FACULDADE DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE ARAÇATUBA PSICOLOGIA E SAÚDE DO TRABALHADOR Profª Me. Simone Pantaleão Macedo Célia Regina Zavarez Breda – 4429 Geisa Maria B. Moterani – 4315 Iracema Berchiol da Silva - 4309 A inter-relação trabalho-saúde mental: um estudo de caso • Os estudos referente à qualidade de vida no trabalho cada vez mais vem enfatizando a importância das inter-relações trabalho-saúde mental. • Os fatores subjetivos e psicossociais vêm sendo identificados na análise de acidentes de trabalho; do absenteísmo e na busca de explicações para disfunções diversas, bloqueio de comunicação, perdas de qualidade de produtos e incidentes que prejudicam o processo produtivo. • Nas estatísticas brasileiras de auxílio-doença, o peso da morbidade psiquiátrica é aspecto relevante e notório. O desgaste mental, incidindo em empregados experientes e responsáveis, ocasiona incalculáveis perdas, tanto em termos humanos quanto financeiros, simultaneamente expressos a nível da saúde e da produção. • O contexto social e o “território” próprios da empresa do qual decorre o cotidiano do trabalho e das relações interpessoais encontram-se em constante inter-relação. • Assim, os reflexos das conjunturas se fazem sentir no interior das empresas, da mesma forma que o mundo do trabalho irá repercutir externamente. • Situações de tensão vivenciadas coletivamente se expressam em adoecimentos individualizados. • Existem situações no interior das empresas, em que crescem as tensões e suas repercussões a nível dos desempenhos, dos conflitos interpessoais e da eclosão de queixas “nervosas” ou psicossomáticas – exacerbando o cansaço e a tensão emocional dos empregados. Situações em que há maior prevalência de distúrbios da esfera “psi”. • Vem sendo estudadas em determinados setores de atividades, formas de organização do trabalho, ou ainda, com respeito a algumas profissões, nas quais os riscos mentais tem sido constatados com maior evidência. • É indispensável considerar que existe também um caráter cumulativo em muitos destes processos, quando examinados em perspectivas longitudinal. A COMPLEXIDADE DA TEMÁTICA 1) Existe um interatuação dinâmica e continuada entre instância psíquica (individual) e experiência laboral (coletivo microssocial) 2) As dinâmicas que se processam articulam vivências individuais, que pela via de intersubjetividade atingem a instância coletiva. 3) O sofrimento vivenciado pelos indivíduos, dá ensejo para que a nível coletivo duas formações tenham lugar: o sistema coletivo de defesa contra o sofrimento e o sistema de resistência emancipatória e de compromisso ético. • A extensão e complexidade da temática exige que se considere um campo interdisciplinar para tais estudos: o campo da Saúde Mental do Trabalho. • Os avanços tecnológicos cada vez mais aumentam as exigências cognitivas, determinando esforços mentais sempre maiores. • Existem tarefas que por sua natureza e conteúdo envolvem a esfera psico-afetiva: situações que envolvem riscos para a própria vida, as que exigem intenso alto controle emocional. • A estrutura temporal do trabalho abrange aspectos temporais como a duração das jornadas, sua distribuição em turnos diurnos e noturnos. • Os turnos de revezamento, estudos comprovam a nocividade deste sistema para a saúde psicossocial. • Há que considerar o controle como uma moeda de duas faces: o exercido sobre o assalariado e o que este exerce sobre a realização de suas próprias atividades laborais. • Nas situações em que, ao invés de um reconhecimento social positivo, o trabalhador se sente como alvo de rejeição, o enfrentamento se torna penoso e configura ameaça à saúde mental. • O exame das inter-relações trabalho-esfera mental, não podem deixar de lado o indivíduo, sua personalidade e a singularidade de seu histórico pessoal de vida e trabalho. • Os aspectos do ambiente físico, químico e biológico do local de trabalho devem ser considerados nas repercussões na esfera mental. CASO CLÍNICO: UMA HISTÓRIA DE ¨CRISE DE NERVOS¨ • Júlio, 55 anos, casado, 4 filhos • Mecânico aposentado do setor siderúrgico • Nasceu em Santa Catarina e reside em São Paulo há 31 anos. HISTÓRIA DE TRABALHO • Começou a trabalhar as 13 anos no pastoreio de ovelhas e carneiros. • Aos 24 anos veio para São Paulo. • Trabalhou 03 meses numa padaria, de balconista. • Foi para uma tecelagem - perdeu 03 dedos da mão esquerda numa máquina. Foi registrado pela primeira vez e trabalhou 06 meses. • Após voltar do tratamento foi mandado embora. • Ficou 06 meses sem trabalhar. Fez um curso de mecânica. • 1951 entrou para a siderúrgica como porteiro e apontador, fez esse serviço por 03 anos. • Foi trabalhar como operador de máquinas, ficou 15 anos. • Fez um curso por correspondência durante 02 anos, passando a ser mecânico. • A empresa dispensou a terceirizada que fazia a manutenção dos compressores, passando a responsabilidade a Júlio, que passou a ganhar só um pouquinho a mais. • Foi convidado para trabalhar nessa empresa terceirizada, mas a siderúrgica fez uma proposta de chefia e um bom ordenado. A promessa não foi cumprida. • Só depois passou a ser contramestre, mas com um salário bem menor do que haviam prometido. • “ Sabe, devido aos defeitos da mão, eu sabia que não arranjava lugar em qualquer firma e tive que me sujeitar a passar muita humilhação”. • Ensinou outros, que apoiados pela diretoria passaram a ser seu chefe. • Tinha horário para entrar e não para sair. • Ficou 05 anos nessa função. A responsabilidade era muito grande. • “Nos últimos anos se aproveitaram muito do meu defeito na mão: não me promoviam”. • A empresa não gostava quando Júlio protestava, quando foi testemunha a favor de outros operários prejudicados pela firma e quando ensinava os seus direitos. • Foi perseguido por um engenheiro estrangeiro porque tinha feito críticas aos erros técnicos dele. CONDIÇÕES DE TRABALHO • Era uma sala coberta, fechada, ninguém suportava o calor. Colocaram ventiladores, melhorou o calor mas piorou o barulho. • Os ventiladores foram colocados para aumentar o ar para os compressores. • Quando não havia nenhum problema para consertar, a rotina era verificar a cada 20 minutos os registros de água, da temperatura e do óleo. • O ambiente da sala era horrível: o ar não era suficiente e o barulho insuportável, causando problemas na audição. • A manutenção dos compressores era feita nesta sala. “Nos últimos anos sentia cansaço, dor de cabeça, tonturas, ficava mal humorado”. • “O médico otorrino me disse que no ouvido direito, só tenho 10% de audição”. • “Na sala dos compressores tinha muita coisa para aumentar o nervoso da gente. Perigo maior, colocaram um reservatório de ar dentro da sala, podia haver uma explosão. Havia trepidação, parecia que o cérebro estava também batendo a mesma coisa que a trepidação de fora. E também um gás que dá sono na gente. O calor era tanto, o suor escorria, dava náuseas e fazia perder o apetite, desmaiei duas vezes e caí em cima do compressor machucando a perna”. • Faltavam peças para a manutenção, mas ele era pressionado a dar um jeito. Improvisava peças velhas para substituir as quebradas. Não compravam material novo – corte de gastos. • A pressão que sofria , afetava seu sistema nervoso. Quando voltava para casa, levava o problema na cabeça. Perdia o sono. • “Se o serviço desse certo, a vantagem era para eles. Se não desse, a culpa era minha”. • “Antes ficava calado, mas depois daquela crise de nervos falava mesmo”. AS PERTURBAÇÕES 1) O sono perturbado e a irritação. • Antes do turno de revezamento dormia bem. • Passou a trabalhar no horário noturno. Não conseguia dormir bem de dia. O barulho era intenso. • Se estivesse em casa e alguma máquina quebrasse, era chamado para consertar. • A família sofria junto. Ficava muito nervoso. Chegou a pegar uma faca. MÁGOAS E EMOÇÕES REPRIMIDA • Sentia mágoa por nunca ter sido promovido. • Não reclamava, ficava calado. • Ficou esgotado: cérebro, sistema nervoso e corpo não aguentaram mais. CRISE DE NERVOS • Houve um problema na firma. Ele a equipe tiveram que trabalhar durante 47 horas seguidas, num trabalho penoso. • Mandaram ligar as máquinas sem estar tudo pronto. Quase fundiu. Jogaram a culpa nele. • Jogaram a culpa nele. • Foi ficando nervoso, perdeu o controle, gritou, bateu as ferramentas, estragou um serviço que tinha acabado de fazer e caiu de onde estava, desmaiado. Foi levado para o ambulatório. • Foi internado por uns dias. Desde esse tempo, faz tratamento com o psiquiatra. • Voltou ao serviço, mas continuou passando mal, ficando nervoso sempre. Não podia andar sozinho, pois tinha medo. “Dava em mim uma decepção tão grande que dava vontade de morrer”. SUFOCOS E DESMAIOS • Ficava nervoso, desmaiava, caía duro. Sentia aperto na garganta, sempre que sofria injustiça. Sentia sufocar, repuxar os nervos do pescoço. • Trabalhava muito, não tinha tempo de folga, nem de lazer. Não tinha tempo para a família. Foi se isolando em casa, quanto mais o nervoso aumentava. BUSCANDO EXPLICAÇÕES • “Acho que o que influiu foi o barulho dos compressores, o horário dos turnos, a sobrecarga da jornada, a pressão dos encarregados pedindo mais produção”. Comentários • O conjunto de sintomas revelado conduzem no reconhecimento do cansaço crônico, síndrome da fadiga patológica: vivência do cansaço, perturbação do sono, irritabilidade, dores de cabeça, dores no corpo, desânimo e desmaios. • É necessário reconhecer o papel da frustração de suas expectativas de ascensão funcional. • O depoimento de Júlio, envolve fenômenos distintos, que se inter-relacionam para constituir novos fenômenos, os quais vão desembocar ora em desgastes, ora em defesas e/ou resistências, alterando as vertentes mental, psicossocial e psicossomática da saúde: a) Acidente de trabalho e mutilação ainda na juventude. b) Hierarquização rígida da empresa e adoção de normas disciplinares coercitivas. c) Posição de Júlio na hierarquia do setor de manutenção: ser ele contramestre e ser o único mecânico capacitado para a manutenção dos compressores de ar. • Para entendimento de constituição do sofrimento psíquico, é importante reconhecer a sucessão de perdas: perda dos dedos, perda da capacidade auditiva, perda do bom humor e da alegria, perda da vida social, perdas familiares. Assim, gradualmente, mutilações sucessivas atingiram o corpo, a vida mental e o espaço relacional de Júlio. • A organização do ambiente de trabalho convergiu para construir seu cansaço e sua tensão nervosa. As longas jornadas, o regime de turnos alternados, as pausas insuficientes para o descanso, as pressões e as responsabilidades aumentaram sua sobrecarga de trabalho. DEFESAS PSICOLÓGICAS • Mecanismos psicológicos de defesa costumam ser acionados pelas pessoas sempre que é necessário lidar com a angústia ou suportar situações externas capazes de gerar sofrimento psíquico. • A sublimação é reconhecida como mecanismo de elevada importância da preservação da saúde mental. MECANISMOS PSICOLÓGICOS DE DEFESA UTILIZADOS NO CASO CLÍNICO • A repressão dos sentimentos de revolta e mágoa foi o mecanismo adotado por Júlio durante muito tempo. • O temor de perder o emprego ou de ser prejudicado exigiu intenso esforço de auto controle emocional. • Como não podia extravasar sua raiva e indignação no local de trabalho realizou deslocamento para o ambiente familiar. • A medida que foi progredindo o desgaste mental, o esforço desenvolvido e as pressões enfrentadas desencadearam o colapso final de suas enfraquecidas defesas. • Foi no momento da crise que se rompeu a couraça da autorepressão e eclodiu a explosão dos sentimentos abafados. • Por muito tempo procurou negar a exploração de que era alvo. • Sentia satisfação e orgulho pela suposta valorização por ser o único mecânico especializado em compressores. • Essa vivência de auto-realização foi intensificada pelo fato de ter atuado como um professor, transformando-se mais tarde em motivo de decepção e injustiça – discípulos viraram seus superiores. • O ambiente familiar foi o único lugar em que ele podia dar evasão das manifestações de sua ansiedade, deslocando toda sua raiva e sua revolta. • Na fase crítica de perturbação mental sua família foi quem o ajudou a suportar as tensões, inclusive para lidar com os sintomas fóbicos que o acometeram. • Para suportar a exploração que sofria, começou a realizar protestos e reclamações, ensinando os direitos e testemunhando a favor de operários prejudicados – resistência individual. A QUESTÃO DO DIAGNÓSTICO • O desafio é integrar adequação científica e responsabilidade social. • Atualmente é possível registrar o caráter reativo das sintomatologias e o assinalamento do tipo de situação envolvida (laboral). A QUESTÃO TERAPÊUTICA • O tratamento consistiu em medicação e psicoterapia, onde se constatou que o “abafamento” contribuiu para a eclosão da crise. A QUESTÃO PREVENTIVA • Objeções associadas ao temor de custos.