Participação e teoria democrática Carole Pateman Capítulo 1 – Teorias recentes da democracia e o “mito clássico” Fim da década de 60: PARTICIPAÇÃO toma conta do dito popular. Possíveis explicações: reivindicações dos estudantes e por grupos que desejavam garantias de direitos. Maior participação coloca uma pergunta fundamental: Qual o papel da participação em uma teoria da democracia moderna e estável? Duas perspectivas ligadas à participação: 1 – revisão dos clássicos, cujas teorias precisam ser revisitadas; 2 – preocupação com a estabilidade do sistema político. Democracia x Totalitarismo. teoria clássica X teoria contemporânea. Teóricos da democracia – preocupação com a prática do conceito de democracia. - MOSCA: sociedade precisa de uma elite no poder. Favorável às instituições representativas. A teoria de Mosca mostrava que a ideia de soberania popular, esteio das democracias e que é expressa pelo sufrágio universal, não passa de um instrumento por meio do qual a minoria eleita legitima-se no poder. A participação do povo nas eleições não significa, efetivamente, que este dirija o governo, nem mesmo que escolha seus representantes. Significa apenas que algumas forças políticas obtêm mandato para controlar a atividades de outras. Não é o eleitor que escolhe seus representantes livremente; ele opta a partir de um conjunto que lhe é dado, de candidatos que representam grupos de minorias organizadas. O representante é que se impõe aos representados. - MICHELS: “lei de ferro da oligarquia”: escolha pela organização ou pela democracia. DEMOCRACIA era o ideal. O que se questionava era o papel da participação. A teoria de Michels afirma que a tendência à oligarquização é uma dinâmica inevitável decorrente da necessidade de especialização técnica para a gestão das organizações em geral - aqui ele ecoa seu conterrâneo Max Weber. Por meio da especialização das lideranças ocorre um processo de transferência do poder de decisão das bases para a cúpula das organizações. Nesse processo, os representados perdem o controle sobre aqueles a quem transferem o poder. Nos partidos, o processo envolve os militantes (maioria) e os líderes (minoria que lidera). Esse fenômeno Michels chama de “a lei de ferro da oligarquia”. À medida em que as organizações partidárias crescem e se tornam mais complexas, tende a declinar a democracia interna e a crescer o poder de decisão dos dirigentes. Desta forma, os processos de escolha dos dirigentes partidários vão, paulatinamente, se tornando cada vez mais indiretos, mesmo que seus líderes defendam publicamente um sistema de eleição direta e democrática das direções. Por trás das aparências está o controle, pela elite dirigente, dos mecanismos eleitorais de acesso ao poder. A ameaça do totalitarismo ajuda a explicar a manutenção do Estado democrático. Outra ameaça verificada: Cidadãos de renda baixa tendem a se desinteressar pelas atividades políticas. Tendem a ser mais autoritários. Revisão dos clássicos pode ser necessária, mas Pateman faz uma defesa de Schumpeter. Schumpeter: democracia é um MÉTODO POLÍTICO, um arranjo institucional para se tomar decisões políticas. Schumpeter: A participação e a tomada de decisões pelo povo são irrealistas; A definição moderna e realista do método democrático para o autor, seria: “Aquele arranjo institucional para se chegar a decisões politicas, no qual os indivíduos adquirem o poder de decidir utilizando para isso uma luta competitiva pelo voto do povo”. A competição pela liderança seria, portanto, o elemento distintivo da democracia, em relação aos demais sistemas políticos. Schumpeter compara competição política à operação do mercado. Relação estabelecida por Schumpeter: Eleitores agem como consumidores, colhendo as políticas que precisam, tendo por reguladores os partidos políticos, do mesmo modo em que há as associações comerciais, na esfera do mercado. Não achava necessário o sufrágio universal. Porém, considerava que os meios de participação abertos eram o voto e a discussão. Participação não tem um papel central na teoria de Schumpeter. Um número suficiente de cidadãos participa, para manter a máquina eleitoral. Principais conceitos elaborados por Schumpeter: TEORIA CLÁSSICA (a qual critica), MÉTODO DEMOCRÁTICO e PAPEL DA PARTICIPAÇÃO. Três outros autores que discutem democracia: Berelson, Dahl, Sartori e Eckstein (e criticam o método clássico) Berelson: critica a teoria clássica, que se concentra no cidadão isolado, ignorando o sistema político. Enumera as seguintes condições para o funcionamento da democracia: limitar a intensidade do conflito, restringir a taxa de câmbio, manter estabilidade social e econômica e consenso básico. Não há uma cidadania, segundo o autor, de forma homogênea, mas sim uma heterogeneidade. Porém, o autor acredita que esta heterogeneidade é importante para que o sistema político sobreviva, uma vez que ele deve desempenhar funções contraditórias. Em suma: PARTICIPAÇÃO LIMITADA e APATIA amortecem o choque das discordâncias e tem uma função positiva para o sistema democrático. Dahl: Lacuna no trabalho de Berelson: ele não explica quais condições são exigidas para um sistema democrático, uma vez que não centra sua atenção na participação. Dahl busca solucionar tais questões, à medida em que centra a sua teoria da democracia como poliarquia (o governo de múltiplas minorias) enquanto uma teoria moderna e explicativa. A base da classificação poliárquica é feita em dois parâmetros: na inclusão popular na escolha de seus representantes e na disputa política para essa escolha. Ou seja, quão maior for a democratização da inclusão popular nas eleições e das disputas por vagas nos três poderes, mais democrática é a sociedade. O método poliárquico: Partindo da afirmação que nenhum regime pode ser plenamente democrático formalmente, Dahl propõe o método procedimental para obter uma sociedade mais próxima da democracia nas medidas possíveis, que ele chama sociedade poliárquica. Uma sociedade pode ter um maior ou menor nível de democracia, e essa sabendo disso, pode se empenhar para obter cada vez mais inclusão popular e disputas políticas e assim se aproximar de uma sociedade democrática plenamente, tornando-se uma sociedade poliárquica. Dahl definiu quatro níveis de democratização em ordem crescente: 1 - Hegemonias fechadas: Baixa participação social nas eleições e poucos candidatos em disputa política; 2 - Hegemonias inclusivas: Grande participação social nas eleições, entretanto poucos candidatos em disputa política; 3 - Oligarquias competitivas: Baixa participação social nas eleições, porém grande variedade de candidatos em disputa política; 4 - Sociedades poliárquicas: Ampla participação social e vasta gama de candidatos nas eleições. As eleições, no modelo de Dahl, servem para controle dos líderes pelos não-líderes. A competitividade é elemento elementar do modelo. A vantagem da poliarquia reside no fato de ser possível uma ampliação do número, do tamanho e da diversidade das minorias, que podem mostrar sua influência nas decisões políticas. Igualdade política para Dahl, e da teoria da poliarquia: é um sufrágio universal (um homem, um voto), e igualdades de oportunidades para influenciar os decisores, para que as reivindicações sejam ouvidas. Dahl: Pré-requisitos para um sistema poliárquico: - respeito às normas pelos líderes; - atividade política: porém, é complexa. E a complexidade advém do fato de que os grupos de condição socioeconômica baixa apresentam menores índices de participação e se revelam autoritários. Aumentar a participação seria, portanto, um perigo democrático, uma vez que poderia não haver consenso. ao sistema Sartori: É uma extensão da teoria de Dahl sobre democracia enquanto poliarquia. Porém, vai além e diz que não somente as minorias governam, mas as elites, em competição. Sartori atenta para a teoria versus prática. E atenta para o perigo de o processo político levar ao autoritarismo. O povo deve somente reagir e não agir, em confronto com as elites rivais. Formulação do cidadão médio, que tem um alcance limitado da politica. A apatia não é culpa de ninguém e temos que parar de procurar bodes expiatórios. Eckstein: Eleições decidem o resultado da competição por políticas e poder. Estabilidade do sistema não se refere à longevidade, mas à sobrevivência, da realização de aspirações políticas, na busca de objetivos comuns e no ajuste às condições de mudança. Padrão de autoridade de um governo deve ser semelhante a outros, dentro da mesma sociedade. O padrão de autoridade não precisa ser puramente democrático. Precisa de equilíbrio dos elementos díspares e revelar saudável elemento de autoritarismo. A estabilidade do sistema viria através de: 1 – a tomada de decisão só pode ser feita se o elemento autoritário estiver presente; 2 – os homens sentem necessidade de lideranças firmes e essa necessidade precisa ser satisfeita para manter a estabilidade do sistema. Eckstein: para um sistema democrático ser estável, não precisa ser, de forma pura, completamente democrático. Teoria contemporânea da democracia: Teoria contemporânea da democracia: a democracia vincula-se a um método político ou a arranjos institucionais. Há competição entre os líderes pelos votos do povo, em eleições periódicas e livres. A igualdade política refere-se ao sufrágio universal. Participação na teoria contemporânea é: A participação na escolha daqueles que tomam decisões. A função da participação é apenas de proteção do indivíduo contra as decisões arbitrárias dos lideres e a proteção dos direitos privados. O nível de participação também não deveria aumentar, a fim de manter a máquina eleitoral funcionando. Um aumento da participação dos apáticos enfraqueceria o consenso das regras democráticas. Pateman advoga: A teoria clássica da democracia é um MITO. Quem são os teóricos clássicos da democracia? Schumpeter definiu o método democrático da seguinte forma: “O arranjo institucional para se chegar a decisões políticas, o qual realiza o bem comum, fazendo com que o próprio povo decida questões através da eleição de indivíduos, os quais devem reunir-se em assembleias para executar a vontade desse povo”. Duas críticas de Schumpeter à teoria clássica: 1 – ela é irrealista. Exige do homem comum um grau de racionalidade impossível. 2 – ignora o conceito de liderança. Em contrapartida, teóricos contemporâneos advogam que o caráter democrático da mesma advém dos arranjos institucionais nacionais, especialmente da competição dos líderes pelos votos. São, assim, defensores do governo representativo. E a democracia participativa (democracia clássica, p. 33) ? Qual seu papel hoje em dia? Rousseau, J.S. Mill e Cole, representantes desta, podem nos dar a solução. Capítulo 2: Rousseau, John Stuart Mill e Cole: uma teoria participativa da democracia Rousseau e o contrato social: participação é central. Ela protege o sistema institucional e provoca um efeito psicológico nos que participam. Rousseau defendia a propriedade, que garante a segurança e a independência políticas. Rousseau também pregava a interdependência, ou seja, a participação não se daria de forma unilateral, mas com a cooperação de todos. Contrato social: as leis, e não os homens, devem governar. A situação ideal não contaria com grupos, apenas indivíduos. Assim, quando os grupos existissem, deveriam ser numerosos e com poder político grande. Participação para Rousseau: 1 – acontece na tomada de decisões; 2 – constitui um modo de proteger os interesses privados e de assegurar o bom governo. Interesse público e privado estão ligados. Participação para Rousseau está ligada a controle, que por sua vez, é ligada à ideia de liberdade. “Tanto a sensação de liberdade do indivíduo quanto sua liberdade efetiva aumentam por sua participação na tomada de decisões porque tal participação da a ele um grau bem mais real de controle sobre o curso de sua vida e sobre a estrutura do meio em que vive” (PATEMAN, 1992, p. 40)]. Considerações de Rousseau sobre a participação: 1 - a participação aumenta o valor da liberdade do indivíduo, capacitando-o a ser seu próprio senhor. 2 - permite que decisões coletivas sejam aceitas mais facilmente pelos indivíduos. 3 – possui o fator de integração: fornece a sensação de que cada cidadão isolado pertence a uma comunidade. J. S. Mill: VE a participação como um caráter educacional, muito próxima de Rousseau. “Quando um indivíduo se ocupa somente de seus assuntos privados e não participa das questões públicas, sua autoestima é afetada, assim como permanecem sem desenvolvimento suas capacidades para uma ação pública responsável”. Mill prevê uma ênfase no nível municipal, uma vez que é neste que o individuo aprende a se autogovernar, praticando o governo popular. Mill acreditava na liderança através de uma elite educada, onde os mais sábios e melhores deveriam ocupar cargos públicos. Porém, a elite deveria prestar contas à maioria, e era nesta relação que Mill enxergava a grande dificuldade em política. Mill rejeita Rousseau quando diz que para haver participação efetiva é necessária igualdade política. Os representantes eleitos deveriam apenas aceitar ou rejeitar a legislação preparada por uma comissão específica. A função dos representantes é somente a discussão. Mill todavia concorda com Rousseau quanto à função integrativa da participação. Diz que através da discussão politica o individuo torna-se membro consciente da grande comunidade. Além disso, concorda com Rousseau quanto ao efeito educativo da participação. Inovação da teoria de Mill: análise sobre a indústria, área onde o indivíduo poderia atuar na coletividade, tanto quanto no governo local. Organização industrial para Mill: Transfor mação moral Favorece as atividades do setor público A participação no local de trabalho pode ser encarada como uma participação política por excelência Cooperação no local de trabalho é semelhante à eleitos e eleitores Cole: A indústria possui a chave para um governo democrático, uma vez que é nela que o cidadão passa boa parte de sua vida. Reforça o argumento de Rousseau que a vontade e não a força é a base da organização social e política. O individuo é mais livre onde ele coopera com seus iguais na feitura das leis. Produz uma teoria das associações: sociedade é um complexo de associações que se mantem unidas pela vontade de seus membros. Cole argumenta que os indivíduos devem participar de todas as associações que lhe dizem respeito. É necessário uma sociedade participativa. Ate porque ele critica o sistema de representação. Primeiro porque não há uma função definida e segundo porque este sistema nega o direito de participar. Cole também partilha do pressuposto educativo da participação, assim como para Mill. Cole e Rousseau: não pode haver igualdade do poder político sem uma igualdade econômica. Cole: a igualdade do voto obscurece o fato de o poder politico ser dividido com muita desigualdade. A igualdade final entre os indivíduos resultaria na destruição total da remuneração por tarefa. A socialização dos meios de produção. Considerações sobre a teoria participativa democrática: Os indivíduos não podem ser considerados isoladamente. A principal função da participação na teoria democrática participativa é educativa. A indústria pode oferecer áreas de participação no âmbito nacional. Caracteriza-se o modo de participação como aquele onde se exige o input máximo (a participação) e onde o output inclui não apenas as políticas (decisões) mas também o desenvolvimento das capacidades sociais e politicas de cada indivíduo, de forma que existe um feedback do output para o input.