Caso Clínico:TUBERCULOSE Hospital Materno Infantil de Brasília Residência de Pediatria Isadora de Carvalho Trevizoli Orientadora: Dra. Lisliê Capoulade www.paulomargotto.com.br Brasília, 11 de abril de 2014 Admissão HMIB - 08/08/2013 Id: AEPL, sexo feminino, 3 meses de idade, peso 3kg Informante: Tia (mãe adotiva) QP: Tosse e febre há 1 mês HDA: há cerca de 1 mês, lactente iniciou quadro de tosse seca e febre esporádica. Há 3 semanas, apresentou piora da tosse. Há 2 semanas, a febre passou a ser diária, com 2 episódios ao dia de 38°C. Tosse evoluiu para emetizante, com episódios de vômito após a tosse. Admissão •Antecedentes: - Nascida de parto normal, pré termo (35s 2d), com 1780g E 41cm, PC 30,5. - Mãe usuária de crack e fez uso durante toda a gestação. Criança ficou com a mãe durante o primeiro mês de vida, quando passou a morar com a tia. - Dieta: Leite ninho com mucilom - Chegou ao serviço com baixa saturação ( por volta de 80% ao aa), apresentou vários acessos de tosse seca durante o exame físico. Admissão Ao exame físico: •BEG, hipocorada, taquidispneica, acianótica, afebril ao toque, irritada e chorosa no leito. •AR: MV + sem RA. Presença de RF e TSC. FR 70 irpm •ACV: RCR 2T BNF com sopro sistólico em BEE. FC 180 bpm •ABD: Fígado palpável 4 cm do RCD •HD: Síndrome Pertussóide? Pneumonia? HEMOGRAMA COMPLETO 08/08/13 Hemácias: 3,78 x10 6/uL Hemoglobina: 8,5 g/dL Hematócrito: 26,8 % Leucócitos: 8,5 x10 3/uL Neutrófilos Totais: 60,0 % (33,0 - 57,0) Bastonetes: 1,0 % (0,0 - 5,0) Segmentados: 59,0 % Eosinofilos: 0,0 % (2,0 - 6,0) Basofilos: 0,0 % (0,0 - 3,0) Monocitos: 10,0 % (6,0 13,0) Linfocitos: 30,0 % (40,0 80,0) plaquetas Exames: CÁLCIO 9,5 mg/dL TGO 39 U/L TGP 13 U/L CREATININA 0,40 mg/dL GLICEMIA 73 mg/dL POTÁSSIO 4,10 mEq SÓDIO 137,0 mEq/L URÉIA 29,0 mg/dL HD: Anemia Pneumonia Cardiopatia + Congestão pulmonar? Erro Alimentar CD: •O2 sob cateter nasal •Ampicilina Sulbactam 200mg/kg/dia •Concentrado de hemáceas, devido a suspeita de cardiopatia pelo sopro cardíaco e ainda pela extensão da pneumonia vista na radiografia de tórax •Furosemida 2mg/kg/dia 12/12h •Solicitado ecocardiograma Evolução Em 09/08 • Paciente apresentou quadro de tosse com regurgitação em grande volume, além de cianose e sialorréia. •Mantida em dieta zero e com SNG aberta. •Em 12/08 •Persistia com tosse em crise, associada a cianose. Último pico febril há 04 dias. Aceitando pouco a dieta VO. •CD: Iniciado azitromicina; Dieta por SNG; Nova radiografia. Radiografia de tórax (12/08): Opacidade no LIE. Infiltrado reticulo-nodular em ambos os lobos superiores. Seios costofrênicos livres. Área cardíaca normal. HD: Pneumonia. Evolução • Ecocardiograma (12/08): forame oval medindo 2mm com fluxo esquerda-direita. • CD: Suspendo furosemida. 14/08: • Evoluiu com piora do desconforto respiratório, com tempo expiratório prolongado, piora da ausculta (crepitações difusas bilaterais), queda de saturação (75% com O2 CN nasal 2L/min). • Máscara não reinalante com reservatória com 12L/min, sem melhora significativa (sat: 90%), mantendo dispnéia. Evolução • Colocada em CPAP com PEEP 6, Fio2: 60%. Saturação passou para 97%. Colhido gasometria: pH: 7,27; PaCO2: 60,8; PaO2: 72,9; HCO3: 27,8; Sat: 92%. Oseltamivir + swab nasal para pesquisa de H1N1 • Salbutamol + Metilprednisolona • Solicitado nova radiografia –Manter Ampicilina/ sulbactam 200mg/kg/dia (D6) –Manter Azitromicina 10mg/kg/dia (D3) –Regular para UTI Radiografia de tórax com piora importante do padrão radiológico, presença de infiltrado intersticial difuso, em todo o HT, bilateralmente Admissão UTI Ped HRSM – 14/08 –Aventada a hipótese de tuberculose, sendo solicitados realização do teste tuberculínico; Lavado Gástrico para pesquisa de BAAR/cultura. –PPD negativo. –Em 15/08, mantinha tosse importante, mas evoluiu com melhora do desconforto respiratório. Modificado oxigenioterapia para cateter nasal. –Nesse mesmo dia, apresentou 01 pico febril. Evolução –Em 18/08, foi suspenso O2 e azitromicina (D7). • Em 19/08, mantinha taquipnéia, mas sem desconforto respiratório. • Suspenso ampicilina-sulbactam (D11) e Oseltamivir (D5) • Programado alta para o HMIB, com previsão de continuar corticoterapia (total 7 dias) e salbutamol spray. Retorno para HMIB – 20/08 • Admitida em 20/08, mantendo quadro de tosse, porém sem cianose. Ao exame físico, estava eupneica. • Às 18:00, apresentou pico febril de 39˚C. • Em 21/08, voltou a apresentar dispneia leve. • CD: Suspendo metilprednisolona (D7), Salbutamol de 6/6h, Solicito exames. Evolução Ca 10,7 / Mg 1,8 / K 5,6 / Na 134 TGO 33 / TGP 49 UR 7 / Creat 0,3 Hb 9,4 / Ht 29,3 Leuco 17 200 / 72N / 2B / 3M / 25L Plaq 550 000 VHS 60 PCR 3,02 CD: Inicio Cefepime. Radiografia de tórax: Importante infiltrado pulmonar bilateral com preservação relativa apenas da base direita. Dimensões cardíacas normais. Sem sinais de derrame pleural evidente. Evolução 22/08: •Febre (38,1˚C) •24/08: •Criança irritada, voltou a apresentar crise de tosse e febre (38˚C) (ainda com <72h do inicio do ATB). 25/08: •Crise de tosse seca intensa, sem guincho ou cianose. Evoluiu com melhora após salbutamol. Evolução • 26/08: apresentou febre (38,1˚C), queda da saturação e piora do desconforto respiratório. Persistia com tosse. • Calculado escore para tuberculose = 35 (diagnóstico possível). Como apresentava: –sintomas há mais de 1mês, –infiltrado mantido há mais de 02 semanas, sem melhora com os esquemas de antibiótico utilizados –não se pode afastar a possibilidade de contato com portadores bacilíferos, • Optado por iniciar medicações (Rifampicina, Isoniazida e Pirazinamida). Evolução Hb: 7,7; Ht 23,6 Leuco 27 100 / 85N / 7B / 5M / 10L / Plaq 460 PCR 19,20 VHS 120 Modificado antibioticoterapia para meropenem Realizado transfusão de concentrado de hemácias 27/08: Persistia com febre e tosse irritativa, em crises Como apresentou piora clínica e laboratorial compatível com infecção bacteriana, foi suspenso esquema RIP. Evolução • Em 29/08 (D3 Meropenem), persistia com febre e desconforto respiratório. Coletada gasometria em ar ambiente: pH 7,32 / pO2 31,2 / pCO2 40,6. • Com hipótese de pneumocistose, foi iniciado sulfametoxazol-trimetropim (100mg/kg/dia) e prednisolona (1,5mg/kg/dia, já que pO2 < 70). • Evoluia com melhora importante das crises de tosse. Último pico febril em 30/08 Evolução Em 06/09: Por volta das 03h, lactente evoluiu com cianose, queda da saturação (78%), gemência e bradicardia. Iniciadas manobras de RCP. Realizado adrenalina. Foi realizado IOT com tubo n°4. Administrado total de seis doses de Adrenalina e uma de Bicarbonato de Sódio 1mEq/Kg. PCR durou cerca de 20 minutos. Evolução UTI HMIB • Iniciadas medidas de neuroproteção e dobutamina. Associado vancomicina ao esquema antibiótico e reiniciadas medicações para TB. • Evoluiu com PAM oscilando entre 22 - 30 mmHg (entre o tempo em que se perdeu o acesso venoso e a obtenção do acesso central em v. subclávia esquerda). • CPK e CKMB alterada sugerindo isquemia miocárdica. • Desde então evoluiu com diabetes insípido, choque, coma arreflexivo, hipernatremia, ausência de drive respiratório. Suspeita de morte encefálica (09/09). Evolução UTI HMIB 09/09 •15:00 - apresentou queda de saturação até 65%, seguida de bradicardia (até 58 bpm). Iniciadas manobras de reanimação e push de adrenalina. Retornou após menos de um minuto. •17:50 – apresentou PCR. Mantidas manobras de reanimação por cerca de 22 minutos. Reacoplada ao VPM com altos parâmetros. Mantendo FC entre 50 - 55 bpm, sem pulsos palpáveis. •18:54 – Constatado óbito. • Hemocultura 14/08/2013 Amostra Única- Resultado após 48 horas: Negativa Resultado após 5 dias : Negativa • VDRL, (inclusive Quantitativo) 14/08/13 VDRL: Não Reagente • TESTE RÁPIDO HIV 14/08/13 Resultado: Não Reagente • Hemocultura coletada no dia 21/08: Negativa. • Swab nasal e retal (06/09): Negativos Cultura para BAAR – Lavado Gástrico • DISCUSSÃO 4ª causa de morte por doenças infecciosas 1ª causa de morte dos pacientes com AIDS (SIM – 2008) 22 países priorizados pela OMS = 80% carga mundial de TB Brasil: 19˚posição - número de casos 104˚ posição - coeficiente de incidência Importância em pediatria Progressão Rápida Casos sentinelas 2011: 8,7milhões de casos novos no mundo 500 000 em menores de 15 anos 64 000 óbitos infantis em decorrência de TB Etiologia Estritamente aeróbios! Bacilo de Koch – técnica de Ziehl-Neelsen • Concentração de bacilos • Intensidade e frequência do contato • Condições ambientais • Resistência natural do indivíduo Chance de infecção Liquefação da necrose caseosa Após 2-10 semanas: imunidade celular específica • Mais comum • Mantém a cadeia de transmissão da doença Manifestações Clínicas Tosse incessante, crônica, sem melhora por mais de 3 semanas; Febre > 38˚C, por mais de 2 semanas, excluindo outras causas; Perda de peso ou ganho inadequado Manifestações Clínicas PPD + Contato com TB Tuberculose Primária Típica Mais comum em crianças de 212 anos Ocorre nos primeiros 3 anos da primoinfecção Terço médio do pulmão Tuberculose Primária Progressiva Grande inóculo de bacilos ou Defesas imunológicas deprimidas Grande área de inflamação granulomatosa e exsudativa Terço médio do pulmão Tuberculose Miliar Mais comum em < 2 anos, não vacinados, imudepressão moderada a grave Interstício Pulmonar Meninges Sistema Reticuloendotelial Tuberculose Pós Primária 3 anos da infecção Adolescentes e Adultos Reativação Reinfecção Opacificação que não melhora com o uso de antibióticos – pensar em TB!! Tuberculose Perinatal • Congênita: mãe com endometrite tuberculosa ou TB disseminada – Via hematogênica ou aspiração do líquido amniótico – Febre, desconforto respiratório, hepatoesplenomegalia, letargia, irritabilidade, baixa ingesta, baixo peso • Neonatal: exposição a aerossóis da mãe (mais comum) Mortalidade chega a 50%!!! Clínica Inespecífica Paucibacilares Não expectoram Dificuldade em estabelecer diagnóstico Diagnóstico Contato recente com caso de TB PPD positivo Achados positivos na radiografia de tórax ou exame físico 30-40% - confirmação bacteriológica Quadro clínico Radiológico Contato com adulto tuberculoso Teste Tuberculínico Febre, tosse, adinamina, expectoração, emagrecimento, sudorese > 2 semanas Adenomegalia hilar ou padrão miliar Condensação ou infiltrado (com ou sem escavação) inalterado > 2 sem. OU evoluindo com piora ou sem melhora com uso de antibióticos comuns Próximo, nos últimos 2 anos ≥ 5mm: em não Desnutrição vacinados, grave vacinado há ≥ 2 anos, imunossuprimido s ≥ 10mm: vacinados há < 2 anos 15 5 15 Assintomático ou sintomas < 2 semanas 0 Infecção respiratória com melhora com antibiótico para germes comuns ou sem antibiótico -10 15 Condensação ou infiltrado de qualquer tipo < 2 semanas 10 Ocasional ou negativo Estado Nutricional 0 a 4mm 5 Radiografia normal -5 0 0 0 Diagnóstico ≥ 40: muito provável permite iniciar tratamento 30 a 35: possível tratamento a critério clínico < 30: pouco provável Continuar investigação Teste Tuberculínico Inoculação intradérmica de um derivado protéico purificado do M. tuberculosis para medir a resposta imune celular a estes antígenos Apenas este achado não significa doença ativa. Teste Tuberculínico > 5 mm: Infectados com HIV Contatos recentes (< 2 anos) de TB pulmonar vacinados com a BCG há mais de 2 anos Indivíduos não tratados para TB e portadores de lesões sequelares na radiografia de tórax Imunossuprimidos por outras razões TT > 10mm Contatos recentes de TB com BCG há menos de 2 anos Crianças < 4 anos Usuário de drogas injetáveis Populações indigenas TT > 15mm Sem fator de risco Teste Tuberculínico Falsos positivos Infecção por outras micobactérias Vacinados pelo BCG, principalmente se vacinados após o primeiro ano de vida, quando reações maiores e mais duradouras Falsos Negativos Erro na técnica Tuberculínica mal conservada Contaminação, diluição errada ou desnaturação Injeção profunda ou de quantidade insuficiente Administração após 20 minutos da aspiração Leitor inexperiente ou com vicío de leitura Teste Tuberculínico Falsos Negativos Biológicas Tuberculose ativa (grave ou disseminada) Outras infecções bacterianas (febre tifóide, brucelose, pertussis, hanseniase) HIV (principalmente se CD4 < 200) Infecções virais (sarampo, varicela) Infecções fúngicas (blastomicose) Vacinação com vírus vivo recente Uso de imunossupressores Desnutrição, insuficiência renal, DM e outras condições metabólicas Linfoma, LLC, sarcoidose Idade: < 6 meses ou idosos Febre durante a inoculação ou desidratação acentuada Ensaios para detecção de gama interferon (IGRAs) Estimula a resposta celular utilizando peptídeos (ausentes no BCG e em outras micobactérias atípicas) Não distingue infecção latente de doença ativa Eficácia pouco avaliada em HIV e crianças TOMOGRAFIA Envolvimento endobronquial, bronquiectasias ou cavitações Meningoencefálica: hidrocefalia, espessamento meníngeo basal e infartos do parênquima cerebral Diagnóstico Baciloscopia direta: – Pesquisa do BAAR pelo método de Ziehl-Nielsen – Permite detectar de 60% a 80% dos casos de tuberculose pulmonar Cultura: – Aumenta a sensibilidade em até 30% – Meio sólido (base de ovo, Löwenstein-Jensen e OgawaKudoh): Crescimento 14 a 30 dias (8 semanas) Lavado Gástrico: principal meio de obter material para cultura Tratamento 10 anos: adiciona etambutol na fase de ataque Meningoencefalite: Corticoterapia: prednisolona por 4 semanas ou dexametasona por 4-8 semanas Mantém fase de manutenção por 7 meses Prevenção da Infecção Latente RN co-habitante de caso índice bacilífero Quimioprofilaxia primária com Isoniazida Após 3 meses, realizar teste tuberculínico ≥ 5mm < 5mm Manter QP por mais 3 meses Suspender QP e administrar BCG Tratamento da Infecção Latente Indicações: Crianças contactantes de bacilíferos - PT ≥ 5mm: crianças não vacinadas com BCG, vacinadas há mais de 2 anos ou imunossuprimidos - PT ≥ 10mm: crianças vacinadas com BCG há menos de 2 anos Reduz 60-90% o risco de adoecimento Isoniazida – na dose de 5 a 10 mg/kg de peso, por 6 meses Vacina BCG • As crianças devem ser vacinadas o quanto antes, se possível logo após o nascimento (≥2kg). • Protege contra as manifestações graves da (disseminações hematogênicas e a meningoencefalite) • A imunidade se mantém por 10 a 15 anos. Obrigada!! Nota do Editor do site, Dr. Paulo R. Margotto. Consultem também! Clique Aqui! :: Seminário da Universidade Católica de Brasília:Tuberculose (com link para Tuberculose congênita) Autor(es): Paulo Heitor Carvalho C. de Godoi A TB congênita , embora rara, é associada com alta mortalidade perinatal. A Rifampicina , Isoniazida e Etambutol são as drogas de primeira linha, enquanto que o uso de Pirazinamida na gravidez está ganhando popularidade. Terapia preventiva com isoniazida é uma inovação da OMS e visa reduzir a infecção em gestantes HIV positivas. Para os bebês que nascem destas esta mães deve ser iniciado profilaxia com INH por seis meses, após o qual são vacinadas com BCG se eles apresentarem teste negativo