Hepatotoxicidade grave em doente com
adenocarcinoma da próstata, sob hormonoterapia
André Mansinho, Isabel Fernandes, Daniela Macedo, Luís Costa, Serviço de Oncologia Médica, Hospital de Santa Maria, Lisboa
Introdução
O carcinoma da próstata é a neoplasia mais frequente no sexo masculino e, nos últimos anos, diversas terapêuticas revelaram aumento da sobrevivência destes doentes o que levou à sua
aprovação. Estas terapêuticas, têm por sua vez efeitos secundários, que podem por em risco a vida do doente.
A flutamida é um antiandrogénio oral não esteroide, usado para o tratamento de doentes com adenocarcinoma da próstata metastizado em combinação com análogos LHRH, sendo os efeitos
secundários na maioria das vezes mínimos e sem repercussão clínica. No entanto, mesmo na hormonoterapia podem ocorrer efeitos adversos para os quais é necessário estar alerta.
Caso clínico
Doente do sexo masculino, 68 anos de idade, sem antecedentes pessoais relevantes.
Julho de 2008
Dezembro de 2010
Hepatotoxicidade grave à flutamida:
- AST 1649 U/L
- ALT 2181 U/L
Janeiro de 2013
Cetoconazol
Hidrocortisona
Abiraterona
Antecedentes familiares de adenocarcinoma da próstata e adenocarcinoma do pulmão,
no pai e na irmã, respectivamente.
Em Maio de 2007, em consulta de rotina, PSAt de 2,43 ng/mL. Em Dezembro do mesmo
Maio de 2008
BAC
RT localizada lesão D12
Outubro - Dezembro 2009
Maio de 2012
Radioterapia conformacional
Docetaxel
ano, verificou-se um aumento muito significativo dos valores, para 248,2 ng/mL. As biópsias
prostáticas de Janeiro de 2008 foram negativas, TC toraco-abdomino-pélvica (TC-TAP) e
cintigrafia óssea sem evidência de metastização.
Manteve valores de PSAt persistentemente elevados, pelo que repetiu a biópsia
prostática em Abril de 2008, que revelou um adenocarcinoma da próstata, Gleason 7 (4 +
3) em dois de seis fragmentos examinados e interessando no conjunto cerca de 5% do total
da amostra. TC-TAP (Abril 2008) com metastização ganglionar e, na cintigrafia óssea, um
padrão de hiperfixação em D12 e no isquion esquerdo, sugestivo de metastização óssea.
Discussão
A flutamida é um fármaco anti androgénico não-esteroide, que actua através do
2008
2009
2010
2011
2012
2013
bloqueio da ligação dos androgénios circulantes aos receptores hormonais dos tecidos
tumorais e é normalmente bem tolerado.
A incidência da hepatotoxicidade induzida pela flutamida é inferior a 0,5% na maioria
das séries estudadas, no entanto, existem casos descritos na literatura, que variam de lesão
hepática sub-clínica a hepatites agudas fulminantes.1 É considerada uma reacção
idiossincrática, sem relação com o tempo de exposição ou dose utilizada e, que por
definição, cessa com a suspensão do fármaco. Foi proposto que possam existir indivíduos
Goserelina
Flutamida
Prednisolona
Ác. Zoledrónico
Estramustina
Ciproterona
Cetoconazol
Hidrocortisona
Docetaxel
Abiraterona
com uma redução na actividade do CYP1A2 (responsável pelo metabolismo inicial da
flutamida), responsável pela lesão hepática aguda.2
Conclusão
É possível determinar a probabilidade de ocorrência de hepatotoxicidade com este
Destaca-se a importância da monitorização da hepatotoxicidade inerente à utlização
agente em indivíduos com adenocarcinoma na próstata, avaliando a actividade funcional
dos antiandrogénios orais, que pode variar desde uma ligeira elevação das transaminases
do citocromo através de um teste de metabolização da cafeína. Esta substância é
à hepatite fulminante.
metabolizada pelo CYP1A2 e, medindo as concentrações dos metabolitos gerados e
excretados na urina, quatro a cinco horas depois da sua ingestão, é possível determinar a
actvidade do CYP1A2.2
A avaliação da actividade enzimática da CYP1A2 pode ser útil, limitando a utilização
destes agentes nas populações com baixa actividade e reduzindo assim a probabilidade
de uma reacção adversa.
Não obstante à limitação no tratamento, motivada pela hepatotoxicidade à flutamida,
que torna a sua suspensão mandatória, manteve-se a abordagem sequencial com outros
É também demonstrada a importância da terapêutica sequencial nestes doentes, que
fármacos, já que a hepatotoxicidade com estes agentes, não implica necessariamente
permite em muitos casos respostas terapêuticas, sucessivas e sustentadas, responsáveis
risco acrescido na utilização de outras terapêuticas.
pelo aumento da sobrevida neste grupo de doentes.
1
García Cortés M., et al. Flutamide induced hepatotoxicity: report of a case series, 2001;
2
Ozono S, et al. Caffeine test in predicting flutamide-induced hepatic injury in patients with prostate cancer, 2002;
XVIII Workshop – Grupo Português Génito-Urinário, Braga 2013
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