PPGMEL - Mestrado em Estudos Literários – 2015 Disciplina: Estudos de Literatura Comparada Docente: Prof. Dr. Pedro Manoel Monteiro A Crise da Literatura Comparada nos Anos 80 Mestrandos: Urielton de Souza Ferreira e Marco Rodrigues da Silva LITERATURA COMPARADA PERCURSOS HISTÓRICOS E TEÓRICOS Linha evolutiva DELIMITAÇÃO DO CAMPO DA LITERATURA COMPARADA TAREFA DIFÍCIL, POIS SEUS CONTEÚDOS E OBJETIVOS MUDAM CONSTANTEMENTE. LITERATURA COMPARADA NA HISTÓRIA: CAMINHO INICIAL ORIGENS DA LITERATURA COMPARADA ORIGEM DA PRÓPRIA LITERATURA REMISSÃO À LITERATURA GREGA E ROMANA (MARCO DO NASCIMENTO DA LITERATURA COMPARADA). SÉCULO XIX – SURGE COMO DISCIPLINA ACADÊMICA, DE MANEIRA SISTEMATIZADA NO CONTEXTO EUROPEU CONCEITO DE “LITERATURA COMPARADA”: Derivou de um processo metodológico aplicável às ciências, no qual comparar ou contrastar servia como um meio para confirmar uma hipótese. Apesar de ter despontado há milhares de anos, a Literatura Comparada surge como disciplina e de uma maneira sistematizada no século XIX e num contexto europeu. Ela visa a estabelecer a influência entre autores, servindo de instrumento para mostrar a força de um país sobre outro. Do século XIX até meados do século XX, o vocábulo que melhor define a Literatura Comparada, isto é, sua palavra-chave, é influência, pois ela representa uma ferramenta de afirmação de um país e de culturas nacionais. Ocupará um importante lugar na literatura comparada como instrumento teórico e como direção dos estudos comparatistas, sobretudo, da primeira metades do século XX e que será alvo de profundas críticas a partir dos anos 50. Com o alvo no estudo de fontes e influências, estabelecendo, portanto, filiações, isto é, uma relação de paternidade entre obras literárias, ou desviando um pouco o foco de atenção para vinculação dos estudos comparados com uma perspectiva histórica, a Literatura Comparada seguiu através de inúmeras vozes como de Gustave Lanson e de Emile Fauguet até a década de 1930, quando entrou em cena Paul Van Tieghem. Paul Van Tieghem foi o precursor da “escola francesa”, cuja metodologia baseia-se em três elementos: o emissor (ponto de partida da passagem de influência), o receptor (ponto de chegada) e o transmissor (intermediário entre o emissor e o receptor). Essa tendência mostrouse muito contextualista uma vez que sua preocupação primordial não é a estrutura interna do texto, e sim o contexto que o envolve. No início do século XX, o poeta francês Paul Valéry deu cara nova ao conceito de influência literária, renovando as definições do comparativismo. Para ele, a dependência entre autores se dá como fonte de originalidade e não como imitação, sendo uma “intrusão do novo na criação”. CENÁRIO DA EVOLUÇÃO DA LITERATURA COMPARADA O continente europeu foi o berço da Literatura Comparada, sendo também cenário para sua evolução. Por toda sua extensão, verificaram-se tentativas de defini-la, compreendê-la e estruturá-la. O continente americano também foi sede para importantes lutas para a definição de uma crítica comparatista. A Literatura Comparada nos Estados Unidos A partir dos anos 50 e 60 do século passado, René Wellek ajuda a estruturar a Teoria da Literatura como disciplina e introduz uma ruptura com o comparativismo tradicional. Esse estudioso propõe que a Literatura Comparada represente uma leitura profunda de um texto sem levar em conta somente fatores que lhe são extrínsecos, ou seja, ele atribui ao contextualismo, que é tão importante para os comparatistas que o precedem, menos importância. O 2º Congresso da Associação Internacional de Literatura Comparada, realizado em Chapel Hill, em 1958, colocou em xeque a hegemonia francesa nos estudos comparatistas e foi um marco da ascensão dos Estados Unidos nesse campo. Uma das pronunciações mais importantes, feita contra a chamada “escola francesa”, foi a do tcheco radicado nos EUA, René Wellek, segundo o qual os antigos mestres como Van Tighem falharam por não estabelecer um objeto de estudo e uma metodologia específicos e por ficar preso a um factualismo, a um cientificismo e a um relativismo histórico do século XIX. Wellek também critica a tentativa de Van Tieghem de distinguir a Literatura Comparada da Literatura Geral. Wellek censura o estudo de fonte e influência, propondo uma análise centrada no texto, sem deixar de lado a relação entre texto e contexto, segundo ele um complemento fundamental. Influenciado pelo Formalismo Russo, pela Fenomenologia e pelo New Cristicism, nota-se que ele não se apóia somente na postura imanentista dessas correntes, buscando um equilíbrio entre a análise crítica do texto, o que a ele está intrínseco, e o elemento histórico, o qual, de maneira alguma, pode prescindir aquele. Enquanto que em seus primórdios a Literatura Comparada encontra-se muito ligada ao nacionalismo, criando relações de submissão cultural, atualmente baniu-se o vocábulo “influência” de seu léxico, deslocando sua atenção para um campo de estudo muito mais abrangente, o qual rompe com fronteiras culturais e busca firmar, ao invés de um confronto entre obras e autores, referências que o texto literário cria a partir de um ponto de vista internacional. Nos últimos anos, os estudos culturais foram adicionados à Literatura Comparada, tornando o campo de estudo em questão interdisciplinar, ou seja, comum tanto ao comparativismo quanto ao multiculturalismo. Hoje, seu objeto de estudo foi ampliado, não sendo mais o mero confronto de dois autores de nacionalidades diferentes. O que se procura é uma comparação feita em diversos níveis: entre literatura e literatura, entre literatura e arte, entre literatura e ciências sociais e aí por diante. A Literatura Comparada no contexto latinoamericano O comparativismo na América Latina trouxe à tona questões relativas à identidade cultural e à criação de uma literatura nacional, desbancando o modelo eurocêntrico de Literatura Comparada. No entanto, antes de conhecer esse processo de descolonização, houve muitos estudiosos que seguiram os modelos mais clássicos de comparativismo. No Brasil, Tasso da Silveira absorveu integralmente o modelo francês de comparativismo e não apresentou nenhum inovação ou renovação. Seguindo as propostas de Van Tieghem, ele procurou definir fontes e influências, referindo-se a casos de imitação, empréstimo, filiação e importação (terminologia própria dos comparatistas da “escola francesa”). Tasso buscou, dessa maneira, definir “famílias literárias” através de um conhecimento erudito e enciclopédico, características básicas para traçar o perfil comparatista das grandes literaturas. No entanto, o que se observa na América Latina a partir da década de 1960, até mesmo paralelamente a estudos de cunho tão tradicional como o de Tasso da Silveira, é uma reflexão sobre os modelos de literatura comparada vigentes na época. Buscou-se desvincular-se do domínio europeu propondo um discurso que mostra uma necessidade de descolonização. Uma das primeiras manifestações que buscou essa libertação foi a do argentino Guillermo Torre, que vinculou a idéia de autonomia absoluta de qualquer literatura, procurando uma independência cultural sem abolir o princípio de interdependência, colocando a literatura hispanoamericana em plano de igualdade com as demais. O uruguaio Ángel Rama também propõe uma visão única e global de literatura através de um aparato crítico que unifique todas as literaturas latino-americanas a fim de substituir o método historiográfico europeu. Rama procurou compor uma história unificadora, apoiando-se em um comparativismo cultural, ao invés de ser somente literário, que compreendesse as três raízes da América Latina: a espanhola, a portuguesa e a francesa, além de também considerar as culturas que não pertenciam a uma tradição românica, como as indígenas. Apesar de tantos nomes importantes que ajudaram a definir uma crítica comparatista na América Latina, o brasileiro Antonio Cândido é a personalidade que representa a realização do antigo projeto de busca da identidade nacional através da criação de um projeto de literatura nacional. Ele reconhece que as literaturas latinoamericanas são ramificações das literaturas metropolitanas, representando sua dependência cultural. Ele prega a prática de análise de um texto, um movimento dialético entre o localismo e o cosmopolitismo e uma concepção de literatura como sistema que a relaciona com a sociedade. As propostas de Antonio Candido tornaram-se uma ferramenta de estudos comparatistas totalmente independentes de qualquer escola ou tendência de Literatura Comparada, distanciando, principalmente, da “escola francesa”. No contexto brasileiro, muitos outros estudiosos contribuíram para a implantação de uma Literatura Comparada independente e renovada, como Silviano Santiago, Haroldo de Campos, Roberto Schwars e Leyla Perrone-Moisés. Suas formulações e idéias são muito distintas em vários aspectos. No entanto, todos trabalham com as idéias de fonte, influência, cópia e originalidade, descartando-as ou redefinindo-as. Alguns tentam provar que o pensamento latino é autóctone, como Silviano Santiago; outros negam “a mitológica exigência da criação a partir do nada”, como Roberto Schwars. CARVALHAL, Tania Franco e COUTINHO, Eduardo de Faria. Literatura comparada: textos fundadores. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. NITRINI, Sandra. Literatura Comparada:História, Teoria e Crítica. São Paulo: EDUSP, 1998. LITERATURA COMPARADA A Crise da Literatura Comparada nos Anos 80 • Adrian Marino traz em sua obra Comparatisme et Théorie de la Littérature a discussão de a Literatura Comparada ter ou não saído da crise. • Essa obra resgata discussão da crise de identidade da Literatura Comparada trinta anos após René Wellek mencionar que o estudo deveria voltar para o ponto de partida, ou seja, a Literatura Comparada voltada para a própria obra de arte, a Literatura. • Marino nega os princípios epistemológicos dos comparatistas franceses e discorda em muitos pontos da perspectiva crítica americana. Para ele, ambos os métodos confundem-se com história literária, história da idéias com a crítica e estética, com a crítica literária. Não há um objeto definido e também confronta o “fato” com o “texto”, acarretando uma dissociação dos métodos, históricos, de um lado e teóricos, do outro. • A idéia de Marino é converter a literatura comparada para a “teoria”. Não conduzir a disciplina a um teor puramente crítico nem histórico, mas teórico, passando das relações de fato para as relações estruturais ou universais. Para o crítico este seria um meio para que a Literatura Comparada seja utilizada numa síntese teórica e metodológica coerente. • Para Marino, as tradições culturais devem ser desconsideradas na análise comparatista, visto que existem outras culturas e outras literaturas relevantes. • O conceito de literatura universal partiria do pressuposto de que ela é interlinguística e internacional, já que estudos sistemáticos nos campos histórico, teórico e morfológico permitem, segundo o autor, este tipo de prática. • A teoria literária comparativista, do ponto de vista conceitual de “invariante”, identifica-se com uma aproximação do objeto literário a uma esquematização e descrição associadas a categorias de textos e estruturas literárias. • O invariante constitui , para Marino, o ponto de intersecção entre os planos fenomenológico e histórico, onde é possível identificar similaridades e identidades em comum sem negar a realidade essencial dos elementos variáveis. • O comparativismo dos invariantes é o reflexo de uma visão voltada não para o particular e o individual mas para o geral e o universal. Mas se o invariante é um fato recorrente que traz um “retorno literário”, o tradicionalismo cronológico histórico é posto em questão, pois os invariantes se repetem. • Os prefixos pré, neo e pós perdem seu sentido. A qualquer momento, em qualquer lugar, existe precursão. • Marino propõe uma classificação tipológica de invariantes literários: • Invariantes estruturais da obra individual e da literatura universal • Invariantes relacionais que recobrem contatos entre as obras individuais e entre as literaturas nacionais. • Os invariantes estruturais começam a ser conhecidos e bem definidos. Em contrapartida, os invariantes relacionais são imperfeitamente definidos e pouco conhecidos e explorados. • Legitimar o conceito-piloto de literatura universal é um dos deveres primordiais e essenciais da teoria comparatista da literatura. A literatura universal constitui uma realidade tanto teórica quanto factual. • Só por meio dessa grade, todas as obras individuais e nacionais (como diferenças específicas) são idênticas, reconhecidas e participam de um gênero (literatura universal). Daí, Marino defende uma consciência universalista, tomando uma força que contrapõe a intenções centralistas e imperialistas. • Apesar de a natureza do objeto do “novo comparatismo” contrapor-se a um estatuto lógico-matemático, ela se constroi num sistem coerente e lógico. Longe dela estão a utopia da “exaustividade” e as noções de “verdade” e “objetividade”. • A verificação não se prende simplesmente a estruturação dos dados mas também por uma coerência intrínseca e, em seguida, pelos documentos por ela produzidos. • O resultado final dessa teoria comparatista literária constitui uma modalidade diferente de pensar sobre literatura, ou seja, só ser definida no plano específico de referência a literariedade. • Para Marino, a teoria da literatura comparada em especial a poética, possui uma base objetiva cujo arcabouço formado de invariantes não é obstante uma da outra, visto que há a universalidade temporal e espacial. A poética comparada extrai de todas as literaturas nacionais possíveis e que constituem a “essência” da Literatura Comparada. • A teoria de Marino segundo muitos teóricos teve uma sustentação herdada de Etiemble: os invariantes possibilitam uma “base sólida” para a essência da literatura. • Por outro lado, há o perigo do pragmatismo, além de correr o risco de se esterilizar e de abrir brechas a questionamentos sobre uma “padronização” do comparatismo.