OFICINA DE DESENHO URBANO: DESENHANDO E CONSTRUINDO A CIDADE NO CERRADO Realização Universidade Federal de Uberlândia Apoio Cultural Mosteiro Zen Morro da Vargem - Estação Cultural Ibiraçu/ES Patrocínio Cultural UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA Reitor PROF. ARQUIMEDES DIÓGENES CILONI Vice-Reitor PROF. ANTÔNIO DE ALMEIDA Pró-Reitora de Graduação PROFª. VERA LÚCIA PUGA DE SOUZA Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação PROF. JOMAR MEDEIROS CUNHA Pró-Reitor de Extensão, Cultura e Assuntos Estudantis PROF. GABRIEL HUMBERTO MUÑOZ PALAFOX Pró-Reitora de Recursos Humanos PROFª. LEILA BITAR MOUKACHAR RAMOS Pró-Reitora de Planejamento e Administração PROFª. RAQUEL CRISTINA RADAMÉS DE SÁ Prefeito de Campus ENG. WILSON AKIRA SHIMIZU Diretora de Culturas PROFª. VÂNIA CARVALHO LOVAGLIO Diretor do Instituto de Geografia PROF. SAMUEL DO CARMO LIMA Lucimar Bello Pereira Frange Luiz Gonzaga Falcão Vasconcellos (Organizadores) OFICINA DE DESENHO URBANO: DESENHANDO E CONSTRUINDO A CIDADE NO CERRADO 2ª edição UBERLÂNDIA 2004 FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da UFU / Setor de Catalogação e Classificação / mg O32d 2. ed Oficina de desenho urbano: desenhando e construindo a cidade no cerrado / Lucimar Bello Pereira Frange, Luiz Gonzaga Falcão Vasconcellos, organizadores. - 2. ed. - Uberlândia : Universidade Federal de Uberlândia / PROEX, 2004. 1CD-ROM : il. 1. Desenho. 2. Urbanização. 3. Cidadania. I. Frange, Lucimar Bello Pereira. II. Vasconcellos, Luiz Gonzaga Falcão. III. Universidade Federal de Uberlândia. Pró-Reitoria de Extensão Cultura e Assuntos Estudantis. CDU: 744 Oficina de Desenho Urbano: a s Crianças, os Jovens e a Cidade no Cerrado - Segunda Etapa PROJETO: “Oficina Etapa”” . COORDENAÇÃO: Luiz Gonzaga Falcão Vasconcellos PESQUISADORES: Profª. Drª. Lucimar Bello Pereira Frange (Artista Plástica) Prof. Luiz Gonzaga Falcão Vasconcellos (Geógrafo Urbanista) ESTAGIÁRIAS: Anaisa Moreira Firmino (Aluna do Curso de Geografia da UFU) Priscila Georgia Freitas de Souza (Aluna do Curso de Geografia da UFU) Mara Nogueira Porto (Aluna do Curso de Artes Plásticas da UFU) REVISÃO: Luciane Chedid Melo Borges Victor Mariotto Palma 2004 Universidade Federal de Uberlândia CEP 38400-902 - Uberlândia - MG - Brasil Fone: (34) 3239-4411 www.ufu.br Sonhos coletivos E ra uma vez um sonho. Um sonho que de tão grande precisava que muitas pessoas o sonhassem ao mesmo tempo. Era uma vez uma cidade com várias praças. Tantas praças que o tamanho do sonho não conseguiu abarcá-las ( ou que não couberam dentro do sonho) Como sonhos sonhados em conjunto têm várias opções, foi preciso selecioná-las e organizá-las para que abrisse os olhos, acordasse e depois de um grande bocejo, virasse realidade. No sonho, crianças desenhavam ao mesmo tempo em todas as praças da cidade; na realidade, 2000 crianças e jovens desenharam em 30 praças. Que surpresa boa!!! O sonho grande não deu lugar a uma pequena realidade. As fadas e duendes de plantão conspiraram para que tudo desse certo e os sonhadores se sentissem felizes. Mas, como um bom sonho deu origem a uma boa realidade, esta faz com que os sonhos se multipliquem em cabeças sonhadoras. Outdoors, vídeo, livro e desenhos produzidos são a confirmação de que são possíveis sonhos coletivos! Eliane de Fátima Vieira Tinôco DesenhosCidadesCidadesDesenhosDesenhosCidades casca oca a cigarra cantou-se toda D Bahô (século XVII) Tradução: Paulo Leminski esenhar e construir cidades vividas, visivas e imaginárias tem sido um percurso coletivo desde o ano de 2001. Estamos em 2004 e as nossas interlocuções têm acontecido por todo esse tempo, com atores sócioculturais de cidades que; em suas construções, desconstruções e reconstruções; contêm - além de fragmentações e articulações - sonhos e utopias. A temática do Desenho Urbano tem sido um exercício aprofundado sobre um Município, sua Cidade, seus distritos e as inúmeras e complexas cidades constituintes; e o interesse por essa experiência vem se ampliando entre escolas, faculdades, universidades, centros de pesquisa, instituições culturais, órgãos públicos, associações de moradores e ONGs. Os 2643 desenhos, falas-vozes dos desenhadores, os depoimentos, as perguntas e os diálogos, são multiplicidades e densidades humanas que têm nos implusionado a dar seguimento ao trabalho. Instauram-se, cada vez mais, dimensões estéticas e estésicas sobre as cidades nas quais se vive e sente e pensa e questiona e se propõe a partir do tema A cidade em que você vive e a cidade que gostaria de construir. Este CD-ROM integra o Projeto Oficina de Desenho Urbano: As Crianças, os Jovens e a Cidade no Cerrado, agora em sua 2ª etapa. As diretrizes para os desdobramentos desta etapa foram concebidas e trabalhadas numa busca inquieta de pensar a Cidade em suas múltiplas dimensões espaço-temporais, em fevereiro de 2004, na Estação Cultural do Mosteiro Zen Morro da Vargem em Ibiraçú - ES. A Segunda Etapa tem, ainda, a edição de um Vídeo artístico-documental e a publicação de Cartelas, que se constituem de Conversas de Desenhos com Desenhos. Em 2001, 2002 e 2003 foram editados 1000 exemplares do livro (em duas tiragens de 500) e 100 exemplares em CD-ROM. Tanto o vídeo quanto o CD-ROM têm patro- cínio da Caixa Econômica Federal, através da Diretoria Desenvolvimento Urbano e Parcerias. Assim, optamos por mais esta alternativa de divulgação, para dar continuidade à disponibilização, socialização e publicização das produções dessa experiência de ensino, pesquisa e extensão universitária. Essa jornada vem se concretizando no encontro de muitos desejos e a construção coletiva de um sonho - pensar e propor, por imagens, a Cidade no Cerrado Uberlândia e seus distritos Tapuirama, Martinésia, Cruzeiro dos Peixotos e Miraporanga. Ibiraçú, fevereiro de 2004. Lucimar Bello Pereira Frange Artista Plástica e Professora [email protected] & 7 Luiz Gonzaga Falcão Vasconcellos Geógrafo Urbanista e Professor [email protected] A Diretoria de Culturas vem apresentar à comunidade, universitária e local, a Segunda Etapa da “Oficina de Desenho Urbano”. Na sua Primeira Versão, houve a produção gráfica do material, contendo imagens e reflexões a partir do tema “A cidade em que você vive e a cidade que gostaria de construir”. Foram distribuídos livros aos participantes do Projeto, às escolas municipais, estaduais e associações de bairro, e enviados a diversas instituições de ensino do país e do exterior - Estados Unidos, Canadá e Europa. Nesta Segunda Etapa, estão sendo lançados o CD-ROM - uma versão digital - do livro e o vídeo, produzido a partir de um mergulho sobre as imagens dos 2643 desenhos e de conversas outras. Agradecemos, portanto, a todos que, por meio de seus olhares e de suas falas, evocaram reflexões a respeito da nossa condição existencial, possibilitando-nos uma maior aproximação entre as dimensões geográfica, histórica, cultural e emocional. Vânia Carvalho Lovaglio Diretora de Culturas - DICULT / PROEX / UFU 8 Sumário Apresentação DesenhosnasPraçasenosDistritosdaCidadenoCerradoUberlândia Capítulo 1 Oficina de Desenho Urbano: As Crianças, os Jovens e a Cidade no Cerrado, um Percurso 10 13 Capítulo 2 Dialogando com as Imagens · A Praça como Moldura · Desenhos-Desenhados: sonhos, desejos, realidades, lembranças · O meio, a cidade, o desejo, o desenho e o olhar · Propostas para as cidades de seus sonhos: uma viagem pelos desejos-desenhados · O urbano modificando as relações sociais através do olhar de crianças e de jovens · Leituras e diálogos com imagens nos Distritos: Martinésia, Tapuirama, Cruzeiro dos Peixotos e Miraporanga · Fotos-Percursos-Espaços dos Desenhos-Desenhados 27 27 47 66 85 100 123 166 Capítulo 3 Concluindo ou Continuidades possíveis 181 Dados Complementares · Lista das Praças · Lista dos Desenhadores · Lista dos Oficineiros-Colaboradores · Tabelas dos Desenhos-Desenhados · Equipe de Gestão e Execução do Projeto 187 187 188 192 199 202 9 Apresentação DesenhosnasPraçasenosDistritosdaCidadenoCerradoUberlândia A Oficina de Desenho Urbano: as Crianças, os Jovens e a Cidade no Cerrado é momento das vozes e das falas desenhadas, de crianças, jovens e cidadãos a proporem uma cidade da utopia, da possibilidade humanística e imaginária: uma Minas de muitas minas, parafraseando Guimarães Rosa. Olhar a cidade, perceber a cidade e propor cidades para uma cidade é um olhar humano construído pelas culturas nas quais se vive. É uma constante integração com o meio no qual se está mergulhado e adensado pelas inúmeras histórias pessoais e coletivas. O olhar constrói, não é neutro, não é passivo, enfim, não é uma simples janela a ser aberta para o mundo. O olhar age sobre o mundo e age sobre a sociedade1 . A Oficina de Desenho Urbano: as Crianças, os Jovens e a Cidade no Cerrado é uma proposição cultural ancorada em dimensões políticas, pedagógicas, culturais e sociais. A política, segundo Renato Janine Ribeiro, não está ligada à polis, à cidade, às organizações das instituições como estava na tradição da teoria política, mas está ligada ao poder, no sentido de ser a maneira como nós pegamos os fios descosturados de uma vida e tentamos ser senhor destes. Fazer política é ser um cidadão ativo, de minha vida, um ‘condotiere’ de meu destino; é deixar de ser um joguete passivo daquilo que me formou2 . Como diz Bruno Kardele Dantas (um do desenhadores do Projeto, habitante de Cruzeiro dos Peixotos): achei legal porque desperta esperança, amor e alegria, dimensões a serem trabalhadas enquanto “sustâncias” de vida neste milênio que se inicia, substâncias para vidas a serem ressignificadas. O livro traz algumas vozes de desenhadores e de oficineiros-colaboradores que, agregadas às nossas conversas, às leituras visuais e verbais, ampliam as percepções da cidade e das cidades, são fluxos e entre-fluxos citadinos a nos constituírem3 : ... a vontade de desenhar é grande, mas às vezes a timidez impede que a criança consiga expor seus pensamentos ... ... o fato que mais atraiu e despertou a atenção das crianças foi o plantio da árvore e fez com que elas conversassem e brincassem juntas ... DUARTE, Paulo Sérgio. O campo expandido da arte, parte 3. Mudança de regime de percepção. Em: www.cultura-e.com.br RIBEIRO, Renato Janine. A postura do brasileiro diante da ética e o preconceito que existe em relação a política do país. In: Calendário de Extensão e Cultura. São Paulo: USP, dez, 2001. 3 As vozes foram preservadas inclusive com erros de português. 1 2 10 Dois policiais passaram pela praça e também desenharam. Os jovens estavam sempre acompanhados por amigos e sempre sentiam vergonha ao desenhar. Posso buscar minha régua, meu lápis de cor, o que nós vamos ganhar? Eu vou vir todo dia aguar a plantinha ... Pessoa de 02 a 70 anos tiveram o prazer de desenhar. Cíntia desenhou um cruzamento e pediu não violência no trânsito. Ela já foi atropelada. Estava em uma moto com o pai e um senhor bêbado, de bicicleta, atravessou na frente da moto ... Wallison (3 anos) desenhou o lixo nas ruas, pois ele não quer lixo nas ruas e nas praças. Vou desenhar uma quadra pintada porque fizeram essa, mas não é uma praça, é um curral de cavalo ... Desenhei os prédios chiques e os barracos ao lado. Desenhei um rapaz assaltando porque existe essa realidade na cidade. Os jovens chamaram o Sr. Ari (responsável, como voluntário, pela manutenção da praça) para conhecer a nova árvore plantada e que precisará de muitos cuidados. Como eu vou desenhar como eu vejo a cidade? Eu nunca andei de avião ... Eu tentei desenhar a paz. A escola inteira está aqui. Gostaria que tivesse policiamento, um posto de saúde melhor; melhorar a escola, mais salas, pois tem alunos que não podem entrar; é preciso de aulas de computação, área de lazer para o povo, clube. Deveria ter mais cursos de aperfeiçoamento, pois as fazendas precisam ter pessoas qualificadas. Nelson Brissac Peixoto, no catálogo da Artecidadezonaleste, pergunta: de quem é a cidade? A metrópole de hoje emerge como um local estratégico para todo um leque de novos tipos de operações - políticas, econômicas e culturais. Novos alinhamentos compõem o campo de batalha da cidade global. Surgem novos atores sociais: as corporações multinacionais e a multidão. A cidade global do modernismo tardio é uma operação de reestruturação do espaço urbano, controle e exclusão social4 . O capítulo 1 situa o Projeto e mostra suas etapas, complementado por dados e tabelas no final do livro. O capítulo 4 PEIXOTO, Nelson Brissac. As máquinas de guerra contra os aparelhos de captura. In: Artecidadezonaleste. São Paulo, 2002. (Catálogo de exposição) 11 2 é o locus das conversas com os Desenhos-Desenhados. Várias equipes, compostas de 3 a 10 pessoas, olharam, perceberam, dialogaram e escreveram algumas possíveis entradas nas cidades desenhadas. A ordem de leitura pode ser escolhida por você, leitor, pois cada texto tem a autoria do grupo “escre-vedor” e o respeito da Comissão Organizadora do livro, não sendo, portanto, seqüenciais. O capítulo 3 faz uma síntese do projeto e aponta possíveis caminhos após um percurso iniciado, gestado (com enormes desafios institucionais) e partilhado, prazerosamente, no período de abril de 2001 a julho de 2002. A Oficina de Desenho Urbano: as Crianças, os Jovens e a Cidade no Cerrado é um exercício, um ato coletivo, político, pedagógico, sócio-cultural; alicerce para uma possível metodologia capaz de interligar extensão, cultura, educação e cidadania. Convidamos você, leitor, a partilhar conosco esses sabores, co-gestar novos saberes e perguntar, junto a nós do Projeto, quem somos nessa Cidade Cerradiana de Minas, de onde viemos e para onde estamos indo... 12 Capítulo 1 Oficina de Desenho Urbano: as Crianças, os Jovens e a Cidade no Cerrado, um percurso Eliane F. Vieira Tinôco, Lázaro Vinícius Oliveira da Silva, Lucimar Bello P. Frange, Luiz Gonzaga Falcão Vasconcellos, Rafael Tannús Moreira5 As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, as suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas sejam enganosas, e que todas as coisas escondam uma outra coisa. Ítalo Calvino6 A cidade é, por si, ao se fazer democrática. Ela não tem desenho a não ser sendo democrática. Ela é de todos, inclusive numa desgraça, sem dúvida nenhuma, você vê que se pode dormir no meio da rua. Paulo Mendes da Rocha7 U ma oficina pode ser entendida, imaginada, pensada e concebida como local de construção de muitas possibilidades. Desenhar na Oficina o Desenho Urbano é dar curso às percepções, aos sentimentos e às emoções, aos experimentos, aos sonhos e às vivências no fazer e fazer-se urbano, que se constitui no acontecer da cidade, do lugar onde vivemos, sejam quais forem suas condições. O lugar em que se mora é o lugar no qual a maioria das pessoas passa a maior parte de suas vidas; portanto, um tempo enorme de seu viver. Assim, cunham-se as expressões “minha terra”, “minha cidade”, “o lugar onde vivo”, “meu torrão”, “meu bairro”, “minha cidade é uma vila pequenininha”, “meu lugar”, entre tantas outras carregadas de significado histórico-geográfico e de dimensão sócio-cultural ímpares. O projeto Oficina de Desenho Urbano: as Crianças, os Jovens e a Cidade no Cerrado (O.D.U.) teve seu início no mês de abril de 2001, quando uma equipe multidisciplinar formada por profissionais ligados à Prefeitura Municipal de 5 Eliane de F. V. Tinôco é professora de arte da Rede Municipal e assessora de Ação Educativo-Cultural da DICULT; Lázaro Vinícius Oliveira da Silva é geógrafo da SEDUR e professor da Rede Estadual de Ensino; Lucimar Bello Pereira Frange é artista plástica, arte-educadora e diretora de Culturas da PROEX/UFU; Luiz Gonzaga Falcão Vasconcellos é geógrafo professor do Instituto de Geografia da UFU e assessor da SEDUR/PMU; Rafael T. Moreira é coordenador do setor de Interlinguagens Artísticas da DICULT e professor da rede particular de ensino. 6 CALVINO, Ítalo. As Cidades Invisíveis. Trad. Diogo Mainardi. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. 7 ROCHA, Paulo Mendes da. Revista Caros Amigos, ano VI, nº 61, abril de 2002. (entrevista) 13 Uberlândia (PMU) e à Universidade Federal de Uberlândia (UFU) se reuniu e começou a planejar ações de desenhos com crianças e jovens e realizou, no dia 30 de setembro de 2002, a ação “Desenhando e Construindo a Cidade no Cerrado” que aconteceu em 30 (trinta) praças do município, sendo 26 (vinte e seis) na cidade (distrito sede) e 4 (quatro) nos distritos de Tapuirama, Martinésia, Cruzeiro dos Peixotos e Miraporanga. O tema central foi: “a cidade em que você vive e a cidade que gostaria de construir”, pensado e definido após muitas reflexões, passando, dessa forma, a constituir-se no corpus norteador do desenvolvimento do Projeto. Surgido a partir do encontro de experiências advindas do âmbito das Artes Plásticas, da Geografia Urbana e do Urbanismo, o Projeto foi agregando idéias à medida que aumentava a diversidade de profissionais e estudantes envolvidos nos trabalhos. Juntaram-se aos precursores e equipe do Projeto uma gama enorme de pessoas que atuaram como oficineiros e colaboradores, o que evidenciou a vontade, o compromisso e o encantamento das mesmas. O projeto vem se efetivando ancorado em metodologias como a pesquisa-ação. Envolve dez Secretarias Municipais (Meio-ambiente, Planejamento, Cultura, Educação, Turismo, Ciência e Tecnologia, Comunicação Social, Orçamento Participativo, Desenvolvimento Social e Administração dos Distritos) e a Diretoria de Culturas da UFU (DICULT). As reuniões - que aconteciam a cada quinze dias em locais diferentes, para que habitássemos os espaços pessoais e coletivos de cada integrante da equipe gestora do projeto - eram momentos de discussões conceituais e de proposições para novas pesquisas, mais aprofundamentos e mais ações. Em uma equipe multidisciplinar, cada membro falava de sua especificidade, dando embasamento para a construção coletiva de um projeto transdisciplinar.8 O investimento do projeto é de uma cidade humana a ser humanizável com qualidade de vida para todos os seus segmentos, na qual convivam a cidade e o urbano enquanto produções sociais de citadinos/cidadãos, independente de suas idades e etnias, seus gêneros e grupos sociais. Segundo Michael Brenson: O crescente envolvimento artístico com crianças sugere uma necessidade, entre artistas, de imaginar um futuro com poder em novas mãos9 . No caso da O.D.U, o envolvimento se dá tanto por artistas quanto por uma diversidade de profissionais que vêem no desenho da criança possibilidades estéticas, culturais, políticas e sociais. Os desenhadores, ao desenharem “a cidade em que você vive e a cidade que 8 9 A transdisciplinaridade é entendida como a quebra das barreiras entre as áreas de conhecimento e um trabalho de com-junto entre elas. BRENSON, Michael. In: Perspectivas da Arte Pública. Arte Pública. São Paulo: SESC, 1998. 14 gostaria de construir”, têm, em seus desenhos, projetos/propostas de cidades sobre as quais são pensadas múltiplas possibilidades. O objetivo da pesquisa cultural e social é motivar e instrumentar diversificados grupos de trabalho, como fonte de conhecimento e de uma ação educativa de transformação, numa perspectiva libertadora/criadora. O Projeto aponta em múltiplas direções quanto à conceituação da “cidade-urbano”. Contudo, tal diversificação vai apresentar um aspecto comum: a contraposição à homogeneização e ao autoritarismo permeado na idéia da cidade produtivista. Para ilustrar esse contraponto, tomamos emprestada a palavra do poeta amazonense Aldísio Filgueiras quando fala que a cidade que existe em nós tem saudades do futuro. Não tem água que se acabe. Mas isto é para quem viverá. Não existem águas paradas10 . A cidade da produção - a exemplo da fábrica - deve ser bem gerenciada, ter funcionalidades, ser “racional” e lucrativa. Suas formas, conteúdos e atributos precisam atender aos objetivos da produção econômica, tornando-se competitivos, pragmáticos e planejados nesse intuito. Sua lógica, fundada nos paradigmas do processo de globalização da economia, indica a importância de sua articulação no concerto internacional de cidades, com preocupação voltada para a racionalidade exigida por tal concepção. Esse “ideal” de cidade é o do pensamento único, sem tensionamentos, utopias, sonhos e ideologias, ou seja, uma cidade sobre a qual só se conhece parte de sua história, de seu passado e de suas vitórias e derrotas. Em contraponto a esse conceito, o presente Projeto trabalha a cidade enquanto materialização de tempos históricos, produto das relações humanas, natureza apropriada e transformada. Suas formas, sempre datadas, são fruto dos saberes, das técnicas e das dimensões artísticas e culturais das sociedades em cada época. Seus atributos atendem, ou buscam atender, às demandas e aos interesses dos segmentos sociais de cada sociedade. Seus conteúdos expressam ideologias, crenças, sentimentos, culturas e filosofias de vida. A cidade torna-se, portanto, causa e efeito da ação coletiva, lugar privilegiado das idéias, e condição necessária ao exercício da cidadania. Entendendo a cidade e sua dinâmica como resultante da ação de múltiplos agentes sociais, pensamos o Projeto com o intuito de combinar, mesclar e amalgamar a pesquisa e a extensão universitária, através de uma ousada cooperação inter-institucional envolvendo a Universidade e a Prefeitura com os seguintes objetivos: 10 FILGUEIRAS, Aldízio. Manaus: as muitas cidades, 1987-1993. Edição do autor: 1994, p.58. 15 1 –Pensar a cidade e o município através dos desenhos de crianças e jovens realizados em praças públicas entendidas como espaços de encontros, diálogos, trocas e criações. 2 –Incentivar as percepções da cidade como espaço habitacional de trocas culturais e sócio-políticas. 3 –Conhecer o município, os distritos e a cidade como resultantes de processos sócio-culturais, considerando os “bens naturais e os bens simbólicos” incorporados como valores existenciais. 4 –Propor que as crianças e os jovens fizessem desenhos do lugar onde vivem e do lugar que gostariam de construir. 5 –Encaminhar as proposições feitas pelas crianças e jovens, entendidas como práticas cidadãs, aos órgãos dos poderes públicos e instituições da sociedade civil. Desenhar e construir a cidade que contém, em sua essência e fundamento, o binômio natureza-sociedade, passa, no caso de Uberlândia, pelo Cerrado, pelo planalto, por seus rios e córregos, por sua fauna, por seu clima, por sua geologia e por sua vegetação, onde atores sociais constroem seus viveres. O “Cerrado Uberlandense”, para nós, tem essa marca. A sociedade-natureza forja sua antropogeografia11 e constitui um espaço-tempo com personalidades e identidades próprias. Essa “marca registrada”, seja de que forma for, aponta para nossas identidades, nossas personalidades, nossas individualidades e pluralidades nos contextos em que nos inserimos. Se abertos à multiplicidade que é a cidade - local e lugar, que brota e pode florescer, de dentro para fora e de fora para dentro, a diversidade cultural que somos - podemos edificar a “cidade” do direito ao direito, do direito à diferença, do direito às oportunidades e realizações. A equipe gestora do projeto, em um primeiro momento, demonstrou a vontade de ter crianças e jovens desenhando, ao mesmo tempo, em todas as praças da cidade de Uberlândia e dos distritos. De posse de um mapa da cidade, vendo as praças e as áreas institucionais, locais que ainda seriam transformados em praças, percebeuse ser impossível utilizá-las para o momento de desenho com crianças e jovens. Por isso, foram escolhidas praças nas diversas regiões da cidade, respeitando-se a setorização do Plano Diretor e a regionalização do Orçamento Participativo. As praças foram visitadas por duplas de pessoas que relataram, para o grande grupo, as condições das mesmas. Assim, foram criadas equipes de trabalho destinadas ao estudo desses espaços, 11 A Antropogeografia é aqui entendida como o mesmo que “Geografia Humana”, constituindo o conhecimento do ambiente construído (físico/ cultural), a partir de um processo social. Tal conhecimento contém uma reflexão crítica na perspectiva da produção do saber geográfico. 16 levando em consideração aspectos, como tamanho, conforto, tráfego de veículos, bem como a existência de escolas em suas proximidades. A estrutura física das praças deveria acolher os “desenhadores”, proporcionando-lhes o abrigo em relação ao sol forte e, também, protegê-los de problemas como o trânsito de automóveis. Além disso, um mínimo de infra-estrutura correspondente aos bancos e aos canteiros gramados foi considerada por essas “equipes de andarilhos” que percorreram os cinco setores e os quatro distritos de Uberlândia, levantando os locais possíveis para a realização da ação de desenho. As visitas em duplas a cada uma das praças eram momentos de trocas entre as equipes e os freqüentadores do local, proporcionando um maior entrosamento entre as pessoas. Com os números de praças e locais estabelecidos, a equipe definiu os Coordenadores responsáveis por cada setor e distritos da cidade. Estas pessoas assumiram não só as tarefas de distribuir e recolher as fichas de inscrições, calculando o número de colaboradores por praça; como, também, foram responsáveis pelo planejamento das ações com os grupos de trabalho, assumindo a divulgação do projeto e de sua concepção junto aos oficineiros-colaboradores e escolas. Os oficineiros-colaboradores surgiram de diversas comunidades. Muitos estavam ligados a escolas Estaduais e Municipais, outros eram professores e alunos de vários cursos da UFU e do Centro Universitário do Triângulo - UNIT. Houve a participação de diversos profissionais liberais, estudantes e funcionários públicos que queriam trabalhar no dia 30 de setembro: 160 estudantes, 146 profissionais e 18 pessoas que não identificaram sua profissão. O total de 324 pessoas foi assim subdividido: 51 estudantes de Artes Plásticas, 38 do Ensino Médio, 30 de Arquitetura, 22 de Geografia, 3 de PréVestibular, 3 de Psicologia, 2 de Ciências Sociais, 2 de Comunicação Social, 2 de Engenharia Civil e estudantes de Arquitetura e Artes Plásticas, de Biologia, de Computação, de Direito, de Economia, de Educação Física e de Engenharia Mecânica. Dentre os profissionais, 45 eram Professores, 14 Arquitetos, 8 Geógrafos, 8 Professores de Artes, 5 Artistas Plásticos, 5 Donas de Casa, 4 Educadores, 3 Economiárias, 3 Jornalistas, 3 Vendedores, 2 Arte Educadoras, 2 Arte Terapeutas, 2 Artistas Plásticas e Professoras, 2 Atendentes, 2 Cabeleireiros, 2 Dentistas, 2 Designers, 2 Diretoras de Escola, 2 Economistas, 2 Pedagogas, 2 Psicólogas, 2 Supervisoras, Agente de Controle de Zoonoses, Agricultor, Analista de Sistema, Aposentada, Artista Plástico e Bancário, Assistente Administrativa, Assistente Social, Auxiliar de Creche, Auxiliar de Laboratório, Balconista, Bordadeira, Comerciário, Corretora de Imóveis, Costureira, Eletricista, Fiscal Ambiental, 17 Funcionária Pública, Instrutora, Manicure, Merendeira, Modelista, Orientadora, Pintor, Professora e Psicóloga. Essa diversidade de pessoas proporcionou uma rica troca de experiências culturais e sócio-políticas, que fortaleceu os encaminhamentos para o dia “Desenhando e Construindo a Cidade no Cerrado” (30 de Setembro). Desde o início, a escola foi percebida como comunidade essencial para a viabilização da ação. Evidentemente, a proposta não estava restrita somente às escolas; portanto, entendemos a sua importância na mobilização dos jovens, das crianças e dos adultos das comunidades locais. A partir de seu envolvimento, poderíamos, ainda, convidar os diversos profissionais ligados ao ensino médio e fundamental. Foi necessário que pensássemos e definíssemos o material, e optamos por: - uma folha branca (tamanho ofício), imaculada, material de uso diário de crianças, jovens e adultos, conviventes do cotidiano estudantil e profissional, que não causaria, por sua familiaridade, estranheza ou impacto negativo; - uma caneta preta, não tão familiar, mas objeto de desejo de crianças pequenas (que vêem nela a afirmação de seus saberes), companheira dos adolescentes e jovens na construção de seus conhecimentos, escolhida e debatida pela equipe gestora, por suas possibilidades gráficas de registro que não se apaga, pela facilidade e fidedignidade da reprodução; uma linha que, pelo material, já instala uma necessidade de pensamento, linha-pessoa-vida-cidade a ser construída, linhas primevas, linhas-gestos-proposições; riquezas de sensibilidades, de percepções, de expressões cidadianas e cerradianas (dos Cerrados de Minas); - um papelão A4 como uma base rígida, para conforto do desenhador e qualidade do desenho; - um varal, com cordão e prendedor de roupas, montado em todas as praças, para tornar visíveis as diversas propostas individuais dos desenhadores, coletivizando as idéias e os ideais de uma cidade e de muitas cidades. Em um projeto que vai se construindo a todo momento são incorporadas, sempre no coletivo, novas idéias. Foi assim que, em um momento das discussões, pensamos a necessidade de se deixar na praça um marco/ marca do projeto. Pensamos, primeiramente, em uma construção de placas de cerâmica, mas definimos por plantar uma árvore típica do Cerrado, na finalização dos trabalhos com as crianças e pessoas que estivessem na praça. Assim, em cada comunidade, criar-se-ia um vínculo maior das crianças com a praça, já que as 18 mesmas seriam incentivadas pelos oficineiros a cuidarem da árvore que plantaram. Outra idéia concebida pelos gestores do projeto foi a realização de seminários com o objetivo de socializar com os oficineiros os estudos e as etapas do Projeto, discutir metodologias de ações e estabelecer o cronograma de trabalho e os materiais utilizados. A divulgação do projeto foi feita por um cartaz/folder com todas as informações, entregue, com uma semana de antecedência, nas escolas, tanto públicas quanto particulares, bem como nos estabelecimentos comerciais no entorno das praças. A divulgação, neste primeiro momento, foi baseada num contato mais próximo entre as pessoas, proporcionando uma religação entre os sujeitos, e, que a revitalização de “prosas” e contatos interpessoais se sobrepôs aos métodos “frios” de propaganda e comunicação. Com isso, não foi oportuna (também não queríamos, após discussões na equipe gestora), a presença de carros de som ou outros meios que levassem as crianças e jovens a desenharem em troca de algo. O prazer em ir à praça estaria arraigado ao ato de desenhar e pensar a Cidade no Cerrado Cerrado, não sendo necessária, e nem aceita, a presença de shows ou mesmo de “balinhas e prêmios”, pois o “único incentivo” para que as crianças e os jovens lá estivessem era o desenho e a cidade, entendido como tempo/espaço/possibilidade das vozes de um segmento da população que normalmente não manifesta, nos órgãos oficiais, seus desejos e vontades com relação à cidade. As crianças e os jovens vivenciam suas cidades a partir de suas inserções culturais e sociais no âmbito da cidade e, conseqüentemente, do “lugar” que ocupam na sociedade em que vivem, cidades de seus sonhos, suas bondades, suas malícias, com gostosuras e belezas, amarguras e feiúras, elaborando expectativas, propostas e planos para o fazer-se e refazer-se dessas mesmas cidades, assim como são desejosos de oportunidades para o diálogo e a exposição de suas idéias para “novas construções da cidade”. Em um projeto, cuja ação é o desenho da cidade cidade, tínhamos a noção de que cada criança chegaria, desenharia e iria embora, ou ficaria habitando a praça por mais algum tempo, por sedução ou hábito de estar ali. Em algumas praças, as crianças foram chegando para desenhar, pois já sabiam do projeto. Em outras, os oficineiroscolaboradores precisaram sair e convidar crianças que estavam na praça ou em seu entorno. Houve casos de 19 oficineiros convidarem um grupo de crianças que pararam de jogar futebol para poder desenhar. As crianças poderiam chegar a qualquer momento e ir embora quando sentissem vontade. O Projeto assumiu um distanciamento das fórmulas “eventistas” tradicionais, buscando a efetiva participação das crianças e dos jovens. Os oficineiros iniciaram o dia com a apresentação do tema “Desenhe a cidade em que você vive e a cidade que gostaria de construir” e encerraram a ação com o plantio dos ipês rosas (definidos como Marco/ Marca do Projeto). A frase “Desenhe a cidade em que você vive e a cidade que gostaria de construir” foi pensada e definida após muitas rodadas de conversas entre os gestores do Projeto (PMU e UFU) durante o período que compreende os meses de abril a agosto de 2001. É o tema da ação realizada no dia 30 de setembro que tem em sua proposição algumas possíveis entradas. Num primeiro momento, há uma provocação e um chamamento para um ato: desenhe. Desenhar é desenhar-se e o Projeto pede atos de “desenhamentos” de uma Cidade no Cerrado; pede pela imagem, as condições de vidas-em-vivência, quer dizer, uma vida que se percebe, para a qual se olha, sobre a qual se pensa, que se faz desenhar e que, pelo desenho, se faz ver, vida sentida significativamente. E, ainda, encaminham-se para instituições e entidades, as solicitações dos desenhos-desenhados, que são algumas possibilidades de melhoria de vida. “Desenhamento” é uma condição de uma pessoa que se desenha e, ao se desenhar, desenha as interrelações com outras pessoas e com o mundo percebido, vivido e “julgado” crítica e propositoramente. O tema “a cidade em que você vive” propôs uma ação “determinada” por nós, chamando um desenhador para um ato de desenhar a cidade atual, na qual se está imerso enquanto “pessoalidade” e “pessoalidades” e, concomitantemente, uma cidade do imaginário coletivo sócio-cultural. “Desenhador” quer dizer no projeto aquele que desenha por vontade, por se sentir seduzido pela proposta do tema, podendo ser qualquer pessoa de qualquer idade, uma vez que a praça é espaço público. “Pessoalidade” é a maneira de uma pessoa se constituir, com sua personalidade, suas maneiras, seus sonhos, suas raivas, suas ancestralidades, suas perspectivas e suas ousadias. Na seqüência do tema, existe uma outra proposição: “a cidade que gostaria de construir”, que convoca para um ato de desenhar proposições, tendo a vontade e o desejo já instalados anteriormente. “Desenhe a cidade em que você vive e a cidade que gostaria de construir” é uma temática de muitos possíveis - 20 marcas-desenhantes, registros e pegadas de uma pessoa, de espaços coletivos e idéias culturais, de contextos e situações. Nesse sentido, algumas pessoas, tanto oficineiros quanto desenhadores, entenderam como sendo “chamados” dois desenhos; outras privilegiaram uma das partes do tema ou fundiram-nas em uma; e outras, ainda, fizeram seus desenhos “guardados” enquanto vontades, desvinculados, pelo menos à primeira vista, do tema proposto. A ambigüidade do tema foi objeto de ampla discussão. Entendendo que as pessoas encontrariam maneiras de, com a linha-desenhante, falar de suas percepções e proposições para a Cidade no Cerrado - Uberlândia e seus distritos - mantivemos propositadamente a condição do ambíguo, inclusive como um mote duplo, de provocação: irritação ou sedução. O tema convidou a uma criação propositiva, criando condições às crianças e aos jovens de desenhar a partir de suas vivências e anseios. Se, para alguns, a frase propunha situações distintas, separando presente e futuro, para outros ela combinava essas dimensões temporais, o que levou a uma diversidade riquíssima de desenhos, nos quais a compreensão da temática é retratada com razão, emoção, sonhos e utopias. A aparente dualidade quanto à temática não causou problema metodológico, pelo contrário, enriqueceu a proposta inicial, abrindo caminhos para a criatividade e subjetividade. Tal diversidade veio ao encontro das concepções do Projeto, uma vez que o mesmo se apresenta aberto à multiplicidade teórico-conceitual relativa à cidade e ao urbano. Todos os desenhos a nós entregues foram aceitos, independente de idade. Todas as pessoas que quiseram os materiais para desenhar vieram às praças, tiveram-nos e sabíamos que, ao chamar as crianças e os jovens, estávamos chamando as famílias, os “tomadores de conta”, as turmas, as comunidades circunvizinhas das praças. Os desenhos-desenhados (2643 no total) mostram “muitas cidades” no Cerrado de Minas, com inúmeras solicitações, muitas delas reafirmando as vontades faladas e verbalizadas em diversas situações. No entanto, a condição humana é aspecto que aparece somente nos desenhos-desenhados. Os desenhadores mostram, pelas imagens, seus gostos, suas maneiras de ser e seus sonhos, gostos de um sujeito do “gosto” que possui a paixão pela diferença12 . Os sujeitos-pessoas-desenhadoras possuem e nos mostram as suas paixões citadinas. 12 FIORIN, José Luiz. “De gustibus non est disputandum? Para uma definição semiótica do gosto”. In: Landowski, Eric e FIORIN, José Luiz. O gosto da gente, o gosto das coisas. São Paulo: EDUC, 1977, p. 15-7. 21 Após o dia 30 de setembro, cuidamos da realização dos seminários. Foram quatro dias, sendo dois deles realizados pelos coordenadores do projeto e dois com as palestrantes convidadas, professoras ligadas à arte pública13 : Lilian Amaral e Ana Mae Barbosa. Lilian Amaral (artista plástica) sugeriu que no seminário se fizessem vários outdoors criados pelos oficineiros do projeto. No dia 09 de novembro de 2001, após o seminário sobre Arte Pública, os oficineiros desenharam o tema “a cidade em que se vive e a cidade que gostaria de construir” (em papel branco no tamanho de outdoors convencionais e tinta preta PVA). Nesse seminário foram abordados os possíveis diálogos entre Arte, Publicidade e Cidade. Os participantes entraram em contato com os percursos da Arte Pública ao longo da história e tiveram a oportunidade de ampliar as suas relações e o seu imaginário dentro do contexto urbano. A cidade foi enfatizada enquanto local de informações, espaço “comunicante”, onde a sua dinâmica envolve uma diversidade de imagens e de símbolos que se movem, se modificam e que também nos transformam num ritmo acelerado. A elaboração dos dez outdoors se constituiu como efetiva intervenção coletiva dentro do espaço urbano, onde grupos de oficineiros disseminaram os seus olhares sobre a cidade em diversos pontos das avenidas João Naves de Ávila e Rondon Pacheco. Essas imagens ficaram expostas de 16 a 31 de dezembro de 2001 e, dentro deste período, foram organizados dois momentos de visitação, no qual grande parte dos oficineiros envolvidos se deslocou ao longo das avenidas, para comentar e analisar uma linguagem fugaz, feita para ser vista de longe, devendo ser captada em poucos segundos pelo espectador que transita rapidamente com seus automóveis. Desejos e estranhamentos, esperança e indignação, tudo inscrito em grandes suportes na paisagem urbana. Sem menção à autoria, esses “desenhospinturaspúblicas” firmam o caráter de coletividade e interatividade presentes desde o início do Projeto, apresentando à Cidade uma experiência em arte, perpassada pelo diálogo e pela colaboração entre sujeitos com saberes diversificados. No processo de entender e “contabilizar” os pedidos/demandas/desejos, aproximadamente cinqüenta pessoas conversaram com os desenhos, numa tentativa de exercício a ser socializado com os participantes através das 13 Arte Pública é entendida aqui em um conceito mais amplo, como arte que é produzida em contato mais próximo com a comunidade, podendo ser permanente ou efêmera. 22 seguintes produções: vídeo, livro, encarte de jornal, cartões telefônicos, cartões postais, contenedores de imagens-falantes, de proposições assinadas e autorais, estudadas e retornadas aos desenhadores e aos participantes. O que permite e torna essas pessoas cúmplices e seduzidas de contínuos trabalhos, enquanto uma cidade na qual se vive e que se quer construir? O desejo tem sido um forte aliado das proposições, entra quem quer gestar e compor uma coordenação ampliada entre a Prefeitura e Universidade. Estamos partindo, sempre, dos desejos para as “necessidades” e não do contrário, como muitas vezes acontece com as políticas culturais; · Inscreve-se para ser oficineiro-colaborador a pessoa que simpatiza com as idéias do projeto (as inscrições foram abertas até o limite das três centenas de pessoas com vontades políticas, educacionais, sócio-culturais e emancipatórias); · desenham, nas praças, as pessoas que têm vontade de o fazer; · fazem outdoors e os visitam (quando afixados nas avenidas) as pessoas gestoras do Projeto; · conversam com as imagens as pessoas que se agregam às equipes e delas participam; · escrevem o livro os gestores e os coordenadores do Projeto: os vedores-leitores de imagens (desenhos e fotos); · produzem o vídeo as pessoas que o desejam; e estão envolvidos nas diversas etapas do Projeto, profissionais da Universidade e da Prefeitura, artistas e professores. Os vedores-leitores-desejantes de conversas com as imagens constituíram-se em seis equipes de cores: vermelha (setor oeste), amarela (setor distritos), laranja (setor sul), verde (setor norte), azul (setor leste) e lilás (setor central), diferenciando-se dos momentos anteriores, que eram sempre em branco e preto. Uma equipe se responsabilizou por ver, analisar, catalogar e conversar com as fotos. “Vedor-leitor-desejante” é aquela pessoa que vem discutir, no coletivo, as imagens de um setor ou dos distritos e escrever um texto a partir das conversas com as imagensdesenhadas. Para essas conversas, fizemos alguns recortes desse vasto corpus de fotos e desenhos-desenhados, mas todos os desenhos estão disponíveis para qualquer pessoa que queira pesquisá-los, pois permitem muitas entradas e inúmeras abordagens. 23 Estamos com este Projeto de extensão e de pesquisa convocando sujeitos de estado14 e sujeitos do fazer15, os sujeitos-pessoas que sentem a cidade, a registram e a propõem; e os sujeitos-desenhadores que, pelos gestosdesenhantes, fazem e nos mostram outras cidades possíveis. Estão instaladas, nos desenhos, as dimensões de um querer-fazer que procede a um querer-ser, uma cidade a ser construída com dimensões humanizáveis de condições de Ser e sermos, coletivamente, atores políticos e sócios-culturais em uma Cidade no Cerrado. No Projeto estamos convocando uma estética do cotidiano, um paradigma proto-estético, segundo Felix Guattari, uma dimensão de criação em estado nascente e não estamos nos referindo à arte “institucionalizada”. Os desenhos-desenhados são territórios existenciais, terra natal e de outros “natais”, terras de pertencimentos, espaços particulares, tempos pessoais e sociais. Se consideramos as imagens como “objetos”, eles são espaços vibratórios, posições transversais, devir de ancestralidades e de ousadias cósmicas. Objetividades e subjetividades imbricam-se umas com as outras, invadem-se para constituir entidades coletivas: meio-coisa, meio-alma, meiohomem, meio-animal, máquina e fluxo, matérias e signos, cidade e cidades visíveis e lesíveis em muitos desenhos ... Valores de desejos, valores de trocas e valores de usos ... campos de perceptos e campos de afetos. O limiar de um novo paradigma estético reside no investimento desses processos de criação para se autoafirmar como fonte existencial e auto-poiética16 . A criação é processual, tem implicações ético-políticas, porque quem fala em criação, fala em responsabilidade da instância criadora em relação à coisa criada, em inflexão de estados de coisas e de estados de sujeitos. Os paradigmas estéticos estão fundados, portanto, em paradigmas científicos e éticos. A ênfase não é mais sobre o ser, mas sobre a maneira de Ser 17 e, neste Projeto, a maneira de Ser-Cidades e Ser-Cidadãos, pessoas em inter-relações e em dimensões plurais, ou seja, pessoas pluri-dimensionais. Com o desenvolvimento do Projeto, verificamos as maneiras como as pessoas, sobretudo crianças e jovens, percebem a cidade e quais mudanças gostariam de propor. A sistematização e apresentação de tais propostas têm o intuito de evidenciar as aspirações das crianças e jovens, bem como disponibilizá-las como necessidades, demandas e desejos a serem considerados na formulação de diretrizes e projetos para o plane14 Sujeito de estado é um sujeito de estados de coisas e estados “da alma”, um sujeito e suas maneiras de sentir e perceber sentimentos e sensações, ou seja um sujeito e suas paixões. 15 Sujeito do fazer é um sujeito que faz da percepção um ato. No caso, os desenhos-desenhados são atos de sujeitos que se fazem e que, ao se fazerem, nos mostram suas maneiras de Ser. 16 Poiética vem de “poiésis” 17 Ver: Um novo paradigma estético. In: GUATTARI, Felix. Caosmose. Trad. Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992, p. 125-140. 24 jamento e desenvolvimento local e urbano de Uberlândia. Dessa forma, buscamos colaborar na abertura de caminhos para esse grupo de atores sociais, dando-lhes oportunidade para expressarem seus desejos, sentimentos e frustrações com relação à cidade em que vivem e a cidade que gostariam de construir. 25 dE SENHOuRBANOcIDADEnOcERRADO dESENHOuRBANOcIDADEnOcERRADO cerrado serrado? Desenho Desenhadores Cidades desenháveis Cidade no Cerrado Cidades Vozes Cidades falas Cidades imagens cerrado serrado ... Cerrado não-serrado Cerrado Cerradiano no ato no vácuo na fonte pr’a onde? cerrado cidades no cerrado CidadenoCerrado cidadetortura cidadetontura cidadeabertura CidadeAventuras Cidade nos Cerrados desenhosnaspraças desenhosnosdistritos cidades nos cerrados Cidades Leiturizáveis Cidades Humanizáveis AS CIDADES NOS CERRADOS !!! 26 Capítulo 2 lucimarbello, 2002 Dialogando com as Imagens A Praça Como Moldura A Aninha Duarte, Iná Maria Nascimento Gomes Silva, Marco Túlio Pereira18 Oficina do Desenho Urbano: as Crianças, os Jovens e a Cidade no Cerrado tornou-se um significante que passou de certa forma a circular entre nós, demarcando um movimento, envolvendo profissionais e colaboradores interrogados e sensibilizados pelo tema. O acontecimento em Uberlândia efetuou uma espécie de recorte, abrindo uma possibilidade singular para se pensar a cidade e a construção subjetiva de nosso tempo. Conforme o próprio nome diz, crianças e jovens numa manhã de domingo, numa cidade do cerrado brasileiro, foram surpreendidos por um convite: desenhar a cidade onde moravam e “aquela” (lá do desejo), que gostariam de construir. Através desta experiência em praça pública, pode-se constatar que é possível desenhar, fazer inscrições, sem limites impostos por paredes e espaços, desenhando literalmente “ao vento...” Detivemo-nos a observar crianças e adolescentes que assentavam suas folhas nos mais diferentes locais: bancos, balanços, escorregadores, gramados e logo punham-se a retratar um sonho, uma escrita. Diz Adélia Prado que a mulher pensa poesia catando feijão e quem sabe a criança “cata poesia” enquanto pensa o desenho? Poesia aqui compreendida no sentido de um fazer criativo. Para Donald W. Winnicott a criança situa-se como um pequeno inventor. Com ele também concorda o psicanalista mineiro Luiz Carlos Ferreira Drummond ao afirmar que: A criança é uma promessa - para além de ser criatura, é promessa de um futuro sujeito criador. É assim promessa e enigma, para si própria e para o mundo que a rodeia. 18 Aninha Duarte é Artista Plástica. Professora do Departamento de Artes Plásticas da UFU-MG. Graduada em Pintura pela UFMG. Especialista em Ensino de Arte pela UFU. Mestranda em História, área História e Cultura UFU. Iná Maria Nascimento Gomes Silva é Psicóloga Clínica com formação em Psicanálise. Marco Túlio Pereira é Estudante de Arquitetura e Urbanismo UFU. 27 Não um enigma para ser prontamente decifrado, mas um enigma para ser suportado. Dar à criança a oportunidade de inventar, desenhando ou pintando, é extremamente importante, sem que o adulto, entretanto, procure dar-lhe sentido imediato, decodificando, a qualquer preço, a prematura construção de sua subjetividade. No caso da Oficina de Desenho Urbano: as Crianças, os Jovens e a Cidade no Cerrado, o desenho veio ocupar uma posição particular: a construção ao ar livre de outras formas de enunciação, articulando, inclusive, possibilidades de referências sociais. Em “O Brincar e a Realidade”, Winnicott defende a posição de estudar o brincar como um tema “em si-mesmo”. Ou seja, abandonar a idéia de buscar incessantemente prováveis significações para a brincadeira e apenas situando o brincar. Ao contextualizarmos os desenhos produzidos nas praças, provavelmente estaremos situando o “Belo” enquanto causa de uma ética que posiciona crianças e adolescentes no discurso social. Diz Edith Derdyk que A criança, ser global, mescla suas manifestações expressivas: canta ao desenhar, pinta o corpo ao representar, dança enquanto canta, desenha enquanto ouve histórias, representa enquanto fala. Nesse sentido, podemos dizer que a criança possui o desprendimento mágico de viver a interdisciplinaridade de forma livre e espontânea. Desenhos estão em todos os lugares, naturalmente impressos na natureza. Em meio a tantos exemplos, salientamos a misteriosa linha do horizonte vista em espaço aberto: pode ser reta, curva, sinuosa, requintada ou poética. Encerra o espaço circundante do homem através do distanciamento e da separação ilusória do plano terrestre e celeste. Esta talvez seja a mais simbólica das linhas, por deixar em aberto a idéia do ilimitado, da continuidade e do infinito de horizontes tão díspares. Acreditamos que somos seres desenhantes, da criança ao adulto. Quantas vezes nos surpreendemos desenhando em qualquer lugar e de formas tão inusitadas diante do olhar da convencionalidade? Desenhamos com os pés, com as mãos, na areia da praia, no vidro do carro empoeirado ou úmido de vapor, na água, falando ao telefone. Voltemo-nos, então, para o desenho urbano produzido nas praças de Uberlândia, e tentemos seguir os passos de Winnicott: situar o desenho como um tema em si mesmo, num tempo e lugar específicos, catando poesia em garatu- 28 jas, figuras e traços - construções subjetivas e reconstituições culturais. E, assim, sustentados nesta posição, propomos-nos a escutar a propriedade dos desenhos, sem, contudo, sucumbirmos à tentação de apropriação. Desenhando ao Vento: O Desenho que Fala O Desenho que Cala Indagamos sobre o que haveria de especificidade no ato de desenhar em praça pública, já que o espaço apresenta uma série de características e particularidades. Por que crianças e adolescentes acenaram afirmativamente ao convite para desenhar? Submissão, enquadramento ou desejo? Vejamos. Crianças estão sempre sendo convidadas a desenhar sob vários pretextos e iniciativas distintas. Como exemplo, poderíamos citar a exposição de “Desenhos de Crianças no Brasil 500 Anos”, oficinas de desenhos para filhos de bancários, propostas de desenho em museus, ruas e locais de lazer, ocorrendo, em muitos casos, seleção e prêmios. Nesta direção, levantamos algumas interrogações sobre os parâmetros, nos quais poderíamos nos sustentar para efetuar uma análise e/ou leitura de um desenho. Chegamos a indagar, inclusive, se crianças poderiam ser convidadas a “selecionar” desenhos de crianças. O que elas pensam do desenho? Ficam essas incógnitas. Sem desconsiderar a contribuição de estudiosos na área, tais como Piaget, Winnicott, Kellog, Luquet e outros, constatamos que há um viés que aponta para o desenho como um universo inconcluso e enigmático. Na verdade, o estudo e as discussões acerca dos desenhos trouxeram à tona a complexidade de “ impressões/inscrições” depositadas nas produções. Talvez possamos levantar a hipótese de que desenhar a cidade, no caso da criança, possa ter funcionado como uma figuração do campo do brincar: possibilidade de invenção e representação de suas verdades subjetivas (exteriorização de suas “cidades” internas, simbolização). E para o adolescente há a possibilidade de necessidade de reconhecimento. Sentir-se incluído através do olhar do outro. 29 Solicitação de “ regulação frente à desorganização pulsional de seu corpo”. Fazendo o recorte desta análise, em relação aos desenhos de crianças nas praças da cidade, pudemos observar que elas pareciam não premeditar o que iriam desenhar. Davam a impressão de trabalhar com a surpresa do instante, experimentando com prazer novas formas de representar seu mundo e reconhecer o espaço e seus nichos. Nos desenhos de adolescentes, entretanto, a dinâmica da proposta pareceu percorrer um itinerário distinto. Diferentemente da criança, a temporalidade adolescente diz de uma certa urgência: o adolescente não pode mais esperar, seu corpo é outro, não consegue se sustentar no faz-de-conta de antes. Talvez, por isso, seus desenhos contextualizem elementos de aceleração, movimento e demandas concretas de soluções para o caos social. Nessa perspectiva, destacaríamos alguns desenhos produzidos nas praças do setor norte por apresentarem indicativos de duas vertentes principais: 1- O Mal-Estar Contemporâneo, o declínio da lei, o desmoronamento da interdição, a ausência de limites representados por figuras humanas fortes e absolutas, desordem urbana, solicitação de paz e outros. 2- A Possibilidade de Ir Além, de relançar o sujeito na invenção de sua história, de deslocar o olhar, de sublimar. Estes elementos parecem estar representados por construções como parques, escolas, postos policiais, creches, centros de recuperação do menor e outros. O que teria sido possível simbolizar? Pertencimento ao coletivo, talvez. Inscrição de algo que reúne em si uma presença/ausência. Fragmentos de histórias pessoais e coletivas e, ao mesmo tempo, a expressão daquilo que não pode ser nomeado pela experiência. Catando Poesia: O Contorno e o Entorno Rastreou-se “pistas” das representações e registros contidos nos desenhos. Chamou-nos a atenção o volume de desenhos construídos através de estereótipos como: flores de quatro pétalas, casas com chaminés, prédios, aves em forma de “v”, nuvens de algodão, etc. A “casa-mãe” ou o planeta terra pareceu estar representado por sol, céu e 30 nuvens. Árvores, elementos da natureza e figura humana apresentaram ocorrência significativa na maioria dos desenhos. Essas imagens nos levaram a refletir sobre a transmissão dos signos e sua permanência, isto é, a força da sobrevivência que reside nestes modelos. Perguntamo-nos, por exemplo, sobre a origem deste legado e sua fonte de distribuição. Levantamos a hipótese da interferência das aulas de arte, os corredores e pátios de escolas pintados alegoricamente com essas temáticas, além de outros veículos de comunicação. Não podemos precisar estas questões. Consideramos, porém, ser possível incentivar um pouco mais a criatividade, tentando, assim, evitar um olhar contaminado por modelos e estereótipos, desmontando construções que alienem e obscureçam o desenlace criativo. Outro ponto considerado relevante é que mesmo sob o signo da diferença e da particularidade, desenhos de casas e prédios parecem estar presentes em praticamente todas as faixas etárias, dando-nos indícios de que ambas as tipologias são aceitas como identidade arquitetônica: da cidade em que se vive e daquela que se gostaria de construir. Os desenhos parecem apontar para uma relação direta do ser humano com o meio que habita, desde a transferência de preocupações individuais na infância (sonhos lúdicos, figura humana) até preocupações coletivas e urbanas para adolescentes e adultos, como a influência da paisagem urbana tão demarcada nas criações do desenho. Para além dessas questões, observou-se que, apesar das diferenças de local (várias praças), de modo geral houve uma “massificação” de imagens. Algo como estímulos e repertórios repetitivos, como exemplo, o confronto do bem e do mal. Talvez a própria proposta conduzisse de alguma forma a uma construção imaginária, sugerindo quem sabe no próprio enunciado a idéia de paraíso. Interessante ressaltar que desde o século IX desenhos e cartografias européias situavam imaginariamente o oceano Atlântico e suas inúmeras ilhas como o paraíso na terra, onde havia abundância, clima ameno e igualdade entre seus habitantes. Passados quase setecentos anos, sabe-se que o Brasil não é uma ilha e que, talvez, o paraíso não seja bem aqui... ( Backes, 2000, p.128). Para além de nossos mitos fundadores os desenhos realizados nas praças poderiam retratar também um “novo achado”. Considerando que o Brasil não é o paraíso, tampouco a cidade de Uberlândia, consideramos ser possível ir além de interpretações românticas, técnicas ou imaginárias. Talvez abandonando a idéia do Éden nos traços, riscos e rabiscos possamos contribuir para dar expressão às descobertas contidas nos desenhos. Conforme propõe o poeta 31 Carlos Drummond de Andrade em seus versos: Precisamos descobrir o Brasil. O Brasil está dormindo coitado... Outro ponto considerado relevante foram os indicativos de cerceamento de nossos direitos de cidadãos, direito de ir e vir, em função deste frêmito ameaçador chamado violência urbana. Dizem ainda de respostas para saúde, educação, segurança e lazer gratuitos. Quem sabe se houvesse maior assistência por parte de governos e administrações, as representações destas cidades imaginárias seriam outras? Desenhos de crianças não são disfarces e dissimulações, são verdades impressas no simples ato de desenhar. Esses desenhos driblam a demanda onipotente do homem contemporâneo de tudo explicar com a idéia de causa e efeito, resíduos de condutas positivistas. Enquanto houver crianças e jovens desenhando, acreditamos que os desenhos serão autônomos, alforriados de amarras e esquemas, e nós, espectadores, seremos eternos apreciadores dessas imagens figurativas ou abstratas. Retratando um Sonho: em cada traço, um passo Resgatando alguns desenhos do Setor Norte, colocamo-nos à escuta de seus movimentos no papel e levantamos, então, algumas premissas que especificaremos a seguir: Michele, 14 anos, estudante da Escola Sete de Setembro (pág. 37), registra sua participação na Oficina do Desenho Urbano no espaço da Praça Lincoln. Sua representação remete-nos à possibilidade de que Michele tenha trabalhado seu auto-retrato. Vemos na imagem central uma menina com os cabelos ao vento, vestida com uma camiseta que contém uma frase que pode ser traduzida como: EU AMO UBERLÂNDIA. A composição apresenta, também, uma grande árvore, um sol reluzente e as palavras “Paz e Amor”. Do lado direito, temos a palavra “Esperança” e sobre ela um possível logotipo ou “botton”, com duas mãos se encontrando, propondo talvez um pacto: Esperança de uma cidade melhor? O olhar decidido da garota poderia propor a idéia de trabalho coletivo: Vista essa camisa, vamos todos à luta e teremos a cidade que queremos ter! Michele já vestiu a dela. Hudson Oliveira Silva, 14 anos e Higor O. Silva, 14 anos (págs.38-39), são alunos da Escola Estadual da Cidade Industrial. Foi no cenário da Praça José Miguel que eles construíram suas significativas imagens. Ocupando o papel 32 de forma análoga, suas imagens possuem um diálogo íntimo entre si. Seus desenhos parecem denunciar questões como: mendicância, drogas, pichadores de rua, brigas, gangues, assaltos à mão armada, lixo nas ruas, falta de policiamento, transporte urbano precário. Falam também de vandalismo que pode ser observado através de vidraças e bancos de praças quebrados, além de sinalizarem a necessidade de consciência ecológica, possivelmente expressa na retratação de árvores mortas. Do lado direito da composição, eles possivelmente fazem o contraponto de suas denúncias e trazem a mesma cidade com essas questões encaminhadas ou solucionadas. É essa a cidade que Hudson, Higor e todos nós merecemos ter. Flávia Cardoso Rodrigues, 13 anos, estudante da Escola Estadual Presidente Tancredo Neves (pág.40), representa “suas cidades” na Praça Lopes Trovão. Através de seu desenho podemos perceber, no lado esquerdo da composição, pontos importantes que a cidade de Uberlândia possui: comércio que já conta com presença de grandes e pequenas lojas, uma arquitetura formada de casas e altos prédios, estádios, hospitais e praças. Do lado direito, Flávia parece enviar seu recado através de uma cartinha que somam escritas e desenhos. São signos que se fundem com desejos exteriorizados tacitamente por palavras e por desenhos que se entrelaçam numa cumplicidade verdadeira. O desenho de Flávia parece remeter a uma mensagem de otimismo: A cidade que temos já nos oferece muitas oportunidades, porém, precisamos ampliá-la com seriedade como nos dizeres de Flávia: Assim essa cidade torna- rá uma cidade de verdade, uma cidade que todos possam apreciar sua beleza e cultura. Fernanda, 9 anos, aluna da Escola Municipal Maria Leonor F. Barbosa (pág.41), estava presente na Praça Lincoln e apresentou uma imagem da cidade atual como um cenário conturbado e denso, o palco onde se passa uma violenta trama urbana. No desenho da cidade em que vive, os edifícios parecem funcionar como abrigo enclausurado, já que a autora desenha todas as portas fechadas. Em contrapartida, ela dá indicativos de almejar uma cidade futura, na qual as pessoas possam usufruir do espaço urbano, além de condomínios e edifícios, num convívio social e coletivo, quem sabe até tranqüilo. Wisley, 10 anos (pág.42), apresenta três desenhos distintos numa seqüência que oscila entre a cidade em que ele vive e a cidade e/ou o mundo que ele sonha e gostaria de construir. No primeiro desenho, ele parece retratar uma via de trânsito controlada por equipamentos automatizados, dando margem a uma associação de inibição de sua 33 liberdade no espaço. Logo abaixo, ele dá a impressão de buscar essa liberdade perdida, propondo um desenho lúdico, um parque e balanços. Num terceiro momento, ele chega até ao meio ambiente, ao natural, parecendo chegar à liberdade tranqüila e pacífica. Laís de Souza Santos, 12 anos (pág.43), na Praça 1º de Maio, parece ter como imagem da cidade onde vive um habitat árido, composto por casas e altos edifícios por onde circulam os aparelhos de locomoção moderna: carros, caminhões, aviões. Ela dá a impressão de propor, em substituição a esta cidade, um espaço voltado ao pedestre, bem arborizado, com bancos e equipamentos de lazer, assim como instituições de apoio às crianças e adolescentes (escolas e centros de convivência). Fazendo uma alusão clara a duas cidades distintas, Mariana Miranda de 9 anos (pág.44), surpreende ao utilizar códigos de expressão que parecem situar o desprazer, o caos urbano e a ausência de lei em uma parte do desenho. Seria a cidade, na qual vive representada ou vivenciada como alienante? Em caso afirmativo, porque a cidade teria se transformado numa espécie de depositária de um processo de “des-ordem” e opressão? Quais seriam as contribuições sociais, coletivas e institucionais, para a instalação deste quadro? Na parte superior do desenho, entretanto, Mariana consegue retratar outra proposição: possibilidades de experiências outras, nas quais sua cidade “dá frutos”. Parece haver um reconhecimento de que mesmo sob o estatuto da diferença (prédio versus casa/quintal) é possível construir a ordem, o ato, o sorriso e a singularidade. Num desenho repleto de cenas e significações, Wester Torres de Oliveira, 12 anos (pág.45), parece produzir em seu desenho na Praça 1º de Maio uma espécie de super-herói. Numa primeira cena, observamos a representação de indisciplina e desprezo à coletividade. Abaixo, passa a representar uma possibilidade de subverter a situação anterior. Sem negar ou desconsiderar que a ordem e o convívio coletivo supõem a estruturação de um trabalho, de um compromisso e de atribuições; Wester retrata, então, uma cidade limpa, na qual um morador/personagem está consciente de sua responsabilidade. Intrigante, porém, a presença de um super-herói que supostamente colaboraria para organizar a cidade. Que significação sustentaria a presença de um super-herói? Estaria a cidade sendo percebida como à deriva, algo como “terra de ninguém”, onde figuras de autoridade não têm conseguido oferecer respaldo e confiança suficientes e, assim, só mesmo criando um herói fantasioso que possa desempenhar 34 essa função? Quem sabe. José Luiz, de 14 anos (pág.46), também dá o seu recado na Praça 1º de Maio. Parece representar, num primeiro momento, uma cidade padronizada, uma massa indiferenciada de construções que ele denomina de “prédios”. Abaixo, passa a retratar pessoas que parecem querer ser reconhecidas, a exemplo da expressão: “eu sou o Cristiano!” Propõe casas com muitas janelas, dando idéia de abertura e receptividade e termina representando uma enorme creche. Seria talvez uma representação de que a cidade estaria entregue à modelização, desconhecendo o que é da ordem da singularidade, da abertura e das condições que possibilitem ao ser humano ascender à condição de sujeito social. Sob o Céu do Cerrado A Oficina de Desenho Urbano: as Crianças, os Jovens e a Cidade no Cerrado sugeriu a possibilidade de um ato. Desenhando despretensiosamente, jovens e crianças priorizaram um discurso: há algo de insuportável que pode obstaculizar a realização, a sobrevivência social e a criatividade. É a ausência de uma lei que intervenha não como opressora e inibidora de manifestações, mas uma lei que possa emergir como a única regulação capaz de mobilizar esforços, de reconhecer necessidades, de considerar diferenças e respaldar os cidadãos. Os desenhos sugerem saídas que oportunizem de um lado a criação e de outro a sobrevivência em sociedade. A Oficina de Desenho Urbano foi como um canto, uma orquestração de traços, um retrato dos sonhos, um movimento chamado desejo. 35 Numa manhã de Domingo Sob o céu do cerrado Um grupo se reuniu Num propósito bem arranjado: Propor desenhos nas praças Tendo a cidade como traçado E entre imagens e traços Garatujas e poesia Crianças e jovens deixaram um recado Que seu desenho representaria: Mais vale uma cidade viva Que uma cidade vazia. Bibliografia ANDRADE, Carlos Drummond. Hino Nacional. Correio Appoa nº 84, 2000. BACKES, Carmen. O que é ser brasileiro? São Paulo: Escuta, 2000. p.128. CURI, Thereza Christina Gontijo Bruzzi. Pai, não vês que posso perder-te? Belo Horizonte: IEPSI, 1997. 36 Michele - 14 anos 37 Hudson Oliveira Silva - 14 anos 38 Higor O. Silva - 14 anos 39 Flávia Cardoso Rodrigues - 13 anos 40 Fernanda 41 - 09 anos Wisley - 10 anos 42 Laís de Souza Santos - 12 anos 43 Mariana Miranda 44 - 09 anos Wester Torres - 12 anos 45 José Luiz - 14 anos 46 DERDYK, Edith. Formas de pensar o desenho. São Paulo: Scipione, 1989. DRUMMOND, Luiz Carlos Ferreira. O brincar e a criação.Trabalho apresentado na Semana de Psicologia da PUC: MG,1996. FRANÇA, Maria Inês. Psicanálise, Estética e Ética do Desejo. São Paulo: Perspectiva,1997. WINNICOTT, Donald. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago,1975. Desenhos-Desenhados: sonhos, desejos, realidades, lembranças Cristiane Silva Costa , Drucila Milian de Souza, Edimilson Lino, Eliene Boaventura de Oliveira, Fernanda Bernardes de Assis, Lázaro Vinícius Oliveira da Silva, Márcio Carvalho de Souza, Maria Angélica Almeida, Rafael Tannús Moreira, Renata Kelen de Paula.19 N a ação desenhante, algumas áreas da cidade tornaram-se locais de exposições de desejos, expressos nos desenhos de uma cidade que se quer real, capaz de refletir a imensidão de possibilidades rabiscadas num papel. Talvez devêssemos iniciar nossa atenção para o lugar de onde se olha a cidade, a praça, lugar de passagem, lugar de moradia, lugar de brincadeira, de expressões culturais. A praça que um dia foi a Ágora grega, lugar de tomadas de decisões políticas e de debates. No século XXI, a praça se modificou, está mais vazia, concorre com outros lugares mais “atraentes”, mais sofisticados. Em muitos bairros de nossa cidade é apenas um espaço que divide ruas e avenidas, onde os moradores não a reconhecem como lugar de lazer, apenas uma passagem sem significação. O abandono toma conta das poucas árvores e bancos desconfortáveis, sem equipamentos que possam atrair a população. É neste lugar que se reuniram jovens e adultos com o desejo de expressarem o seu universo, o desejo de projetarem, para si e para os outros, o futuro urbano. Tendo esses desejos como ponto de partida, este estudo busca analisar as expressões gráficas dos participantes, captando a diversidade de proposições possibilitadas pelo ato de desenhar. 19 Cristiane Silva Costa é especialista em Planejamento Estratégico e funcionária da Secretaria de Desenvolvimento Social; Drucila Millian de Souza é aluna do curso de Artes Plásticas da UFU; Edimilson Lino é Professor Mestre em História; Eliene Boaventura de Oliveira é estudante de Artes Plásticas e monitora do MUnA; Fernanda Bernardes de Assis estuda Psicologia na UFU; Lázaro Vinícius Oliveira da Silva é Geógrafo da SEDUR e professor na rede estadual de ensino; Márcio Carvalho de Souza é graduando em Artes Plásticas, História e estagiário da DICULT; Maria Angélica Almeida é graduada em Arquitetura e funcionária da SEDUR; Rafael Tannús Moreira é coordenador do Setor de Interlinguagens Artísticas da DICULT e professor de artes na rede particular de ensino; Renata Kelen de Paula é estudante de Artes Plásticas e monitora do MUnA. 47 O desenho, enquanto uma criação social, não está fora de um espaço de relações que são construídas, nas quais grupos sociais se expressam, emitem valores, concepções de vida, enfim, é o resultado de experiências diversas provocadas e estimuladas, constituindo costumes de homens, mulheres e crianças. É o olhar que interfere na paisagem experimentada, desenhar é uma expressão pouco usual, principalmente numa sociedade da imagem massificada, da informação rápida, rasteira e efêmera. Esse olhar ativo e transformador, proporcionado pela elaboração de imagens, projetou-se também no Setor Oeste da Cidade de Uberlândia. A “Ação Desenhando e Construindo a Cidade” foi acolhida pelas comunidades próximas a cinco praças, encontradas nos bairros Luizote de Freitas, Jardim Canaã, Jardim das Palmeiras, Tocantins e Jaraguá. No total, foram produzidos 669 desenhos que, a partir de então, passaram por um processo de escolha, numa busca por imagens que contemplassem o tema do Projeto - “a cidade em que você vive e a cidade que gostaria de construir”. Tornou-se importante considerarmos cada critério levantado pela equipe, buscando com isso estabelecer uma metodologia coesa de análise desta etapa de conversa com as imagens. A princípio, reduzimos o número inicial de imagens para cerca de 190 desenhos. Esta etapa foi uma etapa de tensão e de muitas discussões em torno de cada escolha e retirada dos desenhos que passavam por nossas mãos e por nossos olhares. Entendemos que as possibilidades lineares ou plásticas das imagens não eram o fim da proposta, no entanto, algumas imagens foram separadas de acordo com a afinidade do grupo com algumas soluções gráficas dadas pelos desenhadores. Porém, não partimos de uma classificação reducionista, separando exclusivamente as imagens “mais resolvidas” graficamente. Foram buscadas, portanto, imagens que tivessem uma singularidade em meio ao montante de 669 desenhos encontrados no Setor Oeste. A partir da primeira fase do processo de escolha, iniciamos novamente o trabalho de triagem, buscando identificar um grupo de sete a dez desenhos que pudessem representar a diversidade e a complexidade de desejos e reflexões sobre a cidade. Com as 08 imagens em mãos, a equipe começou a perceber os possíveis eixos temáticos a serem trabalhados. Um destes eixos consiste na abordagem das “demandas sociais”, o outro se ocupa do traçado urbano presente nas imagens. Uma outra possibilidade de análise recai sobre a percepção das 48 demandas culturais e artísticas encontradas nas imagens. Esta última abordagem destinou-se à observação de desenhos que contemplassem a própria praça e outros espaços de convivência, entendidos como possíveis locais de divulgação de manifestações culturais e educativas. De acordo com estes eixos temáticos, ocorreu uma divisão da equipe em grupos (Urbanistas, Estudantes de Artes Plásticas, Assistentes Sociais, Psicólogos e Historiadores), na tentativa de distribuir cada tema para os profissionais de áreas afins. Cada grupo ficaria encarregado de trabalhar um eixo temático. No entanto, percebemos, no final do processo, que grande parte das impressões colocadas por estas pessoas ligadas a saberes diferentes encontravam-se em muitos instantes e, por isso, a divisão feita inicialmente parecia não ter sido relevante. As análises, em certa medida, assumiram uma coerência dialógica, assim foram organizadas em conjunto, fazendo referência a temas como: “Espaços Públicos de Convivência”, “Violência e (In)Segurança no Espaço Urbano”, “Meio Ambiente e Cidades Tecnológicas”. Os desenhos passam, então, a ser divididos de acordo com estas temáticas percebidas pela Equipe. Espaços Públicos de Convivência Notamos que a praça foi bastante destacada nos desenhos enquanto lugares propícios à convivência, interação social e afetiva. Por isso, ocupamo-nos em analisar conjuntamente este grupo de desenhos, ligados, principalmente, à implementação e à real utilização desses espaços públicos da cidade. Talvez a presença da praça se dê pelo fato de que a “Ação Desenhando e Construindo a Cidade” tenha sido ali, ocorrendo, assim, um despertar nos desenhadores para a importância desses lugares. A praça surge, por conseguinte, como um ponto de partida para as reflexões em torno das cidades sentidas e desejadas pelas crianças, jovens e adultos deste Setor. Destacamos três desenhos, entendidos como “falas” relacionadas com a necessidade de ocupação dos espaços públicos de convivência. Quando percorremos a imagem do jovem Walterlhana, do bairro Luizote de Freitas (pág.58), notamos a apresentação de propostas para a melhoria das praças de seu Bairro, além da criação de outros espaços 49 públicos destinados à Cultura. O cinema e locais de divulgação da literatura são explicitados na parte superior do papel, de onde podem ser vistas duas figuras humanas próximas a uma estante de livros, além de uma sala com uma tela imensa, ocupada por cadeiras de dimensões bastante reduzidas. O desenhador busca a participação e a inserção nos segmentos ligados à cultura. Por trás da “fala desenhada” de Walterlhana, percebemos a distância real destes segmentos em relação aos bairros, demonstrando o quão enclausurados estão os lugares de difusão da arte e da cultura. As artes visuais, a literatura e outras linguagens artísticas parecem encaixotadas dentro da cidade, encontradas em lugares ainda fechados para a maioria da população. É necessário, então, ampliar e estruturar lugares destinados ao desenvolvimento de manifestações culturais nos bairros. Com isto, estes locais passariam a ter valor enquanto espaços provedores da cidadania, formando o ser a partir de suas potencialidades imaginativas, críticas e intuitivas. No desenho de Walterlhana, observamos uma bica d’água, que nos permitiu estabelecer um paralelo entre estes espaços públicos e os “Oásis”. As praças poderiam assumir uma função semelhante a destes “Oásis”, amenizando “o deserto” de (in)possibilidades destinadas ao cidadão que se entrega à passividade e ao imediatismo. Em algumas imagens, fica claro que não basta simplesmente a criação de áreas verdes dentro de um espaço retangular ou circular envolto por casas. Esta seria apenas uma das funções das praças, aliás uma função de extrema importância para uma cidade que se acinzenta progressivamente. No desenho de Rodrigo Cândido, 12 anos, morador do bairro Jardim das Palmeiras (pág.59), percebemos que existe um desejo de ver estas praças implementadas com a construção de banheiros, parques e quadras. Timidamente, surge dentro do espaço sonhado por Rodrigo, a questão da segurança, representada por dois policiais presentes na praça. Dentro da imagem, construída a partir de uma vista aérea, é colocado o próprio desenhador. O espaço está tomado, saindo da condição exclusiva de jardim a que muitas praças estão submetidas. A praça é de Rodrigo e também da comunidade. O entendimento e o desejo da praça enquanto espaço destinado ao lazer, surge também na imagem de Júnior, 29 50 anos (pág.60), que coloca no primeiro plano algumas crianças pulando corda. Essas figuras são bastante destacadas das outras, pois foram preenchidas com a caneta preta, recurso também utilizado no canto inferior esquerdo da imagem, de onde outra figura aparece construindo um castelo de terra ou de areia. O desenhador revela-nos, ainda, a sua atenção em relação ao entorno da praça, construindo um cruzamento em que os sinas de trânsito são apresentados com a mesma linha forte e escura encontradas nos desenhos das crianças que brincam na praça. Talvez, o desenhador queira reforçar a presença e a importância destes sinais no entorno, demonstrando a sua preocupação com a segurança naquele cruzamento de ruas. No referido desenho, as formas arquitetônicas sugerem a predominância de uma horizontalidade do espaço, as edificações pequenas e acanhadas possuem uma expressão arquitetônica comum. O desenho mostra-nos uma cidade modesta, porém, acolhedora e agradável. Nela não existe lugar para os indesejados problemas urbanos; a vida segue um ritmo provinciano, no qual o espaço é organizado de modo a propiciar a utilização saudável das áreas públicas. Acreditamos que as praças devam ser melhor utilizadas, atendendo às necessidades e aos interesses das comunidades dos bairros. Torna-se necessário, além dos recursos materiais, o desenvolvimento de programas educativos e culturais que se estendam a outras áreas, não se limitando somente à região central da cidade. A praça pode se tornar palco de uma série de manifestações culturais que envolvam os cidadãos, ligando-os à memória de seu espaço, estimulando-os à participação nas decisões políticas da cidade, além de efetivamente promover o lazer e desenvolver o interesse pela preservação do meio ambiente. A Violência e a (In)Segurança na Cidade As figuras do bandido e do policial surgiram em muitas imagens do Setor Oeste. A violência aparece geralmente no desenho que representa a cidade atual, já o desejo por mais segurança encontra-se, na maioria das vezes, representado na cidade futura. Três desenhos com este tema foram escolhidos pela equipe, que se preocupou em captar imagens distantes das 51 representações referentes aos “Bang-Bangs”. Buscamos “imagens-falas” capazes de nos mostrar proposições relativamente novas em relação à violência urbana. Contemplamos, portanto, a sutileza do desenhador no ato de registrar este problema tão freqüente em nossa sociedade. Na imagem de Márcia (pág.61), percebemos o contraste entre os dois desenhos encontrados cada um numa extremidade da folha de papel. O primeiro desenho parece nos revelar o descontentamento da desenhadora, que constrói a sua cidade atual com linhas entrecruzadas que nos remetem a uma cela encarcerando a expressão de uma figura humana. É o sujeito preso dentro de sua cidade ou de sua casa? O que estará provocando o mal estar na figura representada com a expressão de indignação? Existirá uma menção à violência urbana? Esta possibilidade parece-nos ser viável. Talvez a desenhadora nem queira uma cidade nova, ela pode estar desejando simplesmente estar livre na cidade ou no bairro em que vive. Com esta imagem, suspeitamos que a cidade é percebida como local articulado por vias e quadras retilíneas, estruturado intencionalmente para atender os ditames da velocidade e da aceleração do tempo social. A autora parece desejar uma cidade menos pragmática e mais prazerosa, resultado de um desenho urbano que não vise apenas à reprodução do capital, mas à valorização do espaço, enquanto meio social. A imagem de Patrícia, 18 anos (pág.62), revela a sua indignação com a realidade que se impõem. Na parte esquerda de seu desenho, pode ser encontrada a cidade atual da desenhadora, que é representada por um cruzamento de vias, semelhante a uma cruz vista em perspectiva. A cidade parece se transformar numa grande “cruz”, composta por outras cruzes, formadas por vias, avenidas, esquinas e seus entroncamentos. Caberia, neste instante, perceber a cidade como uma composição de “Grandes Cruzes Urbanas”, em que numa época não muito remota, podíamos quase que deslizar tranqüilos sobre elas, convivendo melhor com suas horizontalidades e verticalidades. Agora, nossa percepção, reforçada pela imagem de Patrícia, entende que o homem há muito não desliza sobre este espaço urbano que, pelo contrário, é percorrido com um esforço exaustivo. Sair pelas ruas da cidade é embrenhar num espaço ameaçador, do qual o peso das “Cruzes Urbanas” não só esmagam o ombro do cidadão, mas também abraçam o seu pescoço, levando-o a uma asfixia contemporânea que promove a exacerbação do medo, a angústia e a intolerância. 52 Sobre o entroncamento colocado no lado esquerdo do papel, a desenhadora distribui seus personagens, colocando-os dispersos, cada um na sua esquina, sem troca de olhares, demonstrando exatamente o contrário do que Patrícia quer construir na sua cidade. Talvez a igreja desenhada no canto inferior esquerdo do papel represente um local de abrigo para a união entre os homens, desejada na sua cidade atual. No entanto, a igreja de Patrícia apenas se encontra inserida neste espaço, e suas cruzes parecem não obter um efeito suficientemente moralizante ou inibidor, incapaz de travar os acontecimentos que ocorrem na rua , ou melhor, na “Grande Cruz Urbana” encontrada ao redor desta igreja. Patrícia, através de seu desenho, demonstra a capacidade de ouvir as “notas musicais” de sua cidade presente, de onde os sussurros e gritos de pavor provocados por um assalto se misturam a um canto de louvor, que se choca com o estrondo de uma batida de automóvel, juntando-se com o chamado que parece ser de uma prostituta e com os gemidos de um aparente mendigo na esquina de suas ruas. A desenhadora reforça este entendimento quando diz que hoje acontecem assaltos, seqüestros e outros tipos de violência; mulheres se prostituindo, pessoas men- digando entre outras coisas....Tudo isso porque não existe união. Estes ruídos atingem sem dúvida a desenhadora, que deseja uma cidade onde as pessoas tenham “união” e respeito pela diversidade, sem discriminação de cor, opção religiosa ou classe social. Este desejo encontra-se, também, em uma das frases no verso da imagem de Patrícia: Gostaria que todos fossem amigos, sem escolha de raça, cor ou religião, e que ajudassem uns aos outros; talvez assim teríamos um mundo melhor, sem violência, sem miséria e com alegria!!. Na metade direita da composição, percebemos um grupo de quatro jovens cujos olhares se encontram, mostrando cumplicidade e ligação entre eles. Agora a situação já não é mais a mesma, o espaço ocupado por estes jovens tem árvores, algumas flores e pássaros. A desenhadora pode, na realidade, até conviver com a situação representada no lado esquerdo do desenho, cercada por várias formas de violência. No entanto, o desenho pela sua própria disposição espacial chama o espectador para um distanciamento dos acontecimentos, uma vez que a sua composição é percebida a partir de uma vista aérea, de onde as figuras surgem pequenas e distantes. O que parece ocorrer é uma necessidade de afastamento de 53 tais acontecimentos. No lado direito da imagem, a situação já não é a mesma, apesar das figuras também serem construídas a partir de uma vista aérea, existe uma aproximação bem maior. Os quatro jovens aparecem usufruindo do espaço público, aliás a própria desenhadora parece se projetar dentro deste espaço, revelando a necessidade e o seu desejo por uma reformulação nos “espaços humanos”. Patrícia nos apresenta uma possibilidade: a mudança, a busca de um caminho possível e desafiador, que tem como agente principal o ser humano, ser histórico-social, que encontra no grupo, no coletivo, o espaço de construção do diálogo. Essa perspectiva parece ainda ir na contra-mão de uma realidade em que se acentua o individualismo, o isolamento, gerando doenças psíquicas e emocionais sérias, que retiram das pessoas a capacidade de reagir frente às adversidades colocadas cotidianamente. O desenho do jovem Túlio Silvio, 13 anos, morador do Bairro Canaã (pág.63), na sua simplicidade, reivindica algo tão solicitado pela população em geral: o policiamento intensivo, e ataca diretamente um aspecto caro à nossa atual sociedade, o aumento crescente da violência. Ao fazer isto, Túlio revela uma contradição latente: a cadeia não é um lugar puramente de marginais, criminosos, mas de homens e mulheres que, já condenados socialmente, têm suas vidas cerceadas. Esta abordagem é singular, não aparecendo em outros desenhos que tratam das questões relativas à violência e à segurança. Isto pode ser compreendido quando percebemos a presença de balões contendo mensagens relacionadas ao desejo de perdão, demonstrando, em certa medida, o arrependimento de alguns personagens. Túlio parece, ainda, querer reforçar a condição do presidiário dentro das celas. Cada figura aparece espremida dentro de pequenos espaços, mais parecidos com gaiolas. A cadeia, que parece ser a solução definitiva da criminalidade, revela personagens que têm desejos e reivindicam ser ouvidos socialmente. Cidade Tecnológica e Meio Ambiente O desenho de Tonny Marcell, 14 anos (pág.64), traz em suas linhas a representatividade de dois mundos “distin- 54 tos”, presente e futuro. Uma leitura descritiva desse trabalho poderia ser a seguinte: no presente, Tonny retrata um dia comum de trabalho, fazendo um cruzamento de ruas com carros e prédios “normais”. Já no futuro, essa normalidade dá lugar a uma composição com objetos ainda desconhecidos, entretanto, as pessoas parecem estar mais tranqüilas, à vontade com as novas tecnologias, que parecem proporcionar o lazer e a comodidade. Esta cidade futura, remetenos a um momento prazeroso, no qual o “shoop spacial” está presente, aliás, o grande foco está destinado a este espaço que abarca um número não muito grande de figuras humanas, as quais se deslocam até ele por meio de um elevador transparente ou pela calçada. Os semáforos, o ônibus e a velocidade se repetem nas duas imagens. Entretanto, o mais interessante neste desenho é que ele parece carregar a concepção de progresso presente na consciência coletiva dos indivíduos sociais. Progresso este que se determina em um dado tempo histórico, ou seja, no presente, uma vez que o futuro representado pelo desenhador não se distancia muito do tempo presente. Esse futuro idealizado por Tonny parece carregar as contradições do presente, o futuro já está posto, onde temos a mudança dos objetos, portanto, as “estruturas humanas” parecem as mesmas. Tonny capta este estado próprio de nossa época, no qual o encanto com o tecnológico parece se sobrepor à condição humana. Todavia, na imagem futura, apesar de não termos a menção à coletividade, os seres humanos estão mais presentes. O homem aparece no veículo e mesmo a família ainda se encontra unida. O que poderíamos chamar de “Cidade Logomarca”, dimensionada pelas relações financeiras e comerciais, repete-se nos dois lados da folha de papel. Esse projeto de futuro, também encontrado em filmes e desenhos animados, parece uma imposição. A impressão que temos é que esse futuro virá de qualquer forma sem termos tempo de escolher ou almejar novos modelos de inter-relações humanas. Este futuro é previsível e mensurável, isso ocorre porque, em certa medida, nossa concepção de tempo é linear, partindo de um estágio “inferior” materialmente, para outro mais “elevado”, estágio em constante “evolução”. Tonny Marcell parece se colocar dentro deste “espaço-espacial”, permeado pelo desenvolvimento tecnológico, construído através de recursos possivelmente importados de outros países. Esta colocação parece clara quan- 55 do analisamos os dizeres no desenho, quase todos escritos em inglês. O desenhador com isso demonstranos, também, a força da cultura estrangeira no nosso cotidiano, situação que se impregna violentamente em nossas vidas. No desenho de Leandro Oliveira (pág.65), encontramos uma mensagem extremamente clara, relativa às questões de preservação do meio ambiente. O desenhador demonstra sua preocupação com a destruição dos recursos naturais nos espaços urbanos. A árvore “decepada” registra a violência e a falta de civilidade em relação ao meio ambiente. A “cidade do futuro” de Leandro demonstra a organização do espaço, onde a rua e suas faixas aparecem cuidadosamente construídas, apresentando uma incrível retidão e firmeza nas linhas que compõem o desenho. A árvore surge protegida, cercada como na árvore da cidade presente, porém, observamos uma copa, ela agora é imponente, está realmente viva. A cidade futura é extremamente verticalizada, repleta de prédios e nela não temos a presença do caminhão soltando fumaça na atmosfera. Parece mesmo haver uma inversão de conceito em relação à idéia de cidade onde a natureza é preservada. Os recursos naturais, geralmente preservados em “cidades horizontais” (observar o lado esquerdo do desenho), estão presentes justamente na “cidade vertical”, repleta de prédios que nos remetem a uma cidade “desenvolvimentista”, porém, livre da poluição e sem depredação da natureza. Neste desenho não encontramos uma visão romantizada da preservação ambiental, na qual geralmente temos a imagem de poucas casas em meio a uma floresta fechada. Leandro parece querer conciliar o desenvolvimento econômico e tecnológico com o respeito pelos recursos naturais. Considerações Finais Um aspecto a respeito da organização do espaço urbano, considerado importante pelos desenhadores, está relacionado com a distribuição espacial dos equipamentos públicos. Observando os desenhos, percebemos a ausência desses equipamentos nos bairros periféricos da cidade, ficando evidente o descontentamento da população desses bairros. 56 Esse fato deve servir aos planejadores e gestores urbanos, lembrando-os que a cidade deve ser pensada e planejada visando atender aos interesses e às necessidades de toda a população e não apenas a alguns poucos privilegiados. O desejo por uma cidade ordenada, resultado de um planejamento urbano engajado com as questões sociais e ambientais, também é expressado em muitos desenhos. Os impactos ambientais aparecem como problemáticas que exigem intervenções imediatas e tecnicamente eficazes. Uma verdadeira denúncia contra os problemas ambientais demonstra a insatisfação da população com a gestão urbana contemporânea. A questão da segurança é apontada como um dos problemas mais sérios, exigindo a implementação de medidas que devolvam à cidade e seus habitantes a justiça e a segurança pública. Enfim, o que desejam os desenhadores é um espaço menos pragmático, coercitivo e intencional. A cidade do futuro deverá ter formas e espaços destinados às manifestações artísticas e culturais, promovendo a formação de cidadãos mais humanos e criativos. O urbano será a manifestação solidária e humanizadora da cidade, que se tornou novamente a expressão da cidadania. 57 Walterlhana - 12 anos 58 Rodrigo Cândido de Oliveira - 12 anos 59 Júnior - 29 anos 60 Márcia Rodrigues - 42 anos 61 Patrícia Braga - 18 anos 62 Túlio Silvio - 13 anos 63 Tonny Marcel - 14 anos 64 Leandro Oliveira - 13 anos 65 O meio, a cidade, o desejo, o desenho e o olhar Antônio Neto F. Santos, Denise Elias Attux, Eduardo Guerra França, Elsiene Coelho da Silva, João Virmondes, Marco Henrique, Marcos Antônio de Oliveira, Maria Divina Silva Alves, Marilane Costa Leles.20 A produção de imagens nos possibilita codificar experiências, sonhos e desejos. Dessa forma, o expectador, diante da comunicação simbólica de imagens, não tem por função exclusiva decodificar a pretensão do autor, mas interpretar a mensagem visual a partir de seus próprios conceitos e vivências. Neste aspecto, o ato de fruição é transgredido pelas análises imagéticas, cujas múltiplas dimensões são exploradas não apenas pela visão, mas também por todos os sentidos. O exercício do olhar ganha forma quanto aos aspectos da expressão e do conteúdo, ao interpretarmos e re-escrevermos verbalmente os dez desenhos ora analisados. Cumpre-nos destacar a relevância do desenho enquanto mediador do diálogo entre o indivíduo e sua realidade, facilitando a tradução da experiência de vida em conceitos significativos. Enquanto forma de escrever e falar, o ato de desenhar promove o pensamento, a percepção, enfim a emoção. O processo de escolha dos 384 desenhos realizados por crianças, jovens e adultos, no Setor Central de Uberlândia, foi realizado após discussões e o estabelecimento de três categorias: a) garatujas; b) retratos da cidade e outras imagens; c) cidades imaginárias. A opção pelo grupo C, representada por 53,64 % do conjunto das imagens, do qual destacaram-se dez desenhos com base nos critérios da expressividade e da comunicabilidade, cerca a riqueza de significados em torno da exploração temática, permitindo uma análise individual, resultando no 20 Antônio Neto F. Santos, Professor de Técnicas Agrícolas da Rede Municipal de Educação com especialidade em Educação Ambiental; Denise Elias Attux, Arquiteta da Seção de Planejamento Urbano e Rural da SEDUR; Eduardo Guerra França Professor Psicologia da Educacão da UFU; Elsiene Coelho da Silva, Professora Mestre em Arte Educação e Chefe do Departamento do Curso de Artes Plásticas da UFU; João Virmondes, Artista Plástico e Professor Substituto do Departamento de Artes Plásticas da UFU; Marco Henrique é Funcionário do Museu Municipal graduado em Artes Plásticas com Mestrado em História; Marcos Antônio de Oliveira, Artista Plástico e Coordenador do Setor de Manifestações Culturais da DICULT-PROEX/UFU; Maria Divina Silva Alves, Graduando no Curso de Artes Plásticas da UFU; Marilane Costa Lelis Melo, Artista Plástica e Professora em Artes da Rede Municipal de Ensino. 66 presente texto de construção coletiva. O repertório das imagens perpassa o meio. A cidade objeto, arena, o palco do olhar. O desejo, a projeção virtual. O desenho, o meio, o registro. O olhar, o que vejo e o que nos olha. A ambigüidade entre o habitar e o ser habitado, o observar e o ser observado constitui o labirinto do meio ambiente urbano. O meio ambiente se transforma rapidamente a partir dos anos 90, em função do crescimento populacional, que trouxe evidências da má distribuição de renda. A “ordem” e o “progresso”, motivo de orgulho dessa cidade, desfazse diante do aumento da mendicância e da violência nas ruas, tornando-se incontroláveis pelas políticas públicas que não mais conseguem mascarar essa realidade conflitante. Refém de uma política falida, que a todo instante procura novos artifícios para arrecadação de impostos, sob o pretexto das necessidades de ações sociais, a população se divide hoje em duas classes, como disse Gaudêncio Frigoto: a que tem fome e a que tem medo de quem tem fome21 . O que isso significa, senão um novo tipo de poder que se estabelece numa correlação de forças nesse meio ambiente? As imagens trazem sentimentos diversos, resultados de uma política voltada para as edificações que não considera a dimensão dos sujeitos que irão habitá-las. Dessa forma, os desenhos analisados trazem o hoje, o amanhã e, quem sabe, trarão a saudade de ontem que se confunde com o desenho do amanhã. Idéias visuais e verbais surgem do caos da vida urbana. A imagem de Aline, 10 anos, Praça Nicolau Feres (pág.75), surpreende o espectador pela capacidade de abstração da proposta e pela representação da cidade refletida no sujeito que ali habita, cujo reflexo do meio em que vive encontra-se impresso na sua forma de ser. No seu auto-retrato, os dois tempos da cidade, o presente e o futuro, dividem a figura e a transformam conforme o contexto de cada espaço, apresentando uma unidade antagônica, contida num ser paradoxal, resultando numa composição equilibrada. Um ser triste num cotidiano de violência, pobreza e droga que Aline verbaliza e expressa com um “x” na frente de cada palavra contrasta com a alegria e a esperança de um futuro em que reinem a paz, a harmonia e a felicidade, ratificadas pelo “c” de certo que as acompanham, mesmo esse futuro sendo duvidoso. No rosto como no vestido, a unidade paradoxal; a 21 FRIGOTO, Gaudêncio. O Uno e o de novembro de 2000. Diverso na Educação Escolar. In: 2² Seminário de Educação promovido pelo Mestrado em Educação. Uberlândia, 29 67 tristeza é o sorriso iluminado; a flor incompleta, murcha ou até mesmo morta e a flor viva, completa, exuberante. Esse ser, ironicamente condenado à solidão, ao mesmo tempo afirma e nega, constrói e destrói a cidade. Vivencia dúvidas e esperanças, aridez e produtividade, carência e fartura. Transita e se divide entre a percepção da realidade e o desejo num pensamento interrogativo, entre morte e vida simultaneamente. Maria de Lurdes, 37 anos, Praça Ana Diniz (pág.76) , apresenta um fragmento de uma metrópole imensa, pétrea. A cidade é definida como uma estrutura destinada a crescer infinitamente e a superar-se. O espaço vazio que circunda a imagem amplia o foco de visão e coloca o observador do outro lado da rua. A via torna-se o sítio, onde automóveis trafegam como máquinas técnicas, indeléveis, impondo-se no espaço urbano juntamente com as construções, um problema que Maria de Lurdes lamenta ao escrever: vejo muita preocupação com o espaço físico e muito pouco é feito pela valorização das pessoas que convivem nossos espaços - fenômeno que se processa em todas as cidades em via de crescimento. As áreas de convivências transformam-se enquanto os concretos furtam as áreas outrora destinadas ao bem estar. As edificações verticais e a solidez do concreto armado ocupando cada milímetro do espaço urbano obliteram os últimos vestígios da natureza, as últimas áreas de ser e estar e contrastam com a fragilidade de duas figuras humanas, minúsculas, comprimidas entre paredões. As figuras caminham numa mesma direção sem opções. Seguem a mesma trajetória dos carros, embora seja impossível os acompanharem na mesma velocidade. Entretanto, a força que atrai os movimentos para um só sentido traduz a ação mecânica do homem que segue o ritmo da cidade, sem tempo nem espaço para si, sem condições de indagar: quem sou? Onde estou? Para onde vou? Segue sufocado pela falta de qualidade de vida, restando-lhe, tão somente, a luta pela sobrevivência. O desenho de Juliano, 16 anos, Praça Nossa Senhora Aparecida (pág.77), e de Ana Tereza, 8 anos, Praça Sérgio Pacheco (pág.78), são reflexos das campanhas somos amigos da... tão propagadas nos meios de comunicação, produto de políticas governamentais rasas que incitam a sociedade à prestação de serviço voluntário e omitem o fato de receitas advindas da cobrança de impostos serem utilizadas, muitas vezes, mais para fins particulares do que para a viabilização de projetos sociais, educacionais, e culturais. 68 Nesse contexto Juliano escreve Udi, queria que soubesse que não estou muito contente com seu crescimento, pois, cresceram os concretos e extinguiram a mais digna civilização e esqueceram de plantar uma semente, na educação, saúde, segurança e clama ajude a quem precisa. Para isso, propõe um centro de ajuda e arrecadação para umildes, assim como Ana Tereza e a Casa SOMOS AMIGOS DA BONDADE. E ele acrescenta, numa placa, EVITE FILAS seja um BOM CIDADÃO. Ser um bom cidadão não significa assumir um compromisso de doações evitando filas e tão pouco praticar ações solidárias principalmente em datas especiais. Da mesma forma, Ana Tereza coloca: Lembram de mim no natal, no dia das crianças, doações de “brinquedos”; somos crianças carentes oferecem “comidas”; precisamos de roupas para protegermos do frio contribuam com “roupas e sapatos”. Ana Tereza desenvolve a idéia com muita sensibilidade através de seu desenho dividido por cenas, expressando o sentimento de alegria das crianças que se organizam em fila. Noutro desenho, demonstra o desafio expresso nas pernas que se alongam para alcançar as doações quase inacessíveis de pessoas com auréolas de santos, e que, ao final, mostram-se felizes por conseguir vencer as dificuldades e com o presente na mão. Mesma fila, mesmo claustro, imagem de Rubião e Kafka… Evite filas Resolva Saia dos teus impasses repetitivos – ó cidade Sejas realmente um cidadão – ó cidadinha cidade. A cidade na sua imensidão esconde a solidariedade, o amor fraterno, o cuidado com a educação. Benazir do Prado, 12 anos, Praça Sérgio Pacheco (pág.79) , chama atenção para essas questões ao desenhar o trânsito, os seres, a arquitetura da cidade numa ordem lógica, formal e imaginária. Projeta o espectador para o outro lado da rua (como em “Las Meninas” de Vélazquez), convidando-nos a, juntamente com os dois personagens centrais, atravessá-la pela faixa de pedestre. Acima, novamente, os mesmos personagens são apresentados e inseridos num contexto social que coexiste desordenadamente nesse espaço imaginário. Integra fragmentos do cotidiano, cenas captura- 69 das pelo zoom de uma lente que pinça valores essenciais de uma sociedade. Outros fragmentos retratam a diversidade da cidade trabalhada. No trabalho de Sônia Maria, 56 anos, Praça Coronel Carneiro (pág.80), um desenho infantil revela a falta de acesso e possibilidade de ampliar sua experiência gráfica. Há um olhar nostálgico sobre o retrato da cidade, onde o ambiente natural cede lugar às edificações, à educação ao lixo transbordante, à harmonia, à violência cotidiana que assombra e gera a síndrome do medo despertando desejos e saudades. A cidade vislumbrada corresponde a uma proposta ou será uma rememorização do modo de vida antes do êxodo rural?! A harmonia do ser humano com a natureza se desfaz em função das especulações imobiliárias que impõem rigidez e crescimento desordenado à cidade. As crianças de olhar e sorriso brilhantes, cujos gestos flutuantes comungavam com a natureza, hoje, são aprisionadas em cubículos, sufocadas por regras de convivência que as privam da liberdade. O desejo de fuga da realidade encontrado no refúgio de Fabiana, 10 anos, Praça Tubal Vilela (pág.81), é representado pela ausência dos prédios e ânsia pela natureza. Refugia-se numa paisagem contemplativa repleta de flores que, em profusão, transformam o ambiente, tornando-o belo, agradável a ponto de tornar o lugar da única casa que flutua em meio à excelência da floração. A natureza hegemônica faz com que a cidade recue até o mero detalhe para que a personagem possa caminhar pelas encantadoras formas oblongas e semicirculares. A composição é essencialmente lírica. Tudo parece brotar repentinamente como se um toque mágico criasse um terreno acidentado, uma cadeia de morros, emersa da terra, surpreendendo a garota desatenta, que se vê impelida a equilibrar-se na superfície íngreme. A natureza, então, representa um espaço onírico que subsiste numa situação imaginária para além dos lugares citadinos, os quais não devem desaparecer em névoas de sonhos e desejos quando a trilha se torna invisível para a menina urbana. A praça, elemento simbólico da representação do meio ambiente urbano, foi uma referência constante nos desenhos. Se existe uma necessidade real do espaço como lazer, ou se foram influenciados pela circunstância da experiência do desenho, não se sabe. Um desses desenhos é o de Paulo Batista, 8 anos, Praça Nicolau Ferez (pág. 82). Enquanto, num ritmo acelerado ônibus e carros circundam a praça, um homem transcendente solitário 70 caminha em linha reta, com pensamentos vagos. No centro, a praça surge como um lugar de extrema placidez, um microcosmo harmonioso que sobrevive no interior do caos urbano, como um espaço de convívio social, descanso e contemplação, onde mães trocam experiências e crianças brincam. Uma das cenas possíveis de o observador captar, nesse caso, são as unidades formais representadas por uma vista aérea, permitindo perceber a praça no conjunto do ambiente em que está localizada. O desenho de Gabriel, 42 anos, Praça Tubal Vilela (pág. 83), representa também uma vista aérea, porém, ele vai além do recorte para trazer a cidade completa, um ambiente saturado de exclamações. Na sua figura, existe um ambiente construído e constituído tanto de problemas ecológicos, quanto de partes preservadas e harmoniosas. Os problemas ambientais estão relacionados com falta de terra para todos construírem suas casas, falta de comida e trabalho para todas as famílias, excesso de terrenos vazios mantidos por especulação imobiliária, lixo espalhados pelas ruas e, enfim, apresenta problemas de planejamento urbano. Na parte preservada e organizada são mostradas áreas de lazer com muito verde, piscinas, museus, quadra de esporte, campo de futebol, brinquedos, espaços para apresentação de teatro, música, escolas e universidades. Traz palavras de ordem para organizar a sociedade: segurança cidadã, limpeza, culturas e liberdades. Já o desenho de Viviam Resende, 16 anos, Praça Sérgio Pacheco (pág. 84), o último a ser analisado, dentre o conjunto das dez imagens, apresenta o espaço humano dividido em dois momentos distintos. O primeiro, ocupando o espaço superior, traz grandes problemas ambientais: rio totalmente poluído com dejetos da rede de esgoto doméstico e industrial, lixos sólidos, compostos de latas, sacos plásticos e pneus. Neste rio não há vegetais nas margens. Há, sim, construções de casas e avenidas provocando grandes congestionamentos de carros; falta de proteção contra enxurrada das águas; assoreamento com detritos sólidos e emissões de gases poluentes, como o monóxido de carbono, pelos carros no espaço atmosférico. Acima da margem do rio, no topo de uma linha curva, observam-se aglomerações de casas, uma seqüência de arranha-céus e nenhuma indicação de árvores. Há, porém, muitas antenas para recepção e transmissão de ondas de TV, telefone e rádio que, além de poluírem visualmente o ambiente, contribuem para a emissão de radiações que prejudicam a saúde da população. Assim, não poderia ser diferente a necessidade nitidamente destacada por ambulância, carro de radiopatrulha ou carro do corpo de bom- 71 beiro, atendendo às emergências referentes à saúde e à segurança humana. A cidade, objeto do desejo, constitui-se de uma seqüência de planos sobre uma linha horizontal reta, traduzindo harmonia, equilíbrio e paz. No rio despoluído, dá para ver peixes nadando; sua margem está recoberta por vegetais de vários tamanhos e diferentes espécies. Não há avenidas próximas ao rio. Nas casas e nos prédios, que estão bem distantes da margem do rio, não são vistas antenas. No céu, aparece um sol brilhante por detrás das nuvens esparsas e brancas. A análise temática dessas imagens provoca no espectador a construção de conceitos que vão além das estruturas formais: linhas, planos, equilíbrio, ritmo, tensão espacial, etc. Faz-se necessário definir meio ambiente, problemas ambientais, educação ambiental, desenvolvimento sustentável, dentre tantos outros. Dessa forma, o ambiente ou espaço humano é criado através da ação do homem dialeticamente em contato com o meio natural. Nessa criação, na maioria das vezes, o homem constrói uma série de problemas ambientais que acabam retornando para si sob a forma de catástrofes, tais como: inundações, contaminação de mananciais de água, aumento de temperatura por falta de cobertura vegetal ou por excesso de usinas hidrelétricas, doenças relacionadas com mosquitos que se procriam em lugares que acumulam água, doenças como cólera, verminoses provenientes de rios ou lagos contaminados por esgoto humano, peixes contaminados por metais pesados provenientes de resíduos industriais, violências urbanas provenientes das desigualdades sociais e de famílias desestruturadas que não conseguem prover os filhos das necessidades mais básicas. Essa maneira de ver e entender o meio ambiente está de acordo com as idéias de REIGOTA, que apresenta o meio ambiente como o lugar determinado ou percebido onde os elementos naturais e sociais estão em relações dinâmicas e em interações. Essas relações implicam processos de criação e tecnologia de processos históricos de transformação do meio ambiente natural e construído.22 É no contato do homem com a natureza que se materializam as relações naturais e sociais que compõem o meio ambiente. A relação desse ambiente degradado com a saúde humana é evidenciada através das doenças físicas, emocionais e mentais. Esse homem deixa de ser um sujeito ativo, saudável, e passa a ser um paciente à mercê de inúmeros problemas ambientais que o cercam. E nesse ambiente degradado, insólito, todos são vítimas 22 REIGOTA, Marcos. Meio Ambiente e Representação Social, 2² ed, São Paulo: Cortez, 1997 72 em maior ou menor grau, desde o sujeito que vive em bairros de periferias ou em favelas, como aqueles que vivem em grandes mansões. Talvez os primeiros sintam bem mais rápido os problemas ambientais, embora os demais também se tornem vítimas desse ambiente inadequado para seres ditos racionais e detentores do controle de suas vidas. Para exercitar uma cidadania é preciso entender o meio ambiente, como ele é transformado e recriado, qual a relação do homem ao criar o seu meio ambiente, como esse ambiente é degradado e muitas vezes extinto em forma de solo, plantas e animais. A cidadania ambiental pode ser construída por meio de um programa de Educação Ambiental. Segundo DIAS (1998), deve-se promover o desenvolvimento de conhecimento, atitude e habilidades necessárias à preservação e melhoria da qualidade ambiental, pois a função de um trabalho didático, envolvendo o tema meio ambiente, é contribuir para a formação ambiental, cognitiva e social do educando, de modo que ele seja capaz de atuar na realidade sócioambiental comprometido com a sociedade local e global. A Educação Ambiental deve acontecer de uma maneira formal nas escolas de ensino fundamental e médio, bem como nas universidades. De maneira informal, ela pode acontecer nas praças, sindicatos, igrejas, clubes, parques, em qualquer lugar, onde as pessoas se reúnam. Nesse sentido, há necessidade não só de políticas ambientais, mas também de educação ambiental, já que nas figuras aqui analisadas observa-se uma forte presença do desenvolvimento econômico e tecnológico. Nas sociedades contemporâneas, a tecnologia está intensamente presente. Ela se caracteriza, segundo GRINSPUN 23 , como um conjunto de conhecimentos, informações e habilidades que provém de uma inovação ou invenção científica, que operacionaliza através de diferentes métodos e técnicas e que é utilizada na produção de bens e serviços, nos setores primários, secundários e terciários. Em decorrência disso, as demandas atuais exigem principalmente que a escola ou qualquer outra instituição governamental ou não-governamental ofereça aos educandos sólida formação ambiental, cognitiva e competência técnica, possibilitando desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes que permitam observar, compreender, utilizar e, fundamentalmente, analisar, ainda que de maneira incipiente, o acelerado desenvolvimento econômico dessa sociedade tecnológica e as conseqüências ambientais. 23 GRINSPUN, Mirian P. S. Z. Educação Tecnológica: desafios e perspectivas. São Paulo: Cortez, 1999. 73 Os problemas ambientais, que também são sociais, afligem direta ou indiretamente qualquer pessoa. Nesse sentido, a experiência dessa análise temática sobre os desenhos revelam um imaginário coletivo que se completa com o olhar do espectador e por fim assume uma dimensão bastante significativa para a cidadania ambiental. Assim, a análise sob o contexto histórico, cultural, social e tecnológico permite levantar hipóteses que podem resultar em propostas que auxiliarão na melhoria da qualidade do ambiente em que vivemos. Faz-se necessário, ao discutir questões ambientais, integrar a cultura tecnológica não só vinculada aos problemas gerados, mas também ligados à sua potencialidade de solução de problemas, como o uso inadequado de recursos naturais. Nessa visão surge o conceito de desenvolvimento sustentável, propagado a partir da 2ª Conferência Mundial sobre Meio Ambiente, no Rio de Janeiro, em 1992. Desenvolver sustentavelmente é não comprometer todos os recursos naturais. É respeitar outras formas de vida. É não colocar o desenvolvimento econômico acima de todos os interesses da humanidade. É exatamente isso que as imagens trazem: a possibilidade de se continuar desenvolvendo, porém com a devida proteção ao meio ambiente. Bibliografia DIAS, Genebaldo Freire. Educação Ambiental: princípios e práticas. 5ª ed. São Paulo: Global, 1998. GRINSPUN, Mirian P. S. Z. Educação Tecnológica: desafios e perspectivas. São Paulo: Cortez, 1999. REIGOTA, Marcos. Meio Ambiente e Representação Social. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1997. 74 Aline Almeida de Souza - 10 anos 75 Maria de Lourdes Viana - 37 anos 76 Juliano Pereira - 16 anos 77 Ana Tereza C.M. Hordonis - 8 anos 78 Benazir do Prado Freire - 12 anos 79 Sônia Maria Borges - 56 anos 80 Fabiana Fernandes - 10 anos 81 Paulo Batista Vieira - 8 anos 82 Gabriel Muñoz - 42 anos 83 Vivian Resende Alano - 16 anos 84 Propostas para as cidades de seus sonhos: uma viagem pelos desejos-desenhados Cláudia Maria de Freitas, Daniel Gervásio Bernardes, Eliane de Fátima Vieira Tinôco, Márcia Maria de Sousa e Rosana de Ávila Melo Silveira24 Caminhos iniciais P ara começarmos a apresentar o trabalho da Equipe Laranja, pensamos ser necessário falar sobre o Setor da cidade do qual fazem parte os desenhos que analisamos. O Setor Sul da cidade de Uberlândia é marcado por diferenças sociais, culturais e econômicas muito significativas. Nesse Setor, estão Bairros tradicionais, como exemplo, o Saraiva e o Patrimônio, e Bairros novos, tais como o Laranjeiras e o Morada da Colina. Caracterizando a imagem da paisagem vivida do lugar, são distintos os bairros trabalhados: no Bairro Patrimônio, a comunidade está muito ligada ao Carnaval e ao Congado; já no Bairro Saraiva, as festas juninas são as mais significativas para a comunidade. No Bairro Laranjeiras, o Centro Poliesportivo Agenor Alves Garcia, onde foram realizados os desenhos das crianças e dos jovens, constitui-se como um dos poucos pontos de convergência da comunidade para o lazer e o esporte. E, no Bairro Lagoinha, a marca de destaque é a poluição do seu córrego, que atravessa, também, alguns bairros próximos. Como podemos observar, o Setor Sul se caracteriza pela diversidade em vários aspectos. Para a realização da ação “Desenhando e Construindo a Cidade no Cerrado”, foram visitadas, pela equipe gestora do projeto, algumas praças do Setor Sul25 e escolhidas duas praças: a Vasco Gifone, no Saraiva, e a José Mota, no Patrimônio. O Centro Poliesportivo Agenor Alves Garcia do Bairro Laranjeiras, também, foi escolhido por não terem 24 Cláudia Maria de Freitas é Geógrafa da SEDUR e secretária da Associação de Geógrafos do Brasil/sede Uberlândia; Daniel Gervásio Bernardes é Arquiteto, Urbanista e mestrando em Geografia, Eliane de Fátima Vieira Tinôco é professora de Artes da Rede Municipal de Ensino e Assessora de Ação Educativa-Cultural da DICULT; Márcia Maria de Sousa é professora de Rede Municipal de Ensino e Especialista em Ensino de Arte; Rosana de Ávila Melo Silveira é professora de Geografia e mestranda em Geografia. 25 As praças visitadas foram Ernesto Ceccon no Bairro São Jorge, Benigno Ferreira Sobrinho no Bairro Granada e Canto Maior dos Palmares no Bairro Patrimônio. 85 as outras praças visitadas o mínimo de requisitos para a realização do projeto: árvores altas, bancos e pavimentação. Apesar desse conhecimento sobre os bairros do Setor Sul ter começado a fazer parte das análises da Equipe Laranja somente no momento em que socializamos as análises individuais, ele foi de fundamental importância para podermos compreender o universo do qual faziam parte os desenhos com os quais estávamos conversando. Desde o princípio do projeto, constituiu-se a idéia de uma participação ampla de uma parcela da sociedade, no caso as crianças e os jovens, no enquadramento de propostas para a cidade que se deseja construir, e isso dimensionou inúmeros caracteres que se voltaram para uma construção justa numa dinâmica de civilidade. A equipe concebida para a análise, equipe laranja, foi constituída por profissionais habilitados que se dispuseram para a devida avaliação dos significantes dos objetos. Dentre eles destacamos: arquiteto, geógrafas, professores de arte e geografia. O vôo nos bidimensionais Feito pássaros gigantes que sobrevoam paisagens mentalizadas, colocamo-nos frente a frente com os desenhos, qual espectadores de mundos moldados em páginas bidimensionadas. Consequentemente, a análise dos objetos desenhados pelas crianças teve como base um procedimento metodológico, pelo qual cada expressão pensada recebeu toda nossa atenção, com o objetivo de valorizar a idéia proposta pelo desenhador, respeitando o seu pensamento materializado. Com essa preocupação, reunimos elementos para uma devida avaliação, pela qual seriam apontados os trabalhos que representassem melhor o conjunto global realizado pelas crianças. Decidimos ser melhor escolher as imagens pela empatia que nos causavam, não apenas uma empatia visual, o que resultaria em uma escolha pelos desenhos mais “bonitos”, mas sim uma empatia por conteúdo e significado. Aqueles desenhos que causassem indagações seriam preferidos àqueles com resultado gráfico agradável. As imagens do Setor Sul, em um total de 239, não estavam separadas por idade e por praça e a equipe resolveu que não iria organizá-las novamente, correndo o risco de escolher trabalhos sem contemplar as diversidades. 86 Caso isso acontecesse, faríamos novas escolhas. No primeiro momento, tivemos uma amostragem de 52 imagens. Em reunião geral anterior, o grupo gestor do projeto havia decidido que cada equipe de cores conversaria com um número entre 7 e 10 imagens. Assim, deveríamos fazer uma nova amostragem. Pensamos, então, ser necessário separá-la por faixa etária, pois a presença dos desenhadores nas Praças do Setor Sul, escolhidas para o projeto, abrangeu faixas etárias diferenciadas. Descobrimos que, dentre os 52, havia mais desenhos de 7 a 10 anos e de 11 a 15, característica que se repetiu na totalidade das imagens do Setor Sul. Decidimos que, nessas duas faixas, deveríamos ter uma amostragem maior de desenhos. Outra preocupação desse momento foi a de não excluirmos nenhuma praça do Setor Sul. Dentre as 239 imagens, para nossa amostragem, nove representações foram as que melhor identidade nos ofereciam para uma objetivação, sendo: 2 do Poliesportivo, 2 da praça José Mota, 5 da Praça Vasco Gifone. Quanto à idade, a escolha foi: um de 4 anos, três de 7 a 10 anos, quatro de 11 a 15 e um de 27 anos. Como no primeiro momento os desenhos estavam misturados, e nós os escolhemos pela empatia, o fato de ter mais desenhos da Vasco Gifone que dos outros locais foi aceito pelo grupo. Ao terminarmos a amostragem, os desenhos passaram a ocupar espaço em nossas mentes, e a equipe passaria a conversar com eles. Sentimo-nos diante de um convite cósmico para uma viagem na imaginação dos desenhadores de um mundo sonhado. Cada participante da equipe levou 1 ou 2 desenhos para casa e fez sua análise particular. Depois nos reunimos e, com as imagens nas mãos, refletimos e discutimos sobre o diálogo de cada um com os desenhos em sua particularidade ou totalidade. Em um segundo momento, procuramos identificar quais foram os elementos mais destacados pelas crianças, compreendendo que os mesmos são signos que constituem a mensagem principal das crianças. No geral, os desenhos do Setor Sul destacaram uma preocupação com Moradia, Meio Ambiente e Segurança26 . Nesse sentido, verificamos que os desenhos de nossa amostragem para conversas não se mostraram representativos da totalidade. Durante a escolha dos desenhos, percebemos que várias crianças e jovens desenharam a igreja da Praça Vasco Gifone e os banheiros do Poliesportivo. Esses desenhos, juntamente com as garatujas, foram considerados pela equipe como “sem definição”, pois não sugeriam/apontavam necessidades ou possibilidades, apenas pontuavam 26 No tema Moradia, foram considerados tanto os desenhos que apenas a retratavam como também os que a reivindicavam. No tema Segurança, foram considerados trabalhos que falavam sobre Violência e sobre Segurança no Trânsito. A equipe laranja agrupou em uma categoria chamada “Cidadania” os trabalhos com a expressão de uma visão global sobre as relações entre infra-estrutura e relações sociais – relação indivíduo/cidade. 87 aspectos arquitetônicos do espaço, no qual acontecia a atividade do desenho. Dentre os nove desenhos, o tema mais recorrente foi o Lazer, com interpretações bem diferentes de criança para criança. No desenho de Viviane, 10 anos (pág. 91), o lazer está ligado à questão do meio ambiente e ela, em uma visão politizada do projeto; escreve estar esperando que “depois disso” (o desenho), o córrego Lagoinha, que hoje está poluído, volte a ser uma área de lazer. Esta criança expressa com objetividade seus ideais: proteção e preservação do meio ambiente e a criação de áreas para o lazer coletivo. Já para Rachid de 10 anos (pág. 92), o lazer faz parte da cidade de seus sonhos, uma cidade bem organizada, bem sinalizada, onde o parque de diversões ocupa a maior parte de sua área. Em seu desenho, ele salienta todos aqueles elementos que gostaria que fizessem parte de sua cidade e não fazem. Para Anísio de 13 anos (pág. 93), a cidade se configura em função do lazer. Ao colocar dentro de um círculo várias quadras de futebol, ele anuncia sua preferência e define o espaço de lazer como o mais importante em sua visão de cidade. Ele não ignora que a cidade necessita de alguns aparelhos e, por isso, ao redor do círculo desenha árvores e retângulos que podem ser construções dos mais diversos tipos. No entanto, o espaço de lazer é o centro de suas atenções. Nos desenhos de Douglas, 11 anos (pág. 98) e de Kamila, 7 anos (pág. 95), o lazer é apenas citado como parte do ambiente e da vivência infantil. Outro tema muito presente nos desenhos analisados foi o Meio Ambiente. Para a Equipe Laranja, desenhos com alusão ao meio ambiente são aqueles que contém representações gráficas de elementos ecológicos e preocupação com a poluição ambiental. Além do desenho de Viviane, já citado anteriormente, Nando, de 27 anos (pág. 94), explicita sua preocupação com uma cidade limpa, na qual os espaços públicos devem estar organizados de forma a assegurar e preservar o meio ambiente. De um lado da rua, ele coloca sujeira e árvores cortadas, do outro lado, latões de lixo e árvores altas dizem como ele gostaria que fosse sua cidade. Nos desenhos de Théo, 4 anos (pág. 96), Dheynisson, 11 anos (pág. 97), Kamila e Douglas, a representação de árvores, flores e pássaros no espaço urbano mostram a necessidade de uma maior convivência do concreto com a natureza. 88 Um sentimento de liberdade perpassa os desenhos de Théo, Dheynisson e Douglas. Esses desenhos traduzem a idéia de que uma cidade agradável de se habitar precisa dar liberdade para que seus moradores nela convivam. Todo o desenho de Théo sugere um movimento composto por diferentes tipos de linhas, ressoando a luminosidade do sol em todos os símbolos gráficos. Os braços abertos das figuras humanas (crianças) têm correspondência com as asas dos pássaros que “caminham” da esquerda para a direita da folha, compondo a sensação de liberdade. Dheynisson sugere a liberdade ao colocar um paraquedista e um casal de namorados em meio a um espaço urbano sem conturbações, no qual um homem, vestido em trajes de Festa Junina, solta fogos de artifícios, reforçando um aspecto cultural do bairro. No desenho de Douglas, a sensação de liberdade é sugerida pelos semáforos que estão todos abertos, porém, sem apresentar riscos ao trânsito, pois apenas um carro trafega pela via. Em contraponto aos desenhos de Théo, Dheynisson e Douglas, está o desenho de Thiago, 13 anos (pág. 99). Ele demonstra, com seu registro gráfico, a preocupação com a segurança ligada ao trânsito da cidade, preocupação reforçada pela escrita no canto da folha: Eu quero segurança, não morte. Ele não desenha construções da cidade, apenas a malha viária, na qual dois carros se chocaram em um trevo, um deles por não ter obedecido os sinais, reforçados por setas que Thiago representa com evidência no espaço da via. A polícia já está no local. No desenho de Douglas um fato chamou muito a atenção da equipe. Ele se coloca no centro do desenho e conversa com o espectador convidando-o ao olhar e ao interagir. O balão com a palavra oi é o ponto de entrada no desenho e é a marca da criança no espaço. Ele interage com esse espaço, sendo o centro das atenções. 89 Abordagem final Os desenhos ultrapassaram nossas expectativas, pois demonstraram, através da expressão das crianças, seus conceitos e suas proposições como cidadãos, enfatizando desejos que devem ser respeitados e valorizados. Os desenhos escolhidos sugerem, nas diversas idades, um posicionamento de cidadão que observa a sua realidade e deseja modificá-la. Muitos destes desenhos sugerem/apontam o que fazer para modificar essa realidade e apontam o olhar atento das crianças e jovens para a superação dos conflitos urbanos através do desenho enquanto ato de cidadania. Existe uma visão politizada em relação ao espaço vivido. O desejo de cada criança, expresso no desenho, deixa clara a importância do projeto enquanto momento de reflexão sobre o que a cidade oferece tanto de positivo, quanto de negativo a suas crianças e jovens. Alguns desenhos chegam a questionar as possibilidades de mudança a partir de suas propostas. As mensagens desenhadas ou verbalizadas são um apelo para que as mudanças aconteçam. Observa-se que houve, por parte das crianças, uma coerência entre seu pensamento verbal e a materialização deste na folha A4. A cidade vivida e vivenciada pela criança e pelo jovem é repleta de conflitos, captados também por relatos verbais pelos colaboradores no momento do desenho: tentei desenhar uma cidade melhor, sem violência, imaginei as crianças saindo do semáforo para irem para a escola, queria brincar, mas no parque de diversões, eu tentei desenhar a paz, menos acidente de carro, menos droga... Cada traço, as ruas, escolas, parques, árvores etc., denunciam a cidade mental em suas diversas formas. Sua apreensão pelas crianças revelam-nas como seres que interagem com a sociedade em que vivem. Neste sentido, acreditamos que as cidades das imaginações das crianças são possíveis e, para além dos sonhos, elas são possíveis. 90 Viviane Pires de Siqueira - 10 anos 91 Rachid Rassan Halouche - 10 anos 92 Anísio Soares - 13 anos 93 Nando D’ale - 27 anos 94 Kamila - 7anos 95 Théo Borges Faria - 4 anos 96 Dheynisson da Silva - 11 anos 97 Douglas Rodrigues de Souza - 11 anos 98 Thiago Menezes - 13 anos 99 0 urbano modificando as relações sociais através do olhar de crianças e de jovens Cíntia Guimarães, Léa Carneiro de Zumpano França, Lucimagda Aparecida de Lima, Mara Nogueira Porto, Maria Beatriz Ramos, Pricilla Camargo27 A penas o homem é capaz de criar/dar significados a sua realidade e, conseqüentemente, edificar a cultura que sustentará a estrutura social. Tal estrutura se dá por uma relação dialética de construção dessas significações, ou seja, à medida em que o homem constrói e ergue a sociedade através da atribuição de signos, o real, ele também é construído socialmente. Esse processo dinâmico de construção e edificação dos valores, significados pelos homens em sociedade, é que vai garantir a sua existência social. As necessidades humanas, que durante todo o desenvolvimento, sempre tiveram características individuais, passam a ser necessidades coletivamente erguidas. Com isso, podemos concluir que a visão biológica para o processo de desenvolvimento humano não é determinante nesse processo e sim no contexto social em que esse ser humano está inserido, no qual seus valores e significações vão surgir através das interlocuções com o meio social ao qual pertença. No entanto, com a evolução da sociedade e a ampliação dos complexos aglomerados humanos, percebemos que o advento das grandes metrópoles sempre fizera parte do imaginário social, levando-se em consideração as brilhantes obras da literatura, pintura, música e contemporaneamente, o cinema. Essas obras de certa forma implícita ou explicitamente, retratavam e retratam as indagações com referência ao futuro das gigantescas cidades, das relações sociais e dos problemas estruturais que podiam e que emergiam nas metrópoles. Com o desenvolvimento industrial e urbano, mudaram-se a configuração social, as relações de trabalho, a inserção do trabalho assalariado. Isso significou que antes o que era uma relação, na qual o trabalhador detinha os meios e Cíntia Guimarães é professora substituta do Departamento de Artes Plásticas da UFU; Léa Carneiro de Zumpano França é professora de Artes da Rede Pública Municipal; Lucimagda Aparecida de Lima é professora da Rede Pública Municipal; Mara Nogueira Porto é graduanda em Artes Plásticas/UFU e estagiária da DICULT; Maria Beatriz Ramos é Técnica em Assuntos Culturais da Secretaria Municipal de Cultura da PMU; Pricilla Camargo é graduada em Ciências Sociais/UFU, professora de Sociologia e funcionária do Núcleo da Juventude na Secretaria de Planejamento Participativo da PMU. 27 100 planejamento do seu trabalho, com o capitalismo, a força de trabalho desse indivíduo passa a ser vendida, sendo apenas esta a maneira de garantia da sua sobrevivência. Um dos desdobramentos desta situação seria essa nova caracterização das relações de trabalho, sendo um dos principais - senão o único - motivos a propiciar o surgimento do antagonismo de classes: de um lado, os proprietários dos meios de produção; do outro, os trabalhadores assalariados. Junto com essa nova configuração social, veio a edificação gradativa e paulatina das primeiras cidades, que tinham por características serem cidades industriais que se destinavam a produção de mercadorias. Isso acarretou um grande êxodo rural, em que os indivíduos deixavam o campo à procura de trabalho nos conglomerados humanos (CASTELS). A gradativa industrialização trouxe a urbanização e um ritmo muito dinâmico à própria vida cotidiana e também às relações sociais estabelecidas. Para o antropólogo Louis Wirth, as cidades são caracterizadas pela aglomeração de indivíduos socialmente heterogêneos e são produtos do crescimento, não é um processo de criação instantânea, não é apenas onde os indivíduos têm o seu local de trabalho e moradia, mas é principalmente o centro controlador econômico, político e cultural, pois quanto maior a densidade demográfica, maior será a heterogeneidade e as características desses centros urbanos. Isso porque os contatos urbanos entre os cidadãos são segmentados, superficiais, para se afastarem de exigências e expectativas dos outros indivíduos. Mas essa heterogeneidade tende a quebrar com estruturas sociais rígidas, produzindo dessa forma uma crescente insegurança e instabilidade. Todo esse preâmbulo fez-se necessário para situar as análises dos desenhos feitos por crianças e jovens da cidade, especificamente, do Setor Leste, dentro de um processo histórico e social, do qual todos os que participaram são pessoas que estão sujeitas às dinâmicas interações sociais cotidianas. O diálogo com os desenhos se deu pela forma, linha, estrutura do desenho no espaço do papel, organização e elaboração que pelas idéias resultaram em uma proposição de vida - os desejos de cada um e a soma de todos. Através do traço, surgem nos desenhos a linguagem e a expressão de crianças e de adolescentes sobre um tema envolvente, pois trata diretamente da vida de cada um e de suas expectativas e esperanças no futuro. Observamos uma riqueza muito grande de informações e desejos, desde os primeiros anos, nos quais a garatuja já evidencia a 101 figura humana de diversas maneiras: sozinha, com um animal ou com outras pessoas. Tiveram a oportunidade de se perguntar sobre o que gostariam de construir na cidade onde vivem, nos seus espaços públicos que são espaços de convivência coletiva. Apareceram muitos pontos comuns nos desenhos: a identificação em grande parte de espaços de lazer, praças, parques com escorregador, balanços, a roda e as brincadeiras decorrentes dela, crianças soltando pipas. A presença de árvores bem diferentes quebram estereótipos, formas e linhas particulares, realçando a diversidade da vegetação no nosso cerrado. Essa riqueza de traços, linhas, emaranhados e hachuras na construção das texturas e também de telhados, casas e outros elementos nos encanta, e é prazeroso apreciá-las. Nesse aspecto, concluímos que a impossibilidade de estarem utilizando a cor no desenho favoreceu o enriquecimento da linha em todos os seus aspectos. Bancos nas praças e parques, com pessoas sentadas de costas para o apreciador do desenho, mostram a necessidade do convívio social, do encontro de forma prazerosa sugerindo até um certo romantismo, uma certa nostalgia, pois sabemos que é possível resgatar alguns valores, mas dentro de outro contexto, o atual. Na cidade e nos prédios, o traçado é tratado como uma vista aérea. Já as construções são colocadas no plano bidimensional do papel, plano deitado axial28 , que é uma característica da faixa etária dos sete até mais ou menos os doze anos. Outra característica, também, é a sobreposição de planos29 . Em alguns desenhos de adolescentes, a partir dos treze anos, percebemos a tentativa de tratar a cidade através da perspectiva. Os desenhos mostram caminhos, ruas, avenidas, enquanto situações reais de percursos no dia a dia, mas vemos estes caminhos também enquanto possibilidades de busca de novas trajetórias para a cidade que tanto se quer construir. A qualidade dos desenhos enfatiza essa imensa vontade interior das crianças que participaram e investiram na proposta. Os planos presentes no desenho mostram os diversos espaços existentes e desejados na cidade. O movimento, o urbano se contrapondo à tranqüilidade da natureza. A atual presença de fábricas mostrando a poluição, não presente no futuro. 28 29 MÉREDIEU, Florence de. O desenho infantil. Características do espaço infantil, p. 46-47. Idem; p. 48-49. 102 Se as florestas não fossem destruídas Teríamos um lugar de lazer... ... apenas um lugar de lazer. Será que é pedir muito?. (Nairona, 15 anos)”.30 Os desenhos falam de maneira muito particular, muito própria, da angústia, da inquietação pelos problemas existentes no momento real, no hoje: a violência, a falta de escolas e de hospitais, a presença marcante de igrejas que só vêm reforçar a religiosidade tão presente em nossa cultura, o que nos faz lembrar do processo de formação de nossas comunidades que se iniciava pela construção de uma igreja, geralmente próxima a uma praça que servia de ponto de encontro para a comunidade. Os desenhos confirmam como esta cultura está impregnada não só em quem os produziu, mas também em nós, pois fazemos parte desta cidade. Tudo isso remete ao amanhã com a reflexão sobre a paz. Como ela é almejada por essa geração! Na maioria dos desenhos, houve a ocupação total do espaço do papel, tentando contemplar a maior quantidade de elementos possíveis conforme o objetivo da criança e do adolescente a partir do tema proposto. Alguns dividiram com um traço a folha na vertical ou na horizontal e alguns não fizeram essa divisão - escolheram a atualidade ou desejo, o presente ou o futuro. É fundamental esta experiência para as pessoas começarem a questionar o espaço em que vivem e como podem estar interagindo no grupo, na sociedade, para efetivar mudanças que favorecerão ao bem estar comum, com objetivos a médio e longo prazo. Portanto, essas ações culturais deverão estar acontecendo com maior freqüência, não só utilizando a linguagem plástica visual, mas também interagindo com outras linguagens contemporâneas: teatro, dança, música, cinema, vídeo, fotografia. Rodrigo Faustino, 10 anos, Escola M. Gladsen Guerra, 3ª série, Praça Ferreira Goulart (Pág. 114). O desenho mostra dois contextos bem diferentes, mas não deixa claro em qual a cidade onde vive ou qual gostaria de construir. O nosso olhar vai de uma metade da página à outra, observando a construção do desenho. De um dos lados, o esquerdo, Rodrigo desenha, na linha do papel, uma casa que tem uma fachada diferente das casas comuns 30 Nairona. Participante da Oficina de Desenho Urbano: as Crianças, os Jovens e a Cidade no Cerrado. *O desenho de Rodrigo Faustino é do setor oeste, porém está analisado dentro do setor leste; e uma vez constatado, respeitamos o texto do grupo. 103 feitas por crianças e que são sempre muito parecidas. Ao lado da casa, algumas árvores. Ainda deste lado, mais acima, há outras construções com postes de concreto para iluminação, uma cerca de arame. Mais acima, uma quadra de futebol e no alto da página três carros, uma moto, outras construções. Do outro lado, está desenhada uma grande árvore com tronco largo, bastantes galhos e nenhuma folha, ela ocupa toda a metade do papel; no entanto, no canto direito, protegida pelos galhos da grande árvore, podemos observar uma casa simples, aquela que, geralmente, é a mais comum, desenhada por quase todos, com uma porta, duas janelas laterais e o telhado. Passa um sentimento de proteção e da importância que a árvore tem em nossas vidas, desde o ar que respiramos até o alimento que nos fornece. Dela depende nossa sobrevivência, como se nos abrigasse. E, sobre o telhado da casa que Rodrigo desenhou, lê-se a frase: casa de pobre isso que é a vida. No entanto, em nenhum dos contextos aparece a figura humana ocupando esses espaços, vivendo e convivendo neles. Podemos interpretar de várias maneiras a frase presente no desenho. Talvez essa criança seja feliz com os seus 10 anos de idade brincando e aproveitando esta árvore próxima à sua casa e ela possa ser sua grande companheira. Esta criança pode não ter problemas familiares e financeiros sérios; portanto, não anseia o mundo material retratado no lado esquerdo da página. Consideramos muito significativo tanto o desenho, quanto a frase, porque sabemos que os bens de consumo são necessários à nossa sobrevivência, principalmente, em um mundo globalizado e capitalista, mas também temos a consciência de que eles não são tudo e podem, inclusive, provocar um vazio muito grande. Para esta criança ser feliz é o bastante. Não estão presentes, através deste desenho, preocupações como a maioria das outras crianças tiveram, em relação à violência, escolas, hospitais, problemas sociais da atualidade. Por fim, ficamos pensando e não encontramos uma resposta, pois geralmente a vida de rico é um sonho para a maioria das pessoas. Então, pode ser também que Rodrigo conviva com pessoas desta outra classe social e perceba as preocupações, a limitação e o controle que sofrem essas crianças e a liberdade que ele possui. Ou então, seus familiares que trabalham nestes espaços devem observar que a vida deles é árdua. Mas todas essas colocações não estão explícitas no desenho; são, sim, as diversas leituras que a imagem nos possibilita entrar não só dentro da 104 imagem, bem como imaginar a criança que a criou, em que contexto ela vive e o que a levou a priorizar esta situação. Realmente é desafiador, mas essas leituras nos enriquecem muito, porque nos possibilitam conhecer um pensamento desta criança que foi expresso através de um desenho. Tatiana de Souza, 11 anos, Escola Municipal Milton de Magalhães Porto, Praça do Centenário. 31 No desenho de Tatiana , o espaço do papel é dividido em duas partes. De um lado é representada “a cidade de hoje” e do outro, a cidade imaginada e desejada, sem poluição. A “cidade de hoje” contém elementos de um grande centro urbano: edifícios, hospitais, indústrias e trânsito de pessoas e veículos. A sensação de movimento, de tráfego intenso, é expressa pela forma como representa as pessoas e os veículos se deslocando em várias direções. A fumaça que sai da chaminé da indústria e a presença de uma única árvore em meio ao ambiente urbano são soluções encontradas para representar a poluição. Tatiana revela uma preocupação em representar a realidade através de pormenores, como se pode perceber no desenho da indústria, em que, através da porta levantada, é possível visualizar detalhes do seu interior, como a esteira e as máquinas. A árvore é representada de forma bem cuidadosa e particular, as folhas desenhadas, uma a uma. A cidade idealizada por Tatiana agrega em si duas realidades opostas: de um lado o espaço urbano constituído por edifícios e casas; do outro, uma paisagem natural, onde a cachoeira, o rio, as árvores e os animais formam um cenário paradisíaco. Um detalhe interessante que se pode perceber no desenho é a presença da cerca, separando a natureza do espaço cultural e urbanizado, como se este representasse uma ameaça à natureza. Mesmo idealizando a sua cidade, ela demonstra estar bem ciente dos problemas advindos do desenvolvimento e da dita “civilização”. 31 O desenho de Tatiana não consta nesta edição. 105 Larissa J. C. Pereira, 05 anos, Escola Arca de Nóe e Bianca J. C. Pereira, 07 anos, E. E. José Zacarias Junqueira, Parque do Sabiá (Págs. 115 e 116). Podemos perceber que o desenho de Larissa está ligado à questão da fé e religião, não importando qual seja, mas levando em conta o fato de questionar e de se sentir protegida por uma força maior e soberana que norteia seus caminhos, através da conquista de paz, sendo transmitidas com linhas seguras e que demonstram certeza em um futuro melhor e abençoado. No alto da folha, Larissa coloca nas nuvens duas formas que interpretamos como sendo as mãos de Deus, reafirmadas pela frase que escreveu logo abaixo: Deus abençoe a cidade . Larissa com seus cinco anos faz um desenho alegre com um avião passando no céu mostrando os passageiros, árvore com flores, casa, escola, uma criança balançando, outra próxima a casa, a igreja. Coincidentemente, observamos que Larissa e Bianca são irmãs e que são grandes as semelhanças nos seus desenhos, a mesma igreja, a escola, a mesma frase, mas o que nos encantou no desenho de Bianca foi a roda com as crianças, um resgate às brincadeiras infantis, que já foi tema de pinturas para artistas como Portinari, Milton Dacosta, Pieter Bruegel, naifs e outros, cada um a seu tempo e a seu modo. Gabriel Moraes Borges, 18 anos, Escola Visão, Praça Senador Camilo Chaves (Pág. 117). É muito significativo o desenho de Gabriel e essa diferença faz com que tentemos analisá-lo ou entendêlo melhor através de um olhar especial e um diálogo com a imagem. O primeiro fato que chama a atenção são as placas nos lotes vazios da cidade que, atualmente, não têm muitas construções, mostrando oito quadras com as edificações de uma igreja, um hospital, uma escola municipal, alguns prédios e casas. Ao passo que nas placas podemos ler “Em obras”, “Breve Shopping”, “Breve uma Escola”, “Breve Poli Esportivo”, Breve Zoológico”, “Breve Praça”, Breve Farmácia Povão”, “Breve Creche”, “Breve Biblioteca”, enquanto observávamos o desenho, esses “Breves” ficaram ecoando em nossas cabeças. Qual o sentido para que ele repetisse tanto essa palavra? Será que realmente tudo fica para breve e nada se concretiza? Ou será que a cidade está em um constante processo de crescimento e que estamos sempre vendo placas se referindo a novas obras? 106 Percebemos, em linhas gerais, que tanto as crianças, quanto os jovens, não importando a faixa etária, têm uma noção de espaço urbano que, muitas vezes, em seus desenhos, foram ligadas diretamente à questão da violência, mas nos desenhos e linhas estabelecidas pelos jovens há um traço bem marcante: não se sentem distantes dessa realidade, mas capazes de questioná-la à sua maneira. O que fica claro neste processo de análise é a questão da percepção dos problemas sociais que mais os afetam diretamente, colocando em cada linha a expectativa de transformação e melhoria da realidade, através de seus desenhos que falam com clareza de promessas políticas e da falta de comprometimento com a população pelo poder público em geral. Fausto Lopes Neto, 10 anos, Escola Municipal Professor Domingos Pimentel, Praça Américo Ferreira (Pág. 118). O desenho de Fausto surpreendeu-nos e foi unânime a escolha deste desenho para ser analisado, pela simplicidade da imagem e ao mesmo tempo pela complexidade que esta imagem nos remete. Simplicidade por não ter uma variedade de elementos como outros desenhos observados pelo grupo. Fausto desenha um coqueiro em primeiro plano e utiliza traços diferenciados para representar a grama com uma riqueza de linhas que nos dá a sensação de textura e perspectiva em um segundo plano. No terceiro plano, coloca duas crianças sentadas em um banco. Ele consegue uma harmonia fabulosa neste desenho, utilizando todo o papel, distribuindo os elementos de forma que o desenho fique equilibrado. Muitas crianças nesta idade não conseguem utilizar todo o papel para uma composição tão harmoniosa, acreditamos que algumas crianças têm preguiça ou não foram estimuladas ou não dão importância em distribuir os elementos de uma forma que fique agradável para atrair olhares. Neste caso, um menino de 10 anos teve a preocupação não só de distribuir esses elementos, mas, também, de colocá-los em perspectiva. É um rico desenho de observação. Não sabemos se o garoto desenha regularmente ou faz aulas de desenho. Fausto nos chama atenção quando coloca, no canto do banco, duas crianças sentadas, uma branca e 107 outra negra - será que a outra é negra mesmo? Talvez quisesse, com suas hachuras, diferenciar as crianças com o efeito do claro e o escuro, que chamamos de luz e sombra. Quando falamos da complexidade que este desenho nos remete é pelo fato de nos sugerir a sensação de tranqüilidade, de leveza e, acima de tudo amizade, companheirismo e cumplicidade. Imaginamos que as crianças representadas estejam compartilhando um mesmo problema, angústias ou inventando estórias e brincadeiras. Tomando como referência o tema dos desenhos-desenhados, “A cidade em que você vive e a cidade que gostaria de construir”, Fausto não dividiu o papel como muitas crianças o fizeram, resumiu tudo isso em uma só imagem, esta que nos faz refletir sobre duas crianças cúmplices em seus desejos, suas ansiedades e seus prazeres. É como se Fausto desenhasse a si mesmo, pensando em que tipo de cidade ele gostaria de construir e nos traduzindo este pensamento de forma clara e simples: uma cidade que tenha o cheiro da liberdade, as formas da natureza e a amizade como sendo o eixo da vida. Thiago Paiva, 9 anos, Escola Estadual Presidente Juscelino Kubischek, Praça Santos Dumont (Pág. 119). Thiago de Paiva divide o papel ao meio para representar “A cidade em que vive e que gostaria de construir”: do lado esquerdo representa, a cidade, ou melhor, o bairro em que ele vive. Thiago desenha uma rua contínua e, ao redor, dois prédios e uma casa com uma chaminé em cima do telhado. Os prédios estão de um lado e a casa do outro lado do viaduto, no centro da rua existe uma casa, solitária, mas rica de significados, porque a vida daquele lugar passa ao seu redor. É muito interessante a forma como representa o viaduto, tentando desenhá-lo em perspectiva com um carro passando por baixo do viaduto. Nessa idade, as crianças começam a sentir a necessidade de representar os objetos em perspectiva, porque elas a percebem nos objetos e querem representá-la da mesma maneira que estão vendo o objeto real. Surgem, então, vários conflitos de não saber desenhar e, a partir dessa idade, muitas crianças param de desenhar. 32 108 No desenho do lado direito, “A cidade que gostaria de construir”, Thiago deixa apenas um prédio, eliminando uma casa e o outro prédio. A casa do centro da rua virou um castelo e agora não é mais uma rua, são duas, sobrepostas e circulares que, no imaginário infantil, pode nos lembrar uma pista de autorama. Um fato interessante é que existe uma avenida, cheia de curvas e comprida, que dá acesso ao bairro e bem próxima está a Estação Ferroviária. Thiago, com toda sua imaginação, deixa clara essa percepção do local e do espaço em que vive e transfere isso para o desenho. Gostaria de ganhar como prêmio uma bicicleta , Thiago deixa essa frase escrita no verso do desenho e nos faz refletir. Será que as crianças desenharam pensando que iriam ganhar algum tipo de prêmio? O ato de desenhar por ele mesmo não é gratificante? As pessoas precisam sempre de um motivo para registrar seus anseios no papel? Ou ainda, estão acostumadas a solicitações e a premiações? Ivan Costa Júnior, 10 anos, Escola Municipal Luís Rocha e Silva, Parque do Sabiá (Pág. 120). Usando uma linha vertical, Ivan separa o papel em 2 partes: no lado esquerdo, a Uberlândia de hoje; no lado direito, a Uberlândia do futuro. O autor representa na Uberlândia de hoje, o desenho que parece ser a figura de um policial apoiando em uma arma; no entanto, a figura do policial ficou explícita em uma alta porcentagem no número dos desenhos. A presença da arma, do assalto, enfim, a falta de segurança no cotidiano, na cidade de hoje. No lado direito, Ivan desenha um homem e traça uma linha horizontal dando forma a um cordão com bandeirolas, que mostra a regionalidade, o popular. O desenho do cordão com bandeirolas mostra de forma clara que Ivan cria um desejo de fortalecimento e resgate das festas regionais, uma Uberlândia que valorize suas festas. Ele não cria uma Uberlândia com progresso tecnológico, prédios, outros... O que nos faz cair na subjetividade de interpretação foi o desenho do policial do lado esquerdo e o desenho do homem no lado direito. Analisamos ser a mesma pessoa que, na Uberlândia do futuro, não haja necessidade do policial portando uma arma. Analisando o desenho de Ivan, enquanto traços e estereótipos, ele consegue ter, nos traços e nas linhas, 32 MOREIRA, Ana Angélica Albano. O espaço do desenho; a educação do educador. São Paulo: Loyola, 1983. 109 bandeirolas que são traçadas sem texturas de formas simplificadas. O desenho do policial ou bandido e do homem na margem direita do papel não são desenhos estereotipados, como os “homenzinhos de pauzinhos”. Ele coloca botas, calças, blusas e cinto, numa tentativa de captar a realidade que o cerca. O rosto de ambos é estereotipado, caindo nas linhas de dois pontinhos para os olhos e uma linha para a boca. O rosto no desenho do homem do lado direito é mais destacado do que qualquer elemento na representação de seu desenho. Não há presença de cabelos no policial. Já no homem, há uma tentativa de traços, que remetem a fios de cabelo. Thiago, 15 anos, Escola Municipal Hilda Leão Carneiro, Parque do Sabiá (Pág. 121). Poucos filósofos, embora Platão seja um deles, consideravam a arte e a sociedade como conceitos inseparáveis - que a sociedade, como entidade orgânica, viável, e é de certo modo dependente da arte como uma força aglutinadora e energizante. Herbert Read Em um determinado momento, uma das imagens que estavam ali, não na praça, mas, espalhadas sob a mesa em que as reuniões da Equipe Azul aconteciam, chamou-me 33 a atenção. Estabeleceu-se um diálogo visual entre “eu” e a imagem, pela identificação decorrente naquele momento. - Sabe! É como se a imagem falasse comigo: - Oi! - Psiu!.... - Estou aqui! Então, o diálogo visual nasceu ali, mas o relacionamento continuou posteriormente e tive um imenso prazer de trazê-la para minha residência. É como se naquele minuto ou segundos, nos tornássemos amigas. Chegando em casa guardei a imagem, porque não tive tempo para continuar a conversa visual. 33 Nas reuniões de planejamento e de encaminhamentos a Equipe do Projeto definiu que o livro seria escrito na 1º pessoa do plural. No entanto, na Equipe Azul, uma das pessoas registrou seu percurso na 1º pessoa do singular, o que foi respeitado pela Equipe Organizadora do Livro, na tentativa de respeitar todas as posições das pessoas. 110 Não termina aí, numa terça feira, por volta de uma hora da manhã, perdi o sono, comecei a andar pelo quarto. Sentei-me na cadeira e lembrei-me da minha amiga - a imagem - e começamos a conversar. O quarto estava escuro, coloquei a imagem na parede e o meu olhar se dirigia a cada detalhe do papel. Tiago se expressa plasticamente, estruturando a linha e construindo uma cidade, onde se percebe uma divisão que evidencia duas realidades diferentes. Nessa perspectiva, o autor do desenho constrói uma representação visual da forma de uma sociedade antes e depois, diferenciando-a através de um código, na qual esse significa um pensamento no papel, que é percebido sob a relação de dois tempos, demonstrando um espaço temporal dentro de um espaço gráfico, trabalhando as totalidades diferenciadas. O indivíduo e a sociedade são histórica e sistematicamente inseparáveis. A sociedade é composta por indivíduos, que são únicos portadores, tal como também só é possível existirem dentro de uma sociedade. (HAUSER, A. 1973: 44). O seu trabalho de expressão plástica revela-nos vivências do cotidiano que foram exploradas através dos elementos visuais, revelando-nos maneiras de representar o espaço por suas diversas linhas que se relacionam entre si, envolvendo aspectos importantes e preocupantes da sociedade. Nesse desenho, Tiago faz a reivindicação de uma sociedade justa, com mais segurança, emprego e escola. Aborda, também, aspectos do relacionamento humano como amor, fraternidade, igualdade, ou seja, aproveita a oportunidade para comunicar visualmente, através deste desenho, a necessidade de ser percebido e ouvido enquanto cidadão, porque normalmente as pessoas comuns não têm espaços de manifestação através da fala. As imagens são representadas através das linhas que se entrelaçam como pinceladas, também são desenhadas, rígidas e leves, grossas e finas, retas e curvas, feitas individuais e perpassando coletivamente as imagens verbais e não-verbais que se comunicam, se expressam e se relacionam com o olhar do público, permitindo ao individual e ao coletivo leituras diferenciadas: Olhe, pare! Me perceba . A construção da cidade através dos desenhos desenhados. 111 Rodrigo, 10 anos, Escola Municipal Eugênio Pimentel Arantes, Parque do Sabiá (Pág. 122). O desenho de Rodrigo representa duas realidades opostas: a cidade em que ele vive, onde sérios problemas sociais existem, como a violência e, por outro lado, uma cidade imaginária e desejada, onde as pessoas vivem em paz, andam livremente pelas ruas e ainda desfrutam de um ambiente saudável e arborizado. Na parte posterior do desenho, em primeiro plano, uma cena de violência nos chama a atenção. Um homem com capuz segura uma arma, enquanto no chão há uma pessoa morta. Da arma sai uma fumaça, denunciando que o crime acabara de acontecer. O ambiente urbano é representado pela presença de um grande edifício. Ao fundo, podemos observar uma outra cena (construída com formas bem pequenas, para nos dar a sensação de profundidade), na qual dois homens derrubam muitas árvores. Assim, a criança denuncia um outro problema da cidade, o desmatamento, a destruição de áreas verdes em nome do progresso e do crescimento econômico. Na parte inferior do papel, Rodrigo representa a cidade dos seus sonhos, na qual os prédios são substituídos por casas, a violência parece estar banida e a natureza preservada. Ao fundo, podemos observar que a presença de uma prisão parece evidenciar que a segurança está mantida. Na rua, uma família passeia tranqüilamente. É interessante observar como, através dos pormenores do desenho, a criança nos descreve uma realidade. Na camiseta da figura que vemos como o pai, pela proximidade da figura feminina de um lado e a figura de uma criança do outro, está escrita a palavra paz paz. A mulher está grávida, o que sugere que se pode viver em harmonia e que a possibilidade de se ter um filho é viável, pois o mundo não constitui mais uma ameaça. Ao contrário, a cena familiar nos transmite uma idéia de alegria e bem estar. A natureza preservada, simbolizada por uma grande quantidade de árvores e pela presença dos animais, integra-se ao espaço urbano, construído pelo homem. O desenho do que nos parece ser um aeroporto revela um aspecto interessante do pensamento de Rodrigo. Ao refletir sobre os problemas da cidade, ele estabeleceu uma relação com a situação do próprio país. Assim, ao apresentar uma cidade idealizada, livre da violência, arborizada e tranqüila é também um Brasil diferente, com melhores condições de vida que vislumbra. Um país que, a exemplo dos EUA e do 112 Japão, atrairá turistas de todo o mundo. Rodrigo demonstra ter uma percepção aguçada de seu papel de sujeito inserido no seu meio, ao mesmo tempo local e universal e um desejo de transformá-lo, de torná-lo melhor, mais humano. 113 Rodrigo Faustino - 10 anos 114 Larissa J. C. Pereira - 5 anos 115 Bianca J. C. Pereira - 7 anos 116 Gabriel Moraes - 18 anos 117 Fausto Lopes Neto - 10 anos 118 Thiago de Paiva - 9 anos 119 Ivan Costa Júnior - 10 anos 120 Thiago - 15 anos 121 Rodrigo - 10 anos 122 Leituras e diálogos com imagens nos distritos: Martinésia, Tapuirama, Cruzeiro dos Peixotos e Miraporanga Leonardo Lacerda Gomes Reis, Lucimar Bello Pereira Frange, Olaia Alves Cruvinel34 E ntendendo que ler imagens é perceber a visualidade; é um conhecer como se articulam seus elementos; que discursos eles criam; quais as relações entre as experiências subjetivas e as objetivas presentes na imagem e os inúmeros significados possíveis, realizamos um exercício de olhar e conversar com desenhos dos 4 distritos, pensando-os com palavras, a partir das “falas” visíveis e lesíveis35 . Estamos trabalhando as conversas como atos de percepção de um texto visual, na qual este se altera pela ação do leitor, abrindo-se a uma pluralidade de significados. A idéia de um sentido único do texto, o mito da interpretação literal é um dispositivo de dominação. O sentido é índice e resultante de um poder social, de uma elite, uma lei que legitima como ‘literal’ a interpretação dada por profissionais ‘socialmente’ autorizados e intelectuais36 . As nossas conversas são, portanto, maneiras de nos expormos enquanto vedores dos desenhos da cidade em que se vive e da busca de uma cidade com melhores rumos, investindo na educação e na inclusão social, no desenvolvimento humano e em cidadãos éticos e críticos, na diversidade e na riqueza étnico-cultural, enquanto bens simbólicos pessoais, de comunidades e de uma sociedade. Vedor é aquela pessoa que se debruça para um ver aprofundado, um ver em busca das significações. Conhecer o discurso visual presente no texto imagético é encontrar a articulação entre os elementos icônicos, ou não, e os planos de expressão e de conteúdo37 . A expressão, texto imagético, refere-se a um desenho considerado como texto visual que contém e detém um percurso sócio-cultural pessoal e coletivo e, ao mesmo tempo, um percurso de situações, ou seja, situacional de um momento e de um contexto visivos no desenho. Elemento icônico quer dizer elementos que nos remetem a ícones, formas sintéticas que nos permitem reconhecer nelas figuras do mundo natural 34 Leonardo Lacerda Gomes Reis é estudante de Artes Plásticas na Universidade Federal de Uberlândia, estagiário na Diretoria de Culturas, na PROEX/UFU; Lucimar Bello P. Frange, artista plástica e arte-educadora, Diretora de Culturas da PROEX/UFU; Olaia Alves Cruvinel é graduanda em Artes Plásticas UFU. 35 Visíveis e lesíveis quer dizer as imagens que se fazem ver e se fazem ser lidas, pressupondo portanto, tanto um leitor quanto o objeto da leitura - os desenhos-desenhados - a serem ressignificados enquanto vozes humanas. 36 Michel de Certeau apud PALLAMIN, Vera M. Arte urbana. São Paulo: região central (1945-1988). Obras de caráter temporário e permanente. São Paulo, Anna Blume/FAPESP, 2000, p. 40-1. 37 Plano de expressão e plano de conteúdo são tanto as estruturas que se podem ver, quanto o que essa estruturação, pela sua maneira de ser, nos mostra uma pessoa e suas vozes, quer num discurso verbal, visual ou múltiplo. São as formas, os espaços, os tempos, as cores, as matérias e o que elas nos “dizem” e o que nos “contam”. 123 e do mundo da natureza, por exemplo, os ícones “casa” e “árvore”. O texto imagético é um conjunto de significantes que contém, nas relações de oposição entre os seus elementos constitutivos, nos jogos entre cores, formas e posições no espaço e no tempo, as evidências de significação, inscritas nas qualidades visíveis e sensíveis, as quais podem ser lidas por exercícios ao se tornarem, concomitantemente, visíveis, lesíveis e compreensíveis. A leitura implica a abrangência de uma leitura intra e intertextuais38 para que se expanda o campo de sentido do ato de ler; é uma abordagem da visualidade inserida numa rede de significações, pressupõe percepção, interpretação, e re-escrita do objeto de leitura. Esta é um ato, é espaço de encontro entre um desinstalar e voltar a instalar uma outra realidade. Entrar na obra de arte, segundo Maria Cristina Rizzi, é fazer um passeio pelo outro, voltar a você, transformado. Nossas conversas com os desenhos estão nas inter-relações entre os pensares, as escolhas, os desdobramentos e as sínteses agrupadas pela escrita, tanto dos desenhadores, quanto dos oficineiros-colaboradores, bem como dos gestores e coordenadores do Projeto. A relação é: a cidade, a imagem e os sujeitos/pessoas e as pessoas/sujeitos & a imagem e a cidade; portanto, jogos dialógicos39 entre pessoas, cidades e espaços coletivos e entre as comunidades e a universidade e, simultaneamente, entre a universidade e as comunidades dos distritos, Tapuirama, Martinésia, Cruzeiro dos Peixotos e Miraporanga (no caso específico deste texto). Estamos considerando, neste projeto de pesquisa, ensino e extensão, que todo ser humano é um texto tecido no sócio-cultural, um tecido estético, estésico40 , ético e propositor de uma cidade que se quer construir, quer dizer, uma cidade-em-vivência, sócio, político e culturalmente com a qualidade e o prazer da vida coletivizada. A linguagem que se manifesta nas palavras e nas imagens é um sistema de relações e de inter-relações a serem reoperadas pelas pessoas que queiram e se disponham a “entrar” ou “sair” da imagem (apenas aparentemente recortada de possíveis “realidades”). Este exercício torna-se, portanto, uma experiência a ser discutida e compartilhada com as pessoas que queiram ler as nossas idéias sobre as imagens falantes de uma cidade atual e de uma cidade a ser construída coletivamente, a cidade do sonho e do imaginário social fundada no cotidiano ético e estético, político e plurissocial. 38 A leitura intra e intertextual dá-se tanto no texto verbal, quanto no visual e nas suas relações com outros textos da mesma pessoa ou de outras pessoas. A leitura é um sistema de relações. 39 Jogos dialógicos são análises de opostos complementares, ou seja, de partes constituintes, de fala e escuta da imagem do desenhador para o leitor e dos leitores para as imagens (pois estamos trabalhando, sempre, no coletivo). 40 Estésico é um termo que vem da estesia, é o afloramento e o aguçamento dos sentidos enquanto percepção e compreensão significativa (é o contrário de anestesia, à qual temos sido submetidos e temos, muitas vezes, nos acomodado). 124 Os registros gráficos produzidos pela oficina, 2643 desenhos e 10 outdoors, são uma forma de se constituir e construir um tecido social e humano que a todos pertence e que, por conseguinte, deve ser partilhado e cuidado individualmente e por todos, coletivamente. Além de pensarmos a cidade e os distritos, tentamos uma maior percepção do espaço da cidade como um espaço habitacional e de trocas culturais e sócio-políticas, bem como uma maior percepção dos recursos naturais do município e dos bens simbólicos da humanidade por nós partilhados nesta Cidade Cerradiana de Minas. A partir destas considerações, convidamos para uma entrada em alguns desenhos nos quais entramos pelos distritos (embora em síntese). Distrito de Tapuirama Começou a se formar em 1919, às margens do Ribeirão Rocinha (nome de uma pequena plantação). Tem uma população entre urbano e rural. No seu início, os moradores levantaram um cruzeiro. No primeiro domingo de cada mês, rezavam o terço. Posteriormente (1933), construíram a Igreja de N. Sra. Da Abadia, com arrecadação de leilões e de rifas. Em 1894, foi aberta a primeira casa comercial, uma loja de tecidos, e, no ano seguinte, a primeira escola. Rocinha passou a ser Tapuirama em 1943. Logo depois, o distrito foi instalado, em 1944. Em 1950, passou a ter energia elétrica, em 1952, a rede telefônica. Dentre os desenhos-desenhados o maior número deles quer uma cidade com equipamentos citadinos: ênfase no hospital (a ser construído), melhorias no trânsito, espaços de lazer (o tempo dos encontros, das conversas e das trocas simbólicas e sócio-culturais), padaria. Um dos desenhos enfatiza o rural, é quase “retrato” dos lugares de Tapuirama. Seria tanto a cidade em que se vive, quanto a cidade que se quer preservar? Ou seria a afirmação da associação viver-construir enquanto “bom lugar” no qual se vive? Em muitos desenhos, o rio com peixes se faz presente. São farturas. Estariam os desenhadores evocando a presença do Ribeirão Rocinha? Dizendo de águas poluídas? Com muitos peixes? Ou ainda, pedindo ou afirmando os PesquePagues (as “modas” de hoje), não só nos espaços rurais, mas também nos urbanos? No entanto, um grande número de desenhos mostra imagens que, de imediato, não nos possibilitam “reconhecer” 125 a cidade na qual se vive e a que se quer construir. Seriam desenhos que, de certa forma, não construíram a proposta? Ou estão re-afirmando vontades-desenhantes, linhas-marcos-marcas pessoais e sociais sobre os papéis brancos, virgens de gestos e de gestualidades? Estas linhas-pretas-pessoas são registros de humanidades a serem lidas e apreendidas por nós, propositores e vedores, enquanto continuidades de conversas para compreendermos as imagens, suas vozes e suas indagações dialogais. Desenho de Ednilton Barbosa, Barbosa 17 anos (pág. 145). O desenho é feito na vertical. A estrutura é geométrica, quase rígida, ruas verticais, ruas horizontais, casas na parte inferior. As verticais são pistas duplas, as horizontais são diferentes, a linha tracejada não está entre duas linhas como nas pistas duplas, mas no centro do retângulo, cuja parte inferior contém uma casa. O desenho tem ritmo marcado, uma casa ocupando espaço na base inferior e mais para a esquerda; um espaço superior vazio e o quadrado ou retângulo ladeado nas laterais pelas pistas duplas. É visível uma relação entre espaço ocupado e espaço não-ocupado, queremos dizer uma complementaridade entre opostos que dialogam, tal qual nas cidades contemporâneas, em que todas as situações, os tempos e os espaços são ambíguos: lugares de paz e de violências, mansões e casas-caixas de morar, carroças e carros de último design, corpos andantes e corpos desfigurados ... Entretanto, na aparente rigidez estrutural do desenho, existem duas casas à esquerda, desenhadas na vertical. O ritmo tem uma constância mas, da metade superior para cima, não existem mais casas. Estariam essas estruturas dizendo sobre possíveis quarteirões, com uma densidade programada e “obedecida” de habitação? Uma casa, um espaço, outra casa, outro espaço, e assim por diante. Dialogam espaços habitacionais e espaços des-habitados. Seriam conjuntos residenciais com espaços para jardins e quintais? Espaços vazios para o dito “tempo ócio” e um pedidodesenhante para o tempo do prazer, do lazer, da criação, da invenção? A sucessão de casas reafirma uma cidade sem vegetação, um distrito (?) a se estruturar enquanto quadras, todavia mantendo espaços citadinos vazios. Seriam espaços de encontros? Espaços para as dimensões humanas tão fragilizadas nas cidades atuais? Seriam esses espaços apenas aparentemente “vazios”, solicitações e proposições para o tempo livre, o tempo denominado como ócio em contraponto ao tempo trabalho? Ou seria essa cidade que se repete sem se inventar? Ou ainda, uma cidade rígida, 126 fria, mas contendo, nessa rigidez, um conceito de cidade contemporânea (a maneira como a especulação imobiliária vem atuando). Agrupamentos de casas pequenas, conjuntos chamados de “habitacionais”, programados quase sem a possibilidade de uma casa inventiva, des-pessoalidades. Referimo-nos às casas “programadas”, muitas vezes, caixas de morar e não casas de pessoas com histórias de vida, afetos e relações étnico-culturais. Estaria este desenho dizendo, ainda, da ambigüidade da condição humana? Desenho de Viviane Marques Marques, 23 anos (pág. 146). O desenho realizado na horizontal tem imagens e palavras. A maioria das linhas sugere o uso de um instrumental que “garanta” a sua condição de linha reta. Seria uma régua ou uma estrutura que a simule, como o próprio papelão de base do desenho (usado como régua)? As palavras nominam e reafirmam o desenho: “Parques, Ruas, Avenidas, Hospital, Casas” e, entre elas, “Muita Paz”, numa posição de destaque entre as edificações, quase na linha de base (uma linha que sustenta visualmente o desenho no limite inferior do papel). As casas estão desenhadas na base inferior e continuam além do papel, convocando para olhares externos. Ruas e avenidas são linhas verticais, finas, as quais interligam as árvores, na parte superior, ao hospital e às casas, na parte inferior. As palavras, embora estejam no plural, conversam com um desenho, apenas uma linha que, nela contém essa pluralidade. No canto superior à esquerda, aparece a palavra “Parques”, no canto superior à direita, um agrupamento de pequenas árvores, diferentes das três outras. O desenho é apenas aparentemente simples; a ordenação é pensada. Há um chamamento para os verdes (lidos pelas árvores) ao lado da urbanização, os quais são ocupantes da parte superior, e os equipamentos sociais estão na base inferior, sendo que o hospital tem dois andares (não é um simples “postinho” de saúde como, muitas vezes, encontramos principalmente nas cidades menores ou nas vilas). O desenho aparenta uma certa “paz”, dada sua simplificação; no entanto, trata-se de um simples-complexo, porque um simples que contém uma essência de pensamento e uma condição desenhante do desenhador a solicitar, pelo desenho, um equilíbrio e uma harmonia dialogais. 127 Desenho de Mariana Santos, Santos 07 anos (pág. 147). O desenho, na horizontal, está numa folha toda ocupada tendo no centro uma construção também horizontal, que pode ser dividida, apenas para análise, em três partes. Sugerem, pela proximidade e paredes comuns, casas geminadas, ou não seriam assim? Se entendemos como sendo três partes, a da esquerda, se mostra de frente e de lado, a central tem o telhado semelhamente à terceira, assim como um muro-alpendre (tão comum nas cidades do interior, mas bastante restritos nos centros, ditos “urbanizados”). O alpendre, geralmente é o local dos encontros, conversas, namoros. A porta na parte central permite-nos ver este espaço dos estar-juntos. Há uma distância entre a porta - entrada da casa - e o muro-alpendre e a possível calçada, antes da rua. Estão presentes, portanto, os espaços de passagem humana e das paisagens humanas solicitadas. A parte central do desenho está circundada por uma rua que tem uma forma semelhante à letra “U”, em cujo interior há uma forma arredondada, com igreja, bancos e árvores frutíferas. Esta forma em “U” se repete, uma vez que contém a praça, a igreja, os bancos e as árvores. Parece que na parte superior está o distrito. Na segunda repetição deste “U”, vemos a grande construção, inclusive com janelas encortinadas na parte superior. Fica, contudo, um questionamento: seriam três casas ou a mesma casa, vista de lugares diferentes? Estaria neste desenho, o distrito bem ao alto e a cidade que se quer construir no restante do papel? Estaria a imagem nos chamando para vermos as cidades em suas condições de caleidoscópios de inúmeros pontos de vista? Na base inferior e lateral direita há uma rua larga com sinalização no centro e uma série de equipamentos citadinos. As construções parecem estar de cabeça para baixo, não obstante, demonstram a visão de um passante que, ao passar no centro, vê os dois lados. Neste sentido, o olhar do vedor é convocado para que olhe e entre no desenho, por diferentes pontos de vista: frontal e de dentro para o lado inferior (se virarmos a página de cabeça para baixo, temos a certeza deste ponto de vista). Está aí instalado um vedor dentro do desenho e não apenas um observador reafirmando a consideração anterior. Na base inferior e lateral direita há uma rua larga com sinalização no centro e uma série de equipamentos citadinos. Estão presentes, nos desenhos, as palavras Clube, Sorveteria, Açougue, Sacolão (com “promoção maçã e uva”), Supermercado, Loja. Cinco pessoas estão presentes no Clube e duas no Supermercado, ao lado dos caixas (locus de saída de um lugar de compras). Estas palavras reafirmam os desenhos deste desenhador e suas particularidades, como a maçã, o cacho de uva, as carnes penduradas, os sorvetes nas 128 casquinhas, a loja e um espaço superior para, provavelmente, acolher um letreiro ou uma pintura que a denomine, a diferencie e a individualize. As três casas têm muitas janelas e sugerem andares. O único edifício presente é de porte médio, com cinco andares. Esta “arrumação” visual confirma os apelos feitos pelas palavras. O desenho nos faz perguntar: estaria o distrito como um momento “congelado” numa fotografia emoldurada na parte superior? Seria registro de memória viva, vivente e avivada, e a cidade que se quer estaria nessa grande dimensão de uma casa, quase mãe, e as presenças arquitetônicas nos limites quase externos ao papel? Haveria ainda, uma alusão a um jogo e aos tempos dos jogos entre o distrito e a cidade “grande”, simplicidade e complexidade? ... Desenho de Iasmin Marques Terra Naves, Naves 04 anos (pág. 148). “Cidade dos meus sonhos doces” é o título no canto superior à direita. Se entramos no desenho pelas palavras, elas aparecem entre os raios do sol-gente, abaixo de um volume amebóide, duplo, contendo palavras, provavelmente escritas por um adulto: “igualdade, fraternidade, esperança, amor, paz, liberdade” (normalmente não escritas por uma criança de 04 anos, mas como a pesquisa no presente Projeto se propõe a entrar apenas pelas imagens, não iremos conferir se realmente o verbal é de um adulto ou não). A letra do título é diferente, é cursiva e as outras são em letra de forma, evidenciando uma possível imagem feita por duas pessoas pessoas. O desenho nos mostra um sol-gente grande a banhar, com seus raios, o restante da imagem. Olhos estrábicos, com cílios em raios, nariz e boca quadriculados; uma casa no centro; 03 pessoas na base; um caminho; um carro e nas laterais da casa, uma árvore-sorvete de cada lado. A da esquerda, tem cara, antenas, é árvore-sorvete-falante: “Oi!”. A da direita, tem uma fruta e uma pasinha, portanto, sorvete prestes a ser degustado como um dos “sonhos doces”. Entre as três pessoas com roupas femininas estão dois sorvetes e a do meio tem um outro na mão esquerda. O telhado e a maçaneta da porta são sorvetes a reafirmarem o sabor e a delícia dos sonhos doces - a cidade que se quer construir. A doçura está posta nas palavras-raios de um sol, na profusão de sorvetes a ocuparem “papéis” dimensionados (cor, alegria e gula) - pessoa falante, árvores, fechadura, telhas. Na base inferior à direita, está presente uma estrutura simplificada de um carro que, por seu tamanho em relação às outras coisas, fica bastante secundário. Alguns sorvetes, como por exemplo as árvores, são maiores do que as pessoas, outra reiteração da importância do “doce” a ser degustado, saboreado e vivido como cidade no cerrado, 129 que se quer construir com essa qualidade estésica, de sabor agradável. A passarela sugere cascas de sorvete ... O espaço físico isolado do ambiente só existe na cabeça dos adultos para medi-lo, para vendê-lo, para guardá-lo. Para as crianças existe o espaço-alegria, o espaço-medo, o espaço-proteção, o espaço-mistério, o espaço-descoberta, enfim, os espaços da liberdade ou da opressão41. O desenho de Iasmin tem essas dimensões e outras mais ... Desenho de Rodrigo Ferreira, Ferreira 8 anos (pág. 149). A folha de papel está dividida em duas partes. Embora o papel esteja na horizontal, os desenhos são verticais pela divisão do espaço anterior. À esquerda, podemos entrar pelas palavras World Trade Center, colocadas como título na parte central superior. São dois edifícios interligados por uma seta com direção dupla. O desenho tem perspectiva (linhas que dão a sensação de profundidade), mostrando as frentes e as laterais dos prédios de oito andares. O da esquerda tem, na parte superior, a palavra “Hotel” e o desenho de cinco estrelas, o que o categoriza; não é um hotel qualquer, mas um dos mais “bem cotados”. Rodrigo, pelo desenho, mostra-nos um saber contextualizado: sabe do acidente das torres gêmeas (reafirmadas pela seta entre elas), que tivemos que “engolir” durante longo tempo (verdadeiro massacre de pessoas e de mídia massiva). Em 11 de setembro, caíram as torres em Nova York; Desenhando e Construindo a Cidade foi uma ação realizada em 30 de setembro, mesmo mês e estávamos, na época, invadidos pelas imagens e fotos densamente trágicas em nossas humanidades e fragilidades humanas. Rodrigo sabe que um cinco estrelas é a avaliação visual de “melhor hotel”. À direita, o espaço é dividido em duas partes: na superior, o nome, a idade, o distrito, o endereço completo do desenhador; na parte inferior, a planta baixa de um hospital com cruz externa no topo desenhada com linhas duplas, que lhe dão volume e valor. A base retangular é dividida em três partes, sendo a central um corredor. A superior tem, por sua vez, três divisões: “dentista, UTI e CTI” e a inferior, “espera, sala 1, sala 2 e sala 3”, cujas nominações demonstram um saber de interior hospitalar e suas unidades intensivas de tratamento. Trata-se, assim, de um hospital bem equipado e da saúde, inclusive bucal (dentista). O desenho mostra-nos algumas associações: a cruz superior “de fora” remetendo aos ícones da igreja e da cruz vermelha. O espaço da saúde contém o tempo da espera (sala assim denominada) até os máximos recursos para as terapias intensivas. Se retornamos ao 41 LIMA, Mayumi Souza. A cidade e a criança . São Paulo: Nobel, 1989, p. 75. 130 desenho em todo o papel, alguns jogos visuais e de pensamento podem se dar: as duas “torres” e a saúde; o acidente e os cuidados médicos, a morte e a vida; o Rodrigo-pessoa-presença no desenho e os contextos de setembro; a cidade “grande” (Nova York) e o distrito; a cidade em que se vive (que é detonada pelos humanos) e o distrito pedindo um “certo” complexo hospitalar; os ícones existentes e ruídos (as “torres”) e o ícone do desejo (o hospital). Distrito de Martinésia Moradores da fazenda dos Martins, origem de Martinópolis (cidade dos Martins), escolheram um festeiro responsável pela coleta de “esmolas” para a construção da igreja, construída no alto da colina em cujo entorno formou-se o arraial que hoje tem a denominação de Martinésia. A capela chama-se S. João Batista de Martinópolis. Em 1917, foi constituída uma sociedade com o objetivo de trabalhar para o desenvolvimento da região. O Distrito de Martinópolis foi criado em 1927 e, em 1943, passou a ser chamado de Martinésia. Dentre os desenhos-desenhados, a maioria propõe a reforma da igreja e da escola, melhorias no distrito e a preservação do cemitério. Os desenhos da cidade que se quer construir mostram as solicitações de lazer (incluindo a discoteca), o curso de computação gráfica e a presença da fábrica de doces, o que quer dizer emprego e geração de rendas, tempo-trabalho e garantia das condições mínimas de sobrevivência numa sociedade capitalista. 131 Desenho de Gabriel Luíz, 17 anos (pág. 150). O desenho encontra-se dividido na vertical, mais ou menos no meio da folha por uma linha sinuosa. As palavras “Antes” (do lado esquerdo da folha) e “Depois” (do lado direito da folha), demonstram claramente o presente e o futuro próximo e seguem a proposição “Desenhando e Construindo a Cidade”. Contudo, o que realmente intriga quando se passa algum tempo observando tal desenho é o fato de ele apresentar, no momento descrito como “Antes”, uma imagem de um coreto muito bem cuidado que, apesar da idade, está novíssimo em contraposição a um hospital (momento futuro), cheio de rachaduras e com um aspecto de velho e descuidado. Talvez Gabriel não queira que se construa um hospital no lugar de um coreto que está ali enfeitando a praça e deixando tudo muito mais bonito. Essa sensação em alguns momentos se mistura à idéia de que se tenha trocado o coreto em perfeito estado por um hospital em condições péssimas (?) ... ou ainda a sensação de que não se dá valor nenhum à saúde e muito valor à aparência da cidade. Hospital e saúde a serem cuidados. Por outro lado, pode ficar a sensação de que são apenas imagens distintas de uma cidade sem nenhum calor humano, pois ambas vagam no espaço do papel branco sem qualquer traço de presença humana. Mas cabe ainda perguntar se essas ausências estariam contidas nos ícones coreto e hospital. O coreto é um lugar de festas, de alegrias, de prazeres. O hospital é lugar de cura, de buscas de saúde, de bem-estar social e pessoal. Desenho de Lúcio Antônio Alves , 5 anos (pág. 151). A folha é desenhada na horizontal e transforma-se em dois espaços verticais. À esquerda, está a cidade-distrito: edificações, igreja, flor, árvores, casas e linhas onduladas contínuas indicando ocupações entre a igreja e o restante do desenho. A igreja está solta na metade superior - o que lhe dá destaque e importância - tem três divisões e três cruzes, sendo o corpo central, o maior. Lúcio mostra, pelo desenho, conhecer a Igreja de Martinésia, que assim se estrutura arquitetonicamente. No desenho à direita, quase na mesma direção da igreja, é visível um carrossel com crianças, o qual é superior, maior e mais alto (seria mais importante enquanto necessidade e desejo?). Quase o restante do espaço é vazio (desse segundo desenho). Linhas curvas convexas na parte inferior não indicam, de imediato, um determinado ícone, somente uma força-base, linha ondulante e “pululante”. É movimento, mas seria o movimento de corpo que brinca ou um corpo em saltos? Isto acaba elevando o carrossel, em sua ascensão, como o bem maior da cidade que se quer construir. O lazer, o brinquedo e a brincadeira ficam, dessa forma, afirmados como valor sentido, perce- 132 bido e desejado, enquanto momento posterior ao momento atual, cujos momentos dialogam, enfatizando o brinquedo, a brincadeira - os atos de brincar. Desenho de Bruna A. S. Dias, Dias 8 anos (pág. 152). O desenho é realizado na horizontal e a folha dividida por uma linha vertical. A temática do desenho é a Igreja de Martinésia e seus estados: descuidada e cuidada, abandonada e restaurada. Com linhas finas e linhas superpostas até criar uma massa de tons pretos, os vidros mostram-se quebrados no primeiro desenho, e inteiros, no segundo. As paredes, no desenho da esquerda, estão tortas, fora de prumo. A porta, com linhas que aparentam trincas e rachaduras; a escada, com fendas. No segundo desenho, Bruna propõe a restauração da Igreja. Os dois desenhos mostram-nos o estado em que se encontra e o estado em que se quer para a Igreja; a religião como importância. Estariam esses desenhos, de temática única, afirmando a religiosidade como um valor maior no distrito? Seria esse lugar, o ponto de encontro entre as pessoas de Martinésia? Por que Bruna, Desenhando e Construindo a Cidade, a partir da cidade em que se vive e que se quer construir, desenha somente a Igreja, de tamanho “quase gigante” em relação aos espaços do papel? E ainda, duplamente? Estaria a restauração posta como a temática mais importante? Na ocasião, pessoas da Secretaria Municipal de Administração dos Distritos faziam discussões sobre o restauro da Igreja, o que evidencia o valor trabalhado, assumido e mostrado pela desenhadora, Bruna. Desenho de Marcos Paulo da Costa, 11 anos (pág. 153). O desenho é feito na horizontal, ocupando a folha nesse sentido. Se dividirmos o espaço desenhado em três partes, temos nas duas primeiras, parte superior e centro, uma grande árvore com galhos grossos e copa que se abrem para o exterior do papel, mostrando que esta árvore continua além do limite que a contém. De tão grande, vaza essa superfície branca. Na primeira metade inferior, estão, em planos diferentes, um banco e duas figuras “quase humanas”, “gente-bicho”, “bicho-gente”: uma no centro com balão (como nos desenhos animados): “vou ver se consigo dormir”. Esse som é pensamento, dado por duas linhas interrompidas entre o balão e a cabeça, cujos olhos olham para cima. Seria para a árvore? Seria um olhar indagativo? Ou seria para o próprio pensamento, a afirmá-lo, reafirmá- lo ou negá-lo? Seria um ato de perguntar para nós, os vedores? Os limites desse rosto-cara são irregulares e, muitas vezes, ponteagudos, criando um efeito de instabilidade e de dinamicidade 133 e não de um rosto em descanso. O corpo é uma base fechada, com duas linhas internas, como alças. Seriam braços fechados e ao longo do corpo? Enquanto na cabeça há uma dinamicidade dada pelas linhas “inquietas”, o corpo é fechado e estático. Ao lado, há uma figura, que pode ser do sexo masculino (de calças curtas ou bermudas), mas também feminina (pelo uso, também, das bermudas). Quatro pernas, quatro braços, quatro cabeças. O corpo é uno: duas pernas saem de cada uma das bases da calça-bermuda (?), pois é curta. Os braços saem do corpo (dois de cada lado), com os dedos definidos. As caras têm olhos, boca, nariz, pescoço alongado (principalmente o das duas laterais). Estaria este corpo dançando? Se movimentando? Protestando na cidade em que se quer construir? Seria um corpo-pessoa diferente da outra? Que indica querer dormir? Física, emocional e internamente inquieta? Seria uma pessoa com vontade de se inventar enquanto autora de sua vida? Desejos de um adolescente? Ou seria um desenho de vontade desenhante sem a preocupação com o tema? Seriam as duas pessoas dois sujeitos antagônicos? Ou a mesma pessoa em momentos diferentes ou ainda, afirmações de um mesmo tempo? Um quer “calma”, outro quer movimento. Um aclama, outro incomoda? Seria um desconforto a solicitar tranqüilidade? Se a proposta dada foi a cidade em que se vive e a cidade que se quer construir, e Marcos responde pelo verbal “vou ver se consigo dormir”, há instalado nesse desenho, um desejo, uma vontade que depende de outras pessoas e de outras situações. A natureza estaria afirmada pela potência da árvore em seu tamanho e centralidade. A fragilidade humana estaria nesse desconforto? São perguntas que a imagem nos coloca pelas suas inter-relações. Ver a cidade é sentí-la, denunciá-la para que se possa anunciar uma cidade outra, que se quer construir. A “cidade” de Marcos é um locus dos sentimentos e da voz sentida, percebida, vivida e a nós mostrada. É “cidade” sentimento e sensações, um pedido de lazer. Seria um pedido, também, do brinquedo teatral, no qual máscaras, pernas, braços podem ser “representação” de uma cena? A roupa, por sua vez, possui um cordão que não é comum em roupas diárias. Seria roupa de um possível personagem? Desenho de Angélica Rocha de Paula, sem o registro de idade (pág. 154). Combinamos no grande grupo que não conversaríamos com imagens sem a idade das pessoas. Escolhemos e realizamos grande parte do trabalho desligados da idade porque a entrada e ênfase foram sempre pela imagem. Ao verificarmos a falta deste dado, resolvemos considerar a 134 imagem pela importância da análise dos discursos visuais em seu conjunto. Desenho feito na horizontal, em duas partes. O tema é a praça: à esquerda, ela nos é mostrada abandonada: banco quebrado, lixo, árvores com poucas folhas, linhas indefinidas; a cruz, quase no centro, tem uma base circular e há um volume à esquerda, grande, sugerindo uma forma pesada, de estrutura geométrica (quase a sair do papel no canto esquerdo). A verticalidade, nos dois desenhos em que está dividida a folha, fica reafirmada pelas cruzes e pelos elementos do desenho enfatizados na vertical. À esquerda, uma árvore tem copa, outra, à direita, tem galhos isolados e pouquíssimas folhas. Todo esse conjunto, em comparação com o outro lado, sugere um abandono e descaso no primeiro desenho e, um cuidado e “bons tempos” no segundo desenho. O desenho da direita tem vegetação exuberante na base com flores; a praça é coberta de flores lado a lado, densamente agrupadas. As árvores têm muitas folhas e a copa em linhas duplas que reafirmam a densidade arbórea. A cruz é preenchida com traços em hachura (linhas tramadas e superpostas), tornando-se a parte mais preta do desenho. Continuam na base dela as formas semelhantes à anterior, volumes em círculo sugerindo um canteiro. O espaço do papel, no desenho da cidade que se quer construir, é mais habitado por linhas desenhantes e mais definidas que o desenho do tempo anterior, o atual, afirmando a necessidade de atenções à praça. Na parte superior dessa “segunda” praça (porque, pelas marcas do desenhador é a mesma, só mudam os momentos), vemos um banco inteiro, com flores nas laterais e um volume arredondado criando espaço para os ecos dados por traços grandes e curtos, que sugerem um pôr-de-sol e sons de notas musicais superpostas por dois pássaros que têm os bicos sobre um coração que os une. Esses pássaros mostram as asas e os rabos em posição de levitação. Seria um pôr-de-sol amoroso, poente em praça restaurada? A segunda parte do desenho, ou o segundo desenho, embora tenha peixe, árvores, corações, continuaria sendo tensiva, assustadora? Estariam sendo mostrados conflitos de sentimentos, até mesmo quando se “fala” de música e de natureza? 135 Cruzeiro dos Peixotos Em 1905, uma das famílias residentes no local erigiu um cruzeiro, onde hoje está a matriz de Santo Antônio. Ao pé do cruzeiro, sepultavam-se as crianças nati-mortas, os “anjinhos”. Em 1915, foi fundada a Escola Rural e o primeiro armazém, em 1918. Posteriormente, em 1930 e 1940, o açougue, uma fábrica de doce, manteiga e queijo e uma beneficiadora de arroz. Os desenhos-desenhados propõem, em percentual bastante acentuado, melhorias na cidade e na escola, urbanização e equipamentos sociais e culturais: parquinho de diversões, teatro, cinema. Desenho de Edna Ferreira Ferreira, 58 anos (pág. 155). Edna teve seu desenho escolhido, uma vez que a praça é espaço público, espaço de encontros e lutas (principalmente, políticas). E aceitamos como desenhadores todas as pessoas que quiseram e nos pediram ou aceitaram os materiais por nós propostos. O desenho em questão encontra-se dividido mais ou menos ao meio da folha por uma linha sinuosa. Seria insegurança de se fazer uma linha reta? Ou seria uma linha que não se propõe a instalar uma rigidez? Uma linha de dinamicidade, sem cortes drásticos, ou linha gesto-movimento dinâmico e rítmico? A divisão do tempo é feita através das frases “Cruzeiro hoje” e “Cruzeiro que eu quero”, demonstrando que há uma adequação à temática do projeto quanto a reafirmação dos períodos (tempos) em que se encontra a “cidade”, na qual se vive e a que se quer construir. A maior solicitação do desenho é a urbanização do distrito. Urbanização como melhorias na cidade, que passaria a contar com um número de serviços “coisas” dos “centros grandes”: prédios altos, shoppings e tudo de mais moderno em consumismo e diversão, que geram empregos (solicitação constante nos desenhos dos distritos). Na segunda parte do desenho, as pessoas se tornam presenças ao percebermos grupos indo trabalhar na “Indústria de Calçados”, ou ainda, o “Grupo de Cantores” que canta no meio da rua e as pessoas no clube. Elas dão um calor humano na parte direita do desenho. Calor de alguns grupos no momento futuro: pessoas que jogam futebol, pessoas na porta da fábrica e os cantadores. O grupo de cantores, em especial, apresenta um movimento que chama muito a atenção, talvez por causa das notas musicais 136 que levam o grupo pelo caminho afora, grupo esse que canta no meio da rua e que traz alegria à cidade. Há, também, um destaque especial para a proporção das pessoas em relação às casas e aos carros, as pessoas são maiores que os objetos. Contudo, é diante da “Indústria de Calçados” que isso fica mais evidente, pois ela é a única que se mostra maior que as pessoas. Os carros (que carregam as pessoas), no desenho, são menores do que os humanos. Isso nos mostra que talvez haja, realmente, uma necessidade de mais empregos no distrito, ficando em equilíbrio com a humanização, ambos muito marcados e visivos neste desenho. Tanto no primeiro desenho quanto no segundo, o lugar é o mesmo, a mesma esquina desenhada na ponta esquerda do espaço, o que lhe reafirma sua condição de espaço cortante, de cruzamento e de entre-cruzamentos. No primeiro desenho, a paisagem geográfica mostra-se e, no segundo, a paisagem humana é visível em diálogo com a anterior. Desenho de Ana Carolina Silva Silva, 14 anos (pág. 156). Desenho na horizontal com todo o espaço ocupado por agrupamentos de imagens. No centro, cortando visualmente o papel em diagonal, as linhas e as formas indicam que o desenho foi realizado dividindo o papel em dois espaços “verticais”, o antes e o depois, embora, numa primeira visada, isso não fique muito claro. Na parte esquerda, uma árvore com cara (olhos, nariz, boca) e tronco. Os galhos perderam as folhas, que caem todas. Um carro grande, com estrutura apenas de linhas, mostra o rosto de uma pessoa, por trás do vidro, na janela. Bem no centro deste lado do desenho, um menino chora com lágrimas que caem até o chão (semelhante às folhas das árvores). Seriam, as duas, lágrimas? Uma serpente que circunda a cabeça do menino tem seu corpo em “s” até a parte superior. O espaço que estrutura a curva superior interna dessa serpente, abriga olhos, boca que sugere “bigodes” de um gato e uma forma sugerindo uma língua. O corpo da cobra é feito por linhas em zig-zag, as quais lhe dão o volume do corpo, com linhas em diagonal, reafirmando o seu movimento andarilho, sinuoso e rastejante, mas pela posição no desenho e nas relações com as outras formas, essa cobra é aérea. Seria uma cobra voadora, ou cobra dos sonhos, ou cobra dos tormentos? Na parte superior há um agrupamento de construções, um rosto, linhas curvas que se interligam umas às outras. Em todo o restante do desenho, entre as imagens e os espaços, existe um número enorme de figuras “palito” (desenhos esquematizados e estereotipados de figuras humanas. Um palito com cabeça, pernas e braços), habitantes por todo o lugar. Seria a densidade humana a nos dizer de sua condição? Ou pessoas andantes? Ou ainda, pessoas robôs, todas iguais? 137 No desenho do lado direito existe uma árvore com feições humanas. A copa é cheia de corações que caem até o chão, um contraste entre a árvore sem folhas, do lado oposto. Estariam em oposição as folhas e as lágrimas do desenho do lado esquerdo e os corações no desenho do lado direito? O que afirmam essas formas que caem nos dois desenhos? Seriam formas e sentimentos e sensações? Aparece no centro (no segundo desenho), um violão cheio de bocas sorridentes. Em dois retângulos estão repetidas e alinhadas as palavras “Love”, “Hoje”, “Rock”, “Nirvana” e “Ramones”, todas com “endereços” certos e possíveis de serem identificadas em épocas e contextos. Nas linhas em diagonal (no canto inferior, à direita), estão agrupados círculos e quadrados contendo estrelas em seus interiores. Na seqüência, como em ascendência, vão se agrupando quadrados com algumas estrelas e, finalmente, só retângulos com partes superpostas. Seria um caminho pressupondo um caminhar de brilhos? Um peixe grande (em desenho simplificado e estereotipado) ocupa a continuidade diagonal do desenho anterior. Se pensarmos nas inter-relações visivas desses dois desenhos, numa mesma folha de papel e feitos numa mesma manhã de um único dia, o da esquerda contém as perdas, as dores, a densidade humana; o da direita, os corações, amor, esperança, música, peixe e estruturas mais geométricas (símbolos não tão definidos). Esses dois desenhos instauram muitas perguntas: por que do carro, por que do peixe, das árvores que choram folhas caídas e corações ao lado de um “menino que se chora”. No desenho da esquerda, um agrupamento de forma mostra parte de uma cidade e, na cidade que se quer construir, ele desaparece. Quais seriam essas relações? No canto superior à direita, uma figura redonda tem olhos que “olham para fora” e do centro saem raios com flores abertas em suas extremidades. Essa figura estaria em diálogo com o menino-presença do desenho anterior? Ana Carolina faz inúmeros jogos entre formas, estruturas, pensamentos, contextos para falar pelo desenho, a cidadedistrito na qual mora e gostaria de construir. Desenho de Sivaldo da Silva, Silva 40 anos (pág. 157). Esse desenho é feito, ao inverso da proposta, a cidade em que se vive e a cidade e se quer construir. O desenho da esquerda mostra uma seqüência de pedidos: escola, quadra de esportes, pizzaria, teatro, indústria. A pizzaria tem o nome de “Pizzaria Cruzeiro” (nome do distrito); o teatro, de “Teatro Grande Otelo. 138 Entrada” (Grande Otelo é ator nascido em Uberlândia e nome de um dos teatros da cidade); a indústria, “Indústria Udi. Precisa-se” (abreviação popular de Uberlândia). Estariam estes dois últimos se referindo a Uberlândia, cidade, e não ao município (que inclui os distritos)? Seriam os equipamentos citadinos solicitados semelhantes ou iguais aos de Uberlândia? As palavras “entrada” e “precisa-se” mostram que os espaços estão abertos, tanto para se entrar no teatro, quanto para um contrato de trabalho na indústria, reafirmadas pelas filas de pessoas nos dois lugares. A quadra de esportes tem pessoas e a escola também as tem. Na base inferior, duas frases reafirmam as imagens-desenhadas: A gente não quer só comida ... A gente comida ... diversão ... artes ... Do lado direito, o desenho não mostra figuras humanas, apenas equipamentos urbanos: uma construção com sete andares, rua-estrada com manchas que sugerem buracos (?), cinco postes de iluminação, três casas, sendo uma no centro e as dos extremos laterais têm seus tetos um virando para o outro. Ou seja, a da esquerda tem a parte triangular para dentro e a da direita também para dentro, reafirmando a central como “quase uma principal”. Isso sugere um efeito de perspectiva, casas vistas de diferentes lugares. Na base inferior, o campo de futebol encontra-se vazio. O desenho do Sivaldo parece mostrar primeiro a cidade que se quer e, no momento da direita, a cidade na qual se vive, ou estaria invertida essa interpretação na tentativa de compreensão, entrando pelas imagens dos desenhos-desenhados e não pelas vontades posteriormente “conferidas” junto ao desenhador. Desenho de Thiago Biasi, Biasi 14 anos (pág. 158). Moradia, lazer e segurança é o que propõe Thiago em seu desenho na vertical com uma linha separando a parte inferior da superior. O desenho sugere uma urbanização planejada, como a estrutura de um conjunto habitacional ou condomínio. Na parte superior, nota-se um certo ritmo nas construções ordenadas e em perspectiva. Há espaços arborizados, ruas com demarcações ao centro, cruzamento com sinal de “pare” e iluminação pública, inclusive com sombras, sinal de que estão acesos ou, em dia de sol, projetam sombras no chão. A rua, na horizontal do desenho, separa as residências de um ponto comercial à esquerda, onde se pode notar um telefone público e uma placa com algum escrito, o qual não se consegue ler. E à direita, a rua se modifica, com uma estrutura axadrezada (feita por linhas que se cruzam). Seria uma pavimentação diferente? Ou um lugar para o lazer? Ou, ainda, rua com paralelepípedos? A vegetação aparece agrupada entre fundos de algumas casas e frente de outras. 139 Na parte inferior, a cidade que se quer construir, as casas estão agrupadas à esquerda e mais da metade do papel nos mostra o “Club de Sport” que, assim escrito, revela um saber palavras em outra língua. Palavras nominam o “Posto Policial”, com carro em sua frente, talvez uma viatura. Uma linha dupla corta a rua de fora-a-fora. Seria um empecilho? Seria uma forma de barrar as pessoas e os carros passantes? Seria uma maneira de tentar maior segurança? No clube, são visíveis as piscinas com água (retângulos com linhas no espaço interior, sugerindo transparência e movimento), as pistas de skate com crianças que nelas brincam (uma grande e uma pequena), o escorregador, dois coqueiros e árvores enfileiradas, quase na borda da folha de papel (quase uma moldura do clube e do papel). Os dois desenhos em um, cidade vivente e cidade que se quer, enfatizam a moradia, o lazer e a segurança. Desenho de Ana Clara de Carvalho Santos Santos, 8 anos (pág. 159). Ana dividiu o papel em duas partes, “ HOJE, como o Cruzeiro é” e “Como gostaria que fosse amanhã”. A divisão é uma linha ondulada, separando e interligando o presente e o futuro (também no verbal). “HOJE” é escrito em letras de forma maiúsculas, o que mostra a ênfase no tempo atual. Tanto a palavra “HOJE” quanto “Como é o Cruzeiro” estão inscritas dentro de balões, como os de conversas, nas histórias em quadrinhos; já a proposição “Como gostaria que fosse amanhã” é frase quase-título. Tanto o primeiro desenho quanto o segundo têm uma estrutura central semelhante, um quadrado ou retângulo ladeado por linhas duplas que sugerem ruas; no primeiro desenho é um pouco mais rígida; no segundo, mais ondulada. Figuras geométricas acolhem nomes internos: “Ponto de ônibus”, “Salão”, “Quadra”, “Salão”. Seriam essas figuras espaço contenedor de equipamentos urbanos ainda sem uma planta arquitetônica, por isso, “impessoais”? Ou são as marcas que já se consolidaram no Cruzeiro como é hoje, não precisando, dessa forma, serem reafirmadas por desenhos “individualizantes” (pois já estão lá)? Mas fica a pergunta: a que se referem esses salões? Nas laterais, aparece três vezes a palavra “Bar”, mostrando que este existe em maioria. No “Cruzeiro de amanhã”, o centro é ocupado por uma praça na qual se pode caminhar pela ênfase nas letras de forma: “Pista para caminhar” e o entorno cheio de árvores e flores. As quatro laterais mostram a palavra “Residências”, reafirmando um Cruzeiro de Ana Clara que, num primeiro momento, centraliza a ênfase nos equipamentos urbanos gerais e, no segundo desenho, enfatiza a praça como centro e as residências à sua volta. Estariam esses dois desenhos, de um mesmo tema e complementares de uma mesma proposta, reafirmando os espaços de encontros e lazer, e o prazer para os quais as praças se estruturam? 140 Distrito de Miraporanga Em 1807, no arraial de Desemboque, formou-se uma bandeira com dois objetivos: capturar os índios Caiapós e explorar a região do rio Grande e do rio Parnaíba. Em 1809, foi denominado de Sertão da Farinha Podre. Entre 1850 e 1852, foi construída a primeira capela para N. Sra. do Carmo e Santa Maria Maior e N. Sra. das Neves. Em 1864, criou-se o Distrito da Paz de Santa Maria. Em 1943, passou a se denominar Miraporanga (em tupi guarani, “gente bonita”). A maioria dos desenhos solicita urbanização e melhorias da cidade como os cuidados com o cemitério: “Adeus aos amigos”. Um dos desenhos enfatiza a amizade e o afeto. Desenhos de Jocélia Vieira de Souza (pág. 160),, de Fábio Queiroz (pág. 161) e de Leandro Brito (pág. 162).. Nestes três desenhos, achamos que seria possível escrever sobre os três ao mesmo tempo, pois percebemos em todos solicitações muito próximas. Contudo, não queremos deixar de registrar que cada um deles tem suas particularidades e são marcas-desenhantes de um desenhador. O primeiro desenho (com o relógio), de Jocélia, 15 anos, é dividido por uma linha do tempo muito peculiar, uma vez que essa se mostra constituída por duas linhas que possuem um relógio em seu centro (e, também, centro do papel). Remetenos aos desenhos de história em quadrinhos, como uma forma de mostrar uma evolução do tempo. É também nesse desenho que encontramos uma maior urbanização da cidade, o que implica na melhoria dos serviços, bem como dos equipamentos de lazer e de consumo, levando a uma ampliação das possibilidades da cidade, das condições de lazer, de prazer e também de uma maior dinâmica de tempo reafirmado pelos seis ponteiros, pelas linhas entre eles e ainda, pelas linhas externas ao relógio. Nos outros desenhos, de Fábio (10 anos) e de Leandro (14 anos), há a presença muito forte da necessidade de uma maior urbanização, presente no primeiro desenho na forma de duas cidades, a de hoje com poucas casas e pouco organizada, e a cidade de amanhã com muitas casas e prédios (presença acentuada da verticalidade). No segundo desenho, há um posto de gasolina com jeito de posto de “cidade grande” (igual àqueles que aparecem na TV) e com um prédio específico para escritórios (“coisa” de centros urbanos), dando-nos a sensação de que se tem um zoom do terceiro desenho, que também 141 insiste na idéia da urbanização (demonstrada aqui como uma cidade que tem grandes prédios e muitos recursos característicos dos centros urbanos), vista de cima do crescimento da cidade, como algo muito amplo, muito aberto. É como se tivéssemos três momentos de uma mesma cidade, que é vista, em um primeiro momento, bem de longe, mostrando somente suas características gerais (desenho do relógio). Num momento posterior, temos o desenho do Fábio, que nos dá uma visão mais ampliada da cidade, com “posto” de gasolina, prédio, sorveteria, cinema, escola municipal: tudo isso é a nós mostrado como se houvesse um zoom do desenho anterior (o do relógio). E, por fim, o desenho do Leandro nos faz entrar na imagem pela prestação de serviços presente no posto “Ipiranga” e no frentista (atendente de serviços). Se mantidas as relações e conversas entre os três, é como se houvéssemos dado um outro zoom (na imagem anteriormente citada), e nos aprofundássemos ainda mais na cidade que se quer, ou seja, nas cidades-desenhadas porque sentidas e desejadas e, criticamente, propostas em suas necessidades humanizantes. Esses três desenhos insistem na idéia da urbanização, urbanização como uma maneira de mais acesso às novidades que a televisão vive nos apresentando e, de certa forma, nos impondo por meio dos métodos globais e das estratégias da globalização. Desenho de Bruno (Fazenda Boa Vista) Vista), 12 anos (pág. 163). Bruno desenha na horizontal. Uma linha quase corta o papel ao meio. Sobre a superior, alguns prédios: à esquerda, um de sete andares, mais horizontalizado, mostrando-nos uma pessoa no primeiro andar e um carro em sua frente. Dois outros prédios quase iguais estão mais ao centro e nos mostram ser mais altos que o anterior e mais verticais. Seriam alusões às “torres gêmeas” nova-iorquinas derrubadas em 11 de setembro? Quase saindo do papel, ainda nessa linha-corte, aparece mais um prédio horizontal, como o primeiro, mas com divisões semelhantes aos centrais. No alto e no canto direito, um sol e nuvens no centro da página que, formadas por linhas dentadas, sugerem movimento. Um segundo carro, também andando da direita para a esquerda, aparece entre o primeiro edifício e os dois centrais, dando-nos uma direção, da direita para a esquerda. Esse movimento e essa direção são reafirmados pelos carros desenhados na linha de base-rua (ponto de ligação entre carro e rua). São três carros diferentes: um longo com carroceria; outro, com rodas que o suspendem do chão; e um terceiro, com a frente mais alongada, sugerindo um carro de passeio. A mesma linha que sustenta os carros, sustenta, “de cabeça para baixo”, árvores e o nome 142 do Bruno. Esse desenho tem dois pontos de vista, esse com o qual acabamos de trabalhar e, um outro que, se o virarmos ao contrário, “vemos” de dentro da rua, o outro lado da mesma. O desenho e o desenhador nos instalam andantes dentro e na rua. As crianças, ao trabalharem no chão, de bruços e deitadas, mexem com os papéis e os mudam de posições para criar as maneiras que nos mostrem como veremos o que querem nos contar. Lowenfeld chama a essa maneira de desenhar de dobragem42, quando os objetos são desenhados perpendicularmente à linha de base. Desenho de Cristiane A. Rodrigues Rodrigues, 14 anos (pág. 164). O tema do desenho é a praça antes e a praça depois. Os desenhos são realizados na horizontal, tanto na frente como no verso do papel. No primeiro momento, reafirmado pela palavra “Antes”, Cristiane apresenta construções geométricas que contornam o papel e continuam além do mesmo. A área central é ocupada por mesas, bancos, sombrinhas grandes (protetores de chuva e de sol), árvores e vegetação. O segundo desenho “Depois”, mostra-nos uma arborização planejada dentro de um quarteirão superior. Mesas e bancos estão em perspectiva, vistos de posições diversificadas. O desejo de conforto, privacidade e condições mínimas de sobrevivência fica visível com a presença do “BANHEIRO” público, com duas entradas separadas, “masculino” e “feminino” (em letras de forma). O banheiro tem um caminho até a sua chegada, mas como não há a perspectiva, fica parecendo suspenso e sugere um volume no ar (como casas de passarinho). Ao lado do caminho surgem plantas. As portas sugerem extensões da frente, quase como portas a se abrirem. Fica, portanto, nesse desenho, a solicitação de banheiro público a ser construído na cidade- Miraporanga que se quer. O desenho-palavras de Maria Natalina, de 37 anos (pág. 165), foi transcrito para terminarmos o texto, pois é uma síntese de vontades de cidades-distritos que se quer construir. As palavras estão consideradas como um desenho caligráfico, desenho fala-resposta a uma proposta de cidade mais humanizável: Eu gostaria que Miraporanga tivesse um pouco mais de diversões para todas as idades e que melhorasse um pouco o urbanismo, mas principalmente uma área de que possa ter algo diferente para fazer desde que não sejam só as atividades da escola, que são as melhores, que acontecem por aqui. Precisamos ter também emprego para a população, um pouco de atividades para os idosos como área de arte ou artes 42 LOWENFELD, Victor. Desenvolvimento da capacidade criadora. São Paulo: Mestre Jou, 1977. 143 culinárias. Ter também um posto policial e também um posto médico com dentista diariamente, não só por algumas horas e sim o dia inteiro. Mais um pouco de compreensão do nosso Prefeito que esqueceu Miraporanga como se perde um fio de cabelo. Por favor, não deixem as ligações, as nossas estradas que ligam a Miraporanga como um fio de cabelo que cai pelo chão. O primeiro parágrafo afirma a necessidade dos espaços de trocas conceituais, de desafios, de prazeres e de humanidades, ao afirmar a ampliação de lugares como a escola - as atividades melhores daqui. Na seqüência, a solicitação de emprego e as necessidade pontuadas: arte, artes culinárias, posto policial, dentista diariamente e não apenas algumas horas, a compreensão do Prefeito. O texto termina com uma densidade poética ao comparar as estradas com o fio de cabelo que cai pelo chão. O desenho de Maria Natalina, sem imagens, mas com palavras, expressa as vontades e as proposições de pessoa vivente, perceptora de seu habitat e do modus vivendi de um grupo e, ao mesmo tempo, sua compreensão do tema e suas maneiras de propor e criticar a condição humana de um grupo e de um corpus sócio-cultural. 144 Ednilton Barbosa - 17 anos 145 Viviane Marques - 23 anos 146 Mariana Santos - 7 anos 147 Iasmin Marques - 4 anos 148 Rodrigo Ferreira - 8 anos 149 Gabriel Luiz - 17 anos 150 Lúcio Antônio Alves - 5 anos 151 Bruna A. S. Dias - 8 anos 152 Marcos Paulo H. Costa - 11 anos 153 Angélica Rocha de Paula 154 Edna Ferreira - 58 anos 155 Ana Carolina M. Silva - 14 anos 156 Sivaldo da Silva - 40 anos 157 Thiago Biasi 158 - 14 anos Ana Clara C. Santos - 8 anos 159 Jocélia Vieira de Souza - 15 anos 160 Fábio Queiroz - 10 anos 161 Leandro Brito - 14 anos 162 Bruno - 12 anos 163 Cristiane A. Rodrigues - 14 anos 164 Maria Natalina - 37 anos 165 Fotos-percursos-espaços dos Desenhos-Desenhados Cristiano Barbosa, Elinei Cristina da Cunha, Lucas de Moraes Sampaio, Marilene Aparecida Borges, Mary Rodrigues da Silva Castro, Nísia Helena Bessa, Rafael Tannús Moreira, Renata Kelen de Paula, Verônica de Moraes Sampaio43 O que leva as pessoas a registrarem os momentos de suas vidas? Que fatos são tão relevantes que trazem a necessidade de documentá-los? Que importância tem isso para as sociedades? São indagações como estas que nos fazem refletir o quanto é fundamental para nossa existência registrar, classificar e armazenar informações, vivências e imagens. Na Oficina de Desenho Urbano: as Crianças, os Jovens e a Cidade no Cerrado, o objetivo de registrar, classificar e armazenar o que os cidadãos pensam sobre a cidade em que vivem e o que gostariam de viver foi a tônica das reflexões que mobilizaram os organizadores desse Projeto. Esta atividade seduziu os cidadãos a dedicarem parte do seu domingo a desenharem, numa folha de papel, os prazeres, angústias, sonhos e realidades, os quais a cidade lhes desperta. As praças da cidade e dos distritos de Uberlândia foram palco de uma latente atividade social e política que possibilitou crianças, jovens e adultos mostrarem, de forma lúdica, o que vivem e o que desejam viver. Esses cidadãos exercitaram sua cidadania através de uma folha de papel e de uma caneta preta. O que para a maioria dos administradores públicos, infelizmente, soa como delírio de intelectuais, para os organizadores e colaboradores da Oficina foi um momento raro de dialogar com a sociedade formas de torná-la mais humana e democrática. Os desenhos produzidos naquela ensolarada manhã de primavera registraram indignações e sonhos de cidadãos dispostos a colaborarem na construção de uma Cidade no Cerrado, uma cidade melhor. Outra etapa, rica de significados, proposta como última atividade a ser realizada pelos participantes da Oficina de Desenho Urbano, as Crianças, os Jovens e a Cidade no Cerrado foi o plantio de uma árvore nas praças. Esta ação se Cristiano Barbosa é graduado em Geografia e Assessor Técnico da Secretaria Municipal de Meio Ambiente; Elinei Cristina da Cunha é estudante do curso de Artes Plásticas da UFU; Lucas de Moraes Sampaio é estudante de Geografia e funcionário da Secretaria Municipal de Meio Ambiente; Marilene Aparecida Borges é Artista Plástica; Mary Rodrigues da Silva Castro é professora de Artes na rede municipal e estadual de ensino; Nísia Helena Bessa é aluna do Curso de Artes Plásticas da UFU e comerciária; Rafael Tannús Moreira é coordenador do Setor de Interlinguagens Artísticas da DICULT e professor de Artes na rede particular de ensino; Renata Kelen de Paula é estudante de Artes Plásticas e monitora no MUnA. Verônica de Moraes Sampaio é autora das poesias que acompanham as fotos. 43 166 transformou em um instante mágico de participação e interação do ser humano com a natureza. A mesma água que rega a planta em sua nova morada molha as crianças como que abençoando para sempre este ato tão importante para todas as pessoas, no sentido de efetivar a conscientização e preservação ambiental. Esse momento histórico de mobilização social de uma parcela da sociedade, praticamente ignorada no processo político de gestão do município, mobilizou os organizadores, colaboradores e cidadãos a dispararem suas máquinas fotográficas. Entusiasmadas em registrarem aquele momento, essas pessoas buscaram captar os sentimentos, a mobilização dos cidadãos, o convívio social, a ação cultural e política. Concluídas as etapas do Projeto, uma equipe foi formada para avaliar, discutir e escolher as fotografias não só da atividade desenhante nas praças, bem como daquelas que ilustraram a produção de outdoors por oficineiros colaboradores. No primeiro encontro para conversar com as fotos, a reação do grupo foi de surpresa diante de quase mil fotografias que registraram o Projeto. A princípio, pudemos considerar que houve uma grande preocupação em escolher o material a partir do limite de fotos estabelecido no Projeto, que, inicialmente, era apenas de dez imagens. Com este contato inicial, no qual algumas propostas começaram a tomar forma, o trabalho de escolha ocorreu tranqüilamente, afinando as aspirações de cada integrante da equipe em um trabalho pautado na objetividade. As primeiras discussões se deram em torno de dois eixos principais: o número de fotos a serem contempladas em cada setor e distritos e as questões formais relativas à expressividade, enquadramento, iluminação e composição dos elementos no espaço. Quanto ao número de fotos, já nos primeiros encontros, decidimos questionar sobre uma possível alteração na quantidade de fotografias a serem publicadas no livro, pois, perante todo o material disponível, tornar-se-ia quase impossível retirarmos de todo o montante apenas 10 imagens. Em relação ao conteúdo das imagens, a equipe buscou fotos “singulares” que, por alguma característica, pudessem se diferenciar do conjunto. Elas deveriam dar conta dos “prazeres no ato de desenhar”, teriam, ainda, que contemplar a produção coletiva, realizada em grupos de desenhadores, além de mostrar a diversidade dentro destes grupos. Entendemos que a ação foi destinada às crianças e aos jovens, porém, realizada em praças públi- 167 cas, levou cidadãos de diferentes faixas etárias a participarem livremente da ação desenhante. Na observação e separação de cada fotografia, uma outra proposição foi considerada pela equipe: as imagens em que as posturas dos desenhadores não estivessem revelando a espontaneidade e o envolvimento com o ato de pensar e propor a cidade não deveriam ser consideradas naquele momento. O método de escolha de todo o material consistiu na divisão da equipe, isto é, cada integrante ficou responsável por um setor, separando um número desejado de fotos. A partir desta escolha individual, houve uma seleção feita coletivamente, em que duas ou mais fotografias foram escolhidas. Além da consideração de fotos que revelassem a coletividade, a introspecção dos desenhadores e a concentração em grupos, a equipe achou importante considerar uma foto em que estivesse registrado o espaço da praça, dando noção das dimensões físicas e humanas dos locais. Tal preocupação foi considerada, também, na seleção de fotos dos outdoors que deveriam apresentar uma parte do entorno em que estavam inseridos e, também, demonstrar, através de dizeres contidos nos mesmos, os seus objetivos e a sua relação com as outras etapas do Projeto. É interessante observar que, em nenhum momento, houve a preocupação em relação à autoria das fotos produzidas no dia da atividade proposta nas praças. Nos distritos de Cruzeiro dos Peixotos, Martinésia, Miraporanga e Tapuirama, a atividade ocorreu com um grande envolvimento das comunidades locais. A praça, sempre palco das principais atividades do lugar, transformou-se em espaço de registro da realidade e do sonho, desejo e esperança, ali traduzidos a partir do ato de desenhar. Crianças, jovens e adultos expressando suas idéias e ideais através de um desenho. Prazer, alegria, sensação do dever de cidadão sendo cumprido de forma simples, uma caneta e um papel na mão, mas com a serenidade e a responsabilidade de contribuir para um futuro melhor. Nos cinco setores da cidade, pudemos observar uma diversidade de expressões proporcionadas pela atividade. Cabeças apoiadas nos ombros, mãos sob o queixo, corpos debruçados sobre folhas brancas de papel. Alguns buscam o conforto de um banco e, ali mesmo, deitam-se, outros, mais inquietos, buscam o desafio e se aventuram sobre as árvores, emborcando os galhos e seus corpos em busca de uma posição mais cômoda, para que seus desejos e idéias comecem a se materializar nos desenhos. 168 Parece haver “tensão” em alguns rostos. Talvez isto revele a presença do papel branco e a surpresa do tema proposto, pois tem-se a liberdade de opinar sobre o local em que vivemos e, quem sabe, até então não se tenha pensado sobre esta possibilidade, uma vez que, no espaço urbano, a sobrevivência e a falta de tempo impedem, assim, a livre manifestação do ser humano para interiorizar a sua realidade. Várias destas expressões foram captadas pelas máquinas fotográficas através dos olhares atentos dos colaboradores e coordenadores da “ação desenhante”. Nesses registros, pudemos encontrar “turmas” de desenhadores, envolvidos com o ato de desenhar, discutindo com outros participantes que se encontravam ao seu lado. O que estariam pensando e discutindo estes jovens? Que desejos estariam sendo materializados naquele momento? Evidentemente, os desenhos nos dão a dimensão destes desejos e das impressões do pensar o espaço urbano, porém estes registros fotográficos nos instigam a refletir sobre como ocorreram estas interações entre os desenhadores. As fotos nos despertam para o desejo de entrar na imagem e identificar o que está sendo desenhado. Talvez, isto seja reforçado pelo fato de estarmos, realmente, diante dos sonhos desses atores sociais, foco central do Projeto. 169 Muda que fala Muda o mundo 170 165 Essa sombra que me acolhe É sábia e me ensina Desse tronco que meu corpo apóia Eu vejo beleza Eu vejo história 171 Do Do Do Do meu jeito eu ando meu jeito observo as coisas meu jeito eu sinto meu jeito desenho o caminho que percorro todos os dias o céu , o concreto e as pessoas o calor , a alegria , o cheiro , a melancolia desse lugar ... 172 Eu , a praça e a natureza Juntos , pensamos no que há além da praça E ao redor de todas as coisas Do nosso pequeno – grande mundo 173 Criar Traduzir espaços Olhar Escolher Esse é meu retrato 174 De um lado , onde vivo De outro , modifico 175 Não só eu moro aqui A igrejinha da praça A praça do bairro O bairro da cidade Também moram dentro de mim 176 Sinto uma brisa no meu rosto Ouço as folhas das árvores Olho a rua e as pessoas ao redor E tudo se mistura na minha imaginação 177 Reproduzir idéias e conhecimento é compartilhar com a natureza um mesmo sentido : o da vida 178 Ando Sinto Observo E a caneta dança No papel cheio de estórias pra contar ... 179 O que tenho nas mãos ? Sonhos Vontade Papel e caneta E um monte de idéias na caixinha encantada da memória ... 180 Capítulo 3 Concluindo ou continuidades possíveis Eliane F. Vieira Tinôco, Lázaro Vinícius Oliveira da Silva, Lucimar Bello P. Frange, Luiz Gonzaga Falcão Vasconcellos, Rafael Tannús Moreira44 D ando continuidade em nossas conversas sobre a Oficina de Desenho Urbano: as Crianças, os Jovens e a Cidade no Cerrado, pensamos ser necessário um “balanço geral” dos desejos/expectativas em relação à cidade e às cidades propostas. As Equipes de Cores tiveram uma certa liberdade para escolher os critérios e as categorias com os quais conversariam com os desenhos, após alguns critérios norteadores, determinados em reuniões de trabalho entre Oficineiros-Colaboradores e Equipe Gestora do Projeto. Sendo assim, alguns grupos classificaram os desejos e as proposições em cidadania, meio ambiente, segurança. Outros grupos, em urbanismo, paz e lazer. Algumas categorias foram comuns em vários grupos, outras foram bastante específicas (sem classificação ou seleção). Também, foram consideradas as especificidades dos distritos que, na sua maioria, pedem a construção de equipamentos urbanos e reformas em escolas, igrejas e postos de saúde. Dentre as categorias comuns aos grupos, o maior desejo expresso pelos desenhadores foi quanto ao meio ambiente, seguido por lazer e segurança, respectivamente. A segurança foi entendida em dois aspectos: segurança enquanto antônimo de violência contra a pessoa e segurança no trânsito. Dentre as categorias específicas dos grupos, foram significantes os pedidos com relação aos equipamentos e infra-estrutura urbanos. Em todos os setores, os desenhadores demonstraram uma preocupação com a cidade como um todo, enfatizando uma visão global de conjuntos bastante peculiares. 44 Eliane de Fátima Vieira Tinôco é professora de arte da Rede Municipal e Assessora de Oliveira da Silva é Geógrafo da SEDUR e professor da Rede Estadual de Ensino; Lucimar Bello Diretora de Culturas da PROEX/UFU; Luiz Gonzaga Falcão Vasconcellos é geógrafo professor do PMU; Rafael é coordenador do setor de Interlinguagens Artísticas da DICULT e professor da 181 Ação Educativo-Cultural da DICULT; Lázaro Vinícius Pereira Frange é artista plástica e arte-educadora, Instituto de Geografia da UFU e Assessor da SEDUR/ rede particular de ensino. Os desejos do Setor Norte são diversos: . O lazer aparece em parques e em brinquedos; . A assistência social, em creches e centros de recuperação de menores; . A violência e o vandalismo também surgem nas imagens. As imagens do Setor Central têm registros como: . a invasão do concreto sobre os espaços de convivência e de lazer; . problemas ambientais mostram a poluição de rios e do ar. Udi, queria que soubesse que não estou muito contente com seu crescimento, pois, cresceram os concretos e extinguiram a mais digna civilização e esqueceram de plantar uma semente, na educação, na saúde, segurança. Juliano, 16 anos. Praça N. Sra. Aparecida Os Desenhos-Desenhados do Setor Sul enfocam temas como: . o lazer, a moradia, o meio ambiente e a segurança; . o Córrego Lagoinha é desenhado despoluído; . parques de diversões e quadras de futebol são presenças constantes. “Eu quero segurança, não morte”, é palavra do desenhador que mostra uma vontade de viver a liberdade,em um local com qualidade de vida. As imagens do Setor Leste demonstram a diversidade de propostas para a cidade. Em muitos desenhos surgiram representações de espaços públicos de convivência, de fé e de lazer, como: . parques com escorregadores, balanços, igrejas e praças; . a cidade sem violência; . preservação do meio ambiente; . emprego para as pessoas; . possibilidades para o imaginário e para a fantasia. Os desenhos do Setor Oeste falam sobre: . a falta de equipamentos ligados ao lazer; . os impactos ambientais aparecem nas imagens, mostrando a poluição e a presença do lixo na cidade; 182 . a segurança e a violência são bastante apontadas pelos desenhadores, constituindo um grupo expressivo de “Desenhos-Desenhados”. Nos distritos, a maior solicitação diz dos abandonos das pequenas-grandes-vilas, partes inteiras de Uberlândia. Em Tapuirama, os desenhos desejam: . hospital a ser construído; . melhorias no trânsito; . espaços de lazer; . padaria. Em Martinésia, o lazer inclui a discoteca e parques. Desenhos pedem: . curso de computação gráfica; . fábrica de doces; . a igreja restaurada; . a praça a ser revitalizada. Em Cruzeiro dos Peixotos, os desenhadores desejam: . melhorias na escola e urbanização; . equipamentos sociais e culturais, parque de diversões, teatro e cinema. Em Miraporanga: . maior urbanização; . cuidados com as praças; . empregos e posto policial; médico o dia inteiro (e não apenas algumas horas). Ouvir crianças e jovens (jovens de até 78 anos, sim. E por que não?) através de suas falas-desenhadas foi um exercício de trocas e de mergulhos em universos coletivos e individuais. Foi um alimentar e um aquecer que trouxeram para os vedores/ledores das imagens a complexidade da(s) cidade(s). É interessante notarmos alguns dos desdobramentos, fatos que aconteceram a partir da ação “Desenhando e Construindo a Cidade no Cerrado”. No Bairro Cruzeiro do Sul, existe um Clube de Desenho formado por adoles- 183 centes que se encontram e desenham juntos ou trocam os desenhos feitos em casa. No dia 30 de setembro, um dos moradores do Bairro perguntou para uma oficineira se ela não poderia dar aulas de desenhos para um daqueles meninos (todos do Clube compareceram à Praça Primeiro de Maio). A professora se prontificou e hoje o menino tem aulas uma vez por semana e depois partilha o que aprende com os amigos do Clube de Desenho. Como produção, além do livro que você está acabando de ler, o Projeto tem um vídeo, uma série de cartões postais, uma série de cartões telefônicos e um encarte de jornal. Exemplares dessas produções e os originais dos desenhos estão no acervo do MUnA (Museu Universitário de Arte) e poderão ser utilizados por pesquisadores de diversas áreas do conhecimento. Com esse material, são possíveis algumas pesquisas e apontamos sugestões: os Desenhos-Desenhados e a linguagem verbal, grafia, erros/acertos de português; abordagens urbanísticas no desenho infantil ou de adolescentes ou de adultos (e entrecruzamentos dos dados); humor contido nos desenhos; cidades “reais” (reconhecíveis) e cidades imaginárias; relações humanas e dimensões de afetos (amizade, respeito, ética, cidadania); desenhos e pensamentos-conceitos sobre desenho; aspectos sociais, antropológicos, psicológicos das e nas imagens, e outras inúmeras entradas. E ainda, quais seriam as noções de cidade e sobre o urbano nestes mil(s) desenhos de uma Cidade no Cerrado? O que estamos denominando de Dados Complementares (neste livro), permite muitas análises, por exemplo, no quadro com o número de desenhos por idade nas praças: é possível observar no Setor Central, na Praça Sérgio Pacheco, de 0 a 6 anos, são desenhadas 60 imagens; já na Praça Nossa Sra. Aparecida (no mesmo Setor), apenas 14 desenhos. Qual a razão dessas diferenças? As crianças de uma mesma faixa etária, morando em lugares próximos nesta Cidade no Cerrado, desenham mais ou desenham menos, em casa, na escola? Ou não vão às praças? Ou não quiseram desenhar?... A Praça no Setor Central que mostra o maior número de desenhos de adultos é a Sérgio Pacheco. Estariam acompanhando as crianças? Quem convidou primeiro para desenhar? O adulto? Ou a criança?... Na tabela referente aos distritos, o número de desenhadores de 07 a 15 anos é em número bastante superior ao das outras faixas etárias. Isto estaria evidenciando a ligação das escolas com a ação “Desenhando e Contruindo a Cidade no Cerrado”? Ou estas crianças e jovens têm aulas de arte na escola? Seria trabalho do professor de Arte?... 184 Os 2643 Desenhos-Desenhados permitem conversas múltiplas e amplas; os 324 oficineiros-colaboradores e coordenadores de praças têm diversificados depoimentos e histórias a contar sobre o processo de gestação, o dia da ação “Desenhando e Construindo a Cidade no Cerrado”, os “ecos” em seus trabalhos em escolas e espaços profissionais (em diversos momentos nos chegam depoimentos de continuidades). Os gestores-cúmplices do Projeto (coordenação geral, coordenação ampliada, secretaria geral) construíram alicerces conceituais e metodológicos na relação entre as culturas, as comunidades e o poder público (municipal, PMU e federal, UFU) e pessoas habitantes da Cidade no Cerrado. Como continuidade do Projeto e constituindo-se como um programa de ações entre a UFU, PMU e Comunidades (que duraria 3 anos), foram pensadas, a partir do mesmo tema e com um dia de desenho, uma oficina com pessoas da “Melhor Idade” e uma outra, com “Seguranças e Segurados” (não-assegurados). No entanto, por caminhos enviesados (descaminhos nos espaços instituídos), estas etapas adormecem, ficando, porém, como extensões de nós-pessoas, todos os envolvidos em nossas aprendizagens coletivas num projeto político-pedagógico-cultural-social. As produções (este livro, o vídeo, os cartões postais, os cartões telefônicos e o encarte de jornal) são formas de socializarmos e colocarmos em discussão os nossos percursos e ações comunitárias na extensão e nas culturas, para outros e novos encontros nas Praças, nos Distritos e na Cidade no Cerrado - Uberlândia a ser pensada e re-significada, enquanto dimensões humanizáveis - uma Cidade em muitas cidades. Desenhos de crianças não são disfarces e dissimulações, são verdades impressas no simples ato de desenhar. Esses desenhos driblam a demanda onipotente do homem contemporâneo de tudo explicar com a idéia de causa e efeito, resíduos de condutas positivistas. (Retirado do texto A Praça Como Moldura) Concluímos convidando você a participar da proposição da “Cidade no Cerrado em que você vive e a cidade que gostaria de construir”, com o poema de uma oficineira a partir das impressões vivenciadas no Projeto: 185 O Desenho Urbano Ontem e hoje Aconteceu e acontece O desenho urbano Onde as imagens Não verbais e verbais Comunicam-se com o público As imagens são representadas Através de linhas que se entrelaçam Com pinceladas rígidas e leves Grossas e finas Retas e curvas Feitas individuais Perpassando coletivamente, As imagens verbais e não verbais Que se expressam, e se relacionam Com o olhar do público Permitindo ao indivíduo e ao coletivo Leituras diferenciadas Olhe, pare! Me perceba. A construção das cidades através Dos Desenhos-Desenhados. Lucimagda Aparecida de Lima 186 Dados Complementares Lista das Praças Setor Centro Nome da Praça Ana Diniz Coronel Carneiro Nicolau Feres N. S. Aparecida Sérgio F. Pacheco Tubal Vilela Bairro Brasil Fundinho Martins Aparecida Centro Centro Leste Américo F. Abreu Do Centenário Juarez G.Nunes Odete R.Pereira Santos Dumont Sen. Camilo Chaves Parque do Sabiá Santa Mônica Segismundo Pereira Dom Almir Alvorada Aclimação Tibery Tibery Norte Chico Mendes José Miguel Lincoln Lopes Trovão Primeiro de Maio Pacaembu Cruzeiro do Sul Roosevelt Marta Helena N. S. das Graças Antônio Martins Dr. Walter L. Manhães Emília dos Santos Theodora Santos Sgt. E. S. Milhomem Tocantins Luizote de Freitas Jardim Canaã Jardim das Palmeiras Jaraguá Sul Pol. Agenor A. Garcia José Mota Vasco Gifone Laranjeiras Morada da Colina Saraiva Distritos Praça Said Jorge Praça São João Batista Igreja N. Sra Rosário Praça Tancredo Neves Tapuirama Martinésia Miraporanga Cruzeiro dos Peixotos Oeste 187 Lista dos desenhadores Abadio Aparecido Fernandes Adelino Carvalho Adriana Aparecida Adriele G. Biase Alan Jonata Alessandra Alessiane S. Justino Alex Alves Fernandes Alexandre Amaral Alexandre F. Rezende Alexandre Ferreira Alexandre Henrique da Silva Alexandre Vieira dos Santos Alice A . T. Pádua Alice Aneli Alves Aline Fernanda Pereira Aline Fernandes Alisso A A da Silva Alzira de Almeida Amanda Oliveira de Araujo Amauri Mendes da Silva Ana Carolina Ana Carolina F. C. Ana Carolina Santos de Camargo Ana Gabriela R. Carneiro Ana Luisa D. Silva Ana Luiza P. Azevedo Ana Paula Ana Paula Aparecida Ana Paula S. Faria Anderson Fernandes Lopes Anderson Ferreira Moreira Anderson Moreira Silva André Junior André Zoccoli Bueno Andreia Andréia Cristina de Jesus Andressa Navarro Angélica Lemes Moreira Anna Carolina Pereira Cunha Annelise Alves Antônio Antônio Alves Antônio Augusto Antônio Cesar Antônio Cesar C . Ferreira Antônio de Paula Antônio de Paula S. Neto Ariana G. Moura Aristeu A da Silva Arizio A. Pereira Arthur Augusto Martins e Silva Arthur Luke de Paula Fraga Arthur Matos da Cunha Aryane Augusto César Augusto César Augusto Cesar Santana Augusto Flávio de Paula Barbosa Banca Estefane Barbara Beatriz A Alves Beatriz Aparecida Moraes Beatriz Gomes Brazil Beatriz Jesus Santos de Camargo Beatriz Luz Tannus Bianca de Paula Nunes Blener S. Ferreira Bruna Dias Nunes Bruna K. Dantas Bruna Luísa Silva Bruna S. Dias Bruna S. L. Proença Bruno Augusto Bruno Carlos Caio Jiovane Soares Camila Flávia de Lima Camila R. Gomes Camila Ribeiro Amorim Carina Barboza Paula Carlos Adriano Carlos Donizete Cardoso Carlos Henrique Carolina Alvarenga Carolina Cristina Carolina de P. Fernandes Cássia C. Mendes Cássia S. da Silva Cecilia Rezende Batista Célio José dos Passos César Augusto S. Araujo Charles Lourenço Cinara F. Carneiro Ciro H. Almeida Alves Ciro Humberto Almeida Alves Claudio dos Reis 188 Cleber Cléber Ferreira Cleto Eduardo Soares Cléubia Cristina R. Silva Cleverson Clóvis José Soares Silva Cristiane S. Pimenta Cristiano Carneiro Cardoso Cristiovam S. O. Porto Cristofer Dener B. da Silva Daiane Ap. Batista Daiane Brito Oliveira Daiane R.M. Faria Dairlon Lincon Daivd Moreira de melo Daniel A. Macedo Daniel Fernandes da Silva Daniel Ferreira Gomes Daniel José R. Lisboa Daniela souza de Oliveira Danilo Jairo Donizete Silva Danilo José Reis Lisboa Darlan Costa Santos Davi Pereira Vido Débora Brito de Oliveira Debora Passos V. Debora Ruana Décio Reis Machado Deise Brito de Oliveira Deivid Gonçalves Deivid L. S. Santos Dener Ferreira Deufim Jesus Ribeiro Diego Botelho Assis Diogo S. Ferreira Dionata Alexandre Dione Henrique Costa Douglas H. Martins Durval Saturnino P. Edegar Silva Edilaine Cristina R. Silva Edilsom Miranda Edinei Barbosa Correia Edivânio B. F. de Ávila Elaine Alvarenga Silva Elaine Cristina R. Silva Elbio Júnior de P. Fernandes Elcio Diniz Elen Cardoso Eliane Machado Elias Carvalho Eliseu A Oliveira Júnior Elivia Terezinha Elizangela R. S. F. Mendes Eloisa da C.M Soares Elvira Ferreira Brazil Emanuela Emariane Rocha Emerson de Carvalho Erica Gioretta Bigei Erick Cardoso Borges Erika de Carvalho Eurípedes Lemes Evan O Costa Fábio Henrique da Silva Fátima R. Oliveira Fausta Ilda Fausto José Miranda Fausto Lopes Neto Felipe de Oliveira Roma Felipe Pires Feres C Freitas Fernanda Fernanda Alves Passos Fernanda Amaral Fernanda Aparecida Silva Fernanda R. Silva Fernanda Silva Cunha Fernando Lucas Dias Fernando Mc Soares Fernando Rodrigues Flávia Flávia Angélica Silva Flávia Sales Rodrigues Flávio Bernardo Silva Franciele Francielly P. Gomes Francisco Castro Francisco de Assis Francisco Souza Teixeira Frederico Frederico Paredes Gabriel Mendonça de Oliveira Gabriela dos Santos Gabriela Guimarães Gabriela Quirino da Silva Gabriela Rosa Aparecida Geisa AP Silva Gelviana José Maria Geovana Fernandes da Silva Geovani Fernandes Geralda A F. Mendes Gilmar F. Silva Gisaine Santos Silva Gislaine Lemes Santos Giulia Zoccoli Bueno Glaucielle Glebiana S Moura Glecione Silva Guilherme Gomes Guilherme Lemes Gomes Guilherme Meira Guilherme S. Dias Guilherme X. Carvalho Gustavo B. Machado Gustavo Enrique Silva Pereira Gustavo Fernandes da Silva Gustavo Henrique Alves Gustavo Pereira Pagoto Gustavo Siooloto Hélio Amâncio Júnior Hélio Ferreira dos Santos Henrique Augusto Hugo Caetano Souza Silva Hugo Felipe Martins Hugo H. Santos Iara Luiza Ide Aparecida Amorim Ilda Candido Teixeira Ilidia J. D. Borba Isabel C Alvez Pimenta Isabela Cacique Braga Isabela Castro Dos santos Isabela Flávio de Lima Isabela Maria Jamilson S. R. Janderson Dutra Jesus Janete Florinda Jaqueline C. Silva Jaqueline C.O Souza Jaqueline dos S. Araujo Jaqueline Perez Guimarães Jaqueline Silveira 189 Jasmim C. Silva Costa Jean Carlos Dias Borges Jean Enrique Costa Jeferson da Silva Jefferson Rodrigo Jessica Florse Jéssica Pereira Silva Jéssica Rodrigues de Almeida Jessica V. Simão Joãao Pedro Neves João Paulo Vieira João Antônio S. Souza João Batista Araujo João Batista Costa João Marcos de Jesus Santos João Paulo A Santos João Paulo B. Costa João Pedro Gallassi Spini João Roberto João Victor João Victor P Silva João Vitor João Vitor Santos Diniz Joice Carla Joice Etiene Pereira Joicylene Aires da Silva Jon Marque S. Souza Jonatas S. Campos Joquebede Duarte José dos Reis José Renato Josiane Pires Júlia Alves Cunha Júlia Ramalho Lima Julia Rocha Silva Juliana Juliana de O Luis Juliana Ferreira Amorim Juliana Lemos Cândido Juliana Resende Moraes Juliana S. Rocha Juliana Santos Rocha Juliana Souza Silva Julianara B. Carvalho Juliano E. Martins Juliene Soares Silva Junior Kamila Luciana S. Oliveira Karina Cruz Alvim Karine Kaderli Dantas Keif Carneiro Keila Ferreira Silva Keila Galdino Keite Carneiro Kelem B. Rodrigues Keliyb Aparecida Rodrigues Kenia Cristina Silva Klaus Alexandre de Rezende Kleber Alves de Souza Laís Arantes O Pacheco Lais B. de Souza Laís Barbosa P. Mendonça Laís M. Alves Lara M. Silveira Larissa Larissa Barbosa P. Mendonça Laura Cristina Lavoisier do Prado Freire Leandro Cardoso Cruz Leidiane T. Cunha Lenilson Galdino Silva Leonardo O Silva Leticia Sales de Melo Lidia Meirelles Lilian Alves Liliane P. de Oliveira Linda Márcia Lindalva Liberato Silva Lorena Jiovane Soares Lorena Vasconcelos Oliveira Loriele Aparecida dos Santos Luana Jane Silva Lucas Moreira Lucas Cristiano Lucas dos Santos Lucas Gabriel Lucas Morais Silva Lucélia Marques B. Luciano Cardoso Silva Lucimar Ferreira dos Santos Lucio Henrique Luigi Cantelli Luis Carlos Bessa Luis Fernando B. Alves Luis Fernando R. Tavares Luis Gustavo Martins e Silva Luis Moreira da Silva Luis Paulo Passos Luiz Antônio B. Oliveira Luiz Carlos Roma Jr. Luiz Fernando Luiz Guilherme Luiz Henrique Paula Barbosa Luiz Renato Luiz Rodrigues Luiza Alvesde Melo Luiza de Melo Camara Luiza Pereira Luzia de Fátima Luzia Helena Magda Silva Andrade Maico Maicom Batista Maicon André Maikon Silva Maísa Pereira Rocha Mara Silva Marcela Macedo Marcelo Araujo Marcelo Ealter Santana Ferreira Márcia Correia Arantes Marcia R . C . Palhares Márcio Henrique Marco Túlio S. Faria Marcos Paulo H. Costa Marcos Paulo P. Azevedo Marcos Vinicius Marcos Vinicius Silva Margarida Biasi Maria Aparecida dos Santos Maria Cecilia Inácio Maria Cecilia Montes Maria Clara Maria de Lurdes Rosa Maria Elena Ferreira Maria Isabel O. Pinhal Maria José Maria Juliana O Pimentel Maria Leles Melo Maria M . S. Ferreira Maria Rodrigues M. Lisboa Maria Teixeira Mariana Borges Mariana Magalhães Mariana Moreira Marilia B. Machado 190 Marília P. Salvador Marina P. Gomes Mario Francisco Luis Júnior Marlene G. Alonso Marta Mara Perreira Mateus A .P . Souza Mateus C. Santos Mateus Henrique Mateus Santos Melo Matheus Moreira Gomes Mauro César Silva Mauro Sérgio Rodrigues da Silva Max Jr. Carvalho Mayara R. J. Maycon Lourenço S. Maycon Lourindo Mayra Silva de Andrade Michael Cabral Michael Morais Silva Michel Alvarenga Michelle Pires Michelli Cristina Pimenta Pereira Milander Miltom Miriam Fagundes Moacir R. Alves Moisés Severino Santos Mônica C. Rodrigues Murilo Moraes Mendes Murilo V. Simão Naiara Santos Santana Natali Brigagão Natalia Costa Santos Natalie Rezende da Silva Nathalia Aparecida Duarte Fagundes Nathalia Balieiro Nayara Cardoso Dias Nector j Moraes 1230 Neide P. Dias Nelcy Aline Nicolas de Castro Ferreira Nivaldo Jr. Oneir Mendes Osvaldo O. Pinhão Neto Pablo L. Marins Pamela Preto Patricia Freitas Patricia Helena de Lima Paula Aparecida Costa Paula Brenda Borges Paula Caroline Silva Oliveira Paula Cristina Paula Cristina Rosa Paulo César Santos Paulo H. Pereira Paulo Roberto Serafim Costa Paulo Victor C. Pena Paulo Vitor Batista Pedro Henrique Pedro Henrique Silva Santos Pedro Pereira Pedro Pereira dos Santos Philipe M. Alves Philipe Martinelli Poliane S. Costa Pollyane Cristina Pereira Pretrize Pereira da Silva Priscila Cardoso Amaral Priscila Costa V. Silva Queiti Reis Ribeiro Rafael A Tilinn Rafael Alexander de Moura Rafael da Silva Rafael de Oliveira Rafael Ferreira Gomes Rafael O Araujo Rafael Rocha Silva Rafael Wilker Rafaela Santos Rafhaela Resende Arisa Raiane S. Santos Railaudo de Oliveira Raphael Alonso de Brito Raquel Santana da Silva Raul A. T. Padua Regiane Bessa Régis Alves Pereira Rejane Borges Rejane dos Santos Rejane S. Ferreira Renata kelen Ricardo Passos Roberto Natal Rodolfo R. Paula Rodrigo Rodrigo Ferreira Rodrigo Inocêncio Rodrigo Inôcencio Ferreira Roerto Marolo Roney Andrade da Silva Rosa F de Rezende Roseane A S. Ramos Rosimeire de Souza Ferreira Roziane M. de Araujo Sabrina Mendonça Batista Samuel Vieira Sarita O Pacheco Sebastiana D. R. Paula Selma A Guerra Selma Rodrigues Sergio Camargo de souza Sérgio Garcia P. Neto Sheila Ferreira da Silva Silmara Silva Silva Lopez Solange de F. Barboza Paula Stephane R. Oliveira Suelen Da S. Oliveira Taciane Teodora Gonçalves Tainá Tainara Taís Taís B. Paula Talita de Paula Silva Talita Prestes Tâmara M. Ferreira Tamires R. Gomes Tatiana Vasconcelos Teresinha D. da Silva Terezinha rizotto Thais Ferreira Thales Alves Thiago Braz de Almeida Thiago Henrique Silva Thiago Martins Silva Thubles Jheam Alves Tiago Alberto F. Silva Tiago Ferreira Túlio F. Biasi Túlio Rocha de Paula Ubiratan Valcy F Cardoso Valdivino Flores Valdurei Domingues S. Valquiria Rezende Arisa Valtuir Garcia Silva Vanderlei J. Camargo 191 Vanderléia Santana Vanessa Moraes Vanessa Nascimento Silva Vanessa Santana Vanill Cardoso Dias Victor Brito Silva Victor S. Melo Vinicios Quirino da Silva Vinicios Silva Souza Vinícios Soares Vinicius Alves Fernandes Vinícius Garcia Alonso dos Santos Vivian Resende Alano Waldemar G. Alonso Walkuiria H. Fonseca Wallace Monerique Martins Walquiria H Walter José Pinheiro Wellington Ferreijra Junior Wendel Nascimento Wendel P. Pereira Wenderley Dutra de Jesus Werley D. de Jesus Weslei Donizete Alves S. Weverson R. Fagundes Weverton Guedes William P. Gomes Wilsom Garcia Wilson Precioso Pereira Yuri Alves Patrício Lista dos Oficineiros-Colaboradores Oficineiro Profissão Setor Ana Paula Amâncio Ângela Coelho Cecília Barbosa Moraes Hortêncio Cibele Aparecida Santos Dalva de Moraes Antônia Darlene Ferreira Dirce Fernandes Amaral Alves Elvira Ferreira Brasil Janeides Maria Silva Domingues Janete Marques da Silva Luzia Alves Borges Mírian da Miranda Sebastiana Darc Rocha de Paula Maria de Fátima Marquesini Izabel Cristina Cruz Sônia Aparecida Costa Lilian Ferreira dos Santos Emília Vicente Lourenço Eunice de Oliveira Drucila Milian de Souza Ioná Machado de Alcântara Eliana Nunes da Silva Maria Ines de Carvalho Mendes Valéria Carrilho Costa Patrícia Ferrucci Suzuki Marcos Antônio Oliveira Falcão Vasconcelos Cristiana Peixoto de Souza Daiane Rodrigues Martins Faria Durval G. Cardoso de Paula Edna Ferreira dos Santos Mendes Érica Giaretta Biase Ivana Ferreira dos Santos Joana Cardoso da Cruz Lara Cristina Maria Abadia Faria Maria Lúcia de Souza Marlene dos Passos Sirlei Rodriques Goulart Pereira Solange de Fátima B. de Paula Janaina Ferreira Borges Jurema de Fátima do Rosário Lara Cristina Ferreira N/I* * Orientadora N/I Balconista N/I Professora N/I Dona de Casa Professora Professora Supervisora Professora Dona de Casa Aposentada Estudante de Artes Estudante de Artes Estudante de Artes Estudante de Artes Professora Estudante de Artes Professora Professora Diretora de Escola Professora Estudante de Artes Artista Plástico Geógrafo Professora Estudante Estudante Supervisora Professora Professora Dona de Casa Professora Dona de Casa Educadora Professora Professora Professora Estudante Costureira Bordadeira Plásticas Plásticas Plásticas Plásticas Plásticas Plásticas * Profissão não informada. 192 Martinésia Martinésia Martinésia Martinésia Martinésia Martinésia Martinésia Martinésia Martinésia Martinésia Martinésia Martinésia Martinésia Martinésia Miraporanga Miraporanga Miraporanga Miraporanga Miraporanga Miraporanga Miraporanga Miraporanga Miraporanga Miraporanga Miraporanga Miraporanga Miraporanga Cruzeiro dos Peixotos Cruzeiro dos Peixotos Cruzeiro dos Peixotos Cruzeiro dos Peixotos Cruzeiro dos Peixotos Cruzeiro dos Peixotos Cruzeiro dos Peixotos Cruzeiro dos Peixotos Cruzeiro dos Peixotos Cruzeiro dos Peixotos Cruzeiro dos Peixotos Cruzeiro dos Peixotos Cruzeiro dos Peixotos Tapuirama Tapuirama Tapuirama Leida Gonçalves de Oliveira Mendes Luiz Humberto Gonçalves Borges Marja das Graças Guimarães Naves Núbia Márcia Ferreira de Carvalho Rildo de Oliveira Cardoso Sérgio Naghettini Silvanda de Fátima da Silva Costa Sueli Aparecida Fagundes Lionizia Pereira Neta Helga Canedo Tavares Geise Peron Fornel Adreana Oliveira Betânia Cortes Camila Martins Maria Martins Manoela Alvarenga Laura Lana Andrade Henara Costa Rosângela de Monte Serrate M. C. Hudson Rodriques Lima Robson Albuquerque Meire Rezende Viviane Teixeira Cunha de Resende Idalina Pereira de Almeida Alexandra Maria Cardoso Camila Mariê Silva Maria Letícia Marra de Barros Fernanda Costa Almeida Érika Gomes Araújo Sandra Vieira Xavier Nísia Helana Bessa Jaqueline Ferraz da Costa Fernanda Borges Neto Fernanda Aguiar Fonseca José Carlos Ferrari Junior Elton Alberto de Campos Cláudia Herrera Fonseca Bernardes Fernanda Borges Neto Marcia Moreira Barroso Cláudia Pereira da Silva Solange Garcia Alonso de Brito Gladys Matias Pereira Milena Medeiros Marques Hashimura Fernando Hernades Greco Luiz Henrique David Letícia Viana da Silva Edinardo Rodrigues Lucas Dona de Casa Auxiliar de Laboratório Diretora de Escola Vendedora Agricultor Professor Merendeira Cabeleireira Estudante Estudante de Arquitetura Estudante de Arquitetura Jornalista Jornalista Estudante de Direito Estudante de Geografia Estudante de Ciências Sociais Estudante de Geografia Estudante de Engenharia Mecânica Assistente Social Professor N/I N/I Estudante Professora e Psicóloga Estudante Estudante de Arquitetura Psicóloga Estudante de Artes Plásticas Estudante de Artes Plásticas Estudante de Artes Plásticas Assistente Administrativa Estudante de Psicologia Estudante de Arquitetura Estudante de Arquitetura Geógrafo Estudante de Arquitetura Estudante de Artes Plásticas Estudante de Geografia Arte Educadora Vendedora Professora Artista Plástica e Professora Estudante de Arquitetura N/I Pintor Manicure Estudante 193 Tapuirama Tapuirama Tapuirama Tapuirama Tapuirama Tapuirama Tapuirama Tapuirama Tapuirama Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Marcílio Marquesini Ferrari Aninha Duarte Mariana Borges Duarte Daniel Loyola Zei Jeane Meire Fernandes Nogueira Iná Maria Nascimento G. Silva Lázaro Vinícius Oliveira Silva Adriana Lucia Pimentel Adriana Pinheiro Fonseca Adriana Sanajohi Nakamuta Agnalda Rodrigues Naves Ailton Alves de Oliveira Alessandra Silva Rodrigues Aloísio Carlos Diniz Amélia Cristina Borges Pereira Ana Flávia Magalhães Costa Ana Heloísa Pereira Ana Paula Alves Lima Angela Herrera Fonseca Aorilde de Carvalho Aparecida de Carvalho Aroldo José dde Souza Artur Pereira Neto Beloní Cacique Braga Bianca de Góes Camila Resende Nascimento Camila Rodrigues Moreira Carolina Alvim Scarabucci Carolina Gomes de Moura Cátia Beatriz Ribeiro Cíntia Guimarães Claudia Maria de Freitas Cristiane Borges de Souza Daniela Gonçalves Mattar Eduardo Ribeiro Egídio Panosso Jr. Elaine Pião Elisângela Ferreira Peixoto Enoque Oliveira Diniz Érica de Paula Cândido Fabiana Barbosa Sadojuchi Fabiane Ribeiro Gonçalves Fabina M. Faria Fernanda Pereira da Cunha Flávia Alves Facão Flávia Fernandes Carvalho Flávio Ferreira Magalhães Estudante de Economia Artista Plástica e Professora Estudante Estudante de Artes Plásticas Estudante Psicóloga Geógrafo Estudante Estudante de Engenharia Civil Estudante de Artes Plásticas Professora Atendente Arquiteta Professor Professora Arquiteta Pedagoga Arquiteta Estudante de Artes Plásticas Pedagoga Educadora Estudante Estudante de Artes Plásticas Professora Estudante de Artes Plásticas Estudante de Arquitetura Estudante de Artes Plásticas Estudante de Artes Plásticas N/I Estudante de Geografia Professora Geógrafa Arquiteta Estudante de Arquitetura e de Artes Plásticas Arquiteto Estudante de Artes Plásticas Estudante de Artes Plásticas Estudante de Artes Plásticas Arquiteto N/I Estudante de Artes Plásticas Geógrafa Estudante de Artes Plásticas Professora Estudante de Arquitetura Arquiteta Estudante de Artes Plásticas 194 Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Leste Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Frederico Ozanan R. Pinto Fredy Ravazzi Lima Geisa Aparecida da Silva Geovane da Silva e Souza Gislaine Garcia Leal Greiciane Marques D. de Morais Hélio de Lima Helvio Mendonça Hilda Beatriz de Queiroz Elias Iara Silva Alves João Luiz Corsini Garcia Julina Junqueira de Freitas Jussara Lemos Rocha Karla Elísia Brito Kenia Angélica Pinto Kyara Teles Batista Léa Carneiro de Zumpano França Leonardo Azevedo Araújo Leonel Tadeu D. Leandro Lilian N. Saiki Luciana Nápoli da Silva Luciana Santos da Costa Luciana Silva Carneiro Luzilei Alves Santos Maira Coelho Pelizer Mairla Leles Melo Mara Beatriz da Costa Marcela M. P. Mineo Márcia Maria de Souza Marco Aurélio Ribeiro Marcos Paulo Alves Merilo Maria Cecília Buiate Maria Rosalina S. P. Miguel Maricele Vilela Miguel Vannuci Marilene Aparecida Borges Marilene Costa Leles Melo Mary Rodrigues da Silva Castro Melina Ribeiro Borges Mirella Vilela de Freitas Monica Ferreira de Matos Mônica Teodoro de Oliveira Palhares Neide Maria Aguiar de Azevedo Patrícia de Oliveira e Domingues Pollyana Cruvinel Dornelas Regina Pantano Rejane Maria da Silva Renata Kelen de Paula Geógrafo Estudante de Geografia Geógrafa Geógrafo Estudante Estudante de Arquitetura Professor Estudante Estudante Professora Estudante de Engenharia Civil Estudante Colegial Estudante de Artes Plásticas Designer Estudante de Artes Plásticas Estudante Professora Estudante de Educação Física Estudante de Artes Plásticas Estudante de Artes Plásticas Estudante Estudante de Arquitetura Estudante de Artes Plásticas Estudante de Geografia Estudante Estudante Estudante de Geografia Estudante de Geografia Professora Artista Plástico Educador Estudante de Arquitetura Professora Professora Estudante de Artes Plásticas Professora Professora Estudante Colegial Arte Educadora Estudante de Artes Plásticas Professora Estudante de Artes Plásticas Artista Plástica Estudante de Pré-Vestibular Estudante de Geografia Estudante de Geografia Estudante 195 Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Central Rita de Cássia Lemos Bareia Roberta Maira de Melo Roberto Bravalheri Rossana Novaes Ferreira Sirvaldo Domingos Solange Goulart M. e Tavares Sumaia Rodrigues Lauriano Terezinha Marcelina Gomes Thaís Dias Sales Thatiane Mendes Walkiria Borges Soares Weslei Almeida Pacheco Adriane Silvério Neto Alexandre Bueno Sampaio Alysson Fernandes Pereira Ana Lúcia Berbel Meneghelli Ana Paula Maciel Peixoto Carla Francisca Galvão Finizola Cassandra Alves Mendonça Cátia Aparecida Rodrigues Celito Cabral de Melo Filho Cristina de F. S. e Pereira Daniel Gervásio Bernardes Elinei Cristina da Cunha Emiliana Marques Souza Fabiana Parreira Fernanda Scotton Fracaro Fernando A Sant‘ana Fernando Barbosa Alexandre Gabriel Cruvinel Melo Gildomar Andrade de Paula Iris Eliane de Avelar Ismar Paz da Silva John Paul Américo N. Ferreira Leonardo Rocha Lilian Macedo Novais Lívia de Resende Carvalho Luciano Macedo Pena Luiz Humberto de F. Souza Marcia Zanetti Maria Angélica de Almeida Maria Divina Silva Alves Marinete Angela Siegler Marize Aparecida N. Dias Milene Martins Mendonça Rodrigues Núbia Siqueira de Miranda Olaia Alves Cruvinel Estudante de Artes Plásticas Professora Estudante de Artes Plásticas Arquiteta Professor Artista Plástica Estudante de Artes Plásticas Estudante de Artes Plásticas Estudante de Arquitetura Estudante de Artes Plásticas Estudante de Artes Plásticas Arquiteto Estudante de Arquitetura Estudante Estudante de Arquitetura Estudante de Artes Plásticas Estudante de Arquitetura Economista N/I Economista Comerciário Estudante de Comunicação Social Arquiteto Estudante Estudante Estudante N/I Modelista Estudante de Artes Plásticas Estudante de Arquitetura Vendedor Economiária Estudante de Arquitetura Estudante de Arquitetura Estudante de Geografia Estudante N/I Estudante de Arquitetura Estudante de Geografia Estudante de Artes Plásticas Arquiteta Estudante Estudante de Geografia Professora de Artes Professora de Artes Estudante de Computação Estudante 196 Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Central Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Rafael F. C. Portezam Rosália Vieira Andrade de Paula Rosana de Ávila Melo Silveira Vera Lúcia da Silva de Andrade Gabriela Cruvinel Melo Maria Cecília de Souza Aline Gabriele Costa Ana Flávia G. Alvarenga Ana Helena Pimentel Ana Luiza Gennari Bernardes Ana Paula Silva Rocha André Luiz de Biagi Berenice A Santos de Biagi Bruno del Grossi Michelotto Creusa de Lourdes Pimentel Campos Donizette Tavares de Souza Edmilson Lino Guilherme Edna Maria Guimarães Eliene Boaventura de Oliveira Fernanda Bernardes de Assis Fernando Dias Ávila Guilherme Coelho Melazo Josimar Felisbino Silva Kellen Karine Alves Santos Liliane Pedrosa Peixoto Lucas Morais de Sampaio Luciana Pereira de Lima Lucimar Alves Faria Maikom Rangel de Souza Marcelo Henrique dos Santos Marcio Aurélio Coelho Rosa Maria Aparecida da Silva Moreira Maurício Guimarães Goulart Paola de Macedo G. Dias Paulo Henrique de Brito Pedro Barbosa Philipe Arruda Teixeira Renata Alves Máximo Renata Bastos de Albuquerque Roger Lima e Alves Rogéria Aparecida de Souza Sérgio Eduardo Martins Santos Sergio Henrique Meira Simone dos Santos Sônia Aparecida Costa Tarcísio Marques da Silva Valéria A de Souza N/I Economiária Professora Economiária Estudante de Comunicação Social Estudante de Geografia Estudante de Arquitetura Dentista Auxiliar de Creche Estudante de Arquitetura Estudante de Arquitetura Arte Terapeuta Arte Terapeuta Estudante de Geografia Agente de Controle de Zoonoses Fiscal Ambiental Professor Professora Estudante de Artes Plásticas Estudante de Psicologia Atendente Estudante de Geografia N/I Estudante de Pré-vestibular Professora Estudante de Geografia Estudante de Psicologia Estudante de Geografia Estudante de Artes Plásticas Analista de Sistema Estudante Estudante Arquiteto Arquiteta Artista Plástico e Bancário Jornalista Estudante de Geografia Estudante de Artes Plásticas Estudante de Arquitetura Estudante de Geografia Estudante de Geografia Estudante de Geografia - UNIT Estudante Estudante de Pré-Vestibular N/I Arquiteto Estudante 197 Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Sul Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Setor Oeste Verônica de Moraes Sampaio Viviane Juliana da Silva Viviane Monteiro Ribeiro Viviane Teixeira Cunha de Rezende Wanda Lúcia de M. Sampaio Ana Carolina Cunha e Silva Anderson de Freitas Cavalcante Carmem Lucia Gomes Caroline Alves Vilan Faria Cassio Rodriques da Silveira Ediene de Melo Alves Edwilson Jose Vieira Elenice Jeronima da Silva Eliane Rangel de Morais Elizabete Ferreira Fabiano Gomes M. da Silva Fernanda de Paiva Borges Gabriela do Vale Máximo Glaysson Arcanjo de Sampaio Helem Simone H. Prado Joana Darc de Oliveira Silva Khelma Torga Santos Iraídes Reinaldo da Silva Laura Resende Tavares Lilian Cristina C.F. Guedes Luciana Karen Calábria Luciano Pergina Silva Lucimar de Souza Marcelo Messias Ponchio Marco Túlio Pereira Maria da Consolação S. P. Pereira Maria Gisele Mendes Maria Raquel de Melo P. Marques Marilda Assis C. dos santos Mariléia Ramos Michelle Rodrigues Oliveira Querles de Paula A Calábria Rute Cabral de Melo Sara de Oliveira Sissi Silva Dias Sônia Maria Ferreira Valéria Silva de Lima Vanessa de Souza Vânia Núbia B. Tavares Wislaine Basilio Matias Zilá Aparecida C. Silva Estudante de Ciências Sociais Estudante de Arquitetura Professora de Artes N/I Professora Estudante de Arquitetura Designer Gráfico Professora de Artes Estudante Professor Estudante de Artes Plásticas Cabeleireiro Professora N/I Professora de Artes Estudante de Artes Plásticas Estudante de Artes Plásticas Estudante de Arquitetura Estudante de Artes Plásticas Dentista Professora Estudante Professora Estudante de Arquitetura Estudante de Arquitetura Estudante de Biologia Eletricista Professora de Artes Estudante Estudante de Arquitetura Artista Plástica Estudante de Artes Plásticas Professora de Artes Instrutora Educadora Estudante Estudante de Artes Plásticas N/I Estudante Professora Funcionária Pública Estudante de Artes Plásticas Estudante Corretora de Imóveis Professora de Artes Estudante de Artes Plásticas Total de Oficineiros Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Setor Oeste Oeste Oeste Oeste Oeste Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte Norte 324 198 Tabelas dos Desenhos-Desenhados Setor Norte Praça 3 a 6 anos 7 a 10 anos 11 a 15 anos Adultos S/Identificação Totais Lincoln 9 Desenhos 15 Desenhos 18 Desenhos 14 Desenhos 0 Desenhos 56 Desenhos Chico Mendes 17 Desenhos 25 Desenhos 20 Desenhos 0 Desenhos 0 Desenhos 62 Desenhos 1° de Maio 26 Desenhos 19 Desenhos 14 Desenhos 2 Desenhos 1 Desenhos 62 Desenhos José Miguel 4 Desenhos 13 Desenhos 13 Desenhos 0 Desenhos 0 Desenhos 30 Desenhos Lopes Trovão 17 Desenhos 19 Desenhos 14 Desenhos 6 Desenhos 7 Desenhos 63 Desenhos Total por idade e total Geral 73 Desenhos 91 Desenhos 79 Desenhos 22 Desenhos 8 Desenhos 273 Desenhos Praça 3 a 6 anos 7 a 10 anos 11 a 15 anos Adultos S/Identificação Totais Antônio Martins 43 Desenhos 70 Desenhos 49 Desenhos 19 Desenhos 0 Desenhos 181 Desenhos Dr. Walter Luiz Manhães 40 Desenhos 53 Desenhos 25 Desenhos 5 Desenhos 4 Desenhos 127 Desenhos Emília dos Santos 12 Desenhos 32 Desenhos 22 Desenhos 2 Desenhos 0 Desenhos 68 Desenhos Theodora Santos 20 Desenhos 38 Desenhos 10 Desenhos 0 Desenhos 0 Desenhos 68 Desenhos Sgt. Eriston S. Milhomem 18 Desenhos 43 Desenhos 18 Desenhos 15 Desenhos 4 Desenhos 98 Desenhos Total por idade e total Geral 133 Desenhos 236 Desenhos 124 Desenhos 41 Desenhos 8 Desenhos 542 Desenhos Setor Oeste 199 Setor Sul Praça 3 a 6 anos 7 a 10 anos 11 a 15 anos Adultos S/Identificação Totais Poliesportivo A. A. Garcia 24 Desenhos 35 Desenhos 46 Desenhos 12 Desenhos 5 Desenhos 122 Desenhos José Mota 5 Desenhos 23 Desenhos 12 Desenhos 5 Desenhos 2 Desenhos 47 Desenhos Vasco Gifone 15 Desenhos 37 Desenhos 16 Desenhos 2 Desenhos 0 Desenhos 70 Desenhos Total por idade e total Geral 44 Desenhos 95 Desenhos 74 Desenhos 19 Desenhos 7 Desenhos 239 Desenhos Praça 3 a 6 anos 7 a 10 anos 11 a 15 anos Adultos N. Sra. Aparecida 14 Desenhos 28 Desenhos 9 Desenhos 12 Desenhos 1 Desenhos 64 Desenhos Ana Diniz 16 Desenhos 30 Desenhos 15 Desenhos 6 Desenhos 3 Desenhos 70 Desenhos Tubal Vilela 29 Desenhos 18 Desenhos 10 Desenhos 12 Desenhos 3 Desenhos 72 Desenhos Nicolau Feres 32 Desenhos 45 Desenhos 14 Desenhos 2 Desenhos 3 Desenhos 96 Desenhos Sérgio Pacheco 60 Desenhos 47 Desenhos 20 Desenhos 39 Desenhos 10 Desenhos 176 Desenhos Coronel Carneiro 21 Desenhos 18 Desenhos 10 Desenhos 23 Desenhos 11 Desenhos 83 Desenhos Total por idade e total Geral 172 Desenhos 186 Desenhos 78 Desenhos 94 Desenhos 31 Desenhos 561 Desenhos Setor Central 200 S/ Identificação Totais Setor Leste Praça 3 a 6 anos 7 a 10 anos 11 a 15 anos Adultos S/Identificação Totais Odete Rezende Pereira 14 Desenhos 35 Desenhos 23 Desenhos 0 Desenhos 23 Desenhos 95 Desenhos Américo Ferreira 20 Desenhos 44 Desenhos 28 Desenhos 8 Desenhos 3 Desenhos 103 Desenhos Santos Dumont 9 Desenhos 24 Desenhos 20 Desenhos 7 Desenhos 0 Desenhos 60 Desenhos Juarez Garcia 13 Desenhos 27 Desenhos 24 Desenhos 5 Desenhos 3 Desenhos 72 Desenhos Senador Camilo Chaves 22 Desenhos 29 Desenhos 25 Desenhos 18 Desenhos 0 Desenhos 94 Desenhos Praça do Centenário 44 Desenhos 51 Desenhos 38 Desenhos 7 Desenhos 0 Desenhos 140 Desenhos Parque do Sabiá 18 Desenhos 51 Desenhos 25 Desenhos 2 Desenhos 4 Desenhos 100 Desenhos Total por idade e Geral 140 Desenhos 261 Desenhos 183 Desenhos 47 Desenhos 33 Desenhos 664 Desenhos Distrito 3 a 6 anos 7 a 10 anos 11 a 15 anos Adultos S/Identificação Miraporanga 7 Desenhos 17 Desenhos 34 Desenhos 9 Desenhos 5 Desenhos 72 Desenhos Martinésia 6Desenhos 34 Desenhos 46 Desenhos 20Desenhos 0Desenhos 106 Desenhos Cruzeiro dos Peixotos 6 Desenhos 25 Desenhos 13 Desenhos 24 Desenhos 0 Desenhos 68 Desenhos Tapuirama 31 Desenhos 42 Desenhos 12 Desenhos 13 Desenhos 20 Desenhos 118 Desenhos Total por idade e Geral 50 Desenhos 118 Desenhos 105 Desenhos 66 Desenhos 25 Desenhos 364 Desenhos Distritos 201 Totais Equipe de Gestão e Execução do Projeto Coordenação Geral: Lucimar Bello Pereira Frange - DICULT – Diretoria de Culturas/PROEX/UFU Luiz Gonzaga Falcão Vasconcellos – SEDUR – Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Urbano/PMU - Instituto de Geografia/UFU Secretaria do Projeto: DICULT – Maria Heloísa Gomes, Eliane de Fátima Vieira Tinôco, Mara Nogueira Porto, Márcio Carvalho de Souza, Marcos Oliveira, Rafael Tannús, Dorcas Weber, Leonardo Lacerda Gomes, Marília Teixeira dos Reis (2001), Edmilson Souza Anastácio (2001), e Glayson Arcanjo Sampaio(2002) Coordenação Ampliada: · Secretaria M. de Educação: Waldilena Silva Campos (2001) e Carmem Lúcia Gomes (2001) · Secretaria M. de Cultura: Maria Beatriz Ramos Costa · Secretaria M. de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável: Cristiano Barbosa e Lucas de Moraes Sampaio · Secretaria M. de Ciência e Tecnologia: Rosângela Ribeiro (2001) · Secretaria M. de Planejamento e Desenvolvimento Urbano: Marta Maria da Silva (2001), Francine Sagiorato (2001), Denise Elias Atux, Cláudia Maria de Freitas, Lázaro Vinícius Oliveira da Silva e Maria Angélica de Almeida · Secretaria M. de Planejamento Participativo: Pricilla Camargo Diniz · Secretaria M. Comunicação Social: Betânia Cortez (2001) e Maria Dolores Mendes (2001) · Secretaria M. Administração dos Distritos: Elaine Corsi (2001) · Secretaria M. de Turismo: Wilson Júnior (2001) · Secretaria M. de Desenvolvimento Social: Cristiane Silva Costa · Departamento de Artes Plásticas/FAFCS/UFU: João Virmondes Alves Fotografia: Beto Oliveira, Luiz Gonzaga Falcão Vasconcellos, Mara Nogueira Porto, Carmem Lúcia Gomes, Waldilena Silva Campos e Daniel Nunes. 202 Desenho da capa do livro: Leonardo Lacerda Gomes Reis Desenhos das praças: Edmilson Souza Anastácio Revisão parcial do livro - 1ª edição: Wanda Lúcia de Moraes Sampaio e Beloní Cacique Braga Revisão do livro - 1ª edição: Elaine Maria Silva Miranda Revisão do livro - 2ª edição: Luciane Chedid Melo Borges e Victor Mariotto Palma Projeto gráfico do livro e postais: George Thomaz Programação Visual ltda. Vídeo: Coordenação: Cláudia Maria de Freitas, Léa Carneiro de Zumpano França, Lucimar Bello Pereira Frange, Lucimagda Aparecida de Lima, Luiz Gonzaga Falcão Vasconcellos, Mara Nogueira Porto e Olaia Alves Cruvinel. Trilha Sonora: Marcílio Duarte Junior Filmagens: Nalvan e Jandir Produção: Alexandre Pereira França e Hélio de Lima Edição do livro: Eliane de Fátima Vieira Tinôco, Lázaro Vinícius Olveira da Silva, Lucimar Bello Pereira Frange, Luiz Gonzaga Falcão Vasconcellos e Rafael Tannús Moreira. Autoria do livro: Eliane de Fátima Vieira Tinôco, Lázaro Vinícius Oliveira da Silva, Lucimar Bello Pereira Frange, Luiz Gonzaga Falcão Vasconcellos, Rafael Tannús Moreira, Glayson Arcanjo Sampaio, Aninha Duarte, Iná Maria Nascimento Gomes Silva, Marco Túlio Pereira, Cristiane Silva Costa, Drucila Milian de Souza, Edimilson Lino, Eliene Boaventura de Oliveira, Fernanda Bernardes de Assis, Lázaro Vinícius Oliveira da Silva, Márcio Carvalho de Souza, Maria Angélica Almeida, Antônio Neto F. Santos, Denise Elias Attux, Eduardo Guerra França, Elsiene Coelho da Silva, João Virmondes, Marco Henrique, Marcos Antônio de Oliveira, Maria Divina Silva Alves, Marilane Costa Lelis, Cláudia Maria de Freitas, Daniel Gervásio Bernardes, Márcia Maria de Sousa, Rosana de Ávila Melo Silveira, Cíntia Guimarães, Léa Carneiro de Zumpano França, Lucimagda Aparecida de Lima, Mara Nogueira Porto, Maria Beatriz Ramos, Pricilla Camargo, Leonardo Lacerda Gomes Reis, Olaia Alves Cruvinel, Cristiano Barbosa, Elinei Cristina da Cunha, Lucas de Moraes Sampaio, Marilene Aparecida Borges, Mary Rodrigues da Silva Castro, Nísia Helena Bessa, Renata Kelen de Paula e Verônica de Moraes Sampaio. 203