Capítulo 1 - Mudança
É a história da retirada de uma família, fugindo da seca. Fazem parte
dela Fabiano, sua esposa Vitória, dois filhos, caracterizados pelo autor
apenas como " menino mais novo" e "o menino mais velho", e a
cachorra Baleia (deve-se lembrar que o romance fala em seis viventes,
contando com o papagaio que eles comeram por não haver comida por
perto). Nesse capítulo temos a descrição da terra árida e do sofrimento
da família. As personagens não se comunicam; apenas duas vezes o
pai, irritado com o menino mais velho, xinga-o. Essa falta de diálogos
permanece por todo o livro, como também a intenção de não dar nome
às crianças, para caracterizar a vida mesquinha e sem sentido em que
vivem os retirantes, que não têm consciência de sua situação, embora,
ainda nesse primeiro capítulo, Fabiano e Vitória sonhem com uma vida
melhor: "Sinhá Vitória, queimando o assento no chão, as moas
cruzadas segurando os joelhos ossudos, pensava em acontecimentos
antigos que não se relacionavam: festas de casamento, vaquejadas,
novenas, tudo numa confusão.
Mais adiante é Fabiano quem sonha: "Sinhá Vitória vestiria uma saia
larga de ramagens. A cara murcha de sinhá Vitória remoçaria, as
nádegas bambas de sinhá Vitória engrossariam, a roupa encarnada de
sinhá Vitória provoca ria a inveja das outras caboclas ... e ele, Fabiano,
seria o vaqueiro, para bem dizer seria o dono daquele mundo... Os
meninos se espojariam na terra fofa do chiqueiro das cabras.
Chocalhos tilintariam pelos arredores. A caatinga ficaria verde.
Capítulo 2 - Fabiano
Mostra o homem embrutecido, mas ainda capaz de
analisar a si próprio. Tem a consciência de que mal sabe
falar, embora admire os que sabem se expressar. E
chega à conclusão de que não passa de um bicho.
Capítulo 3 - Cadeia
Aqui, pela primeira vez, aparece a figura do soldado
amarelo, que mais tarde voltará simbolizando a
autoridade do governo. Igualmente, pela primeira vez,
insinua-se a idéia de que não é apenas a seca que faz de
Fabiano e sua família pessoas animalizadas. Ele é preso
sem qualquer motivo e toma a analisar sua situação de
homem-bicho. Só que, desta vez, não tem mais coragem
de sonhar com um futuro melhor. Ao fim do capítulo,
temos Fabiano ciente de sua condição de homem
vencido e, pior ainda, sem ilusões com relação à vida de
seus filhos.
Capítulo 4 - Sinha Vitória
Se as aspirações do marido resumem-se em saber
usar as palavras adequadas a uma situação, a de
Vitória é uma cama de couro. Também essa cama
será motivo diversas vezes repetido no decorrer da
obra, como veremos adiante. Além de ser a
personagem que melhor articula palavras e
expressões, conseqüência de ser talvez a que mais
tem tempo para pensar, uma vez que Fabiano
trabalha o dia todo e à noite dorme, sem ter coragem
para devaneios ou para falsear sua dura realidade,
ela é caracterizada como esperta e descobre que o
patrão rouba nas contas do marido (no capítulo
Contas).
Capítulo 5 - O Menino Mais Novo
Também ele possui um ideal na vida: o de se
identificar ao pai. No início do capítulo: "Naquele
momento Fabiano lhe causava grande
admiração."
Adiante: "Evidentemente ele não era Fabiano.
Mas se fosse? Precisava mostrar que podia ser
Fabiano."
Em seguida: "E precisava crescer ficar tão
grande como Fabiano, matar cabras à mão de
pilão, trazer uma faca de ponta na cintura. Ia
crescer espichar-se numa cama de varas, fumar
cigarros de palha, calçar sapatos de couro cru."
E finalmente: "Ao regressar, apear-se-ia num
pulo e andaria no pátio assim, torto, de perneiras,
gibão, guarda-peito e chapéu de couro com
barbicocho. O menino mais velho e Baleia
ficariam admirados."
Capítulo 6 - O Menino Mais Velho
"Tinha um vocabulário quase tão minguado coma o da
papagaio que morrera no tempo da seca. Valia-se, pois,
de exclamações e de gestos, e Baleia respondia com o
rabo, com a língua, com movimentos fáceis de entender
Todos o abandonavam, a cadelinha era o único vivente
que lhe mostrava simpatia." O nível das aspirações dos
componentes da família decresce cada vez mais. O
ideal do menino mais velho é o de ter um amigo. A
amizade de Baleia já lhe servia: "O menino continuava
a abraçá-la. E Baleia encolhia-separa não magoá-lo,
sofria a carícia excessiva."
Capítulo 7 - Inverno
Temos a descrição de uma noite chuvosa e os
temores e devaneios que desperta na família de
Fabiano. A chuva inundava tudo, quase inundava a
casa deles também, mas eles sabiam que dentro em
pouco a seca tomaria conta de suas vidas outra vez.
Capítulo 8 - Festa
Apresenta primeiramente os preparativos da família,
em casa, para ir à festa de Natal na cidade e, em
seguida, dirigindo-se à festa. É, senão o mais, um dos
mais melancólicos capítulos do livro — quando as
personagens centrais da história, em contato com
outras pessoas, sentem-se mais humilhadas,
mesquinhas e ate mesmo ridículas. Percebem a
distância em que se encontram dos demais seres e
isso é novo motivo de humilhação para eles. Resta a
sinhá Vitória a solução do devaneio: "Sinha Vitória
enxergava, através das barracas, a cama de seu
Tomás da bolandeira. unia cama de verdade."
Para Fabiano, não há esperanças: "Fabiano roncava
de papo para cima... Sonhava agoniado... Fabiano se
agitava. soprando. Muitos soldados amarelos tinham
aparecido, pisavam-lhe os pés com enormes retinas e
ameaçavam-no com facões terríveis."
Capítulo 9 - Baleia
Conta a morte da cachorra. Caíra-lhe o pêlo, estava
pele e ossos, o corpo enchera-se de chagas. Fabiano
resolve matá-la para aliviar os sofrimentos dela. Os
filhos percebem a situação, magoados e feridos por
perderem um “irmão”: "Ela era como uma pessoa da
família: brincavam juntos os três, para bem dizer não
se diferenciavam..."
Já ferida, com os demais membros da família
chorando e rezando por ela, Baleia espera a morte
sonhando com outro tipo de vida: "Baleia queria dormir
Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia
as mãos de Fabiano. um Fabiano enorme. As crianças
se esposariam com ela, rolariam com ela num pátio
enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo
cheio de preás gordos, enormes."
Percebe-se, aliás, que dos seis componentes da
família, Baleia é quem, ao lado de Vitória, com maior
clareza, consegue elaborar seus devaneios.
Capítulo 10 - Contas
É outro capítulo melancólico. Se em Cadeia
Fabiano conscientiza-se de que há no mundo
homens que, por possuírem uma posição
social diferente da dele, podem machucá-lo,
se em Festa os familiares percebem sua
situação inferior e desajeitada e sentem-se
ridículos, agora chegam à conclusão de que
pessoas com dinheiro também podem
aproveitar-se deles. São duas as reações de
Fabiano ao notar-se roubado pelo patrão:
primeiro revolta, depois descrença e
resignação. Vale a pena ressaltar nesse
capítulo que é sinhá Vitória quem percebe
que as contas do patrão estão erradas. Ela é
caracterizada como a mais arguta e
perspicaz dos seis viventes da família.
Capítulo 11 - O Soldado Amarelo
Temos uma descrição mais profunda desta personagem. Observa-se
que, fisicamente, é menos forte que Fabiano; moralmente é uma pessoa
corrupta, enquanto Fabiano é honesto; contudo é por ele respeitado e
temido, por ocupar o lugar de representante do governo.
Capítulo 12 - O Mundo Coberto de Penas
A seca está para chegar outra vez, prenunciando mais miséria e
sofrimento. Fabiano faz um resumo de todas as desgraças que têm
marcado sua vida. Há muito não sonha mais. Seus problemas agora
são livrar-se de certo sentimento de culpa por ter matado Baleia e fugir
de novo.
Capítulo 13 - Fuga
Continua a análise de Fabiano a respeito de sua vida. A esposa juntase a ele e refletem juntos pela primeira vez. Vitória é mais otimista e
consegue transmitir-lhe um pouco de paz e esperança por algum
tempo. E numa mistura de sonhos, descrenças e frustrações termina
o livro. Graciliano Ramos transmite uma visão amarga da vida dos
retirantes
Tipos de Narrador
No romance "Vidas Secas", de Graciliano Ramos,
encontramos a narração em terceira pessoa, com
narrador onisciente. Podemos encontrar muitas vezes os
discursos indiretos livres. É o próprio narrador que revela
o interior dos personagens através de monólogos
interiores. O foco narrativo ganha destaque ao converter
em palavras os anseios e pensamentos das
personagens.
"... Aí, a coleira diminuiu e Fabiano teve pena".
(Cap. 01 – Mudança)
Tempo da Narrativa
O tempo de narrativa medeia duas secas. A
primeira que traz a família para a fazenda e a
segunda que a leva para o Sul. Mesmo possuindo
algumas referências cronológicas na obra, o tempo
é psicológico e circular.
"... Sinhá Vitória é saudosista. Lembra-se de
acontecimentos antigos, até ser despertada pelo
grito da ave e ter a idéia de transformá-la em
alimento".
(Cap. 01 – Mudança)
Espaço da Narrativa
O espaço é físico, refere-se ao sertão
nordestino, descrito com precisão pelo autor.
"... na lagoa seca, torrada, coberta de
caatingas e capões de mato".
(Cap. 11 – O soldado Amarelo)
Personagens:
Personagem Protagonista
Fabiano – Nordestino pobre, marido de Sinhá Vitória,
pai de dois filhos. Procura trabalho
desesperadamente, bebe muito e perde dinheiro no
jogo. Possui grandes dificuldades lingüísticas, mas é
consciente delas. Homem bruto com dificuldade de se
expressar, possui atitudes selvagens. Por não saber
se expressar entra num processo de isolamento,
aproximando-se dos animais, com os quais se
identifica melhor.
Personagem Antagonista
Soldado Amarelo – Corrupto, oportunista e medroso, o
Soldado Amarelo é símbolo de repressão e do
autoritarismo pelo qual é comandado (ditadura
Vargas), porém não é forte sozinho; sem as ordens da
ditadura, é fraco e acovarda-se diante de Fabiano.
Personagens Adjuvantes:
Sinha Vitória – Mulher de Fabiano, sofrida, mãe de dois
filhos, lutadora, sonhadora e inconformada com a
miséria em que vive, trabalha muito. É a mais
inteligente de todos controlando assim as contas e os
sonhos de todos.
Filho mais novo e Filho mais velho – São crianças
pobres e sofridas que não tem noção da miséria em
que vivem. O mais novo vê no pai um ídolo, sonha
sobressair-se realizando algo, enquanto o mais velho é
curioso, querendo saber o significado da palavra
inferno, desvendar a vida e ter amigos.
O dono da fazenda – Contrata Fabiano para trabalhar
em sua fazenda, desonesto, explorava seus
empregados.
O fiscal da prefeitura – Intolerante e explorador.
Baleia – Cadela da família, tratada como gente,
humanizada em vários momentos e muito querida das
crianças.
Tomás de Bolandeira - Aparece somente por meio de
evocações, é tido como referência por Fabiano e Sinhá
Vitória.
Seu Inácio – Dono do bar.
Vidas Secas começa por uma fuga e acaba com outra:
ROMANCE CIRCULAR
Vidas secas possui uma estrutura desmontável:
ROMANCE MODULAR
Vidas secas é uma obra SECA sobre a SECA:
ROMANCE ÁRIDO
Mas será apenas a seca o motivo dessa fuga?
Percebemos no romance a descrição de dois
mundos: o mundo de Fabiano e o mundo composto
pela sociedade. Do primeiro, fazem parte Fabiano,
sinhá Vitória, o menino mais velho, o menino mais
novo, Baleia e o papagaio. Do segundo, seu Tomás
da bolandeira, o patrão de Fabiano e o soldado
amarelo. Tanto as personagens do primeiro grupo
como as do segundo vivem na mesma região,
sofrendo todas a mesma seca. Por que não foge
dela o patrão de Fabiano? Porque ele possui as
terras e o dinheiro, porque ele emprega os
trabalhadores segundo suas próprias leis, fazendo
deles meros escravos sem qualquer direito a uma
vida digna e independente.
Caracterizado como dono e opressor, o patrão não
tem necessidade de fugir da seca. De seu Tomás
também Fabiano sente-se distante. Porque seu
Tomás era culto, sabia comunicar-se com precisão,
ao passo que ele, Fabiano, só sabia grunhir e mal
articulava uma ou outra palavra.
Se o dinheiro do patrão representa um fator de
humilhação para Fabiano, a linguagem de seu
Tomás significa a cultura e a educação que Fabiano
jamais poderá possuir. E ele se humilha mais uma
vez.
Seu Tomás simboliza ainda um status econômico de
segurança e conforto. De fato, sinhá Vitória manifesta
sempre o desejo de possuir uma cama igual a dele, e
esse sonho é a mais alta aspiração que possui. O
soldado amarelo, por sua vez, simboliza o governo.
Metido num “fuzuê sem motivo”, Fabiano acaba preso.
Temos agora um Fabiano não apenas humilhado, mas
vencido, consciente de sua situação animalizada dentro
de uma sociedade em que os mais fortes sempre
vencem os mais fracos. E é por esse mesmo motivo
que, no capítulo O Soldado Amarelo, ficando as duas
personagens, lado a lado, sem mais ninguém por perto
e Fabiano, podendo revidar a injustiça anteriormente
sofrida, resolve deixá-lo em paz.
Entre os dois mundos que acabamos de descrever
“não há um sistema de trocas, senão um
mecanismo de opressão e bloqueio”. O que parece
ser importante para Graciliano Ramos é denunciar a
desigualdade entre os homens, a opressão social, a
injustiça. São esses os temas de Vidas Secas, por
isso foi dito no início desta análise que o livro não
deve ser considerado apenas regionalista. Em
momento algum o esmagamento de Fabiano e de
sua família é explicado apenas pela seca ou por
qualquer fator geográfico.
ZOOMORFIZAÇÃO = ANIMALIZAÇÃO
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VIDAS SECAS