AM020 A Crise Global, os Desafios Sociais e a Universidade Necessária Análise sistêmica e energética de uma bacia hidrográfica e de seus subsistemas Enrique Ortega Rodríguez Laboratório de Engenharia Ecológica FEA, Unicamp, CP 6121 Campinas, SP 13083-862 E-mail: <[email protected]> Para entender o funcionamento dos sistemas aquáticos é necessário um conhecimento multidisciplinar de boa qualidade, sobre a interação entre os recursos físicos, bióticos e humanos no espaço físico de interesse. A análise do sistema deve levar a uma síntese que consiste na elaboração de um modelo do funcionamento energético do sistema. O modelo permite avaliar o desempenho, fazer simulações de novos cenários no computador e estudar os mecanismos de resposta às forças externas e de reestruturação interna do sistema. A análise emergética aplicada ao estudo de sistemas de produção rural permite: (a) Calcular a capacidade de suporte renovável e compará-la com as capacidades obtidas ao usar, de forma intensa, insumos derivados de recursos não renováveis; (b) Calcular a contribuição dos sistemas aquáticos nas cadeias tróficas geradas com os peixes exportados; (c) Visualizar, por meio de cenários, as tendências de evolução (composição, espécies) dos sistemas aquáticos; (d) Prever situações de risco e discutir, com antecedência, medidas para solucionar esses problemas. Faremos uma previsão dos resultados da análise emergética da produção em sítios e fazendas onde se integra a produção de milho e suínos com a criação de tilápia, na região Oeste de Santa Catarina. Depois compararemos a previsão feita com os resultados de uma pesquisa de campo. Aqüicultura em Santa Catarina Produção integrada de grãos, suínos e tilápia NPK Fertilizers Herbicides Limestone Ground water 355.6 Biomass 199.0 267.9 27.6 43.1 $ $ Forest 6 ha $ Farmer 713.6 307.2 Biomass 757.6 Rain 418.1 ? 181.9 Tese de mestrado de Otavio Cavalett (2004) Gov. Taxes Other Imputs 5070.7 472.3 31.6 Electricity Fossil fuels Pig feed 515.1 Soybean/ Corn/Wheat $ 82.7 53.8 12.5 19.1 2181.5 17 ha 138.5 5138.5 Biomass Pig Pig 30.3 2.55E+10 Soybean/ Wheat $ 1 ha 3.68E+11 ? Manure 1221.8 142.9 30.3 $ 324.0 Fish Pond Biomass Fish 4.84E10 9.5 1 ha Integrated production system with 25 ha Soil loss A partir dos índices de desempenho emergético é possível discutir a problemática socioambiental das bacias hidrográficas porém geralmente não há informação suficiente para analisar a situação sanitária. Também abordaremos um modelo de simulação da aquicultura. Introdução A produção de peixe em recursos hídricos pode ocorrer em: (a) sistemas naturais (Figura 1); (b) sistemas alterados pelo homem (Figura 2). Água evaporada Vento Chuva Biodiversidade regional Biodiversidade local Solo Rocha Água da bacia Água superficial Intemperismo Água subterrânea Matéria Sed- orgânica mentos Lençóis freáticos Sol Correntes de água Matéria orgânica Sedimentos Restos biomassa vegetal Restos biomassa animal Biomassa Produtores consumidores Figura 1. Diagrama de uma bacia hidrográfica sem intervenção humana. A produção baseada em recursos hídricos naturais ainda existe em lugares isolados sem poluição onde a produtividade é relativamente pequena (500 kg/ha/ano) e a variedade de peixes é grande. A cadeia trófica se desenvolve usando: (a) a energia solar direta (sol) e indireta (vento e chuva), (b) os sedimentos e matéria orgânica produzidos pelos processos de intemperismo e (c) A produção de biomassa vegetal que ocorre dentro da bacia. Nos sistemas com maior intervenção humana a produtividade é maior. Os sistemas de aquicultura intensiva, que usam produtos químicos e agroquímicos derivados do petróleo, atingem uma produção entre 5000 a 12 000 kg/ha/ano. Mas ocorre poluição dos recursos hídricos e a biodiversidade diminui muito. As fontes energéticas renováveis diminuem e aumentam as fontes energéticas não-renováveis, isto é: Ração feita com grãos da agricultura química que usa recursos não renováveis; Resíduos animais; Infraestrutura cara; Maquinaria; Eletricidade; Combustível; Produtos químicos. Vento Combustíveis fósseis, bens e serviços Chuva Rocha Minerais Órgãos estaduais regionais Informação Informação Água Nutrientes superficial subterrânea Matéria orgânica SubstânciasSedimento Evapotranspiração População humana tóxicas Tratamento de água Administração local Cidadãos (usuários) Sol Áreas naturais Indústria Área lazer Comércio de bens e serviços Silvicultura Resíduos Pecuária Agricultura Pastagens Aquicultura Curso-de-água Resíduos, dejetos Figura 2. Diagrama de uma bacia hidrográfica com intervenção humana. NeP atmosfera Vento Chuva Rocha Intemperismo Biodiversidade regional Combustíveis fósseis, bens e serviços Minerais e biomassa Água superficial Nutrientes Matéria orgânica Evapotranspiração Correntes de ar subterrânea Substâncias tóxicas Sedimentos Órgãos estaduais regionais População humana Informação Sol Indústria e atividades urbanas Agricultura Pastagens Pecuária Aquicultura Curso-de-água Produtos incluindo os da aquicultura Resíduos, dejetos, perdas Figura 3. Diagrama resumido das interações de um sistema de aqüicultura. Água da bacia, Sedimentos, Matéria orgânica NeP atmosfera Biodiversidade regional Produtos agrícolas Insumos químicos Produtos pecuários Bens Infraestrutura Substâncias tóxicas Combustíveis e eletricidade População humana Chuva Informação Evapo-transpiração Infraestrutura produtiva Solo e biodiversidade local Vento Sol Serviços públicos e privados Organização familiar e dos trabalhadores residentes Aqüicultura Serviços para o exterior Serviços ambientais Produtos da aqüicultura Curso-de-água Resíduos, dejetos, perdas Energia degradada Figura 4. Diagrama de fluxos de energia, materiais e informação. Materiais da economia urbana (não renováveis Recursos renováveis da natureza (indiretos) R2 Recursos renováveis da natureza (diretos) R1 Albedo S M N1 Solo e biodiversidade não reposta Evapo-transpiração Serviços da economia urbana (não renováveis) N2 Infra-estrutura e organização não reposta Serviços para o exterior Serviços ambientais Produtos da aqüicultura Aqüicultura Curso-de-água Resíduos, dejetos, perdas Energia degradada Figura 5. Diagrama resumido dos fluxos de energia, materiais e informação. Contribuições economia humana (materias e serviços) não renováveis S M ENTRADAS MUDANÇA NOS ESTOQUES INTERNOS Contribuições renováveis da natureza N Contribuição não renovável da natureza SAÍDAS Serviços ambientais Produtos da aqüicultura R Aqüicultura Curso-de-água Resíduos, dejetos, perdas Energia degradada Figura 6. Diagrama de fluxos agregados de um sistema aqüícola. As figuras anteriores ilustram o processo de identificação das forças que atuam sobre um sistema de aquicultura instalado em uma bacia hidrográfica. Os diagramas no início mostram todas as partes do ecossistema, depois se estabelece um foco (o sistema de aquicultura) até que finalmente se obtém o diagrama mínimo de fluxos agregados Com ele se pode analisar a ação das forças externas e internas que definem o comportamento biológico e energético do viveiro de aquicultura. Na figura seguinte mostra-se a relação entre os indicadores emergéticos de desempenho (Tr, EYR, EIR, %Ren) com os fluxos agregados do sistema e com a energia que ele produz para consumo externo. F F=M+S ENTRADAS Y=I+F SAÍDAS E = soma (Ei) MUDANÇA NO ESTOQUE I=R+N E = recursos energéticos produzidos N Serviços ambientais Produtos da aqüicultura R Aqüicultura Curso-de-água Resíduos, dejetos, perdas Y Tr = transformity = ---E Valor inverso da eficiência Y EYR = yield ratio = ---F Saldo líquido de emergia F EIR = investment ratio = ---I Recursos pagos / Gratuitos R Ren = renewability = ---Y Renováveis / Recursos totais Figura 7. Indicadores emergéticos de desempenho ecossistêmico. A figura seguinte prevê o comportamento energético dos sistemas de aqüicultura ao se intensificar a intervenção humana. A economia subsidiada pelo preço baixo do petróleo premia hoje a aqueles que usam mais recursos não renováveis. F F F N R N R R N R F=M+S N Renováveis / Recursos totais R Ren = renewability = ---Y Saldo líquido de emergia Y EYR = yield ratio = ---F Valor inverso da eficiência Y Tr = transformity = ---E Recursos pagos / Gratuitos F EIR = investment ratio = ---I Figura 8. Mudanças nos índices ao intensificar-se o uso de não renováveis. Resultados Água da bacia hidrográfica Fertilizantes, Herbicidas, Calcário Eletricidade, Combustíveis derivados do petróleo Outros insumos Biomassa Chuva Vento Radiação solar Impostos $ Reserva florestal Família do agricultor $ Trabalho humano Biomassa $ Produção de milho e soja Milho e soja $ Suínos Suínos em Biomassa chiqueiros Esterco Água Suínos em Esterco gaiolas Biomassa Viveiro de aquicultura $ Tilápia $ Efluentes com sedimentos e matéria orgânica Energia degradada e dispersada Figura 9. Viveiro integrado a suinocultura (Cavalett, 2004). Tabela 1. Indicadores emergéticos e econômicos de viveiros alimentados com excrementos de suínos no Oeste de Santa Catarina (Cavalett, 2004). Viveiros alimentados com diversas taxas de dejetos suínos Tr (sej/J) x 108 EYR EIR Rentabilidade %Renovabilidade 30 suínos/ha 1,98 1,92 1,09 1,44 48 60 suínos/ha 1,40 1,59 1,69 2,83 32 90 suínos/ha 1,34 1,46 2.16 3,38 30 Com pode se observar, ao se intensificar o uso de dejetos suínos o saldo emergético líquido (EYR) cai devido a que a participação dos recursos naturais diminui. Da mesma maneira a taxa de rentabilidade aumenta e a renovabilidade cai muito. Os valores crescentes de EIR revelam que os sistemas se tornam cada vez mais dependentes do uso de recursos não renováveis. A ração industrializada utilizada para alimentar os suínos é feita com soja que é produzida com fertilizantes químicos e pesticidas e por tanto possui uma baixa renovabilidade. 4 Tr x E8 EYR 3 EIR Rentabilidade 2 1 0 30 60 90 Figura 10. Índices dos viveiros integrado a suinocultura (Cavalett, 2004). Renovabilidade 60 40 20 0 30 60 Figura 11. Queda da renovabilidade ao intensificar um viveiro integrado a suinocultura (Cavalett, 2004). 90 As figuras 10 e 11 (Cavalett, 2004) confirmam as previsões (Figura 8) dentro de um intervalo reduzido de opções tecnológicas, pois não foram incluídas a opção natural nem opções com maior uso de maquinário e produtos químicos. Como não se premiam os serviços ambientais nem se contabilizam as externalidades negativas, a intensificação aumenta a rentabilidade da micro-empresa sacrificando o ambiente e o futuro da sociedade (menor renovabilidade e perda da biodiversidade) Observações A aquicultura integrada a suinocultura começou como uma atividade marginal dos pequenos agricultores familiares da região Oeste de Santa Catarina, da qual eram totalmente responsáveis. Desta forma durante parte do tempo de trabalho deixavam de atuar como simples prestadores de serviços para as grandes empacadoras de carne de aves e suínos e se beneficiavam de um investimento próprio. A adoção dos viveiros permitiu aos agricultores-suinocultores obter um lucro adicional e em alguns casos participar também do benefícios da venda direta do peixe e de seu processamento industrial. A percentagem de esterco utilizado na piscicultura é relativamente pequena e não resolve o problema do excesso de esterco que em muitos casos é jogado no rio mais próximo, causando impactos ambientais de diversos tipos. A região excede em 100 vezes sua capacidade de suporte natural (300 em vez de 3 suínos por hectare). Trata-se de um problema de gestão da bacia hidrográfica que tem que ser resolvido com a participação de todos os envolvidos (agricultores, empresas centros de pesquisa, governo). Como o problema é grave e complexo deve considerar-se a possibilidade de metas ou etapas sucessivas até resolver definitivamente o problema da poluição dos recursos hídricos. Esse mesmo problema pode se repetir nas regiões de expansão da produção de milho e soja no Centro-Oeste do Brasil onde se criam as condições para utilizar os grãos para engordar aves e suínos ... e peixes! E de se repetir o fenômeno da poluição dos recursos hídricos. A solução seria planejar antecipadamente parques industriais ecológicos com áreas destinadas a absorção do impacto ambiental gerado pelo acúmulo de dejetos fecais dos animais criados em confinamento. A figura seguinte mostra a forma como a civilização urbana coloca pressões aos agrupamentos rurais para mudar a forma de uso dos recursos naturais locais, para diminuir o atendimento a população local e orientar a produção para o mercado externo. Atmosfera Biodiversidade regional Investimentos, empréstimos, produtos químicos, maquinário Forças ideologicas Auto-suficiência Atmosfera local Solo e micro(microclima) biota Produtos químicos industriais RR Lagoa natural ou viveiro de aqüicultura Forças sociais ecológicas Empresas de tecnologia e comércio $ Forças sociais anti- $ ecológicas InfraBiomassa estrutura e biodiversidade Processamento e consumo $ $: Estoques e fluxos monetários Saída de recursos piscícolas para consumo externo Recurso hídrico utilizado para produzir peixes Figura 12. Pressões para mudar a forma de uso dos recursos naturais. Modelagem da dinâmica de um sistema de aqüicultura. Y = Fluxo de energia solar absorvido E = Fluxo de energia dentro do sistema Ep = Energia produzida pelo sistema Ciclagem de nutrientes dentro do sistema F = Feedback dentro do sistema Feedback externo F1 Nutrientes externos Ep1 Sol F2 Ep2 Decompositores Resíduos Q = Energia dispersada nas transformações Ep3 F = Feedback Y = Fluxo de energia solar absorvido E = Fluxo de energia dentro do sistema F = Feedback Feedback Sol Produto Resíduos Q = Energia dispersada nas transformações Resíduo Fluxo de energia solar absorvido Biodiversidade Sol Biomassa Biodiversidade Biomassa Biodiversidade Biomassa Biodiversidade Biomassa Q = Energia dispersada nas transformações Feedback Fluxo de energia solar absorvido Sol Biodiversidade Biomassa Biodiversidade Biomassa Biodiversidade Biomassa Q = Energia dispersada nas transformações Biodiversidade Biomassa Ciclos de produção e consumo na pscicultura Sistema natural Sistema de aquicultura simples Sistema de aquicultura mais intenso Sistema de aquicultura super intensificado Retorno aos níveis de maior renovabilidade Produtividade Capacidade de suporte aumentada artificialmente usando recursos não-renováveis Capacidade de suporte natural (máxima renovabilidade e diversidade) Retorno ao desenvolvimento sustentável Uso de petróleo e seus derivados na produção, consumo e tratamento Tempo Dinâmica de sistemas (Holling, 1986) Hipertrofia Oligotrofia Eutrofia Mesotrofia Distrofia O ciclo adaptativo contém quatro fases: exploração (organização em um novo sistema político e social), conservação (manutenção e proliferação do novo sistema), desagregação (revolução) e reorganização (mudança de regime e novo paradigma). O sistema alcança seu maior potencial de uso humano no fim da conservação, por outro lado, nesse momento ocorre a maior perda de biodiversidade. O sistema natural se recupera na fase de reorganização. Bibliografia Cavalett, Otavio 2004. “Análise Emergética da piscicultura integrada a criação de suínos e de pesque-pagues”. Tese de mestrado, Faculdade de Engenharia de Alimentos, Unicamp. http://www.unicamp.br/fea/ortega/extensao/Tese-OtavioCavalett.pdf Ortega, Enrique, 2004. Análise emergética na aqüicultura, produção de bagre no Alabama. VIII Encontro da Associação Brasileira de Patologistas de Organismos Aquáticos. Laguna, Santa Catarina, 1922 de outubro de 2004.http://www.unicamp.br/fea/ortega/extensao/14Bagre-Alabama.pps Howard T. Odum, Elisabeth C. Odum. The Prosperous Way Down: Principles and Policies. University of Colorado Press. May, 2001. Howard T. Odum, Elizabeth C. Odum. Modeling for all Scales: An Introduction to System Simulation. 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