Monografia apresentada ao Programa de Residência Médica em Pediatria Hospital Regional da Asa Sul (HRAS)/SES/DF Violência Sexual : do silêncio à revelação do segredo, como abordar? Marina Salomão Maranhão Carvalho Orientador: Jefferson A. P. Pinheiro Brasília,22 de outubro 2010 O Problema • Violência contra criança doença médicosocial de proporções epidêmicas ; • Violência sexual subtipo mais importante; • 3 milhões de casos em investigação de abuso 20% são de abuso sexual infantil /ano - Kaplan HI, Sadock BJ, & Grebb JA.1997. - Swerdlin A, Berkowitz C et al. Cutaneous signs of child abuse. 2007. O Problema • Estados Unidos : 88.000 casos de crianças vítimas de abuso sexual em 2002 ; • Brasil : Uma das principais causas de morte de crianças e adolescentes a partir dos cinco anos de idade.Segunda causa junto com acidentes nessa faixa etária; • Aproximadamente 1% das crianças/ ano sofre alguma forma de violência sexual grau de vitimização de 12 a 25% de meninas e 8 a 10% de meninos até seus 18 anos de idade . - United Nations Secretary. World Report on Violence against Children. 2008. - Pfeiffer L, Salvagni EP. Visão atual do abuso sexual na infância e adolescência.2005. -Salvagni EP, Wagner MB. Development of a questionnaire for the assessment of sexual abuse in children and estimation of its discriminant validity: a case-control study.2006. O Problema • “Violência sexual infantil engloba todo ato, jogo sexual ou relação cujo agressor está em um estágio de desenvolvimento psicossexual mais adiantado que a criança ou o adolescente envolvido, tendo como intenção estimular a vítima sexualmente ou usá-la para obter satisfação sexual. Esse fenômeno violento pode variar desde atos em que não se produz o contato sexual (voyerismo, exibicionismo, produção de fotos), até diferentes tipos de ações que incluem contato sexual com ou sem penetração. Envolve ainda a situação de exploração sexual visando lucros (prostituição)” – Ministério da Saúde. - Ministério da Saúde. Notificação de maus-tratos contra crianças e adolescentes pelos profissionais de saúde: um passo a mais na cidadania em saúde.2002. - United Nations Secretary. World Report on Violence against Children. 2008. O Problema • A grande maioria dos casos de VS é praticada por parentes, pessoas próximas e conhecidas; Difícil denúncia Impunidade dos agressores • Implicações médicas, legais e psicossociais são inúmeras e devastadoras para vida do indivíduo. Trauma Físico Trauma Físico DST Danos Psicológicos Difícil re-inserção social Abordagem no primeiro atendimento DST falha Danos Psicológicos - Pfeiffer L, Salvagni EP. Visão atual do abuso sexual na infância e adolescência.2005. - Faria AL, Araújo CAA, Baptista VH. Assistência à vítima de violência sexual: a experiência da Universidade de Taubaté.2008. O Problema • Atendimento por equipe multidisciplinar treinada. Médico Enfermeiro Assistente Social Psicólogo Advogado -Flores R Z,Caminha R M. Violência sexual contra crianças e adolescentes: Algumas sugestões para facilitar o diagnóstico correto. 1994. - Baptista RS, França ISX et.al .Caracterização do abuso sexual em crianças e adolescentes notificado em um Programa Sentinela.2008 - Ministério da Saúde. Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes: norma técnica. 2005. O Problema Prejuízos da VS contra criança + Reação negativa da família + Despreparo dos profissionais assistentes Maiores danos a criança + Atendimento fragmentado, desorganizado e pouco resolutivo - Flores R Z,Caminha R M. Violência sexual contra crianças e adolescentes: Algumas sugestões para facilitar o diagnóstico correto. 1994. - Baptista RS, França ISX et.al .Caracterização do abuso sexual em crianças e adolescentes notificado em um Programa Sentinela.2008 - Ministério da Saúde. Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes: norma técnica. 2005. Objetivos • Avaliar o perfil clínico-epidemiológico da população pediátrica vítima de violência sexual e os fatores envolvidos na agressão; e elaborar proposta de atendimento destes pacientes na emergência pediátrica do Hospital Regional da Asa Sul (HRAS). Materiais e Métodos • Delineamentos do estudo – Período de realização do estudo: agosto a setembro de 2010; – Período em análise: janeiro de 2007 a agosto de 2010; – Estudo observacional retrospectivo das crianças vítimas de violência sexual atendidas no Programa Violeta do HRAS; – Dados clínico-epidemiológicos contidos nos prontuários e fichas de avaliação do Programa Violeta, não havendo interferência no manejo dos pacientes, nem quanto à necessidade de exames; – Protocolo pré-estabelecido . Materiais e Métodos • Critérios de inclusão – Paciente vítima de violência sexual que esteve ou está em acompanhamento pela equipe do Programa Violeta do HRAS; – Paciente com idade inferior a 12 anos; • Critério de exclusão – Pacientes que não preencherem os critérios de inclusão; Materiais e Métodos • Aspectos Éticos – Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Fundação de Ensino e Pesquisa de Ciências da Saúde do Distrito Federal (aprovação nº 227/2010), tendo como base a Resolução 196/96 CNS/MS; sendo dispensado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Materiais e Métodos Definições adotadas quanto ao tipo de violência sexual - Estupro :penetração vaginal com uso de violência ou grave ameaça; – Atentado violento ao pudor: obrigação por alguém a praticar atos libidinosos, sem penetração vaginal, utilizando violência ou grave ameaça; – Relação sexual: sexo oral; coito anal e genital; – Exibicionismo: exposição de órgãos genitais à criança; – Manipulação Genital: carícias; toques; masturbação; – Exploração sexual: atividades sexuais da criança com fim comercial lucrativo; – Sugestões sexuais: apresentação de textos ou imagens com conteúdos sexualizados; simulações verbais; comentários sexualmente provocantes; Materiais e Métodos • Definições adotadas quanto ao tipo de agressor : Pai Mãe Padrasto Desconhecido Vizinho/Amigos Familiar Outros Patrão do familiar, dono da lan house, professora, babá, vários agressores em um só tempo, jardineiro e diretor da escola • Definições adotadas quanto ao local de agressão: Casa da Família Casa do Pai Casa de Familiares Casa da Mãe Outros Materiais e Métodos • Definições adotadas quanto ao tempo decorrido da agressão e a procura do serviço especializado Resultados e Discussão 225 20 Distribuição percentual quanto à confirmação de Violência Sexual das 245 crianças de 0 a 12 anos acolhidas pelo Programa Violeta com suspeita de Violência Sexual no período de janeiro de 2007 a 30 de agosto de 2010. FONTE: Fichas de avaliação dos perfis do agressor e vítima atendidos no HRAS. Distribuição por ano das 245 crianças de 0 a 12 anos acolhidas pelo Programa Violeta com suspeita de Violência Sexual no período de janeiro de 2007 a 30 de agosto de 2010. FONTE: Fichas de avaliação dos perfis do agressor e vítima atendidos no HRAS Distribuição quanto a procedência das 225 crianças de 0 a 12 anos vítimas de violência sexual acompanhados pelo Programa Violeta no período de janeiro de 2007 a 30 de agosto de 2010. FONTE: Fichas de avaliação dos perfis do agressor e vítima atendidos no HRAS. Distribuição das 156 crianças de 0 a12 anos vítimas de violência sexual acompanhadas pelo Programa Violeta procedentes das cidades satélites do Distrito Federal no período de janeiro de 2007 a 30 de agosto de 2010. FONTE: Fichas de avaliação dos perfis do agressor e vítima atendidos no HRAS. Distribuição das 32 crianças de 0 a 12 anos vítimas de violências sexuais acompanhadas pelo Programa Violeta procedentes do entorno do Distrito Federal no período de janeiro de 2007 a 30 de agosto de 2010. FONTE: Fichas de avaliação dos perfis do agressor e vítima atendidos no HRAS. Distribuição por sexo das 225 crianças de 0 a 12 anos vítimas de violência sexual acompanhados pelo Programa Violeta no período de janeiro de 2007 a 30 de agosto de 2010. FONTE: Fichas de avaliação dos perfis do agressor e vítima atendidos no HRAS. Média de idade de 6,5 anos Distribuição por faixa etária das 225 crianças de 0 a 12 anos vítimas de violência sexual acompanhados pelo Programa Violeta no período de janeiro de 2007 a 30 de agosto de 2010. FONTE: Fichas de avaliação dos perfis do agressor e vítima atendidos no HRAS. Distribuição percentual por tipos de violência sexual praticadas contra as 225 crianças de 0 a 12 anos acompanhadas pelo Programa Violeta no período de janeiro de 2007 a 30 de agosto de 2010. FONTE: Fichas de avaliação dos perfis do agressor e vítima atendidos no HRAS. Distribuição percentual dos tipos de agressores que praticaram violência sexual contra as 225 crianças de 0 a 12 anos acompanhadas pelo Programa Violeta no período de janeiro de 2007 a 30 de agosto de 2010. FONTE: Fichas de avaliação dos perfis do agressor e vítima atendidos no HRAS. • Distribuição percentual quanto aos locais onde foi praticada a violência sexual das 225 crianças de 0 a 12 anos acompanhadas pelo Programa Violeta no período de janeiro de 2007 a 30 de agosto de 2010. FONTE: Fichas de avaliação dos perfis do agressor e vítima atendidos no HRAS. Distribuição percentual quanto ao tempo decorrido entre a agressão sexual e a procura de assistência especializada dos 225 casos das crianças de 0 a 12 anos acompanhadas pelo Programa Violeta no período de janeiro de 2007 a 30 de agosto de 2010. FONTE: Fichas de avaliação dos perfis do agressor e vítima atendidos no HRAS. Proposta de Protocolo de Atendimento FLUXOGRAMA DE ATENDIMENTO DA CRIANÇA VÍTIMA DE VIOLÊNCIA SEXUAL NO HOSPITAL REGIONAL DA ASA SUL Trata-se de uma criança vítima de VS Abertura do prontuário único Atendimento em sala especial por equipe multidisciplinar (mínimo médico e enfermeira) Anamnese acolhedora, explicação do exame físico, medicações profiláticas e acompanhamento seqüencial Preenchimento da folha de acolhimento das crianças vítimas de VS FLUXOGRAMA DE ATENDIMENTO DA CRIANÇA VÍTIMA DE VIOLÊNCIA SEXUAL NO HOSPITAL REGIONAL DA ASA SUL Preenchimento da folha de acolhimento das crianças vítimas de VS Exame físico minucioso e anotação detalhada no prontuário Notificação Profilaxia Profilaxia contra DST não viral se tempo de agressão < 10 dias (ver restante fluxograma) Profilaxia contra tétano: Avaliar presença de lesões de risco e carteira de vacinação (Ler protocolo de atendimento) Profilaxia contra Hepatite B (ver restante fluxograma).Maior eficácia nas primeiras 24 a 48 horas após agressão Profilaxia Contra HIV se < 72 horas após agressão (ver restante fluxograma)* FLUXOGRAMA DE ATENDIMENTO DA CRIANÇA VÍTIMA DE VIOLÊNCIA SEXUAL NO HOSPITAL REGIONAL DA ASA SUL EURO-NONPEP Project: Conduta em situações de exposição sexual Estupro ou existência de fatores de risco aumentada** Sexo anal receptivo Sexo anal insertivo Sexo vaginal Sexo oral com ejaculação Contato de esperma com outras mucosas Recomendado Recomendado Recomendado Recomendado Considerar Sexo oral sem ejaculação Sexo oral-vaginal entre mulheres: Não recomendar Não recomendar Zidovudina (AZT):180 mg/m2 a cada 12 horas–dose máxima de 300mg/dose.Apresentação: Frascos 10mg/ml ou comprimidos de 100mg ESQUEMA TARV PADRÃO* Lamivudina (3TC): 4mg/kg de 12/12h -dose máxima 300mg/dia.Maiores de 12 anos 150 mg 12/12 h ou 300 Este esquema deverá ser usado quando o agressor tiver sorologia anti-HIV desconhecida ou for HIV mg dose única/dia. Apresentação: Comprimido de 150 mg ou frascos de 10mg/ml positivo, mas virgem de tratamento, usar por 28 dias.Quando o agressor for HIV positivo em tratamento Ritonavir com TARV diverso do esquema abaixo ou em falha iniciar esquema Lopinavir(LPV)+ (rtv): Criança menor de 2 anos:300mg/ m2terapêutica, de 12/12h; Criança maior deTARV 2 anos de profilaxia e encaminhá-lo ao centro de referência 230mg/ m2 de 12/12h padrão (dose máxima de 200mg 12/12 h).Adolescente: 400mg 12/12 hDST/AIDS Apresentação:Drágea de 200mg/50 mg ou frascos de 80mg/20mg AZT + 3TC + LPV/rtv ou Indinavir(IDV): 500mg/ m2 a cada 8 horas-dose máxima de 800mg/dose.Apresentação: cápsulas de 400mg AZT +3TC + IDV/rtv OBS: Não utilizar metronidazol neste momento se esquema TARV conter ritonavir Ritonavir (rtv): 350 a 400 mg/ m2 a cada 12 horas-dose máxima de 1200mg/dia. Apresentação: Cápsulas de 100mg e frascos de 80mg/ml Cálculo da superfície corpórea: ( peso x 4 ) + 7 / (peso + 90) FLUXOGRAMA DE ATENDIMENTO DA CRIANÇA VÍTIMA DE VIOLÊNCIA SEXUAL NO HOSPITAL REGIONAL DA ASA SUL PROFILAXIA HEPATITE B Criança com imunização completa não necessita de reforço ou imunoglobulina.Pessoas não imunizadas fazer as 3 doses da vacina e imunoglobulina.Pessoas com esquema vacinal incompleto devem completar o esquema e fazer imunoglobulina.Caso agressor tenha usado preservativo ou tenha imunização completa para Hepatite B, não indica profilaxia a vítima. VACINA:Crianças até 11 anos fazer 0,5ml IM, maiores que isso fazer 1 ml / IM.Aplicação deverá ser no músculo deltóide.Orientar segunda e terceira doses após 30 e 180 dias da primeira dose. IMUNOGLOBULINA HIPERIMUNE PARA HEPATITE B:0,06 ml/kg IM. Aplicar no glúteo.Caso dose ultrapasse 5 ml fazer em grupos musculares diferentes, inclusive do da vacina.Utilizar de preferência nas PROFILAXIA TÉTANO primeiras 24-48 h da agressão, no máximo 14 dias após. Avaliar lesões e atualização vacinal. Olhar rotina de criança vítima de violência sexual no item profilaxia do tétano. PROFLILAXIA DST NÃO VIRAIS Crianças com menos de 45 Kg: Azitromicina 20mg/Kg dose única (Dose máxima 1 g) ou Eritromicina 50mg/Kg/dia de 6/6 horas por 10 dias + Ceftriaxona 250mg IM dose única + Metronidazol 15mg/Kg VO 8/8 horas por 7 dias (dose máxima 2 g) + Penicilina Benzatina 50000UI/Kg IM dose única(Dose máxima de 2400000UI) Crianças com mais de 45 Kg:Azitromicina 1 g VO dose única + Tiafenicol 2,5g VO dose única + Metronidazol 2 g VO dose única + Penicilina Benzatina 2400000 IM dose única OBS:Pessoas alérgicas a penicilina deverão fazer uso de Eritromicina 500mg 6/6 horas por 10 dias. Não usar metronidazol neste momento, se no esquema antiretroviral tiver ritonavir. Exames a serem solicitados no Pronto Socorro- Primeiro Atendimento Hemograma Completo Transaminases Sorologia Hepatite B Sorologia Hepatite C Sorologia HIV 1 e 2 VDRL Análise do conteúdo vaginal Entregar receita detalhada e medicações profiláticas e orientar efeitos colaterais. Entregar folder com telefones úteis das instituições a procurar Encaminhar prontuário (Xerox da ficha de notificação inserida) único ao Programa Violeta.Equipe entrará em contato com a família e agendará horário de atendimento Orientar da necessidade da denúncia em delegacia especializada (DPCA) e exame de corpo delito no IML. Além disso, orientar família a procurar o quanto antes o Hospital DIA para seguimento com infectologista pediátrico e pegar restante das medicações profiláticas. Conclusão • VS contra criança é freqüente e seus efeitos devastadores para o envolvido; • Os profissionais de saúde necessitam estar preparados para atuarem na prevenção,diagnóstico e condução da violência praticada contra crianças; • Seguindo o protocolo de atendimento,desencadeará todos os meios necessários de proteção legal e social, tratamento, seguimento e reestruturação da criança e de sua família de volta a realidade. Conhecimento técnico-científico Práticas humanizadas Sensibilidade dos profissionais de saúde “Ouvi e li coisas impossíveis de ocorrer, mas ali existiam. Vi outras que não queria, mas estavam ali do meu lado todo tempo... Tive que viver as histórias e entrar na vida dos personagens reais do Programa Violeta para saber e entender um pouco do que é a violência sexual e seus desastres. Foram sentimentos intensos e desconfortáveis. Neguei. Senti muita raiva. Senti-me impotente diversas vezes. Mas imobilizada eu não poderia ficar... É por isto que mostro hoje esta realidade e com esta obra posso dizer que hoje sou uma pessoa bem melhor.” Marina Salomão Maranhão Carvalho-Turma Pediatria 2010 do HRAS “Com suas duas mãos minha mãe me abraçava, cuidava de mim e me dava amor... isso eu adorava. Mas com essas mesmas mãos, minha mãe me batia e me segurava para que meu pai fizesse coisas que... isso eu odiava.” Menina vítima de VS em 2005 no leste da Ásia. “Quando eu tinha 12 anos, eu pensei que estava grávida do meu pai. Eu pensei inclusive em suicídio comigo mesma. “Como eu iria explicar isso para as pessoas?” Quero dizer, eu só tinha 12 anos. Ninguém iria acreditar em mim.” Menina norte americana, 2005.