MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS Manuel Antônio de Almeida Dialética da malandragem Antônio Cândido Caio César da Costa Ferreira Francyellen Karine da C. Ferreira Márcia Alvarenga Mayara Rezende Naiara Fernanda Santos José Véríssimo - 1894 Mário de Andrade; Apuleio e Petrônio – Antiguidade; Lazarillo de Tormes – Renascimento; Darcy Damasceno – 1956; “Não há que considerar-se picaresco um livro pelo fato de nele haver um pícaro mais adjetival que substantival, mormente se a este livro faltam as marcas peculiares do gênero picaresco; nem histórico seria ele, ainda que certa dose de veracidade haja servido à criação de tipos ou à evocação de época; menos ainda predomínio do imaginoso e do improvisado sobre a retratação ou a reconstituição histórica.” CANDIDO. p. 67 “Concordo com estas opiniões oportunas e penetrantes (infelizmente muito breves), que podem servir de ponto de partida para o presente ensaio. (...) o meu intuito é caracterizar uma modalidade bastante peculiar, que se manifesta no livro de Manuel Antônio de Almeida.” CANDIDO.p.67 Principais Características Memórias de um Sargento de Milícias Romance Picaresco Narrado em 1ª pessoa; Se torna malandro; O pícaro aprende com os erros; Possui interesse; Anti-herói. Narrado em 3ª pessoa; Leonardo já nasce malandro; Leonardo não aprende com os erros; Possui Amor; Anti – Herói; Malandro “Até nas próprias travessuras do menino, as mais das vezes malignas, achava o bom do homem muita graça; não havia para ele em todo o bairro rapazinho mais bonito, e não se fartava de contar à vizinhança tudo o que ele dizia e fazia; às vezes eram verdadeiras ações de menino malcriado, que ele achava cheio de espírito e de viveza (...)” p.23 “Não parava em casa cousa alguma por muito tempo inteira; fazia andar tudo numa poeira; pelos quintais atirava pedras aos telhados dos vizinhos; sentado à porta da rua, contendia com quem passava e com quem estava pelas janelas, de maneira que ninguém por ali gostava dele.” p.24 “Enquanto o compadre, aflito, procura por toda a parte o menino, sem que ninguém possa dar-lhe novas dele, vamos ver o que é feito de Leonardo, e em que novas alhadas está agora metido.” p.27 Leonardo não é um pícaro, saído da tradição espanhola; Primeiro grande malandro da novelística brasileira; aventureiro e astucioso, comum no folclore brasileiro. “Já notamos, com efeito, que Leonardo pratica a astúcia pela astúcia (mesmo quando ela tem por finalidade safálo de uma enrascada), manifestando um amor pelo jogo em si que o afasta do pragmatismo dos pícaros, cuja malandragem visa quase sempre ao proveito ou a um problema concreto, lesando frequentemente terceiros na sua solução.” CÂNDIDO, P. 71 Pratica a astúcia pela astúcia; Algumas de suas malandragens são pra livrar-se de enrascadas; Diferente do pícaro, ele não utiliza a malandragem para tirar proveito das situações e/ou acabar lesando alguém. “(...) O padrinho ia saindo para começar nas pesquisas quando esbarrou com ele. __ Menino dos trezentos... Onde te meteste tu?... __ Fui ver um oratório... Não diz que eu hei de ser padre?!... O padrinho olhou-o por muito tempo, e afinal, não podendo resistir ao ar de ingenuidade que ele mostrava, desatou a rir, e levou-o para dentro já completamente apaziguado. (Almeida, P. 45) “Essa gratuidade aproxima ‘o nosso memorando’ do trickster imemorial, até de suas encarnações zoomórficas – macaco, raposa, jabuti - , dele fazendo, menos um ‘antiherói’ do que uma criação que talvez possua traços de heróis populares, como Pedro Malasarte.” CÂNDIDO, P. 72 Segundo Antônio Cândido, esse tipo de personagem vivem numa espécie de gangorra, ora pendem para um lado, ora para o outro. “(...) Chegou a sacristia, que estava cheia de gente; vendo os dois meninos investiu para eles e prendendo a cada um com uma das mãos pela gola da sobrepeliz... __ Então... então... dizia com os dentes cerrados... a que horas é o sermão? __ Eu disse às nove, sim senhor: pode perguntar à moça, que ela bem ouviu... __ Que moça, menino, que moça? Disse o padre exasperado por estar tanta gente a ouvir aquilo. __ Aquela moça cigana, lá onde V. Rev. estava; ela ouviu, eu disse às nove. (Almeida, p. 81) Veia folclórica de contos de fadas; - Início: “Em no tempo do rei”; - Fadas boas: padrinho e madrinha; - Fada agourenta: vizinha; - Bicho papão: Major Vidigal; Indeterminação dos contos de fadas: um rei, uma princesa, um lenhador... Anonimato dos personagens- designados pela posição social e/ou profissão: o padrinho, a madrinha, a cigana, a vizinha, entre outros personagens importantes na narrativa que não possuem características psicológicas próprias e individuais. Dois protagonistas: Leonardo pai e Leonardo filho (contraste com a estrutura do anti-herói pícaro que é o alvo da narrativa) e aproxima-se aos modelos de malandragem mais populares. O Romance de tipo realista ( arcaico ou moderno), sempre comunica com uma certa visão da sociedade; Constituído por alguns veios descontínuos, mas discerníveis: Os fatos narrados, envolvendo os personagens; Os usos e costumes descritos; As observações judicativas do narrador e de certos personagens. “Quando o autor os organiza de modo integrado, o resultado é satisfatório e nós podemos sentir a realidade”. (CANDIDO, 1970). “A força de convicção do livro depende pois essencialmente de certos pressupostos de fatura, que ordenam a camada superficial dos dados. Estes precisam ser encarados como elementos de composição, não como informes proporcionados pelo autor, pois neste caso estaríamos reduzindo o romance a uma série de quadros descritivos dos costumes do tempo.” (CANDIDO, 1970). Mais do que um simples romance de costumes, Memórias de um Sargento de Milícias é uma análise da sociedade carioca do século XIX. Revela, com ironia e certo tom de deboche, como ela se organizava entre a ordem e o “jeitinho”. Podemos considerar que Memórias de um Sargento de Milícias libertou-se dos padrões lusitanos e empregou personagens suburbanas e o linguajar do povo. Antônio Candido, a natureza popular da obra constitui em uma das principais causas do longo alcance atingido, e assim da eficiência e durabilidade com que a mesma atua sobre a imaginação dos leitores. Segundo Podemos afirmar, que a NATUREZA POPULAR atinge o leitor principalmente através uso de situações e personagens de cunho arquetípico, sendo que estes causam um estímulo. PERSONAGEM ARQUÉTIPO: Um personagem arquetípico é a manifestação estereotipada de um determinado "tipo" de pessoa. Esses personagens estereotipados muitas vezes exibem semelhantes personalidades, comportamentos e características, independentemente de quão únicos podem parecer à primeira vista. DIALÉTICA DA ORDEM E DA DESORDEM “Há no livro um primeiro estrato = onde fermentam arquétipos = situações do capricho da sina.” “Um segundo estrato = representações da vida capazes de estimular a imaginação de um universo menor dentro deste ciclo= brasileiro” Brasileiro no livro é constituído pela dialética da ordem e da desordem, manifestada através das relações humanas formando um sistema de referência. O SISTEMA DE RELAÇÕES DOS PERSONAGENS MOSTRA: 1 - a construção, na sociedade descrita pelo livro, de uma ordem comunicando-se com uma desordem que a cerca de todos lados; 2 - a sua correspondência profunda, muito mais que documentária, a certos aspectos assumidos pela relação entre ordem e desordem na sociedade brasileira da primeira metade do século XIX. “...é fora de dúvida que o autor teve maestria suficiente para organizar um certo número de personagens segundo instituições adequadas da realidade social. ” Cândido, p.75 HEMISFÉRIOS NA NARRATIVA “A dinâmica do livro pressupõe uma gangorra dos dois polos, enquanto Leonardo vai crescendo e participando ora de um, ora de outro, até ser finalmente abserivido pelo polo convencionalmente positivo.” (CÂNDIDO, P. 76) EFEITO GANGORRA E INTERVENÇÃO DE VIDIGAL Há de evitar sair sozinho à noite e ser mais atento à sua segurança que em qualquer outra parte, porque são frequentes os roubos e crimes, apesar de a polícia ser lá tão encontradiça como areia do mar”. “ LEONARDO E SUA VIDA DE OSCILAÇÕES “Vista deste ângulo, a história de Leonardo Filho é a velha história do herói que passa por diversos riscos até alcançar a felicidade, mas expressa segundo uma constelação social peculiar, que a transforma em história do rapaz que oscila entre a ordem estabelecida e as condutas transgressivas, para finalmente integrar-se na primeira, depois de provido da experiência das outras.” A MISTURA DE CINISMO E BONOMIA “Leonardo gosta de Luisinha desde menino, desde o belo episódio do "Fogo no Campo', quando vê o seu rostinho acanhado de roceira transfigurado pela emoção dos rojões coloridos. Mas como as circunstâncias (ou, nos termos do livro, a "sina") a afastam dele para o casamento convencional com José Manuel, ele, sem capacidade de sofrer (pois ao contrário do que diz o narrador não tem a fibra amorosa do pai), passa facilmente a outros amores e à encantadora Vidinha. ” CANDIDO, P.11 Ordem e desordem, portanto, extremamente relativas, se comunicam por caminhos inumeráveis, que fazem do oficial de justiça um empreiteiro de arruaças, do professor de religião um agente de intrigas, do pecado do Cadete a mola das bondades do Tenente-Coronel, das uniões ilegítimas situações honradas, dos casamentos corretos negociatas escusas. (Cândido, p. 11. Grifo meu) Uma ópera Bufa VIDIGAL “O SEU NOME FAZ TREMER E FUGIR.” AS TRÊS SAIAS COMADRE “Modesta socialmente, enredeira e complacente, reforça-se procurando a ....” Dona Maria“Próspera. Dama capitalista. Um empenho forte para o representante da lei, sempre acessível aos proprietários bem situados” MARIA REGALADA “Utiliza-se de artimanhas do prazer. Dama galante” Sendo assim, segundo o autor ordem e desordem se articulam solidariamente. Cândido afirma que há uma ruptura na ordem, quando a fortaleza da ordem vai abaixo não apenas porque libera Leonardo das acusações, como também o transforma em Sargento, que atingirá o casamento com Luisinha (hemisfério positivo). “Talvez fosse possível dizer que a característica peculiar das Memórias seja devida a uma contaminação recíproca da série arquetípica e da série social: a universalidade quase folclórica evapora muito do realismo; mas, para compensar, o realismo dá concreção e eficácia aos padrões incaracterísticos. ” Candido.p.80 Lógica da inculpabilidade; Um universo que parece liberto do erro e do pecado; Bem e o mal; Simetria ou equivalência. Leonardo Pataca Padrinho Leonardo Madrinha Maria das Hortaliças Luisinha Maria Regalada Chiquinha Vidinha Cigana Mestre de rezas José Manuel Tomás da Sé Major Vidigal Outros: Toma-largura(funcionário da ucharia,ou despensa real) Teotônio e Chico-Juca(malandros, amigos de Leonardinho) Podemos verificar que o interesse dos personagens uns pelos outros é como se fosse uma troca de favores, era como se um devesse ou se relacionasse de alguma forma com o outro: “ Como o velho tenente-coronel conhecia a comadre e o Leonardo, e por que se interessava por ele o leitor saberá mais para diante . “ ... “ O velho apenas a comadre saiu , tomou o chapéu armado pôs a espada à cinta e saiu ...” págs. 49 e 50. Já o interesse do autor pelos personagens está na forma de como ele escreve e faz o narrador os descrever, por exemplo: O narrador só conta ao leitor sobre como o compadre “se arranja”, só conta isto depois que a nossa simpatia já lhe está assegurada pela dedicação que dispensou ao afilhado. Sentimento de conspurcação do amor, tão frequente nos ultraromânticos: . Contensão. . Sentimento corrompido. . Perde-se a integridade . . Perde-se as virtudes. . Sofrimento. .Alienação. .Renúncia. Cândido nos mostra que esse sentimento é o mesmo que acontece quando uma sociedade jovem procura disciplinar a irregularidade da sua seiva para se equiparar às velhas sociedades que lhe servem de modelo, desenvolve normalmente certos mecanismos ideais de contensão, que aparecem em todos os setores. Cândido ainda nos fala que encontramos essa repressão mutiladora da personalidade em outros romances de Alencar, os chamados urbanos, como Lucíola e Senhora, onde a mulher opressa da sociedade patriarcal confere ao enredo uma penumbra de forças recalcadas. O mundo sem culpa de Manuel Antônio, livre de remorso, de repressão e sanção interiores, colore e mobiliza o firmamento do Romantismo, como os rojões do "Fogo no Campo"ou as baianas dançando nas procissões em Memórias de um Sargento de Milícias . “ Um dia de procissão foi sempre nesta cidade dia de grande festa de movimentação e de agitação ; e se ainda é hoje o que os leitores bem sabem, na época em que viveram as personagens desta história a coisa subia de ponto; enchiam-se as ruas de povo...” pág .90 Referências ALMEIDA, Manuel Antônio Almeida. Memórias de um Sargento de Milícias; biografia e introdução de Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Ediouro; São Paulo: Publifolha, 1997. CANDIDO, Antonio. Dialética da Malandragem ( Caracterização das Memórias de um Sargento de Milícias). In: Revista do Instituto de estudos brasileiros, nº8, São Paulo, USP, 1970, pp.67-89.