Monsaraz
no Alentejo
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Aldeia
Nove casas
duas ruas
um largo
ao meio do largo
um poço de água fria.
Tudo isto tão parado
e o céu tão baixo
que quando alguém grita para longe
um nome familiar
se assustam pombros bravos
e acordam ecos no descampado
Manuel da Fonseca
tenho duas casas paralelas
a circular em planos paralelos
nunca se tocam?
por cima das nuvens por baixo da terra
as duas casas deslocam-se
em cartilagens invisíveis aproximam-se
da honra paralelas aproximam-se
do aroma paralelas aproximam-se
do encontro marcado do infinito
fixo dois sóis abro os dois braços
e com uma casa em cada braço
aponto as duas casas aos dois horizontes
e tento juntá-las
com o movimento magnético
da linha escrita nas palmas
Paulo Condessa
o céu dentro da boca
ALENTEJO
A luz que te ilumina,
Terra da cor dos olhos de quem olha!
A paz que se adivinha
Na tua solidão
Que nenhuma mesquinha
Condição
Pode compreender e povoar!
O mistério da tua imensidão
Onde o tempo caminha
Sem chegar!...
Miguel Torga
Diário XII, 20 de Outubro de 1974
Casas no sol
A casa é branca, branca de cal (que de todos os brancos é o
único que é branco), debruada de azul, por ser à beira-mar a cor da
alegria. Branca e fechada – não vá o sol que arde nos telhados
penetrar insidiosamente por alguma fresta e incendiar o silêncio
melindroso da alcova. A obscuridade quase não consente a
contemplação do rosto infantil que ali dorme até ao sol ter
amansado. Só então desperta e se refugia nos braços que já o
esperam.
Por este rapazito serias capaz de correr o mundo a pécoxinho, se ele to pedisse, ou de entrar pelo buraco da fechadura
só para o veres dormir.
Eugénio de Andrade
Vertentes do Olhar
Toda a aldeia era feita de um tempo muito antigo.
Nas casas, nas ruas, nos usos e nos costumes.
Mesmo os corpos dos aldeões, no jeito especial de
os utilizarem, tinham também um toque rude e
primitivo. O modo de andar, por exemplo, era
desengonçado e langão, como se levassem às costas
a sua carga de séculos. Mas era sobretudo nas casas
que o peso do tempo mais se sentia. A gente
olhava-as e via logo que tinham sido casas
construidas no eterno.
Vergílio Ferreira
Uma Esplanada sobre o Mar
O sol às casas, como a montes,
Vagamente doura.
Na cidade sem horizontes
Uma tristeza loura.
Como a sombra da tarde desce
E um pouco dói
Porque quando é tarde
Tudo quanto foi.
Nesta hora mais que em outra choro
O que perdi.
Em cinza e ouro o rememoro
E nunca o vi.
Felicidade por nascer,
Mágoa a acabar,
Ânsia de só aquilo ser
Que há de ficar –
Sussurro sem que se ouça, palma
Da isenção.
Ó tarde, fica noite, e alma
Tenha perdão.
Fernando Pessoa
Cancioneiro
Inverno, manhã cedo. A luz que banha
A paisagem é gélida e cinzenta;
A vaga pompa do cenária ostenta,
Ao largo, as serras húmidas de Espanha.
Hortas, vinhedos e a carcaça estranha
De Monsaraz, numa ascensão violenta;
A erva tenrinha os gados apascenta,
Que em tons de bronze a terra desentranha.
E eu olho essa paisagem dolorida,
Testemunha que foi da minha vida,
Povoada agora de visões errantes....
Eu olho-a e dentro da minha alma afago-a,
Que os seus olhos longínquos, rasos de água,
São hoje os mesmos que me olhavam dantes.
Antonio de Macedo Papança
(Conde de Monsaraz)
Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.
Alberto Caeiro
Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver o Universo …
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura …
Alberto Caeiro
MIRADOIRO
Não sei se vês, como eu vejo,
Pacificado,
Cair a tarde
Serena
Sobre o vale,
Sobre o rio,
Sobre os montes
E sobre a quietação
Espraiada da cidade.
Nos teus olhos não há serenidade
Que o deixe entender.
Vibram na lassidão da claridade.
E o lírico poema que me acontecer
Virá toldado de melancolia,
Porque daqui a pouco toda a poesia
Vai anoitecer.
Miguel Torga
Diario XIV, 5 de setembro de 1986
Fotografias : Agnès Levécot
21 de Abril de 2009
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Monsaraz no Alentejo - Teia da Língua Portuguesa