Direito de Vizinhança – Nas palavras de Sílvio Rodrigues, são “regras que ordenam não apenas a abstenção da prática de certos atos, como também de outros que implicam a sujeição do proprietário a uma invasão de sua órbita dominial” – Estas regras objetivam, em primeiro lugar, assegurar a coexistência pacífica entre os vários proprietários, particularmente os confinantes (ou seja, os vizinhos); em segundo lugar, buscam regular as relações entre estes a fim também de evitar abusos de direitos. Ou seja, limitam as prerrogativas individuais dos proprietários ao mesmo tempo em que regulam a convivência. – A natureza jurídica destes direitos, na opinião majoritária da doutrina, é que tratam-se de obrigações propter rem, “da própria coisa”, advindo os direitos e obrigações do simples fato de serem os indivíduos vizinhos. – Maria Helena Diniz aponta três formas que os direitos de vizinhança podem se apresentar: • como restrição o direito de propriedade, na medida em que regulam seu exercício; • como limitações legais ao domínio, que se assemelham a servidões; • como restrições oriundas das relações de contigüidade entre dois imóveis – Importante aqui frisar a diferença entre os direitos de vizinhança e as servidões, institutos que por vezes se confundem. – Os primeiros decorrem da vontade da lei; aquelas últimas, da vontade manifesta das partes e, excepcionalmente, da usucapião. Os direitos de vizinhança são limitação ao domínio, implicando em direitos e deveres recíprocos; já as servidões são direitos reais sobre a coisa alheia, onde o prédio dominante possui prerrogativa sobre o prédio serviente, sem que a recíproca seja verdadeira. – E, ainda, enquanto a servidão, por ser direito real sobre imóvel, só é constituída após registro em cartório, os direitos de vizinhança dispensam registro e surgem da mera contigüidade entre os prédios – Fala-se em direito de vizinhança para se referir aos direitos que tem o proprietário de exercer sua propriedade da maneira mais completa e saudável possível, e aos quais correspondem deveres dos vizinhos. – Os direitos e deveres de vizinhança são referentes à: 1. Uso da propriedade 2. Árvores limítrofes 3. Passagem forçada 4. Passagem de cabos e tubulações 5. Águas 6. Limites entre prédios 7. Construção 1. Uso da propriedade – Uso de forma saudável, consectário da função social. – É dever dos vizinhos usarem e possuírem os respectivos prédios de forma saudável, de modo a não incomodarem o exercício dos direitos dos demais. – Segurança, sossego e saúde. – A contrariedade é o uso nocivo, uso anormal da propriedade. – Como exemplos de uso nocivo da propriedade e abuso de direitos, temos: • Poluição de águas comuns pelo lançamento de resíduos; • Existência de árvores que ameaçam tombar no prédio contíguo; • Festas noturnas espalhafatosas em residências; • entre outros. – O paragrafo único do art. 1277 determina que, na apuração do uso nocivo, deve-se levar em conta a natureza da utilização, a localização do imóvel e os limites de tolerância ordinários na vizinhança. – Confirmado o uso nocivo, o prejudicado tem o direito de exigir que o vizinho faça cessar a interferência prejudicial ao uso saudável (1277 caput). Tal direito não prevalece no caso de interesse público, mas ao prejudicado é assegurada a indenização. (1278) – Ações cabíveis: • • • • De nunciação de obra nova De dano infecto Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer Demolitória 2. Das árvores limítrofes – Nossa legislação prevê três hipóteses de conflitos derivados por árvores limítrofes: • • • quando as árvores nascem nos confins entre dois prédios; quando há a invasão de um prédio pelos ramos e raízes de árvore pertencente ao prédio contíguo; a questão sobre a propriedade dos frutos caídos de árvore situada em terreno confinante – No primeiro caso, Pontes de Miranda denomina tal árvore de árvore-meia, e a cada proprietário pertence metade da coisa, ou seja, a árvore que se encontra em ambos os terrenos, na divisão entre os mesmos, é considerada coisa comum. – Assim, somente podem ser cortadas ou arrancadas de comum acordo, devendo ser repartida entre os donos; os gastos com sua conservação e colheita devem ser comportados igualmente, e cada companheiro deve indenizar o outro por eventuais prejuízos que der causa. – Na segunda hipótese, o art. 1283 CC permite ao proprietário do terreno invadido cortar os ramos e raízes da árvore invasora, até o plano divisório, sendo divergente na jurisprudência se esse corte só poderá ocorrer quando os ramos e raízes estiverem causando moléstia ao vizinho. – Uma vez realizado o (justo) corte, o proprietário do prédio confinante também pode se tornar proprietário dos ramos e raízes cortados. Agindo com dolo ou culpa grave no exercício do direito de corte, deverá arcar com a devida indenização ao proprietário da árvore. – Na última situação prevista, sendo o terreno público, os frutos pertencem ao dono da árvore; se particular, a queda natural dos frutos em terreno confinante permite que o proprietário deste adquira os frutos; se este provoca a queda, comete ilícito, por se apropriar do que não é seu. 3. Da passagem forçada (4.Passagem de cabos e tubulações) – A passagem forçada baseia-se em dois princípios: • no de solidariedade social que rege as relações de vizinhança • no da função econômica-social das propriedades, que interessam todo o coletivo. – Este instituto implica algumas condições fundamentais para sua ocorrência: • que o imóvel pretensamente encravado esteja, efetivamente, sem acesso a via pública, nascente ou porto, ou, pelo enunciado n. 88 do Conselho de Justiça Federal, quando este acesso existe, porém de forma insuficiente ou inadequada; • que o prédio seja naturalmente encravado, ou seja, não pode ter sido provocado, nem ao menos culposamente, pelo seu proprietário; • que o proprietário do prédio por onde se estabelece a passagem forçada receba uma indenização, nos termos do art. 1.285 do CC, fixada judicialmente ou por convenção; • que o direito seja exercido por seu titular legítimo: o proprietário, usufrutuário ou enfiteuta. – A indenização referida geralmente é calculada por peritos, de acordo com a desvalorização da propriedade e com os prejuízos que dessa passagem possam advir ao imóvel onerado, e, uma vez concedida a passagem, sua não utilização, pelo período de 10 anos, pode acarretar sua perda, podendo, no entanto, ser readquirida mediante pagamento da indenização. – Uma vez cessada as circunstâncias que caracterizem o encravamento, por mais cômoda que seja a passagem forçada, esta deverá ser extinta. – Nesta matéria enquadra-se também a questão da passagem de cabos e tubulações. Segundo Venosa, o proprietário é obrigado a tolerar a passagem, através de seu imóvel, de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de utilidade pública, em proveito de proprietários vizinhos, quando de outro modo for impossível ou excessivamente onerosa. 5. Das águas – Esta matéria é regulada não só pelo nosso Código Civil, como também pelo Código de Águas (Dec. N. 24.643/34), e basicamente refere-se a cinco situações: • • • • • águas que fluem naturalmente do prédio superior; águas levadas artificialmente ao prédio superior; fontes não captadas; águas pluviais; aquedutos. – Na primeira situação, a lei impõe ao dono do prédio inferior a obrigação de receber as águas que correm naturalmente do superior, ou seja, exige-se que o fluxo seja natural, o que significa dizer que as águas que o prédio inferior está obrigado a receber são as de chuva e as que brotam naturalmente do solo. – Já em relação às águas impróprias, o proprietário do prédio superior deve fazer obras que evitem que estas águas escoem para o terreno vizinho, devendo indenizar este por eventuais prejuízos. – Na segunda situação, de águas levadas artificialmente ao prédio superior, divergem o Código Civil e o Código de Águas: o primeiro acolheu a posição do Código de 1916, em que o dono do prédio inferior podia reclamar que se desviassem as águas artificiais, ou que lhe fossem indenizados os prejuízos; já o Código das Águas retira a possibilidade de escolha e prevê apenas a indenização pelos prejuízos, mas jamais a permissão de impedir o escoamento das águas. – Na situação das fontes não captadas, conforme ensinamento de Sílvio Rodrigues, “o dono da fonte não captada, satisfeitas as necessidades de seu consumo, não pode impedir o curso natural das águas pelos prédios inferiores”; se o proprietário do prédio inferior tem a obrigação de receber as águas naturais do prédio superior, também tem direito aos sobejos, e aos sobejos limpos. – Ao proprietário de nascente que impedir o curso das águas, ou consumi-las além de suas necessidades, de má-fé, pode ser obrigado judicialmente não só a reparar os danos causados, como também a cessar os atos prejudiciais. – Com relação às águas pluviais, o Código de Águas estabelece que pertencem ao prédio em que caírem diretamente, podendo o dono do terreno dispor livremente, salvo existindo direito alheio em sentido contrário, nem podendo ser estas águas desviadas de seu curso natural, estando o infrator sujeito a responder por perdas e danos e ser compelido a desfazer as obras erguidas para o desvio da água. – Por fim, com relação aos aquedutos, estes representam o direito do proprietário canalizar, em proveito agrícola ou industrial, as águas a que tem direito, mediante prévia indenização. – O Código de Águas prevê ainda a possibilidade de canalização pelo prédio de outrem, também mediante prévia indenização, se para as primeiras necessidades da vida; para serviços de agricultura ou indústria; para o escoamento de águas superabundantes; e/ou para o enxugo ou bonificação de terrenos 6. Dos limites entre prédios e da demarcação – A contigüidade entre os prédios implica na necessidade de delimitação entre seus espaços, a fim de evitar disputas sobre domínios. – Em regra, o direito de demarcar é do proprietário que seja titular de um direito real: o enfiteuta, o usufrutuário, o usuário, o condômino. Porém não ao possuidor direito, como o credor pignoratício, o locatário ou depositário, tampouco ao sucessor da herança não partilhada. – Os objetivos da ação demarcatória, segundo nosso Código Civil, vão desde o levantamento de linha divisória entre dois prédios e avivação de rumos apagados, até a renovação de marcos destruídos ou arruinados, podendo o proprietário ajuizar tal ação mesmo quando não se encontrar na posse do imóvel, situação na qual pode cumular a ação demarcatória com a de restituição das áreas. – Em havendo necessidade de processo judicial para se realizar a demarcação, ao juiz é condicionado três passos para julgamento. • Em primeiro lugar, deve atentar para os títulos dominiais. A petição inicial deverá ser instruída dos títulos de propriedades, nos quais o juiz deve basear-se primordialmente para decidir o conflito. • Em sendo os títulos apresentados pelas partes colidentes ou imprestáveis a título de prova, o magistrado é autorizado legalmente a fazer uso do critério da posse, a qual determinará os limites. • Se nem com este critério o juiz formular sua convicção, ou em sendo a prova da posse incompleta, a legislação em vigor sobre o tema determina que o terreno contestado seja dividido em partes iguais e, caso não seja possível a divisão pacífica, um dos proprietários pode adjudicar a outra metade, mediante indenização do proprietário prejudicado. – Ressalte-se apenas que estas soluções não são postas à escolha do juiz; devem ser seguidas hierarquicamente: títulos > posse > divisão. 7. Do direito de construir – Venosa nos recorda que “a construção de prédio pelo proprietário é direito seu, inserido no ‘ius fruendi’ “. No entanto, o direito individual deve ser equacionado com o direito social; o direito de construir deve sofrer limitações e restrições sempre que representar prejuízo à segurança, sossego e saúde da vizinhança. – Estas limitações e restrições não são representadas apenas pelas determinações dos direitos de vizinhança, mas também pelas regras administrativas, que geralmente cabem ao Município (ex: há a proibição de construção de prédios com mais de “x” metros de altura – a depender de cada cidade – pois em caso de incêndios, o Corpo de Bombeiros não estaria habilitado a agir, por não estar equipado para lidar com esta altura). – Para se defender de construções que infringirem normas regulamentares e preceitos de direito civil, pode o prejudicado, no prazo decadencial de ano e dia, após a conclusão da obra, propor ação demolitória. O juiz, caso verifique ser impossível conservar ou adaptar a obra aos regulamentos administrativos, ou ainda verificar a existência de vícios insanáveis, ordenará a demolição da obra, como medida de último caso. – Além da demolição, deverá ser fixada a indenização em perdas e danos, caso pedida. Neste caso, o proprietário é responsabilizado pelo prejuízo, mas há grande discussão na jurisprudência sobre a possibilidade de este ajuizar ação regressiva contra o engenheiro cuja imperícia, imprudência ou negligência originou o dano (neste caso, o fundamento da condenação do proprietário se basearia na culpa in eligendo ou in vigilando).