A menina gigante Ana Grande era uma menina que talvez tivesse a tua idade. Que ia à escola, como tu, que brincava no recreio quando chegava a hora, que fazia os trabalhos de casa sem muita vontade, que gostava de ver televisão e que nunca ia tomar banho sem antes inventar mil e uma desculpas para não o fazer. Que gostava de vestidos com flores e de fazer compras no centro comercial. Que fazia birras na hora de comer a sopa. Que protestava, de manhã, quando, no Inverno, tinha que sair da sua cama quentinha para ir para a escola. Ana Grande, porém, era um bocadinho maior do que tu. Era mesmo muito maior do que tu, do tamanho, mais ou menos, de uma pessoa crescida, embora o seu rosto e os seus modos fossem exatamente iguais aos dos meninos e meninas da idade dela, que é a tua idade. Ana era tão grande que, nas aulas, tinha que ficar sentada na fila de trás da sala, para não estorvar os colegas que queriam ver o que a professora escrevia no quadro. Tão comprida que não podia jogar às escondidas, nem às caçadinhas, pois nunca conseguia esconder-se sem que uma parte do seu corpo ficasse demasiado visível, nem lhe custava nada agarrar os outros meninos, quando estes tentavam fugir-lhe, visto que lhe bastava dar um passo e esticar o braço para que qualquer um ficasse ao seu alcance. Na verdade, Ana Grande não só não podia brincar com os amigos da escola, como também se transformou em objeto de maldade dos outros meninos, que corriam à sua volta, gozando enquanto lhe chamavam: Menina de andas! Menina de andas! Menina de andas! Na escola Foi ela! os meninos apontavam- na de cada vez que alguém fazia uma asneira. E se a professora, de castigo, marcava mais trabalho de casa, os colegas ainda Foi a Ana Grande! lhe se Bem feita! juntavam à sua volta para gritarem: Bem feita! Bem feita! Nessas ocasiões, Ana Grande sentia-se triste, confusa e envergonhada. Chorava com a cabeça encostada aos joelhos e punha-se a pensar: Porque é que eu sou assim tão grande ? Porque é que não consigo fazer nada direito? Porque é que ninguém gosta de mim? Porque é que só eu sou tão grande e os outros são todos baixinhos? Porque é que os meus pais não são maiores do que os pais dos outros meninos? Se sou grande e sou filha deles, eles deviam também ser grandes como eu. Se eu sou gigante, a minha família também tinha que ser uma família de gigantes. Como se isso não bastasse, Ana era também um bocado trapalhona e desengonçada, o que por certo se devia ao seu tamanho excessivo e ao facto de, por dentro, ser ainda uma menina como tu. Percebeste? Não? Então imagina que calças os sapatos do teu pai e a roupa do teu pai – ou os sapatos de salto alto da tua mãe e os vestidos da tua mãe. Agora tenta andar, tenta mexer-te, agarrar nos objetos à tua volta, pois suponho que é assim que ela se sentia: incómoda e incapaz de controlar totalmente os movimentos. Por isso, quando Ana se virava de repente para fazer isto ou aquilo, era quase certo que uma parte do seu corpo ia, sem que ela o quisesse, esbarrar contra algo que estivesse quieto, como uma jarra de vidro que logo caía no chão e se partia, ou um livro que tombava sobre um copo que, por sua vez, se inclinava até derramar o leite que tinha dentro. Desmiolada! Mas quando é que tu cresces e paras de fazer asneiras? E isto era tanto verdade na escola como em casa. Aqui os pais ralhavam-lhe e chamavam-lhe: E acontecia-lhe mesmo achar que era um monstro, pois em todas as histórias que conhecia os gigantes são todos monstros e são todos maus. Todos menos o Gulliver, que é um gigante bom, embora no princípio dessa história os anões também pensem que ele é um gigante mau. Mas o Gulliver é um gigante bom e, na verdade, Ana Grande nem sequer sabia muito bem Gulliver, quem era pois preferia telenovelas, ou, o ver então, histórias com princesas bondosas e príncipes apaixonados. Certo dia, depois de ver no telejornal da televisão uma notícia sobre meninos adotados, Ana Grande ficou a pensar que talvez os seus pais não fossem seus pais de verdade. Foi a correr para a sala e perguntou: E os pais de Ana, olhando um para o outro um bocado atrapalhados, baixaram os olhos para o chão e confirmaram: Sim, és! Mas nós gostamos muito de ti. Pai? Mãe? Eu sou adoptada? Ana Grande, porém, já não quis escutar mais nada. Foi-se deitar sem lavar os dentes e, como de costume, dormiu com os pés fora da cama, embora não tenha realmente chegado a adormecer, pois esteve toda a noite a pensar naquilo que tinha descoberto. Olá! Como te chamas? Que idade tens? O que estás aqui a fazer? Porque estás tão triste? E, no dia seguinte, em vez de ir para a escola, pegou na mochila e foi sentar-se num banco de jardim, disposta a não regressar a casa, nem nesse dia nem nunca mais. Estava assim, triste e a chorar, abraçando as pernas para se aquecer (pois já era Outono e tinha estado a chover), quando sentiu que alguém lhe tocava no ombro e lhe dizia: Era uma senhora que lhe sorria e que, de repente, lhe pareceu muito alta. Sentou-se ao seu lado no banco do jardim e perguntoulhe: Sabes?... Quando eu era da tua idade tinha o mesmo problema e também pensava que ninguém gostava de mim. Depois, conheci outras pessoas como eu e como tu, grandes, e descobri que o meu tamanho podia ser útil em algumas coisas. Foi assim que comecei a jogar basquetebol… E, quando Ana Grande lhe explicou tudo, a senhora altíssima começou a dizer: Se quiseres, eu levo-te a conhecer outros meninos como tu. E, se gostares de jogar, podes vir para a nossa equipa. A sério? Sério. Mas tens que me prometer que voltas para casa. Depois eu vou lá explicar tudo aos teus pais. Depois, vendo que a Ana se animava, continuou: E foi assim que Ana Grande começou a jogar basquetebol. Tão bem que hoje é quase uma profissional. Tem um monte de amigos do seu tamanho, que são os seus colegas de equipa e que admiram o modo como ela escapa com a bola por entre os adversários, depositando-a, quase sem esforço, no cesto. Os pais, que não perdem um jogo, ficam inchados de tanto orgulho e, no fim, correm para serem os primeiros a abraçá-la e a dar-lhe os parabéns. E os meninos da escola até têm um bocadinho de inveja quando a vêem jogar na televisão. Texto de Manuel Jorge Marmelo e Maria Miguel Marmelo Ilustrações de Simona Traina