Imprensa escrita e representações da criminalidade urbana em Macapá AP PESQUISA REALIZADA PELO GRUPO DE ESTUDO E PESQUISA SOBRE VIOLÊNCIAS E CRIMINALIZAÇÕES (GEPVIC) ORIENTADOR: PROF.º DR.º ED CARLOS GUIMARÃES ACADÊMICOS: DELQUE PANTOJA Acadêmico do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amapá e aluno bolsista do PROBIC RUBIELI OLIVEIRA Acadêmica do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amapá, aluna voluntária do PROVIC e bolsista do Grupo PET/Ciências Sociais. INTRODUÇÃO • Pesquisa documental realizada com matérias do ano de 2012 • Jornal “A Gazeta”: • Circulação diária de segunda a segunda nos 16 municípios do estado do Amapá, de segunda a sábado custa R$ 1,50 e aos domingos R$ 3,00. • Jornal “Diário do Amapá”: • Circulação diária de segunda a segunda e custa R$ 1,00. • No total foram cerca de 91 matérias analisadas dos dois jornais . Objetivos • Compreender as representações da criminalidade urbana violenta (roubos, furtos e latrocínios) ocorridos na cidade de Macapá. Esses crimes formam a tríade da criminalidade patrimonial urbana. • “A subjetividade desta fonte pode ser apreendida pelo historiador na medida em que ela se materializa nas notícias, tornando-se passível de investigação, percebendo interesses e nuanças contidas em suas folhas. (...) É preciso estar atento para as motivações que levam determinado assunto a ser publicado e o destaque que lhe é conferido nas páginas dos jornais” ( NETO,2009,p.04) Crime, pecado e falta moral • “O que é o criminoso? Alguém a quem não foi dada a adequada educação moral, que se deixa levar pelos instintos sem lhes opor freios.” (RAUTER, 2003, p.52) • Trecho de texto transcrito do jornal A GAZETA Editorial A arte de roubar “pelos maus hábitos e falta de referência do que seja ética, honradez, valores familiares e verdadeiros valores religiosos, o furto, roubo ou assalto tornaram-se mais que um pecado condenado em todas as civilizações. Tornou-se uma arte. Grosseira muitas vezes, refinadas outras. Mas, que ninguém esqueça: seja o que for, furtar, roubar, apropriar-se do que não é seu é pecado e crime, também.” (A GAZETA, 2012) “O mundo jornalístico é um microcosmo que tem leis próprias e que é definido por sua posição no mundo global e pelas atrações e repulsões que sofre da parte dos outros microcosmos. Dizer que ele é autônomo, que tem sua própria lei, significa dizer que o que nele se passa não pode ser compreendido de maneira direta a partir de fatores externos.”(BOURDIEU,1997,p. 55) Crimes Analisados JORNAIS → A GAZETA DIÁRIO DO AMAPÁ FURTOS 04 03 ROUBOS 48 31 LATROCÍNIOS 07 02 TOTAIS POR JORNAL 59 36 CRIMES ↓ A GAZETA 12% 7% Furto Roubo Latrocínio 81% • ACUSADOR: “culpabilidade individual” • Título: “Homem é preso em ‘boca de fumo’ após assaltar mulher no Renascer” (DIÁRIO DO AMAPÁ) • Título: “Polícia prende quadrilha após assalto á farmácia.” (A GAZETA) • BANALIZADOR • Título: “Assaltos aterrorizam taxistas motoqueiros em Macapá” (A GAZETA) Acima do título da matéria escrito: “Alerta” e • Título: “ Um ônibus é assaltado a cada três dias em Macapá” (DIÁRIO DO AMAPÁ) Acima do título: “Realidade” • SENSIBILIZADOR • Título: “Comerciante de 66 anos é assassinado durante assalto no Buritizal” Trecho: Revolta “ Durante o velório de João Oliveira que aconteceu em uma igreja evangélica no bairro Jesus de Nazaré, familiares e amigos do comerciante estavam revoltados pela forma como a vítima foi assassinada. ‘ Meu pai foi morto covardemente’ comentou uma filha da vítima. Ela contou que esteve com o pai durante a tarde daquele dia e que ele estava tão feliz. A mulher lembrou que nos últimos dias o comerciante estava muito animado por causa de uns projetos que pretendia executar ainda este ano. ‘Esperamos que a justiça seja feita e que os responsáveis por este crime paguem pelo que fizeram’, finalizou.” (A GAZETA) • “ELUCIDATIVO”: Raramente é observado. Procura elucidar os fatos, no sentido de esclarecer no que o crime consiste ou fatos relacionados a ele, explicar com base principalmente no Código Penal. Em apenas um dos casos observou-se a citação do código penal brasileiro. • IRÔNICO Título: “ ‘Casinha do amor’ termina na delegacia. (A GAZETA) Título: “ Trio que furtou instrumentos musicais de igreja evangélica vai fazer show no Iapen” (A GAZETA) • O que não encontra-se nos jornais analisados. • PROBLEMATIZADOR • A questão abordada é problematizada no sentido de dar ao leitor uma noção muito mais ampla das causas e dos impactos da criminalidade urbana violenta, o crime é apresentado como um problema social. Objetos A gazeta: por casos Diário do Amapá: por casos Dinheiro 32 % 31% Joias 7% 8% Celulares 20% 14% Eletroeletrônicos 7% 12% Veículos 5% 9% Arma 1% 4% Colete balístico 0% 3% Outros 11% 14% Não identificado 17% 5% • O dinheiro é o que também mais se dá destaque nos jornais, principalmente quanto á quantias grandes, não se dá ênfase em quantias relativamente pequenas, revelando que “quanto maior o produto do roubo maior também se é o crime cometido” na visão dos jornais. • Título: “Quadrilha rouba R$ 100 mil de funcionário na porta da empresa.” (A GAZETA) • Título: “Aposentada de 66 anos perde benefício para dupla de assaltantes na saída do banco”(A GAZETA) – quantia de R$ 980,00 • Título: “Gerente de empresa perde R$ 43 mil em assalto” (DIÁRIO DO AMAPÁ) • Título: “Assaltante apanha de populares após roubar R$ 50 mil de casal no centro de Macapá” Subtítulo: “Em outro assalto, quatro bandidos roubaram R$ 45 mil reais de uma agência dos Correios no Zerão” (A GAZETA) • Geralmente nas matérias é se dada pouca atenção ás vítimas dos crimes. • Dos 52 crimes de furtos e roubos noticiados no jornal A GAZETA apenas 10 vítimas foram identificadas pelo primeiro nome ou iniciais e 14 estabelecimentos comerciais, empresas e instituições. • Porém é perceptível a atenção que é dada á mesma nos casos de latrocínio: dos 7 casos noticiados em todos os 7 havia o nome completo da vítima e informações adicionais sobre a mesma. • Dos 34 crimes de furtos e roubos do jornal DIÁRIO DO AMAPÁ apenas 8 vítimas foram identificadas pelo nome ou iniciais e 11 estabelecimentos comerciais, empresas e instituições. • Enquanto que nos dois casos de latrocínios noticiados havia o nome da vítima e informações adicionais. • Esse aspecto mostra como se a seleção das informações repassadas nos jornais. Termos utilizados A representação do adolescente Apelidos • Observou-se certos termos utilizados para fazer referência aos envolvidos no crime, ou seja os acusados. • Alguns desses termos mesclam desde discursos acusadores aos mais omissos, contendo traços da crônica policial que o narrador dos acontecimentos faz uso. TERMOS A GAZETA DIÁRIO DO AMAPÁ ACUSADO 58 9 ASSALTANTE 49 39 BANDIDO 32 48 SUSPEITO 19 38 ELEMENTO 1 25 COMPARSA 12 18 QUADRILHA 17 26 CRIMINOSO 16 19 TERMO A GAZETA INFRATOR 3 DIÁRIO DO AMAPÁ BANDO 4 MELIANTE 1 CUMPLICE 1 GANGUE 2 MATADOR 1 LADRÃO 1 MENOR 34 20 ADOLESCENTE 7 2 “(...) a sujeição criminal poderia ser compreendida, ao mesmo tempo, como um processo de subjetivação e o resultado desse processo para o ponto de vista da sociedade mais abrangente que o representa como um mundo á parte. Por exemplo, ‘o mundo do crime’ (Ramalho,1983), que representa as pessoas que ‘fazem parte’ desse mundo (como ‘malandros’, ‘marginais’, ‘traficantes’, ‘bandidos’) como sujeitos criminosos. Também por isso podemos considerar que a sujeição criminal é um processo de criminação de sujeitos, e não de cursos de ação. Trata-se de um sujeito que ‘carrega’ o crime em sua própria alma; não é alguém que comete crimes, mas que sempre cometerá crimes, um bandido, um sujeito perigoso, um sujeito irrecuperável, alguém que se pode desejar naturalmente que morra, que pode ser morto, que seja matável. No limite da sujeição criminal, o sujeito criminoso é aquele que pode ser morto.” (MISSE, 2010, p. 21) A representação do adolescente • Título: “Mercearia é assaltada por quadrilha de menores no Perpétuo Socorro” • Trecho: “De acordo com informações da testemunha, um dos acusados seria um menor conhecido como ‘Oberdan’, que reside nas proximidades da mercearia.” “A condição de adolescente não é destacada. Eles são descritos como adultos. A palavra “menor” é utilizada, apesar do Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990). A ideia de “menor” está ancorada no antigo Código de Menores que tratava os problemas dos adolescentes como caso de polícia e não como caso de políticas. A imprensa demonstra uma preocupação com o combate à violência sem discutir as razões desses atos ou as políticas sociais que podem prevenir e proteger os jovens. O discurso de prevenção dá lugar a um discurso de repressão da violência e, por consequência, do adolescente.” ( SANTOS, ALÉSSIO, SILVA, 2009, p. 451) Apelidos • Título: “ ‘Mal feito’ é reconhecido por vítimas de assalto à farmácia”( A GAZETA ) • Título: “ ‘Chula’ aproveita benefício da prisão domiciliar para voltar ao mundo do crime” ( A GAZETA) • Título: “ ‘Biubiu’ morre após confronto com a polícia” ( A GAZETA) • Título: “Suspeito preso com assaltante ‘Mortadela’ é liberado por falta de prova”(DIÁRIO DO AMAPÁ) • O apelido é um aspecto que confere uma identidade ao acusado durante a narração dos fatos, identidade de criminoso. Chamar o acusado pelo apelido (mesmo quando se tem o nome completo do acusado) também é uma forma de atribui-lhe uma personalidade, e construir um personagem para a narrativa. Toda vez que o apelido for evocado mesmo que em outra matéria, se evocara um personagem da crônica. Segundo NETO (2009) os acusados passam a ganhar notoriedade por terem seus crimes registrados nos jornais e revistas. NETO (2009) que esses aspectos somam-se a técnicas como imagens e fotos dos criminosos que tornam os textos mais interessantes aos leitores. A dramatização e a teatralidade, contidas na linguagem dos noticiários, representam uma espécie de espetáculo público sobre a condição humana. Essas narrativas criminais se tornam mais próximas do gosto popular, incorporam elementos, falas das narrativas dos delegados e chefes de polícia, mas os revertem em espetáculo. • Título: “ Bandidos fazem assalto cinematográfico dentro de agência da Superfácil” (DIÁRIO DO AMAPÁ) O que temos é uma a crônica policial. Cruzamento entre gêneros: mundo da legalidade e o mundo do delito. Constantemente nos deparamos com traços de diversas narrativas de outros campos e posições discursivas presentes nas matérias. A imprensa escrita, e mais a mídia, possuem a capacidade de combinar diversos aspectos de outros campos no seu próprio discurso, além de influenciá-los e adentrar nesses campos. • Segundo PORTO (2010) o imaginário social é alimentado por conteúdos novos, á medida em que convive com representações como as de rotinização e banalização da violência, reforçadas pelo sentimento de insegurança-ele mesmo resultado de conteúdos de representações acerca da ineficácia e morosidade do aparato legal e da consequente generalização da impunidade. RAMOS & PAIVA (2005) mostram que esse quadro tem apresentado significativas mudanças ao se tratar dos estereótipos; porém, vale ressaltar, o contexto onde está inserido cada meio de comunicação enquanto campo. Esses traços combinados constroem a visão que se tem da criminalidade urbana violenta da maioria das pessoas, visão espetacularizada e estereotipada, que permeia o imaginário social e que toma o lugar da própria realidade. Referências Bibliográficas • BAUDRILLARD, Jean. Simulacros simulação. Lisboa: Relógio d’água, 1991. e • BAUMAN, Zygmunt. Medo Líquido. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. • BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997. • PORTO, Maria Stela Grossi. Sociologia da Violência. Brasília: Verbana Editora, 2010. • RAMOS, Silvia; PAIVA, Anabela. Mídia e violência: como os jornais retratam a violência e a segurança pública no Brasil. Relatório de pesquisa e anexos. Rio de Janeiro: CESeC, maio de 2005. Disponível em: <http://www.ucamcesec.com.br/at_proj_conc_ texto.php?cod_proj=215> • MISSE, Michel. Crime, Sujeito e Sujeição Criminal: aspectos de uma contribuição analítica sobre a categoria “Bandido”. Lua Nova, São Paulo, 79: 15-38, 2010. • NETO, Francisco Linhares Fonteles. Crimes impressos: a imprensa como fonte de pesquisa para a história social do crime. ANPUH-XXV SIMPOSIO NACIONAL DE HISTÓRIA-FORTALEZA,2009. Disponível em: Anpuh.org/anais/wpcontent/uploads/mp/pdf/ANPUD.S25.1062.PDF • RAUTER, Cristina. Criminologia e Subjetividade no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2003. • SANTOS, Maria de Fátima de Souza; ALÉSSIO, Renata Lira dos Santos; SILVA, Juliana Maria Moura do Nascimento. Os Adolescentes e a violência na imprensa. Psicologia: Teoria e Pesquisa Jul-Set 2009, Vol. 25 n. 3, pp. 447-452 Outras fontes: Jornal A Gazeta. Polícia.3º caderno, ano 2012 Jornal Diário do Amapá. Polícia. Ano 2012