquilizante ou indutores do sono Diazepam, Clordiazepóxido,
Clonazepam, Midazolam, Alprazolam, Bromazepam e Flunitrazepam, cujos nomes
comerciais são, respectivamente, Valium, Psicosedin, Rivotril, Dormonid, Frontal, Lexotan e
Rohypnol; os anestésicos gerais, analgésicos e antiespasmódicos derivados do ópio
Fentanila, Meperidina, Morfina e Codeína, cujos nomes comerciais são Durogesic, Fentanil,
Inoval, Dolantina, Dolosa, Astramorph, Dimorf, Belacodide, Setux e Tylex; e os
antiparkinsonianos e antinflamatórios Triexfenidila, Diciclomina e Benzidamina, cujos nomes
comerciais são Artane, Bentyl e Benflogin (Cebrid, 2007).
Acrescente-se também a indústria farmacêutica transnacional de substâncias
psicoativas, que incentiva a busca pela juventude eterna e o corpo perfeito, fármacos como
os esteroides anabolizantes; e os moderadores do apetite ou anorexígenos, procedidos de
anfetaminas como Anfepramonas, Femproporex e Metilfenidato, cujos nomes comerciais
são Dualid, Hipofagin, Inibex, Desobesi e Ritalina (Cebrid, 2007).
A indústria farmacêutica em constante crescimento é a terceira economia mais
lucrativa do mundo, abaixo apenas dos bancos e das empresas petrolíferas. Atualmente, as
empresas que dominam esse mercado lucrativo transnacional são conhecidas por Pfizer,
Johnson & Johnson, Roche e Novartis (Cebrid, 2007).
Somados aos fármacos sintéticos produzidos em laboratório por manipulações
químicas ainda se tem, na realidade brasileira, as drogas classificadas em naturais e
semissintéticas. (Cebrid, 2007). As drogas naturais são retiradas da natureza; dentre elas
tem-se as seguintes plantas: maconha (Cannabis sativa), coca ou epadu (Erythroxylon
coca), papoula do oriente (Papaver somniferum). Desta última se extrai o pó de ópio35.
Também se tem como drogas naturais os vegetais: cogumelos, jurema, mescal ou peyot,
caapi e chacrona (Cebrid, 2007).
Já as drogas semissintéticas têm o seu princípio ativo oriundo da natureza,
entretanto, passam por um processo químico para se adequar ao consumo, a exemplo da
cocaína (pó solúvel em água), crack (pedra que quando aquecida volatiza) e merla (pasta
extraída da coca), provenientes de extratos da folha de coca; charuto, rapé e cigarro,
35
A palavra ópio em grego quer dizer “suco” (Cebrid, 2007).
104
confeccionados a partir das folhas de tabaco; morfina e heroína, que têm o ópio como
matéria prima (Cebrid, 2007).
A apropriação de conhecimentos que revelam a variedade de substâncias
psicoativas existente no Brasil, produtoras de diversas consequências danosas à saúde
como dependência química e/ou doenças orgânicas, oportuniza aos profissionais do PCR o
fundamento para desenvolverem práticas dialógicas promotoras do vínculo entre trabalhador
e usuário.
No dia-a-dia agente acaba absorvendo todo esse conhecimento. Na prática você
tem que colocar isso, que é o mais difícil para agente, na abordagem. Você
colocar isso para as pessoas como uma forma de realmente reduzir, o dano
causado pelas substâncias. (Colaborador 3).
A questão da segurança de você está propondo algo que é relativamente novo no
modo da maneira de se pensar o uso que seja menos danoso. É justamente ai
que o saber entra. Ele te dá a segurança para os assuntos mais subjetivos.
(Colaborador 4).
Menegon (1999) salienta que o diálogo produz sentidos e posicionamentos na
relação cotidiana entre as pessoas, afirmando:
Conversas do cotidiano pressupõem dialogia (vozes), que presentifica,
também, interlocutores ausentes da situação da conversa e, além do
contexto imediato da situação relacional, leva em conta a relação
estabelecida entre o tempo curto (face-face) e o contexto mais amplo da
circulação de ideias. (MENEGON, 1999, p. 215).
O diálogo presente no cotidiano das relações que é mediado pelo olhar mútuo e
o contexto das narrativas aproximam os sujeitos mesmo diante de suas ausências. Esse
diálogo intercedido por conhecimentos sistematizados a partir de um arcabouço teórico
respaldam as práticas terapêuticas da saúde pública. Nessa perspectiva acreditamos que os
diálogos realizados durante a abordagem de rua, não desconsiderando o olhar mútuo e o
contexto das narrativas, favorecem as práticas terapêuticas do cuidar dos profissionais,
respaldados por um arcabouço teórico, no PCR, aos usuários de substâncias psicoativas.
Logo, não sendo possível o fim das drogas, a Redução de Danos teve seu
conceito ampliado durante as duas últimas décadas. Em relação a esse conceito ampliado
da Redução de Danos Mesquita e Bastos (1994) acrescentam que sua definição é antes de
tudo operacional e aberta, em constante desenvolvimento a partir das práticas terapêuticas
em saúde pública ofertadas às diferentes extensões da vida social dos indivíduos.
105
4.1.2 Práticas do cuidar
Historicamente, no campo da saúde, a prática do cuidar se aproximou do
sacerdócio e da filantropia, regularizando a junção do corpo e subjetividade à lógica da
divisão social do trabalho (REZENDE, 1989; PIRES, 2004).
Segundo Pires (2002), a organização tecnológica dos serviços de saúde regidos
sob a lógica do trabalho em favor do capital institucionalizou o cuidado. Merhy (2002) ao
discutir a organização tecnológica dos serviços de saúde afirma que estes não são
constituídos somente pelos equipamentos e máquinas. O autor classifica as tecnologias
envolvidas no trabalho em saúde a partir de tecnologias leves36, leve-duras37 e duras38 na
produção do cuidado, diante dos contextos em que o imaginário dos usuários do SUS é
compreendido por um quantitativo de exames, consultas, consumo de medicamentos e
insumos como sinônimo de qualidade na assistência.
É oportuna a compreensão de que a expressão cuidado, na área da saúde,
assume conceitos que vão desde a contraposição ao curar até uma proposta ética. Na
perspectiva da proposta ética o profissional vai ao encontro do outro visando estabelecer
laços de confiança e vínculo, compreendendo que a saúde como “direito de ser” que
significa:
“atender às pessoas em seu sofrimento com respeito e acolhida, sem
perder de vista sua fragilidade, também social. Requer a aceitação do outro
como sujeito e um mover-se no sentido da construção da saúde como
projeto de cidadania” (ZOBOLI, 2007, p.64).
Em função, dessa proposta ética durante a abordagem do profissional da saúde
ao usuário não se estabelece regras e a relação é entendida como um desenvolvimento
histórico no campo de conhecimentos da bioética que se caracteriza como:
“abordagem secular, inter, multi, transdisciplinar, prospectiva, global,
multicultural, inter-religiosa e sistemática, que considera a pluralidade dos
contextos e tem por base o diálogo inclusivo de todos os afetados e
envolvidos como interlocutores válidos” (ZOBOLI, 2007, p.64).
36
São tecnologias assistenciais desenvolvidas por meio do trabalho vivo em ato no processo relacional entre
trabalhador-usuário em que ocorre “um encontro entre duas pessoas, que atuam uma sobre a outra, e no qual
se opera o jogo de expectativas e produções, criando-se intersubjetivamente alguns momentos interessantes
como momentos de falas, escutas, interpretações, no qual há a produção de uma acolhida ou não das
intenções que estas pessoas colocam neste encontro: momentos de possíveis cumplicidades, nos quais pode
haver a produção de uma responsabilização em torno do problema que vai ser enfrentado, ou mesmo de
momentos de confiabilidade e esperança, os quais se produzem relações de vínculo e aceitação”. (MERHY,
2002, p. 307-308).
37
São os saberes estruturados que operam nos processos de trabalho em saúde, como por exemplo a clínica
médica, a psicanalítica, a epidemiológica e o taylorismo. Merhy (2002)
38
São os equipamentos tecnológicos do tipo máquinas, normas disciplinares e estruturas organizacionais dos
serviços de saúde. Merhy (2002)
106
A relação compreendida como uma atitude interativa entre os sujeitos nas
práticas de cuidado promove o acolhimento, a escuta, o respeito pelo sofrimento do outro e
suas histórias de vida (LACERDA, VALLA, 2005). Assim, em função de uma prática
interativa do cuidado é possível se desenvolver um trabalho na saúde em que:
“interroga os modos de ação, desmancha-os, porque acompanha o
movimento do vivo, que é de desconstrução e invenção permanentes.
Assim, uma prática do cuidado não pode ser reduzida a uma série de
passos ou procedimentos para serem usados pelos trabalhadores e, sim,
um caminho de encontros e problematizações que se efetivam nos
processos de trabalho” (BARROS, 2007, p. 120).
Para Ayres (2001), o cuidar da saúde dos sujeitos se desenvolve a partir do
processo de interação, encontro, consideração, reconstrução e desejo por construir projetos.
Por sua vez, Pinheiro (2006), compreende a prática do cuidado em saúde numa
perspectiva integral, com significados e sentidos direcionados para o direito de ser39.
O
cuidado
manifestado
pelo
trabalho
interdisciplinar,
não
restrito
às
competências e tarefas técnicas, fortalece as redes de apoio social, na perspectiva integral,
moldada pela articulação ativa entre profissionais e pacientes em rede (AYRES, 2001;
LACERDA, VALLA, 2005).
Para Dênis Petuco (2012), esse processo do cuidar da saúde dos sujeitos
usuários de substâncias psicoativas, eclode a partir do modo como estes sujeitos são vistos
e ouvidos. Trata-se de uma escuta que acolhe e aceita as diferentes formas de ser e estar
no mundo, perante a diversidade. Constitui-se por uma postura ética diante da vida, do
trabalho, do cuidado.
Escutar. Escutar esse pessoal que agente trabalha e aborda na rua. Saber
escutar, em primeiro lugar, porque são muito complicados. Porque você nunca
sabe como eles estão, por isso é que é uma coisa muito complicada. Às vezes
você pode conversar, porque ele (o usuário) te dá espaço para você conversar. Às
vezes a gente só escuta, porque naquele bate-papo o cara quer só falar.
(Colaborador 2).
A escuta varia conforme as necessidades de saúde do outro, que nem todas as
vezes estão relacionadas a processos de adoecimentos físicos, e sim psíquicos. Enquadrase no respeito à alteridade do usuário de substâncias psicoativas. Esse respeito concretizase ao se compreender a realidade da diversidade humana, cultural e social em relação ao
desenvolvimento dos processos saúde-doença (PINHEIRO et al., 2005).
39
Ser, no sentido de Heidegger (1997): ser-aí. É o direito de ser ancorado no respeito às diferenças, garantia de
acesso às diferentes práticas terapêuticas e à abertura para participação do usuário nas decisões sobre a
melhoria dos serviços a serem utilizados por eles.
107
O cuidado na atenção à saúde, segundo Póvoa (2002), caracteriza-se não só
por processos de uma escuta respeitosa. Para o autor é necessário uma atenção envolvida
por predicados como devoção, dedicação e intuição para que a escuta e a percepção do
outro sejam concebidas na sua integralidade a partir do desejo do outro.
Assim, apesar de você ter pensado as ações, participar da elaboração de
pensamento dessas ações nesse assunto, você tem que compreender que você
está se inserindo na vida do outro. Então, assim, o meu papel é muito mais de
humildade, de reconhecer que esse meu trabalho é do outro e do tempo dele. É
dentro dessa perspectiva que eu trabalho: para com ele, com ele e com aquilo que
ele quiser. (Colaborador 4).
Neste sentido, as categorias tempo e espaço são imprescindíveis para assegurar
a prática do cuidar em saúde. O tempo corresponde à dedicação continuada do como
cuidar. Em paralelo ao tempo há o espaço, que requer o como e onde ocorrem as práticas
do cuidar. Essas categorias presumem o ato de cuidar como uma atitude processual
desenvolvida por uma série de momentos envolvidos pelos encontros, olhares e
subjetividades do não dito (MACHADO, MONTEIRO et al, 2007).
Existem práticas que levam essa pessoa a ter assegurada a sua saúde. Aceitação
das limitações, porque depende muito do outro. Então, tem que ter o tempo do
outro. Eu trabalho a partir do tempo desse usuário. (Colaborador 4).
Por outro lado, Paulo Freire (1996) acredita na valorização dos saberes
negligenciados. Nessa perspectiva, a Educação Popular traz contribuições à clínica de
pessoas que usam drogas, da mesma forma que a Redução de Danos, ao imergir nos
lugares onde os usuários de substâncias psicoativas se encontram, objetivando o diálogo
com essas pessoas a partir da escuta de suas práticas de cuidado. Essa experiência da
escuta que valoriza as práticas de cuidado já construídas pela comunidade favorece a
construção de vínculos.
Você conseguir construir vínculos com aquelas pessoas de forma que você
consiga ter um diálogo com elas e a partir desse vínculo e desse diálogo pode
surgir a proposta da redução de danos. (Colaborador 5).
Na Educação Popular, assim como nas ações de Redução de Danos, busca-se
a realidade do outro, mantendo-se uma posição de curiosidade respeitosa que pressupõe o
que Paulo Freire (1996) chamava “a ontológica vocação de ser mais”. A curiosidade
respeitosa à realidade do outro, na perspectiva da redução de danos, se torna
compreensível ao profissional que trabalha na abordagem de rua não apenas após sua
formação técnica e sim durante a aplicabilidade diária desta durante a prática de território.
Temos uma certa formação, passamos por capacitações para redução de danos
em linhas gerais, mas percebemos que essas linhas gerais iremos percebê-la no
108
nosso dia-a-dia, como podemos aplicar. Quais os limites, quais as potencialidades
de cada espaço, de cada local. (Colaborador 5).
Embasados por uma formação técnica os profissionais do PCR em contato com
a realidade laboral dos espaços onde acontece a abordagem de rua, esta:
“coloca problemas que forçam a pensar outros jeitos de operar: um jeito de
ser enfermeira, ..., médico, psicóloga, se constitui, principalmente, no agir
em situação, na imanência das situações vividas. Esse plano imanente diz,
portanto, da experiência concreta dos trabalhadores no curso da atividade
industriosa. A análise da experiência a partir desse plano coletivo é,
portanto, sempre singular e indissociável do processo de produção do
trabalhador e dos mundos do trabalho” (BARROS, 2007, p. 123).
Assegurar o cuidado no território, na perspectiva da integralidade, do trabalho
em redes, garante uma atenção diversificada aos usuários de álcool e outras drogas.
Tanto a Senad quanto o Ministério da Saúde reconhecem que a política
brasileira destinada aos usuários de drogas deve oferecer o cuidado integral por meio de
uma rede de atenção intersetorial, a partir de práticas diversificadas e amplas a fim de
atender às diferentes necessidades da população (CRUZ, FERREIRA, 2011).
Em Fortaleza a pesquisa de campo revelou que não há o cuidado integral aos
usuários de substâncias psicoativas, em situação de rua, pois a rede de atenção intersetorial
encontra-se fragilizada devido a dificuldades de acesso, horários de funcionamento e
resistências de alguns profissionais no manejo junto a essa população. Essa rede de
atenção intersetorial é composta por um Centro de Especialidades Médicas José de
Alencar, seis CAPS GERAIS, seis CAPS AD e dois CAPS Infantil, duas Ocas de Saúde
Comunitária, cinco Centros de Especialidades Odontológicas, seis Urgências Odontológicas,
noventa de dois Centros de Saúde da Família, dez Hospitais Municipais e um Instituto Dr.
José Frota. Durante a pesquisa de campo foram observadas práticas terapêuticas de
encaminhamentos pelos profissionais do PCR ao Hospital Geral e um Centro de Saúde da
Família de terceiro turno. Na ocasião do encaminhamento o usuário era deslocado com toda
a equipe do PCR através da Kombi.
A prática do cuidado no domínio da integralidade do SUS, compreende a saúde
enquanto um direito às diferenças, dignas de respeito público.
Finalmente, este capítulo buscou analisar a prática do cuidar em saúde a partir
do reconhecimento da realidade das substâncias psicoativas que por meio da relação
processual construída entre profissional e usuário não se desconsidera o contexto sóciohistórico dos modos de uso do sujeito, assim como a liberdade de escolha.
109
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante a realização dessa pesquisa procurou-se mostrar que as práticas
terapêuticas desenvolvidas pelos profissionais da equipe do PCR, em Fortaleza, existem
devido ao crescimento do consumo de drogas lícitas e ilícitas entre os grupos sociais menos
favorecidos, os quais sofrem pela dependência de substâncias psicoativas.
O cenário das drogas em ambiente público urbano, expresso no conteúdo
desta dissertação, requisita que as proposições para o campo da práxis terapêutica sejam
flexíveis, no sentido de reconhecer o outro na sua transparência, e não sobre os a priori de
como estes devem conduzir suas vidas.
Verificou-se nas práticas em saúde da abordagem de rua que mesmo existindo o
modelo de atenção biomédico orientador dos critérios diagnósticos, condutas e resultados
clínicos, prevalece para o profissional do PCR o modelo de atenção psicossocial. Este
último se caracteriza pelo distanciamento da imposição de condutas e delimitações dos
enquadres terapêuticos, buscando efetivar a cidadania e inclusão social aos usuários de
substâncias psicoativas, em situação de rua.
No que se refere particularmente ao campo das práticas terapêuticas em
abordagens de rua no Brasil, observou-se uma modalidade que ainda necessita de mais
pesquisas, alicerçadas pelos trabalhos de campo que analisem este fazer em saúde e
possam (ou não) legitimá-lo.
Em Fortaleza, a abordagem de rua realizada pelos profissionais que compõem a
equipe do PCR, confirma uma tendência para práticas terapêuticas com enfoque na
perspectiva da Redução de Danos aos sujeitos envolvidos em cotidianos urbanos,
socialmente instáveis. Sobre esses cotidianos urbanos, no capítulo REDUÇÃO DE DANOS
E CONSULTÓRIO DE RUA: CONQUISTAS, LIMITES E DESAFIOS observou-se a
abordagem de rua destinada a uma população vulnerável socialmente, estabelecida em
espaços ambientalmente frágeis, caracterizados por áreas de risco, favelas, cortiços e
vazios urbanos. Esse contexto caracterizou condições de trabalho insalubre aos sujeitos do
estudo.
Destaca-se ao capítulo das PRÁTICAS TERAPÊUTICAS EM REDUÇÃO DE
DANOS: O PROJETO CONSULTÓRIO DE RUA EM FORTALEZA-CE, frente à configuração
ambiental urbana da prática de território, uma fragmentação da integralidade na rede local
de saúde. Os profissionais essenciais para a lógica da integralidade na rede local de saúde,
ou seja, os sujeitos da amostra manifestaram ser relevante para a prática de território a
comunicação entre as diferentes instituições sociais e de saúde durante as intervenções
diretas com base psico-sócio-biológica.
110
As práticas terapêuticas em saúde desenvolvidas pelos profissionais estudados
se adéquam ao inesperado e improvisado durante a troca entre conhecimento científico e
popular no cotidiano urbano. Essa realidade reproduz a prevalência da abordagem de rua
com práticas terapêuticas flexíveis no Projeto Consultório de Rua.
A integralidade da atenção destas práticas terapêuticas, junto aos usuários de
substâncias psicoativas na situação de rua, é operada através de acolhimento, vínculo,
escuta, (re)socialização, responsabilização e autonomia. No entanto, a resolubilidade da
terapêutica voltada para Redução de Danos à saúde é relativizada pelo modo de uso das
drogas por parte da população assistida. Isto ocorre, principalmente, na relação entre a
demanda e a oferta de insumos, assim como na intersetorialidade interna (rede de
atendimento em saúde) e externa (dispositivos comunitários e sociais).
No capítulo O CUIDADO EM SAÚDE: UM CAMINHO PARA A PRODUÇÃO DE
PRÁTICAS TERAPÊUTICAS NO CONTEXTO DA REDUÇÃO DE DANOS observou-se que
a partir da conduta terapêutica flexível na abordagem de rua, o cuidado em saúde
manifesta-se como uma possibilidade para a produção de práticas urbanas. O atendimento
individual terapêutico, com formulação de estratégias conjuntas na (re)construção dos laços
afetivos e acomodações sociais, objetivou consolidar a cidadania de cada usuário por meio
das atividades de intervenção, assistência, cuidados e troca de saberes através da prática
dialógica. Contudo, a prática do cuidado em saúde na perspectiva da Redução de Danos só
será possível de ser efetivada no espaço urbano se a responsabilização do usuário durante
o uso da substância psicoativa também existir.
Finalmente, sugere-se a elaboração de uma política de formação permanente
aos trabalhadores pesquisados com fins de que estes transponham suas limitações e
dificuldades. A ampliação dos espaços disponibilizados para o debate e a exposição de
necessidades da equipe devem ser respaldados e promovidos continuamente, não só
durante as supervisões institucionais.
111
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scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932001000400002&lng=pt&nrm=iso>.
Acesso
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Rio de Janeiro: IMS/UERJ:CEPESC: ABRASCO, 2007, p.63-78.
120
APÊNDICES
121
APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
O (a) Sr. (a) está sendo convidado (a) a participar da pesquisa “Saberes e
práticas dos profissionais do Consultório de Rua, no município de Fortaleza, no contexto da
redução de danos” que tem como objetivos: 1. Compreender as concepções dos
profissionais atuantes no Consultório de Rua quanto a Redução de Danos; 2. Perceber
como os profissionais atuantes no Consultório de Rua se apropriam de estratégias de
Redução de Danos; 3. Verificar como as concepções dos profissionais atuantes no
Consultório de Rua exercem influência na sua prática profissional; 4. Quais saberes são
relevantes na construção da prática desses profissionais.
Serão realizadas entrevistas semi-estruturada, as quais serão registradas
através de gravação.
Dessa forma, pedimos a sua colaboração nesta pesquisa, respondendo a uma
entrevista sobre o tema acima proposto se o (a) Sr. (a) concordar. Garantimos que a
pesquisa não trará nenhuma forma de prejuízo, dano ou transtorno para aqueles que
participarem. Todas as informações obtidas neste estudo serão mantidas em sigilo e sua
identidade não será revelada. Vale ressaltar, que sua participação é voluntária e o (a) Sr. (a)
poderá a qualquer momento deixar de participar deste, sem qualquer prejuízo ou dano.
Comprometemo-nos a utilizar os dados coletados somente para pesquisa e os resultados
poderão ser veiculados através de artigos científicos e revistas especializadas e ou
encontros científicos e congressos, sempre resguardando sua identificação.
Todos os participantes poderão receber quaisquer esclarecimentos acerca da
pesquisa e, ressaltando novamente, terão liberdade para não participarem quando assim
não acharem mais conveniente. Contatos com a mestranda Maria Eniana Araújo Gomes
Pacheco, fone: (85) 99241553, e-mail: [email protected].
O Comitê de Ética da UECE encontra-se disponível para esclarecimentos pelo
telefone: (85) 3101.9890 – Endereço Av. Parajana, 1700 – Campos do Itaperi – Fortaleza Ceará.
Este termo está elaborado em duas vias sendo um para o sujeito participante da
pesquisa e outro para o arquivo do pesquisador.
Eu, _______________________________________________________ tendo
sido esclarecido (a) a respeito da pesquisa, aceito participar da mesma.
Fortaleza, ______ de ___________________ de __________ .
__________________________
Assinatura do (a) participante
_____________________________
Assinatura do (a) Pesquisador (a)
122
APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido à
Coordenadora de Saúde Mental
O trabalho intitulado “Saberes e práticas dos profissionais do Consultório de Rua, no
município de Fortaleza, no contexto da Redução de Danos”, coordenado pela Profa. Dra.
Maria Regianne Leila Rolim Medeiros, tem por objetivos: 1. Compreender as concepções
dos profissionais atuantes no Consultório de Rua quanto a Redução de Danos; 2. Perceber
como os profissionais atuantes no Consultório de Rua se apropriam de estratégias de
Redução de Danos; 3. Verificar como as concepções dos profissionais atuantes no
Consultório de Rua exercem influência na sua prática profissional; 4. Quais saberes são
relevantes na construção da prática desses profissionais. Há como pesquisador(a) Maria
Eniana Araújo Gomes Pacheco – mestranda em Políticas Públicas e Sociedade pela
Universidade Estadual do Ceará – UECE. Para a concretização do referido estudo,
solicitamos a permissão para entrarmos em campo junto ao Projeto Consultório de Rua para
que seja possível realizar observação sistemática da prática e entrevistas com os
profissionais atuantes. A sua participação no estudo consiste em consentir a realização das
atividades citadas. Será assegurando o anonimato e o sigilo das informações fornecidas,
bem como a liberdade para retirar-se da pesquisa a qualquer momento, retirando o
consentimento como possibilidade de minimizar o risco de constrangimento dos
participantes. Assim, afastamos a obrigatoriedade de sua participação. Caso recuse
participar do estudo, não terá nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a
instituição. As informações obtidas na pesquisa serão tratadas de forma confidencial, sendo
utilizadas somente para escrever o trabalho que atribuirá o título de mestre em Políticas
Publicas e Sociedade ao pesquisador e para publicação em periódicos científicos na área da
saúde, antropologia e sociologia. O que trará como benefícios a compreensão de como se
dá a relação dos saberes nos profissionais atuantes no Consultório de Rua, no município de
Fortaleza, quanto a Redução de Danos no que diz respeito a sua aplicabilidade no campo
atuante, contribuindo para reflexão no meio acadêmico e nos serviços, pelos gestores. Após
a transcrição e digitação das entrevistas, estas serão destruídas. No momento em que
desejar entender melhor a pesquisa ou quando desejar desistir da participação, retirando o
consentimento, poderá fazê-lo entrando em contato com a pesquisadora no Departamento
de Políticas Públicas e Sociedade da UECE, localizado no campus do Itaperi, Fortaleza,
telefone: (85) 3101-9887. Caso concorde em participar do estudo, assine este documento,
que também será assinado pelo pesquisador, o qual você ficara com uma cópia.
Fortaleza – Ceará, 20/10/2011.
________________________
Participante
______________________________________
Maria Eniana Araújo G. Pacheco-Pesquisadora
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Eu, _______________________________, após tomar conhecimento da forma como será
realizada a pesquisa: “Saberes e práticas dos profissionais do Consultório de Rua, no
município de Fortaleza, no contexto da Redução de Danos”, concedo permissão, de forma
livre e esclarecida, para a pesquisadora adentrar a rota do Consultório de Rua a fim de
realizar pesquisa de campo.
Fortaleza – Ceará, _______/________/2011.
_______________________________
Participante
________________________________
M. Eniana A. G. Pacheco-Pesquisadora
123
APÊNDICE C – Roteiro da Entrevista
I–
1.
2.
3.
4.
5.
DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
IDADE (ANOS) ___________________
FORMAÇÃO PROFISSIONAL _______________________
PÓS-GRADUAÇÃO: ( ) SIM. QUAL? ________________________ ( ) NÃO
TEMPO DE FORMADO (ANOS) _____________________
TEMPO DE ATUAÇÃO NA SAÚDE MENTAL E/OU CONSULTÓRIO DE RUA
________________________________
6. VÍNCULO EMPREGATÍCIO __________________________________
7. ESTADO CIVIL ______________________________________
II – QUESTÕES SOBRE OS SABERES E AS PRÁTICAS
1. O QUE VOCÊ ENTENDE POR REDUÇÃO DE DANOS.
2. COMO O CONHECIMENTO DA ESTRATÉGIA DE REDUÇÃO DE DANOS CHEGA ATÉ
VOCÊ?
3. QUAIS SABERES SÃO IMPORTANTES PARA A CONSTRUÇÃO DA SUA PRÁTICA?
4. QUE MUDANÇAS OS SABERES PROPORCIONAM À PRÁTICA NO CONSULTÓRIO DE
RUA.
5. QUE MUDANÇAS A PRÁTICA PROPORCIONA AOS SABERES NO CONSULTÓRIO DE
RUA.
6. OS ESPAÇOS OCUPADOS NA PRÁTICA EXERCEM INFLUÊNCIA NOS SEUS
SABERES?
124
APÊNDICE D – Roteiro da Observação Sistemática
ELEMENTOS DE REFERÊNCIA
1. Condições de ambiente de trabalho
2. Áreas de maior prevalência de atendimento
3. Relações entre os trabalhadores
4. Ações e atividades intersetoriais desenvolvidas
5. Relações dos trabalhadores com os usuários do serviço
6. Parcerias com outros serviços
125
ANEXO
126
ANEXO 1- Quantitativo de 2011
SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE
REDE ASSISTENCIAL DE SAÚDE MENTAL, ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS
PROJETO CONSULTÓRIO DE RUA 1(Tarde) – FORTALEZA
Rua do Rosário, nº 283 – Centro
Telefone: (85) 34526941/ 34337146
MAPA DE REGISTRO DE ATENDIMENTOS
Nº
1
Data
Nome
/
Apelido
Sexo
M/
F
Idade
Situação
*1
Uso de
drogas
SIM /
NÃO
Substância atual
*2
Avaliação
Saúde
*3
Ação
realizada
*4
Insu
-mo
Encami
nhame
n to
Campo
Download

política de redução de danos a usuários de substâncias