As religiões orientais negavam à mulher a sua natureza racional. O judaísmo manifestou-se sempre como uma religião de varões. Mais ainda: no idioma do Antigo Testamento, as palavras piedoso, justo e santo não têm feminino. Pois que todos somos filhos do mesmo Pai, Jesus coloca os homens e as mulheres no mesmo nível. E preocupa-Se continuamente com elas durante a sua vida pública. Um grupo feminino seguia o Mestre por povoações e cidades. Algo inconcebível para os rabinos de então, que proibiam falar com uma mulher fora de casa. Além disso, numerosos milagres de Jesus têm como destinatárias as mulheres. Marcos narra-nos dois desses milagres, intercalados um no outro, e os dois realizados em benefício de duas mulheres. Marcos 5, 21-43 // 13 domingo Tempo Comum –B- // 28 junho 2009 Naquele tempo, depois de Jesus ter atravessado de barco para a outra margem do lago, reuniu-se grande multidão à sua volta, e Ele deteve-se à beira-mar. Chegou então um dos chefes da sinagoga, chamado Jairo. Ao ver Jesus, caiu a seus pés e suplicou-Lhe com insistência: –A minha filha está a morrer. Vem impor-lhe as mãos, para que se salve e viva. Jesus foi com ele, seguido por grande multidão que O apertava de todos os lados. Os caminhos da fé, os graus de adesão e relação com Jesus, são distintos em cada pessoa. Mas a fé supõe sempre o encontro e diálogo pessoal com Ele. Ora, certa mulher que tinha um fluxo de sangue havia doze anos, que sofrera muito nas mãos de vários médicos e gastara todos os seus bens, sem ter obtido qualquer resultado, antes piorava cada vez mais, Hoje em dia é difícil compreender a magnitude da tragédia da mulher que o texto narra. Qualquer emanação de sangue deixava em estado de impureza por um tempo. Neste caso, doze anos. Doze anos em que esta mulher não tinha recebido nem um beijo, nem um abraço, nem um aperto de mão de nenhum ser humano. Não podia tocar nem ser tocada. Nem o seu marido nem os filhos, se os tinha, podiam passar por cima da norma. A sociedade inteira a recuzava. Sociedade hipócrita que valoriza as pessoas pelos sinais externos e não pelo que verdadeiramente são. Tendo ouvido falar de Jesus, veio por entre a multidão e tocou-Lhe por detrás no manto, dizendo consigo: «Se eu, ao menos, tocar nas suas vestes, ficarei curada». A mulher atreveu-se; mesmo não sendo fácil. Crê que Jesus é o único que a pode curar. Desembaraça-se dos preconceitos religiosos que a impedem por-se em contacto com Ele. Atreve-se a tocar aquele homem que emana bondade e compreensão, que tem uns olhos profundos que não recusam o seu olhar, que convidam à confiança, à fé. Atreveu-se. Tocou para ser curada. No mesmo instante estancou o fluxo de sangue e sentiu no seu corpo que estava curada da doença. O contacto com Jesus tinha-a curado, tinha-a tornado livre para voltar a beijar, a abraçar, a acariciar os seus e a todos os que necessitassem. O seu coração, tão necessitado de contactos humanos, sentia a plenitude que a levava a amar o mundo inteiro, em especial aqueles que, como ela, eram pessoas recusadas e excluidas pela sociedade. Podemos compreender os sentimentos que Jesus lhe trasmitiu: ligeireza de alma, plenitude de espírito, alegria transbordante, necessidade de partilhar... Jesus notou logo que saíra uma força de Si mesmo. Voltou-Se para a multidão e perguntou: –Quem tocou nas minhas vestes? Jesus quer conhecer a quem põe a sua fé n’Ele. Não terminou o milagre. Quer devolver a confiança em si mesma àquela mulher. Ajudá-la a sair do anonimato. Não era fácil confessar em público o que tinha feito. A sua actuação tinha convertido Jesus em impuro (Lv 11, 44-45 – 15, 25-27). De novo se atreveu e foi capaz de se sobrepor a todos os medos e ao “que dirão”. Dar testemunho da fé implica sair do anonimato e dar a cara. Os discípulos respnderam-Lhe: –Vês a multidão que te aperta e perguntas: “Quem Me tocou”? Mas Jesus olhou em volta, para ver quem O tinha tocado. A mulher, assustada e a tremer, por saber o que lhe tinha a contecido, veio prostrar-se diante de Jesus e disse-lhe a verdade. Jesus respondeu-lhe: –Minha filha, a tua fé te salvou. Muitas pessoas tocam Jesus, mas poucas com a fé desta mulher. Não são iguais todas as formas de se aproximar de Jesus. Jesus não atribui as curas a si mesmo. Recorda algo realmente surpreendente: “A tua fé te salvou”. “A tua fé te curou”. Jesus diz à mulher que a fé é a causa da sua saúde. Na pessoa que crê há sempre algo que a pode salvar e libertar de tudo o que a desumaniza e a impede viver. A fé opera o milagre. A fé é uma postura de total confiança numa Pessoa, de entrega, de esperança. A fé cura integralmente, a fé salva. Ainda Ele falava, quando vieram dizer da casa do chefe da sinagoga: –A tua filha morreu. Porque estás ainda a importunar o Mestre? Mas Jesus, ouvindo estas palavras, disse ao chefe da sinagoga: –Não temas; basta que tenhas fé. E não deixou que ninguém O acompanhasse, a não ser Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago. Já não se trata de curar uma doença. Agora o problema é maior. Jesus pede que se mantenha a fé, ainda que as circunstâncias se agravem. Ao colocarem-se as coisas mais difíceis, aparentemente sem solução, talvez a fé vacile. Também nessas ocasiões Jesus continue a dizer: “Não temas, basta que tenhas fé". Quando chegaram a casa do chefe da sinagoga, Jesus encontrou grande alvoroço, com gente que chorava e gritava. Ao entrar, perguntou-lhes: –Porquê todo este alarido e tantas lamentações? A menina não morreu; está a dormir Riram-se d’Ele. Jesus, depois de os ter mandado sair a todos, levando consigo apenas o pai da menina e os que vinham com Ele, entrou no local onde jazia a menina. Jesus impede a entrada na casa àqueles que formam o coro dos lamentos, àqueles que zombam das suas palavras e impedem que o coração mantenha a esperança. Palavras pronunciadas com firmeza, com convicção interna, que soam a música celestial ao pai e à mãe da menina. Agora sim: cresce a esperança! E confiaram. Confio eu em Jesus e na sua Palavra? Pegou-lhe na mão e disse: –Talitha kum (que significa: Menina, Eu te ordeno: levanta-te). Ela ergueu-se imediatamente e começou a andar, pois já tinha doze anos. Jesus actua sem pensar nas cosequências e nas complicações. Tudo foi simples. Tomou a menina pela mão e ordenou que se levantasse. Ao tocar um cadáver, Jesus volta a tornar-se impuro (Núm 19,11), o que parece que não lhe importa em absoluto nem lhe dá medo algum. Jesus diz-me essas mesmas palavras: "a ti te digo, levanta-te". Levanta-te da preguiça, da rotina, do desânimo, da prepotência, do medo, da tristeza, do egoísmo... Jesus deseja curar-me, tocar-me, vir a minha casa. Diz-me: tem fé e basta. A tua fe está a curar-te. Olha-me, pregunta-me, dá-me a mão... Ficaram todos muito maravilhados. Jesus recomendou-lhes insistentemente que ninguém soubesse do caso e mandou dar de comer à menina. Esta revelação é todavia imperfeita. Há que esperar a outra vitória mais sublime e reveladora: a vitória sobre a sua própria morte. Então, poderão divulgar tudo. Para se levantar e continuar a viver, a menina necessita de comer. Todas as pessoas necessitam ter alimento para uma vida justa e digna. A nossa missão é dar de comer, partilhar pão, alegria, consolo, esperança... àqueles que se cruzam no nosso caminho. Tenhamos presente agora as mãos de Jesus. Mãos capazes de transmitir confiança, de expressar afecto, de oferecer segurança, de dar amor... Mãos abertas para acariciar e abençoar as crianças, mãos estendidas para socorrer os que são lançados à beira do caminho incapazes de seguir a sua caminhada, mãos sanadoras para curar os corpos dilacerados e os espíritos maltratados, mãos trabalhadoras que lançam as redes ou moldam a pedra, mãos que marcam o caminho e estimulam a seguir adiante, mãos que levam à plenitude. Pedimos-Te que nos estendas a tua mão para que o teu toque nos revitalize, o teu beijo nos vivifique e o teu abraço consiga que sejamos conscientes da tua proximidade. Acompanhados por Ti também seremos capazes de nos tornarmos próximos dos nossos irmãos e irmãs. Ajuda-nos a estender as nossas mãos a quem precisa delas. Contamos com o teu apoio. Ajuda-nos a não perder a fé e a sentir o contacto das tuas mãos nas nossas. AMÉN