Transforma-se o amador na coisa amada (M. Cavalcanti Proença) Prof. Bruno Curcino Mota Alunos: Ana Paula Silveira Camila Meloni Marco Túlio Silva 1. O mundo no espelho “Tudo passa sobre a terra” (ALENCAR, J. p. 90) “E nos toma um sentido de empobrecimento de volta ao real, com ruídos e não sonoridades, sem a disciplina da narrativa e, mais que tudo, sem o espelho mágico” (PROENÇA, M. C, 1971, p. 217) “´(...) o símile, em Alencar, é um dos elementos indispensáveis que ficam e valorizam a cor local.” (PROENÇA, M. C., p. 218) “Alencar se utilizou copiosamente da comparação e, a seguir, acumularemos exemplos de cada esquema, com retomada do assunto, já em termos de conexão entre os símiles e o ponto de vista do autor a respeito de personagens” (PROENÇA, M. C., p. 221) “A filha de Araquém escondeu no coração a sua ventura. Ficou tímida e inquieta, como a ave que pressente a borrasca no horizonte” (ALENCAR, J. p. 15) (PROENÇA, M. C, p. 221) Borrasca: s.f.Temporal com ventania violenta e de pouca duração. “A voz maviosa, débil como sussurro de colibiri, murmura” (ALENCAR, J. p. 13) (PROENÇA, M. C., p. 222) Maviosa: Doce, suave, harmonioso: canto mavioso. Débil: Pouco forte, pouco perceptível: passos débeis. “[Iracema] Caminhou para ele [Martim] com o passo altivo da garça que passeia à beira d’água” (ALENCAR, J. p. 12) (PROENÇA, M. C., p. 222) Altivo:adj. Brioso, orgulhoso, altaneiro, arrogante: um homem altivo, no andar e no falar. “A filha dos sertões era feliz como a andorinha que abandona o ninho de seus pais e peregrina para fabricar o novo ninho no país onde começa a estação das flores” (ALENCAR, J. p. 23) (PROENÇA, M. C., p. 223) “Eles [= Iracema e Martim] caminham par a par, como dois jovens cervos que, ao pôr do sol atravessam a capoeira, recolhendo ao aprisco de onde lhes traz a brisa um faro suspeito” (ALENCAR, J. p. 28) (PROENÇA, M. C., p. 222) “O toque do seu [de Iracema] corpo, doce como a açucena da mate macio como o ninho do beija flor, magoou seu coração” (ALENCAR, J. p. 38) (PROENÇA, M. C., p. 223) Açucena: s.f. Planta ornamental da família das amarilidáceas, que possuem mais de 1.300 espécies. A maioria dos membros dessa família vive nas regiões quentes. Nos climas mais frios, são plantas de vaso, para decoração interior. “Como o imbu na várzea, era o coração do guerreiro branco na terra selvagem” (ALENCAR, J. p. 27) (PROEÇA, M. C., p. 223) Imbu: Bot Fruto do imbuzeiro. Var: umbu. “O tronco das árvores é imagem recorrente para guerreiros” (PROEÇA, M. C., p. 223) “Um amigo verdadeiro é precioso na desventura: é como o outeiro que abriga do vendaval o tronco forte do ubiratã, quando o cupim lhe broca o âmago” (ALENCAR, J. p. 32) (PROENÇÇA, M. C., p. 224) Ubiratã é um município brasileiro do estado do Paraná Broca: Larva que ataca o tronco ou as raízes de certas plantas. “Só o tempo endurece o coração do guerreiro como o cerne do jacarandá” (ALENCAR, J. p. 50) (PROENÇA, M. C., p. 224) Cerne: Pau submerso que não apodrece. Jacarandá: s.m. Nome comum a algumas espécies de árvores da família das leguminosas, E a fortaleza não exclui a doçura, pois: “Assim como a abelha fabrica o mel no coração negro do jacarandá, a doçura está no peito do mais valente guerreiro.” (ALENCAR, J. p. 27) (PROENÇA, M. C., p. 224) Ainda quando o segredo da jurema torna Iracema perigosa para o guerreiro, os símiles se fazem com o mel: “O mel dos lábios de Iracema é como o favo que a abelha fabrica no tronco da andiroba: tem na doçura o veneno. (ALENCAR, J. p. 15) (PROENÇA, M. C., p. 225) Poucas vezes, o que vem de Iracema não é delicadeza, doçura ou perfume... “A pupila negra da virgem cintilou na treva, e de seu lábio borbulhou, como gotas do leite cáustico de eufórbia, um sorriso de desprezo” (ALENCAR, J. p. 13) (PROENÇA, M. C., p. 225) Recapitulando, “A identidade reforçada em muitos momentos, tornando-os frutos gêmeos quando se beijam, misturando almas através dos lábios” (PROENÇA, M. C., p. 227) 2. Colibri “Osmose bem traduz o que acontece, pois ninguém a sério e sem leviandade, pode afirmar que as coincidências de Alencar e outros autores mais antigos impliquem no conhecimento desses autores, nem de influência comprovada”. “Como e porque sou romancista: “Acabei o volume de Balzac; e no resto do ano li o que então havia de Alexandre Dumas e Alfredo Vigny, além de muito Chateaubriand, de Victor Hugo.” “Mas o mestre que eu tive foi esta esplêndida natureza que me envolve, e particularmente a magnificência dos desertos que perlustrei ao entrar na adolescência, e foram o pórtico majestoso por onde minha alma penetrou no passado da sua pátria”. Atala e Iracema “os dois maiores romances da literatura indianista do romantismo” Caráter simbólico de personagens: Araquém: hospitalidade Andira: espírito de justiça Irapuã: ódio ao inimigo Martim: o guerreiro branco, camoniano em fé, honra e lealdade Moacir: traz em si Iracema, “em doação total de alma e sangue” e, “no seu sentido mais profundo, morte que faz vida, vida de um ser, semente de outros seres, Moacir é, simbolicamente vida de um “povo” que nesse ser tem sua origem - Moacir e Benôni, filho de Jacó e Raquel, cabeça de tribo judaica de que provieram reis e homens ilustres. O final de Atala se faz com o autor afastando-se das cinzas da amada, e dizendo: “Assim passa sobre a terra tudo o que foi bom, virtuoso sensível.” Lançado em 1801, o livro obteve sucesso imediato por congregar diversos elementos apreciados pelo público: exotismo, misticismo e sensualidade. Atala, filha de um europeu e uma índia, envenena-se para não ceder ao desejado amor de Chactas - pois prometera à mãe, em leito de morte e voto de Nossa Senhora, manter-se virgem. Foi o que fez, mesmo à custa de sua vida. (Chateaubriand) Em Iracema a frase final: “Tudo passa sobre a terra”. Na cena da chegada de Martim à cabana de Araquém: “A virgem aponta o estrangeiro e diz: / Ele veio, pai / - Veio bem. É Tupã que traz o hóspede à cabana de Araquém.” Em Chateaubriand: “Os viajantes pararam na soleira da porta e disseram: / Chegamos. / - E o chefe da família respondeu: / Vieram bem.” O conceito de amizade entre os natchez é forte. O laço, uma vez estabelecido é indissolúvel. (...) Do mesmo modo essas florestas americanas criam cobras de duas cabeças, cuja união se faz pela parte mediana, isto é, pelo coração” Iracema: Na cerimônia de coatir o guerreiro branco, Poti cantava: “Como a cobra que tem duas cabeças em um só corpo, assim é a amizade de Coatiabo e Poti”. Novelas de cavalaria e contos populares: “todas as vezes que seu olhar pousa sobre a virgem tabajara, ele sente correr-lhe pelas veias uma onda de ardente chama. Assim quando a criança imprudente revolve o brasido de intenso fogo, saltam as faúlhas inflamadas que lhe queimam as faces.” No canto IV da Eneida, a rainha Dido, já vulnerada de amor, alimenta o ferimento com o sangue de suas veias e se consome de um secreto fogo, apaixonada pelo hóspede, o grande Enéias. Gonçalves Dias: Quando o cheve timbira manda livrar o prisioneiro, guia velho do tupi: “Soltai-o, diz o chefe. Pasma a turba; os guerreiros murmuraram”. Iracema: quando o velho Andira se recusa a levar a guerra aos pitiguaras. “Pasma o povo tabajara pela ação desusada.Voto de paz em tão provado guerreiro˜. 3. A fortuna de Iracema Olívio Montenegro achava que Peri e Iracema “davam mais ideia de figuras retóricas do que de figuras de gente.” Mais irritado reconhece na “virgem de lábios de mel”, o traço das heroínas de Corneille. Iracema, entretanto, parece, entre os de Alencar, o livro que mais receptividade encontrou pelas suas qualidades musicais, pelo imaginoso de expressão, pela harmonia da estrutura. Da penetração popular do livro Fernando Carneiro: na colônia e com o nome Iracema Rann, Iracema Ruschel, Iracema Carrad Backes, Iracema Lersch, Iracema Jahn Fett, Iracema Knack, Iracema Jaeger, Iracema Muller, Iracema Diehl. (pessoas ainda vivas em 1960) João Martins de Athayde, em Recife, no ano de 1948, traz o título Iracema (A Virgem dos Lábios de Mel) e transpõe, em sextilhas, o romance de Alencar. “Recanto da minha terra / que Alencar tanto amou / eu vou traduzir em trovas / o que em prosa ele falou 4. A expressão “Tanto que os dois guerreiros tocaram as margens do rio, ouviram o latido do cão.” Tanto que = conjunção temporal, encontrada em Camões: “Tanto que à nova terra se chegaram / Leves embarcações de pescadores / Acharam que...” (Lus., 7, 16) Uso do verbo acalentar com tonalidades semânticas interessantes: “Avançou para Iracema e tirou do seio a voz mais terna para acalentar a saudade da virgem.” “O cristão sabia por experiência que a virgem acalentava a saudade, porque a alma dorme enquanto o corpo caminha” “Com a fronte nos joelhos esperou, até que o sono acalentou a dor do seu peito.” “Iracema cantava docemente embalando a rede para acalentar o filho”. Martim “ia sentar-se naquelas doces areias para cismar e acalentar no peito a agra saudade”. Os verbos florar e deflorar vão fornecer o eufemismo poético da violação da virgindade: “Se a virgem abandou o guerreiro branco a flor do seu corpo, ela morrerá” O uso de dois complementos para o mesmo verbo, que se filia à repetição e ao zeugma. A polissemia transparece à leitura oposição abstrato/concreto. “Os grandes olhos negros, fitos nos recortes da floresta e rasos de pranto, estão naqueles olhares longos e trêmulos enfiando e desfiando os aljôfares das lágrimas que rorejam as faces”. “A alvorada abriu o dia e os olhos do guerreiro.” “Continuaram a caminhar e com eles caminhava a noite.” “Antes que três sóis tenham alumiado a terra ele voltará e com ele a alegria à alma da esposa”. A repetição do verbo no símile é enfática, ou obedece a necessidades de califonia e ritmo, ou serve de evitar ambiguidades: “Arrojou-se nas ondas e pensou banhar seu corpo nas águas da pátria, como banhara sua alma na saudade dela” “A cabana de Poti ficará deserta e triste” “Deserto e triste será o coração de teu irmão longe de ti” “O cão é teu amigo” “Mais amigo e companheiro será de Poti, servindo a seu irmão”. Para evitar que o livro como dicionário de tupi-guarani, apelou para a aposição: “minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes de carnaúba” “rio que nasce na quebrada da serra e desce a planície, enroscando-se como uma cobra. Suas voltas contínuas, enganam a cada passo o peregrino que vai seguindo o tortuoso curso; por isso foi chamado Mundaú” O nome do cão: “Tu o chamarás Japi; e será o pé ligeiro com que de longe corramos um para o outro” Haverá a fuga para formas estilísticas para suprimir o como: “Diante dela (...) está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum espírito da floresta”. “nas folhas crepitava um passo ligeiro, se não era o roer de algum inseto” “A tarde é a tristeza do sol. Os dias de Iracema vão ser longas tardes sem manhã, até que venha para ela a grande noite”. “Há muito que a palavra desertou seu lábio seco; o amigo respeita este silêncio que ele bem entende. É o silêncio do rio quando passa nos lugares profundos e sombrios” 5. Artesanato em José de Alencar 6. Os símbolos “Homem de seu tempo, o índio que ele [José de Alencar] nos apresenta é, de fato, um índio que não era mas devia ser, como apontou Grieco (...) Entretanto (...) Iracema não acompanhará Martim até Portugal, entre os brancos: a morte o impedirá. Ficaram, porém, (ainda com Grieco) ‘a parte mítica de um Brasil sem heróis de carne e osso em condições de competir com esses heróis de sonho” (PROEÇA, M. C., p. 268) Personagens-símbolos: Jandaia, “companheira e amiga de Iracema” representa a tribo, a tradição ameríndia. Iracema representa a mulher indígena, e a sua sedução pelo homem branco é realidade viva. Através dela se forma a raça brasileira. Martim é o cavaleiro-cavalheiro e, se infringe o código do amor cortês, não o faz consciente, mas durante o sono provocado pela beberragem de jurema. As suas qualidades de bravura, lealdade, e até o amor da Pátria – que se superpõe ao da esposa- são outras tantas virtudes que serão transmitidas a Moacir. Caubi, irmão de Iracema, contém requinte de ternura e é um destemido guerreiro. “Assim, acumula-se em Moacir virtudes de toda a família de Iracema, que se combina com o sangue dos heróis lusos. Moacir é o brasileiro, com todas as virtudes em potência, virtudes que o tempo irá desenvolver.” (PROEÇA, M. C., p. 269) “Em Martim e Iracema, Alencar simbolizava Jacó e Raquel, fundadores de uma tribo ilustre entre seus povos; a de Jacó em Israel e a do Ceará no Brasil.” (PROEÇA, M. C., p. 270) Referências PROENÇA, M. Cavalcanti. Estudos Literários. Livraria José Olympio, Rio de Janeiro, 1971 (p. 54 a 151) ALENCAR, J. Iracema. Editora Sol, São Paulo. Disponível em: <<http://www.dicio.com.br>> Acessado em 02/07/13