ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES 12 ABRIL 2010 ANA MENDONÇA LOPES 1224 PATRÍCIA PACHECO TOMÉ 1221 PEDRO VAZ DE ALMADA 1294 • Os autos iniciaram-se com a denúncia apresentada por A, na qual participa criminalmente contra desconhecidos por factos passíveis de integrar a prática de um crime de difamação (180.º n.º1, 182.º, 183.º n.º1 a), 184.º com referência ao 132 - I, do Código Penal). • De acordo com a denúncia, os utilizadores B, C, D, E, F, tiveram várias intervenções em fóruns do site X, onde produziram vários textos de carácter difamatório contra o denunciante. • No decurso do processo, foi solicitada à PJ, a identificação dos referidos utilizadores de contas que participaram nos fóruns com recurso a endereços de IP, pertencentes a ISP’s (Internet Service Provider), sedeados em Portugal. • A PJ solicitou à PT a identificação com referência ao grupo data - hora associados à colocação de comentários no site, bem como relativos à criação das contas referidas, assim como a identificação e contacto do responsável do fórum. Resposta da PT • Em resposta, a PT condicionou o fornecimento de tais dados à existência de autorização do JIC (Juiz de Instrução Criminal). • Referiu que o fornecimento de dados de tráfego carece de autorização daquele Juiz, à semelhança do que acontece com os dados de conteúdo, nos termos do artigo 27.º, n.º1, alínea g) da Lei n.º 5/2004 de 10 de Fevereiro (Lei das Comunicações Electrónicas) e do artigo 4.º da Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto (Tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas). • A PT refere ainda que, actualmente, o quadro legal (Lei n.º 91/97 e Lei n.º 69/98), confere aos dados de tráfego igual protecção jurídica que na vigência da legislação anterior era cometida apenas aos dados de conteúdo. • Ou seja, electrónicas a inviolabilidade abrange das actualmente comunicações não só as comunicações - dados de conteúdo - mas também os respectivos dados de tráfego, razão pela qual o seu fornecimento carece de autorização do JIC. Posição do MP • O MP começa por citar o Parecer n.º 21/2000 da Procuradoria Geral da República: “os elementos de informação respeitantes aos utilizadores de serviços de telecomunicações, geralmente designados como dados de tráfego e dados de conteúdo, e bem assim os dados de base relativamente aos quais os utilizadores tenham requerido um regime de confidencialidade (…) estão sujeitos ao sigilo das comunicações (…)”. [sublinhado nosso] • E, “na fase de inquérito, tais elementos de informação, quando atinentes a dados de tráfego e a dados de conteúdo, apenas poderão ser fornecidos às autoridades judiciárias, pelos operadores de telecomunicações, nos termos e pelo modo em que a lei de processo penal permite a intercepção das comunicações, dependendo de ordem ou autorização do Juiz de Instrução (…)”. [sublinhado nosso] • Mas, a terceira conclusão acrescenta que “em relação aos dados de base, ainda que cobertos pelo sistema de confidencialidade a solicitação do assinante, tendo em consideração que o sigilo profissional em causa releva de um simples interesse pessoal do utilizador que não contende com a respectiva esfera privada intima, os correspondentes elementos de informação poderão ser comunicados, a pedido de qualquer autoridade judiciária, para fins de investigação criminal”. [sublinhado nosso] De acordo com a quarta conclusão do Parecer 16/94 da PGR, são: • Elementos de base os relativos ao posto e ao número de acesso; • Elementos de tráfego os que respeitam à direcção da comunicação, localização, data e duração; • Elementos de conteúdo os que se referem ao conteúdo da própria mensagem ou transmissão. Artigo 189.º N.º 1 CPP • As normas referentes à realização de intercepções telefónicas são aplicáveis “às conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, mesmo que se encontrem guardadas em suporte digital”. Artigo 189.º N.º 2 CPP • Necessidade de autorização do JIC para a “obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos comunicações”. da realização de conversações ou • O MP conclui, referindo que, no caso em apreço, apenas se pretende obter a informação dos utilizadores referidos. Trata-se, segundo o MP, de informação atinente a meros dados de base, cujo acesso, actualmente, já não suscita quaisquer dúvidas. • Requer, assim, que o JIC se digne a solicitar à PT os dados pretendidos, quer se trate de dados de bases, quer se trate de dados de tráfego, neste caso, considerando-se legítima a quebra de sigilo nas comunicações. • O JIC considerou que se tratam de elementos relativos a dados de tráfego de comunicações electrónicas. • Concluiu, assim, que não é possível obter os dados pretendidos pela PJ, solicitados pelo MP. Questão a decidir • A identificação dos Protocolos de Internet com referência ao grupo data - hora, associados à colocação dos comentários no site, pelos utilizadores, B, C, D, E, F e a identificação dos Protocolos de Internet com referência ao grupo data - hora relativos à criação das contas referidas constituem DADOS DE BASE ou DADOS DE TRÁFEGO? Benjamim Silva Rodrigues • “Numa classificação aglutinadora dos dados pessoais que estão subjacentes àqueles preceitos, podemos distinguir três tipos de dados: os DADOS DE BASE, os DADOS DE TRÁFEGO e os DADOS DE CONTEÚDO”. • Os DADOS DE BASE consistem nos elementos fornecidos pelo utilizador à empresa que fornece o acesso à rede e/ou ao serviço de comunicações electrónicas, v.g., nome, morada, e os dados que aquela empresa fornece, em sentido inverso, ao utilizador para efeito de interligação à rede e/ou ao serviço de comunicações electrónicas, v.g., número de acesso, nome de utilizador, password. • Os DADOS DE TRÁFEGO dizem respeito aos elementos funcionais da comunicação e permitem o envio da comunicação através de uma rede de comunicações electrónicas, v.g., data e hora do início da sessão (login) e do fim (logoff) da ligação ao serviço de acesso à Internet , endereço de IP atribuído pelo operador, volume de dados transmitidos, entre outros. • Os DADOS DE CONTEÚDO baseiam-se no conteúdo da comunicação transmitida pela rede de comunicações electrónicas. DIRECTIVA 2002/58/CE • Apenas se menciona no elenco das definições os dados de tráfego. • Artigo 2.º b) - DADOS DE TRÁFEGO “são quaisquer dados tratados para efeitos do envio de uma comunicação através de uma rede de comunicações electrónicas ou para efeitos da facturação da mesma”. • Os DADOS nomeadamente, DE TRÁFEGO relativos ao “podem encaminhamento, ser, à duração, ao tempo ou ao volume de uma comunicação, ao protocolo utilizado, à localização do equipamento terminal do expedidor ou do destinatário, à rede de onde provém ou onde termina a comunicação, ao início, fim ou duração de uma ligação” (considerando 15 da Directiva). • Incluem-se aqui os dados identificativos, pois, só a possibilidade de identificar o titular dos dados transformará esta informação em informação de carácter pessoal, objecto, por isso, de especial protecção das Directivas comunitárias respeitantes à protecção de dados pessoais. Parecer N.º 10/03 da Comissão Nacional de Protecção de dados • Este parecer analisa o Projecto de Lei n.º 217/IX, apresentado pelo CDS, que aprova o Regime Jurídico da Obtenção da Prova Digital Electrónica. • O artigo 1.º do Projecto de Lei define dados de tráfego, dados de base e dados de conteúdo. • Estas definições não coincidem com o elenco apresentado na Directiva 2002/58/CE. • De acordo com o texto do Projecto de Lei em análise: • São “DADOS DE TRÁFEGO: os dados informáticos ou técnicos relacionados com uma comunicação efectuada por meio de tecnologias de informação e de comunicação, por si gerados, indicando, designadamente, a origem da comunicação, o destino, os trajectos, a hora, a data, o tamanho, a duração ou o tipo do serviço subjacente.” • “DADOS relativos à DE BASE: os dados pessoais conexão à rede de comunicações, designadamente o número, a identidade e morada de assinante, bem como a listagem de movimentos de comunicações , e que constituem elementos necessários ao estabelecimento de uma base para a comunicação”. • “DADOS DE CONTEÚDO: os dados relativos ao conteúdo da comunicação ou de uma mensagem”. • O artigo 2º, por sua vez, refere-se ao ACESSO AOS DADOS DE TRÁFEGO. • Estipula-se o dever dos operadores de comunicações facultarem às autoridades de polícia criminal ou às autoridades judiciárias os dados de tráfego, sempre que estes lhes sejam solicitados para efeitos investigação criminal. de prevenção e • Este dever de comunicação não depende de autorização judicial, podendo inclusivamente ser exercido para efeitos de prevenção criminal e não apenas para efeitos de investigação. Lei 41/2004 - transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva 2002/58/CE, relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas Artigo 4.º (Inviolabilidade das Comunicações electrónicas) 1 – “As empresas que oferecem redes e /ou serviços de comunicações electrónicas devem garantir a inviolabilidade das comunicações e respectivos dados de tráfego realizadas através de redes públicas de comunicações e de serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público.” • 3 – “O disposto no presente artigo não impede as gravações legalmente autorizadas de comunicações e dos respectivos dados de tráfego, quando realizadas no âmbito de práticas comerciais lícitas, para o efeito de prova de uma transacção comercial nem de qualquer outra comunicação feita no âmbito de uma relação contratual, desde que o titular dos dados tenha sido disso informado e dado o seu consentimento.” Conforme foi decidido pela Relação de Lisboa, em outro Acórdão de 22-02-2007: Quando superiores justifiquem, investigação interesses designadamente, criminal, o na dever poderá e deverá ser quebrado. o área de de sigilo Decisão Sobre o Direito à intimidade da vida privada – Dispõem o artigo 17.º n.º 2 da Lei n.º 91/97 e o artigo 5.º da Lei n.º 69/98 ARTIGO 17.º n.º 2 Direito ao uso dos serviços de telecomunicações 2 - Com os limites impostos pela sua natureza e pelo fim a que se destinam, é garantida a inviolabilidade e o sigilo dos serviços de telecomunicações de uso público, nos termos da lei. Artigo 5.º Confidencialidade das comunicações 1 - Os prestadores de serviços e os operadores de rede devem garantir a confidencialidade e o sigilo das comunicações através dos serviços de telecomunicações acessíveis ao público e das redes públicas de telecomunicações. 2 - As medidas referidas no número anterior devem ser adequadas à prevenção dos riscos existentes, tendo em conta a proporcionalidade dos custos da sua aplicação e o estado de evolução tecnológica. • 3 - O disposto na presente lei não obsta à gravação de comunicações, no âmbito de práticas comerciais lícitas, para o efeito de prova de uma transacção comercial ou de qualquer outra comunicação de negócios, desde que o titular dos dados tenha sido disso informado e dado o seu consentimento expresso. • Resulta do artigo 135.º n.º 3 do CPP, sempre aplicável aos casos omissos : “O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.” [sublinhado nosso] Decisão Os elementos documentais solicitados à PT, sendo necessários à investigação em curso, não traduzem uma intromissão ou devassa, como a que se patenteia quando se pretende o registo de conteúdo da comunicação. própria conversação ou Decisão • Assim se decide que o JIC deverá solicitar à PT os elementos pretendidos pelo MP. • Se houver uma eventual escusa, deverá ser accionado o mecanismo do artigo 135.º n.os 2 e 3 do CPP. Decisão • Assim, julga-se o recurso procedente revogando- se a decisão recorrida, a substituir por outra que ordene à PT o fornecimento pretendidos pelo MP. dos dados OBRIGADO