Romantismo Advertência! “A atenção aos estilos históricos não deve induzir à negligência dos elementos transepocais da literatura. Assim, a história, positiva e fecunda, dos estilos não tem por que ignorar a lição da história, por exemplo, dos tópoi ou dos gêneros, a que eruditos do porte de E. R. Curtius e H. R. Jauss deram contribuições do mais alto valor. A história do estilo se superpõe, e não se substitui, à da tópica e do gênero. E principalmente, não deve ela, caindo presa de qualquer mística historicista, esquecer o que um poeta como T. S. Eliot ou um crítico como N. Frye não esqueceram: que a literatura é quase sempre, a cada instante da sua história, o sistema total das obras literárias de todos os tempos, ou, pelo menos, de uma determinada cultura e de suas relações com outras. Literatura é, profundamente, tradição – e tradição é o que ultrapassa, sem anular, a singularidade de cada momento histórico.” (PORTELLA, Eduardo et al. Teoria Literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.) Romantismo Contexto Histórico Sob o impacto da Revolução Industrial e da Revolução Francesa, de fins do século XVIII, o romantismo surgiu no início do século XIX, naquela que futuramente seria a Alemanha (onde teria, inclusive, fundamental importância na unificação germânica com o movimento Sturm und Drang – tempestade e ímpeto: emoção acima da razão), França e Inglaterra, num momento histórico, em que as classes sociais, como as conhecemos hoje, se definiam. Na ocasião, a sociedade se reorganizava e as classes sociais criavam ou redefiniam suas visões da existência e do mundo. Das classes sociais desse período, a nobreza e a pequena burguesia são as que vão atuar essencialmente no movimento romântico. Assim, o romantismo expressa, nas palavras de Karl Mannheim, os sentimentos dos descontentes com a nova ordem socioeconômica, isto é, com o capitalismo industrial. Recém-afastada do poder pelas revoluções, a nobreza só podia amargar uma nostalgia do Antigo regime. Ao mesmo tempo, a pequena burguesia expressava espanto e insegurança, vendo barrados pela grande burguesia, pelos verdadeiros capitalistas, seus projetos de ascensão social, desenvolvidos durante a luta contra a nobreza. O ambiente intelectual era de grande rebeldia. Na política, caíam os sistemas de governo despóticos e surgia o liberalismo político (não confundir com o liberalismo econômico do Século XX). No campo social imperava o inconformismo. No campo artístico, o repúdio às regras. A Revolução Francesa é o clímax desse século de oposição. No Brasil, o romantismo coincidiu com a independência política em 1822, com o Segundo reinado, com a guerra do Paraguai e com a campanha abolicionista. Alguns autores neoclássicos já nutriam um sentimento mais tarde dito romântico antes de seu surgimento de fato, sendo assim chamados pré-românticos. Nesta classificação encaixam-se Francisco Goya e Bocage. O Romantismo viria a se manifestar de formas bastante variadas nas diferentes artes e marcaria, sobretudo, a literatura e a música (embora ele só venha a se manifestar realmente aqui mais tarde do que em outras artes). À medida que a escola foi sendo explorada, foram surgindo críticos à sua demasiada idealização da realidade. Destes críticos surgiu o movimento que daria forma ao Realismo. Em comum, essas duas classes sociais têm a insatisfação e o inconformismo com a realidade, o que permite compreender muitos traços subjacentes ao movimento romântico. É o caso do escapismo ou evasionismo, a necessidade de escapar ao mundo objetivo, à sociedade, ao tempo presente, em busca de refúgio no mundo subjetivo, no indivíduo, no tempo passado. A visão de mundo que privilegia o sujeito ou o subjetivismo, elemento essencial ao pensamento romântico, é uma manifestação de amor à liberdade do próprio romantismo, na medida em que constitui uma afirmação dos valores individuais em oposição às normas sociais. É também uma forma de oposição aos valores neoclássicos dos séculos anteriores, cujo racionalismo artístico passou a ser desprezado em favor de um emocionalismo e de um misticismo (este último, por sua vez, ostenta a religião cristã em oposição à mitolologia clássica, que tinha sido revalorizada durante século XVIII). Nacionalismo e Inovação Quanto ao subjetivismo, merece ênfase a supervalorização do indivíduo, que tem como contrapartida um certo desprezo pela sociedade. Entretanto, uma ideia de coletividade pode inspirar o Romantismo e ser por ele valorizada: a da união compacta de todos os indivíduos, a da grande coletividade superior às divisões sociais, isto é, a ideia de Pátria, de Nação. Assim, sem trombar com o individualismo, o nacionalismo será outra característica essencial do movimento romântico. Entranhados nesses fatores de fundo ou conteúdo, vamos encontrar os elementos formais do Romantismo que, devido à liberdade inerente ao subjetivismo, contrapõem-se à contenção formal do Classicismo do século XVIII. Desse modo, os gêneros tradicionais da literatura passaram a ser questionados e substituídos pela liberdade inventiva e criativa da escola romântica. No teatro, tornam-se vagos os limites entre a tragédia e a comédia, que se mesclam para originar o drama. Na poesia, formas fixas como o soneto e a ode cedem lugar a composições mais livres, como a balada e a canção e a imensa maioria dos poemas sem forma definida. Finalmente, na prosa, a epopeia entrega o bastão ao romance (particularmente ao romance histórico), gênero cujas origens são polêmicas. Amores e Aventuras De qualquer modo, é ponto pacífico que a forma romance se propaga e se consolida no século XIX, tendo se tornado o grande veículo de difusão de ideias, sentimentos e emoções, e inclusive crítica social da época. Dando vazão ao registro dos costumes, à ficção histórica, à narrativa de amores e de aventuras, o romance foi a forma que melhor se adaptou às necessidades expressivas dos autores daquela época. Da mesma maneira, foi a que melhor serviu ao entretenimento do público leitor de então. Nos centros urbanos, que conheciam um período de franca expansão com a implantação da indústria e dos serviços, a classe média crescia e se consolidava, descobrindo na leitura uma acessível forma de lazer (hoje encontrado na televisão). Assim, eram os jovens e as mulheres das cidades, com alguns recursos e instrução, que compunham basicamente o público leitor de romances, onde encontravam, em forma narrativa, uma projeção de suas próprias emoções, expectativas, busca de amor e felicidade, e ainda identificava suas desilusões. O Papel da Mídia Além disso, o desenvolvimento do jornalismo no século XIX, com o surgimento de jornais e revistas regulares (diários e semanários) gerou um suporte material que, além de barato e de fácil acesso ao público em geral, se revelou intrinsecamente propício ao romance. Afinal, por apresentar uma narrativa longa, o romance se subdivide em unidades menores, os capítulos. Assim, o romance romântico do século XIX era publicado, capítulo por capítulo, numa parte dos jornais, no chamado folhetim, espaço cuja função era amenizar o peso e a gravidade das leituras políticas, econômicas, do noticiário em geral, caracterizando-se pela diversão e o entretenimento. Características o lirismo o subjetivismo o sonho de um lado, o exagero, a busca pelo exótico e pelo inóspito de outro o nacionalismo a idealização do mundo e da mulher a fuga da realidade e o escapismo eventualmente: o pessimismo e um certo gosto pela morte. Subjetivismo O romancista trata dos assuntos de forma pessoal, de acordo com sua opinião sobre o mundo. O subjetivismo pode ser notado através do uso de verbos na primeira pessoa. Com plena liberdade de criar, o artista romântico não se acanha em expor suas emoções pessoais, em fazer delas a temática sempre retomada em sua obra. O eu é o foco principal do subjetivismo, o eu é egoísta, forma de expressar seus sentimentos. Idealização Empolgado pela imaginação, o autor idealiza temas, exagerando em algumas de suas características. Dessa forma, a mulher é uma virgem frágil, o índio é um herói nacional, e a pátria sempre perfeita. Essa característica é marcada por descrições minuciosas e muitos adjetivos. Egocentrismo Como o nome já diz, é a colocação do ego no centro de tudo. Vários artistas românticos colocam, em seus poemas e textos, os seus sentimentos acima de tudo, destacando-os no texto. Pode-se dizer, talvez, que o egocentrismo é um subjetivismo exagerado. Sentimentalismo Praticamente todos os poemas românticos apresentam sentimentalismo já que essa escola literária é movida através da emoção, sendo as mais comuns a saudade, a tristeza e a desilusão. Os poemas expressam o sentimento do poeta, suas emoções, e são como o relato sobre uma vida. O romântico analisa e expressa a realidade por meio dos sentimentos. E acredita que só sentimentalmente se consegue traduzir aquilo que ocorre no interior do indivíduo. Natureza interagindo com o eu lírico A natureza, no Romantismo, expressa aquilo que o eu-lírico está sentindo no momento narrado. A natureza pode estar presente desde as estações do ano, como formas de passagens, à tempestades, ou dias de muito sol. Grotesco e sublime Há a fusão do belo e do feio, diferentemente do arcadismo que visa a idealização do personagem principal, tornando-o a imagem da perfeição. Medievalismo Alguns românticos se interessavam pela origem de seu povo, de sua língua e de seu próprio país. Na Europa, eles acharam no cavaleiro fiel à pátria um ótimo modo de retratar as culturas de seu país. Esses poemas se passam em eras medievais e retratavam grandes guerras e batalhas. Indianismo É o medievalismo "adaptado" ao Brasil. Como os brasileiros não tinham um cavaleiro para idealizar, os escritores adotaram o índio como o ícone para a origem nacional e o colocam como um herói. O indianismo resgatava o ideal do "bom selvagem" (Jean-Jacques Rousseau), segundo o qual a sociedade corrompe o homem e o homem perfeito seria o índio, que não tinha nenhum contato com a sociedade europeia. Byronismo Inspirado na vida e na obra de Lord Byron, poeta inglês. Estilo de vida boêmio, voltado para vícios, bebida, fumo e sexo, podendo estar representado no personagem ou na própria vida do autor romântico. O byronismo é caracterizado pelo narcisismo, pelo egocentrismo, pelo pessimismo, pela angústia. Romantismo nas belas artes Segundo Giulio Carlo Argan, na sua obra Arte moderna, o Romantismo e o Neoclassicismo são simplesmente duas faces de uma mesma moeda. Enquanto o neoclássico busca um ideal sublime, objetivando o mundo, o romântico faz o mesmo, embora tenda a subjetivar o mundo exterior. Os dois movimentos estão interligados, portanto, pela idealização da realidade (mesmo que com resultados diversos). As primeiras manifestações românticas na pintura ocorreram quando Francisco Goya passou a pintar depois de começar a perder a audição. Um quadro de temática neoclássica, como Saturno Devorando Seus Filhos, por exemplo, apresenta uma série de emoções para o espectador que o fazem se sentir inseguro e angustiado. Goya cria um jogo de luz-e-sombra, linhas de composição diagonais e pinceladas "grosseiras“, de forma a acentuar a situação dramática representada. Apesar de Goya ter sido um acadêmico, o Romantismo somente chegaria à Academia mais tarde. O francês Eugène Delacroix é considerado um pintor romântico por excelência. Sua tela A Liberdade Guiando o Povo reúne o vigor e o ideal românticos em uma obra que estrutura-se em um turbilhão de formas. O tema são os revolucionários de 1830 guiados pelo espírito da Liberdade (retratados aqui por uma mulher carregando a bandeira da França). O artista coloca-se metaforicamente como um revolucionário ao se retratar em um personagem da turba, apesar de olhar com uma certa reserva para os acontecimentos (refletindo a influência burguesa no romantismo). Esta é provavelmente a obra romântica mais conhecida. A busca pelo exótico, pelo inóspito e pelo selvagem formaria outra característica fundamental do Romantismo. Exaltavam-se as sensações extremas, os paraísos artificiais, a natureza em seu aspecto mais bruto. Lançar-se em "aventuras" ao embarcar em navios com destino aos pólos, por exemplo, tornou-se uma forma de inspiração para alguns artistas. O pintor inglês William Turner refletiu esse espírito em obras como Mar em Tempestade, em que o retrato de um fenômeno da natureza é usado como forma de atingir os sentimentos supracitados. Romantismo na Literatura O Romantismo surge na literatura quando os escritores trocam o mecenato aristocrático pelo editor, precisando assim cativar um público leitor. Esse público estará entre os pequenos burgueses, que não estavam ligados aos valores literários clássicos e, por isso, apreciariam mais a emoção do que a sutileza das formas do período anterior. A história do Romantismo literário é bastante controversa. Em primeiro lugar, as manifestações em poesia e prosa popular na Inglaterra são os primeiros antecedentes, embora sejam consideradas "pré-românticas" em sentido lato. Os autores ingleses mais conhecidos desse pré-Romantismo "extra-oficial" são William Blake (cujo misticismo latente em The Marriage of Heaven and Hell - O Casamento do Céu e Inferno, 1793, atravessará o Romantismo até o Simbolismo) e Edward Young (cujos Night Thoughts - Pensamentos Noturnos, 1742, re-editados por Blake em 1795, influenciarão o Ultra-Romantismo), ao lado de James Thomson, William Cowper e Robert Burns. O Romantismo "oficial" é reconhecido nas figuras de Coleridge e Wordsworth (Lyrical Ballads - Baladas Líricas, 1798), fundadores; Byron (Childe Harold's Pilgrimage, Peregrinação de Childe Harold, 1818), Shelley (Hymn to Intellectual Beauty - Hino à Beleza Intelectual, 1817) e Keats (Endymion, 1817), após o Romantismo de Jena. Em segundo lugar, os alemães procuraram renovar sua literatura pelo retorno à natureza e à essência humana, com assídua recorrência ao "pré-Romantismo extra-oficial" da Inglaterra. Esses escritores alemães formaram o movimento Sturm und Drang (tempestade e ímpeto), donde surge então, mergulhado no sentimentalismo, o pré-Romantismo "oficial", isto é, conforme as convenções historiográficas. Goethe (Die Leiden des Jungen Werther - O Sofrimento do Jovem Werther, 1774), Schiller (An die Freude - Ode à Alegria, 1785) e Herder (Auszug aus einem Briefwechsel über Ossian und die Lieder alter Völker - Extrato da correspondência sobre Ossian e as canções dos povos antigos, 1773) formam a Tríade. Alguns jovens alemães, como Schegel e Novalis, com novos ideais artísticos, afirmam que a literatura, no sentido de arte literária, precisa expressar não só o sentimento como também o pensamento, fundidos na ironia e na autorreflexão. Era o Romantismo de Jena, o único Romantismo autêntico em âmbito internacional. Em terceiro lugar, a difusão europeia do Romantismo tomou como românticas as formas pré-românticas da Inglaterra e da Alemanha, privilegiando, portanto, apenas o sentimentalismo em detrimento da complicada reflexão do Romantismo de Jena. Por isso, mundialmente, o Romantismo é uma extensão do pré-Romantismo. Assim, na França, destacam-se Stendhal, Hugo e Musset; na Itália, Leopardi e Manzoni; em Portugal, Garrett e Herculano; na Espanha, Espronceda e Zorilla. Tendo o liberalismo como referência ideológica, o Romantismo renega as formas rígidas da literatura, como versos de métrica exata. O romance se torna o gênero narrativo preferencial, em oposição à epopeia. É a superação da retórica, tão valorizada pelos clássicos. O romantismo é um movimento que vai contra o avanço da modernidade em termos da intensa racionalização e mecanização. É uma crítica à perda das perspectivas que fogem àquelas correlacionadas à razão. Os aspectos fundamentais da temática romântica são o historicismo e o individualismo. O historicismo está representado nas obras de Walter Scott (Inglaterra), Vitor Hugo (França), Almeida Garrett (Portugal), José de Alencar (Brasil), entre tantos outros. São resgates históricos apaixonados e saudosos ou observações sobre o momento histórico que se atravessava, como no caso de Balzac ou Stendhal (ambos franceses). O individualismo, traz consigo o culto do egocentrismo, vazado de melancolia e pessimismo (mal-do-século). Pelo apego ao intimismo e a valores extremados, os poetas dessa vertente foram chamados de ultra-românticos. Esses escritores, como Byron, Alfred de Musset e Álvares de Azevedo, beberam do Sturm und Drang alemão, perpetuando as fontes sentimentais. Romantismo na Música As primeiras evidências do romantismo na música aparecem com Beethoven. Suas sinfonias, a partir da terceira, revelam uma música com temática profundamente pessoal e interiorizada, assim como algumas de suas sonatas para piano também, entre as quais é possível citar a Sonata Patética. Outros compositores, como Chopin, Tchaikovsky, Felix Mendelssohn, Liszt, Grieg e Brahms, levaram ainda mais adiante o ideal romântico de Beethoven, deixando o rigor formal do Classicismo para escreverem músicas mais de acordo com suas emoções. Na ópera, os compositores mais notáveis foram Verdi e Wagner. O primeiro procurou escrever óperas, em sua maioria, com conteúdo épico ou patriótico – entre as quais as óperas Nabucco, I Vespri Sicilianni, I Lombardi nella Prima Crociata –, embora tenha escrito também algumas óperas baseadas em histórias de amor, como La Traviata. O segundo enfocava histórias mitológicas germânicas, caso da Tetralogia do Anel dos Nibelungos e outras óperas, como Tristão e Isolda e O Holandês Voador, ou sagas medievais, como Tannhäuser, Lohengrin e Parsifal. Posteriormente, na Itália, o romantismo na ópera se desenvolveria ainda mais com Puccini. Romantismo em Portugal Teve como marco inicial a publicação do poema "Camões", de Almeida Garrett, em 1825, e durou cerca de 40 anos, terminando por volta de 1865, com a Questão Coimbrã. A Primeira Geração do Romantismo em Portugal vai de 1825 a 1840. Seus principais autores são Almeida Garrett, Alexandre Herculano e Antônio Feliciano de Castilho. A Segunda Geração, ultrarromântica, de 1840 a 1860, tem como principais autores Camilo Castelo Branco e Soares de Passos. A Terceira Geração, pré-realista, de 1860 a 1870, aproximadamente, teve como principais autores Júlio Dinis e João de Deus. Romantismo no Brasil De acordo com o tema principal, os romances românticos no Brasil podem ser classificados como indianistas, urbanos ou regionalistas. No romance indianista, o índio era o foco da literatura, pois era considerado uma autêntica expressão da nacionalidade, e era altamente idealizado. Como um símbolo da pureza e da inocência, representava o homem não corrompido pela sociedade, o não capitalista, além de assemelhar-se aos heróis medievais, fortes e éticos. Junto com tudo isso, o indianismo expressava os costumes e a linguagem indígenas, cujo retrato fez de certos romances excelentes documentos históricos. Os romances urbanos tratam da vida na capital e relatam as particularidades da vida cotidiana da burguesia, cujos membros se identificavam com os personagens. Os romances faziam sempre uma crítica à sociedade, por meio de situações corriqueiras, como o casamento por interesse ou a ascensão social a qualquer preço. Por fim, o romance regionalista propunha uma construção de texto que valorizasse as diferenças étnicas, linguísticas, sociais e culturais, que afastavam o povo brasileiro da Europa e caracterizava-os como uma nação. Os romances regionalistas criavam um vasto panorama do Brasil, representando a forma de vida e a individualidade da população de cada parte do país. A preferência dos autores era por regiões afastadas de centros urbanos, pois estes estavam sempre em contato com a Europa, além de o espaço físico afetar suas condições de vida. O romantismo no Brasil, no que se refere à poesia, teve três gerações de grandes poetas. O crítico literário Valentim Facioli, professor da Universidade de São Paulo (USP), explica o que foi e como se desenvolveu a poesia romântica na literatura brasileira: A poesia, o romance e o teatro procuraram "revelar" os vários e diferentes aspectos do país e do homem brasileiro: os sentimentos de amor à pátria, de grandeza do território brasileiro, de beleza e majestade da natureza, de igualdade de todos os habitantes do país, da benevolência e hospitalidade do povo, das grandes virtudes dos nossos costumes patriarcais, das incomuns qualidades afetivas e morais da mulher brasileira, do alto padrão da nossa civilização e da nossa privilegiada paz social. Essa imagem romântica do país não correspondia à realidade. Por volta de 1850, a população do país era de pouco mais de 8 milhões de habitantes: 5,5 milhões dos quais eram homens livres, e 2,5 milhões, escravos. Do total de habitantes, os alfabetizados eram apenas 15 a 20%. A economia do país era quase exclusivamente rural, agrícola, à custa do trabalho escravo. Os homens livres, não-proprietários, viviam em estreita dependência econômica, pessoal e moral dos grandes proprietários rurais, mediante relações de favor e proteção. A literatura, então, tinha um público restrito. Era feita especialmente no Rio de Janeiro,, a Corte, sede do Império. Ali floresceu um comércio mais intenso de mercadorias e de ideias; surgiram os teatros, os bailes; as ruas movimentaramse; a burocracia civil e militar conseguiu certa autonomia em relação aos proprietários e políticos conservadores. E o surgimento de algumas escolas médias e superiores, não só no Rio, mas também em Pernambuco, Bahia e São Paulo, favoreceu o crescimento de um bom número de jovens mais liberados dos rígidos controles patriarcais. As próprias mulheres puderam sair da reclusão em que eram mantidas. Na verdade, os jovens estudantes, a burocracia e as mulheres mais liberadas constituíram o pequeno público que lia e consumia a literatura romântica, tanto aquela produzida aqui, quanto a importada da Europa, especialmente da França. Não existe um caráter único, uma semelhança de estilo nos poetas românticos brasileiros como um todo, pois como o Romantismo durou quase meio século, foram muitos os autores que escreveram sob sua influência. Por isso, com base principalmente nas diferenças, podemos agrupá-los em gerações, isto é, em grupos de autores que se assemelham e viveram mais ou menos no mesmo período, mas, ao mesmo tempo, se diferenciam de outros. Podemos dizer que há três gerações de românticos brasileiros. Na primeira geração romântica predominam o nacionalismo e o patriotismo, por meio da "descoberta" de aspectos característicos da paisagem local, nacional tropical, em que se realça o típico, o exótico e a beleza natural, exuberante, em oposição à paisagem e à natureza europeias. O índio é encarado como elemento formador do povo brasileiro, como nas obras de Gonçalves Dias e Gonçalves de Magalhães. Há também forte religiosidade (oficialmente católica), que identifica as possibilidades da poesia romântica com o sentimento cristão, em oposição ao "paganismo" da poesia neoclássica ligada à tradição greco-latina. Poesia amorosa, idealizante e fortemente sentimental, marcada por certa influência da lírica portuguesa, a medieval, a camoniana, e a dos românticos, de Garrett, principalmente. A Segunda Geração mantém a maioria das características da geração anterior. Mas os poetas assumem agora um extremo subjetivismo, passando à imitação de outros poetas europeus (Lord Byron, inglês; Alfred Musset, francês, especialmente), centrando-se numa temática de amor e morte, dúvida e ironia, entusiasmo e tédio. A evasão e o sonho caracterizam o egotismo dessa geração, isto é, o culto do eu, da subjetividade, através da tendência para o devaneio, o erotismo difuso ou obsessivo, a melancolia, o tédio, o namoro com a imagem da morte, a depressão, a autoironia masoquista. Essa geração traduz também uma certa rebeldia juvenil, um pendor à transgressão, segundo o modelo criado pelo inglês Lord Byron. O byronismo aparece através da figura do homem fatal, de faces pálidas, olhar sem piedade, marcado pela melancolia incurável, desespero e revolta, conjuntamente com a imagem do poeta genial, mas desgraçado e perseguido pela sociedade, condenado à solidão, incompreendido por todos, desafiando o horror do próprio destino. O mal do século, uma doença indefinível, entedia e faz desejar a morte como a única via de libertação. Na verdade, trata-se da imagem de uma contradição insolúvel entre o excesso de energia interior, do eu, a procura do absoluto, e os limites das condições reais dos homens e da sociedade. São dessa geração Casimiro de Abreu, Laurindo Rabelo, Álvares de Azevedo, Junqueira Freire, Fagundes Varela e Bernardo Guimarães. Os poetas da Terceira Geração guardam enormes diferenças entre si, especialmente Castro Alves e Sousândrade. Essa é a geração mais heterogênea do Romantismo no Brasil. Castro Alves, escrevendo em fins da década de 60, já expressa a crise do Brasil puramente rural e o lento, mas firme crescimento da cultura urbana, dos ideais democráticos e, portanto, o despontar de uma repulsa pela moral do senhor-servo, que poluía as fontes da vida familiar e social no Brasil Império. Os ideais abolicionistas e o culto do progresso são o fundo ideológico da poesia de Castro Alves, que se faz eloquente, grandiloquente, em sua oratória, repassada de imagens e metáforas de grandeza. Marcada de forte indignação, a poesia de Castro Alves faz-se também liberal, renovando o tema amoroso, liberando-o das noções de pecado e culpa, cultivando um erotismo sensual, de prazer, e denunciando a escravidão. Castro Alves abre, portanto, "baterias poéticas" contra o conservadorismo e o atraso mental, a moral do Império e as injustiças da ordem social. Isso se convencionou chamar de condoreirismo. Sousândrade, que começa como poeta próximo da Segunda Geração, torna-se uma voz destoante do nosso Romantismo, entrando na Terceira Geração apenas por cronologia. Esquecida durante meio século, sua poesia, embora marcada também pelo abolicionismo e republicanismo, realiza-se diferentemente dos românticos, porque repassada de grandes novidades temáticas e formais. O processo de composição poética de Sousândrade volta-se para inesperados arranjos sonoros, pelo uso de diversas línguas integrativamente, com ousados "conjuntos verbais“, que quebram a estrutura sintática da língua portuguesa. A par com isso, por ter vivido anos nos Estados Unidos, Sousândrade foi capaz de captar os novos modos de vida do capitalismo industrial e urbano, em o "inferno de Wall Street", trecho do poema "O Guesa", fundindo-os com certas tradições míticas e culturais dos índios, especialmente os da América espanhola, os quíchuas. O Romantismo questionou, desmoralizou e destruiu o velho princípio clássico da imitação dos modelos antigos. Para os românticos, a expressão artística única, irrepetível, correspondia à expressão do indivíduo e suas inumeráveis emoções, iluminação súbita e inspirada. Daí o surgimento de uma poética da "invenção" e da "novidade" como busca permanente da expressão de cada indivíduo, de cada momento, de cada sentimento, de cada paixão, como algo único e irrepetível. Essa necessidade se impõe à estrutura do poema, ao ritmo, à rima, à dicção, à métrica, à alternância de versos longos e curtos, às metáforas ousadas, às hipérboles, ao aproveitamento da linguagem poética em todas as suas potencialidades musicais e expressivas. Por isso, a simples observação ligeira mostra-nos diferenças notáveis entre os poetas românticos, ao passo que os neoclássicos, por exemplo, mais se assemelham por seguirem com certo rigor os modelos tradicionais. Ao equilíbrio neoclássico, o Romantismo contrapõe o desequilíbrio inovador e experimental. A linguagem é vista como impotente, incapaz de expressar toda a emoção e o sentimento. Diante da carga nova da sensibilidade e da intuição é necessário que as regras do código (isto é, a gramática da língua) sejam questionadas, que as categorias da razão sejam descartadas e sobressaia a palavra, carregada de sentimentos, do coração do poeta para o coração do leitor. Isso faz com que o poeta romântico privilegie o emissor (o eu, a função emotiva da linguagem, isto é, aquele que fala), comportando-se, diante da palavr,a com a desconfiança que, por assim dizer, ele inaugura na literatura ocidental moderna. O Romantismo no Brasil significa a diferenciação da nossa literatura com a portuguesa, mediante a diferenciação temática e de linguagem. O romantismo quebrou a estreita dependência linguística que nos prendia à tradição literária portuguesa, pela incorporação de peculiaridades vocabulares e sintáticas e por procurar um ponto de vista nacional brasileiro. Ao mesmo tempo, pelas contradições inerentes ao nosso país e pelas profundas diferenças entre o império brasileiro e a Europa burguesa, o romantismo impregnouse de contradições que bem expressam a situação global de adaptação de uma profunda corrente cultural e artística, nascida no exterior, às condições do Brasil, país atrasado, dependente e preso à órbita da Europa.